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BOA VISTA – RR
2017
MARY JANE BARRETO DE SOUZA
BOA VISTA - RR
2017
MARY JANE BARRETO DE SOUZA
_______________________________________________________
Prof. Dr. Reginaldo Gomes de Oliveira
Orientador-Presidente / Curso de História – UFRR
_______________________________________________________
Profª. Ma. Júlia Faria Camargo
Membro / Curso de Relações Internacionais – UFRR
_______________________________________________________
Prof. Me. Antonio Klinger da Silva Souza
Membro / Curso de História – Instituto Pilar-RR
BOA VISTA - RR
2017
AGRADECIMENTOS
Dedico primeiramente aos meus pais, Marlene Barreto de Souza e Raimundo Natal de
Souza (in memoriam), que infelizmente não podem estar presente neste momento tão feliz da
minha vida, mas não poderia deixar de dedicar a eles, pois acreditaram, incentivaram e me
abençoaram para que hoje eu estivesse aqui. Saudades eternas.
A todos os meus irmãos que estão sempre presentes na minha vida e que não mediram
esforços para que tudo isso se realizasse, sem a ajuda e a confiança deles nada seria possível.
Obrigado por tudo.
E a todos os meus familiares que sempre estiveram ao meu lado nesta caminhada, me
proporcionando confiança, carinho e amor.
EPÍGRAFE
Autor desconhecido
LISTA DE MAPAS
This monograph approach the theme "Brazil-Guyana and the displacement of indigenous
peoples in the last decade of the twentieth century: in the case, the Amerindian Village
Raimundão I in Alto Alegre". We chose the concept of displacement that is worked by
Professor Reginaldo Gomes de Oliveira (UFRR) on the movement of the indigenous
population in the Caribbean Amazon. The research tried to understand the motivations that
led the Ameríndians to move from Guyana to Maloca Raimundão I in the Municipality of
Alto Alegre in the last decade of the twentieth century. Investigating about the news from
Brazil to the indigenous people in Guyana. And so, we tried answers about an interest the
Amerindians people to move to Brazil. We verified the displacement of the Amerindians in
the last decade of the twentieth century. Why did they choose the Amerindian Village
Raimundão? This research is aligned to a bibliographic research with the application of a
questionnaire. And then, we organize the analysis of this research in three chapters: the first,
contextualizing relations between Brazil Guyana and its historical background. The second,
explain historical aspects of people Macushi and Wapichana and the third, showing the
research results in the field.
INTRODUÇÃO...................................................................................................................12
1. A RELAÇAÕ BRASIL GUYANA E SEUS ANTECEDENTES
HISTÓRICOS.................................................................................................................16
1.1A FORMAÇÃO DA FRONTEIRA POLÍTICA.........................................................16
1.2 A FRONTEIRA CULTURAL....................................................................................24
1.3 OS DESLOCAMENTOS DE INDÍGENAS...............................................................28
2. POVOS MAKUXI E WAPIXANA, ORIGEM DE SUA LOCALIZAÇÃO E
TERRITÓRIO......................................................................................................................34
2.1 OS MAKUXIS............................................................................................................35
2.2 OS WAPIXANAS.......................................................................................................36
3. O CASO DA MALOCA RAIMUNDÃO I-ANÁLISE DA PESQUISA........................39
3.1 ANÁLISE DA PESQUISA.........................................................................................40
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................46
ANEXOS............................................................................................................................49
12
INTRODUÇÃO
1
Conforme Oliveira (2010, p. 08), “esse termo é frequentemente utilizado entre os índios que, nas suas falas ou
em conversações cotidianas, fazem referência entre si, intitulando-se como parentes”.
13
Oliveira (2010), o território fronteiriço entre Brasil e Guyana é considerado pelos povos
Makuxi, Wapichana e outras famílias indígenas, como território ancestral2 das populações
indígenas e hoje são terras delimitadas como fronteira internacional entre Brasil e Guyana,
como exemplo. Contudo, há um grande contingente dos povos Makuxi ou Wapichana que não
reconhecem as linhas que demarcaram a soberania nacional entre Brasil e Guyana, para esses
povos a região é considerada como terras dos seus antepassados. Esses povos falam a língua
Makuxi tanto no Brasil como em Guyana: “a memória oral revelou que o deslocamento entre
as comunidades indígenas está presente na cultura desses povos desde os tempos antigos”
(OLIVEIRA, 2010, p. 62). Nesse sentido, o deslocamento dos povos indígenas permitiu a
aceitação do outro parente que está ora em Guyana e ora no Brasil.
Temos como objetivo geral, analisar quais as motivações que levaram ao
deslocamento de indígenas Makuxi na última década do século XX entre Brasil e Guyana,
tendo como base o estudo de caso da Maloca do Raimudão. Para tanto, os Objetivos
Específicos foram: Investigar qual a notícia que chegou sobre o Brasil até os indígenas
Makuxi na Guyana para que haja interesse de se deslocar até a Maloca do Raimundão, e
compreender que atrativo a Maloca do Raimudão, no município de Alto Alegre, ofereceu para
que os indígenas Makuxi, que se deslocam da Guyana, venham fixar moradia na mesma.
A metodologia aplicada na realização deste trabalho refere-se a uma pesquisa
bibliográfica alinhada com a aplicação de um questionário contendo vinte e duas questões,
que contemplam os principais tópicos relacionados à temática. Quanto a compreensão
bibliográfica, foi realizado um levantamento de dados bibliográficos e podem ser encontradas
nas bibliotecas da Universidade Federal de Roraima, sites de artigos especializados na área
pesquisada, tais como: Revista de estudos e pesquisa da Funai, Revista brasileira do Caribe,
dentre outros. Também em acervos particulares e internet, em que me ajudaram a atingir os
objetivos propostos. Quanto aos autores que embasaram esta pesquisa, temos: Oliveira (2003,
2006, 2010, 2011a, 2011b, 2014), Baynes (2003, 2004, 2006, 2008, 2012), Barros (2007),
Farage (1991), entre outros etnohistoriadores.
No que tange ao campo de domínio da História, dentre tantos que hoje ganham
adeptos, nos atrelamos a linha de pesquisa denominada como etnohistória, isto porque
pensamos que a aproximação da história aos métodos e conceitos próprios da antropologia
2
Conforme Oliveira (2010, p.62), é uma área de terra demarcada culturalmente pelos povos indígenas, com uso
da língua e cultura, desde os tempos antigos. Ou seja, antes da chegada dos europeus na Amazônia, ou no
território Circum Roraima dos povos de língua e cultura Karíb ou Arawak.
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nos possibilitou melhor compreensão do tema. Dito de outro modo, pretendemos trazer a luz
uma problemática envolvendo questões indígenas atreladas às abordagens históricas.
Iniciamos este trabalho com o tema “A Relação Brasil/Guyana e seus antecedentes
históricos”, para melhor apresentar a nossa reflexão das fronteiras políticas, geográficas e
culturais. Nessa proposta de reflexão, a pretensão foi trazer uma contextualização dos
processos históricos vivenciados entre os dois países, e assim também demonstrar a
imposição das fronteiras nos territórios indígenas desde o processo de colonização pelas
potências europeias. E como último item deste capítulo, trouxemos como ponto de discussão
o deslocamento de indígenas que ocorreram mesmo após todos esses processos geopolíticos,
no final do século XX.
No segundo capítulo, cujo nome é “Povos Makuxi e Wapichana, origem de sua
localização e território”, tratamos dos povos indígenas Makuxi e Wapichana, com
informações sobre a localização de seu território, visando assim, demonstrar sua presença em
solo brasileiro e guyanense, desde a proposta de imposição das fronteiras pela geopolítica das
duas referidas nações.
Já o terceiro capítulo apontou informações geográficas e históricas da localização da
Maloca Raimundão, onde realizamos nossa pesquisa de campo. Por fim, no último item desse
capítulo indicamos as conclusões da pesquisa de campo, demonstrando quais as motivações
dos deslocamentos de indígenas da Guyana para o Brasil, na última década do século XX, e
qual foi o atrativo apresentado pela maloca do Raimundão para que essas famílias nela se
estabelecessem.
Gostaríamos de explicar que o termo Guyana é referente ao país vizinho de língua e
cultura inglesa, que ao “ganhar independência do reino britânico em 1966 foi denominado
apenas de Guiana” (OLIVEIRA, 2011a). Contudo, o citado autor comentou também que
“após a reorganização política do país em 1970, recebeu a denominação de República
Cooperativa de Guyana”, popularizando-se para o temo Guyana, com a substituição do “i”
pelo “y” no referido vocábulo (p.17).
Cabe salientar que para desenvolver o trabalho de campo na Maloca Raimundão
envolvendo os parentes Makuxi e Wapichana, submetemos o projeto de pesquisa à Plataforma
Brasil. Foram atualizados o cadastro da pesquisadora e do orientador na referida Plataforma,
que passou por um longo período de análise e questionamentos da FUNAI/ Brasília sobre a
pesquisadora indígena. Percebemos que a normatização do Comitê de Ética Nacional segue
uma legislação sem levar em conta tratamento diferenciado para pesquisador indígena. Após
longo período de espera foi autorizado pelo Parecer da CONEP 1.768.382 de 01/12/2016.
15
fronteira, pois será a partir disso que entenderemos o começo da formação fronteiriça nessa
singular região amazônica.
Sobre esta questão, temos que, “A origem histórica da palavra mostra que seu uso não
estava associado a nenhum conceito legal e que não era um conceito essencialmente político”
(MARTINS; MOREIRA, 2011, p. 30). Para esses autores as civilizações foram se
desenvolvendo e ocupando espaços, as fronteiras tornaram-se locais de comunicação,
produção cultural, e por adiante se conseguiu um caráter político.
Tendo tal conceito por base começaremos a mostrar o início da formação
historiográfica dessa região. Atualmente, essa área de fronteira entre Brasil e Guyana, lócus
da pesquisa, é sobretudo, objeto da abordagem quanto ao deslocamento de povos indígenas
entre esses dois países. Assim, na perspectiva de Martins e Moreira (2011), a área que
envolve o Brasil e Guyana é um território político, mas é também um lugar de comunicação e
produção cultural que envolve tanto os elementos nacionais e os elementos dos povos
indígenas. Nesse sentido, temos a análise de Oliveira (2006, p 82), quando afirmou que “os
primeiros relatos do encontro dos europeus com os indígenas, localizados na costa nordeste da
América do Sul, ocorreu com a terceira viagem de Cristóvão Colombo, pelo então Atlântico
Norte ainda em 1498”. Foi no estudo de Oliveira que compreendemos melhor o início da
comunicação e produção cultural entre europeus e indígenas no litoral, que mais tarde se
estendeu para o interior da ilha da Guiana. Assim, a referida historiografia revelou que esse
lugar tem sua gênese nas primeiras informações das novas terras descobertas, no denominado
Novo Mundo. Tais informações foram fortalecidas com o encontro de Colombo e os povos
Karíb e Arawak, no litoral amazônico caribenho, ainda no final do século XV.
De acordo com OLIVEIRA (2011b, p. 167), como primeiro documento histórico, que
tratou de forma jurídica e política essas novas terras, foi o Tratado de Tordesilhas (1494).
Conforme o autor, esse documento foi considerado o primeiro acordo entre os reinos de
Portugal e Espanha, relacionados com a posse de terras e delimitação das fronteiras no Novo
Mundo, fortalecendo os propósitos da expansão marítima e da colonização Ibérica.
Nas reflexões de Oliveira, percebemos a importância do referido Tratado, pois definiu
que o reino espanhol era o proprietário das terras do Atlântico Norte e tinha como súditos os
povos indígenas Karíb e Arawak. Posterior a esse Tratado, a história dessa área de fronteira
passou pelo processo de exploração e colonização por parte das então potências europeias da
época. De acordo com Mangar (2009), em 1579 outros europeus, além dos espanhóis,
passaram a ter um interesse em explorar essa região, crescendo cada vez mais, e desafiando o
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monopólio Espanhol da época sobre a conquista do Novo Mundo, aumentando esse interesse
com a então lenda do El Dorado.
A historiografia consultada por nós, mostrou que o assunto da cidade de Manoa ou El
Dorado foi bastante citado pelos cronistas ou viajantes do século XVI. Nessa perspectiva,
fazemos uso das reflexões teóricas de Oliveira (2003; 2006; 2011a; 2011b, 2014), quando
abordou o tema e explicou que a região das Guianas foi considerada uma área de difícil
acesso, mas “era possuidora de uma estimável beleza natural, despertando o interesse e
ampliando as notícias sobre esse lugar amazônico”, que eram divulgadas desde os primeiros
exploradores espanhóis como veremos a seguir, na própria fala do autor:
O autor em questão, ainda ressaltou que nesse contexto exploratório da região durante
o século XVI, os holandeses tiveram destaque por serem excelentes comerciantes, contavam
sempre com o apoio dos povos indígenas, que passavam informações sobre o lugar, ou
auxiliavam os seus funcionários burocratas que estavam fixados nos postos de comércio, ou
na elaboração dos mapas dessa região, com detalhamento dos caminhos terrestres e fluviais
entre áreas de relevo acidentado e terra plana de circulação entre o litoral e o interior
(OLIVEIRA, 2006, 2010; 2011a; 2011b; 2014).
Essa literatura neerlandesa, pesquisada e publicada por Oliveira, ampliou o
conhecimento da História Regional e nos deu possibilidade de identificar que o
desenvolvimento das colônias holandesas nessa região, no final do século XVII, foram
consolidadas por intermédio da cultura de “plantation”. Assim, essa literatura nos mostrou
que o desenvolvimento das fazendas era diversificado, com o cultivo de fumo, café, açúcar e
algodão, com intuito de estarem disponíveis para comercialização.
Os autores Oliveira (2011a; 2011b) e Mangar (2009) argumentaram o mesmo evento
histórico que deu novos encaminhamentos geopolítico na Amazônia Caribenha do século
XVII. Ambos os autores comentaram sobre a Guerra de Independência dos Países Baixos
Espanhóis contra o reino da Espanha, que teve seu final em 1648, momento que foi assinado
um acordo de paz entre os dois países, que rompeu os limites territoriais decididos pelo
Tratado de Tordesilhas para o território do Atlântico Norte.
As reflexões dos autores mencionados acima, mostraram que ao final da Guerra entre
o reino da Espanha e os Países Baixos, foi assinado o Tratado de Münster que reconheceu a
independência dos Países Baixos, onde a Holanda era uma das principais Províncias. Nesse
tratado os autores informaram também que a Espanha reconheceu a posse da ilha da Guiana
para os Países Baixos, que já vinham desenvolvendo comércio no litoral e no interior da
referida ilha. Esses autores deram notícias também que foi somente no governo de Laurens
Storm vam Gravesande, que teve sob seu comando a Colônia do Essequibo no século XVIII,
que essa região ganhou desenvolvimento e importância para a Companhia das Índias
Ocidentais (MANGAR, 2009; OLIVEIRA, 2011a; 2011b).
A historiografia guyanense, afirmou que a Guyana ficou sendo colônia holandesa até
as últimas colônias serem conquistadas pela Grã-Bretanha em 1803. Observamos que o
acordo foi formalizado com “Tratado de Paris em 30 de maio de 1814, unificando as três
colônias holandesas sobre o nome de Colônia da Guiana Inglesa”, que foi mantida pelo
sistema do governo britânico até o século XX. Já foi explicado por nós, que o nome Guiana
surgiu em 1966, logo após alcançar sua independência política frente a Grã-Bretanha, sendo
20
que antes disso no período de 1831 a 1966, se chamava Guiana Inglesa, anterior a esse nome
se tinha as primeiras colônias holandesas de Esequibo, Demerara e Berbice (Idem).
Essa literatura neerlandesa em diálogo com a portuguesa apontada por Oliveira
(2011b, 2014) e guyanense de Totar Mangar (2009), nos dá condições de dizer que o processo
de formação política das fronteiras entre Brasil e Guyana, se dá com o início da construção
desse dois Estados nacionais na América do Sul. Essa literatura histórica nos indicou também
que sendo o Brasil ex-colônia portuguesa independente desde 1822, como a atual República
Cooperativista da Guyana, também ex-colônia holandesa e posteriormente inglesa até sua
independência em 25 de maio em 1966, revelou construções históricas com aspectos comuns
e também diferentes. Quando comparamos com estudos antropológicos, como os de Baines
(2004), esse processo de formação política territorial ganhou outras possibilidades de
interpretação. Esses autores citados, nos mostraram que nesse caso, esta região de fronteira
tem uma facilidade com acesso terrestre, sendo que os campos abertos nos mostraram alguns
dos aspectos que foram dando consolidação aos dois Estados nacionais, com atuação na
dinâmica sociocultural local, procurando estabelecer os limites geopolíticos com objetivo de
implantar soberania nacional (BAINES, 2004).
Esses autores consultados, nos deram possibilidades de perceber que as delimitações
fronteiriças, hoje da República Cooperativista da Guyana, tendo “seus limites ao norte com o
Oceano Atlântico, ao sul a fronteira com o Brasil, ao oeste com a Venezuela e a leste com o
Suriname”; constitui-se como uma “terra de muitas águas” (OLIVEIRA, 2011b, p. 156).
Conforme esses autores que abordaram a etno-história regional, podemos descrever a região
da Guyana banhada pelas águas da “margem esquerda dos rios Amazonas e Negro, pelo canal
do Cassiquiare, pela margem direita do rio Orinoco e o litoral do Oceano Atlântico entre os
rios Orinoco e Amazonas”, tendo sua maior extensão a leste e oeste (OLIVEIRA, 2014, p.17).
Atualmente, nessa configuração geopolítica, podemos dizer que temos uma das partes
do leste do Brasil que faz fronteira com a Guyana, conforme mostrou Becker (2009, p.60): “A
leste do estado de Roraima, entre as cidades gêmeas de Bonfim e Lethem (Guiana), existe um
fluxo pendular, representado pelo deslocamento de residentes da Guiana para trabalhar e
estudar no Brasil (...)”. Assim, partindo desse pressuposto, analisamos que essa questão de
deslocamento de indivíduos nessa região de fronteira envolve também grande parte de
indígenas, sendo o principal foco do trabalho, que será visto mais de perto no segundo
capítulo desta monografia.
Toda essa literatura no campo etno-histórico nos revelou que essa mesma formação de
fronteira entre Portugal, depois Brasil e Inglaterra, posteriormente Guyana, foi definido ao
21
longo do processo histórico vivido por estes países, e que no início do século XIX, traduziu-se
por meio da disputa pelos limites territoriais com os dois países, conhecida como a questão do
Pirara, onde foi levada a arbitragem internacional.
Como mostra Filho (2013), essa temática foi iniciada em 1835, com a pesquisa feita
pelo geógrafo e explorador alemão de naturalidade inglesa Robert Herman Schomburgk, no
que resultou mais tarde no questionamento por parte da Guiana Britânica a Portugal sobre a
área delimitada. Sendo que as questões de limites fronteiriços nunca tinham sido questionadas
pelas potências anteriores, Ingleses e holandeses. O autor também destacou que a questão foi
levada ao arbitramento e em 1904 a decisão arbitral resultou em perda de território para o
Brasil, assim a Inglaterra ganhou mais do que proposto no processo.
Sobre esse mesmo tema, fazemos uso das reflexões de Santilli (1994) e a partir da
decisão definitiva das fronteiras Brasil/Guiana, ressaltamos que:
(...) a práxis indigenista na área passaria por profunda mudança. Nesse sentido o
estabelecimento das fronteiras nacionais ganharia relevância para a história do
contato, como limite de incidência de forças de pressão formando uma linha de
tensão (SANTILLI, 1994, p. 67).
Como nos mostrou o autor citado acima, a formação dessas fronteiras refletiu também
nas populações indígenas que habitavam essa região, sentindo o momento de divisão entre
esses dois Estados nacionais, como também entre as famílias Karíb e Arawak.
As reflexões e contribuições históricas dos referidos autores, nos forneceu
esclarecimentos para dizermos que a literatura portuguesa não deu conta sobre a história do
vale do Rio Branco, no período colonial. Para começar a descrever o início do processo de
colonização na região do lado brasileiro, conhecida como vale ou região do Rio Branco,
temos que levar em conta o processo histórico vivenciado pelo Brasil pertencente a Portugal
em diálogo historiográfico com os seus países vizinhos, como a República Cooperativista da
Guyana, que foi também pertencente aos Holandeses. Essas informações foram sendo
divulgadas na História Regional, pelo historiador e pesquisador Reginaldo Gomes de
Oliveira, da Universidade Federal de Roraima, que passou a dialogar também com a literatura
neerlandesa. O professor Oliveira divulgou no seu acervo publicado (2003; 2006, 2010,
2011a; 2011b; 2014) que o processo histórico de formação geopolítica da região, teve seu
início no século XVI, com os viajantes exploradores e no século XVII, quando os mesmos
iniciaram o processo da colonização no litoral e também no interior, navegando pelos rios
Essequibo e Rupununi ou Amazonas, Negro e Branco.
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Guyana e Venezuela caracterizada por ser uma área de baixa densidade demográfica. Quando
comparamos esse tema com a literatura neerlandesa, descrita por Oliveira (2006; 2010; 2011a;
2011b; 2014), identificamos que a ilha da Guiana, onde está localizada a fronteira Brasil e
Guyana, mostrou-se um território habitado por variados grupos indígenas do tronco
linguístico Karíb e Arawak, como exemplo. Ao analisar a presença e o deslocamento desses
povos indígenas na Amazônia Caribenha, Oliveira (2011a) fez uso dos estudos etnográficos
de Peter Rivière (2001) que desenvolveu reflexões sobre o indivíduo e a sociedade na Guiana.
Nessa perspectiva, os estudos de Oliveira (2010;2011a) mostrou o deslocamento dos povos
Makuxi e Wapichana entre as regiões dos rios Rupununi e Branco antes da delimitação das
fronteiras geopolíticas entre o Brasil e Guyana. Para Oliveira (2011a; 2011b) essa cultura do
deslocamento dos povos indígenas, semelhante ao tempo ancestral, ainda se faz presente em
nossos dias (século XXI). O mapa abaixo mostra a ilha da Amazônia Caribenha.
Nesse contexto regional, os estudos de Oliveira (2006, 2011a; 2011b; 2014) e Mangar
(2009) revelaram uma paisagem fronteiriça com grande contingente indígena habitando uma
realidade cultural de formação geopolítica com um diversificado número de serras e savanas.
É uma paisagem montanhosa entre os vales que se mostrou como proteção natural, ou uma
24
forte barreira da natureza na integração terrestre entre o litoral e o interior da ilha da Guiana
ou Amazônia Caribenha, que é habitada por diferentes populações indígenas. Os dois autores
comentaram que tal formação paisagística se mostrou na fronteira do Brasil com Guyana e
Suriname, como também se faz presente em toda área da região setentrional do Estado de
Roraima. São paisagens naturais presentes na cultura indígena que foram marcadas pela
geopolítica das fronteiras nacionais do Brasil e Guyana.
Para iniciar essa discussão é necessária a definição do conceito de cultura. Isto, por
entendermos que o termo é amplamente utilizado pelas diversas ciências humanas, possuindo
uma conceituação vasta e complexa. Nesse sentido, fazemos uso de reflexões do campo
antropológico em diálogo histórico, quando verificamos que o homem produz sua própria
cultura, sendo nesse processo histórico o próprio sujeito e fruto do processo cultural.
Conforme menciona Geertz (1989, p. 15): “o homem é um animal amarrado a teias de
significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise”.
Explicitando de maneira ainda mais profunda esse mesmo tema, o referido autor
define que: “A cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, não é apenas um ornamento da
existência humana, mas uma condição essencial para ela – a principal base da especificidade”
(p.15).
Quando interpretamos essa temática da fronteira cultural, no sentido que mesmo após
a construção da fronteira política entre Brasil e Guyana, percebemos que o lugar da fronteira
cultural não veio a interferir na relação social entre os povos indígenas. Nossos estudos
identificaram que os mesmos continuam a se deslocarem de um país para outro sendo ligados
por relação de parentesco e culturais que ultrapassam a fronteira geopolítica.
No entanto, percebemos que os aspectos que permeiam esse deslocamento de
indígenas entre os dois países, entrelaçados pelas relações de parentesco, culturais e sociais,
são os elementos simbólicos do Brasil e da Guyana, como nos revelou a reflexão de Geertz
(1989).
Conforme mencionou Albuquerque (2008), esses processos migratórios de
deslocamentos fronteiriços acontecem e tendem a criar barreiras, mas, mesmo assim, ocorrem
25
Concordando com a reflexão de Albuquerque (2008), podemos dizer que a relação dos
povos indígenas na fronteira do Brasil e Guyana está na dinâmica social fronteiriça,
interligando o processo cultural em conexão com o processo de ocupação dessa área pelas
populações indígenas. Esse dinamismo e produção da cultura pelos povos indígenas já foi
demonstrado por nós durante apresentação de parte da literatura usada para pesquisa desse
trabalho. Foi identificado que a presença indígena é anterior à chegada dos europeus nessa
região amazônica. Ao dialogarmos com os estudos de Pereira (2005, p.60), nos diz o seguinte:
“Os povos da fronteira estão interligados por relações de parentesco que ao longo dos anos
estreitaram amizades e criaram grupos familiares que ultrapassaram os limites geopolíticos”.
Nessa perspectiva, os estudos de Cardia (2009) nos faz pensar que ao nos referimos à
fronteira cultural, podemos estabelecer que se constitui de marcos simbólicos, que se constrói
um jogo de representações que tendem a estabelecer classificações, hierarquias e limites. Essa
autora diz que:
Nessa reflexão, a autora nos leva a pensar que o território fronteiriço entre Brasil e
Guyana é também marcas de soberania nacional. Quando pensamos nos povos indígenas, nem
todos consideram essas marcas das linhas que delimitam as fronteiras internacionais entre
Brasil e Guyana, mas as marcas das fronteiras culturais. Nesse sentido, há um grande
contingente dos povos Makuxi que não reconhecem as linhas que demarcam a soberania
nacional entre Brasil e Guyana, para esses povos a região é considerada como terras dos seus
antepassados, marcadas por fronteiras culturais do mundo natural em diálogo com o mundo
cosmogônico (OLIVEIRA, 2010).
Sobre essa temática, os estudos de Oliveira (2010), nos colocou diante de um assunto
complexo, quando o autor abordou essa dinâmica da fronteira cultural e da língua Makuxi que
integram o movimento fronteiriço, com deslocamentos entre o Brasil e Guyana. Para o
referido autor, as fronteiras dos Estados nacionais estão sobrepostas as fronteiras culturais dos
povos indígenas, que são também interligadas com as marcas simbólicas do mundo natural e
cosmogônico. As análises de Oliveira (2010) nos revelou ainda que o lugar da fronteira
apresenta característica tanto da manifestação da cultura como do dinamismo social da
fronteira. Segundo o mencionado autor, são manifestações que se mostram na fronteira de
forma interligadas, que não se explicam dentro da herança conceitual de Westfália3, quando
tratamos dessa problemática fronteiriça envolvendo os povos indígenas.
Contudo, há reflexões que discutem esse tema com base nas concepções teóricas dos
princípios da soberania nacional. Os estudos de Santilli (1994), são relfexões que apontam
nessa direção das fronteiras nacionais, onde o território ocupado pelos Makuxi e outros povos
indígenas, “desde os primórdios do século XVIII, converteram-se em um objeto de disputa
3
Conhecida como "Paz de Westfália" designa um conjunto de princípios que encerrou a Guerra dos Trinta Anos.
Com assinatura de Westfália inaugurou-se o moderno "Sistema Internacional" diplomático que é muito discutido
nas Relações Internacionais. Acatou-se consensualmente noções e princípios como o de "Soberania Estatal" e de
"Estado Nação". OLIVEIRA, Reginaldo Gomes. Amazônia Caribenha: os caminhos indígenas entre a maloca e a
cidade, no contexto fronteiriço do Brasil, Guyana e Venezuela. Palestra de Abertura do PPG/INAN-UFRR,
18/03/2013.
27
Com base nos estudos da autora, podemos dizer que esses deslocamentos
populacionais trazem consigo mudanças nas relações sociais entre os grupos étnicos desses
territórios ocupados, e ao mesmo tempo essa mudança nas relações sociais acaba implicando
na modificação do sistema ambiental ou cultural.
deslocamento dessa população indígena em direção à margem esquerda do rio Mau e Tacutu,
território Inglês.
Durante nossa conversa nas Assembleias dos Povos Indígenas de Roraima,
percebemos que os indígenas Macuxi e Wapichana, que chegaram do lado Guyanense,
comentaram que esse deslocamento do Brasil para Guyana se deu tanto por violências
cometidas por garimpeiros e fazendeiros, como também os mesmos declararam que antes da
independência da Guyana em 1966 era comum essas mudanças de moradia entre os rios
Rupununi e Branco. Nas análises de Baines (2012) é uma situação que muda conforme os
projetos dos governos: “[...] os serviços de educação e saúde oferecidos pelo governo colonial
eram melhores na Guyana que no Brasil, situação que se inverte nos anos posteriores à
revolta”. (BAINES, 2012, p.143).
Para esse autor, essa situação se inverteu mais adiante quando o país vizinho de língua
inglesa ganhou independência, porque foi um momento seguido de uma série de conflitos
políticos, principalmente entre os grupos majoritários de afro-guyanenses e indo-guyanenses.
De acordo com Baines (2012), a autoridade politica da Guyana, Forbes Burnham, primeiro-
ministro entre os anos 1964-1980 e foi o presidente entre os anos 1980-1985, era o
representante da população afro-guyanense e declarou a Guiana “ República Cooperativista”.
Foi nos estudos de Baines (2012) que podemos verificar que durante essa ação pós-
independência, Burnham aliou-se ao bloco soviético causando intensa decepção aos
guyanenses, ao direcionar a situação politica da antiga Guiana para o socialismo. Nesse novo
contexto político de Guyana, os fazendeiros e índios Wapichana inconformados com o regime
de Forbes Burham, se rebelaram causando a “Revolta do Rupununi” em 1969. Para Baines
(2012), os fazendeiros e índios Wapichana sofreram pressão na Guyana pelo exército
guyanense, durante a referida Revolta. Assim, ao serem derrotados pelo exército de Burham,
os fazendeiros e indígenas se exilaram na Venezuela e no Brasil.
Nesse sentido, para Baines (2008) o que predominou na Guyana, desde o incidente da
Revolta do Rupununi até os dias atuais, foi a falta de atenção por parte do governo da Guyana.
Com base nos argumentos de Baines (2012; 2008), observamos que essa ação tem dificultado
a vida das populações indígenas na região do Rupununi e parece que o governo está mais
preocupado em tentar resolver os conflitos entre a maioria étnica que são os grupos afro-
guyanense e indo-guyanense, habitantes do litoral. Conforme essa reflexão de Baines (2008,
2012), percebemos que a crise no campo da economia somada a crise política vivenciada no
litoral do país, acrescentada as desigualdades sociais, geraram desconfortos na região rural de
Guyana e tudo isso afetou diretamente os povos indígenas. Por conseguinte, essa população
30
alongando-se até o tempo presente, inicio do século XXI (OLIVEIRA, 2011a, p. 23-
24).
Brasil com um grande sucesso econômico e como um caminho para escapar da pobreza
acentuada e dos conflitos políticos e étnicos (...)” (BAINES, 2012, p.143).
O que se percebe nessas reflexões, é que essas desigualdades sociais na Guyana e a
falta de um tratamento diferenciado com os índios guyanenses veio a contribuir nesse
deslocamento para o Brasil.
As flutuações econômicas internas dos dois países levaram a fluxos migratórios [...]
Apesar de existirem redes de parentescos que se ramificam entre as aldeias nos dois
lados dessa fronteira e por dentro desses estados nacionais por toda a região do
lavrado, o fluxo de migrantes que em anos recentes tem vindo da Guiana para o
Brasil (BAINES, 2012, p.149-151).
2.1 OS MAKUXI
35
Macuxi é a designação corrente para os grupos Pemon que habitavam o sul da área
circum-Roraima, as vertentes meridionais do Monte Roraima e os campos ou
savanas que se estendem pelas cabeceiras dos rios Brancos e Rupununi, território
politicamente partilhado entre Brasil e Guiana (PAULO, 2001, p.19).
O autor ainda descreveu que os primeiros relatos sobre o termo Makuxi vêm ainda do
século XVIII, com o início da ocupação colonial da época nessa área descrita, relatados nas
primeiras fontes historiográficas dessa região.
Nas observações do etnólogo Koch-Grünberg (2006; p. 33) feita em sua viagem nessa
área em 1903 a 1905 e 1911 a 1913, apontaram que: “O grosso da população indígena da
região do rio Branco constitui atualmente as tribos [da família linguística] caribe [no original:
karaibe]. A mais populosa delas, com ampla margem, são os Makuschi (Macusi, Macuchis)”.
O mesmo autor apontou ainda em sua pesquisa, que os Makuxi já se encontravam registrado
como nação Macusia e índios Macusis nos mapas de Surville de 1778, que acompanhava a
obra de Josef de Caulin, sendo que os mesmos ocupavam os lados do médio Essequibo.
Quando nos deparamos com textos da historiografia regional, que fazem menção aos
primeiros relatos feitos pelos exploradores dessas áreas, os irmãos Robert e Richard
Schomburgk ainda em 1835 a 1844, percebemos que Schomburgk estimava que fosse uma
população aproximada de 3.000 almas, tendo segundo ele diminuindo com passar do tempo.
Contudo, o relatório do alemão Koch-Grünberg fez menção a área central de ocupação dos
Makuxi, que de acordo com o autor: “(...) Seu território principal ainda se encontra entre o
Mahú, Tacutú e Rupununi, nas áreas fronteiriças entre Brasil e Guiana Britânica” (KOCH-
36
GRÜNBERG, 2006, p.36). Essa importante pesquisa demonstrou que os Makuxi estavam
presentes nessa área de fronteira desde o início do processo de exploração e colonização feita
pelos europeus.
Segundo os dados apontados pelo ISA, o povo Makuxi constitui uma população de 19
mil índios no Brasil e 9,5 mil índios na Guyana, vivendo em várias aldeias e habitações
isoladas, sendo estimadas 140 aldeias no Brasil e 50 aldeias na Guyana, (ISA, 2004).
Ao analisarmos informações sobre os Makuxi em território brasileiro, temos o espanto
de saber que: “O povo indígena mais numeroso em Roraima é o povo makuxi, pois os
mesmos constituem 92,71% da população rural em Roraima” (BAINES, 2004. P. 78).
Para os pesquisadores do ISA, os povos Makuxi que habitam o território do Brasil
apresentam a seguinte geopolítica:
O território Macuxi em área brasileira hoje está recortado em três grandes blocos
territoriais: a TI Raposa Serra do Sol, TI São Marcos, ambas concentrando a grande
maioria da população, e pequenas áreas que circunscrevem aldeias isoladas no
extremo noroeste do território Macuxi, nos vales dos rios Uraricoera, Amajari e
Cauamé. (ISA, 2004).
Lembramos aqui que os povos indígenas de Roraima protagonizaram anos de luta pela
homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, ocorrida em 2005, e efetivada pelo
supremo tribunal em 2009, com a ordem da medida legal de desintrusão dos não índios.
Nessa perspectiva, identificamos que o território Makuxi revelou distintas aldeias.
Santilli (2001 apud COLSON, 1971, RIVIÈRE,1984) nos traz duas características diferentes
de aldeias em diferentes padrões ecológicos, apontando que: „Aldeias construídas nas
florestas são caracterizadas por casas comunais, sendo assim um ambiente em que convivem
distintos grupos domésticos. Já as construções de casas na savana se encontram casas
dispersas que abrigam grupos domésticos”. O autor nos demonstrou que nos dias atuais, (...)
“tanto na planície como no anteplano, compõem-se de pequenas casas, que abrigam famílias
nucleares” (SANTILLI, 2001, p. 29).
2.2. OS WAPICHANAS
No caso dos Wapichanas, temos relatos também com as primeiras notícias dos índios
do rio Branco no relatório feito pela comissão portuguesa de fronteira que foi comandada pelo
governador Lobo D‟Almada em 1787, onde identificou em torno de 22 tribos sobrevivente,
entre elas estava os Macuchis e Uapichanas KOCH-GRÜNBERG; (2006).
37
Theodor Koch-Grünberg (2006; p.72) ainda descreveu que “Os Wapischaná são
moradores exclusivos das savanas. Ainda hoje, eles se encontram espalhados sobre uma área
enorme. As partes centrais do seu território vão, como antes, do alto Rupununi, passando pelo
Tacutú até o Rio Branco.” Nesse sentido, percebemos hoje que esse território descrito pelo
referido autor, é parte da atual área de fronteira entre Brasil e Guyana.
Segundo os dados da Coleção histórico-antropológica de n° 1 do Centro de
Informação da Diocese de Roraima (CIDR), “O nome Wapichana (outrora Matisiana ou
Vapidiana) constitui hoje a autodeterminação do segundo maior povo indígena de Roraima.
Este povo fala uma língua Aruak e formou-se historicamente, da mistura de povos desta
família, (...)”. Conforme Theodor Koch-Grünberg (2006; p.74) os povos indígenas de três
etnias estiveram “Ao norte do Uraricuéra, onde os Wapischána, Makuschí e Taulipáng vivem
uns ao lado dos outros e multiplamente aparentados entre si, os Wapischána de pais de grupos
distintos, ou que falam, além da própria língua, também o makuschí ou Taulipáng, são
chamados de Karapiä. [...]”. Essas informações nos auxiliaram a dizer que a presença dessas
populações indígenas nessa área amazônica demostrou que esses povos sempre estiveram
habitando essa região entre os rios Branco e Rupununi.
De acordo com o CIRD (1989) a localização e distribuição dos povos Wapichana
estão presentes em três áreas: a primeira na Área Surumu, a segunda a Área Taiano e a
terceira Área Serra da Lua. Nesse conjunto territorial, são identificados um total de 26
comunidades indígenas no Brasil e identificados 9 em Guyana, totalizando 35 comunidades
indígenas Wapichana na região fronteiriça.
Esse número totalizado pela pesquisa citada acima é referente ao final da década de
1980 e inicio da década de 1990. Verificamos também nesses dados da pesquisa que
atualmente “(...) as malocas Wapixána se encontram dispersas ao norte, a leste e a oeste da
capital de Roraima, Boa Vista, em distâncias que chegam a atingir pouco mais de 100
quilômetros em relação àquela cidade” (SILVA, 2001, p.58). Para esse autor, os dados
apresentaram um total de 30 comunidades indígenas dos povos Wapichana em território
brasileiro, sendo 11 na região da Serra da Lua, 5 na região do Taiano, 3 na região do Murupu,
9 na região do Amajari e duas na região da fazenda são Marcos. (Idem, 2001).
Nessa circunstância regional, quando analisamos as reflexões de Baines (2012; p.138),
ele afirmou que “Os Makuxi e os Wapichana que vivem na fronteira experimentaram uma
história interétnica transnacional em relação aos dois estados nacionais que dividiram
geopoliticamente seu território tradicional. (...)”. Nessa perspectiva, verificamos que são
38
reflexões e apontamentos sobre os povos Makuxi e Wapichana, que hoje nos remetem a
pensar que esses povos continuam distribuídos por essa região como no tempo passado.
Podemos dizer, com apoio nesses autores consultados e na nossa pesquisa de campo,
que são territórios ou região que sempre foi habitada por essa população da língua Karíb e
Arawak, que ao longo do processo histórico de encontros europeus e indígenas foram
definindo as fronteiras e as relações socioculturais na denominada Amazônia Caribenha. Isso
ficou comprovado pela literatura consultada e aqui demonstrada, que desde o primeiro relato
feito pelos primeiros exploradores, no século XVI, sobre essa área amazônica deram notícias
da presença dessa população indígena do tronco linguístico Karíb (como os Makuxi) e
Arawak (como os Wapichana).
Segundo dados do instituto socioambiental (2004) atualmente se tem uma estimativa
de uma população de 13000 mil índios, sendo 7.800 vivendo no território Brasileiro.
39
Fonte: ISA(2013)
A maloca do Raimundão teve a sua criação no início dos anos de 1960, sendo
conhecida como sitio Ceará. Vindo a ter o nome de Raimundão após o processo de
regularização fundiária feita pela FUNAI que se iniciou em 1981, e sendo reconhecida como
40
terra indígena em 1982, tendo como o primeiro tuxaua, o senhor Eurico Mandulão, de acordo
com Nascimento (2014).
Segundo as reflexões de Nascimento (2014), um estudo de identificação do interior foi
realizado pela FUNAI em 1993, dando possibilidade para normatização do processo de
homologação da Terra Indígena Raimundão, que foi homologada no ano de 1997, através do
decreto 97 do dia 03/11/1997, publicado no Diário Oficial da União no dia 04/11/1997,
conforme mencionou o referido autor.
De acordo ainda com o mencionado autor, atualmente a maloca do Raimundão II
possui uma população de 342 pessoas, distribuídas em um total de 71 famílias, sendo a maior
parte pertencente ao povo Makuxi e os demais ao povo Wapichana. Sendo uma maloca cuja
estrutura física possui além das casas familiares, duas escolas, sendo uma da prefeitura e a
outra do estado, tendo também um posto de saúde e duas igrejas, uma católica e outra
evangélica, sendo uma maloca “formada por núcleos familiares, não havendo um aglomerado
de casas” (NASCIMENTO, 2014, p. 115).
se deslocar pra o Brasil, que era o de conseguir um lugar para fixar moradia e o de poder
plantar roça e criar galinha perto da moradia.
Eu não poderia deixar de destacar que essa relação de parentesco que existe entre essas
famílias que vieram da Guyana para o Brasil, em que observamos que todas as famílias que
vieram para o Brasil e mais adiante para a maloca do Raimundão são ligadas por relações de
parentesco com famílias que já moravam na maloca, sendo esse o grande motivo de terem
vindo procurar moradia nessa localidade.
Quanto ao local da Guyana que deu origem ao deslocamento, temos a seguinte
informação: 6 (seis) pessoas vieram da comunidade de Karasabai Village, 2 (duas) pessoas
vieram da comunidade de Saint Ignatius Village, 1 (uma) de Yakarinta Village, e também, 1
(uma) de Apoteri Village. Todas essas comunidades indígenas estão localizadas na região do
Rupununi (Região 9 de Guyana). Em relação ao transporte que utilizaram para chegar ao
Brasil, temos o seguinte contexto: todos eles vieram caminhando ou fazendo uso de canoa
com saída pela região do Rupununi (Guyana) até o município de Normandia e Bonfim
(Brasil), e daí para Boa Vista de caminhão. Para chegar à maloca do Raimundão os mesmos
fretaram um caminhão.
Foi observado que das 10 (dez) pessoas que apliquei o questionário, 8 (oito) nasceram
na Guyana e as outras 2 (duas) afirmaram ter nascido no município de Normandia, mas foram
morar na Guyana ainda criança, acompanhando os pais. Durante os momentos de conversas
com os participantes do estudo, pude perceber que os sujeitos da pesquisa se mostraram muito
confusos no momento em que perguntei a respeito da sua nacionalidade. Contudo, eles
demonstraram clareza de sua etnia: Makuxi ou Wapichana.
Em relação a situação econômica da Guyana quando comparada ao Brasil, todos
consideraram a situação de Guyana péssima quando comparada ao Brasil. Ao longo de nossas
conversas informais, comentaram sobre as perspectivas esperadas neste país, os indígenas
descreveram que o sistema de saúde e de educação são excelentes em comparação com os
existentes na Guyana.
Outro dado interessante apontado pela pesquisa foi que todos os participantes
definiram suas vidas como ótima neste momento, pois eles possuem moradia fixa com as
localidades de roças próximas às suas casas, e contam com ajuda de benefícios sociais que
recebem, algo inexistente na Guyana. Na maloca Raimundão, encontraram também um lugar
onde os filhos podem estudar, e ter oportunidades de trabalhar na comunidade.
43
Quanto a cultura dos indígenas, percebi que não tem diferenças nas manifestações de
danças, comidas ou língua indígena, a única diferença perceptível é que todos que vieram da
Guyana falam inglês e português, além do Makuxi, ou Wapichana.
Ficou evidenciado na pesquisa que todos os indígenas da maloca Raimundão, que
participaram da entrevista, possuem famílias na Guyana. Desse modo, podemos dizer que os
povos indígenas da referida maloca, como de outras áreas dessa fronteira, continuam hoje o
processo cultural do deslocamento entre o território do Brasil e da Guyana, para visitar os
familiares ou vice-versa.
Outro dado importante que foi questionado foi sobre a ideia dessa população indígena
voltar e se fixar em Guyana, todos afirmaram que não pretendem retorna àquele país.
Contudo, os indígenas fazem deslocamentos na fronteira para visitarem os parentes em
Guyana e depois retornam para a maloca Raimundão, no Brasil. O estudo revelou que para
essa população indígena o território divido entre os dois países (Brasil e Guyana) não é
impedimento para o deslocamento que é realizado hoje como no tempo passado. São povos
que culturalmente se reconhecem como habitantes das terras entre os vales ou savanas do rio
Branco e do rio Rupununi. São povos que trocam experiências socioculturais com parentes na
maloca Karasabai (Guyana) ou na maloca Raimundão (Brasil). São povos que se reconhecem
na língua e cultura Makuxi ou Wapichana como parentes, independente de se comunicarem
em inglês ou português. São características presentes no dinamismo sociocultural da fronteira
amazônica caribenha, que dão também particulares aspectos socioculturais e políticos na área
regional entre os rios Branco (Brasil) e Rupununi (Guyana), apontando o estado de Roraima
como unidade da federação brasileira privilegiada, nesse contexto da Amazônia Caribenha.
44
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOUZA, Carlos Frederico Marés de Souza. O renascer dos povos indígenas para o Direito.
Curitiba, Editora Juruá.2009
ANEXOS
a- ( ) Sim
b- ( ) Não
a- ( )1990
b- ( )1995
c- ( )2000
a- ( ) Brasileiro nato.
b- ( ) Naturalizado brasileiro.
c- ( ) Estrangeiro.
d- ( ) Outro.
Resposta:
6. Qual a unidade ou federação (estado) ou país estrangeiro de nascimento?
Numero de anos:
Numero de anos:
Resposta:
10. Qual a noticia que chegou a você sobre o Brasil, para que você sentisse interesse em
vim morar aqui?
Resposta:
11. Qual a situação econômica e social do país que você morava antes de vim morar no
Brasil?
12. Comparando com os povos indígenas do Brasil, como você define a situação dos
povos indígenas do seu país de origem antes de vim morar no Brasil.
a- ( ) Péssima
b- ( ) Bom
c- ( ) Regular
d- ( ) Ótima.
a-( ) Péssima
b- ( ) Bom
c-( ) Regular
d-( ) Ótima.
15. Você recebe algum beneficio social do governo federal ou estadual? Qual?
a- ( ) Sim.____________________________________________.
b- ( ) Não.
16. Como foi a sua recepção quando você chegou para morar neste local? E como você se
sentiu?
17. Como você define a educação deste lugar que você mora quando comparado com o
lugar que você morava em outro país?
18. Como você define a assistência do sistema de saúde deste lugar que você mora quando
comparado com o lugar que você morava em outro país?
19. Que tipo de transporte você utilizou para chegar neste município?
Resposta:
20. Há diferenças entre as festas culturais desse município e do lugar que você veio?
Resposta:
Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após ser esclarecido
(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que
está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será
penalizado (a) de forma alguma. Em caso de dúvidas com respeito aos aspectos éticos deste estudo, você poderá
consultar o CEP/UFRR_ Comitê de Ética em pesquisa pelo telefone: (95) 36213112 ou CONEP_ Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa pelo telefone: (61)3315-5878
Você está sendo convidado (a) a participar como voluntário (a) do estudo “BRASIL/GUYANA E O
DESLOCAMENTO DE INDIGENAS NA ÚLTIMA DÉCADA DO SÉC. XX: CASO DA MALOCA
RAIMUNDÃO”, recebendo por mim, professor doutor Reginaldo Gomes de Oliveira, as seguintes informações,
que farão você entender sem dificuldades e sem dúvidas os seguintes aspectos:
O objetivo deste estudo é compreender, analisar, investigar e conhecer as motivações do deslocamento
de indígenas Makuxi que foram se estabelecendo entre parentes nos municípios próximos a fronteira entre Brasil
e Guyana, e fixando moradia na maloca do Raimundão.
Este estudo será feito da seguinte maneira, na perspectiva das coletas de dados que nos auxiliará na
busca por respostas, faz-se necessário à aplicação de questionários. No entanto, irei aplicar um questionário com
cinco famílias indígenas Makuxi, especificamente com o total de dez pessoas que se deslocaram da República
Cooperativista da Guyana para o Brasil especificamente até a Maloca do Raimundão, no município de Alto
Alegre (Roraima), sendo duas pessoas por família.
Trata se de uma pesquisa sem fins lucrativos, cujo benefício maior é dar voz aos indígenas Makuxi que
se deslocaram da Guyana até o Brasil, independente da sua situação no Brasil, visando discussões acerca da sua
identidade étnica, pois sabemos que os indígenas ocupam esse território desde a chegada dos colonizadores .
Compreende-se a importância de trabalhar estas pesquisas relacionadas a deslocamentos de indígenas
no estado de Roraima, pois notamos que se tem um grande contingente de indígenas que se deslocaram da
Guyana e residem em malocas indígenas, fazendas e na capital Boa Vista. Até mesmo, para se contribuir em uma
discussão junto ao estado e a sociedade civil sobre a legalidade de direito desses indígenas no País, e de que
forma os órgãos indigenistas devem agir em relação a isso.
54
Os riscos e prejuízos que esta pesquisa apresenta são de abrangência mínima relacionadas a questão
psíquica, moral, social e constrangimentos que podem ser provocados pela mesma. Por isso, há a garantia de que
o interesse é científico sem intenção de promover ou denegrir a imagem de quem quer que seja. E eu como
pesquisador manterei em sigilo total seu nome e qualquer numero de documento, utilizando apenas informações
referentes à temática da pesquisa.
Eu como pesquisador irei tratar a sua identidade com padrões profissionais de sigilo. Para participar
deste estudo você não terá nenhum custo, nem receberá qualquer vantagem financeira.
Você será esclarecido (a) sobre o estudo em qualquer aspecto que desejar e estará livre para participar
ou recusar-se a participar. Poderá retirar seu consentimento ou interromper a participação a qualquer momento.
A sua participação é voluntária e a recusa em participar não acarretará qualquer penalidade ou modificação na
forma em que é atendido pelo pesquisador.
Você terá total liberdade de, recusar-se a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da
pesquisa, sem penalização alguma;
Os resultados da pesquisa estarão à sua disposição quando finalizada. Seu nome ou o material que
indique sua participação não será liberado sem a sua permissão.
O (A) Senhor (a) não será identificado em nenhuma publicação que possa resultar deste estudo.
O (A) Senhor (a) será indenizado por qualquer dano que venha a sofrer com a participação na pesquisa.
Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma cópia será arquivada
pelo pesquisador responsável no departamento de história da Universidade Federal de Roraima, e a outra será
fornecida a você.
Caso haja danos decorrentes dos riscos previstos, eu pesquisador responsável pela pesquisa assumirei a
responsabilidade pelos mesmos. Diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa, você terá todo direito de
pedir indenização.
Você Receberá uma cópia deste termo de consentimento livre e esclarecido em que eu como
pesquisador responsável pela pesquisa lhe dei a oportunidade de ler e esclarecer as suas dúvidas referentes ao
estudo, tendo assim você, compreendido perfeitamente tudo o que me foi informado sobre a sua participação no
mencionado estudo e estando consciente dos seus direitos, das suas responsabilidades, dos riscos e dos
benefícios que a sua participação implica.
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