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ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL DAS IGREJAS EVANGÉLICAS ASSEMBLÉIA DE

DEUS NO ESTADO DO PARANÁ – AEADEPAR


FACEL FACULDADES

Natalino das Neves


Sandro Pereira

APOCALIPSE

Curitiba
2012
ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL DAS IGREJAS EVANGÉLICAS ASSEMBLÉIA DE
DEUS NO ESTADO DO PARANÁ – AEADEPAR
FACULDADE FACEL

Copyright © 2011 – Todos direitos reservados à Associação Educacional das Igrejas


Evangélicas Assembléia de Deus no Estado Do Paraná – AEADEPAR.

Proibida reprodução total ou parcial sem a expressa autorização.


Pirataria é crime e pecado.

Diagramação: Anne Demarco


Editor: Djoni Schallenberger
Revisão: Berta Morales Figueroa
Capa: Gráfica Carvajal
Ficha Catalográfica: Rozane Denes

Neves, Natalino.
Livro de apocalipse. / Natalino das Neves,
Sandro Pereira. – Curitiba : Unidade, 2012.
88 p.


1. Apocalipse – Interpretação e estudo.
I. Pereira, Sandro. II. Faculdade de Administração
Ciências, Educação e Letras – FACEL. III. Título.

CDD 229.94

APRESENTAÇÃO

Os professores:
Natalino das Neves1
Sandro Pereira2

O livro de Apocalipse é um livro intrigante e, dependendo da interpretação,


para alguns é motivo de medo e assombro. Apocalipse tem uma característica peculiar,
uma linguagem por meio de visões estranhas, anjos com mensagens secretas, animais
inexistentes, fogo, entre outras imagens fora do senso comum. Entretanto, antes
de tudo, o livro se apresenta de uma maneira diferente de situar a vida diante das
mudanças, perseguições e atrocidades. Um livro de resistência, denuncia, martírio e,
sobretudo de esperança.
Todavia, para entender o proposito do livro e sua principal mensagem é preciso
conhecer o contexto histórico em que surgiu o movimento apocalíptico, suas principais
influências e consequências. Para isso, neste livro didático, iremos fazer uma agradável
caminhada, buscando “entrar” na mente do autor e descobrir ou, pelo menos, chegar
próximo de seu objetivo ao escrever esta perturbadora e revolucionária obra bíblica.

Desejamos-lhe um ótimo estudo. Mãos à obra!

1 Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná (FTBP),


com ênfase em exegese do grego e hebraico bíblico. Licenciado em Contabilidade
e Estatística pela Universidade Paranaense (UNIPAR). Especialista em
Planejamento, Operação e Comercialização na Indústria de Energia Elétrica
pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Teologia pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Mestre em Tecnologia
pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Membro da
Convenção das Igrejas Assembleias de Deus no Estado do Paraná – CIADEP.
2 Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná. Ênfase em
exegese do grego e hebraico bíblico. Mestrando em Ciências da Religião.
Universidade Metodista de São Paulo, 2010.
Membro do grupo de pesquisa Oracula do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da UMESP - São Bernardo do Campo, São Paulo.

OBJETIVOS DAS UNIDADES

UNIDADE 1 - UM PANORAMA DO MUNDO APOCALÍPTICO



A primeira unidade tem por objetivo fornecer um panorama do mundo
apocalíptico, visando à contextualização e uma preparação para que o(a) estudante
analise o Apocalíptico de forma mais consciente.
Para isso, serão apresentadas as características do gênero literário conhecido
como Apocalipse e as principais obras literárias do gênero, bem como a transição natural
que ocorreu do movimento profético para o apocalíptico e o contexto sociopolítico em
que isso ocorreu.
A contextualização culmina com o Império Romano, em especial as revoltas que
antecederam e as posteriores à destruição do Templo de Jerusalém, ambiente no qual
surgiu o Apocalipse de João. Por fim, será elaborada uma pequena introdução ao livro
de Apocalipse com uma proposta de chaves de leitura para facilitar a compreensão da
mensagem pretendida pelo autor do livro.

UNIDADE 2 - PRINCIPAIS CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO



A segunda e última unidade tem por objetivo apresentar as principais correntes
de interpretação do Apocalipse que surgiram ao longo do tempo e no meio acadêmico.
As principais correntes de interpretação que serão analisadas são: Preterista,
Historicista, Idealista e Futurista. A principal diferença está na interpretação literal
ou alegórica do livro. Por exemplo, Jesus retornará realmente do céu ou ele já se faz
presente na terra? As imagens e símbolos utilizados representam o sistema do império
romano da época do autor ou representam um novo sistema mundial que surgirá
literalmente na terra em tempos futuros?
Ao final do livro, o(a) estudante deverá ter subsídios para analisar qual o método
mais adequado. A escolha irá determinar a crença e forma de viver das pessoas.
SUMÁRIO

UNIDADE 1 - PANORAMA DO MUNDO APOCALÍPTICO


SEÇÃO 1 - A LITERATURA APOCALIPTICA................................................................03
O Gênero Literário................................................................................................................. 04
Principais Literaturas Apocalípticas ...................................................................................07
Exercícios ................................................................................................................................13
SEÇÃO 2 - A ORIGEM DA APOCALÍPTICA E SEU CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO ..14
A Transição da Profecia para a Apocalíptica......................................................................14
O Contexto Sociopolítico Apocalíptico..............................................................................18
Exercícios ................................................................................................................................ 22
SEÇÃO 3 – IMPÉRIO ROMANO, APOCALÍPTICA E O CRISTIANISMO.....................23
O Império Romano.................................................................................................................23
Apocalíptica e o Cristianismo ............................................................................................26
Exercícios ................................................................................................................................32
SEÇÃO 4 – INTRODUÇÃO AO APOCALIPSE DE JOÃO ..............................................33
Autor e Data ...........................................................................................................................33
Estrutura e Chaves de Leitura do Apocalipse ....................................................................36
Exercícios ................................................................................................................................40
RESUMO DA UNIDADE ...................................................................................................42

UNIDADE 2 - PRINCIPAIS CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO


SEÇÃO 1 - ESCOLA DE INTERPRETAÇÃO PRETERISTA.......................................47
Milênio ....................................................................................................................................48
Escola Preterista ......................................................................................................................49
Exercícios ................................................................................................................................54
SEÇÃO 2 - ESCOLA DE INTERPRETAÇÃO HISTORICISTA .....................................55
Escola Historicista .................................................................................................................55
Exercícios ................................................................................................................................59
SEÇÃO 3 - ESCOLA DE INTERPRETAÇÃO IDEALISTA ..............................................59
O Método Idealista ...............................................................................................................................60
Amilenismo ...........................................................................................................................................63
Exercícios ................................................................................................................................................66
SEÇÃO 4 - ESCOLA DE INTERPRETAÇÃO FUTURISTA ............................................67
Escola Futurista .....................................................................................................................67
Dispensacionalismo Clássico ..............................................................................................68
Dispensacionalismo Progressista .....................................................................................................70
Exercícios ................................................................................................................................................72
RESUMO DA UNIDADE ................................................................................................................73
REFERÊNCIAS....................................................................................................................76
APÊNDICE A – RESPOSTAS AOS EXERCÍCIOS .......................................................80
ANOTAÇÕES .......................................................................................................................84
Apocalipse

t
UNIDADE I
Um Panorama do Mundo
Apocalíptico
˂˂˂ 3

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Prezado(a) estudante, nesta unidade você irá conhecer a


literatura apocalíptica, talvez seja o primeiro contato ou já tenha lido ou
ouvido falar, mas nunca “parado” para estudar um pouco mais sobre
o assunto. Esta obra não tem a pretensão de aprofundar no assunto,
entretanto será apresentada uma introdução sobre o tema, que servirá
como “pano de fundo” para o estudo do Apocalipse de João, objeto
principal de estudo deste livro.
Para isso, a caminhada será a seguinte: conhecer sobre o gênero
literário e as principais literaturas apocalípticas; a origem da apocalíptica
e o ambiente sociopolítico em que é desenvolvida, em especial, o período
do Império Romano, quando surgiu o Apocalipse de João. Por fim,
uma breve introdução ao livro de Apocalipse. Finalmente, você poderá
seguir para o próximo desafio da unidade 2.

SEÇÃO 1 – A LITERATURA APOCALIPTICA

Nesta seção você irá descobrir que não se pode estudar o livro de
Apocalipse sem se dedicar ao estudo da literatura apocalíptica judaica,
cuja importância tem se evidenciado nas últimas décadas3.
Para se entender o pensamento judeu que predominou na época
dos escritos apocalípticos, devem ser considerados os chamados livros
pseudepígrafos4 e ou os livros apócrifos5. Segundo Collins (2010, p. 17) a
apocalíptica é considerada a mão de toda teologia cristã. Esta afirmação
demonstra a importância do estudo desta literatura, não somente para o
Apocalipse, mas para o entendimento da própria teologia que permeava
na igreja primitiva.
3 Duas obras volumosas publicadas na década de 80, do século passado,
tiveram grande influência no crescimento do interesse por esse estudo, são
elas: The Old Testament Pseudepigrapha, de James H. Charlesworth (1983 e
1985) e The Apocryphal Old Testament, de H. F. D. Sparks (1984).
4 Os livros pseudepígrafos não são considerados canônicos nem pela Igreja
Católica, que os chama de apócrifos. Entretanto, estes livros auxiliam na
compreensão de alguns livros da Bíblia, especialmente o de Apocalipse, bem
como certas tradições populares do povo judaico.
Apocalipse

5 Os livros apócrifos receberam esse nome pelas Igrejas Reformadas. Lutero


afirma que estes livros não podem ser equiparados aos livros da Bíblia Sagrada,
entretanto considerava a sua leitura proveitosa para entendimento dos textos
bíblicos.
4 ˃˃˃

• O Gênero Literário

Para falar do gênero literário, inicialmente é necessário identificar


alguns termos que causam certa confusão nos estudantes desse tipo de
literatura. Existem três termos que precisam ser clarificados, são eles:
“os apocalipses”, “o apocalipticismo” e “o pensamento apocalíptico”,
também conhecido como “apocalíptica”.
O termo “apocalipse” se refere a um gênero literário caracterizado
por uma revelação de Deus por meio de sonhos ou visões de lugares ou
seres celestiais. Enfatiza o interesse pelo mundo celestial e a influência
deste na história judaica e no destino do mundo cósmico, principalmente
no relacionamento do povo judeu e seus opressores, numa relação de
resistência à atuação destes. O termo “apocalipticismo” se refere a um
movimento social e religioso influenciado pelo pensamento apocalíptico.
A ênfase é para o estudo do contexto social das comunidades ou
indivíduos, autores dos apocalipses. Enquanto que a “apocalíptica” ou
“pensamento apocalíptico” se referem à perspectiva religiosa específica
do plano final de Deus com relação à história da humanidade, ou seja,
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Sua intervenção no processo de opressão e oprimidos.


Segundo Collins (2010, p. 18), em pesquisas acadêmicas mais
recentes, o termo “apocalíptica” tem sido abandonado como um
substantivo. Estas pesquisas fazem distinção entre “apocalipse como
um gênero literário, apocalipticismo como uma ideologia social e
escatologia apocalíptica como um conjunto de ideias e motivos literários
que também podem ser encontrados em outros gêneros literários
e contextos sociais”. Desse modo, inicialmente serão esclarecidas
algumas características do gênero literário apocalíptico e as literaturas
classificadas neste gênero, como forma de transição para as seções
seguintes que abordará a contextualização social e política do ambiente
apocalíptico.
Mesters e Orofino (2008, p. 52) esclarecem que, além das demais
formas de expressão literárias utilizadas pela igreja primitiva (história
em Atos dos Apóstolos, carta como nos escritos paulinos, cânticos,
evangelhos escritos, entre outros), que tinham cada uma a sua função,
a forma de apocalipse tinha como propósito “anunciar a Boa-Nova de
˂˂˂ 5

Deus aos pobres em época de perseguição e de perplexidade”.


Collins (2010, p. 20) afirma que a maioria das literaturas
apocalípticas6 não foi reconhecida como pertencente a esse gênero antes
do cristianismo. Segundo ele, “a primeira obra introduzida como um
apokalypsis é o Apocalipse de João, do Novo Testamento, e mesmo assim
não está claro se a palavra denota uma classe especial de literatura ou se
é utilizada, em sentido mais geral, como revelação”. Por ser considerado
um produto do judaísmo tardio, o gênero apocalíptico teve seu valor
minimizado em relação a outros escritos bíblicos por alguns teólogos do
século XIX, como Julius Wellhausen e Emil Schürer (COLLINS, 2010, p.
18).
Segundo Mesters e Orofino (2008, p. 52-64) existem três coisas
que caracterizam os escritos apocalípticos em suas mensagens às
comunidades perseguidas pelos opressores, cujo entendimento auxilia
na superação das barreiras de interpretação do livro de Apocalipse. As
três características são: a) expressar tudo por meio de visões e símbolos;
b) usar linguagem radical de oposição entre o bem e o mal; c) dividir a
história em etapas para situar o momento presente.
Expressar tudo por meio de visões e símbolos – o apocalíptico
não utiliza uma linguagem comum e rotineira, mas faz uso
de imagens e visões e, às vezes, desconhecidas de seus leitores,
principalmente quando o tempo entre a escrita e os receptores é
muito longo. As visões do Apocalipse são estranhas, fora do
comum, irreais, principalmente para os receptores atuais. Entre
as visões destacam-se: animais com seis asas (Ap 4. 8); cordeiro
com sete chifres e sete olhos (Ap 5. 6); cavalos com cabeça de leão
e rabo de escorpião (Ap 9. 17-19); um dragão (Ap 12. 1-6); uma
besta-fera com sete cabeça e dez chifres (Ap 13. 1); noiva que
desce do céu (Ap 21. 2). O que essas visões estranhas podem
trazer de ensinamento para o leitor de hoje? Mesters e Orofino
(2008, p. 55-58) apresentam uma série de possibilidades: a) trazer
conforto e coragem na luta; b) transformar a saudade em
esperança; c) comunicar ao povo algo da paz de Deus; d) defender-
Apocalipse

se contra os opressores do povo; e) fazer-se entender pelo povo

6 Um estudo resumido sobre as principais literaturas apocalípticas será


apresentado no próximo tópico desta seção.
6 ˃˃˃

das comunidades; f) uma chave para ler a realidade de outra


maneira.
Usar linguagem radical de oposição entre o bem e o mal – neste
tipo de literatura são evidenciados os extremos, o opressor
como o lado do mal e os oprimidos como o lado do bem. Segundo
Mesters e Orofino (2008, p. 54), “este radicalismo já levou muita
gente ao fanatismo e a ações insólitas”. Entre os contrastes das
imagens do Apocalipse podem-se destacar: do lado do mal o
Dragão e a Besta-fera (Ap 13. 1-18), Roma, a grande prostituta
(Ao 17. 1-18); do lado do bem o Cordeiro e seu exército (Ap
14. 1-5), Jerusalém, a noiva do cordeiro (Ap 21. 1 – 22. 5). Essas
visões extremistas podem dar a entender que de um lado só tem
pessoas más e do outro lado somente pessoas boas. Como
entender as diferenças de ensinamento de Paulo que orienta a
obediência às autoridades constituídas (Rm 13. 1) e condena
a revolta contra elas, como se fosse contra Deus (Rm 13. 2); com
a mensagem do Apocalipse que incentiva a denuncia e a
revolução? Mester e Orofino (2008, p. 59) fazem uma ilustração
que elucida bem a questão. Eles comparam o Império Romano
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como um navio de guerra imenso sobre o mar, dentro dele têm


pessoas boas e más, mas o navio está sendo usado para fazer
guerra e bombardear pessoas indefesas. A partir desta ilustração
explicam: “[...] O que João condena não é o bem que existe no
navio do Império, mas, sim, o rumo errado do mesmo. Tudo está
sendo usado para perseguir os cristãos indefesos que querem
defender suas vidas”. Uma forma crítica que o autor encontrou
para alertar seus leitores sobre o mal que estava por detrás da
ideologia dominante. Crítica que faz falta nos dias atuais no
meio cristão.
Dividir a história em etapas para situar o momento presente –
nos escritos apocalípticos o tempo do passado, presente e
futuro se confundem, às vezes o texto dá a impressão de estar
falando do futuro, quando na verdade, é história do passado,
ou mesmo do momento presente. À época da escrita do Apocalipse
a igreja vivia um tempo de crise e de perseguição, sem perspectiva
de solução. O autor então apresenta uma história do passado
˂˂˂ 7

conhecida de seus leitores, o plano inicial de Deus, a partir deste


visualiza o que já ocorreu, o que está ocorrendo e o que faz parte
do plano final de Deus. O presente é mostrado como algo
imediatamente antes do fim. Surge a esperança: falta pouco!
Continue firme! Coragem! Estamos chegando ao fim! Como
exemplo prático, imagine em uma corrida ou uma caminhada em
que você não vê o fim, está cansado(a), as forças estão se
acabando, de repente, alguém avisa “falta pouco, daqui a poucos
metros é a chegada”. Você recobraria as forças e se animaria, não
é? Assim se apresenta o Apocalipse, como uma esperança em
meio a sofrimentos e tempos de crise.

Mester e Orofino (2008, p. 54) afirmam que o entendimento destas


três características é fundamental para a compreensão da mensagem
do Apocalipse, “pois ajudará a evitar os perigos e riscos que afetam
o movimento apocalíptico e servirá como resposta à maior parte das
dificuldades que surgem em torno do Apocalipse de João”.
Então, surge a pergunta, mas quais são as principais literaturas
que possuem esse gênero literário e porque são importantes para o
entendimento do livro de Apocalipse? É o que se verá a seguir.


• Principais Literaturas Apocalípticas


A maioria dos apocalípticos faz parte dos livros considerados
apócrifos7 ou pseudepígrafos8. Segundo Collins (2010, p. 50), eles não
7 Os apócrifos são escritos judaicos surgidos em parte na Palestina e em parte
na Diáspora, durante o período que vai do século III a.C até o século I de nossa
era e que, provavelmente, só foram excluídos do grupo de livros permitidos
no seio da comunidade judaica, depois de terem sido incorporados ao Cânon
grego do Antigo Testamento por parte da comunidade cristã (ROST, 1980, p. 23).
8 Os pseudepígrafos, ao contrário dos apócrifos, são escritos judaicos que só
eram estimados dentro de determinados grupos, embora tenham surgido
quase na mesma época que os apócrifos. Os pseudepígrafos não gozaram
do mesmo favor que os livros do Cânon, nem na Igreja do Império Oriental
Apocalipse

nem também na Igreja ocidental. Pelo contrário: esta literatura só foi


conservada por uma parte bastante limitada da Igreja ocidental da Idade
Média, como no caso do Pseudo-Fílon; ou em regiões periféricas da
cristandade, como, p. ex., Henoc e outros, entre os abissínios, os coptas e as
8 ˃˃˃

foram considerados como apocalipses antes do cristianismo, o que


demonstra que o gênero apocalipse é um construto moderno.
Na época em que foram produzidos os livros apócrifos e
pseudepígrafos ainda não havia um cânon oficial como diz a Mixná
Yadayim, fixado por volta de 100 d.C. A descoberta dos manuscritos do
Mar Morto, em particular os que foram encontrados nas cavernas de
Qumran, escritos durante o período de 150 a.C. até 70 d.C. evidencia
que “não havia distinção rigorosa entre Escritura sagrada e menos
sagrada” (ROST, 1980, p. 14).
Não existe uma lista única destes livros. Entretanto, Rost (1980,
p. 46-195) que elabora um dos primeiros estudos mais aprofundados
sobre os livros apócrifos e pseudepígrafos, relaciona os seguintes livros
como os principais:
Os Apócrifos – Judite; A Sabedoria de Salomão; Tobias; Jesus
Sirac; Baruc; A Carta de Jeremias; O primeiro livro dos Macabeus;
O segundo livro dos Macabeus; Os trechos acrescentados a
Ester; Acréscimos de Daniel (Susana, A oração de Asarias e a
oração dos três jovens na fornalha ardente, Bel em Babilônia, e
sobre o dragão de Babilônia); A oração de Manassés; O terceiro
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livro de Esdras.
Os pseudepígrafos – a) do judaísmo helenístico do Egito (A
Carta de Aristeias, O terceiro livro dos Macabeus, O quarto livro
dos Macabeus, O Livro eslavo de Henoc, Os Oráculos Sibilinos);
b) da Síria (O Apocalipse grego de Baruc); dos círculos dos
fariseus da Palestina (Os Salmos de Salomão, o quarto livro de
Esdras, O Apocalipse siríaco de Baruc); c) da esfera de influência
do grupo de Qumran (O Livro dos Jubileus, O Livro etíope de
Henoc, Os testamentos dos Doze Patriarcas, A Assunção de
Moisés, O Martírio de Isaías, A Vida de Adão e Eva); d) das
descobertas dos manuscritos de Qumran (A Regra da Associação,
Documento de Damasco, A Regra da Guerra, O pesher de
Habacuc, Apócrifo do Gênesis, Os Cânticos de Louvor (Hôdayôt),
O Rolo do Templo).
igrejas da Síria, mas, mesmo aí, fora do Cânon, e isto apesar de a Carta de
Judas, no Novo Testamento, trazer uma citação da Assunção de Moisés, no v.
9, e uma de Henoc, nos vv. 14-15, e o final do Codex Alexandrinus conter os
Salmos de Salomão.
˂˂˂ 9

Tanto o judaísmo como o cristianismo produziram literaturas


apocalípticas, entretanto nem todos os escritos foram canonizados.
Dentre os apocalípticos, o Apocalipse de João é o mais conhecido e o
livro que deu nome ao gênero. Boer (2000, p. 15) afirma que os livros
apocalípticos não podem ser considerados totalmente um “apocalipse”,
mas sim somente partes deles, uma vez que esses livros contêm também
outras formas literárias.
Neste tópico da seção se destacarão alguns dentre os livros
apocalípticos, aqueles que qualquer estudante de teologia que deseja
ler sobre Apocalipse, não pode deixar de conhecer e verificar, como
exemplo as convergências e interações com este livro. Por conseguinte,
os livros apocalípticos que serão destacados são: 1 Enoque (o primeiro
apocalipse), Daniel (livro que foi canonizado), os Oráculos Sibilinos
(apocalípticos históricos que foram escritos após a revolta judaica contra
os romanos que iniciou em 66 d. C.). Os comentários, bem resumidos
de cada livro, servirão apenas para um primeiro contato, mas se sugere
que os leitores dediquem um tempo para aprofundar mais sobre esses
livros, bem como os demais livros citados, por serem de proveitosa
leitura para sua caminhada teológica.
Collins (2010, p. 51-52) afirma que os primeiros apocalipses
se encontram em 1 Enoque. A figura de Enoque é “moldada como
Enmeduranki, fundador da guilda de barûs, os adivinhos babilônicos”.
Segundo Collins (2010, p. 75), a publicação recente de fragmentos
de Enoque em aramaico, que foram encontrados em Qumrã, despertou
o interesse para o aprofundamento da literatura apocalíptica e trouxe
contribuições significativas quanto à história do livro de Enoque, o que
justifica uma citação direta das conclusões:

[...] Na verdade, 1 Enoque não é apenas uma obra, mas


uma grande coleção de escritos apocalípticos. Há tempos
se distinguem cinco composições separadas: o Livro dos
Vigilantes (caps. 1-36), as Similitudes (caps. 37-71), o Livro
Astronômico (72-82), o Livro dos Sonhos (caps. 83-90) e a
Epístola de Enoque (caps. 91-108). Dentro da epístola, o
Apocalipse

Apocalipse das Semanas (93, 1-10; 91, 11-17) aparece como


uma unidade distinta. O corpus completo de 1 Enoque só
existe em etiópico. Porções substanciais da primeira e quinta
partes e uma passagem da quarta foram descobertas em
10 ˃˃˃

grego. Nos anos recentes, fragmentos aramaicos de todas as


partes, exceto as Similitudes, foram encontrados em Qumrã.
Nos rolos de Qumrã, o Livro dos Gigantes foi copiado no
lugar das Similitudes. O editor dos fragmentos aramaicos,
J. T. Milik, argumentou que os cinco livros que formam 1
Enoque constituíam um Pentateuco Enóquico, que era uma
contraparte do Pentateuco Mosaico (COLLINS, 2010, p. 75).

As descobertas de Qumrã serviram também para ratificar a data


da escrita do livro. Foi possível constatar que as seções mais antigas
de 1 Enoque foram escritas por volta do sec. III a.C., portanto, antes
da revolta dos macabeus. No período do século III a.C. ao século II
d.C., os escritos e a visão apocalíptica apresentaram uma significativa
popularidade, o que gerou uma ampla literatura.
Outro livro que não pode deixar de ser citado é o Livro de Daniel,
o único livro da Bíblia Hebraica que contem um exemplo pleno de
literatura apocalíptica (Dn 7-12). Este é o livro que recebeu mais atenção
do que qualquer outro livro apocalíptico judaico. Da mesma forma que
ocorre no livro de Apocalipse de João, o autor de Daniel também utiliza
figuras de animais monstruosos para representar alguns impérios
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mundiais.
No capítulo 7 ele descreve alguns desses animais: leão com asas
de águia (DN 7. 4), urso com três costelas entre os dentes (Dn 7. 5),
onça com quatro asas e quatro cabeças (Dn 7. 6), uma fera medonha
e terrível (Dn 7. 7-8) (MESTERS; OROFINO, 2008, p. 61-62). O Dia de
Javé também aparece como julgamento divino (Dn 7. 9-10), onde Deus
é apresentado na figura de um ancião vestido de veste branca como
a neve e os cabelos como a branca lã. Mesters e Orofino (2010, p.154)
destacam que o trono divino cercado por miríades de anjos e um rio
de fogo “lembra a visão de 1Enoque 14. 22 e sugere que os visionários
apocalípticos beberam de tradições em comum”.
Dois conjuntos de textos se destacam no período que iniciou
com a revolta judaica contra os romanos que iniciou em 66 d. C. e que
resultou na destruição do templo em 70 d.C. São eles: os Oráculos
Sibilinos, afetos mais com as questões históricas; e os chamados
“próprios apocalipses”9 com tendências mais para o lado místico do
9 Este conjunto de textos (tendências místicas) será abordado em seção
específica sobre o Império Romano, nesta unidade, e que antecederá à
˂˂˂ 11

apocalipticismo. Os Oráculos Sibilinos (Or. Sib. 1, 2, 4 e 5) trazem


uma ordenada periodização da história que culmina com a crença na
ressurreição e julgamento dos mortos e são sempre apresentados como
oráculos (COLLINS, 2010, p. 333-363).
Oráculos 1 e 2 - são geralmente reconhecidos como uma unidade
original que divide a história, da criação ao julgamento final, em
dez gerações e finaliza (Or. Sib. 2) com crises escatológicas e o
julgamento dos mortos com destruição pelo fogo. Uma estrutura
para ensinamentos éticos e com aviso de alerta para uma
destruição iminente e inevitável. Segundo Collins (2010, p. 340)
“há algumas passagens claramente cristãs, mas a extensão
completa da redação cristã e incerta”.
Oráculo Sibilino 4 - divide a história, a partir do dilúvio, em
dez gerações e quatro reinos. O primeiro reino é o dos assírios
que governam por seis gerações; o segundo dos medos que
governam por duas gerações; a terceira dos persas que governam
por uma geração; o quarto reino e décima geração coincidem com
o império macedônico, que é prolongado para se referir aos
romanos. Segundo Collins (2010, p. 342), o prolongamento se
trata de uma adição posterior no período do Império Romano
que vai até a destruição do Templo de Jerusalém. A atuação
romana é vista neste oráculo como uma punição aos judeus pela
sua insensatez e impiedade e não como um ultraje. A ênfase é
no convite à conversão, caso contrário seriam sujeitos à destruição
por fogo. A data da compilação final é reconhecida como 79 d.C.,
devido à referência à erupção do Vesúvio, no versículo 130.
Oráculo Sibilino 5 - é composto por seis oráculos, sendo que os
quatro oráculos centrais apresentam um padrão comum: a)
Versículos 52-110 - oráculos contras várias nações, com ênfase ao
Egito, nação criticada pela prática da idolatria e perseguição
dos Judeus. Entretanto, o principal inimigo é Roma (recebe o nome
codificado de Babilônia), denunciada como cidade efeminada,
injusta e maligna. O principal pecado é ter destruído o Templo
Apocalipse

de Jerusalém, o que não é visto neste oráculo como justiça


introdução ao Apocalipse de João. Caro(a) estudante, para explorar mais
detalhes sobre esses conjuntos de textos, ver Collins (2010, p. 333-363) que faz
um comentário detalhado sobre a literatura apocalítica no período romano.
12 ˃˃˃

divina, mas como um ultraje pagão contra a religião judaica.


Roma, como punição, é condenada a ser jogada no Hades; b)
Versículos 111-178 - A figura do Nero redivivus, o imperador
que retorna dos mortos como adversário escatológico, é explorada
amplamente pelo autor do livro. Esta crença fazia parte de uma
lenda de que retornaria liderando uma hoste persa para se vingar.
Segundo Collins (2010, p. 335), “essa crença foi alimentada pela
aparição de um impostor, pouco após a morte de Nero, e de
outro uns vinte anos depois”. Segundo ele, figura interpretada
como a besta que representa o anticristo no Apocalipse de João
(capítulos 13 e 17); c) Versículos 119-285 – descreve o advento de
uma figura salvadora, um rei enviado por Deus, que vem das
extensões dos céus, para lutar e derrotar “o Persa” (figura do
anticristo/Nero redivivus) na tentativa de destruir a cidade
santa; d) Versículos 286-434 - a ênfase está na destruição por fogo.
A figura salvadora destrói as cidades e nações inimigas com
fogo (uma grande estrela que queima o mar e a Babilônia). Um
templo escatológico é reerguido, mas destruído pelos etíopes
(Gogue e Magogue), “referência geral para os adversários
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escatológicos” (COLLINS, 2010, p. 339). A conclusão do livro se


dá com uma batalha das estrelas, estas caem na terra e a incendeiam.
Uma desolação cósmica: os céus ficam sem as estrelas e a terra
termina queimada. Segundo Collins (2010, p. 339) “uma
expressão adequada da visão de mundo do judaísmo egípcio
após a falha da revolta”.
Uma rápida “olhada” para alguns destes livros já demonstra as
semelhanças com o Apocalipse de João. As convergências evidenciam
que apesar da distinção do Apocalipse de João, ele não é o único
livro apocalíptico e que vários outros livros foram escritos dentre um
mesmo contexto e propósito comum. As convergências e interações
continuaram sendo apresentadas nas próximas seções.
Para introduzir o assunto do surgimento da apocalíptica,
na próxima seção será abordado sobre o momento da transição do
movimento profético para o movimento apocalíptico.
˂˂˂ 13

SAIBA MAIS

COLLINS, John J. A imaginação apocalíptica: uma introdução à


literatura apocalíptica judaica. São Paulo: Paulus, 2010.

MESTERS, Carlos e OROFINO, Francisco. Apocalipse de São João: a


teimosia da fé dos pequenos. 2ª Edição. São Paulo: Vozes, 2008.

ROST, Leonard. Introdução aos livros apócrifos e pseudepígrafos do


Antigo Testamento e aos Manuscritos de Qumran. 2ª Ed. São Paulo:
Paulinas, 1980.

EXERCÍCIOS

1) Por que é importante conhecer sobre livros considerados


apócrifos ou pseudepígrafos para estudar a literatura apocalíptica?
______________________________________________________________
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
2) Qual o livro da Bíblia Hebraica e o respectivo texto que contém
um exemplo pleno de literatura apocalíptica?
______________________________________________________________
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
3) Quais são os dois conjuntos de textos que se destacam no período
que iniciou com a revolta judaica contra os romanos que iniciou em 66
d. C. e que resultou na destruição do templo em 70 d.C.?
______________________________________________________________
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
Apocalipse

_____________________________________________________________
14 ˃˃˃

SEÇÃO 2 – A ORIGEM DA APOCALÍPTICA E SEU CONTEXTO


SOCIOPOLÍTICO

Nesta seção você irá perceber que houve uma transição natural
da predominância da profecia na história do povo de Israel para a
apocalíptica. Utiliza-se o termo transição natural porque os fatos
ocorridos na história do povo de Israel foram conduzindo a mudança
de opção pelo gênero literário, uma vez que o novo ambiente gerado,
principalmente com o cativeiro babilônico, criou a necessidade de
novos meios de comunicação entre Deus, intermediários e o povo que
refletisse a nova realidade.

• A Transição da Profecia para a Apocalíptica

Shreiner (2004, p. 419) afirma que no período que antecedeu


o surgimento do Novo Testamento, a fé na intervenção divina no
futuro do povo judeu teve uma remodelação por meio da apocalíptica.
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Segundo ele, a apocalíptica trouxe “um novo olhar para o futuro e da


última forma de falar das esperanças referentes ao fim. A apocalíptica é
a derradeira grande expressão teológica do antigo espírito israelítico”.
Mesters e Orofino, ao introduzir o assunto do fenômeno
apocalíptico fazem uma comparação interessante sobre o tratamento
atual que é dado a uma pessoa considerada profeta com o tratamento
dado a uma pessoa considerada apocalíptica. Veja as suas considerações:

Quando dizemos: “Fulano é um sujeito apocalítico!”,


costumamos indicar uma pessoa que só fala em desastres e
fim do mundo. Quando dizemos: “Fulana é uma profetisa!”,
indicamos uma pessoa, cuja palavra tem uma mensagem
importante para os outros. Como explicar esta diferença?
Profecia e apocalipse não são ambas manifestações do
mesmo Espírito para o mesmo povo de Deus? Muitas vezes
se diz: “Temos que ser profetas!” Nunca se diz: “Temos que
ser apocalípticos!” Pelo contrário! A palavra apocalíptico
parece ter uma apreciação negativa. As igrejas até costumam
reagir para manter fora de casa os ares aparentemente
confusos e incômodos do movimento apocalítico. Mesmo
˂˂˂ 15

assim o movimento pentecostal-apocalíptico cresce em


toda a parte, sobretudo entre os mais pobres e excluídos
(MESTERS e OROFINO, 2008, p. 15).

Na fala dos autores pode se perceber que além de demonstrar


que a ênfase dada à pessoa tida como apocalítica é negativa, faz um
vínculo desta característica com os movimentos ou denominações
pentecostais. Por que essa consideração? Qual a diferença entre a
profecia e apocalíptica? Caro(a) estudante esse é um importante tema
para ser aprofundado, principalmente para produção científica.
Para compreender melhor a diferença entre profecia e
apocalíptica, precisa-se conhecer como se originou o movimento
apocalíptico, pois sua origem tem muito a ver com o movimento
profético, ou melhor, com a “extinção” deste movimento. No Antigo
Testamento, no período conhecido como dos “reis”, que corresponde
aproximadamente ao período entre 1000 a.C. (surgimento dos primeiros
monarcas de Israel) e 587 a.C. (última leva dos judeus para o cativeiro
babilônico), os profetas faziam parte da vida cotidiana do povo, quer
sejam da corte real como dos camponeses. Após esse período o povo já
declarava a ausência de profetas (Sl 74. 9).
Segundo Mesters e Orofino (2008, p. 16), a história chegou a ser
dividida em dois períodos: “o período em que havia profetas, e o período
‘em que já não havia mais profetas’ (1Mc 9. 27). Falava-se de antigos
profetas (Zc 1. 4; 7. 7). Coisa do passado! Tinham até feito uma lista
que já estava completa e encerrada: doze profetas (Eclo 49. 10)”. Neste
momento que surge o movimento apocalíptico, portanto o momento de
transição do movimento profético para o movimento apocalíptico.
Collins (2010, p. 43) comenta que uma expressiva literatura
acadêmica de estudo sobre as origens da apocalíptica, ao longo dos
anos, se dividiu entre os defensores da origem da profecia, enquanto
outros defendiam como uma adaptação estrangeira do dualismo persa.
Mais recentemente, a defesa de von Rad10 da origem da sabedoria.
Na sequência, Collins (2010, p. 44-45) afirma que os apocalipses têm
Apocalipse

influências de todas essas fontes. Com relação ao dualismo persa,


10 Gerhard von rad, Theologie, 2. P. 315-330. Uma conexão entre a sabedoria e a
literatura apocalíptica já havia sido proposta em 1857, por L. Noack
16 ˃˃˃

argumenta que apesar de historicamente sua ênfase ter sido exagerada


no passado, não deve ser desconsiderada. Enquanto que a defesa de
von Rad, da derivação da sabedoria, ele é mais crítico, ao reconhecer
que os apocalipses apresentarem um tipo de sabedoria, mas que “não
é do tipo indutivo, como encontramos em Provérbios” (COLLINS,
2010, p. 45). Afirma que a proposta de von Rad tem contribuído mais
no sentido de “reconduzir a atenção àqueles aspectos dos apocalipses
que são cosmológicos e especulativos, em vez de escatológicos”
(COLLINS, p. 45). Esta obra não tem o objetivo de aprofundar neste
assunto, mas , deixar claro que houve uma mudança significativa tanto
cosmovisão de mundo dos judeus, que gerou movimento neste sentido
e, consequentemente, o desenvolvimento de um novo gênero literário11.
Shreiner, partindo desse pressuposto, já situa a transição da
profecia para a apocalíptica a partir de Zacarias.

Nas sete visões noturnas de Zacarias (Zc 1-8) já se realiza


uma primeira passagem da profecia para a apocalíptica. A
sua mensagem se reveste de imagens singulares, fantásticas
e estimulantes. Aparecem cavalos e cavaleiros, cornetas
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e ferreiros, carros entre montanhas de bronze, lâmpadas


e oliveiras, um enorme rolo volante e a impiedade como
uma mulher fechada em uma grande recipiente. A pessoa
e os objetos são símbolos de situações e acontecimentos. O
vidente não pode explicá-los para si mesmo; mas um anjo se
encarrega disso (SHREINER, 2004, p. 421).

Entretanto, ele afirma que texto que apresenta uma temática e


conceitos de cunho apocalíptico, mas ainda sem a forma estritamente
do apocalipse (gênero), ocorre somente a partir do século II a.C.
O período profético era caracterizado por um mensageiro que
tinha certo controle da situação. A ação do profeta era dentro do “seu
espaço”, ou seja, no seu próprio país e com líderes que eram, de certa
forma, influenciados pela teologia nacional. Desse modo, o povo que
vivia dentro deste território, desde o monarca até os camponeses,
11 Importante reforçar o comentário da primeira seção de que não pode ser
confundido o gênero apocalíptico (apocalipse) com o pensamento apocalíptico,
que se refere à perspectiva religiosa específica do plano final de Deus com
relação à história da humanidade (apocalíptica), bem como com o movimento
social e religioso influenciado pelo pensamento apocalíptico (apocalipticismo).
˂˂˂ 17

podiam ser convocados e cobrados, pois professavam a mesma religião,


faziam parte da mesma nacionalidade e, acima de tudo, tinham a fé
no mesmo Deus (MESTERS e OROFINO, 2008, p. 16-17). Os profetas
falavam a uma nação independente, com religião e Deus próprio.
Os reis eram considerados pessoas escolhidas por Deus,
privilegiadas e com autoridade legitimada pela própria religião. Muitos
reis, aproveitando dessa situação, não agiam com justiça e buscavam
interesses próprios. Alguns sacerdotes e profetas, durante esse período,
prestaram serviço aos reis, que detinham o poder político. Todavia,
nem todos tinham esse comportamento, ao contrário, denunciavam o
comportamento da monarquia, bem como dos líderes religiosos que o
apoiavam, além de exortá-los ao arrependimento, caso contrário, seriam
julgados e condenados pelo próprio Deus Javé (Dia do Juízo).
Mesters e Orofino (2008, p. 17) destacam a ação de Elias e outros
profetas como Amós, Joel, Sofonias e Jeremias, que em um período que
ficou bem claro o desvio da monarquia, sendo destemidos, denunciavam
e cobravam dos reis o compromisso com a Aliança de Javé. Os profetas
e profetizas demonstravam a confiança da presença de Deus e na
construção contínua de Seu projeto e cobravam a observância da Lei e
prática da justiça às pessoas que, teoricamente, deveriam estar debaixo
da mesma aliança, a Aliança com Javé. “O Plano de Deus ia surgindo
desta prática. Por isso, os responsáveis pela condução da história (reis,
sacerdotes, nobres e sábios) eram criticados e convocados para assumir
o seu papel na construção do Projeto de Deus” (MESTERS e OROFINO,
2008, p.17).
Esta situação mudou após o exílio babilônico, pois o povo não
estava mais em sua pátria, seus governantes não estavam “debaixo” da
mesma lei e aliança, pelo contrário, tinham compromissos e adoravam
vários deuses. Como cobrá-los de uma aliança com um Deus que não
reconheciam como seu Deus? Como cobrá-los o cumprimento de uma
lei (Pentateuco) a qual não se submetiam? As coisas mudaram! E agora o
que fazer? Como se comunicar debaixo da opressão e jugo estrangeiro?
Shreiner (2004, p. 422) expressa bem a diferença entre um autor profético
Apocalipse

e um autor apocalíptico. O texto profético, expresso habitualmente em


forma poética, evidencia um orador que fala de forma clara, chamando
“pelo nome as coisas, os acontecimentos e as pessoas, porque querem
18 ˃˃˃

ser entendidos em tudo pelos seus ouvintes”. Enquanto que os textos


apocalípticos, expressos habitualmente em forma de prosa, narrados
com uma linguagem enigmática para “esconder” o sentido das palavras,
dando preferência para parábolas, alegorias e símbolos.
Assim sendo, o profeta fala abertamente, denuncia a prática de
opressão e injustiça de pessoas que fazem parte da mesma nacionalidade,
pertencentes à mesma religião e crenças, enquanto que o apocalíptico,
que está debaixo de um opressor estrangeiro, com religião e crenças
diferentes, se obriga a falar não de forma clara, mas enigmática para
transmitir uma mensagem subliminar aos seus destinatários.
Qual o motivo dessa diferença? Porque o autor apocalíptico não
podia falar abertamente? Para amenizar as dúvidas, será apresentado
a seguir o contexto sociopolítico em que encontravam os autores
apocalípticos.

• O Contexto Sociopolítico Apocalíptico


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O período apocalíptico se estende, aproximadamente, do exílio


babilônico até o primeiro século da era cristã. Mesters e Orofino fazem
um pequeno resumo das mudanças que ocorreram para o povo judeu
com o exílio babilônico, que quebrou o sistema sociopolítico em que o
povo vivia nos tempo dos reis.

Em 598, a elite (rei, sacerdotes, profetas, nobres e chefes) foi


levada para o exílio (2 Rs 24,10-17). Dez anos depois, em 587,
o pouco que restava da liderança foi preso e morto (2Rs 25,
1-21). Jerusalém, a capital, junto com o Templo, o santuário
do rei, foi destruída. Todos ficaram sob o domínio do poder
estrangeiro, sem mais nenhum recurso para poder controlar
a situação. Já não eram Estado nem Nação, mas apenas uma
comunidade étnica, dispersa num império multirracial, sem
independência política, sem exército, sem rei (MESTERS e
OROFINO, 2008, p.18).


˂˂˂ 19

A situação foi se agravando com o passar do tempo. Após o


cativeiro babilônico o povo judeu foi subjugado pelos persas, que
com uma aparente liberdade religiosa dada aos povos conquistados,
buscavam também o interesse dos monarcas, que colocavam pessoas na
liderança, como Jorobabel, Esdras, Neemias, e outros, mas não perdiam
o controle sobre eles e nem do cumprimento de suas determinações.
Para auxiliar na compreensão do que os judeus estavam submetidos
neste período se faz interessante conhecer um pouco mais sobre esse
povo.
Os persas, povo de origem indo-europeu, por volta do século
VI a.C. eram vassalos dos medos, outro grupo indo-europeu. Em
aproximadamente 550 a.C., sob o comando de Ciro, os persas se
rebelaram com sucesso contra os medos. Isso dá início a uma onda de
conquistas, inclusive da Babilônia, cuja população era, em grande parte,
composta por judeus, trazidos cativos de Judá (ROSSI, 2009, p. 112).
Ainda, segundo Rossi (2009, p. 112-113), “o sucesso de Ciro é creditado
ao seu discernimento militar, ostensivo suborno e uma campanha
publicitária enérgica realizada em toda a Babilônia, que o retratava
como um soberano calmo e religiosamente tolerante”.
No reinado de Dario, 522-485 a.C., foram efetuadas várias
reformas administrativas, com divisão do império em regiões
denominadas satrapias, conduzidas pelos sátrapas. Estes tinham
certa autonomia, entretanto eram severamente fiscalizados pelos
comandantes militares persas, que fixavam a quantia de impostos de
acordo com a região e supervisionavam o seu pagamento, bem como
possíveis rebeliões. Os comandantes militares, que compunham um
grupo significativo de inspetores itinerantes, respondiam diretamente
ao soberano persa (ROSSI, 2009, p. 113).
Na região de Judá, que era eminentemente agrícola, o sofrimento
causado pelo império persa, que exigia o pagamento dos impostos e
taxas em moeda, era mais acentuado. Os camponeses da Judéia tinham
que transformar seus produtos e animais em dinheiro para pagar a
tributação que lhes era imputada.
Apocalipse

Rossi (2009, p. 118) afirma que “essa necessidade de vender


os produtos gerados no campo somente aumentava a capacidade de
exploração a que eram submetidos os camponeses”. Além disso, o
20 ˃˃˃

dinheiro do rei era mais valorizado do que as moedas locais, cunhadas


em prata (TUNNERMANN, 2001, p. 25-6).
Os povos indo-europeus (chue-chi, ários, persas, medos, hititas,
gregos, itálicos, celtas e germanos), segundo Dal´Pupo (2005, p. 28-
33), eram povos guerreiros e dominadores que construíram grandes
impérios como o medo-persa, helênico e romano. A religião era a
urânica: Deus no céu e forças na natureza. O dualismo era considerado
um dogma, sendo a matéria má e o espiritual bom, conduzia o ser
humano na busca de respostas aos problemas e questões da existência
humana por meio do sagrado e do sobrenatural. Esta cultura inviabiliza
a ação do ser humano na história e, consequentemente, a transformação
de sua realidade de vida era somente possível àqueles que rompiam com
essa cultura e se reconheciam como senhores da história, porém com
o risco de se tornarem também senhores daqueles que se mantinham
emoldurados pela cultura dominante.
Não há como negar a influência que o período sob o jugo dos
persas (538 a.C. a 333 a.C) teve sobre os judeus, influência em todos os
sentidos, inclusive na religiosa. Após o jugo do Império Persa, os judeus
continuaram sendo subjugados por estrangeiros e, naturalmente, sendo
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novamente influenciados pela sua cultura e religião.


Segundo Ceresko (2004, p. 101) os reis ptolemaicos do Egito
deram seguimento ao procedimento anterior dos persas. Eles se
apossavam das riquezas dos povos dominados e mantiveram o sistema
fiscal que explorava principalmente os camponeses com cobranças de
porcentagens sobre a colheita e rebanhos ovinos e bovinos. Os judeus
da classe alta e líderes religiosos colaboravam com a exploração e
a distância entre os pobres camponeses e a rica classe aristocrática
aumentava cada vez mais. Períodos de seca, redução de chuvas e pestes
contribuíam ainda mais com a situação de miséria do povo.
Ceresko (2004, p. 101) afirma que com a sequência da exploração
persa pela dos nobres ptolemaicos “[...] Os fazendeiros e pastores
despossuídos agora trabalhavam a terra como meeiros e diaristas”.
Pessoas e famílias do mesmo grupo separadas pelos diferentes estratos
econômicos. Os valores e padrões éticos foram se esvaindo e os valores
materialistas tomaram cada vez mais força e as pessoas não podiam
mais compreender o mundo em que estavam inseridos, nem vislumbrar
˂˂˂ 21

um futuro para suas vidas.


Um contexto de crises, desespero e incertezas. Como levar a vida
neste ambiente? A quem recorrer? Onde está a esperança? Onde está
Deus em tudo isso? Porque os líderes religiosos agem desta maneira?
Esses e outros questionamentos conduziram os autores neste período,
tanto dos livros canonizados como os conhecidos como apócrifos e
pseudepígrafos, que conforme já mencionado em seções anteriores,
floresceram neste período e, certamente, foram influenciados pelo
contexto sociopolítico.
Os camponeses e pobres de Judá viviam uma vida de opressão,
sofrimento causado por governantes maus, mas provavelmte, o que
mais doía era a exploração dos seus próprios líderes religiosos, que
deveriam defender o menos favorecido. A pergunta que possivelmente
estava na mente dos judeus era onde estava o Deus tão propagado pelos
seus pais. Será que a vida deles valia a pena? Será que algo poderia
mudar? Como entender tudo isso?
Mesters e Orofino (2008, p. 19) ao comentarem sobre esse período
de opressão dos judeus argumentam que o povo repetia a dúvida de Is
49. 14: “Será que Deus nos abandonou, ou será que Ele não deu conta de
nos defender contra os invasores de nossas terras?”.
O império helênico cai diante dos romanos, mas não cai o jugo
sobre os judeus. Agora o povo judeu está sob o domínio do Império
Romano. No entanto, a característica do império romano e a influência
nas literaturas apocalípticas escritas durante a formação do cristianismo
primitivo, que incluí o Apocalipse de João, objeto deste estudo, será
assunto da próxima e última seção desta unidade.
Conhecer o ambiente histórico, social e político no qual foi
construída e organizada a escrita do livro auxilia, e muito, na sua
compreensão. Por isso foi reconstruída a história e o ambiente
sociopolítico da apocalíptica, mais precisamente sobre o período do
exílio até o império helênico. Na sequência, será comentado sobre
o período do Império Romano e a influência da apocalíptica no
cristianismo.
Apocalipse
22 ˃˃˃

SAIBA MAIS

CERESKO, Anthony R. A sabedoria no Antigo Testamento. São Paulo:


Paulus, 2004.

MESTERS, Carlos e OROFINO, Francisco. Apocalipse de São João: a


teimosia da fé dos pequenos. 2ª Edição. São Paulo: Vozes, 2008.

SHREINER, Josef. Palavra e Mensagem do Antigo Testamento. 2ª


Edição. São Paulo: Teológica, 2004, p. 419-434.

TÜNNERMANN, Rudi. As reformas de Neemias: a construção de


Jerusalém e a reorganização de Judá no período persa. São Leopoldo;
São Paulo: Sinodal; Paulus, 2001.

EXERCÍCIOS

1) Qual a principal diferença entre um autor profético e um autor


apocalíptico segundo Srhreiner?
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
2) Quais os principais impérios que governaram no período
apocalíptico?
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
3) Segundo Ceresko o que ocorreu após a queda do império persa
diante do império helênico?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
˂˂˂ 23

SEÇÃO 3 – IMPÉRIO ROMANO, APOCALÍPTICA E O CRISTIANISMO

Nesta seção serão apresentados, de forma resumida, os principais


aspectos do Império Romano desde o seu surgimento até o final do
primeiro século e a reação do movimento apocalíptico e a influência no
cristianismo, em especial no período da revolta judaica que resultou na
destruição de Jerusalém, juntamente com o Templo.

• O Império Romano

A forma de governar dos romanos suscitou em muitos povos o


sentimento de revolta, inclusive nos judeus que a deixaram explícita em
sua literatura apocalíptica. Mesters e Orfino (2008, p. 32-33) afirmam que
“a explosão e a brutalidade da dominação romana sobre os camponeses
da Palestina, junto com a secular frustração do povo alimentaram as
correntes apocalípticas e contribuíram para uma nova explosão do
movimento apocalíptico entre os judeus”. Literatura que influenciou
movimentos em favor da libertação da nação do jugo dos romanos e,
consequentemente, na destruição de Jerusalém e seu templo nos anos
70 d.C.
As perseguições e atrocidades que se intensificaram após os anos
70 fizeram renascer com força o movimento apocalíptico que, segundo
Mesters e Orofino (2008, p. 33), “teve seu ponto alto no Apocalipse de
João no fim do primeiro século e na revolta de Bar Kochba nos anos 130”.
Neste momento, judeus e cristãos, estavam “no mesmo barco”, ou seja,
para os romanos não havia distinção entre judeus e cristãos até o começo
do segundo século.
Mesters e Orofino (2008, p. 33-51) fazem um relato dos principais
fatos ocorridos no Império Romano desde o seu surgimento até o final
do primeiro século e a reação do movimento apocalíptico nesse período.
Apocalipse

A seguir será apresentado um resumo com vistas a uma interação do(a)


estudante sobre o contexto sociopolítico, com vistas ao entendimento
do ambiente e do que estava por detrás das mensagens apocalípticas no
24 ˃˃˃

período.

De 63 a.C a 37 a.C.: revolta popular sem rumo - Roma efetua


a ocupação da palestina para se defender da ameaça dos partos.
De 57 a.C. a 37 a.C.: ocorrem seis revoltas na Galileia, mas sem
rumo, líderes se aproveitam da ingenuidade do povo para liderá-
los em busca da liberdade, mas sem um planejamento adequado.
Nesse período Herodes é nomeado como comandante militar da
Galiléia entre 47 a.C. a 41 a.C., para reprimir a invasão da
Palestina pelos partos em 40 a.C., antes de se tornar o rei de toda
a Palestina.
De 37 a 4 a.C.: repressão e desarticulação (nascimento de Jesus) –
Herodes, o grande, reina sobre a Palestina e promove com
sucesso a pax romana que trouxe certa tranquilidade e
estabilidade econômica para o Império, por meio de uma
repressão brutal da polícia de Herodes que dificultava qualquer
levante contra o Império. No final do governo de Herodes que
ocorre o nascimento de Jesus.
De 4 a.C a 6 a.C.: revoltas messiânicas (infância de Jesus) –
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Arquelau, filho de Herodes, assume o governo e na sua posse


massacra três mil pessoas na praça do Templo, como resposta
a revolta se instala em todo o país, motivada pelas profecias e
visões do passado, mas agora de forma planejada. A repressão
romana foi violenta. Séforis, capital da Galia, distante oito
quilômetros da cidade de Jesus (Nazaré) foi destruída totalmente.
De 6 a.C a 27 a.C.: zelo pela Lei e tempo de revisão (idade
adulta de Jesus) - Arquelau é deposto e a Judéia foi transformada
em uma Província Romana. Um censo é instalado para
reorganizar a administração e para facilitar a cobrança de tributos
e uma nova reação popular é alojada, buscando boicotar o censo e
não pagar imposto. Roma imediatamente reprime as revoltas
e mantém a calma na região. Mesters e Orofino (2008, p. 35)
afirmam que “bastava alguém soprar e a revolta explodia!”.
Neste período Jesus chega aos 12 anos, e passa a participar da
vida em comunidade, trabalha e se mantém em silêncio até
os 30 anos, momento de leitura dos sinais do tempo (Mt 6. 1-3) e
˂˂˂ 25

amadurecimento da consciência de sua missão.


De 27 a 69: reaparecem os profetas (Jesus anuncia a Boa-Nova) –
primeiro aparece João Batista convocando o povo para o deserto
e ao arrependimento. Na sequência vem Jesus, visto pelo povo
como profeta (Mt 16. 14; 21. 11-46; Lc 7. 16), anuncia o Dia de Javé
como o dia da chegada do Reino (Mc 1. 15), alimenta o povo
no deserto (Mc 6. 30-44), e entre outros ações, anuncia a queda das
muralhas de Jerusalém (Lc 19. 44; Mt 24. 2). Mesters e Orofino
(2008, p. 35) afirmam que “João e Jesus faziam parte daquele
amplo movimento de renovação de inspiração apocalíptica que
vinha crescendo, sobretudo desde o tempo de Macabeus”.
Da destruição do Templo até o início do século II (70 a 100) –
período do surgimento do Apocalipse de João. O cristianismo
surge na forma de uma variedade de grupos diferentes (culturas,
costumes, abrangência geográfica, classes). Além disso,
reaparecem várias tendências entre os judeus (piedosos, essênios,
zelotes, fariseus, entre outros) e escritos são produzidos, refletindo
essa variedade. Mesters e Orofino (2008, p. 37-38) afirmam que
além dos livros que foram canonizados surgiram “[...] outros
evangelhos, outras histórias, cartas e apocalipses”. Citam como
exemplos dessas literaturas: os evangelhos dos Hebreus, dos
Ebionitas, dos Egípcios; os evangelhos de Matias, de Tomé, de
Filipe, de Pedro, de Judas, de Eva, de Bartolomeu; as viagens de
Paulo, de Pedro, de João, de Tomé; os atos de Paulo, as cartas de
Barnabé, de Clemente, de Inácio, de Policarpo; a Didaqué, os
apocalipses de Pedro, de Paulo, e outros. Explosões populares
contra a ocupação romana e sua forma bruta de comandar
eram crescentes, surgem novos partidos como exemplo
dos sicários. Por fim, em 66 explodiu uma revolução generalizada
estimulada por ideias apocalípticas e a esperança da chegada do
“Dia de Javé”. Roma não teve mais o controle da situação.
Entretanto, os judeus também não tinham o controle interno,
grupos se dividiam. Segundo Mesters e Orofino (2008, p. 38)
Apocalipse

“tanto para os fariseus como para os cristãos, a revolta contra


Roma não era expressão da chegada do Dia de Javé”. Os romanos
conquistam pouco a pouco o espaço novamente, até que em 70,
26 ˃˃˃

pouco depois da Páscoa, o General Tito, filho do


Imperador Vespasiano, cerca Jerusalém de maio a agosto, toma
a cidade novamente por meio de muitas mortes e destroem o
templo.
No local onde eram oferecidos sacrifícios ao Deus de Israel são
oferecidos sacrifícios a Júpiter ou Zeus, o deus supremo dos romanos.
Dois anos e meio depois, o resto da resistência, comete um suicídio
coletivo na fortaleza de Massada. Restam apenas os dois grupos de
judeus que não participaram do levante: fariseus e cristãos, que vão se
afastando cada vez mais um do outro até a ruptura final no decorrer do
século II. Na segunda metade do primeiro século há uma proliferação
de religiões e cultos místicos e o Império Romano, preocupado com
uma possível desintegração do império, romaniza a religião popular e
implementa o culto ao imperador. O imperador passa a ser considerado
divino e a adoração a sua pessoa passa a ser obrigatória em todo o
império.
A dominação romana, aliada aos costumes impostos,
principalmente o culto ao imperador não poderia vir ao encontro do
interesse dos dois grupos restantes: os fariseus e cristãos. Depois da
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destruição de Jerusalém, os fariseus se reorganizaram em Jâmnia,


elaboram a lista dos livros que deveriam ser canonizados, excluindo
os escritos produzidos no ambiente da diáspora, os apocalípticos
que haviam resistido contra a elite de Jerusalém. Os cristãos também
elaboram o cânon específico e também deixam de fora a maioria da
literatura apocalíptica (MESTER e OROFINO, 2008, p. 41). Sob o
governo do Imperador Trajano (98-117), tanto fariseus como cristãos
foram perseguidos.

• Apocalíptica e o Cristianismo

O cristianismo que surge durante o domínio do Império Romano


não pode ser analisado fora deste contexto. Como visto anteriormente, o
cristianismo foi, inicialmente, confundido com o judaísmo. Entretanto,
existem diferenças significativas entre as duas religiões. Essas diferenças
˂˂˂ 27

impactam também nas interpretações do apocalipse. Em especial, o


Apocalipse de João, que surgiu neste período e faz parte tanto do cânon
hebraico como do cristão.
No período do Império Romano, abordado no tópico anterior,
foram produzidas outras literaturas apocalípticas, além do Apocalipse
de João. Portanto, antes de comentar sobre este livro se faz necessário
apresentar algumas peculiaridades destas outras literaturas do mesmo
gênero que surgiram no mesmo contexto sociopolítico. Conforme já
mencionado na primeira seção, dois conjuntos de textos se destacam
nesse período: os Oráculos Sibilinos, que já foram abordados no tópico
específico, e os chamados “próprios apocalipses” com tendências mais
para o lado místico do apocalipticismo. O primeiro conjunto já foi
comentado em seção anterior, nesta a ênfase será para os apocalípticos
com tendências místicas.
Segundo Collins (2010, p. 344) os Oráculos Sibilinos podem
ser chamados de apocalípticos somente “no sentido lato do termo”.
Ele menciona três apocalípticos de fato que sobreviveram à diáspora
helenística: 2Enoque (Enoque eslavônico), 3Baruc e o Testamento
de Abraão. Diferente dos anteriores, estes não contêm uma revisão
histórica, mas envolvem ascensões celestiais. A seguir um resumo de
cada livro:
2Enoque – o mais elaborado dos apocalipses da diáspora, escrita
no Egito, na língua grega, ainda no primeiro século (importância
dada ao sacrifício animal). Entre os principais assuntos abordados
estão: a) a ascensão de Enoque; b) um suposto retorno seu à terra
para instruir seus filhos contra a idolatria, atenção aos necessitados
e não ferir outro ser humano (ofensa ao próprio Deus); c) bem como
sobre a história do nascimento de Melquisedec; e d) uma série
numerada de céus (sete). Com relação à série numerada de
céus: a) no primeiro céu - há anjos; b) no segundo – local de
punição dos anjos rebeldes; c) no terceiro – Jardim do Éden
original, o lugar de descanso preparado para os justos, como
também o local de punição para os injustos; d) no quarto – Sol e
Apocalipse

lua e regulação dos tempos; e) no quinto – Os Vigilantes, que


lamentam a queda dos anjos; f) no sexto – sete anjos supervisores
da ordem do mundo; g) no sétimo e último céu – corte celestial
28 ˃˃˃

onde Enoque é recebido, ungido, recebe novas vestes e é


transformado em estado semelhante aos anjos. O destino e
o estado do ser humano após a morte é um assunto essencialmente
escatológico e com relação a isso, Collins (2010, p. 352) afirma
que a transformação do estado de Enoque “em um estado
semelhante a um anjo é paradigmática”.
3Baruc – o autor chora pelo cativeiro de Jerusalém o que sugere
a escrita por volta dos anos 70 d.C. Segundo Collins (2010, p.
353) alguns versículos dos capítulos (4 e 11-15) são cristãos
e constituem em uma releitura do livro, que contem o núcleo da
composição judaica. O livro relata a escolta de Baruc por um anjo
por uma série numerada de céus, mas diferente de 2 Enoque,
contém apenas cinco, segundo Collins (2010, p. 353-354), o
fato de Baruc não ascender ao trono celeste transmite a crença
que um visionário humano não tem contato direto com o
divino, sem intermediários. Os dois primeiros céus são
ocupados, respectivamente, pelos construtores da Torre de Babel
e pelos mandantes, ambos em forma híbrida (ser humano e
animal). No terceiro céu Baruc vê um dragão devorando corpos
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dos injustos, um monstro que bebe água do mar (figura do


Hades), vinha (planta que extraviou Adão), sol que precisa
ser purificado devido aos pecados humanos, por fim, vê a lua
e seus movimentos. O quarto céu é ocupado por aves que louvam
a Deus (figura da alma dos justos). No quinto céu se encontra
Miguel, responsável por receber as orações dos seres humanos,
levar até Deus e retornar com recompensas às orações dos
justos e a negativa à oração dos injustos, responsável pelos seus
atos e condenados ao fogo eterno. Segundo Collins (2010, p. 356-
357), a alusão aos construtores da torre se refere aos babilônicos
e por extensão aos romanos, recentes destruidores de Jerusalém.
Também trata da rejeição definitiva de Jerusalém (relato de
Miguel contra aqueles que não têm méritos – judeus injustos). “O
sistema de julgamento não é meramente futuro, mas já está
operando” (COLLINS, 2010, p. 357).
O Testamento de Abraão – “o último apocalipse da diáspora
helenista” (COLLINS, 2010, p. 358), escrito no final do primeiro
˂˂˂ 29

século. O autor utiliza a terceira pessoa para relatar o final da


vida de Abraão, em que o arcanjo Miguel vem anunciar a sua
morte. O interessante é que Abraão recusa a morte, pede para
ver o “mundo habitado e todas as criações”, o pedido é aceito
e ele é levado em uma carruagem de querubins por todo mundo.
No segundo momento a morte se apresenta a ele, mas Abraão
continua recusando a morte e pede por mais revelações, porém
sem sucesso. Na sua ascensão ao céu levado por anjos, faz
ainda orações, que são atendidas, pedindo a morte de pecadores
(da qual se arrepende) como também a absolvição de uma alma
em estado de equilíbrio diante da balança de Deus. Fala de uma
sequência de julgamento dos indivíduos sob a supervisão de
figuras como anjos com chicotes flamejantes, Abel com aparência
do sol e como um filho de Deus, balanças para pesar almas,
entre outras. Neste livro não há uma sequência numerada de
céus e não fala de um julgamento geral, mas de alguns indivíduos.
Para Collins (2010, p. 363), “a importância dessa obra para o
gênero literário é que ela mostra como os motivos literários
comuns da jornada celestial e da cena do julgamento podiam ser
utilizados a serviço de pontos de vista diversos”.

Outro livro do mesmo período e que não pode deixar de ser


comentado é o livro de 4Esdras. Segundo Collins (2010, p.280), a
destruição do templo em 70, como resultado da revolta, foi que moldou,
em grande parte, a escrita dos livros apocalípticos do período. Destaca
entre os livros, considera 4Esdras “um dos melhores apocalipses”.
O livro de 4Esdras foi escrito originalmente em hebraico e depois
traduzido para várias línguas, inclusive foram preservadas várias
versões antigas como latina, siríaca, etíope, árabe, armênia, saídica e
geórgica (ROST, 1980, p. 123). Escrito na Palestina por volta no final
do primeiro século d.C., inicia citando a Babilônia como figura do
Império Romano. Segundo Collins (2010, p. 285), o autor é um “vidente
pseudônimo, que recebe a revelação através da mediação do anjo Uriel,
Apocalipse

sobre o mundo transcendente que virá”.


Nos capítulos 11 a 12, o autor utiliza de outra figura apocalíptica,
uma águia com doze asas e três cabeças. A águia também representa o
30 ˃˃˃

Império Romano, as doze asas, provavelmente, sejam os imperadores


de César a Domiciano, e as três cabeças Vespasiano, Tito e Domiciano
(Collins, 2010, p. 281). Como pode ser percebido, estilo bem parecido
com o livro de Apocalipse de João.
Rost ao comentar sobre o significado do livro traz um resumo
esclarecedor sobre o propósito do livro:

O livro nos mostra um judaísmo que vê abalados os


antigos ideais da fiel e rigorosa observância da lei, bem
como a orgulhosa separação de sua nação em relação às
outras, e se considera rejeitado por Deus, no confronto da
humanidade, como pequena minoria que fora escolhida por
Deus. Por isso põe a questão não quanto à justiça de Deus,
mas quanto à sua misericórdia. Dificilmente se poderia
procurar na situação estreita e acanhada da Palestina esse
judaísmo assim livre que pensa para além das barreiras
particularistas e nacionais, que encara a própria catástrofe
não mais unicamente como um infortúnio nacional, como o
faz o autor das Lamentações, e não propõe mais a própria
miséria como uma interrogação dirigida à justiça de Deus,
como acontece com Jó. É verdade que o autor do presente
livro põe a sua esperança na futura era de salvação como
solução para seus problemas [...] (ROST, 1980, p. 126).
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Entretanto, o Novo Testamento contém somente um livro


puramente com o gênero literário apocalíptico, o Apocalipse de João.
Todavia, tanto os evangelhos sinóticos (exemplos: Mt 8. 20; Lc 9. 58;
Mc 2. 10; 13. 24-26; 14. 61-62), o livro de Atos (At 2. 34-35; 7. 56) quanto
os escritos de Paulo (1Co 7. 29-31; 1Co 15. 18; 2Co 12. 2-4; 1Ts 4. 15-17;
possuem certo grau da visão apocalíptica do mundo.
A diferença fundamental entre o apocalipticismo cristão e o
judaico do primeiro século é que o cristão propaga um messias que
já esteve presente, se apresentando como Filho de Deus e com poder
sobre a morte, representado com a ressurreição. Collins evidencia essa
diferença:

Uma diferença importante, no entanto, era que a vida


e morte de Jesus assumiram um caráter paradigmático
para os cristãos primitivos. Os movimentos apocalípticos
˂˂˂ 31

judaicos nunca foram matizados a esse ponto por uma vida


exemplar. Mesmo o Mestre de Justiça de Qumrã permanece
uma figura obscura (COLLINS, 2010, p. 382).

Tudo o que foi estudado até agora serve como um pano de fundo
para iniciar uma análise mais apurada sobre o livro de Apocalipse.
Caro(a) estudante, não é aconselhável estudar o Apocalipse de João,
sem antes, ter uma introdução ou noção da literatura apocalíptica.
Ao fazer a leitura do Apocalipse e encontrar o cenário
escatológico que culmina com fim do mundo conhecido, julgamento
dos mortos com recompensas e castigos, visões de trono divino,
animais horripilantes, analogias a reinos que já não existiam, entre
outras formas alegóricas de não se falar diretamente o que se quer, você
irá se lembrar que isso não é exclusivo deste livro, mas que desde a
literatura profética, passando pelos livros posteriores, canonizados ou
não, se encontra a expressão desse gênero literário, da visão de mundo
apocalíptico, bem como de um contexto sóciopolítico que demonstra
um ambiente de perseguição, opressão, mas sobretudo, uma mensagem
de esperança em um Deus que intervém na história humana em favor
dos oprimidos.
Collins (2010, p. 395) afirma que o surgimento do cristianismo
trouxe algumas modificações significativas no gênero literário
apocalíptico, focando mais o presente e o futuro iminente, além de
expandir o papel do messias. O messias do cristianismo é aquele que já
veio ao mundo, deixou o exemplo e se apresenta como Filho de Deus:
“[...] seu sofrimento e morte estão disponíveis ao visionário cristão como
fonte de inspiração e exemplo, [...] é mais exaltado que em qualquer
outro apocalipse judaico, uma vez que ele é receptor de adoração”.
De posse destas informações adicionais, você já está apto a ter
uma introdução específica do Apocalipse de João.

SAIBA MAIS
Apocalipse

COLLINS, John J. A imaginação apocalíptica: uma introdução à


literatura apocalíptica judaica. São Paulo: Paulus, 2010.
32 ˃˃˃

MESTERS, Carlos; OROFINO, Francisco. Apocalipse de São João: a


teimosia da fé dos pequenos. 2ª Edição. São Paulo: Vozes, 2008.
ROST, Leonard. Introdução aos livros apócrifos e pseudepígrafos do
Antigo Testamento e aos Manuscritos de Qumran. 2ª Ed. São Paulo:
Paulinas, 1980.

EXERCÍCIOS

1) No que resultou a revolta judaica que iniciou nos anos 66 d.C.?


_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
____________________________________________________________
2) O que levou o Império Romano implementar o culto ao
Imperador?
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
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______________________________________________________________
_____________________________________________________________
3) Quais foram os dois grupos de judeus que restaram após a
destruição da cidade de Jerusalém e seu templo?
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
4) Nos capítulos 11 a 12 de 4 Esdras o autor utiliza a figura
apocalíptica de uma águia com doze asas e três cabeças. Qual é o
provável significado de acordo com Collins?
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
˂˂˂ 33

SEÇÃO 4 – INTRODUÇÃO AO APOCALIPSE DE JOÃO

Nesta seção você irá conhecer um pouco mais sobre o autor do


livro de Apocalipse, a data da escrita, bem como a apresentação da
estrutura do livro.

• Autor e Data

Apocalipse, o último livro da Bíblia, provavelmente também


foi um dos últimos livros bíblicos a serem escritos. Independente da
corrente de interpretação e mesmo sendo mencionados os destinatários
como as sete igrejas da Ásia, a mensagem é aplicável a toda igreja, época
e lugar.
O autor do livro é mencionado no primeiro capítulo do livro (Ap
1. 4), entretanto sem uma identificação específica: “João, às sete igrejas
que estão na Ásia: Graça e paz seja convosco da parte daquele que é, e
que era, e que há de vir, e da dos sete Espíritos que estão diante do seu
trono” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, 2005, p. 1981). Por isso,
algumas divergências surgem ao longo da história da igreja quanto à
identificação específica do autor.
Stott (1996, p. 41) afirma que desde o segundo século era
unanimidade entre os cristãos de que o apostolo João era o escritor
de Apocalipse. Entretanto, no terceiro século surgem dúvidas quanto
essa afirmação devido às diferenças de linguagem e conteúdo entre
Apocalipse e Evangelho de João. Segundo Stott (1996, p. 41) o livro
passou a ser considerado inseguro pelos cristãos ortodoxos. Afirma que
Apocalipse e a segunda e terceira epistola de João são os únicos livros
do Novo Testamento que Calvino não escreveu comentários. Reforça
que Lutero fez dura crítica ao livro: “ele o relegou a um segundo plano,
afirmando que ‘Cristo não é ensinado nem reconhecido nele’”.
Apocalipse

Silva (1985, p. 13), pastor assembleiano, afirma categoricamente


que o autor do livro é o apóstolo João. Como argumento apresenta o
que ele denomina de “provas externas” e “provas internas”:
34 ˃˃˃

Prova externa - cita a tradição dos Pais Apostólicos e dos


primeiros cristãos; Irineu de Lion, nascido e criado na região
das sete igrejas da Ásia; dentre outros nomes menos conhecidos
cita Clemente de Alexandria, Tertuliano de Cartago, Orígenes de
Alexandria, Atanásio, Agostinho e Jerônimo.
Provas internas – menciona a citação do próprio autor do livro
como “servo de Deus” (Ap 1. 1) e como sendo um dos profetas (Ap
22. 9). Argumenta, também, que no evangelho e nas epístolas
atribuídas a João, ele escreve na terceira pessoa, enquanto que
no Apocalipse menciona seu nome cinco vezes na primeira
pessoa. Acrescenta, ainda, que “houve trovão quando Deus
escreveu as primeiras palavras da Bíblia”, e com base nisso,
afirma que as “últimas palavras só podiam ser escritas por João,
‘o filho do trovão’” (SILVA, 1985, p. 13).
Percebe-se que a prova externa vem ao encontro da afirmação de
Stott de que no segundo século havia unanimidade sobre a atribuição
da autoria para o apóstolo João, entretanto quanto às provas internas,
essas não são suficientes, nem coerentes para se fundamentar a autoria
do apóstolo João.
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Hendriksen (2001, p. 20) afirma que o fato de não ser mencionado


o nome de João no evangelho e nas três epístolas atribuídas a ele,
enquanto que em Apocalipse o autor cita seu nome, contribui sim, para
demonstrar que os autores não são os mesmos. Aliando a isso, tem
também a diferença de estilo e “tom geral”, corroborando com o que
afirma Stott sobre a diferença de forma e conteúdo.
Hendriksen (2001, p. 20) ressalta, ainda, a diferença da qualidade
do grego utilizado na escrita do evangelho e epístola com relação ao
Apocalipse: “O primeiro é escrito em grego belo e diomático; o último
é escrito no assim chamado ‘grego rude, hebraísta e bárbaro’”. Stott
(196, p. 142) aponta esse fato como de maior dificuldade para atribuir a
autoria para João, o apostolo.
Tanto Hendriksen (2001, p. 21) quanto Stott (1996, p. 142) afirmam
que no terceiro século, Dionísio de Alexandria, bem como Eusébio,
o historiador, atribuem a autoria a um “outro João”. Segundo Stott
(1996, p. 142) Eusébio afirma que existiam duas pessoas proeminentes
conhecidas da igreja na época da escrita que se chamavam João: o
˂˂˂ 35

“apóstolo” e o “presbítero”. No entanto, Stott (1996, p. 142) assevera


que existem semelhanças marcantes entre o Evangelho de João e
Apocalipse, de forma resumida apresenta as seguintes similaridades:
a) Ambos os livros chamam Jesus de “o verbo” (Jo 1. 14; Ap
19. 13); “o cordeiro” (Jo 1. 29,36; Ap 5. 6); “água da vida” (Jo 4. 10;
6. 35; Ap 7. 16, 17);
b) Importância dada ao tema “testemunho” (Jo 15. 27; Ap 12.
17);
c) Ambos predizem perseguição à igreja (Jo 15. 18 - 16. 4; Ap
3. 10; 13. 7) e união final com Jesus (Jo 17. 11, 20-26; Ap 22. 3-5);
Hendriksen (2001, p. 21-24) argumenta que o fato do autor
simplesmente se revelar como João significa que ele era bem conhecido
dos destinatários da carta. Defende que João era mais conhecido, por
isso não era necessário se identificar como “o apóstolo”. Acrescenta,
ainda, em relação à diferença de estilo que era uma prática comum a
utilização de assistentes para a escrita. Concorda com Stott no que se
refere às similaridades marcantes entre os dois livros. Conclui o assunto
sobre a autoria, afirmando ser inevitável a atribuição da autoria a João.
Champlin (2004, v. 6, p. 355) acrescenta a possibilidade da escrita
pela escola joanina, formada por discípulos de João, o que justificaria a
diferença de estilo e do grego, bem como as similaridades do Evangelho
de João e Apocalipse. Conclui que tanto o evangelho, como apocalipse
e as epístolas intituladas como de João são na realidade de autoria da
comunidade joanina.
Bortolini (2008, p. 14) reforça o costume da época de atribuir
a autoria de obras literárias a pessoas importantes do passado para
dar credibilidade à escrita, principalmente quando se trata de obras
apocalípticas. Identifica o autor como um exilado político:

[...] O autor de Apocalipse, portanto, apesar de se chamar


João, não é o evangelista João. É um exilado político (cf. 1, 9)
que dedica seu trabalho ao mestre João, inspirador de toda
a literatura joanina (evangelho de João, 1ª, 2ª e 3ª cartas de
João, Apocalipse) e grande incentivador das comunidades
Apocalipse

cristãs de Éfeso e arredores no final do primeiro século


(BORTOLINI, 2008, p. 14).
36 ˃˃˃

A data da escrita do livro também tem produzido algumas


controvérsias. Hendriksen (2001, p. 24) comenta que alguns autores
defendem a autoria antes dos anos 70, ano em que o templo foi destruído,
pois em Ap 11. 1 está escrito “Dispõe-te e mede o santuário de Deus”.
Todavia, ele mesmo, afirma que a data mais recente tem maior apoio e
cita Irineu (180 d.C.) que atribui a escrita ao período entre o reinado do
imperador Domiciano e imperador Trajano.
Silva (1985, p. 13) e Champlin (2004, v. 6, p. 357) também citam
Irineu, mas acrescentam outros nomes importantes como Eusébio,
Clemente de Alexandria, Orígenes e Jerônimo, e a data de 96 d. C., como
sendo a data provável, reforçado pelo fato de ser esta a data provável
da instituição do culto ao imperador por Domiciano.
Portanto, não há unanimidade na autoria e data do livro. A
autoria mais provável é a de uma escola joanina composta por discípulos
de João, o próprio apostolo João, outro João “o presbítero”. A data e
mais aceita como sendo no final do primeiro séc. l. Independente da
linha de interpretação da autoria, a prioridade é para a interpretação
da mensagem que o livro transmite. Por isso, a seguir será analisado
o propósito do livro, bem como será apresentada uma proposta de
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estrutura para leitura e estudo do livro.

• Estrutura e Chaves de Leitura do Apocalipse

Bortolini (2008, p. 14-15) apresenta uma estrutura, que ele chama


de “espinha dorsal”, dividida em duas partes, que pode perfeitamente
ser utilizada para uma melhor visualização do livro.
Prólogo (Ap 1. 1-3) – resumo do que será apresentado no
restante do livro. Os grandes temas são apresentados como
forma de “aperitivo de todo o livro. É a porta de entrada da ‘casa’
do Apocalipse” (BORTOLINI, p. 16).
Primeira parte:
Saudação aos destinatários (comunidades) em forma de diálogo
(Ap 1. 4-8);
Experiência de Jesus ressuscitado (Ap 1. 9-20);
˂˂˂ 37

As sete cartas às igrejas de Éfeso (cidade imperialista), Esmirna


(fiel ao imperialismo), Pérgamo (trono de satanás), Tiatira
(compromisso com o poder ideológico), Sardes (pura aparência),
Filadélfia (cidade instável) e Laodicéia (autosuficiente) - (Ap 2.
1 – 3. 22);

Segunda parte:
Seção introdutória – nesta seção são identificados como pontos
importantes de atenção: o trono, o cordeiro, o livro com sete
selos;
Seção dos selos - abertura dos 4 primeiros selos, o clamor dos
mártires descrito no quinto selo e a resposta de Deus a esse
clamor, no sexto selo (Ap 4. 1 – 5. 14);
Seção das trombetas – o julgamento de Deus é anunciado pelo
toque das trombetas;
Seção dos três sinais – o primeiro sinal é Mulher (Ap 12. 1),
seguido pelo sinal do Dragão (Ap 12. 3) e o sinal os Setes Anjos
com sete pragas (Ap15. 1);
Seção conclusiva – a vitória de Cristo sobre as forças do mal
é evidenciada nesta seção, onde ele julga e vence os inimigos das
comunidades, que representam a esposa do Cordeiro, a igreja.
Epílogo (Ap 22. 6-21) - demonstra que a história e caminhada da
igreja tem um final feliz, a superação de uma vida de
sofrimento e conflitos por meio da realização da ação divina em
resposta à esperança de seu povo. Esperança, que segundo
Bortolini (2008, p. 15) “vai abrindo espaço por meio da resistência,
denúncia, celebração e martiria”.
O autor de Apocalipse utiliza uma linguagem distante da
realidade atual, o que provoca uma série de interpretações diferentes
e dificultam o entendimento do propósito da escrita do livro. Bortolini
(2008, p. 7-14), visando diminuir essa distância, sugere sete chaves de
leitura para o livro, entretanto alerta que mesmo com o auxílio das
chaves, “não será de fácil digestão” (BORTOLINI, 2008, p. 8). A seguir
Apocalipse

as sete chaves de leitura do Apocalipse sugeridas por Bortolini:


Livro da Resistência (primeira chave) – os explorados, motivados
pelo sonho de liberdade e confiaça em Deus, lutam em defesa
38 ˃˃˃

do que lhes fora tirado: a liberdade e a vida. A mensagem


serve para tornar as pessoas conscientes de sua opressão e
exploração, preparando-as para a resistência. Segundo Bortolini
(2008, p. 9), sem essa chave o livro de Apocalipse “se torna um
livro estranho e alienado”.
Livro da denúncia (segunda chave) – a denuncia que era a
ferramenta mais eficaz dos profetas já não existia mais, pois
o movimento profético havia desaparecido com o exílio
babilônico12, isso se tornava conveniente para as autoridades,
tanto civil como religiosa (sacerdotes). A mensagem apocalítica
além de denunciar as injustiças sociais, incentiva o leitor à
resistência. “É isso que o livro de Apocalipse deseja ser: um livro
de denúncia profética que leva a resistir” (BORTOLINI, 2008, p. 9).
Livro de celebração (terceira chave) – a resistência e a denuncia
servem para unir e organizar o grupo que tem uma mística
(vitória de Jesus sobre a morte Ap 5. 6). Cada pequena vitória para
o alcance do objetivo final deve ser comemorada. Bortolini
(2008, p. 10), com base em Ap 1. 3, afirma que o próprio livro
sugere uma leitura em comunidade: “ler, escutar (assimilar e
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discernir), denunciar (profetizar) e praticar (resistir) juntos,


movidos pela vitória do Ressuscitado, celebrando desde já,
nas pequenas conquistas”. No Apocalipse são encontradas várias
doxologias, partes de hinos e cânticos de vitória que as
comunidades primitivas entoavam em suas celebrações13.
Livro do testemunho/martírio (quarta chave) – Bortolini (2008,
p. 11) afirma que o testemunho é o tronco que gera os três ramos
anteriores (resistência, denúncia e celebração). O domínio do
império romano (político, econômico, ideológico e religioso)
tinha como uma de suas sustentações o culto ao imperador14.
Quem não praticava o culto ao imperador era morto. Por isso,
muitos dos primeiros cristãos, em defesa de sua fé, resistiam,
12 O desaparecimento do movimento profético e o aparecimento do movimento
apocalíptico serão abordados na próxima seção desta unidade.
13 Exemplos de alguns versículos de Apocalipse que contém cânticos de vitória:
Ap 4. 8; 4. 11; 5. 9-10; 5. 12; 5. 13.
14 Na época da escrita do Apocalipse, Domiciano era o imperador. Ele foi o
primeiro imperador que perseguiu abertamente os cristãos em todo império
romano.
˂˂˂ 39

mesmo que isso lhes custasse a própria vida. Um dos pontos


altos do Apocalipse é o clamor dos mártires (Ap 6. 10-11).
Livro da felicidade (quinta chave) – a utilização de números no
Apocalipse tem vários significados. O livro apresenta,
propositadamente, sete bem aventuranças (Ap 1. 3; 14. 13; 16.
15; 19. 9; 20. 6; 22. 7; 22. 14), e considerando que o número sete, para
os judeus, é sinônimo de perfeição, pode-se perceber a mensagem
de que a felicidade é possível e realizável. Bortolini (2008, p. 13)
afirma que citação mais importante é a de Ap 19. 9, que significa
que “a verdadeira felicidade é, mediante a resistência, a denúncia,
a celebração e a martíria, participar do banquete do casamento
do Cordeiro, tornando-se esposa dele, ou seja, criando uma
sociedade justa e fraterna”.
Livro urgente (sexta chave) – ao longo do livro há referências
de que o tempo “está próximo” (Ap 1. 3), “está esgotado” (Ap 10.
6) e que tudo está realizado (Ap 16. 17). Segundo Bortolini
(2008, p. 13) o tempo que o autor se refere é “o tempo da resistência,
da denúncia, da celebração e da martiria que geram a felicidade
de ver realizado o projeto de Deus na história da humanidade”.
Apocalipse um livro urgente para seus primeiros leitores como
para os leitores atuais.
Livro da esperança (sétima chave) – diferente do que muitos
pensam ou ensinam, Apocalipse não mete medo, pelo contrário,
devolve a esperança a quem tem coragem de lutar pela liberdade
e pela vida. A esperança é realçada em textos como o capítulo
quatro, que evidencia que Deus é o Senhor da história; como
o capítulo cinco, que apresenta o Cordeiro, o Cristo ressuscitado,
que venceu a morte; como os capítulos vinte e um e vinte e dois,
que vislumbram a Nova Jerusalém que desce do céu para a
terra15. “O paraíso não está às nossas costas, e sim à nossa frente, no
horizonte de nossa história. É para lá que caminhamos. É para lá
que se dirige nossa esperança” (BORTOLINI, 2008, p. 14).

15 Dependendo da forma de interpretação do livro de Apocalipse, a Nova


Apocalipse

Jerusalém pode ser interpretada como uma sociedade plenamente fraterna


que é constituída na terra, como também uma cidade futura e mística. Maiores
detalhes serão dados na Unidade 2, que tratará especificamente sobre as
principais correntes de interpretação do Apocalipse.
40 ˃˃˃

Portanto, o livro de Apocalipse não é um livro que deva ser lido


sem o recebimento de uma prévia orientação. A forma da linguagem,
em especial, a descrição de visões de figuras enigmáticas, para alguns
até assustadoras, criam obstáculos e, ao mesmo tempo, fertilizam a
imaginação das pessoas, que se não bem preparadas, podem trazer
interpretações maléficas para a fé, até mesmo para a saúde psíquica do
ser humano.
A estruturação e as chaves de leitura aqui apresentadas
poderão auxiliar no entendimento do livro, mas somente isso não é
suficiente. Desse modo para complementar, na próxima unidade serão
apresentadas as principais correntes de interpretação do Apocalipse.

SAIBA MAIS

BORTOLINI, José. Como ler o Apocalipse: resistir e denunciar. 8ª


Edição. São Paulo: Paulus, 2008.

HENDRIKSEN, William. Mais que vencedores: os mistérios do


Apocalipse desvendados com profundidade e fidelidade. São Paulo:
FACEL - Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras

Cultura Cristã, 2001.

SILVA, Severino Pedro da. Apocalipse versículo por versículo. 9ª


Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 1997.

STOTT, John. Homens com uma mensagem. Campinas: Cristã Unida, 1996.

EXERCÍCIOS

1) Qual a data aproximada da escrita do livro de Apocalipse?


______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
˂˂˂ 41

2) Explique a primeira chave de leitura de Bortolini chamada “Livro


da Resistência”.
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______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
3) Explique a segunda chave de leitura de Bortolini chamada “Livro
da Denúncia”.
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______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
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4) Explique a terceira chave de leitura de Bortolini chamada “Livro


da Celebração”.
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
Apocalipse
42 ˃˃˃

RESUMO DA UNIDADE16

Esta unidade apresentou um panorama do mundo apocalíptico.


Inicialmente, descreveu as características do gênero literário conhecido
como “apocalipse”, reforçando o cuidado de não se confundir o
gênero com a cosmovisão e movimento apocalíptico. Na sequência,
foram apresentadas as principais literaturas geradas pelos autores
apocalípticos. Com intuito de contextualizar e demonstrar o ambiente
que gerou o movimento apocalíptico e sua literatura foi abordado, de
forma resumida, sobre os impérios do período como o babilônico, persa e
grego. Ao Império Romano foi dedicado um espaço maior de comentário
devido a sua importância, em especial, no surgimento do Apocalipse
de João. Por fim, é apresentada uma pequena introdução, comentando
sobre a autoria e data do livro, com base em autores diferenciados. Para
contribuir na leitura e estudo do Apocalipse e proposta sete chaves
de leitura de autoria de Bortolini. Com esse conteúdo, você está apto
para prosseguir na caminhada da próxima unidade sobre as principais
correntes de interpretação do Apocalipse.
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Vá em frente!

16 Unidade comentada por Natalino das Neves.


APOCALIPSE

UNIDADE 2

Principais Correntes de
Interpretação
Apocalipse

t
UNIDADE II
Principais Correntes de
Interpretação

45
˂˂˂ 47

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Nesta unidade serão estudadas as correntes de interpretação


mais conhecidas atualmente no estudo do livro do Apocalipse. Elas, em
geral, dizem respeito à volta de Cristo, bem como aos acontecimentos
que a antecederão e sucederão. A segunda vinda de Cristo é anunciada
como precedida por abalos cósmicos e terrestres. Em sua volta, Jesus
trará um julgamento repentino, inesperado e inescapável sobre toda a
humanidade. Normalmente afirma-se que a figura do Anticristo surgirá
antes dessa segunda vinda. Ele será então vencido e todo o cosmo será
renovado. Estas são, em linhas gerais, as conclusões mais comuns
tiradas do estudo deste livro bíblico.
A maneira de se compreender o livro do Apocalipse depende
do método ou da corrente de interpretação utilizada. Pode-se dizer que
nenhum outro livro do Novo Testamento foi alvo de tantas interpretações
diferentes. Isto resultou na realidade de que o Apocalipse tem sido um
livro que as pessoas, em geral, têm chegado a uma série de confusões.
É preciso lembrar que os primeiros leitores tinham mais facilidade para
compreender seu significado, em virtude das proximidades históricas
e geográficas das quais faziam parte. Contudo, boa parte disso tudo se
perdeu nas gerações posteriores deixando sérias confusões na história
de sua interpretação (HALE, 2001, p. 441).
Ao ler o livro de Apocalipse ao longo dos séculos, os estudiosos
vêm sistematizando quatro métodos de interpretação: Preterista,
Historicista, Idealista e Futurista. Esses nomes resumem a essência das
aproximações respectivas. Nesta unidade serão tratados os métodos já
consagrados pelos estudiosos mais recentes.

É hora de continuar, aproveite cada informação!

SEÇÃO 1 – ESCOLA DE INTERPRETAÇÃO PRETERISTA


Apocalipse

Antes de passar para a linha de interpretação preterista,


propriamente dita, faz-se necessária uma abordagem do que vem a ser
48 ˃˃˃

o milênio17.

• Milênio

O termo milênio, na realidade, não é encontrado na Bíblia. A


doutrina foi cunhada com base na expressão “mil anos” encontrada em
Apocalipse 20. 1-10, e vem para o português através do latim. Dessa
forma, “milênio” veio a significar, na linguagem evangélica, o reinado
de Cristo sobre a terra por um período de mil anos (SEVERA, 1999, p.
435).
Esta concepção é, pois, derivada da referência aos mil anos de
reinado de Cristo com os santos. As diversas concepções milenistas
ou milenaristas refletem diferentes compreensões da natureza desse
período e, portanto, diferentes interpretações da cronologia da segunda
vinda de Jesus Cristo com o período do milênio e com os demais
acontecimentos dos últimos dias (DOCKERY, 2001, p. 893).
A questão do milênio é um tema que tem suscitado diversos
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17 Os profetas predisseram que após o cativeiro babilônico Israel viveria os


melhores momentos de sua historia. Quando isso não ocorreu imediatamente,
os intérpretes passaram a pensar que o retorno da Babilônia era apenas típico
e profético da restauração final de Israel, em uma verdadeira Era Áurea, no
futuro distante. Esse modo de interpretação foi absorvido pela Igreja cristã,
e em nossos dias é enfatizado pelos evangélicos dispensacionalistas. Os
eruditos liberais, por sua vez, simplesmente supõem que o profetizado reino
de Israel falhou, e não vêem qualquer validade nessa transferência para algum
tempo futuro. [...] A única menção clara ao milênio, em todo o Novo
Testamento, fica no vigésimo capitulo do livro de Apocalipse. Ali, esse
período coincide com o período de prisão de Satanás: «Ele (o anjo que descera
do céu) segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o
prendeu por mil anos, lançou-o no abismo, fechou-o, e pôs selo sobre ele,
para que não mais enganasse as nações, até se completarem os mil anos... Vi
ainda as almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como
por causa da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, nem
tão pouco a sua imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão; e viveram
e reinaram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não
reviveram até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição.
Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição;
sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão
sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele os mil anos. Quando,
porém, se completarem os mil anos, Satanás será solto da sua prisão..... (Apo.
20. 2-7) In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol.
4. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 275.
˂˂˂ 49

problemas no decorrer da história de Igreja. De modo especial, a Igreja


Ocidental18, tendo em vista a ida de protestantes perseguidos para a
América do Norte, alimentava muitas esperanças do estabelecimento
de um reino perfeitamente religioso no “Novo Mundo”. Na América do
Norte, durante o século XIX, proliferaram diversos grupos milenaristas,
em geral tendo um pé em Daniel e outro no livro do Apocalipse. Além
disso, muitas vezes eram reforçados por “revelações privadas”.
São facilmente encontradas as interpretações dadas pelos
seguidores de William Miller e Ellen G. White – adventistas do sétimo
dia; Joseph Smith – Mórmons e, Charles T. Russel – Testemunhas-de-
Jeová. Em certos grupos evangélicos surgiram muitas divisões entre pré-
milenaristas e pós-milenaristas: os primeiros creem que a idade áurea
virá somente após a destruição da presente era, quando da segunda
vinda de Cristo; os outros exibem um liberalismo otimista, com a visão
de que esta era gradualmente está se transformando no milênio pelo
progresso natural da sociedade e da reforma religiosa (BROWN, 2004,
p. 1039).

• Escola Preterista

No círculo de críticos e eruditos os acontecimentos narrados no


livro do Apocalipse fazem parte de um gênero literário muito especial
de escritos judaico-cristãos que é, conforme mencionado na unidade
anterior, conhecido como “apocalíptico”, ou seja, consiste em “panfletos
para tempos difíceis” (LADD, 1982, p. 11).
Levando em conta o sentido estrito do termo, e a afirmação
precedente, percebe-se desde o início que esta escola afirma que todo o
Apocalipse cumpriu-se no passado, ou seja, especificamente nos dias do
Império Romano. O termo deriva de uma combinação de duas palavras
latinas: praeter (passado) e ire (ir), significando que já passou, portanto,
os acontecimentos narrados pertencem ao passado (KISTEMAKER,
Apocalipse

2004, p. 60).

18 Igreja Católica e suas filhas, as igrejas protestantes e evangélicas, do ponto de


vista histórico.
50 ˃˃˃

O pressuposto é que o Apocalipse retrata as condições do


Império na última parte do primeiro século da presente era. O objetivo
dos preteristas é compreender e interpretar as difíceis situações pelas
quais passou a Igreja daquele tempo. A sistematização desta escola
aparece pela primeira vez na história cristã por um monge jesuíta do
século XII, Alcazar, cujo objetivo era polemizar contra os reformadores,
os quais haviam usado o livro bíblico para identificar o papado com o
Anticristo. O monge então escreve visando provar que o Apocalipse
não tinha qualquer aplicação para a época. Tampouco teria qualquer
aplicação para o futuro, pois tudo já havia sido cumprido. Basicamente,
esta escola apresenta como problema básico o fato de que foi, justamente,
a Roma cristã que caiu nas mãos dos godos em 476 d.C. (HALE, 2001, p.
442).
Pode-se dizer, basicamente, que quando interpretado nesta linha,
o Apocalipse objetivava trazer esperanças aos cristãos primitivos da
Ásia. O foco é que eles seriam libertados em breve de seus sofrimentos
decorrentes do domínio romano. Para os preteristas a Roma imperial é
representada pela besta a que se refere Apocalipse 13. O falso profeta
tratava-se da classe sacerdotal asiática que aprovava e incentivava o
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culto a Roma.
A Igreja estava de certa forma, ameaçada de extinção por causa das
perseguições que batiam às suas portas. É assim que, João escreve para
fortalecer a fé dos cristãos, pois, mesmo com a perseguição, a intervenção
de Deus seria iminente: “Cristo voltaria, Roma seria destruída e o Reino
de Deus seria logo estabelecido. Claro que Cristo não veio, Roma não foi
derrubada e o Reino de Deus não foi estabelecido”. Contudo, predições
proféticas não fazem parte da literatura apocalíptica. Dessa forma, o
texto cumpriu seu objetivo ao fortalecer e encorajar a Igreja do século
I. Para quem pretende defender o Apocalipse como um livro profético,
resta evidente que este ponto de vista é inadequado (LADD, 1982, p.
11).
Apesar de que a volta de Cristo tenha sido frustrada para os
primeiros cristãos, a interpretação preterista, segundo mencionado
acima, afirma que os acontecimentos do Apocalipse em grande parte
foram cumpridos nos primeiros séculos da presente era. As quedas
de Jerusalém em 70 d.C. e a de Roma no século V são vistas como
˂˂˂ 51

cumprimento de parte dos eventos encontrados no livro (PATE, 2003,


p. 20).
Observa-se assim que os preteristas ensinam que o simbolismo
contido no Apocalipse representa eventos concretos e históricos que
foram cumpridos já em ocasião próxima à redação do livro mesmo.
Dessa forma, o livro do Apocalipse relaciona-se com aquilo que ocorreu
no passado, contudo, não faz referência alguma ao presente ou ao futuro.
De acordo com esta escola, o Apocalipse é um livro restrito aos dias de
perseguição na Ásia Menor, mesmo que se perceba intuitivamente o
grande interesse literário da presente época (KISTEMAKER, 2004, p.
61).
A origem da interpretação preterista também pode ser encontrada
no surgimento do sistema teológico conhecido como pós-milenarismo
ou pós-milenismo. De acordo com esta concepção, Jesus Cristo voltará
após – pós – um duradouro período de expansão e prosperidade
espiritual de sua Igreja, levada a cabo através da pregação do Evangelho
(DOCKERY, 2001, p. 893). O período de mil anos é tomado literalmente
e algumas implicações desse sistema são:

1. O reino de Deus é principalmente uma realidade


presente.
2. Ocorrerá uma conversão de todas as nações antes da
volta de Cristo.
3. Ocorrerá um longo período de paz terrena.
4. O reino se expande gradualmente pela proclamação
do evangelho, fazendo surgir um reino de paz e luz.
5. O reino é entendido principalmente em termos
qualitativos, não quantitativos.
6. Ao final do reino, haverá um tempo de declínio
espiritual.
7. O reino terminará com a volta pessoal e física de
Jesus.
8. A volta do Senhor será imediatamente seguida pela
ressurreição de todos os justos e injustos e pelo julgamento
de todos.
9. O que ocorre quando o evangelho é transmitido
de um indivíduo a outro também ocorre quando ele é
disseminado por meio de instituições e atividades sociais,
ambientes físicos, lares, educação, política e relações
nacionais e internacionais. Desse modo, toda a humanidade
Apocalipse

ficará imbuída de princípios e apoio cristãos e será por eles


governada (DOCKERY, 2001, pp. 893, 894)

Existe ainda a doutrina pós-milenar. Esta tem sido creditada a


52 ˃˃˃

Daniel Whitby (1638 – 1726), um ministro unitarista da Inglaterra. Esta


concepção de Whitby foi adotada tanto pelos teólogos liberais quanto
conservadores. Essa adoção por parte de muitos levou ao surgimento
de dois tipos de pós-milenarismo: “pós-milenarismo liberal” e “pós-
milenarismo bíblico”. O primeiro chegou ao auge no século XIX
associado ao “evangelho social”, que tinha como meta a libertação da
humanidade dos males sociais: pobreza, racismo, doença, guerra e
injustiça, principalmente. O pós-milenarismo liberal tinha seu correlato
bíblico. Foi assim que os teólogos dos séculos XVIII e XIX mantiveram
seus compromissos para com o evangelho e seu poder transformador
(PATE, 2003, p. 23).
Na atualidade o pós-milenarismo bíblico enfatiza as catástrofes
da história e experimenta um ressurgimento de influência. A corrente
preterista localiza a cronometragem do cumprimento das “profecias”19
do Apocalipse no século I d.C., mais especificamente antes da queda de
Jerusalém em 70 d.C20. Veja que as questões do milênio posteriormente
vão dar suporte para os dispensacionalistas, que serão abordados logo
adiante.
Verifica-se, portanto, que, embora os fatos mencionados por
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João estivessem no futuro para os primeiros leitores, agora estão no


passado. Vale ressaltar que o Apocalipse é um livro altamente figurativo
e não pode ser abordado a partir de um literalismo direto e simples.
A interpretação preterista insiste que a chave para a compreensão
do Apocalipse está em sua abertura (1. 1a, 3). Antes de apresentar as
visões dramáticas, João oferece uma pista indispensável: “Os eventos
do Apocalipse devem acontecer “em breve” [gr. tachos] (v.1) porque
“o tempo está próximo [gr. engys].” Ao longo do Novo Testamento a
expressão tachos significa “depressa, imediatamente, sem demora,
brevemente”. O vocábulo engys – próximo – também fala de uma
proximidade temporal. Dessa forma, João informou ao seu público
que os eventos por ele escritos deveriam acontecer no tempo de vida
deles (PATE, 2003, 39 – 43). Esses vocábulos encontram-se também na
conclusão da obra (22. 6, 10).
19 Lembre-se de que o Apocalipse não é um livro profético. Apesar disso 41
vezes João diz que “vê” as “profecias”.
20 Entretanto, alguns também veem seu cumprimento nas quedas de Jerusalém
– século I – e de Roma – século V
˂˂˂ 53

A proximidade de crises divinamente governadas aparece em


inúmeras passagens do Novo Testamento, como, por exemplo, em
Mateus 26. 64; Atos 2. 16-20, 40; Romanos 13. 11, 12; 16. 20; 1Coríntios
7. 26, 29-31; Colossenses 3. 6; 1Tessalonicenses 2. 16; Hebreus 10. 25, 37;
Tiago 5. 8, 9; 1Pedro 4. 5, 7; 1João 2. 17, 18, para mencionar algumas. Uma
rápida leitura nesses versículos deixa evidente que julgamentos divinos
dramáticos são “breve”, “próximo”, “perto”, “à porta”, “presente”,
“a hora chegou”, “o tempo é curto”, “a ira de Deus está por vir”, “o
dia está se aproximando”, “em pouco tempo somente”. Estes eventos
acontecerão ainda “nesta geração”, antes que “alguns que estão vivos
[...] experimentem a morte”.
No que diz respeito ao milênio, na concepção preterista,
Apocalipse 20 olha para o futuro. O milênio começa no século I, contudo,
o período necessariamente requer sua extensão além do espaço do
próximo / breve tempo da estrutura do livro.
Para Gentry Jr. O entendimento dos preteristas do Apocalipse:

[...] está arraigado na hermenêutica confiável e em


princípios teológicos – e contém uma verificação histórica
surpreendente. As observações temporais do Apocalipse são
levadas a sério (1. 1,3; 22. 6, 10, 12), observa cuidadosamente
o contexto histórico de Apocalipse (caps. 2 e 3), e ouve
atentamente os profetas do AT apocalíptico (Is 13; 34; Ez
32). Explica a enorme mudança redentora-histórica da
antiga para a nova aliança. Nesse processo o preterismo
também fornece encorajamento aos crentes hoje, ao mostrar
os grandes julgamentos do Apocalipse já cumpridos,
possibilitando e antecipando nossa completa esperança do
futuro conforme a glória da igreja se desdobra na história
(In PATE, 2003, p. 94, 95).

A partir dessa corrente, afirma-se que o preterismo parece oferecer


a abordagem mais coerente, pertinente e exegeticamente confiável ao
livro do Apocalipse. Vale lembrar que, como qualquer outro método
de interpretação, este pode ser distorcido. A tarefa do(a) estudante de
Apocalipse

teologia é examinar cuidadosamente os assuntos em conformidade com


toda a Bíblia (PATE, 2003, p. 96).
Apesar de essas afirmações estarem fundamentadas sobre sólido
54 ˃˃˃

alicerce hermenêutico e teológico, há outras formas de interpretar


o livro de Apocalipse. Talvez a maior objeção contra esta escola de
interpretação seja o fato de que parece quase não levar em conta os
primeiros destinatários. Da mesma forma que este livro, as cartas de
Paulo também foram escritas a igrejas e indivíduos específicos, do
primeiro século, mas suas mensagens ainda são relevantes para a
Igreja do século XXI (KISTEMAKER, 2004, p. 62). Portanto, precisa-
se perguntar primeiro qual seria a relevância deste texto para os
destinatários.

SAIBA MAIS

DOCKERY, D. S. Manual Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001.

HALE, B. D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.

EXERCÍCIOS

1. Descreva em linhas gerais o pensamento da escola preterista.


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______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – Quais são as principais correntes de interpretação do Apocalipse?


a (.....) Futurista
b (.....) Preterista
c (.....) Historicista e Idealista
d (.....) Todas as alternativas estão corretas

II – Interpreta o livro do Apocalipse com o foco nos acontecimentos


futuros.
˂˂˂ 55

a (.....) Idealista
b (.....) Preterista
c (.....) Futurista
d (.....) Milenarista ou milenista

III – A escola preterista usa a hermenêutica:


a (.....) Alegórica
b (.....) Espiritualista
c (.....) Idealista
d (.....) Literalista

SEÇÃO 2 – ESCOLA DE INTERPRETAÇÃO HISTORICISTA

Geralmente a visão da escola de interpretação historicista é


aproximada de duas maneiras básicas: ou pela interpretação histórico-
contínua ou pela histórico-sincrônica. A primeira mantém que o
Apocalipse é uma síntese profética da história da Igreja, iniciando
na época de sua redação até a consumação dos séculos. A segunda
considera o Apocalipse como uma espécie de calendário. Esta última
será mais bem compreendida adiante (HALE, 2001, p. 443).

• Escola Historicista

Segundo a visão histórico-contínua o Apocalipse propõe um


esboço conciso do desenvolvimento da Igreja desde o advento do
Espírito Santo, no dia do Pentecostes narrado em Atos dos Apóstolos,
até a consumação. Vista dessa forma, a história “secular” e a história
cristã estão entrelaçadas. Seus proponentes tentam interpretar os
Apocalipse

eventos de seu próprio período da história preditos no livro bíblico.


(KISTEMAKER, 2004, p. 62).
Ressalta-se, desde já, que tal interpretação pode levar a confusão, visto
56 ˃˃˃

não haver diretrizes claras quanto a quais eventos históricos estariam


sendo abordados. Existem interpretações, por exemplo, que atribuem
a besta ao papado romano e o falso profeta à Igreja de Roma (LADD,
1982, p. 12). Vejam que esta é uma interpretação dada pelas igrejas
provenientes da linha protestante. É de se perguntar: como é que a
“Igreja de Roma” compreende o livro do Apocalipse? Eis um aspecto
interessante que talvez estimule o(a) estudante a avançar em uma
pesquisa neste sentido.
Esta tem sido a visão típica dos protestantes, conforme salientado,
que fazem com que o Apocalipse profetize em detalhes extremos a
apostasia da Igreja Romana. De acordo com esta visão, “a série de sete
igrejas, sete selos, sete trombetas e sete taças se faz representar nos
eventos específicos na história do mundo”. A cronologia do livro é
entendida à risca, levando a profecias específicas a respeito dos eventos
nos seus próprios dias. Cada geração teve a oportunidade de declarar
confiadamente que o fim do mundo era chegado (HALE, 2001, p. 443).
Da mesma forma, cada geração posterior pode perceber o engano.
Basta verificar, alerta Kistemaker, que o estudioso Henry Barclay
Swete já conseguiu catalogar alguns exemplos de épocas passadas nas
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quais escritores tentaram encontrar os fatos de seus próprios dias em


correlatos simbólicos no Apocalipse. Sabe-se, por exemplo, que no
final do século XII, Joaquim de Fiore21, morto em 1202, afirmava que a
21 Suas datas foram 1145-1202. Foi um místico italiano. Nasceu em Celico. Foi
abade do mosteiro de Corazzo. Fundou o mosteiro de San Giovanni, em
Fiore, onde também serviu como abade. A ordem religiosa que ele fundou, a
ordem de Floris, foi oficialmente aprovada pelo papa Inocente III, em 1204.
Fez uma peregrinação aos lugares santos do Oriente; e, ao voltar à Europa,
retirou-se para o mosteiro cisterciense de Sambucina, onde deu início a
um período de vida ascética. Entrou nessa ordem religiosa e tornou-se o
superior de Corazzo, perto de Martirano, que pertencia ao mesmo. Durante
esse tempo, foi aumentando o seu interesse pelo conhecimento e pelas
experiências místicas. Ideias: 1. Ele pensava em três períodos da história da
humanidade: a era da lei (ou do Pai); a era do evangelho (ou do Filho); e a era
do Espírito (ou do Espírito Santo). Ele pensava que essa terceira era havia
começado em 1260. Provavelmente, essa ideia foi inspirada por suas próprias
experiências, que ele considerava derramamentos do Espírito Santo, o
que, segundo ele pensava, chegaria à plena fruição no tempo por ele
especificado, embora ele mesmo não tivesse chegado a ver tal era, pessoalmente.
2. A terceira era, de acordo com sua doutrina, trazia a purificação da Igreja, com o
triunfo mundial do monasticismo e da guarda do sábado para toda
a humanidade. Suas expectações eram exageradas, e nunca se cumpriram.
Suas predições fracassaram. 3. Suas ideias propalaram-se, e os franciscanos
tornaram-se grandes entusiastas em defesa das mesmas, especialmente na
˂˂˂ 57

besta emergida do mar, narrada em Apocalipse 13.1, seria o Islã. Para


Joaquim de Fiore, Babilônia era a Roma profana, e chegou mesmo a
identificar algumas das sete cabeças da besta (Apocalipse 17. 3, 9, 10)
com os governantes de seu tempo. Após mais de um século, Francisco
de Paris via o Anticristo como um pseudo-papa. Isto mostra a total
divergência entre os estudiosos.
Há ainda aqueles que consideram o Apocalipse como uma espécie
de calendário. Os eventos que iniciaram este calendário ocorreram a
partir de João na ilha de Patmos em 96. Os sete selos e as sete trombetas
referem-se à Igreja primitiva e à Idade Média. Apocalipse 10 e 11 é
compreendido como o tempo da Reforma, aplicando-se a mensagem da
sétima trombeta à “Igreja verdadeira”. As duas bestas do capítulo 13,
conforme acima, são, respectivamente, o papa e o poder papal. As sete
pragas consumaram-se na Revolução Francesa e nas convulsões sociais.
A destruição de Babilônia seria a queda do papado (KISTEMAKER, 2004,
p. 63). Se esta interpretação for aceita como válida, o “final dos tempos”
está para ocorrer em uma geração bastante próxima da presente.
Esta é a interpretação histórico-sincrônica, resultado da “teoria
da recapitulação”, de Vitorino, do quarto século. Outra problemática
dessa interpretação é que leva em conta a teoria da profecia “ano-dia”,
o que significa que um dia na profecia é sempre um ano. Sendo assim,
a besta, que deve ter poder por quarenta e dois meses, na realidade, tê-
lo-ia por 1260 anos (HALE, 2001, p. 444)
É preciso levar em conta que o texto do livro do Apocalipse
não se enquadra em uma interpretação histórica contínua. História e
literatura apocalíptica não se adéquam. Igualmente, se o Apocalipse
pretendesse ser continuamente histórico, a Igreja primitiva e as gerações
que a sucederam, teriam sido incapazes de usufruir o benefício de
uma mensagem que, evidentemente, não se aplicaria a eles. E há mais,
existem:

Itália e na França. Alguns chegaram mesmo a supor que os franciscanos


seriam os arautos da nova era. Porém, um concílio efetuado em Arles, na
Apocalipse

França, em 1260, condenou a ideia inteira, juntamente com


os escritos e os seguidores de Joaquim de Floris, embora ele
mesmo não tivesse sido condenado. In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia
de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 3. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 562.
58 ˃˃˃

[...] intérpretes que aplicam o livro à Igreja Ocidental,


como se a Igreja Oriental não existisse. Além do mais, os
adeptos do ponto de vista histórico às vezes recorrem a
interpretações triviais que são não apenas fantasiosas,
mas que estão desonrando a Escritura. E, por fim, os
métodos usados para calcular épocas na história com base
nos números apocalípticos são, na melhor das hipóteses,
cômicos e terrivelmente enganosos (KISTEMAKER, 2004,
p. 63).

A escola de interpretação historicista, embora tenha sido bastante



difundida, nas interpretações mais recentes, para propósitos práticos, é
tida mesmo como uma interpretação ultrapassada. As diversas tentativas
mal sucedidas por ela intentadas, o desejo de localizar o cumprimento
das narrativas do livro de Apocalipse no decurso das circunstâncias
históricas, acabou por sentenciar a escola a uma revisão ininterrupta
com o desenrolar dos séculos e, por fim, levou-a à obscuridade. “Uma
situação que poderia suscitar o comentário, se Jesus demora, naquele
dia do juízo final os profetas contemporâneos poderiam se achar
eventualmente nele”. Além disso, a falta de consenso entre os diversos
intérpretes quanto à identificação de detalhes históricos contribuiu para
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o fim dessa escola (PATE, 2003, p. 20).


Mesmo assim, cabe ressaltar: mais do que nunca, em uma

época de tanta relativização, a necessidade de se levar a sério o texto
do Apocalipse, e da Bíblia como um todo, e não sair por aí fazendo
afirmações que o próprio escritor bíblico desconhece. A Bíblia não pode
servir para justificar crenças particulares ou interesses partidários.

SAIBA MAIS

KISTEMAKER, S. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

PATE, C. M. (org). O Apocalipse: quatro pontos de vista. São Paulo:


Vida, 2003.
˂˂˂ 59

EXERCÍCIOS

1. Como a escola historicista vê o conteúdo do Apocalipse?

______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas

I – A principal característica da interpretação historicista é:


a (.....) Afirmar que tudo já aconteceu no passado
b (.....) Encontrar cumprimento histórico para cada símbolo do
Apocalipse
c (.....) Buscar correlatos nos fatos do cotidiano
d (.....) Todas as alternativas estão corretas

II – Quem entendeu que a Babilônia seria a Roma profana?


a (.....) Darby
b (.....) Scofield
c (.....) Joaquim de Fiore
d (.....) Nenhuma das alternativas está correta

SEÇÃO 3 – ESCOLA DE INTERPRETAÇÃO IDEALISTA

Esta escola, de certa forma, evita o problema levantado pela escola


historicista, qual seja, o de ter “de encontrar cumprimento histórico
para os símbolos do Apocalipse”. Ela enxerga um quadro simbólico dos
Apocalipse

conflitos cósmicos espirituais travados entre o Reino de Deus, de um


lado, e os poderes satânicos, de outro (LADD, 1982, p. 12).
60 ˃˃˃

• O Método Idealista

As origens desta escola podem ser mapeadas já nos primórdios


da hermenêutica alegórica, ou simbólica, defendida pelos pais da
igreja de Alexandria, notadamente por Clemente22 e Orígenes23. A esse
respeito, R. H. Charles (apud PATE, 2003, p. 26) escreve sobre os pais
alexandrinos que:

[...] sob a influência do helenismo e da escola alegórica


tradicional de interpretação que chegou ao topo em
Filo, [eles] rejeitaram o sentido literal do Apocalipse, e
adicionaram apenas um significado espiritual. Essa teoria
domina muitas escolas de exegetas até os dias de hoje.
Assim, Clemente viu, nos 24 anciãos, um símbolo de
igualdade dos judeus e dos gentios na igreja; e nas caudas
dos gafanhotos as influências destrutivas de professores
imorais. Orígenes, como também Metódio, seu oponente,
rejeitam como judaica a interpretação literal do capítulo XX
22 Suas datas foram 150-215 d.C. Foi teólogo cristão, provavelmente originário de
Atenas, e não de Alexandria, apesar do nome com que é conhecido. Foi
pastor da igreja de Alexandria. Sucedeu a Pantaeno, como chefe da escola de
catequese; foi mestre do famoso Orígenes, e de Alexandre, o qual tornou-se
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bispo de Jerusalém. Juntamente com Orígenes [...], foi o principal expositor


da escola teológica alexandrina. Pouco se sabe sobre a sua vida pessoal. O
que se sabe dele é colhido em informes dados em seus próprios escritos, bem
como nas obras dos historiadores Eusébio e Pótio. Seu nome era Tito Flávio
Clemente. Seus pais eram pagãos bem-educados e cultos, e a riqueza material
deles lhe deu a oportunidade de viajar e de receber uma educação superior.
Sua educação inicial foi em Atenas, onde adquiriu amor pela filosofia e pela
literatura helênicas. Ali, converteu-se ao cristianismo. De volta a Alexandria,
tomou-se estudante do filósofo cristão Pantaeno, um ex-filósofo estóico,
que encabeçava a escola catequética cristã da cidade. Ficou em Alexandria de
175 a 202 d.C., ensinando e escrevendo. Mas teve de fugir por causa da
perseguição iniciada pelo imperador Sétimo Severo. Praticamente nada
sabemos sobre os anos restantes de sua vida, embora, provavelmente,
tivessem sido consagrados à vida pastoral, em Jerusalém e Antioquia da Síria.
Faleceu em cerca de 215 d.C. Notável foi a sua contribuição para a erudição
cristã e para a teologia. In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia
e Filosofia. Vol. 1. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 767.
23 Orígenes Adamânico provavelmente nasceu em Alexandria, no Egito, em
cerca de 185 d.C., e morreu em Tiro, em cerca de 254 d.C. Seu primeiro mestre
na fé cristã foi seu próprio pai. Na escola, seus mestres foram Clemente
de Alexandria, e, provavelmente, Amônio Saccas, o qual também foi o mestre
do famoso filósofo-teólogo neoplatônico, Plotino [...]. Essa proximidade com as
raízes do neoplatonismo [...] tem feito alguns suporem que
Orígenes, o teólogo cristão, e Orígenes, o filósofo neoplatônico, na verdade
foram a mesma pessoa. In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia
e Filosofia. Vol. 4. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 626.
˂˂˂ 61

e, nas mãos dos seus seguidores, os conteúdos históricos


completos do Apocalipse foram perdidos.24

A escola idealista vê na besta, mencionada no livro bíblico, o


poder satânico em qualquer meio que ele use para trazer opressão à
Igreja de Cristo. O capítulo 12 do Apocalipse, por exemplo, valida, ao
menos em parte, o entendimento desta escola. Segundo os idealistas ali
está pintado um quadro pesado do conflito no céu entre Satanás e os
anjos de Deus. Contudo, o Apocalipse não sai do âmbito apocalíptico,
entendido como gênero. Além disso, todo o simbolismo apocalíptico
preocupa-se em primeiro lugar com os acontecimentos históricos que
levam à consumação dos tempos e à chegada definitiva do Reino de
Deus (LADD, 1982, p. 12).
A maneira de compreender desta escola enquadra-se na teoria
conhecida como “Filosofia da História”. Esta nomenclatura abarca
diversos títulos utilizados no âmbito acadêmico. Dentre eles podem ser
mencionadas as teorias de “cumprimento variado ou esporádico” e a
“visão idealista”, termo utilizado neste trabalho. Entende-se, a partir
desta “filosofia”, que o livro do Apocalipse seja mesmo uma discussão
em torno das forças subjacentes aos eventos, todavia, não se trata de
uma discussão dos eventos mesmos. Dessa forma, em cada caso, a
simbologia é vista como que fazendo referência a forças que podem
atuar e ocorrer diversas vezes ao longo da história da Igreja. Pode
mesmo haver continuidade. Pode não haver. Na realidade, a principal
ênfase diz respeito mesmo ao conflito entre o bem e o mal, entre as
forças das trevas e as forças da luz (HALE, 2001, p. 444).
Na opinião de Hale, ao tratar desta escola, os “princípios são
imutáveis e estão em constante atividade no mundo”. Reconhece-se
até mesmo que haja uma participação divina na história deste conflito.
Portanto, afirma que existe um alvo para o qual Deus está conduzindo o
mundo por ele criado. De igual modo, a escola idealista está firmemente
arraigada nos eventos ocorridos no primeiro século da era cristã,
e a mensagem “só pode ser entendida à luz da linguagem simbólica
Apocalipse

apocalíptica”. O principal inconveniente desta linha de interpretação é

24 Cf. Studies in the Apocalypse, Edinburgh: T. & T Clark, 1913, p. 11-2.


62 ˃˃˃

que ela coloca os cristãos do primeiro século um tanto sem importância


no esquema das coisas, uma vez que os princípios são aplicáveis em
qualquer época e em qualquer lugar. A escola idealista fixa a profecia
somente do triunfo final das forças do bem sobre as forças do mal.
Para melhor entender a escola idealista, é preciso levar em
conta que ela vê o Apocalipse como um livro de verdades que fazem
contraste entre o Cristo vitorioso com um Satanás e seus seguidores
totalmente derrotados. É assim que se estabelece a compreensão de
que João “delineia esse contraste do princípio ao fim do livro, desde
Jesus de posse das chaves da Morte e do Hades, no capítulo 1, ao diabo,
à Morte e ao Hades sendo lançados no lago de fogo, no capítulo 20”
(KISTEMAKER, 2004, p. 65).
Esta abordagem idealista é, muitas vezes, chamada de visão
“espiritualista”, uma vez que compreende o livro de forma espiritual
e simbólica. A luta entre o bem e o mal, da qual já se tem tratado, não
encontra conexão histórica imediata para qualquer evento político ou
social. Raymond Calkins (apud PATE, 2003, p. 26) descreve bem esta
interpretação:
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[...] se entendermos a emergência que levou o livro a ser


escrito, sua interpretação durante seu tempo, para o nosso
tempo, e durante todo o tempo fica tão claro quanto a
luz do dia. À luz dessa explicação, distante da verdade a
interpretação que acha o significado principal do livro
nas sugestões que nos dá aproximadamente o término da
criação, o fim do mundo, e a natureza do último julgamento
[...] Usar o Apocalipse desse modo é abusá-lo, porque o
próprio livro não faz reivindicação alguma para ser a chave
do futuro.

Portanto, Calkins (apud PATE, 2003, p. 26) admite a possibilidade


de resumir a mensagem principal do livro de Apocalipse em cinco
breves proposições:

a. É uma convocação irresistível para viver


heroicamente;
b. Contém apelos sem igual à resistência;
c. Fala que o mal está marcado para ser derrotado no
fim;
˂˂˂ 63

d. Apresenta um quadro novo e maravilhoso de


Cristo;
e. Revela-nos o fato que a história está na mente de
Deus e nas mãos de Cristo, como o autor e revisor dos
destinos morais do homem25.

Os idealistas procuram não levar os conteúdos do Apocalipse a


uma restrição histórica particular, contudo, vê nele uma dramatização
apocalíptica da contínua batalha entre Deus e Satanás. Segundo Pate
(2003, p. 27), os símbolos “são polivalentes no significado e sem referente
histórico específico, a aplicação da mensagem do livro é ilimitada”. Esta
escola, portanto, permite que cada intérprete encontre uma significação
para suas respectivas situações.
No que se refere à visão mundial, a escola idealista prefere a
perspectiva realista. Entretanto, é bom salientar que, “tanto o otimismo
desenfreado quanto o pessimismo desesperador são impróprios”.
Particularmente, conduz à visão amilenista, que chama a igreja à
“atividade realística” no mundo. A igreja, sob a orientação do Espírito
Santo, obterá êxito em seu mandato; contudo, o último sucesso somente
virá pela graça de Deus. É assim que, a Igreja pode esperar grandes
coisas no presente, porém, isto se dá quando os cristãos sabem que o
reino nunca chegará por completo na história da humanidade e, dessa
forma, permanecem realistas em suas expectativas (PATE, 2003, p. 31).

• Amilenismo

É interessante inserir aqui o sistema amilenista. Este sistema


afirma que não haverá um reinado milenar de Cristo com os salvos na
terra. Imediatamente à volta de Cristo se dará a ressurreição geral dos
santos e perversos. Logo após vem o último julgamento e a passagem
para a vida eterna. Essa crença pode ser resumida nas seguintes
afirmações:
Apocalipse

25 In The social message of Revelation, New York: Woman´s Press, 1920, p. 3.


64 ˃˃˃

4) A interpretação das duas ressurreições em


Apocalipse 20. 4-5 é que a primeira é espiritual e a segunda,
física.
5) Os mil anos em Apocalipse 20 são simbólicos.
6) O livro de Apocalipse é entendido de maneira cíclica.
7) Apocalipse 20 deve ser compreendido de modo
histórico, em relação ao restante do livro.
8) Não há expectativa de profecias reveladas serem
cumpridas no futuro, exceto as crenças gerais acerca da
volta do Senhor. Basicamente, esse ponto de vista sustenta
que tudo se cumpriu em Cristo ou se cumprirá na nova
terra.
9) Há uma falta de interesse profético generalizado em
contraste com os pré-milenistas.
10) Há um senso de iminência em comum com os pré-
milenistas.
11) Como no pré-milenisno e ao contrário do pós-
milenismo, há uma ideia geral de que ocorrerá uma piora
antes do triunfo de Cristo e o fim dos tempos (DOCKERY,
2001, p. 894).

Para os amilenistas o milênio é o governo espiritual de Cristo


e seus santos no céu, durante esta dispensação26, entre a primeira e a
segunda vinda de Cristo. Portanto, não haverá um “tal reino político
de Cristo sobre a terra. Eles consideram que a “prisão” de Satanás já
ocorreu com a primeira vinda de Cristo”. Afirmam ainda que esta
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prisão signifique que “Jesus restringiu o poder de Satanás, de modo


que não pudesse impedir a difusão do Evangelho por entre as nações
do mundo” (HENDRIKSEN, apud SEVERA, 1999, p. 443).
A visão amilenista, proposta por Dionísio27, Agostinho28 e
26 Este termo será mais bem trabalhado adiante.
27 Faleceu em 26S d.C. Eusébio chamou-o de grande bispo de Alexandria. [...] Foi
um dos discípulos mais importantes de Orígenes. Tomou à frente a tarefa de
refutar os materialistas atômicos, opondo-se também ao quiliasmo e ao
sabelianismo [...]. Porém, Dionísio de Roma [...] acusou-o de erro, porquanto
promoveu uma doutrina de Deus que parecia mais triteísta do que trinitariana.
Harnack referiu-se a essa controvérsia como «prelúdio do conflito ariano».
Converteu-se do paganismo e subiu rapidamente em sua vida cristã, até que,
finalmente, tornou-se cabeça da escola catequética de Alexandria e bispo
de Alexandria (247-248 d.C.). Durante a perseguição de Décio, fugiu da cidade,
mas retomou para ali em 251 d.C. Quando da perseguição movida por
Valeriano, foi exilado para a Líbia (257 d.C.), mas retomou novamente, apôs
poucos anos. Dai por diante sua vida foi caracterizada por controvérsias
doutrinárias, especialmente quanto à doutrina de Deus. [...] Restou apenas
uma pequena porção de seus escritos, principalmente partes de sua obra
Réplica e Defesa, que é uma defesa de sua doutrina, procurando mostrar que
a mesma estava ao lado da ortodoxia. Não teria sido melhor se ele tivesse
escrito: «Minha única ortodoxia é a verdade»? In CHAMPLIN, R. N.
Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 2. São Paulo: Hagnos,2004,p.165..
˂˂˂ 65

Jerônimo29 era semelhante à interpretação de Alexandria, vista antes.


Dessa forma, a Escola Alexandrina, munida com o método amilenista,
veio a tornar-se a interpretação dominante do livro de Apocalipse até a
época da Reforma Protestante (PATE, 2003, p. 27).
Observe que, apesar de estar inserida aqui, a interpretação dos
amilenistas parte do pressuposto de um retorno de Cristo no futuro, ou
seja, ainda não realizada, mas que pode ocorrer a qualquer momento.
28 Era descendente de cartagineses. Sua vida e carreira coincidiram com a
desintegração do Império Romano do Ocidente. Aurélio Agostinho nasceu a
13 de novembro de 354 d.C., em Tagaste, Norte da África, atualmente
Souk-Ahras, na Argélia. Era filho de Patrício, oficial romano, que continuou
pagão até ‘pouco antes de sua morte, e de Mônica, uma cristã devota. [...] Sua
educação inicial envolveu gramática e aritmética. Odiava o idioma
grego, e nunca adquiriu qualquer conhecimento completo do mesmo. Porém,
conhecia profundamente a literatura latina. Sua formação e meio ambiente
pagãos influenciaram adversamente a sua formação. Em cerca de 370, a
leitura da obra de Cícero, Hortensius, causou-lhe profunda impressão e a
partir de então voltou-se para a filosofia. Continuou seus estudos em Cartago,
onde vivia com uma amante, que lhe deu um filho, Adeodato, em 371. Tornou-
se maniqueu [...], e foi muito ativo como membro da seita. [...] A filosofia
platônica libertou sua mente do paganismo crasso, dando-lhe razão para
ter esperanças em Deus e na alma. Um amigo, Simpliciano, e a sua própria
mãe, influenciaram-no profundamente no tocante à fé cristã. Finalmente,
recebeu uma experiência mística, na qual lhe foi dito: «Tolle, lege» (Toma, lê),
quando ele estava diante de um manuscrito do Novo Testamento, em
Rom. 13. 13, 14. Isso lhe conferiu convicção moral, e a sua conversão foi
completa. In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia.
Vol. 1. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 78.
29 Ele foi um dos grandes eruditos cristãos antigos. Seu nome, em latim, era
Híeronimous, «nome sagrado». Esse nome derivava dos termos gregos hieros
«santo», e ónoma, «nome». Suas datas foram 342-420 d.C. Ele nasceu na
Dalmácia e educou-se em Roma, onde foi batizado. Viajou muito. Finalmente,
fixou residência em Belém da Judéia, onde fundou um mosteiro e passou os
últimos trinta e quatro anos de sua vida. Foi o mais erudito de todos os pais
latinos da Igreja. A carreira de Jerônimo foi muito variada. Foi eremita,
sacerdote, erudito, diretor espiritual de nobres e de ricos, de mulheres e de
monges romanos. Viajou extensamente pelo Oriente, visitou Caleis, no
deserto da Síria, e também Antioquia da Síria e Constantinopla, no Egito. [...]
Outras viagens levaram-no novamente a Antioquia da Síria, dali ao Egito, e
então à Palestina, onde, finalmente, ele se estabeleceu e desenvolveu seu
trabalho em um mosteiro, por ele fundado. Também foi fundado ali um
convento, e ele dirigia o trabalho da comunidade, ocupando-se em suas
atividades eruditas. Ele é considerado o fundador do monasticismo latino.
Sua obra mais importante e imortal foi uma nova tradução da Bíblia inteira
para o latim, que veio a chamar-se Vulgata Latina, ou seja, a Bíblia latina
comum. Ele traduziu o Antigo Testamento diretamente do original hebraico,
Apocalipse

em vez de fazê-lo da Septuaginta, conforme tinham feito seus antecessores


tradutores. Sua tradução latina foi uma revisão e harmonização de outras
traduções, previamente existentes. In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de
Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 3. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 462.
66 ˃˃˃

SAIBA MAIS

DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1997.

HALE, B. D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.

LADD, G. E. Apocalipse: introdução e comentário. São Paulo: Vida


Nova, 1982.

EXERCÍCIOS

1. Escreva o que entendeu sobre a escola idealista


______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:
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I – A escola idealista usa a hermenêutica alegórica desde:


a (.....) Clemente de Roma e Orígenes
b (.....) Agostinho
c (.....) Clemente e Orígenes de Alexandria
d (.....) Jerônimo

II – A ênfase da escola idealista recai sobre:


a (.....) O milênio
b (.....) A tribulação
c (.....) O contraste entre Cristo e Satanás junto com seus seguidores
d (.....) Não há uma ênfase marcante

III – Amilenista diz respeito à:


a (.....) Período antes do milênio
b (.....) Período após o milênio
c (.....) Leitura não literal dos mil anos descritos no Apocalipse
d (.....) Leitura literal dos mil anos descritos no Apocalipse
˂˂˂ 67

SEÇÃO 4 – ESCOLA DE INTERPRETAÇÃO FUTURISTA

A última escola a ser aqui tratada é conhecida como escola


futurista. Nesta, o Apocalipse trata de temas que dizem respeito ao
tempo imediatamente anterior e posterior à segunda vinda de Jesus
Cristo.

• Escola Futurista

Esta escola teve sua origem em 1585. Seu nascimento se deu em


vista dos polêmicos ataques dos protestantes contra a Roma papal.
Este método é exatamente o oposto das teorias preteristas. De cunho
totalmente escatológico, o Apocalipse quer ser um livro de “eventos”
não cumpridos – notadamente após 4. 1, e tanto quanto possível deve
fazer uso de uma hermenêutica literal (HALE, 2001, p. 442).
Os estudiosos desta escola salientam que os registros do
Apocalipse tratam de profecias que se cumprirão um pouco antes,
durante e depois da segunda vinda de Cristo. “São as visões do trono,
o rolo lacrado com sete selos que serão abertos um a um, as sete
trombetas, as duas testemunhas, a mulher e seu filho, as sete taças, a
grande prostituta, a queda de Babilônia”. Para os futuristas, todos estes
eventos ocorrerão antes do segundo advento de Jesus (KISTEMAKER,
2004, p. 64).
Realmente, é preciso levar em conta que o escritor do Apocalipse,
ao longo de todo o livro, escreve a palavra “profecia” pelo menos sete
vezes (1. 3; 11. 6; 19. 10; 22. 7, 10, 19). Se for levado em conta que João
escreve tendo em vista o “grande e terrível dia do prometido regresso
de Jesus”, na opinião de Kistemaker a mensagem seria mesmo profética.
Esta visão futurista discute que os eventos marcados no livro de
Apocalipse, em sua maior parte, ainda não foram concretizados e,
Apocalipse

assegura que os capítulos 4 a 22 aguardam o final dos tempos para a


sua plena realização. A composição futurista é a mais privilegiada entre
as massas populares.
68 ˃˃˃

Dentro desta escola há o conceito denominado “dispensacionalismo”.


Este, por sua vez, está dividido em “dispensacionalismo clássico” e
“dispensacionalismo progressivo”. Esta é mesmo a interpretação mais
popular do Apocalipse. Contudo, ela teve sua origem somente no século
XX como uma das variantes do pré-milenarismo. O termo utilizado por
este movimento deriva do vocábulo bíblico “dispensação”, que recorre
à administração da “casa terrestre de Deus”. Os dispensacionalistas,
basicamente, dividem a “história da salvação em eras históricas ou
épocas para distinguir as administrações diferentes do envolvimento
de Deus no mundo”. Pode-se dizer que Cyrus I, Scofield foi o grande
divulgador dessa escola de interpretação. Scofield definiu a dispensação
como “um período de tempo durante o qual o ser humano é testado em
relação à obediência a alguma revelação específica do testamento de
Deus”30 (apud PATE, 2003, p. 31).

• Dispensacionalismo clássico
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Ao ler a Bíblia por este prisma, os dispensacionalistas clássicos


dividem-na em oito dispensações31:
Inocência;
Consciência;
Governo civil;
Promessa;
Lei mosaica;
Igreja e idade da graça;
Tribulação
Milênio.
A visão dispensacionalista, que faz distinção entre o Israel e a
igreja foi solidificada “na mente de muitos, como resultado de dois
eventos principais” no século XX: o holocausto – que extraiu de muitos

30 New York: Osford, 1909, observe em Genesis 1. 28. Para uma definição
atualizada que enfatiza a fé como o meio de receber as revelações nas várias
dispensações, v. Charles C. Ryrie, Dispensationalism today (Chicago: Moody,
1965), p. 74.
31 O número de nomes varia nessa escola de pensamento.
˂˂˂ 69

uma profunda compaixão pelo povo judeu, e o renascimento do Estado


de Israel no ano de 1948 (PATE, 2003, p. 32).
De acordo com Pate (2003, p. 32) os dispensacionalistas são pré-
milenaristas, ou seja, defendem que na volta de Cristo ele estabeleça
seu reinado temporário por mil anos em Jerusalém. Além disso, estes
intérpretes acreditam no arrebatamento pré-tribulacionista, isto é, a
volta de Jesus se dará em duas etapas: a primeira somente para a Igreja
que será poupada da grande tribulação; a segunda em “poder e glória
para conquistar seus inimigos”.
O dispensacionalismo interpreta as profecias do livro de
Apocalipse literalmente e, dessa forma, ele deve ser percebido como
ainda estando no porvir, no futuro – especialmente os capítulos 4
a 22 conforme mencionado. Quanto à magnitude das “profecias”,
sugere que elas ainda não foram realizadas historicamente. O texto
fundamental para esta interpretação está em 1. 19, particularmente seus
três tempos que dão o esquema básico de todo o Apocalipse: “o que
você viu” – o passado, a visão de João de Jesus no capítulo 1; “o que é
agora” – o presente, as cartas para as sete igrejas nos capítulos 2 e 3; o
que “acontecerá depois” – caps. 4 a 22. O dispensacionalismo clássico
também afirma que a falta de menção da igreja no capítulo 4 mostra que
esta será arrebatada ao céu por Cristo antes mesmo do início da grande
tribulação narrada nos capítulos 6 – 18 (PATE, 2003, p. 33).
Strickland (in PATE, 2003, p. 233) levanta a seu favor, para a
interpretação segundo o ponto de vista dispensacionalista clássico, que
uma “compreensão literal do Apocalipse extingue qualquer pergunta
sobre a coerência do livro, sua organização e sua lógica”. A mensagem
direta do livro é a sua melhor defesa. A estrutura hermenêutica habitual
apresenta o plano de Deus para o futuro e a condição eterna. Portanto,
conclui Strickland, nenhuma “necessidade surge para acrescentar ou
subtrair o que uma interpretação revela”.
Apocalipse
70 ˃˃˃

• Dispensacionalismo progressista

Surgiu nos anos oitenta quando do terceiro desenvolvimento do


dispensacionalismo.
A ideia predominante desta linha de interpretação é a
hermenêutica do “já/ainda não”. Popularizada inicialmente por Oscar
Cullmann, teólogo suíço, esse sistema vê a primeira e a segunda vinda
de Cristo pelos óculos da tensão escatológica (PATE, 2003, p. 34).
Vista através da escatologia, a primeira vinda testemunha a
inauguração do Reino de Deus, enquanto a segunda marcará a sua
completa realização. Sendo assim, atualmente o cristão vive na tensão
existente entre a era por vir – cuja aurora deu-se na primeira vinda de
Cristo, e a presente era má – que será totalmente transformada somente
na parousia32, ou na segunda vinda de Cristo33. A essência desta linha
de pensamento é muito bem captada por Gordon D. Fee (apud PATE,
2003, p. 34), ao afirmar que:
FACEL - Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras

A estrutura absolutamente essencial ao próprio cristianismo


primitivo [...] é escatológica. Os cristãos passaram a acreditar
que, no evento de Cristo, a nova (vinda) era amanhecera,
[...] especialmente pela morte e ressurreição de Cristo e o
subsequente dom do Espírito. Deus colocara o futuro em
jogo, a ser consumado ainda por outra próxima (parousia)
de Cristo. Deles foi então uma existência essencialmente
escatológica. Viveram “entre os tempos” do começo e a
consumação do fim. Deus tinha assegurado a salvação deles;
eles já eram as pessoas do futuro, vivendo a vida do futuro
na presente era – desfrutando seus benefícios. Mas ainda
esperaram a consumação gloriosa dessa salvação. Assim,
viveram em uma tensão essencial entre o “já” e o “não-ainda”.
32 Presença 1Co 16. 17; 2Co 10. 10; Fp 2. 12.—2. vinda, advento—a. de seres
humanos 2Co 7. 6s; Fp 1. 26.—b. de Cristo e seu Advento Messiânico no fim
desta era Mt 24. 3, 27, 37, 39; 1Co 1. 8; 15. 23; 1Ts 2. 19; 3. 13; 4. 15; 5. 23; 2Ts
2.1, 8s; Tg 5. 7s; 2Pe 1. 16; 3. 4, 12; 1Jo 2. 28.—c. do Anticristo 2Ts 2. 9.In
GINGRICH, F.W. Léxico do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova,
1993. p. 160.
33 A parousia será uma série de acontecimentos, começando com Armagedom
e se estendendo até a destruição final da velha terra (2Pedro 3. 4, 12) [...].
O tempo do aspecto da parousia que acontecerá antes do milênio é
desconhecido (Mat 24. 6). O tempo do arrebatamento da igreja é debatido.
In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 5. São
Paulo: Hagnos, 2004, p. 89.
˂˂˂ 71

Ao interpretar a Bíblia desta maneira, os dispensacionalistas


progressistas divergem de determinados pontos defendidos pelos
dispensacionalistas clássicos:
Os “progressistas” acreditam que Jesus começou seu reino divino
davídico na ressurreição;
A igreja não é um parêntese no plano de Deus; antes, como
judeus crédulos no Antigo Testamento, formam parte do povo
de Deus;
A nova aliança começa a ser cumprida na igreja;
A promessa do Antigo Testamento sobre a vinda dos gentios
para a adoração do Deus de Israel ao término da história, também já
experimenta uma realização parcial.
No que tange aos princípios básicos do dispensacionalismo
clássico, contudo, os progressistas concordam em pelo menos três
pontos (PATE, 2003, p. 35):
Israel será restabelecido a Deus no futuro;
Cristo voltará para estabelecer seu reinado milenar na terra;
A Igreja não passará pela grande tribulação.
Em resumo, a contribuição da hermenêutica dos
dispensacionalistas progressistas, pode ser assim delineada (PATE,
2003, pp. 180, 181):

1) Referente à separação entre a igreja e Israel, os


(progressistas) acreditam que os gentios já foram incluídos
como um povo de Deus, por fé em Cristo; mas Deus ainda
não pôs fim a Israel, porque um dia restabelecerá aquela
nação para ele e Jesus, o Messias; 2) Referente à posição pré-
milenar do dispensacionalismo progressivo, de acordo com
o Apocalipse, o Reino de Deus (a era por vir) alvoreceu no
céu, mas ainda não apareceu na terra pois está no aguardo
do retorno de Cristo, cuja Segunda Vinda estabelecerá o
seu reinado de mil anos em Jerusalém; 3) De acordo com
os dispensacionalistas progressivos, embora os sinais dos
tempos (as aflições messiânicas) tiveram início durante
a primeira geração de cristãos (com relação à queda de
Jerusalém), a grande tribulação ainda não ocorreu; ela está
no futuro, e a igreja (mas não Israel) estará isenta dela.
Apocalipse


72 ˃˃˃

Inobstante a tudo o que foi considerado, há alguns problemas com


a abordagem futurista. O primeiro é fazer com que “os três primeiros
capítulos do Apocalipse venham a ser irrelevantes para a Igreja
contemporânea”. O segundo problema é que a “ênfase profética focaliza
o regresso de Cristo” (seria interessante comentar resumidamente qual
o impacto que essa ênfase dá) e, sobretudo, é preciso lembrar que João
está escrevendo “a seus contemporâneos e aos crentes nos séculos
sucessivos; ele tem uma mensagem para a Igreja do mundo inteiro e de
todas as épocas”. Por fim, cabe lembrar que o livro está saturado com
mensagens de consolo para a Igreja de Cristo em todo lugar e em todos
os tempos (KISTEMAKER, 2004, p. 65).

SAIBA MAIS

HALE, B. D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.

KISTEMAKER, S. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

PATE, C. M. (org). O Apocalipse: quatro pontos de vista. São Paulo: Vida, 2003.
FACEL - Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras

EXERCÍCIOS

1. Escreva o que entendeu sobre a escola futurista:


______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – Os dispensacionalistas afirmam que:


a (.....) A parousia já ocorreu de forma invisível
b (.....) A igreja será arrebatada depois da grande tribulação
c (.....) A Igreja passará pela grande tribulação
˂˂˂ 73

d (.....) A Igreja não passará pela grande tribulação


II – O conceito de dispensação surgiu no palco da discussão apocalíptica:
a (.....) Com as igrejas do primeiro século da era cristã
b (.....) Em meio às perseguições aos reformadores
c (.....) Somente no século XX por intermédio de Cyrus I. Scofield
d (.....) A Bíblia trata deste conceito de forma clara e objetiva

III – Os dispensacionalistas clássicos:


a (.....) Dividem a história da humanidade em oito dispensações
b (.....) Afirmam viver na dispensação da graça
c (.....) Fazem parte da corrente futurista
d (.....) Todas as alternativas estão corretas

RESUMO DA UNIDADE34

Esta unidade procurou apresentar as diversas escolas de


interpretação do livro de Apocalipse. De tudo o que foi tratado, é possível
perceber as diversas dificuldades na interpretação do livro. Conforme
observado, todas as escolas têm seus argumentos hermenêuticos e
teológicos que, segundo elas, estão construídos sobre base sólida. Diante
disso, é melhor inserir aqui, algumas considerações finais a respeito das
diversas escolas.
Os preteristas fundamentam-se nos versículos iniciais do livro,
tomando-o como “imediatamente”. Dessa forma, a leitura do livro
concentra-se nos acontecimentos do primeiro século como a queda de
Jerusalém, por exemplo.
Os idealistas também consideram os versículos iniciais da mesma
forma. Com a diferença que eles interpretam os eventos do Apocalipse
como ocorrendo imediatamente e se revelando continuamente na
história.
Há ainda os futuristas. Eles dividem-se basicamente em
Apocalipse

dispensacionalistas clássicos e progressistas. Os primeiros afirmam que


o ensino sobre o duplo retorno de Cristo seja a melhor explicação para
34 Unidade comentada por Sandro Pereira.
74 ˃˃˃

Apocalipse 1. 1, 3. Portanto, o arrebatamento pode ocorrer a qualquer


momento; Vivem na iminência. Então será estabelecida a ação das
profecias do Apocalipse.
Por sua vez, os dispensacionalistas progressistas concordam com
o conceito da dupla vinda de Jesus, e ainda dizem que o princípio do
“já/ainda-não” fornece a melhor interpretação para Apocalipse 1. 1, 3.
Assim, essas circunstâncias preditas tiveram seu início no século I e,
continuando ao longo da história, ao fim chegarão ao seu ápice.
Diante de tamanha diversidade, talvez seja melhor levar em conta
que muitas igrejas estão convencidas de que, ainda que o estágio final
do plano divino deva ser realizado por intermédio de Jesus Cristo, o
milênio é simbólico e ninguém sabe quando ou como o fim do mundo
acontecerá. O compasso “desta música” deve ser dado pelo tom de Atos
1. 7: “Não vos compete conhecer os tempos ou épocas que o Pai reservou
pela sua exclusiva autoridade”.
Isto não significa que o Apocalipse não tenha alguma mensagem
para seus leitores atuais. Pelo contrário, a mensagem dele, como
qualquer outro livro da Bíblia é viva: é uma mensagem de esperança.
Onde o Espírito está presente, Jesus Cristo manifesta-se, é proclamado e
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exaltado. Com Jesus o exilado pode encarar o futuro. O que João ouve e
vê é a experiência de alguém muito consciente da realidade, não estando,
todavia, condicionado por ela.
Ao iniciar seu livro, o autor se autodenomina “irmão e companheiro
de vós”. O Apocalipse carrega uma mensagem de um irmão para outros
irmãos. O vínculo que tem entre irmãos deve ser um companheirismo
que transcende o emocional. É comunhão no sofrimento, na fé e na
esperança. Enquanto muitos se sentiriam honrados de ser considerados
irmãos dos crentes de Filadélfia, de outro lado se negariam a ter qualquer
vínculo com os cristãos de Laodicéia. O autor, contudo, declara-se irmão
dos bons e dos maus, dos santos e dos pecadores, dos renovados e dos
conservadores, dos legalistas e dos livres (ATIENCIA, 2004, p. 9 – 11).
Tenham esperança!

Parabéns! Quem chegou até aqui venceu mais uma importante
etapa.
FACEL

REFERÊNCIAS

A BÍBLIA SAGRADA. Português. Almeida Revisada e Atualizada no Brasil. São


Paulo: SBB, 1993.

ATIENCIA, J. Machado. Reflexões sobre o livro de apocalipse. São Paulo: ABU, 2004.

Bíblia On-Line – Módulo Avançado. Versão 3.00, 07 de Outubro de 2002.

BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Pentecostal. RC. Rio de Janeiro: CPAD, 2005.

BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Plenitude. RC. São Paulo: Sociedade Bíblica
do Brasil, 1995.

BOER, Martins de. A influência da apocalíptica judaica sobre as origens do


cristianismo: gênero, cosmovisão e movimento social. In: Estudos de Religião 19,
2000, p. 11-24.

BORTOLINI, José. Como ler o Apocalipse: resistir e denunciar. 8ª Edição. São


Paulo: Paulus, 2008.

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

CERESKO, Anthony R. A sabedoria no Antigo Testamento. São Paulo: Paulus, 2004.

CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol 1. São Paulo:


Hagnos, 2004.

______. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol 4. São Paulo: Hagnos, 2004.

______. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol 5. São Paulo: Hagnos, 2004.

______. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol 6. São Paulo: Hagnos,


2004.

COLLINS, John J. A imaginação apocalíptica: uma introdução à literatura


apocalíptica judaica. São Paulo: Paulus, 2010.

DAL´PUPO, Eli Carlos. A “pedagógica” de Henrique Dussel elementos


comparativos com Paulo Freire. Dissertação apresentado ao Programa de Pós-
graduação em Filosofia da PUC-SP, 126 f. São Paulo: PUC, 2005.

DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1997.

DOCKERY, D. S. Manual Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001.
GINGRICH, F.W. Léxico do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1993.

HALE, B. D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.

HENDRIKSEN, William. Mais que vencedores: os mistérios do Apocalipse


desvendados com profundidade e fidelidade. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.

KISTEMAKER, S. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

LADD, G. E. Apocalipse: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1982.

MESTERS, Carlos e OROFINO, Francisco. Apocalipse de São João: a teimosia da


fé dos pequenos. 2ª Edição. São Paulo: Vozes, 2008.

PATE, C. M. (org). O Apocalipse: quatro pontos de vista. São Paulo: Vida, 2003.

ROSSI, Luiz Alexandre Solano. A importância da realidade social para o fazer


teológico: Leitura de Jó. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 19, n. 1/2, p. 111-125,
jan./fev. 2009.

ROST, Leonard. Introdução aos livros apócrifos e pseudepígrafos do Antigo


Testamento e aos Manuscritos de Qumran. 2ª Ed. São Paulo: Paulinas, 1980.

SEVERA, Z. Manual de Teologia Sistemática. Curitiba: A.D. Santos, 1999.

SHREINER, Josef. Palavra e Mensagem do Antigo Testamento. 2ª Edição. São


Paulo: Teológica, 2004, p. 419-434.

SILVA, Severino Pedro da. Apocalipse versículo por versículo. 9ª Edição. Rio de
Janeiro: CPAD, 1997.

STOTT, John. Homens com uma mensagem. Campinas, SP: Cristã Unida, 1996.

TÜNNERMANN, Rudi. As reformas de Neemias: a construção de Jerusalém e


a reorganização de Judá no período persa. São Leopoldo; São Paulo: Sinodal;
Paulus, 2001. A Bíblia e sua história – o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri,
SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006.
APÊNDICE A - RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
UNIDADE 1

SEÇÃO 1
1. Porque a grande maioria dos apocalípticos faz parte dos livros considerados
apócrifos ou pseudepígrafos.
2. O Livro de Daniel é o único livro da Bíblia Hebraica que contem um exemplo
pleno de literatura apocalíptica (Dn 7-12).
3. Os dois conjuntos de textos se destacam são: os Oráculos Sibilinos, afetos mais
com as questões históricas; e os chamados “próprios apocalipses”, com tendências
mais para o lado místico do apocalipticismo.

SEÇÃO 2
1. Shreiner (2004, p. 422) expressa bem a diferença entre um autor profético e
um autor apocalíptico. O texto profético, expresso habitualmente em forma poética,
evidencia um orador que fala de forma clara, chamando “pelo nome as coisas, os
acontecimentos e as pessoas, porque querem ser entendidos em tudo pelos seus
ouvintes”. Enquanto que os textos apocalípticos, expressos habitualmente em forma
de prosa, narrados com uma linguagem enigmática para “esconder” o sentido das
palavras, dando preferência para parábolas, alegorias e símbolos.
2. Os principais impérios do período apocalíptico foram: babilônico, persa,
helênico e romano.
3. Ceresko (2004, p. 101) afirma que com a sequência da exploração persa pela dos
nobres ptolemaicos “[...] Os fazendeiros e pastores despossuídos agora trabalhavam a
terra como meeiros e diaristas”. Pessoas e famílias do mesmo grupo separadas pelos
diferentes estratos econômicos. Os valores e padrões éticos foram se esvaindo e os
valores materialistas tomaram cada vez mais força e as pessoas não podiam mais
compreender o mundo em que estavam inseridos, nem vislumbrar um futuro para
suas vidas.

SEÇÃO 3
1. Na destruição da cidade de Jerusalém, incluindo o templo.
2. Na segunda metade do primeiro século há uma proliferação de religiões e
cultos místicos e o Império Romano, preocupado com uma possível desintegração do
império, romaniza a religião popular e implementa o culto ao imperador.
3. O grupo dos fariseus e o grupo dos cristãos.
4. A águia representa o Império Romano, as doze asas, provavelmente, sejam os
imperadores de César a Domiciano, e as três cabeças Vespasiano, Tito e Domiciano.

SEÇÃO 4
1. A data provável da escrita do Apocalipse é 96 d.C.
2. A primeira chave de leitura denominada “Livro da Resistência” recebe esse
título porque a mensagem do Apocalipse serve para tornar as pessoas conscientes de
sua opressão e exploração, preparando-as para a resistência. Segundo Bortolini (2008,
p. 9), sem essa chave o livro de Apocalipse “se torna um livro estranho e alienado”.
3. A segunda chave de leitura denominada “Livro da Denúncia” recebe esse título
porque a mensagem apocalítica além de denunciar as injustiças sociais, incentiva o
leitor à resistência. “É isso que o livro de Apocalipse deseja ser: um livro de denúncia
profética que leva a resistir” (BORTOLINI, 2008, p. 9).
4. A terceira chave de leitura denominada “Livro da Celebração” recebe esse
título porque a mensagem do Apocalipse sugere uma leitura em comunidade: “ler,
escutar (assimilar e discernir), denunciar (profetizar) e praticar (resistir) juntos,
movidos pela vitória do Ressuscitado, celebrando desde já, nas pequenas conquistas”.
No Apocalipse são encontradas várias doxologias, partes de hinos e cânticos de vitória
que as comunidades primitivas entoavam em suas celebrações.

UNIDADE 2

SEÇÃO 1
1. Resposta Pessoal.
2. Assinale as alternativas corretas:
I – Quais são as principais correntes de interpretação do Apocalipse?
d ( X ) Todas as alternativas estão corretas
II – Interpreta o livro do Apocalipse com o foco nos acontecimentos futuros.
c (.....) Futurista
III – A escola preterista usa a hermenêutica:
d (.....) Literalista

SEÇÃO 2
1. Resposta Pessoal.
2. Assinale as alternativas corretas:
I – A principal característica da interpretação historicista é:
b ( X ) Encontrar cumprimento histórico para cada símbolo do Apocalipse
II – Quem entendeu que a Babilônia seria a Roma profana?
( X ) Joaquim de Fiore

SEÇÃO 3
1. Resposta Pessoal.
2. Assinale as alternativas corretas:
I – A escola idealista usa a hermenêutica alegórica desde:
c ( X ) Clemente e Orígenes de Alexandria
II – A ênfase da escola idealista recai sobre:
c ( X ) O contraste entre Cristo e Satanás junto com seus seguidores
III – Amilenista diz respeito à:
c ( X ) Leitura não literal dos mil anos descritos no Apocalipse

SEÇÃO 4
1. Resposta Pessoal.
2. Assinale as alternativas corretas:
I – Os dispensacionalistas afirmam que:
d ( X ) A Igreja não passará pela grande tribulação
II – O conceito de dispensação surgiu no palco da discussão apocalíptica:
c ( X ) Somente no século XX por intermédio de Cyrus I, Scofield
III – Os dispensacionalistas clássicos:
d ( X ) Todas as alternativas estão corretas
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