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REA 2019 GT 67: Juventudes diversas y desiguales: debates etnográficos sobre

desigualdades, prácticas culturales y poder

Juventude Indígena: a perspectiva de diferentes gerações Pankararu sobre um novo


sujeito no território.

Me chamo Flávia Guimarães, atualmente moro em São Paulo e vou falar um pouco
nessa comunicação sobre a minha pesquisa no mestrado em Antropologia na
Universidade Federal de Pernambuco em 2018 onde busquei apreender as perspectivas
de diferentes gerações Pankararu sobre juventude.

Bom, Pankararu é um grupo indígena do sertão pernambucano, são cerca de 12 mil


índios em dois territórios localizados a 400 quilômetros da capital do estado. A maioria
da população, segundo o censo realizado em 2010 é de jovens e adultos. Sua aldeia mais
populosa chama Brejo dos Padres, onde fiz minha pesquisa. Também é a aldeia com
maior oferta de serviços. Há outras 24 aldeias nos dois territórios.

Comecei a pesquisar juventude Pankararu em 2014, na minha graduação em Ciências


Sociais também na UFPE. Nesse momento não havia muitas bibliografias sobre
juventude indígena no Brasil. Na monografia estudei os movimentos de juventude nos
territórios Pankararu, movimentos esses que surgiram nos anos 2000 reivindicando
entre outras coisas, o acesso ao ensino superior. Dei continuidade a minha pesquisa
sobre juventude Pankararu no mestrado, onde pude ver as mudanças no sentido de “ser
jovem” ao longo do tempo para indígenas de diferentes gerações.

O que não é uma tarefa fácil, pois não é simples definir o que é juventude. Precisei
nesse momento refletir sobre a minha juventude, ou em que fase da vida eu estava e por
que. Acho que foi rico para mim e para o meu trabalho pensar um pouco sobre isso,
sobre o que me afastava e aproximava do meu campo. Pensar sobre minha subjetividade
e o espaço dela em meu trabalho ora me aproximou do universo de significação dos
jovens Pankararu, ora me afastou.

Em 2014 eu já tinha investigado a relevância dessa categoria, agora eu buscava pensar


juventude a partir de pessoas que viveram essa fase de suas vidas em outros contextos
históricos (adultos e velhos) e também ver como os sentidos se aproximam ou se
afastam do que os jovens hoje entendem como juventude. Para isso, era preciso partir de
categorias que essas pessoas me traziam ao se referir à juventude. No início da minha
pesquisa em 2014 percebi que juventude era um ator social com forte atuação no
território. Os momentos que pude acompanhar junto aos jovens variavam de festas,
rituais a encontros com lideranças e seminários onde discutiam demandas indígenas e
também inseriam demandas juvenis.

O que percebi e isso é o que pretendo explorar nessa comunicação é que não é que não
houvesse jovens ou juventude no território, mas não é a mesma juventude, como cita
uma interlocutora adulta. Então quais seriam as nuances dessa juventude de hoje? “É
uma juventude que conversa sobre questões sociais”, me disse uma interlocutora. Então,
eu quis saber como e quando juventude indígena nos territórios Pankararu emergiu
como um novo “sujeito de direitos” ou talvez como um “sujeito autor” (termo cravado
por Assis, 2017).

Nesse sentido, não só em Pankararu, mas em outros povos indígenas no Brasil os


jovens, no início do século XXI, emergiram e se articularam coletivamente ao redor de
pautas que envolviam direitos, políticas e formas de vivências específicas a partir da
vinculação entre "povos indígenas" e "juventude".

Na dissertação eu busquei apreender uma ou várias noções de juventude da nossa


disciplina que me ajudasse a compreender a juventude que encontrei em campo. Uma
falta sentida foi analisar essa categoria também a partir da etnicidade, o que me trouxe a
refletir sobre o sentido da palavra “guerreiro”. O que é ser jovem Pankararu? Quando eu
perguntava, me diziam: é ser guerreiro Pankararu.
Logo percebi que a expressão guerreiro é usada por todos do grupo para falar de sua
identidade étnica e do que significa ser indígena. As questões de luta pela terra, o
reconhecimento de sua etnicidade, a conquista de direitos, a necessidade de estar em
movimento, seja trabalhando ou estudando, a narrativa sobre atos violentos no território
(ATHIAS, 2005, p.135), entre outros, são ferramentas para entendermos o significado
de ser guerreiro para o grupo. Mas essa percepção também mudou ao longo dos anos.
Ao longo de pelo menos sessenta anos, as percepções de juventude entre os
interlocutores da pesquisa variou, principalmente entre as novas e velhas gerações. Há
muitos elementos que origina situações de conflitos entre elas. A autoridade dos mais
velhos em Pankararu não é a mesma, assim como a solidariedade entre as gerações
também não.

Por exemplo, os mais velhos atribuem muito sofrimento a ESSE MOMENTO DE


SUAS VIDAS. E vêem hoje em dia os jovens tendo uma vida mais amena. Os mais
jovens contestam, pois “não é bem assim”. Vimos que, nos discursos dos mais velhos, a
contagem dos anos vividos importa quando falam sobre sua juventude, porque implica
em mudanças físicas que possibilitaram as essas pessoas começar a trabalhar, o que
caracterizam como marcante em sua juventude e de certa forma uma transição entre a
infância e juventude. Pois as vezes começavam a trabalhar muito novos, aos onze anos
por exemplo as meninas cuidavam da casa ou trabalhavam em casas de família nas
cidades próximas. Ou já iam ao roçado. De todo modo, cita serem trabalhos árduos,
com pouca remuneração (que seus pais recebiam), cansativos, sem tempo para o estudo.
Relatam que viviam uma luta diferente das gerações mais novas, pois a luta era por
sobrevivência. Lutar confere a eles um atributo de guerreiros que citam como
característica do grupo. Nesse sentido, ser guerreiro incluía também uma dimensão
coletiva na forma como sobreviviam, pois eram mais solidários uns com outros, como
falou Maria Binga, "onde um índio tinha comida, o outro não passava fome". Ao
mesmo tempo a relação com o território foi modificada, o tempo livre, ter tempo livre, e
a forma como escolhiam passar esse tempo livre também. As atividades de lazer, a
relação uns com os outros, a circulação no território são questões que vimos mudar ao
longo dos anos.
Então, quais as diferenças entre juventude segundo as gerações Pankararu?
Elas reconhecem que os jovens estão mais organizados e que se organizarem é uma coisa boa,
que lutarem pelo que acreditam é bom. Em seus encontros, que geralmente era em grupos
de jovens da igreja, não discutiam questões sociais, como citamos acima.
O fortalecimento de juventude tem relação com os vários processos econômicos,
políticos e educacionais ocorridos nas aldeias. Os indígenas que cresceram observando e
participando das mudanças ocorridas em seu território experimentam outras
possibilidades de juventude, com maior circulação, possibilidades, trocas e
experimentações em sua vida cotidiana. Essas questões são importantes para pensarmos
em quem são os jovens, e o que significa pensar neles como sujeitos de sua história.
A juventude “organizada” e o surgimento de um novo sujeito:
- Os jovens se colocam em uma posição de poder, direitos e relações [DURHAM,
2011],
- Ef também agregam novos agentes, estratégias, formas de mobilização, e conteúdos de
reivindicação aos espectros previamente estruturados dos movimentos e organizações
indígenas [OLIVEIRA, 2017])
. Se fortaleceu também a partir dos movimentos de juventude Pankararu nos anos 2000:
- Um jovem me contou que após a mobilização dos jovens, as lideranças passaram a
sentir "medo" da juventude, porque os jovens agora participam das reuniões, dão
sugestões, contestam decisões, estão presentes em espaços que antes não podiam estar e
com isso sua presença pode ser desejada ou não nesses momentos. O surgimento de
movimentos de juventude não foi algo que aconteceu apenas em Pankararu a partir dos
anos 2000 no estado de Pernambuco. Em outros povos, como em Truká1, Xukuru2,
Kapinawá3, entre outros, os jovens criaram grupos de juventude e fortaleceram a
juventude em seus territórios.

Ao longo da pesquisa de mestrado e dos discursos dos interlocutores duas questões


emergiram como importante para pensarmos sobre juventude Pankararu: a escola
indígena e também o uso de internet pelos jovens.

Sobre a escola Pankararu:

Chega em 1940 com o SPI. Hoje em Pernambuco ela é estadualizada e tem a


interculturalidade como alguns dos eixos norteadores da educação.

Em Brejo dos Padres, aldeia em que fiz minha pesquisa e que é a maior aldeia
Pankararu, assim como a que tem maior oferta de serviços (importante, pois devemos
pensar em Pankararu como Pankararu’s), a escola representa uma mudança
significativa na sua reprodução social, e que deve caminhar lado a lado de suas

1
OJIT - Organização dos Jovens Indígenas Truka.
2
Poyá Limolaygo.
3
OJIKA - Organização Jovem Indígena Kapinawá.
tradições. Mas não é qualquer escola. Para os povos indígenas, a escola é um
instrumento de luta e formação política através de uma "educação diferenciada", que
pretende promover um método de ensino baseado nos universos socioculturais de cada
etnia (FURTADO, 2013). A escola nesse sentido também é um local de transmissão dos
valores que norteiam as condutas do grupo. As noções de movimento, coletivo,
solidariedade, são reforçadas pela educação, que é um ponto de partida para a ação. É
uma instituição política, inserida e articulada em outras dimensões da vida social nas
aldeias indígenas
Percebi no estudo que a valorização do estudo implica em novas percepções sobre
trabalho para as gerações. Insere aos olhos dos mais velhos uma dimensão de escolha
no que se quer trabalhar, algo que eles não podiam fazer. Mas também, a valorização
do estudo implica na possibilidade dos profissionais indígenas e acadêmicos indígenas
de serem cada vez mais sujeitos de seu processo formativo, tendo em vista as
possibilidades para eles se abrem na ocupação de atuais e novos postos de trabalho não
só em suas comunidades, mas em esferas municipais, estaduais e federais (AMARAL,
RODRIGUES e BILAR, 2014). Os jovens, através da educação, têm possibilidades de
construir, reconhecer e dar visibilidades a novas lógicas de gestão das políticas públicas,
Sobre Internet: (energia 1980)

- Instrumento de mobilização que tem lados positivos e negativos. Também causa


conflitos entre gerações diferentes.
- O uso de tecnologias como celular, tablets, computadores, para acesso a internet é
muito corriqueiro pelos jovens, e em menor escala pelos adultos. As comunidades
indígenas têm usado a internet para ampliar suas formas de obter informação, exercendo
impactos nas suas culturas, ao permitir a difusão, recuperação e criação de novos
conteúdos (PINTO, 2010, p.30).
- Em Pankararu, os indígenas acessam a internet através de antenas colocadas no
telhado de suas casas e que captam o sinal via satélite. Para ter uma das antenas é
preciso comprá-las nas cidades próximas que contam com pelo menos três opções de
servidores que mensalmente cobram uma taxa das pessoas que contratam seus serviços.
É um bem de consumo, pois poucas famílias podem ter uma antena, devido ao seu
preço, e pagar a mensalidade. As que têm esse bem de consumo em suas casas
geralmente doam suas senhas de acesso a rede a seus amigos e familiares e acaba que
muitas pessoas de diferentes gerações conseguem se conectar a sites como Youtube,
Facebook, Instagram e programas de bate papo como Whatsapp, sendo Facebook e
Whatsapp os mais utilizados. A internet é o principal meio de comunicação dos
Pankararu com pessoas fora da aldeia, pois em pouquíssimos lugares no Brejo há sinal
de operadora de telefone celular.
- O acesso a internet é recente, a partir dos anos 2000. Aguilar Pinto (2010), em sua
pesquisa sobre as práticas informacionais e de inclusão digital entre os Pankararu,
reforça que os jovens "ouviram falar" em internet a partir dos anos 2000, nas escolas
fora da área indígena e também pela televisão.
- Na pesquisa vimos que as novas gerações a usar a internet muito "novos". E que isso
tem ressignificado a relação dessa geração com o espaço e práticas sagradas. E também
com as pessoas, visto que ficam mais em casa fazendo uso de vídeo game e celular. Mas
os mais velhos também fazem uso. Para os adultos que usam a internet, a questão é
"saber como usar" ou "usar para o conhecimento". Então, há formas corretas de uso,
como conversar com parentes que moram longe ou saber mais da história Pankararu
através de pesquisas e textos que acessam na internet. Também se informar sobre seus
direitos e legislação dos povos indígenas. Uma mulher nos conta: "é preciso se
informar, saber das PECs4, do que querem fazer com os índios". Como nos conta Elisa
Pankararu:
Flávia: Você faz uso de tecnologia?
Elisa: Faço (risos). É uma faca de dois gumes, ne. De uma só
vez eu faço uma reunião aqui, ne (apontando pro celular). Sem
sair de casa eu articulo. Eu to articulando a participação de
pessoa, do indígena do estado de Pernambuco na conferência de
igualdade racial. Eu to fazendo aqui, ne. Já confirmei alguns,
daqui pra amanhã eu confirmo os demais. Então eu uso. Mas
uma tecnologia a favor. Feito a escola, ne. Então se faz
necessário refletir e desconstruir certas coisas e usar a tecnologia
a favor. Mas tem que saber, ne. Em que ponto ela ajuda, em que
ponto ela atrapalha. Isso é fundamental, não pode deixar passar
despercebido qual é o lado ruim e o lado bom (Elisa Pankararu,
45 anos).
Bom, então busquei trazer nessa comunicação uma contribuição para pensarmos sobre
juventude através da minha pesquisa junto aos Pankararu. Espero que pensar juventude
através de suas especificidades, como a etnicidade, e o que significa e como
apreendemos a etnicidade, traga contribuições para nossa disciplina.

4
Propostas de Emenda Constitucional que buscam, em sua maioria, retirar direitos conquistados das
populações indígenas. Na maioria dos casos, são propostas feitas pela chamada "bancada ruralista" da
câmara dos deputados e senado.

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