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URDUME
Mulheres que Tecem Pernambuco:
cultura, trabalho e sobrevivência
Clara Nogueira
S E LO
URDUME
O CADERNO
Urdume
é um programa do Instituto Urdume,
que tem por objetivo partilhar, com
aqueles que nos acompanham, ensaios,
esboços e referências de pesquisas que
temos realizado e têm nos acompanhado
nos últimos dois anos.
Boa leitura!
Sobre a autora
Clara Nogueira é arquiteta e urbanista (2014); bordadeira; tecelã e crocheteira nos
desvios; Mestra em Artes Visuais pelo Programa de Pós-graduação em Artes Visuais
PPGAV — UFPE/UFPB (2019). Doutoranda no programa de pós-graduação em
Desenvolvimento Urbano MDU/UFPE. Professora na Graduação de Arquitetura e
Urbanismo da Unibra. Idealizadora e coordenadora da pesquisa cultural “Mulheres
que Tecem Pernambuco” aprovada em três editais do Funcultura da Fundação do
Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco. Desenvolve estudos e pesquisas que
tratam de questões de gênero, têxtil e território, patrimônio, intervenções urbanas e
instalações efêmeras. Tem o projeto artístico pessoal “Linhas de Fuga” plataforma de
divulgação de seus trabalhos têxteis. Mãe de José e Pilar.
O
projeto “Mulheres que Tecem Pernambuco”1 é uma pes-
quisa cultural que consiste no mapeamento afetivo das
mulheres que trabalham com materiais têxteis no estado,
com a intenção de dar visibilidade ao protagonismo des-
sas mulheres2. Esse projeto foi gestado ainda em 2014, quando as costuras
da vida me fizeram olhar com mais intimidade para a questão do papel
social da mulher e para os problemas trazidos pela invisibilidade que sofrem
as mulheres que manipulam os têxteis3 e fazem desse processo sua cultura,
seu trabalho e sobrevivência.
1 O resultado desta pesquisa está disponível no site www.mulheresquetecempe.com.br, onde há as narrativas de vida de
cada mulher, textos sobre as tipologias artesanais têxteis e as cidades, vídeos e fotografias.
2 Nas especificidades têxteis estudadas na pesquisa, a mulher exerce o protagonismo das práticas culturais. É delas que
depende a criação, manutenção e repasse desses conhecimentos manuais. Por isso o recorte temático da pesquisa. Não
queremos concluir que homens não façam, mas expressar que, nas cidades em que fomos, a maioria das pessoas que
exercem o fazer têxtil manual são mulheres.
3 Para entender mais profundamente sobre relações de gênero e têxtil indico a leitura do 2° capítulo de minha disser-
tação de mestrado: “Por um fio: a resistência e devires nos trabalhos de Cristina Carvalho”. Disponível em: https://
repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/19657?locale=pt_BR. Ou o artigo de Ana Paula Simioni
“Bordado e transgressão: questões de gênero na arte de Rosana Paulino e Rosana Palazyan” (2010). Disponível em:
https://repositorio.usp.br/item/002184146.
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da Renascença, mas, D. Odete, rendeira, 2017. Foto Laís Domingues
Portanto, “Quem são essas mulheres?” foi a primeira pergunta que con-
duziu esta pesquisa. Levando em conta minha formação em arquitetura e
urbanismo, passei a mapear as cidades de Pernambuco reconhecidas pela
produção de artesanato têxtil, me levando a uma segunda pergunta: “Onde
estas mulheres estão”?
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Desta forma, a pesquisa se formatou a partir do entrelaçamento entre ar-
tesanato e cidade, levando-se em conta o reconhecimento público de cada
região, como: Lagoa do Carro “Capital do Tapete” (Lei n° 15.727/2016);
Poção “Capital da Renda Renascença” (Lei n° 14.365/2011); Tacaratu
“Capital do Artesanato de Redes e Mantas” (Lei 14.367/ 2011); e Maca-
parana — Capital Estadual do Crochê — Lei 5. 279/2014 e Passira, co-
nhecida como a terra do bordado manual. Como afirma o sociólogo Henry
Lefebvre “a cidade tem uma história; ela é obra de uma história, isto é, de
pessoas e de grupos bem determinados que realizam essa obra nas condi-
ções históricas” (2001, p. 47).
6
A realização
6 Para entender a restrição da identidade dessas mulheres, ler, neste mesmo texto, a seção “Nas entrelinhas, muitos nós.
Mulheres que tecem, mulheres que plantam e o anonimato sistêmico”.
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Desde a primeira edição, portanto, conversamos com mulheres que fazem
artesanato ou que já o fizeram no passado, que têm esse ofício como ativi-
dade principal ou complementar à sua renda, ou que utilizam das práticas
têxteis em seu cotidiano sem objetivo comercial. Não era obrigatório cadas-
tro ou documentos que as vinculasse à profissão de artesã. Nosso objetivo
era refletir e descrever o papel e importância dessas mulheres no reconheci-
mento econômico e cultural dessas cidades, a partir da visão delas. Por isso,
como metodologia, escolhemos a História Oral e a Cartografia Afetiva.
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nutenção da Associação até os dias de hoje. Porém, também tivemos que
editar a participação de algumas dessas mulheres na pesquisa cultural por
serem também agricultoras. Conversamos com mulheres que fizeram par-
te diretamente dessa história, como Teresinha Lira, que trabalhava numa
fábrica de tapetes em Camaragibe, Região Metropolitana do Recife, e foi
a Lagoa do Carro procurando mão-de-obra para produzir os tapetes e tor-
nou este o fazer de centenas de mulheres e o sustento de muitas famílias.
Aí eu me sinto, assim, confortável. Pra mim foi muito bom, sabe? Aí quando eu tô muito
revoltada, eu falo assim: “eu fiz uma cidade e ela não me fez”, que isso aí eu
sei que eu fiz. (Teresinha Lira, tapeceira, mora em Carpina, 2017)
10
Camaragibe depois que ela parou. Porque quando ela parou eu ainda fiquei com uma peça
dela em casa fazendo. Aí, desse que eu fiquei fazendo, já peguei, o outro já foi diretamente,
veio pra mim no meu nome, entendeu? (Léia, tapeceira de Lagoa do Carro, 2017)
11
Em Lagoa do Carro as tapeceiras sofrem com a sazonalidade das vendas
dos produtos. Além disso, o número de membros da Associação, que elas
mantêm sozinhas, vem diminuindo, movimento contrário ao esforço para
continuar produzindo.
Falamos com mulheres que fazem etapas distintas do tapete, como T., que
desenha, e nos explicou seu processo criativo para confeccionar seus tape-
tes: Você tem que parar pra estudar o colorido. Tem que ser tom sobre tom. Se você desenha
com verde você tem que botar o enchimento verde, não vai botar preto, né? Quando não
gosto da cor, eu tiro. Corto todinho e boto outra. Tem que estudar, filha, estudar colorido
é que é ela, tá pensando que todo mundo… “eu faço tapete!” vamo ver como?! Aqui todo
mundo repete um desenho, é bom, mas eu gosto de inventar coisa diferente. (T., tapeceira
de Lagoa do Carro, 2017)
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As mulheres com Agulha de Neném, tapeceira de Lagoa do Carro, 2017. Foto Laís Domingues
quem conversamos
mostraram, cada
uma à sua manei-
ra, sua ligação com
o fazer. Muitas
estão parando de
fazer ou fazem so-
mente por deman-
das específicas,
para participar de
feiras ou de even-
tuais encomendas.
Muitas não podem
se manter produ-
zindo, ou mesmo associadas, por não terem condições financeiras. Eu amo
fazer tapete. Foi minha vida todinha fazendo tapete, mas vou voltar a fazer, eu tava di-
zendo às meninas: vou voltar a fazer porque agora na feira mesmo não vendi quase nada,
porque eu fiquei quatro anos sem fazer, né? são peças de antigamente. O que eu fiz foi
cem pesinhos, mas mesmo assim eu não tava em condições de comprar um stand com as
meninas.(L. tapeceira de Lagoa do Carro)
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Poção — A renda da Renda Renascença
Mas, em 2017, quando estivemos com as artesãs, o cenário era muito di-
ferente. Falamos com J., que faz algumas peças, sem vínculo empregatício
para as fábricas que têm na cidade. J. nos contou sobre essa relação e a pre-
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cariedade do trabalho: Ah, minha filha, se fosse só da renda já tinha batido as bota.
Você vê o que sobra. Dentro de uma semana, se você não fazer força, não trabalhar mais,
só vai ganhar aquilo mesmo que você fez a conta. E, aí, dá pra fazer o quê? (J., rendeira
de Poção, 2017)
D. Genelícia, rendeira de Poção, 2017. Foto Laís-Domingues
Há em Poção, as-
sim como em todas
as cidades visitadas
nas edições do pro-
jeto, a ligação en-
tre o fazer têxtil e a
agricultura. D. Ge-
nelícia planta e faz
renda, essa a cultu-
ra dela e de mui-
tas. Fazem renda,
plantam e colhem.
Essas falas quase
que se repetem em
mulheres comple-
tamente diferentes uma da outra. Milho, feijão, mamona, nessa vida, e de
noite era na renascença, candeeiro em cima de um frando assim, que era
pavio nesse tempo tava ali pra trabalhar, pra sobreviver. (D. Genelícia, ren-
deira de Poção, 2017)
Aí pronto a gente só viveu da roça, mesmo depois que eu cresci, com seis anos eu comecei
fazer renda e eu tô com sessenta e sete e ainda tô fazendo hoje, e se Deus quiser vou tra-
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balhar até… se Deus me der oitenta/ noventa anos eu ainda tô na renda se Deus quiser.
(Maria de Odon, rendeira de Poção, 2017)
Eu aprendi (renascença) assim que eu cheguei aqui. Tinha nove anos. Com mãe. Ela que
me ensinou. É “dois amarrado”. A primeira coisa que eu aprendi. E “sianinha de laço”.
(Carla, rendeira de Poção, 2017)
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tas, e essa produção é o meio de vida de 85% da população de Caraibeiras,
como confirmado no Projeto de Lei Ordinária n° 193/2011 de autoria do
Deputado Aluísio Lessa, que justifica o título estadual.
8 Um exemplo de história oficial que tenta dar unidade e totalidade indicando a primeira rede tecida. Durante a
pesquisa ficou explícita na fala das mulheres que o exercício na região era majoritariamente feminino, e não houve
consenso quem teria feito a primeira rede.
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Em Tacaratu, a maioria das mulheres com quem conversamos não quis
mostrar o rosto nem serem identificadas. Foi a cidade onde mais percebe-
mos o medo das mulheres de se dizerem tecelãs, fazedoras de redes, artesãs,
porque eram também agricultoras. Assim, porque a gente tece, mulher, e trabalha
na roça, mas é um serviço muito pesado. A gente fica assim abaixada apanhando feijão até
dez, onze horas no máximo que nóis sai da roça. Aí, é do mesmo jeito de tecer uma rede,
fica o dia todinho pra lá e pra cá, aí tem o cadil tem o prefilo e fazer o cordão, que a gente
faz de acolá até a casa da minha tia aqui embaixo. Aí é subindo e descendo, subindo e
descendo um fica lá em cima acochando o cordão, meu marido fica lá e eu fico cá, aí ela
ele cocha, cocha, cocha, quando tá acochadinho tem que juntar três pernas. A gente vai
e junta quando ajunta é que forma o cordão, pra empunhar a rede. Aí, se eu arrumasse
outro emprego melhor bem que era bom, nera? (L., tecelã do Sítio Olho D’água do
Bruno, Tacaratu)
Rudivânia, tecelã, Tacaratu, 2017. Foto Laís Domingues
Nessa cidade foi onde vimos
também a questão da pro-
dução manual estar sendo
substituída por máquinas
(no caso do pano da rede). O
processo era todo manual,
até mesmo o tingimento do
algodão. Era só o fio branco
que comprava, aí comprava
uns quilo de tinta e a gente
ia fazer aquelas meada, pra
poder tingir os fio. Aí a gen-
te batia primeiro, molhava,
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deixava de um dia pra outro pra poder pegar aquela água, molhar bem o
fio, que é difícil de molhar o algodão. Aí a gente ficava batendo numa pe-
dra, carregava água, depois batia numa pedra, pra poder botar fogo no ar-
guidá bem grandão, aí botava fogo, lenha, pra poder, quando tava fervendo,
a gente jogava tinta e jogava meada dentro pra poder a tinta pegar bem. É,
era difícil que só. Hoje em dia, não. Hoje em dia é mais fácil porque já vem
a cor que você quer, você vai no armazém e compra. (Rudivânia, tecelã do
Sítio Olho D’água do Bruno, Tacaratu)
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res da casa, a agricultura (alguns só vão nos Sítios nos fins de semana) e a
tecelagem: Eu acordo cinco horas, primeiro faço um café, depois vou escovar os dente e
tudo, depois venho trabalhar. Depois quando der umas nove horas eu largo, vou cuidar da
comida, vou lavar os pratos e volto pra cá. Aí, daqui eu só paro umas cinco hora, é o dia
todinho trabalhando. É uma luta pra trabalhar. A pessoa vê uma rede assim ó, pensa que
não dá trabalho. Uma rede por trinta reais… inté de vinte e oito eu vendo. (C., tecelã
de Caraibeiras, Tacaratu)
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O título que a cidade tem, segundo alguns moradores, foi pleiteado pelo
candidato da oposição, que não estava na gestão durante a nossa estadia na
cidade. Algumas artesãs relataram que a placa que recepcionava os visitan-
tes da cidade com o nome “Capital Estadual do Crochê” havia sido retirada
nessa transição. Percebemos também que, ao visitar o Museu Municipal
Moura Cavalcanti, onde detalham a história da cidade, não havia nenhuma
menção ao artesanato feito pelas crocheteiras. É válido ressaltar, inclusive,
que alguns moradores não sabiam desse título que a cidade possui. “A terra
dos engenhos”, como é conhecida Macaparana, se entrelaça nas falas das
mulheres: Bom, quando eu morava na Usina, por conta do açúcar,
dos sacos de açúcar, minha mãe já dizia que eu já pegava, puxava
o fio do saco de açúcar e com os dedos eu já começava entrelaçar.
E quando a gente veio morar aqui, a gente tinha uma vizinha que fazia crochê, aí eu me
interessei. Aí minha mãe pegou e comprou uma agulha de crochê, e eu com sete anos de
idade já comecei a fazer umas peças. (D. Elza, crocheteira, Macaparana, 2019)
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Macaparana — Dedé e Germana Foto Laura Melo_edited
com D. Dedé e Germana,
sua filha, duas mulheres
que desde cedo aprende-
ram a fazer crochê. Em
Macaparana, aí eu ficava brin-
cando de noite e as meninas
sempre fazendo croché, né? E
eu apanhava capim novo, desde
moça, pro gado, mas à noite eu
ficava brincando. Aí à noite eu
comecei a fazer croché. Fiz um
xale, meu primeiro trabalho foi
um xale. Nem tinha energia,
fazia no candeeiro, não tinha
energia minha casa. (D. Dedé,
crocheteira de Macapara-
na, 2019)
9 Ver texto de Clarissa Machado sobre o crochê de Macaparana. Disponível em: http://mulheresquetecempe.
com.br/arte/croche/
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prefiro que ela vá cuidar da casa, arrumar uma coisa. E ela também estuda, aí eu tenho
medo, pra ela não prejudicar o estudo dela. (Germana, crocheteira de Macapara-
na, 2019)
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O crochê ajuda na renda das mulheres que se desdobram para criar seus
filhos, seus afazeres e o seu crochê: Encomenda pra entregar e menino pra cuidar.
Não é brincadeira, não. A gente fica sem saber o que faz primeiro. E, assim… penso em
trabalhar fora e penso em deixar, porque mãe, né? Dá vontade de “vou embora trabalhar
em Recife”, mas penso “quem vai cuidar dessas minhas bênçãos? (Rosiane, crochetei-
ra, Macaparana, 2019)
Em Passira, por sua vez, percebemos, através das narrativas das artesãs,
que há mais ações do município no sentido de sustentar a manutenção das
práticas e das vendas, mas mesmo assim, de modo insuficiente. Desde 1986,
acontece a Feira de Bordado Manual de Passira, que hoje não é só o borda-
do manual que é vendido, e sim bordados de máquina e outros produtos. As
ações são instáveis e dependem da gestão municipal. O bordado de máqui-
na é vendido em quase todas as lojinhas de artesanato na cidade. Porque ele
é feito à mão, e tem outros bordados que o povo faz por aí que é feito à máquina e é muito
diferente. A máquina é muito diferente da mão, né? Na mão você vê uma rosa perfeita, e na
máquina fica bem diferente, não fica do tamanho certo, faltando medida, faltando alguma
coisa. (Viviane, trabalha na AMAP-Passira, 2020)
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da cidade em que se manifesta sua ligação com o bordado. Há, no centro,
inúmeras lojas de bordados, e de artigos para bordar.
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a gente bordava. Aí eu conquistei minha independência a partir disso. (Maria da Paz,
bordadeira de Passira, 2020)
10 Ler o texto de Lucyana Azevedo sobre o Bordado Manual de Passira. Disponível em http://mulheresquete-
cempe.com.br/arte/bordado/
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foi feita em numa gestão de Edelson [prefeito de Passira à época], mas foi, assim, coisa
de prefeitura, aí, enquanto o prefeito estava, o negócio ia fluindo, depois que o prefeito
saiu as pessoas não ligaram, aí destruíram material, acabaram com tudo… (D. Lúcia,
bordadeira, Passira, 2020)
Ser mulher tem que ser forte e ser guerreira. Pra chegar onde a gente quer, tem que ser forte!
Me sinto forte. E as mulheres guerreiras que eu conheço também, muitas. (Luciene,
engomadeira de bordado, Passira)
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Nas entrelinhas, muitos nós Mulheres que tecem, mulheres que
plantam e o anonimato sistêmico
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“Mulheres que Tecem Pernambuco” para não ter em seu chamado o vín-
culo com o trabalho artesanal das mulheres.
Elas são agricultoras, nascidas e criadas na roça, e por sofrerem com a seca,
com o clima, buscam, naturalmente, outros meios de sobreviver. Elas não
são artesãs de carteira, como falam, são fazedoras de cultura, plantam, te-
cem e bordam com o mesmo afinco. Param de plantar no sol a pino e vão
tecer, como parte da vida; elas reinventam maneiras de sobreviver e en-
chem de sentidos o fazer das práticas têxteis. Mas, caso estejam de algum
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modo ligadas a outra profissão ou fonte de renda, perdem automaticamente
o direito ao benefício como agricultoras, pois a sensibilidade do Governo
não é do mesmo material maleável que a dessas mulheres. É preferível,
para o Governo, negar a elas um direito adquirido com trabalho duro do
que admitir sua condição de fragilidade, que as força a buscar alternativas
de sobrevivência em tempos de seca ou de entressafras. Além de sofrer as
pressões de um sistema capitalista que as mantém na base de uma cadeia
produtiva, as mulheres teriam que contribuir para a Previdência, pois as ar-
tesãs não têm a profissão reconhecida ainda em carteira – contribuem para
a aposentadoria enquanto autônomas.
“Eu dei entrada e eles negaro, aí eles falaram que eu só me aposentava se eu tirasse a
do meu marido, a pensão que eu recebo. Ele trabalhava de guarda, mulher, no banco, de
vigilante. Aí pronto, mas pra tirar a dele eu disse mermo ao adevogado: ‘quero não, dexe,
se eu não tenho direito a minha pa mexer na dele, pa ficar a mesma coisa dexe eu sem me
aposentar mesmo. Nasci e me criei na roça... é assim mesmo’”. (M., que não conse-
guiu se aposentar porque fazia também o trabalho artesanal)
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Mulheres que tecem cidades e a ausência políticas públicas
Nessas atuações simbólicas, o cenário das mulheres bordando nas ruas era
uma realidade frequente nas cidades de Lagoa do Carro, Passira e Poção.
Em Macaparana, algumas ruas ainda são conhecidas por existirem mulhe-
res crochetando na calçada. Em Caraibeiras, o distrito tem o som dos teares
elétricos, que só cessam durante a noite. Mas podemos ver em todas as ruas
e casas as redes de dormir sendo feitas. Essa ligação entre as práticas têxteis
e a cidade não se limita aos títulos, obviamente. Há uma relação entre os
lugares e a confecção das peças. Durante essa pesquisa cultural, através dos
depoimentos das artesãs percebemos que haveria necessidade de uma pes-
quisa que retratasse justamente essas tramas, em que pudéssemos entender
mais especificamente relações entre o saber e o território, entre as artesãs
e os seus lugares. Mesmo que essas cidades detenham estes títulos, não há
políticas públicas que salvaguardem nem seus saberes nem seus lugares de
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maneira efetiva. Vale dizer que, hoje, em todas elas, há um desinteresse
alarmante por parte das mais jovens em manter essas práticas manuais, ou
essas práticas estão sendo substituídas pelas fábricas, e o “reconhecimento”
através dos títulos parece não ajudar na mudança deste estado das coisas.
Acreditamos que o poder público insere essas cidades numa lógica capi-
talista, quando as “tematizam”11, pois há muitos tipos de “ativações patri-
moniais” (ZANIRATO, 2018), e o que parece que vem sendo feito, sem
nenhuma abordagem metodológica pelo poder público, é a valoração “pro-
dutivista ou mercantilista” (ZANIRATO, 2018 apud CANCLINI, 1997;
PEREIRO, 2003) das práticas, por transformarem o possível patrimônio
cultural em mercadoria. O produto tem mais valor do que o processo de
produção, as relações sociais que o conformam.
11 Sobre a Tematização de Cidades ler “O turismo e a tematização das cidades” em “Arquitetura e Política de Josep
Maria Montaner e Zaida Muxí.
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A confecção de tipologias artesanais feitas pelas mulheres está em oposição
à dinâmica do capitalismo e por isso são vítimas deste. Seus trabalhos são
feitos, no geral, por autônomos, sem vínculo empregatício nas fábricas (que
pagam informalmente às rendeiras para bordar algumas peças), no caso de
Poção12, ou seus trabalhos manuais competem com as fábricas locais, como
no caso de Caraibeiras13. “O recente interesse dos governos, ONGs e insti-
tuições internacionais no fomento do artesanato ocorre junto com a emer-
gência de uma nova estética do artesanal, onde são admitidas (e premiadas)
a criatividade e a inovação, e já não mais (exclusivamente) o respeito a pa-
drões estéticos e a reprodução de técnicas tradicionais14”.
14 Clara Lourido em O Artesanato No Capitalismo Avançado: Da tradição ao desemprego estrutural, do turismo à decoração.
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Nossa intenção enquanto pesquisa é subsidiar, com seu conteúdo, o plane-
jamento de políticas culturais, que contribuam para alterar a realidade de
opressão econômica em que vivem as mulheres, pois, “sem o conhecimento
sobre as condições de produção, circulação, difusão, fruição e acesso aos
bens culturais no território nacional, não há como propor políticas públicas
ou ações governamentais que dialoguem com a diversidade cultural e terri-
torial de cada região do país15.
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Reverberações e desdobramentos, próximos passos
Além da 3° Edição da pesquisa, que está para ser iniciada, mapeando mu-
lheres que tecem que vivem no Núcleo Centro da Região Metropolitana
do Recife (Olinda, Recife e Camaragibe), aprovamos a I Feira Mulheres
que Tecem Pernambuco, que se trata de uma feira de artesanato têxtil pro-
tagonizada por mulheres com o objetivo de fazer emergir o encontro dos
saberes e fazeres entre elas que trabalham com linhas, fios e tramas em
Pernambuco.
18 Os stands serão disponibilizados pela Feira, as artesãs não pagarão para participar. Todas que participarem das
ações (organização, oficinas, palestras, serão contratadas e remuneradas).
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além de ser um local de venda desses trabalhos artesanais têxteis riquíssimos
de valor simbólico e de beleza, será um espaço de discussão de proposições
de políticas públicas e demais temas agregados.
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Além disso, estamos buscando formas de fazer circular nossa produção au-
diovisual, disponível no site em Mostras e Debates. Como desdobramen-
to das questões de gênero, raça e classe, pretendemos trazer nos livros e
demais reverberações do projeto estudos que baseiam teoricamente nossa
produção com esse enlace e perspectiva.
É nossa pretensão, ainda, ampliar a participação das mulheres que não fo-
ram contempladas com a pesquisa e abrir o site para que as mulheres que
tecem possam se colocar no mapa do nosso site e fazer parte dessa rede.
Uma vez que a memória dos atores sociais é o objeto fundamental dessa
trama, é importante termos em vista a distinção que esta introduz na
temporalidade histórica, ao criar uma possibilidade de trazer para o
plano do historiador o registro da própria reação vivida dos aconteci-
mentos e fatos históricos (MONTENEGRO, 1992).
Ouvir, para nós, tornou-se, portanto, um privilégio, porque os aconte-
cimentos antes somente lidos na precariedade da literatura existente,
na “história oficial”, ganharam vida, ao mesmo tempo que formaram
redes ainda mais complexas. As mulheres abriram suas casas e se dis-
puseram a contar suas próprias versões. A sabedoria de vida delas é
responsável pela fagulha que acende os textos da pesquisa. Foi através
dessas memórias, que construímos os textos que falam sobre seus luga-
res de vivências e sobre o artesanato que elas produzem.
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Cartografia Afetiva
Vinheta abertura
CARVALHO, Clara Nogueira. “No risco, a reinvenção como tática” in: Ou-
tros Críticos. n.16. p 24-35. Disponível em:https://issuu.com/outroscriti-
cos/docs/revoc-2020-ed16 Acesso em: 11/10/2021
INSTITUTO
URDUME
Redação
Clara Nogueira
Revisão
Paula Melech e Estefania Lima
Diagramação
Gabriela Ferreira
Capa
Nathália Abdalla
Ilustrações
Gustavo Seraphim