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Na poesia, é o momento da chamada “geração de 45”, que exprimiu as suas posições em revistas como
Orfeu e Revista Brasileira de Poesia, ambas fundadas em 1947. Assumindo posição crítica em relação ao
Modernismo, esses poetas preconizaram a retomada do poema metrificado e a elevação dos temas, sem no
entanto deixar de lado o verso livre nem a conquista do quotidiano familiar como assunto válido. Os mais
característicos dentre eles praticaram o poema longo de metros largos, para exprimir uma atitude de meditação ou
traduzir as emoções com refinamento formal. Deixando de lado as influências da vanguarda europeia mais
agressiva que tinham agido sobre os modernistas, além de abandonarem o pitoresco e qualquer intenção
nacionalista, tomaram como pontos de referência poetas em cuja obra é forte a atmosfera de busca da
transcendência, como um certo Fernando Pessoa e o Rilke das “Elegias de Duino”.(...)
Geralmente incluído nesse conjunto, distingue-se dele todavia sob muitos aspectos João Cabral de Melo
Neto (1920-1999), um dos maiores poetas brasileiros, criador de linguagem original, capaz de seduzir pela pura
qualidade verbal e pela capacidade de exprimir de maneira poderosa uma realidade que parece todavia nascer da
experiência com a palavra.
O seu primeiro livro, Pedra de Sono (1942), tinha elementos surrealistas curiosamente associados a um
desígnio construtivista que se aproximaria mais do cubismo e seria a dominante na sua obra posterior. O título do
segundo livro, O engenheiro (1945), exprime essa disposição, graças à qual foi elaborando uma poesia seca,
restrita aos metros curtos, capaz de fazer do poema um objeto sólido que se apresenta ao leitor como se existisse
materialmente. Uma longa estadia na Espanha (como diplomata) familiarizou-o com os aspectos descarnados da
sua cultura: o ascetismo, a austeridade, a retidão, que dissolvem a sensualidade formal e parecem simbolizados
no título de um de seus livros, A educação pela pedra (1966). Da poesia espanhola tomou o gosto pela rima toante
e certa tonalidade de romancero, mais visíveis nas obras em que representa poeticamente a sua região, o
Nordeste, onde se alternam a paisagem árida do interior seco e a paisagem luxuriante da faixa litorânea, assim
como a opulência se alterna com a miséria. Neste rumo escreveu Morte e vida Severina (1955), onde o drama
social da sua região, a mais pobre do Brasil, encontrou uma expressão de rigorosa pungência. É visível nas suas
fases iniciais certa marca de Murilo Mendes e sobretudo Carlos Drummond de Andrade, sem prejuízo de uma forte
originalidade, que foi-se acentuando até fazer da sua poesia um inconfundível monumento de radicalidade poética,
onde a força da mensagem é função exata do rigor da construção, que experimenta com as sonoridades mais
secas da palavra, mediante um ânimo combinatório de que resultam figuras verbais com alto poder de sugestão.
(CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira.)
a) Ruptura com a poesia de inspiração: Seu trabalho poético rompe com esse mito, pois prega que a poesia não
está no sentimento do poeta ou mesmo na beleza dos fatos, mas na organização do texto, no rigor de sua
construção.
b) Busca de simetria: O ideal de simetria só pode ser atingido por meio de um trabalho rigoroso da linguagem
poética. Em O engenheiro, de 1945, o ideal de um projeto geométrico de construção emerge.
c) Objetividade da palavra escrita: Com Psicologia da composição, Fábula de Anfion e Antiode, trilogia de 1947,
rompe de vez com a fantasia e constrói poemas por meio da objetividade da palavra escrita e não pelos “estados
de alma” da tradição romântica.
d) Poesia de ênfase sociológica: A partir de 1950, com O cão sem plumas, inicia-se um ciclo de poemas de ênfase
sociológica. Prossegue com O rio e Morte e vida severina, em que a denúncia da miséria nordestina segue os dois
movimentos que aparecem no título: morte / vida.
(CAMPEDELLI, Samira Yousseff. Literatura. v.3. São Paulo: Saraiva, 1999. p.227)
Texto 3: “Tecendo a manhã” Texto 4: “O engenheiro”
Catar feijão se limita com escrever: A cana doce de Málaga A cana doce de Málaga
jogam-se os grãos na água do alguidar dá domada, em cão ou gata: não é mar, embora em praias,
e as palavras na da folha de papel; deixam-na perto, sem medo, dá sempre em pequenas poças,
e depois, joga-se fora o que boiar. quase vai dentro das casas. restos de uma onda recuada.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo; É cana que nunca morde, Em poças, não tem do mar
pois para catar esse feijão, soprar nele, nem quando vê-se atacada: a pulsação dele, nata:
e jogar fora o leve e o oco; palha e eco. não leva pulgas no pelo sim, o torpor surdo e lasso
nem, entre folhas, navalha. que se vê na água estagnada.
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Ora, nesse catar feijão entra um risco: A cana doce de Málaga A cana doce de Málaga
o de que entre os grãos pesados entre dá escorrida e cabisbaixa: dá dócil, disciplinada:
um grão qualquer, pedra ou indigesto, naquele porte enfezado dá em fundos de quintal
um grão imastigável, de quebrar dente. de crianças abandonadas. e podia dar em jarras.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase grão mais vivo As folhas dela já nascem Falta-lhe é a força da nossa,
obstrui a leitura fluviante, flutual, murchas de cor, como a palha: criada solta em ruas, praças:
açula a atenção, isca-a com o risco. ou a farda murcha dos órfãos, solta, à vontade do corpo,
desde novas, desbotadas. nas praças das grandes várzeas.
— Severino retirante, ainda mais quando ela é ver a fábrica que ela mesma,
deixe agora que lhe diga: esta que vê, severina; teimosamente, se fabrica,
eu não sei bem a resposta mas se responder não pude vê-la brotar como há pouco
da pergunta que fazia, à pergunta que fazia, em nova vida explodida;
se não vale mais saltar ela, a vida, a respondeu mesmo quando é assim pequena
fora da ponte e da vida; com sua presença viva. a explosão, como a ocorrida;
nem conheço essa resposta, mesmo quando é uma explosão
E não há melhor resposta
se quer mesmo que lhe diga; como a de há pouco, franzina;
que o espetáculo da vida:
é difícil defender, mesmo quando é a explosão
vê-la desfiar seu fio, de uma vida severina.
só com palavras, a vida, que também se chama vida,