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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC/SP

CAROLINE GONÇALVES

ERNESTINA LESINA E O ANIMA E VITA: TRAJETÓRIAS, ESCRITOS E A LUTA DAS


MULHERES OPERÁRIAS (INÍCIOS DO SÉCULO XX – SÃO PAULO)

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO
2013
2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC/SP

CAROLINE GONÇALVES

ERNESTINA LESINA E O ANIMA E VITA: TRAJETÓRIAS, ESCRITOS E A LUTA DAS


MULHERES OPERÁRIAS (INÍCIOS DO SÉCULO XX – SÃO PAULO)

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em História Social, sob a orientação da
Profa. Dra. Maria Izilda Santos de
Matos.

SÃO PAULO
2013
3

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________
4

AGRADECIMENTOS

Tantos foram os esforços em cada palavra digitada, tantos foram os desesperos feitos
fantasmas nas noites varadas, tantos livros comprados, tantos parágrafos lidos, tanto peso
carregado na mochila com livros e textos, tanta dor nas costas durante esses dois anos. Mas
quanta excitação ao descobrir cada fonte, quanto conhecimento adquirido, quantas mulheres
tomando parte nesta luta, quanta satisfação ao fim de cada capítulo, quanto prazer em
contribuir para uma nova história. Nada disso, porém, teria ganhado forma concreta sem o
concurso de muitos, de tantos, que o dever de gratidão exige mencionar:

Agradeço à minha família, aos meus pais - Dona Maria e Seu Oro - , pelo alicerce,
pela intensa dedicação em todos os momentos. Obrigada por presenciarem inteiramente cada
superação;

Agradeço à Maria Izilda, sem a qual nada teria sido possível. Obrigada pelos cafés
produtivos, pela doçura, pelas cobranças de incentivo, pelo carinho e atenção, mas, em
especial, por ter contribuído sempre e de perto do começo ao final da trajetória;

Ao meu irmão, por todas as horas urgentes em que recorri à sua paciência, e por
compreender os muitos cancelamentos de encontros e passeios;

Aos queridos amigos da família e do coração: Cidinha, Nei e Rosaura, pela


hospitalidade fraterna em Campinas durante a coleta das fontes na UNICAMP;

Agradeço à CAPES e ao Cnpq pela concessão de bolsas, à PUC pelo espaço


oferecido, a todos os professores das disciplinas cursadas e às Profas. Sênia e Palmira, pelas
sugestões e comentários judiciosos no processo de qualificação;

Ao Prof. Ricardo Dall'Antonia, pelo empenho em decifrar as fontes e traduzi-las;

Ao Virgínio Mantesso Neto, por franquear à pesquisa seu acervo pessoal;

Às minhas amigas, em quem reconheço traços das mulheres de fibra que estudei;

A todos aqueles que - mesmo de longe - partilharam de minhas aflições e angústias;

Por fim, mas, principalmente, a ERNESTINA LESINA, inspiração deste trabalho e


exemplo maiúsculo de coragem feminina.

Muito obrigada!
5

RESUMO

A dissertação analisa os escritos propagados por Ernestina Lesina, imigrante socialista


italiana, cuja atuação política consistiu precipuamente em defender a causa das mulheres
operárias mediante a participação no debate de ideias, estimulado pelo Anima e Vita, jornal
que dirigia. A investigação restaura o universo de tensões vivido na cidade de São Paulo no
início do século XX, momento de urbanização intensa e estruturação do sistema fabril,
acompanhado pela disseminação das ideias políticas e a gênese das lutas operárias.
Recompondo o cenário da imprensa feminina, feminista e operária, privilegiou-se a análise do
semanário Anima e Vita, observando a circularidade de seus discursos e a valorização de
temas como compreensão das mulheres de seu papel histórico, anticlericalismo, amor livre,
casamento, educação, trabalho e maternidade/família. Os artigos de Ernestina Lesina
delineiam um perfil do ideário socialista a cuja propagação ela se dedicou, enfatizando a
conscientização das mulheres e a importância fundamental de lutarem pelos seus direitos.

Palavras-chave: Ernestina Lesina; causa operária feminina; direito das mulheres, Anima e Vita.
6

ABSTRACT

The study examines the written material made public by Ernestina Lesina, an Italian socialist
immigrant whose political action consisted chiefly in the defence of the working women‘s
cause through an indefatigable participation in the debate of ideas supported by Anima e Vita,
the weekly newspaper she published. The examination brings to life the tensions all too real in
which the town of São Paulo was awash with early in the 20th century – a time of fast
urbanization and structuring of the industrial system – and closely follows the spreading of
political ideas and the outset of clashes between unions and employers. After depicting a
general view of feminine, feminist and working – class woman press, the study concentrated
on the analysis of Anima e Vita and attested to the consistency of subjects covered and themes
chosen, such as women‘s awareness of their role in society, anticlericalism, free love,
marriage, education, work, and maternity/family. Ernestina Lesina‘s articles draw a clear
profile of the socialist ideology to the indoctrination of which she devoted her efforts,
emphasizing women‘s self-esteem and awareness, along with the vital importance of the fight
to conquer their rights.

Key words: Ernestina Lesina; Women‘s working cause; women‘s rights, Anima e Vita.
7

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..................................................................................................................09

CAPÍTULO I - DESLOCAMENTOS: DO FÍSICO AO IDEÁRIO..................................13


1.1 TRAVESSIAS: PRESENÇA ITALIANA..........................................................................14
1.2 RESISTÊNCIAS: ANARQUISTAS E SOCIALISTAS.....................................................29
1.3 TRABALHADORAS: NA FÁBRICA E NA CIDADE.....................................................40

CAPÍTULO II - EXPRESSÕES FEMININAS: PÁGINAS E LUTAS..............................54


2.1 ENTRE REVISTAS E PERIÓDICOS: MULHER E IMPRENSA....................................54
2.2 ENTRE ANARQUISTAS E SOCIALISTAS: IMPRENSA OPERÁRIA.........................77
2.3 ANIMA E VITA: PELA CAUSA FEMININA..................................................................102

CAPÍTULO 3 - ERNESTINA LESINA: TRAJETÓRIAS PELA EMANCIPAÇÃO....128


3.1 MULHER E MATERNIDADE/FAMÍLIA: MISSÃO DA MULHER............................129
3.2 MULHER E TRABALHO: ORGANIZAÇÃO DA MULHER OPERÁRIA..................140
3.3 MULHER E EDUCAÇÃO: POSSIBILIDADES.............................................................151

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................168

FONTES E BIBLIOGRAFIA..............................................................................................170
8

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO 1 - O Jornal das Senhoras...............................................................................58


ILUSTRAÇÃO 2 - O Sexo Feminino.......................................................................................62
ILUSTRAÇÃO 3 - A Família...................................................................................................64
ILUSTRAÇÃO 4 - A Mensageira............................................................................................66
ILUSTRAÇÃO 5 - Anúncios de produtos................................................................................70
ILUSTRAÇÃO 6 - Anúncio de moda.......................................................................................71
ILUSTRAÇÃO 7 - A Vida Moderna........................................................................................72
ILUSTRAÇÃO 8 - Anúncio de peça teatral.............................................................................73
ILUSTRAÇÃO 9 - A Cigarra...................................................................................................74
ILUSTRAÇÃO 10 - Revista Feminina.....................................................................................76
ILUSTRAÇÃO 11 - A Lanterna...............................................................................................83
ILUSTRAÇÃO 12 - La Battaglia.............................................................................................85
ILUSTRAÇÃO 13 - O Amigo do Povo....................................................................................88
ILUSTRAÇÃO 14 - O Chapeleiro............................................................................................91
ILUSTRAÇÃO 15 - A Terra Livre...........................................................................................93
ILUSTRAÇÃO 16 - A Voz do Trabalhador.............................................................................95
ILUSTRAÇÃO 17 - A Plebe....................................................................................................97
ILUSTRAÇÃO 18 - Avanti!.....................................................................................................99
ILUSTRAÇÃO 19 - O Livre Pensador...................................................................................101
ILUSTRAÇÃO 20 - Página inicial do Anima e Vita..............................................................105
ILUSTRAÇÃO 21 - Visual do Anima e Vita..........................................................................106
ILUSTRAÇÃO 22 - Anúncios no Anima e Vita.....................................................................107
9

APRESENTAÇÃO

A dissertação examina o papel que desempenhou a socialista italiana Ernestina


Lesina no incipiente meio operário feminino do início do século XX, na cidade de São Paulo.
Sob essa perspectiva, expõe, reflete e discute as ideias que essa emigrada transmitiu,
apresentando propostas para a questão feminina discorrendo sobre maternidade/família,
trabalho e educação, comprometida com as lutas sociais e com o engajamento político.

Embora escape da pretensão deste estudo uma biografia pormenorizada de Ernestina


Lesina – devido à indisponibilidade das fontes que se encontram esparsas e dispersas –
procurou-se esboçar pelo exame de seus escritos a trajetória de luta que empreendeu em
defesa da emancipação feminina. Tais escritos testemunham a complexidade das experiências
da imigração italiana, do movimento operário, das correntes de ideias políticas, da imprensa
feminina e operária, do esforço das mulheres por firmar-se numa sociedade que relutava em
reconhecer-lhe os direitos. Da preocupação de Ernestina Lesina emergiu então um retrato do
cotidiano de tensões enfrentado pelas mulheres, em especial, pelas operárias.

A análise problematizou as pontes que ligam as experiências da história ao


entendimento de aspectos sociais. Antes de tudo, fez-se necessário compreender o processo da
imigração italiana, a proliferação e circulação das ideias socialistas e anarquistas que gestaram
as reivindicações operárias, a luta por melhores condições de trabalho, pela garantia de
direitos – os das mulheres, em especial, ainda menos reconhecidos devido às diferenças de
gênero. O periodismo feminino representou um canal de expressão por meio do qual atingir,
esclarecer, e influenciar essa parte da sociedade à qual não se facilitava a participação. Para
tanto, Ernestina Lesina criou o semanário Anima e Vita, uma das principais fontes da
dissertação, que abriu espaço para temas e propostas inéditas entre nós. Em seguida,
rastrearam-se colaborações suas esparsas em outros periódicos anarquistas e socialistas da
época.

Justifica a escolha do tema a instigação por compreender os caminhos percorridos


pelas mulheres até conquistarem seu espaço público; as barreiras que lutaram em transpor
para tornar reconhecida a igualdade de gênero; os meios de expressão que empregavam para
desmascarar o preconceito e as injustiças de que sofriam.
10

O tema abordado visa ampliar o leque temático sobre história e gênero, história e
biografia e história e imprensa, e – ao recuperar o papel da mulher para além da análise em
perspectiva econômica – enriquecer o conjunto de dados e estudos sobre as mulheres, que
atuaram decisivamente na luta operária e abertamente contestavam costumes arraigados entre
nós nas primeiras décadas do século XX. Pela militância em favor dessa causa, a figura
feminina escolhida foi a emigrada italiana Ernestina Lesina.

Tentou-se explorar e aprofundar experiências históricas dessa socialista cuja


identidade, no mais das vezes, é mencionada apenas de passagem, recuperando Ernestina
Lesina na atuação das mulheres no processo histórico como sujeito ativo, restaurando o
universo de tensões vivido pelas trabalhadoras no período escolhido. Questionou ela a missão
da mulher, as representações de subordinação, ócio e confinamento ao espaço do lar, e desfez
noções abstratas sobre a identidade feminina, propondo situar essa diversidade no bojo da
historicidade de suas inter-relações.1 O procedimento é de todo razoável quando se observa
que as lutas políticas, as greves e os movimentos sociais envolviam muito mais homens do
que mulheres. A peculiaridade do engajamento feminino, entretanto, ensejou concentrar-se
em novas dimensões da vida pública e privada, levando outras questões a problematizar em
relação à mulher, como trabalho, educação e maternidade/família. 2

Além da revista Anima e Vita, disponível no arquivo mais frequentado durante a


pesquisa, o Arquivo Edgard Leuenroth (Centro de Pesquisa e Documentação Social Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas), Arquivo Público
do Estado de São Paulo e no IHGSP – Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, outras
fontes foram pesquisadas e selecionadas no CPH – Centro de Apoio à Pesquisa Histórica,
Instituto Italiano de Cultura de São Paulo, IEB – Instituto de Estudos Brasileiros. Museu
Republicano de Itu – ―Biblioteca Edgard Carone‖. Arquivo pessoal do Sr. Virginio Mantesso
Neto.

Artigos assinados por Ernestina Lesina foram localizados em O Chapeleiro, A voz do


Trabalhador e O Livre Pensador. Durante o desenvolvimento da pesquisa, utilizaram-se
alguns periódicos femininos: O Sexo Feminino, A Família, A Mensageira, A Vida Moderna, A
Cigarra, A Revista Feminina. Para a imprensa operária, consultaram-se A Lanterna, La

1
MATOS, Maria Izilda Santos de. Por uma História da Mulher. São Paulo: EDUSC, 2000.
2
RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: PRIORE, Mary del (Org); BASSANEZI, Carla
(Coord.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto/ Ed. da UNESP, 2001.
11

Battaglia, A Plebe, A Terra Livre, Avanti!, O Amigo do Povo. Pretendeu-se assim construir o
cenário pelo qual circulavam as ideias femininas e políticas.

Cada um dos três capítulos do texto que se segue, na sua especificidade, apresenta-se
fio de uma trama complexa, a que se juntam as ideias de Ernestina Lesina sobre a condição da
mulher em geral e da operária em particular. O trabalho inicia-se pelo capítulo
Deslocamentos: do físico ao ideário, dividido em três seções. A primeira, Travessias:
presença italiana, trata do entendimento do processo imigratório no início do século XX, em
São Paulo, com olhar especial para os imigrantes italianos, cujo papel foi determinante na
introdução das ideias anarquistas e socialistas aqui germinadas e formadas. A segunda,
Resistências: anarquistas e socialistas, enseja reflexões acerca das ideias anarquistas e
socialistas e como elas estruturaram o movimento operário da época. Por fim,
Trabalhadoras: na fábrica e na cidade aborda as distintas aparições da mulher no mercado
de trabalho, descrevendo as condições de vida e de trabalho das mulheres dentro e fora das
fábricas, o cotidiano e as dificuldades de inserção no espaço público.

O segundo capítulo, Expressões femininas: páginas e lutas, enfoca a questão


feminina, suas ideias e forma de agir. Na primeira das três seções, Entre revistas e
periódicos: mulher e imprensa, discute as manifestações femininas por meio de revistas e
periódicos voltados ao público feminino. A segunda, Entre anarquistas e socialistas:
imprensa operária, expõe a luta política por meio da imprensa operária, com temas
relacionados à libertação dos trabalhadores. A última seção, Anima e Vita: pela causa
feminina, analisa o semanário Anima e Vita, dirigido por Ernestina Lesina, redigido em
italiano e impresso na capital paulista, enfatizando o relevo que dava às questões femininas,
com temas concernentes ao amor livre, ao anticlericalismo, ao alcoolismo, visando propagar
os princípios socialistas e estimular a luta da mulher operária.

No capítulo final, Ernestina Lesina: trajetórias pela emancipação, examinaram-se


as ideias propagadas por Ernestina Lesina, observando sua recorrência no complexo social. A
militante atuou na imprensa anarquista e socialista por meio de escritos referentes à condição
da mulher quanto ao trabalho, à educação e à maternidade/família, tendo colaborado em O
Chapeleiro, A Voz do Trabalhador e O Livre Pensador, nos quais propugnou a emancipação
feminina. A primeira das seções do capítulo, Mulher e Maternidade/Família: missão da
mulher, focaliza a maternidade na trajetória das mulheres como mãe de família, os cuidados
com os filhos e o tempo do feminino. Em Mulher e Trabalho: organização da mulher
12

operária, acompanham-se a trajetória do trabalho, as lutas, as organizações das mulheres


operárias e a busca por melhores condições de vida. Por fim, em Mulher e Educação:
possibilidades, examina-se o papel transformador da educação rumo à emancipação
feminina; a importância da instrução, da função pedagógica da imprensa operária e de
planejar a educação com metas futuras, nas quais a mulher está incluída e das quais participa.
13

CAPÍTULO I - DESLOCAMENTOS: DO FÍSICO AO IDEÁRIO

Este capítulo tem como intuito construir o caminho percorrido pelas ideias
anarquistas e socialistas, ou seja, da Itália até chegarem às mulheres no Brasil. Pensamentos
transportados com os imigrantes italianos e associados ao movimento operário em São Paulo.
Além disso, pretende-se abordar a influência dessas correntes em prol dos direitos femininos e
atuação das mulheres no espaço público, bem como discutir as transformações vividas na
cidade de São Paulo no início do século XX.

O período do início do século XX constituiu um momento crucial para a formação


cultural em São Paulo. A urbanização paulista associada à acumulação capitalista cafeeira, o
processo de industrialização, a disseminação do trabalho livre concomitante ao processo
imigratório, foram fatores relevantes para essa nova configuração. Sendo assim, a imigração,
com ênfase para a italiana vinda em maior escala, apresentou papel de destaque na introdução
das ideias anarquistas e socialistas aqui difundidas, já que muitos desses imigrantes haviam
participado de ações políticas em seus países de origem, chegaram fugidos da miséria ou de
perseguições políticas, tornando-se massivamente a mão de obra operária das indústrias
nascentes.

Diante desse contexto, o deslocamento dos imigrantes italianos possibilitou o


deslocamento das ideias políticas, o que influenciou, também, o comportamento feminino da
época e a inserção da mulher no mercado de trabalho, em especial as operárias, na forma de
pensar e agir. Essas mulheres almejavam novas oportunidades e melhoramento das condições
não só no trabalho, mas na vida cotidiana, no lar, no casamento e na família, problematizavam
as relações de poder vigente, tanto nas fábricas quanto nas escolas, nos sindicatos, nos grupos
sociais e políticos e mesmo no próprio lar, além de se manifestarem em prol da emancipação
feminina, buscavam a igualdade, a justiça e a liberdade. Desta forma, com o fito de abordar as
distintas aparições da mulher no mercado de trabalho o capítulo também descreve as
condições de vida e de trabalho das mulheres dentro e fora das fábricas, o cotidiano e as
dificuldades de inserção no mercado de trabalho no início do século XX.
14

1.1 TRAVESSIAS: PRESENÇA ITALIANA

A compreensão sobre a imigração italiana no Brasil retrocede a aspectos econômicos


políticos e sociais, vigentes na Itália em meados do século XIX, em 1815, com o objetivo de
redesenhar o mapa da Europa, retomar os antigos territórios dominados pela França,
restabelecer o equilíbrio político no continente europeu e com a restauração das antigas
monarquias derrotadas por Napoleão Bonaparte, a Itália foi divida e remodelada em pequenos
estados pelo Congresso de Viena. Sendo eles, o Reino Lombardia-Venécia governado pela
Áustria, o Reino das Duas-Sicílias governado pela dinastia dos Bourbons, os Reinos de
Parma, Módena e Toscana governados pela dinastia dos Hamburgos, os Estados Papais 3
governados pelo papa, e o Reino Piemonte-Sardenha que foi o único governado por italianos
pertencentes à dinastia de Savóia4.

Além da questão territorial que assolava a Itália da época, o nacionalismo permeava


a mentalidade europeia a partir da metade do século XIX, seu surgimento veio com Estados
desejosos de conseguir a adesão de suas populações, homogeneizando-a em torno de uma
língua, uma cultura e uma história como forma de controle político. Sendo assim, no caso da
Itália, mesmo territorialmente fragmentada, esse ideal nacionalista era o pano de fundo do
processo de unificação do país, denominado como risorgimento, que foi um movimento
baseado na defesa da liberdade italiana em relação ao domínio estrangeiro5.

Três foram os personagens representantes desse processo unificador, Giuseppe


Mazzini, Giuseppe Garibaldi e Camilo Benson (conde de Cavour). O primeiro defendia a
ideia de uma Itália unificada e republicana, fundou o grupo Giovane Italia6, seu objetivo
pautava em libertar a Itália do domínio austríaco e da autoridade clerical, era contra o
socialismo e a favor da propriedade privada. Já Garibaldi era adepto da república e da
participação popular para o surgimento de uma nação, acreditava que o sul da Itália devia
fazer parte na nação. E por fim, o terceiro representava o nacionalismo com o liberalismo e
progresso, sua meta era unificar a Itália em torno da família Savóia, tornando o novo reino um
prolongamento do Piemonte7.

3
Os Estados Papais eram quatro províncias: Emília Romanha, Roma, Úmbria e Marcas.
4
GOOCH, John. A unificação da Itália. São Paulo: Princípios, 1986.
5
BERTONHA, João Fábio. Os italianos. São Paulo: Contexto, 2010. p.46.
6
Jovem Itália.
7
BERTONHA, op. cit., p.46.
15

Desde 1848 várias revoltas eclodiram pela Europa e se alastraram na Itália também,
eram pautadas pelo nacionalismo ligado ao conceito de cidadania, e, no caso italiano, foram
as emergentes classes sociais em expansão (liberais, intelectuais, e trabalhadores pobres) que
organizaram os levantes nos reinos. No mesmo ano, os italianos da Lombardia-Venécia se
revoltaram contra os austríacos, porém foram derrotados. A partir de então, o sentimento
nacionalista foi se intensificando e as lutas em prol da unificação ganharam novas
características, o comprometimento e o sentimento dos italianos deixaram de lado, até certo
ponto, o regionalismo para uma luta maior, a da unificação territorial8.

Em busca de ajuda externa de outros países europeus na luta pela unificação, Cavour,
após se tornar primeiro-ministro do Reino do Piemonte em 1852, decidiu entrar na Guerra da
Criméia9 ao lado da França, do Reino Unido e do Império Otomano contra a Rússia, com o
acordo de Napoleão III aliar-se na guerra contra o Império Austríaco na conquista do Reino
da Lombardia-Venécia, em troca Piemonte cederia os condados de Savóia e Nice à França.
Vencida a guerra contra a Rússia, a França ajudou Cavour na empreitada contra a Áustria com
êxito, porém, a França não cumpriu o pacto feito, ela recebeu o combinado (os condados de
Savóia e Nice), mas não tirou os Austríacos do domínio de Venécia10.

Novas revoltas foram se intensificando no Norte e no Sul da Itália, em 1860,


Giuseppe Garibaldi com apoio de Cavour e do exército, expulsou os Bourbons do Reino das
Duas-Sícilias e o anexou à unificação. Os governadores dos Reinos de Parma, Módena e
Toscana, após várias revoltas no mesmo ano, fugiram e, por plebiscito popular, tais reinos
foram fundidos ao Reino de Piemonte-Sardenha. Apenas em 1870, os italianos conseguiram
conquistar os Estados Papais durante a Guerra Franco-Prussiana, aproveitando-se da derrota
dos franceses. Roma foi então instituída a capital da Itália, o país estava politicamente
unificado e assim o Risorgimento teve seu fim. Porém, mesmo com a constituição territorial

8
CAVALIERE, Daniel Gonçalves. Os imigrantes italianos e os ítalo-descendentes em Belo Horizonte:
identidade e sociabilidade (1897-1942). Dissertação (Mestrado em História), Instituto de Ciências Humanas e
Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2011.
9
MARX, Karl. A guerra anglo-francesa contra a Rússia. Tradução e Introdução: Fernando Marineli e Luciano
Dutra. Projeto História. Revista do Programa de Pós-Graduação de História da PUC-SP. São Paulo, n.36, p.19-
31, jun. 2008. A Guerra da Crimeia (1853-1856) foi um conflito na península da Crimeia (no mar Negro, ao sul
da atual Ucrânia), no sul da Rússia e nos Bálcãs. Envolveu, de um lado o Império Russo e, de outro, uma
coligação integrada pelo Reino Unido, a França, o Reino da Sardenha - formando a Aliança Anglo-Franco-Sarda
- e o Império Otomano (actual Turquia). Esta aliança, que contou ainda com o apoio do Império Austríaco, foi
formada para frear a expansão do Império Russo.
10
GOOCH, John. A unificação da Itália. São Paulo: Princípios, 1986.
16

da Itália, ainda permeavam contradições internas que dificultavam a formação da própria


consciência cultural e social da população italiana.11

Havia exclusão política, que negava os direitos de cidadania à maioria da população,


e nítida divisão cultural entre os mundos rural e urbano, com o desprezo dos camponeses
ignorados pela elite urbana culturalmente evoluída, já que 80% da população era analfabeta:

O problema é que, para a esmagadora maioria da população, que vivia


no campo, esses conceitos abstratos de ―civilização italiana‖ pouco
significavam. Os camponeses e outros extratos inferiores da sociedade
não apenas haviam participado relativamente pouco das lutas pela
unificação do país, como não se sentiam italianos, mas toscanos,
vênetos ou sicilianos. Sua consciência de grupo não ia muito além dos
limites restritos do território em que viviam, o que punha obstáculos à
ideia de uma consciência nacional única, em especial na nova versão
de nacionalismo que triunfava no final do século XIX e que
demandava unidade linguística e cultural.12

Pelos dados linguísticos logo após a unificação, uma minoria (não mais que 2,5% dos
habitantes da nova nação formada) falava italiano, o que predominava eram os dialetos, tais
como, napolitano, vêneto, piemontês e outros. Pode-se dizer que eram ―várias Itálias‖,
conforme as regiões e os grupos sociais que as constituíam13.

Em 1870, a Itália, oitavo país da Europa em extensão e o quinto em população, com


cerca de vinte e cinco milhões de habitantes, estava economicamente entre as mais pobres e
atrasadas da Europa, mesmo com Veneza e Gênova gerando lucros para o comércio no
Mediterrâneo. Mesmo com os esforços do Estado, que fortaleceu o comércio e a indústria,
iniciou a construção dos túneis internacionais e promoveu a melhoria dos portos. Em 1878, já
havia mais de oito mil quilômetros de vias férreas. A indústria começou a crescer; no entanto,
a produção nacional permanecia essencialmente agrícola, baseada em latifúndios,
principalmente, na Sicília, no sul da Itália e no Vale do Pó, era arcaica, com uma técnica
insuficiente, apresentando um rendimento medíocre e insuficiente para concorrer
internacionalmente14.

Mais de 60% da população economicamente ativa na Itália encontrava-se


trabalhando no campo, dos quais 80% não possuíam terras, submetidos a doenças, como a
11
CAVALIERE, Daniel Gonçalves. Os imigrantes italianos e os ítalo-descendentes em Belo Horizonte:
identidade e sociabilidade (1897-1942). Dissertação (Mestrado em História), Instituto de Ciências Humanas e
Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2011.
12
BERTONHA, João Fábio. Os italianos. São Paulo: Contexto, 2010. p.56.
13
Ibidem. p.58.
14
HEFLINGER JÚNIOR, José Eduardo; LEVY, Paulo Masuti. E os italianos chegaram. São Paulo: Unigráfica,
2010.
17

malária e a cólera, trabalhando num sistema agrícola extremamente primitivo15. A Itália


passava por uma crise no campo e a disponibilidade por alimentos estava sendo afetada,
camponeses não conseguiam dinheiro vivo para suprir suas necessidades, pois havia
pagamento de impostos fundiários, de registro de transmissão, dívida hipotecária, usura, altos
cargos de transmissão, além da taxa sobre a farinha, que o não pagamento podia comportar o
confisco da propriedade, de 1875 a 1901 foram confiscadas cerca de 300.000 pequenas
propriedades16. A pobreza se expandia pela população, procedida de uma desproporção entre
a oferta e a procura de mão de obra. Desde o início da década de setenta até o ano de 1900, a
situação política e econômica do país não era das melhores17.

Além do processo de unificação da Itália, o país tinha também de se adaptar aos


novos contornos econômicos que a Europa estava delineando através da Revolução Industrial,
ou seja, às mudanças nas antigas relações sociais existentes, o fortalecimento da burguesia
dona das fábricas, eliminando os antigos artesãos e gerando a classe operária. Para iniciar a
industrialização na Itália o governo contou com ajuda externa, e mesmo com o
desenvolvimento industrial inferior às potências que competiam no mercado internacional, a
indústria italiana cresceu rápido, e a mecanização de novas e antigas propriedades agrícolas
propiciou a ruína de muitos artesãos e agricultores. Somado com o crescimento populacional
que o país vivia e a opressão fiscal, era complexo alocar toda a população nas fábricas,
levando às condições de precariedade da população, ou seja, ao pauperismo.18

As características naturais, da Itália também eram desfavoráveis para o


desenvolvimento econômico, pois, por ser uma região montanhosa e pelo clima, não
favoreciam o cultivo de plantações, mesmo nas zonas mais evoluídas, como Lombardia,
Veneto e Trentino, os agricultores enfrentavam baixa produtividade de uma terra cansada por
excesso de cultura, e também com a falta de uma adubação racional e adequada, situação que
as doenças das videiras agravavam, enquanto a ausência de racionalização na cultura do
milho19.

Ademais, a consciência nacional não era sólida, não havia se moldado e fortalecido
inteiramente, diante das diferenças internas descritas, a Itália unificada ainda não tinha

15
BERTONHA, João Fábio. Os italianos. São Paulo: Contexto, 2010.
16
TRENTO, Angelo. Do outro lado de Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel,
1989. p.31-32.
17
HEFLINGER JÚNIOR, José Eduardo; LEVY, Paulo Masuti. E os italianos chegaram. São Paulo: Unigráfica,
2010.
18
BERTONHA, op. cit., 2010.
19
ALVIM, Zuleica M. F. Brava Gente! Os italianos em São Paulo - 1870-1920. São Paulo: Brasiliense, 1986.
18

conseguido criar em seus cidadãos mais humildes ideais de nacionalidade, e foi esta situação,
que, ao mesmo tempo, propiciou e facilitou os deslocamentos das correntes migratórias e a
adaptação ao novo ambiente20.

O cenário vivido pela Itália durante a passagem para o século XX, ou seja, o
progressivo aumento da população e o empobrecimento dela decorrente da falta de
possibilidade de trabalho devido à situação da agricultura, a desproporcionalidade do salário
dos trabalhadores em relação ao custo dos alimentos e outros gêneros indispensáveis à
existência, a grande dificuldade para se encontrar ocupação, a situação precária dos
agricultores, a impossibilidade de acesso à terra, o desemprego, a miséria, a falta de
oportunidade, foram fatores que impeliram a busca por uma solução tanto da população
quanto do governo italiano, a emigração. 21

Como forma de solucionar o problema do país o governo italiano passou a incentivar


a emigração, para gerar o crescimento gradual da economia, sem excesso de mão de obra no
mercado, ademais, evitaria a proliferação de movimentos sociais, e a emigração seria uma
forma de expansão do mercado italiano ao redor do mundo, pois os emigrados fariam
propagandas dos produtos italianos, ou quando obtivessem lucros no novo país enviariam
para suas famílias na Itália, o que ajudaria no desenvolvimento do mercado interno do país22.

Essa situação de deslocamento da população em busca de melhores condições de


vida, já era visível no próprio continente. Da península, partiram pessoas da elite
(comerciantes, artistas, intelectuais), exilados políticos e trabalhadores comuns. Os primeiros
e os segundos dirigiam-se centralmente à Europa, enquanto os últimos, muito mais
numerosos, tomavam, naqueles anos, o caminho da América do Sul23.

Entende-se por emigração:

[...] translação de massas mais ou menos vultosas de indivíduos para


determinado território onde se apresente mais fácil e imediata a
possibilidade de utilização de seus meios naturais, a fim de conseguir
resultados econômicos melhores. É a integração de civilizações mais
evoluídas com energias ainda virgens, uma conquista pacífica cuja
força de penetração é essencialmente constituída pelo trabalho e por

20
CENNI, Franco. Italianos no Brasil. 2ª edição fac-similar comemorativa do centenário da imigração italiana
no Brasil - 1875-1975. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975.
21
HUTTER, Lucy Maffei. Imigração italiana em São Paulo (1880-1889): os primeiros contactos do imigrante
com o Brasil. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros/USP, 1972.
22
IANNI, Constantino. Homens sem paz: os conflitos e os bastidores da emigração italiana. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira S.A., 1972.
23
BERTONHA, João Fábio. Os italianos. São Paulo: Contexto, 2010. p.96.
19

uma luta em que se associam e se fundem concepções diferentes:


conquista da civilização velha sobre as terras novas, e destas sobre os
povos velhos, pois é na imigração que contingentes despovoados
encontram os meios necessários para sair de seu estado primitivo.
Migração é, portanto, a lei natural e providencial da circulação
humana à qual o mundo deve, em grande parte, sua civilização24.

As migrações podem ser classificadas de diversas formas de acordo com as situações


tais como: em locais, quando o indivíduo se desloca a um mercado que normalmente já lhe é
familiar, em circulares, quando um indivíduo se desloca a um mercado por tempo
determinado; em carreira, quando um indivíduo se muda a trabalho; e, em cadeia ou rede,
quando envolve o deslocamento de indivíduos motivados por uma série de arranjos e
informações fornecidas por parentes e conterrâneos já instalados no local de destino. 25

A emigração em cadeia ou rede foi o caso dos emigrantes italianos com destino ao
Brasil, pois representou o movimento pelo qual migrantes futuros tomaram conhecimento das
oportunidades de trabalho existentes por meio de suas relações sociais, ou seja, por meio de
cartas, ou ao vivo, por parentes, vizinhos ou amigos que, eventualmente, proporcionavam a
distribuição de auxílio financeiro para a aquisição da passagem marítima e para enfrentar as
dificuldades inicias de instalação, auxiliando o recém-chegado na obtenção do trabalho e
moradia.26 Muitas vezes, o sistema imigratório italiano funcionava baseado no relacionamento
familiar, de aldeia e região ou mesmo de identidade profissional e política. Assim, em vez de
uma emigração italiana, o que se identifica, em muitos momentos, foram emigrações várias
que se entrecruzavam e formavam uma rede mais complexa. Isso possibilitou a aproximação
entre eles, mesmo vindo de diferentes regiões, falando dialetos distintos, o fato de emigrarem
da Itália, fez com que desenvolvesse um sentimento nacionalista único. 27

Essa ―solidariedade em grupo‖ proporcionava uma sensação de


proteção, fazendo com que a decisão de deixar o próprio país se
tornasse menos arriscada, mas refletida, permitindo uma inserção
menos problemática dos imigrantes na realidade econômica e social
do país que os recebia.28

Por outro lado, no mesmo período, o Brasil também passava por transformações
econômicas, políticas e sociais, tais mudanças justificaram a escolha do país como destino do

24
CENNI, Franco. Italianos no Brasil. 2ª edição fac-similar comemorativa do centenário da imigração italiana
no Brasil - 1875-1975. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975. p.166.
25
TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo,
vol. 20, n. 1, p.199-218, junho 2008.
26
Ibidem.
27
BERTONHA, João Fábio. Os italianos. São Paulo: Contexto, 2010. p.95.
28
TRENTO, Angelo. Os italianos no Brasil. São Paulo: Premio, 2000. p.24.
20

deslocamento dos imigrantes italianos, e os motivos da criação de incentivos, para suprir as


lacunas que se formavam. Adiante seguem as razões que levaram a esse processo e o porquê o
Brasil, no caso, o estado de São Paulo, foi o principal estado receptor do contingente de
imigrantes que se formava. Basicamente, na Itália, a emigração se afigurava como solução
para a crise de desemprego que assolava o país desde 1870; e, em São Paulo serviria como
alternativa da desagregação da mão de obra escrava nas fazendas29.

Os deslocamentos aparecem como alternativas adotadas por uma


gama abrangente de sujeitos históricos, alguns inseridos em fluxo de
massa, grupos e familiares, outros em percursos individuais;
envolvendo processos de migração engajada, também, voluntária;
abarcando diversos extratos sociais, levas e gerações; envolvendo
agentes inspirados por estratégias e motivações diferenciadas,
inclusive culturais e existenciais. Cabe destacar entre as múltiplas
motivações que levaram à migração a procura da realização de
sonhos, da abertura de novas perspectivas, das fugas das pressões
cotidianas, da busca do ―fazer a América‖, envolta em variadas
representações construídas e vitalizadas neste universo.30

Durante o século XIX, a Europa e a América do Norte entraram juntas numa fase de
industrialização, os centros urbanos cresciam, a classe média expandia-se com a elevação do
nível de vida dos trabalhadores. Esses acontecimentos possibilitaram a ampliação dos padrões
de consumo de massa, o que levou a uma crescente demanda de café, produto até então
consumido por uma elite cosmopolita31.

No Brasil, o sudeste do país, particularmente o planalto do oeste de São Paulo, tinha


condições topográficas, pluviométricas e térmicas, bem como terras ideais para o cultivo de
café. A passagem da monarquia à república possibilitou a abertura do caminho para que a
oligarquia do café assumisse diretamente o poder32. Sendo assim, a elite brasileira orientou os
interesses da nova nação33, e o Brasil tornou-se o grande produtor exportador de café na
época, atingindo 67% da produção mundial entre 1886-192034.

Em relação à organização do trabalho, com a falência do regime escravista, antes


mesmo que o governo decretasse sua abolição, em 1888, e a nova configuração econômica do

29
ALVIM, Zuleica M. F. Brava Gente! Os italianos em São Paulo - 1870-1920. São Paulo: Brasiliense, 1986.
p.21.
30
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano em São Paulo
(séculos XIX e XX). Bauru: Edusc, 2013. p.17.
31
HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.18-19.
32
TRENTO, Angelo. Os italianos no Brasil. São Paulo: Premio, 2000.
33
HOLLOWAY, op. cit., p.20-21.
34
STOLCKE, Verena. Cafeicultura: Homens, mulheres e capital (1850-1980). São Paulo: Brasiliense, 1986.
21

país possibilitou juntamente com o projeto imigrantista a formação da mão de obra que iria
trabalhar nas fazendas de café com destino a São Paulo. 35

Além disso na mesma época, estava se formando a rede ferroviária em São Paulo, a
partir da construção da ferrovia de Santos a Jundiaí pelos ingleses, em 1864, foi composta por
fazendeiros e líderes políticos a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, com o objetivo de
escoar o café cultivado no interior do estado de São Paulo e expandir a malha ferroviária a
partir da São Paulo Railway36, a "Inglesa" ou "Santos-Jundiaí‖37.

Desta forma, a corrente imigratória italiana para São Paulo convergiu com a
expansão da economia cafeeira38. Com os preços do café em alta no mercado mundial, a rede
ferroviária implantada e a existência de terras inexploráveis pelo interior paulista, a Abolição
da Escravatura (1888) cafeicultura no Brasil. Pelo contrário, a produção cafeeira cresceu em
São Paulo após o fato. A nova solução encontrada pelos fazendeiros paulistas para o
recorrente problema da mão de obra foi atrair a força de trabalho excedente da Europa
Meridional, particularmente da Itália39. A imigração não só permitiu que ocorresse a abolição,
como também colaborou com o aumento da produção de café. Entre os anos de 1888 e o
início do século XX, o número de cafezais plantados aumentou em cercas de 200%40.

A introdução da cultura do café não havia representado simplesmente


uma mudança de gênero de vida; foi algo mais que um simples
fenômeno meramente mecânico de substituição de atividades:
assinalou, muito ao contrário, o início de uma revolução social-
econômica que deveria constituir a base para a futura industrialização
de São Paulo. A esta evolução está diretamente ligada a introdução do
imigrante italiano, que contribuiu decididamente, com seu braço, não
apenas a salvas as culturas abandonadas pelos escravos, mas a
valorizar progressivamente a terra. Zonas até então incultas e cobertas
de matas foram ocupadas, devassadas e cultivadas, enquanto se
operava uma importantíssima transformação social, com a superação
de antigos preceitos e o progressivo abandono de complexos
perniciosos deixados pela abolição.41

35
TRENTO, Angelo. Os italianos no Brasil. São Paulo: Premio, 2000. p.20.
36
Ver: PETRATTI TEIXEIRA, Palmira. A ferrovia ―The São Paulo Railway‖ (SPR) e a industrialização da
cidade de São Paulo. Anuario del Centro de Estudios Históricos "Prof. Carlos SA Segreti". Córdoba -
Argentina, 2002. p.125-134.
37
HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.39.
38
PETRONE, Maria Theresa Schorer. O imigrante italiano na fazenda de café de São Paulo. In: DE BONI, Luis
Alberto (Org.). A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987.
39
HOLLOWAY, op. cit., p.21.
40
HEFLINGER JÚNIOR, José Eduardo; LEVY, Paulo Masuti. E os italianos chegaram. São Paulo: Unigráfica,
2010. p.80.
41
CENNI, Franco. Italianos no Brasil. 2ª edição fac-similar comemorativa do centenário da imigração italiana
no Brasil - 1875-1975. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975. p.181.
22

Outro fato a ser analisado é a questão sobre o ‗branqueamento‘ da população


brasileira no início do século XX, ou seja, um processo seletivo de miscigenação que dentro
de três ou quatro gerações faria surgir uma população branca através da imigração, o branco
era visto como um bem. O mestiço original poderia ser melhorado caso se introduzisse mais
brancos à mistura original. Sendo assim, o imigrante, além de vir preencher uma demanda de
braços para o trabalho, teria o papel de contribuir para esse processo42.

No mesmo período, havia uma política voltada para as questões da imigração, com
intuito de atrair estrangeiros para povoar e colonizar os vazios demográficos, o imigrante
desejado era o agricultor, colono e artesão que aceitasse viver em colônias e que produzisse
na terra ocupada. Em 1808, foi promulgado um decreto, de autoria de D. João VI, que
permitia aos estrangeiros o acesso à propriedade da terra, sendo assim, o governo
subvencionava a formação de núcleos coloniais em sistema de pequenas propriedades para
agricultura. Com o fim do tráfico negreiro e a demanda de mão de obra nas fazendas de café,
o fluxo de imigrantes começa a se avolumar e, em 1850, essa lei se altera, proibindo a posse
de terra que não fosse comprada. 43

A imigração italiana pode ser dividida em três momentos: 1870-1885, neste período
os italianos não eram a maioria, ainda não havia uma política imigratória definida; 1885-1920,
quando os fazendeiros do Oeste se apoiam de fato na mão de obra livre, estabelecendo uma
política imigratória calcada no imigrante italiano; 1902-1920, consolidação da política
imigratória iniciada por São Paulo44. A subvenção deixa de ser exclusivamente do governo
imperial e passa a ser também do governo provincial e da iniciativa privada45.

Em 1871, foi criada pelos fazendeiros da Província de São Paulo a Associação


Auxiliadora da Colonização e Imigração, com o propósito de facilitar e ajudar
financeiramente os outros fazendeiros que desejassem admitir trabalhadores imigrantes. Em
meados da década de 1880, a publicidade negativa que prejudicou o Brasil durante anos já se
tornara um sério obstáculo ao crescimento da imigração europeia. Para resolver essa questão e
promover o Brasil no exterior foi criada, em 1886, a Sociedade Promotora de Imigração, que
tinha como finalidade promover a vinda de braços para lavoura de café46 e oferecer aos

42
OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil dos imigrantes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p.10.
43
Ibidem. p.14.
44
ALVIM, Zuleica M. F. Brava Gente! Os italianos em São Paulo 1870-1920. São Paulo: Brasiliense, 1986.
p.21.
45
OLIVEIRA, op. cit., p.16.
46
HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.62.
23

italianos a oportunidade de emigrar com a certeza de sua instalação em núcleos ou fazendas,


com emprego imediato para garantir seu futuro47.

Os diretores da Sociedade iniciaram imediatamente suas atividades promocionais,


que funcionou até 1896, tendo recrutado 120.000 imigrantes, em sua maioria, italianos. Uma
das primeiras realizações foi a publicação de uma brochura, pormenorizando as atrações de
São Paulo. O texto, sempre que possível, fazia comparações favoráveis com a Argentina, os
Estados Unidos e países europeus. Não havia menção a problemas raciais ou à existência,
ainda, da escravidão, mas se assinalava cuidadosamente em São Paulo48.

[...] a maneira de vestir, mobiliar as casas, alimentar-se e, em geral,


todos os costumes são europeus [...] transporte do Rio de Janeiro ou
Santos para a cidade de São Paulo, comida para até oito dias e
alojamento na hospedaria, incluindo tratamento médico gratuito e
transporte ferroviário igualmente gratuito para a destinação final no
interior da Província.49

Além disso, a imigração constituía fonte de renda para o Estado e para o fazendeiro.
O gasto com cada trabalhador era ínfimo em relação ao quanto ele produzia de café e
consequentemente ao lucro do fazendeiro com a exportação do produto50.

O Estado não possuindo escritórios de propaganda, ou qualquer organização própria


no estrangeiro, a entrega e a procura do imigrante à sociedade de Colonização e a
empreendedores, que por sua vez, confiaram o aliciamento às próprias companhias de
navegação. Foram fundadas em várias cidades europeias dezenas de agências de emigração e
milhares de agentes e subagentes que ganhavam comissões para orientar e embaraçar os
italianos, a fim de ―fazerem carga‖51. Essas figuras visavam o ganho, e seduziam aqueles que,
sem alternativas, embarcavam num sonho, com a promessa de oferecer no local de destino
uma qualidade de vida superior às possibilidades. Além das comissões por cabeça, muitos
cobravam uma taxa de acompanhamento do emigrante ignorante, induzindo os pobres
coitados a gastarem as economias que lhes seriam úteis no estrangeiro. Esses agentes foram
peças chaves no grande deslocamento52.

47
HEFLINGER JÚNIOR, José Eduardo; LEVY, Paulo Masuti. E os italianos chegaram. São Paulo: Unigráfica,
2010. p.79.
48
Ibidem. p.62-68.
49
Ibidem. p.65.
50
CENNI, Franco. Italianos no Brasil. 2ª edição fac-similar comemorativa do centenário da imigração italiana
no Brasil - 1875-1975. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975. p.176.
51
Ibidem. p.174.
52
HEFLINGER JÚNIOR, LEVY, op. cit., p.82.
24

O proprietário que perdera suas terras, confiscadas pelas dívidas, o


negociante falido, o desempregado que não mais tinha esperanças ou o
pobre camponês analfabeto ouviam de pessoas que talvez nunca
tinham visto o Brasil sequer num mapa, as afirmações mais
estimulantes. Aquele era um paraíso, o próprio Edén onde o dinheiro
surgia nas ruas, obrigando apenas ao trabalho nem sempre incômodo,
de resolvê-lo.53

Não havia a preocupação de escolha dos que partiam, pois o que desejava era apenas
alcançar o maior número de recrutados para ganhar o subsídio do governo paulista, apesar de
não terem capacidade para encarar os serviços do campo, muitos artesãos, sapateiros,
alfaiates, barbeiros eram classificados e/ou se declaravam agricultores. Isso gerou
descontentamento tanto por parte dos fazendeiros como dos emigrantes.54

Em 1888, o governo italiano sancionou uma lei para regulamentar os trabalhos dos
agentes de emigração, ela determinava que os navios devessem ser visitados por um oficial de
segurança pública, que teria a incumbência de colher as reclamações dos emigrados. Porém, a
lei foi pouco observada, ocorreram muitos problemas durante as travessias, que culminaram
em desconforto e mortes, principalmente por excesso de pessoas a bordo55. Mais adiante, em
1902, foi promulgado pelo governo italiano o decreto de Prinetti, a proibição das passagens
para seus súditos, como resposta às péssimas condições de trabalho nas fazendas e nas
viagens em navios superlotados e mal equipados, o que acabou afetando na diminuição do
número de imigrantes subsidiados56.

Outro fator de renda do processo de imigração foi o transporte, emergiu em Gênova,


no final da década de 1850, como importante setor de atividade econômica. A ―mercadoria
homem‖ possuía alto valor específico, e acabou fornecendo investimento para a conversão
dos barcos a vela para os navios a vapor57. Desta forma, os deslocamentos dos imigrantes
foram facilitados pelo desenvolvimento dos transportes a vapor (trens e navios), os
deslocamentos se tornaram ―fenômenos‖ de massa, os vapores cruzavam os mares

53
CENNI, Franco. Italianos no Brasil. 2ª edição fac-similar comemorativa do centenário da imigração italiana
no Brasil - 1875-1975. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975. p.174.
54
Ibidem. p.174.
55
HEFLINGER JÚNIOR, José Eduardo; LEVY, Paulo Masuti. E os italianos chegaram. São Paulo: Unigráfica,
2010. p.83.
56
PETRONE, Maria Theresa Schorer. O imigrante italiano na fazenda de café de São Paulo. In: DE BONI, Luis
Alberto (Org.). A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p.107.
57
GONÇALVES, Paulo Cesar. Mercadores de braços: riqueza e acumulação na organização da emigração
europeia para o Novo Mundo. São Paulo: Alameda, 2012.
25

transportando pessoas, mercadorias, ideias, livros e correspondências, o que possibilitou a


circularidade não só de pessoas, mas também de ideias e cultura.58

No vasto período que envolve o processo de mobilidade [...], não


houve um padrão único de deslocamento. Eles emigravam por vários
motivos, num contexto de expansão das viagens transoceânicas a
vapor, com o estabelecimento de toda uma rede regular de transporte
agenciando e propaganda. Muitos vieram por sua própria conta e
outros articulados aos projetos imigrantistas do governo brasileiros,
alguns chegaram antes de seus familiares, que ficaram aguardando;
diversos saíram ainda crianças ou jovens; em outros casos, a família
migrou junta, mas não permaneceu unida e/ou não voltou a se
reunificar, gerando toda uma complexidade de situações
vivenciadas.59

Os imigrantes italianos, quando chegavam à cidade de São Paulo, eram


encaminhados para a Hospedaria de Imigrantes e daí levados ou para as fazendas de café, para
as quais eram contratados, ou para os núcleos coloniais onde adquiriam um lote de terra com
o propósito de cultivá-lo60.

As condições particulares em que a Itália se insere nesse mecanismo a


transformaram em uma das maiores fornecedoras de mão de obra
barata no século XIX, chega-se, assim, a plena compreensão do que
foi fenômeno emigratório italiano: decorreu da expansão do
capitalismo, que induziu a Itália a se desfazer, entre emigrantes
temporários e permanentes, de nada menos que ―vinte milhões de
indivíduos, entre 1861 e 1940, dos quais dezessete milhões, ou seja,
85%, saíram entre 1861 e 1920‖.61

Entre 1888 e 1919, os italianos representaram 44,7% da imigração total do estado de


São Paulo, seguidos pelos espanhóis (19,2%) e pelos portugueses (15,4%). Mas a
porcentagem resulta muito maior se considerar apenas o período de 1887 a 1902 (63,5%). Se
usar outro parâmetro, o estado de São Paulo foi a meta de 44% da emigração italiana para o
Brasil, entre 1820 e 1888, de 67% entre 1889 e 1919, atingindo seu ponto máximo na década
de 1900 a 1909 com 79%62.

Além de organizar a vinda dos imigrantes, subsidiando as passagens, a Sociedade


Promotora de Imigração tinha a tarefa de administrar a Hospedaria dos Imigrantes na capital

58
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano em São Paulo
(séculos XIX e XX). Bauru: Edusc, 2013. p.17.
59
Ibidem. p.245.
60
HUTTER, Lucy Maffei. Imigração italiana em São Paulo (1880-1889): os primeiros contactos do imigrante
com o Brasil. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros/USP, 1972.
61
ALVIM, Zuleica M. F. Brava Gente! Os italianos em São Paulo 1870-1920. São Paulo: Brasiliense, 1986.
p.24.
62
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel,
1988.
26

Paulista, concedia aos imigrantes, hospedagem gratuita durante os oito dias no alojamento
provincial e o pagamento das passagens e dos fretes dos imigrantes nas estradas de ferro até
seu destino nas fazendas de café63.

A Hospedaria dos Imigrantes foi criada em 1885 no Brás, e concluída em 1888. Ela
estava dimensionada para receber três mil imigrantes, mas, em alguns momentos, abrigou
aproximadamente o triplo de sua capacidade64, funcionava como verdadeiro mercado de
trabalho, onde os fazendeiros firmavam acordos com os imigrantes italianos, além disso,
desempenhou ainda a ação de desenvolver o bairro ao redor, fixando mão de obra para a
incipiente industrialização65.

Na Hospedaria, cujo acesso era permitido somente aos fazendeiros e a seus


representantes, a maior parte dos imigrantes foi empregada, no início, com base no contrato
verbal, e quando escritos, raramente eram respeitados. A prática do descumprimento estava
inserida no contexto da dificuldade de se modificar, o que interessava para o cafeicultor66.

O acordo entre o imigrante e o fazendeiro era feito pelo regime colonato, ou seja,
eram contratadas famílias inteiras, com possibilidade de ganhos proporcionais ao tamanho da
família, e tinha a permissão de cultivar gêneros alimentícios e de possuir animas de criação
para a subsistência e comercialização67. Pelos anos 1890, as fazendas de café eram
organizações grandes e complexas, com colonos empregados em capinar e apanhar o café,
compondo cerca de 50% da força de trabalho de uma fazenda. Os colonos tinham se tornado
um grupo bastante homogêneo, morando em fileiras de casas construídas para eles nas
fazendas, chamadas colônias. Além das famílias de colonos, uma fazenda sempre possuía um
grupo de camaradas, homens solteiros ou jovens famílias que viviam na propriedade e
recebiam um salário mensal. Tarefas tais como transportar o café dentro da fazenda, secar e
processar o café, preparar os pastos, levantar e consertar cercas, manter as estradas da
propriedade e outros serviços manuais eram geralmente executados por esses camaradas68.

63
PETRONE, Maria Theresa Schorer. O imigrante italiano na fazenda de café de São Paulo. In: DE BONI, Luis
Alberto (Org). A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p. 107.
64
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel,
1988. p.34.
65
HUTTER, Lucy Maffei. Imigração italiana em São Paulo (1880-1889): os primeiros contactos do imigrante
com o Brasil. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros/USP, 1972. p.109.
66
TRENTO, op. cit., p.68
67
Ibidem. p.68.
68
STOLCKE, Verena. Cafeicultura: Homens, mulheres e capital (1850-1980). São Paulo: Brasiliense, 1986.
27

Os imigrantes que chegavam por contrato deviam fazer parte de unidades familiares,
casais com menos de quarenta e cinco anos sem filhos, casais com filhos, com ao menos um
homem em idade ativa por família, viúvos ou viúvas com filhos, e pelo menos um homem em
idade ativa. Membros dependentes das famílias podiam ser incluídos, pais, avós, irmãos
solteiros e cunhados, mulheres casadas que iam se reunir aos maridos já no Brasil. Dos
imigrantes que chegaram a Santos 1887-1892, 62% eram do sexo masculino, com mais de 12
anos, as famílias subsidiadas tinham 5 membros na família. 69

As queixas mais frequentes no início da imigração referiam-se ao tratamento abusado


pelo fazendeiro ao colono italiano. Ou seja, ainda permanecia a consciência escravista, com
vigilância rigorosa, multas que os fazendeiros acostumados a tratar com escravos queriam
impor ao imigrante, ausência de liberdade de ir e vir e fiscalização de horários e de serviço
eram referidos constantemente. Outro problema era o endividamento dos imigrantes nas
fazendas70, além disso, havia pagamento impontual do salário. As plantações de café eram um
mundo fechado, auto-suficiente, impenetrável, lá não se liam jornal e não entrava religião, a
maioria das queixas permeava sobre o isolamento e a falta de assistência religiosa, médicos e
professores.71

Aos imigrantes, em sua maioria vindos para servir como mão de obra das fazendas
de café, o trabalho acabou surgindo como elemento unificador, capaz de criar laços de
solidariedade e estratégias de sobrevivência. ―Para os imigrantes, trabalho foi uma experiência
estratégica. Eles dotaram de um novo sentido o ato de trabalhar - sob uma certa perspectiva, o
trabalho ajudava a superar o medo do novo e a insegurança do desconhecido‖72.

Ainda que o destino do imigrante italiano estivesse quase que irremediavelmente


ligado às fazendas de café paulistas, desde seu primeiro contato com a nova realidade estava
claro que os hábitos praticados na Itália influenciaram suas escolhas ocupacionais e sua
distribuição geográfica em São Paulo, conseguindo optar entre a vida no campo e na cidade.
Fora da agricultura, havia outras profissões: a dos pequenos negociantes, dos jornaleiros,
alfaiates, dos artesãos e dos vendedores ambulantes, os mascates, que viajavam pelas cidades
e fazendas carregando as mercadorias nas costas e os operários. Alguns italianos se

69
STOLCKE, Verena. Cafeicultura: Homens, mulheres e capital (1850-1980). São Paulo: Brasiliense, 1986.
70
PETRONE, Maria Theresa Schorer. O imigrante italiano na fazenda de café de São Paulo. In: DE BONI, Luis
Alberto (Org.). A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p.112.
71
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel,
1988. p.115.
72
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: História, Cidade, Trabalho. São Paulo: EDUSC, 2002.
p.47.
28

transformaram em pequenos negociantes em um ponto importante da cidade, onde mais


facilmente podiam vender seus produtos, outros se dedicaram ao pequeno comércio de
vinhos, óleos e comestíveis ou ao artesanato.73.

Além disso, os italianos foram personagens do processo de industrialização de São


Paulo, formando boa parcela da mão de obra, alguns criaram pequenas fábricas familiares;
outros se dedicaram à importação-exportação associando essa atividade às fábricas. Alguns
italianos encontraram em São Paulo o espaço para fazer desde um pequeno pecúlio até as
grandes fortunas de um Matarazzo ou de um Crespi.74

Em relação à mulher imigrante, ela foi fundamental para o sucesso do projeto


familiar da emigração, pois era responsabilidade feminina o bom andamento da unidade
familiar: cuidava da casa, dos filhos, da alimentação familiar, além de acompanhar o trabalho
do homem com os animais e nas plantações, do plantio à colheita.75 Essas mulheres também
tiveram a imagem de incansáveis, fortes, trabalhadoras e corajosas, eram consideradas boas
donas de casa e econômicas; com intensa disposição estavam sempre realizando tarefas,
cozinhando, limpando e bordando. Como esposas, desempenharam na família um papel ativo,
contribuindo para a renda, participando das decisões familiares e formando outras mulheres.
Nesse sentido, tiveram um papel de destaque como trabalhadoras e como mantenedoras das
tradições e conhecimentos de transmissão oral, o que implicou daí em diante uma nova
concepção de mulher, diferente da mulher escrava76.

Através da circularidade de pessoas e ideias, a imigração para São Paulo, portanto,


trouxe em seu bojo as mais diferentes forças que tiveram como consequência a modernização
da vida cultural, a reabilitação e valorização do trabalho manual, a necessidade de instrução e
educação, incentivos à vida cultural, sem falar na diversificação econômica e na
industrialização. Os imigrantes de qualquer origem deixaram suas marcas, principalmente os

73
ALVIM, Zuleica M. F. Brava Gente! Os italianos em São Paulo 1870-1920. São Paulo: Brasiliense, 1986.
74
OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil dos imigrantes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p.35.
75
VANNINI, Ismael Antônio. Crescei e multiplicai-vos: o papel da mulher no projeto imigratório (serra gaúcha
– 1890-1950). Anais Fazendo Gênero 9 - Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. Florianópolis: Instituto de
Estudos de Gênero - IEG, Universidade Federal de Santa Catarina, 23 a 26 de agosto de 2010. Disponível em:
<http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1277833952_ARQUIVO_TextoCompletocongressoUFSC.
IsmaelAntonioVannini.pdf>. Acesso em: 12/02/2013.
76
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: História, Cidade, Trabalho. São Paulo: EDUSC, 2002.
p.48.
29

italianos em São Paulo, e no modo de vida da população que se formava frente ao conjunto de
mudanças políticas, econômicas e sociais.77

1.2 RESISTÊNCIAS: ANARQUISTAS E SOCIALISTAS

A cidade de São Paulo entre o século XIX e o XX passava por transformações na


configuração urbana, medida pelo aumento populacional, pelo crescimento da indústria, pela
formação da mão de obra operária, em sua maioria, imigrantes e de um mercado consumidor.

A cidade se implantara no interior de um maciço cercado de planícies


de várzeas e insalubres, sujeitas às inundações do Tamanduateí e do
Tietê. Estas planícies foram se integrando ao núcleo urbano, na
medida em que iam sendo atravessadas pelas estradas de ferro – a
Inglesa, a São Paulo-Rio de Janeiro, a Sorocabana. O baixo preço dos
terrenos e a proximidade das estações ferroviárias atraiam para o Brás,
o Bom Retiro, a Mooca, as novas indústrias e muito dos imigrantes
recém-chegados. O processo de formação dos bairros, em função da
constituição da sociedade de classes, é simétrico: enquanto a massa de
imigrantes se concentra nas várzeas, bordando as faces sul e leste do
maciço paulistano, vão surgindo neste os bairros residenciais que
sobem as encostas em busca de terrenos altos e saudáveis
(Higienópolis) até atingir o alto espigão, onde se abre a avenida
Paulista.78

Até a eclosão da Primeira Grande Guerra, em 1914, o Brasil vivia dependente do


setor exportador agrícola, sobretudo do café. A produtividade cíclica, mas constante,
promovida por fazendeiros mais esclarecidos e a decidida intervenção do governo paulista
sobre as condições do mercado mantinham o produto na posição de verdadeiro supridor das
necessidades cambiais do Estado e do País. Houve tempos nos quais a renda do café suportou
grande parte dos investimentos de São Paulo, a ponto de as taxas incidentes sobre o produto
dispensarem qualquer outro imposto estadual. A indústria se desenvolvia lentamente à sombra
dos recursos que brotavam dos cafezais.79

77
PETRONE, Maria Theresa Schorer. O imigrante italiano na fazenda de café de São Paulo. In: DE BONI, Luis
Alberto (Org.). A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p.118-119.
78
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). São Paulo: DIFEL, 1977. p.19. Ver
também: PETRATTI-TEIXEIRA, Palmira. A Vila Maria Zélia: A fascinante história de um memorial ideológico
das relações de trabalho na cidade de São Paulo. Anais ANPUH - XXV Simpósio Nacional de História.
Fortaleza: Associação Nacional de História - ANPUH/ Universidade Federal do Ceará, 2009. Disponível em:
<http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.0155.pdf>. Acesso em: 11/03/2013.
79
CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Campinas: Ed. UNICAMP, 1998.
30

O crescimento industrial paulista começou a se esboçar no fim da década de 1870.


Os imigrantes estavam nos dois extremos da indústria, como donos de fábricas e também
como operários. Os principais ramos industriais eram o têxtil, em primeiro lugar, e logo
depois o setor de alimentação, incluindo bebidas e vestuário. A indústria de base só passaria a
ser desenvolvida durante a Primeira Guerra Mundial.80

O setor têxtil foi como a ―locomotiva‖ da industrialização paulistana, no final do


século XIX, várias foram as fábricas de tecelagens implantadas, como a tecelagem Anhaia no
bairro do Bom Retiro, a Companhia Industrial no Pari, as fábricas têxteis de Diogo Antônio
de Barros na Capital, a fábrica Sant‘Ana, no Brás e o Cotonifício Rodolfo Crespi na Mooca.81

Até 1870, a confecção de peças de roupas masculinas e femininas era realizada por
iniciativa pessoal. Devido ao aumento populacional, acompanhado pela expansão das estradas
de ferro, do avanço do café e da imigração, foi somente a partir desse período de
transformações que a cidade de São Paulo começou a apresentar condições para a formação
de um mercado local, a demanda por produtos têxteis aumenta, capaz de absorver a produção
industrial, o que criou condições para o nascimento de outros estabelecimentos fabris.82

O aumento populacional é fruto não só das recentes fontes de riquezas


– que se distribuem entre o comércio, a indústria e a agricultura -, mas
também de outro fator: a imigração. De certa maneira, à medida que
as estradas de ferro avançam, acompanhadas pela formação de novas
fazendas, temos, entre outros resultados, o aparecimento de centros
urbanos e o crescimento dos já existentes.83

A indústria têxtil atendia parte das necessidades existentes, principalmente a dos


populares, tecidos para uso doméstico, ou necessários para vestuário masculino e feminino. A
produção tinha a característica de ser mais grosseira, já que as fábricas eram tecnicamente
ainda precárias, e produziam o próprio fio de algodão ou lã. A produção variava entre tecidos
crus e tintos, chitas, morins e brins, tecidos riscados, zefirs, cassinetas, colchas, atoalhados,
xales entre outros. No entanto, os tecidos mais finos para vestimentas da classe média e da
elite eram importados.84

80
CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Campinas: Ed. UNICAMP, 1998.
81
BIONDI, Luigi. Classe e Nação: Trabalhadores e socialistas italianos em São Paulo, 1890-1920. São Paulo:
Ed. UNICAMP, 2011.
82
CARONE, Edgard. A evolução industrial de São Paulo (1889-1930). São Paulo: Editora SENAC, 2001.
83
Ibidem. p.54.
84
Ibidem.
31

Outro produto têxtil de destaque da produção da época foi a juta, e que acompanhava
a economia do café nacional, quando aumentavam as exportações, a produção dos sacos de
juta seguiam a mesma tendência. Porém, eram poucas as fábricas que se dedicaram a essa
atividade, a mais conhecida a Nacional de tecidos de Juta do empresário Jorge Street. 85

A indústria de tecidos de juta nasceu à sombra dos cafezais, para


fornecer invólucros nos quais se exportava café. Utilizando matéria-
prima totalmente importada, cresceu e arraigou-se no Estado de São
Paulo, onde constitui-se numa atividade complementar do setor agro
exportador, apresentando-se como uma das possibilidades surgidas na
esteira deste setor.86

A mão de obra demandada para esse tipo de indústria foi o imigrante, em sua
maioria, o italiano. Não só por estarem mais adaptados às exigências desse tipo de trabalho,
por muitos já terem sido operários em seus países de origem, mas também, por não terem
preconceitos com o trabalho manual, diferente dos brasileiros que associavam o trabalho
manual à escravidão. Tais imigrantes, como consumidores, tinham necessidades maiores
devido aos costumes trazidos, o que ampliou o mercado interno. Em suma, o imigrante era
mais bem qualificado para esse tipo de trabalho e tinha uma tendência a poupar.87

É com razão que se ligam comumente os italianos ao processo de


industrialização no Brasil. Sua ação se volta para uma série de
atividades produtivas, tanto no plano da alimentação, como no da
produção de bens duráveis, [...]. Na indústria têxtil a atividade dos
italianos é básica. Eles dominaram boa parte das fábricas que surgiram
nessa fase. Pelo recenseamento de 1920, é dado destaque sobre suas
atividades industriais. De 2119 estabelecimentos pertencentes a
italianos espalhados pelos Brasil 1446 se situam em São Paulo. Eles
também empregam maior contingente de operários, com 8487 num
total de 12146 brasileiros. O mesmo se repete quando tratamos do
capital empregado, da força motriz, etc.88

Diante do contingente de imigrantes utilizado como mão de obra da indústria, vários


foram os fatores que favoreceram a formação do movimento operário em São Paulo, a
facilidade de contatos e dos ideólogos se adaptarem ao meio urbano, além das condições de
oferta do mercado de trabalho e a composição étnica da classe, com predominância de
estrangeiros.89 Sobre as condições da oferta de trabalho, boa parcela de imigrantes vindos para
o Brasil transferiu-se para os centros urbanos, devido às fases de depressão do setor cafeeiro,

85
MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e Poder: a trajetória polêmica em torno das indústrias de sacaria
para o café (São Paulo - 1888-1934). Rio de Janeiro: Sete Letras, 1999. p.29.
86
Ibidem. p.29.
87
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). São Paulo: Difel, 1977.
88
CARONE, Edgard. A evolução industrial de São Paulo (1889-1930). São Paulo: Editora SENAC, 2001.
p.105-106.
89
FAUSTO, op. cit., 1977.
32

ou a dificuldade de acesso à terra, buscando alternativas na cidade de São Paulo. Sendo assim,
o setor cafeeiro desempenhou papel fundamental na oferta da mão de obra urbana, através de
seu movimento, pois na crise os trabalhadores migravam para os centros urbanos em busca de
trabalho e sobrevivência, o que acabou criando um exército industrial de reserva, contribuindo
para deprimir os salários. Em relação à composição étnica, os imigrantes italianos
representavam cerca de 60% dos operários da indústria têxtil em 1912 em São Paulo90.

Além disso, o movimento operário teve participação pequena dos trabalhadores


brasileiros, o fato diferencial entre trabalhadores imigrantes e trabalhadores brasileiros era, de
um modo geral, que os primeiros ocupavam os cargos qualificados e semi-qualificados,
cargos esses de muito mais peso para a continuidade do sindicalismo. Outra diferença foi o
fato de existir, nas comunidades de imigrantes, homens que já haviam participado em lutas
operárias na Europa antes de haverem movimento na década de 1890 e começo do século
XX.91

A ação operária é dirigida contra a injustiça do trabalho: os baixos


salários; o excessivo número de horas de trabalho, que vai de 12 a 16
horas diárias; as péssimas condições de trabalho das mulheres e dos
menores, etc., são questões combatidas desde o início do movimento
operário. A maior parte das greves se dão por esses motivos e as
reivindicações levantadas fazem parte do programa dos partidos e dos
sindicatos. Frequentemente os paredistas se organizam em comícios,
passeatas e outras manifestações, extrapolando a luta específica da
fábrica onde estão em greve -, para a praça pública, na tentativa de
atrair a simpatia da população a seu favor. As famosas marchas dos
grevistas, dos bairros distantes do Ipiranga ou da Mooca em direção
ao Largo da Concórdia (Brás) ou à Praça da Sé, se tornaram clássicas
em São Paulo, nas décadas de 1910 e 1920.92

O obstáculo do movimento operário era a repressão da polícia, aliada ao poder dos


empregadores que costumavam fazer ameaças, aplicar multas salariais, demitir operários e
incluí-los em suas listas negras, táticas que variavam de indústria para indústria. O maior
grupo de operários industriais no Brasil encontrava-se na indústria têxtil, em sua maioria,
constituído por mulheres e crianças. A indústria têxtil era gigantesca. Suas fábricas possuíam
centenas de empregados, seus bens de capital eram enormes e suas associações de classe eram
bem organizadas, o que dava flexibilidade para suportar greves de longo período. Os
industriais contavam com o apoio total da polícia para controlar qualquer tipo de manifestação

90
CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Campinas: Ed. UNICAMP/IE, 1998.
91
MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro (1890-1920). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979.
92
CARONE, Edgard. Movimento operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: Difel, 1979. p.13.
33

operária. Vencidas as greves, para estimular a obediência dentre os trabalhadores,


costumavam fazer ―um limpa‖ nas fábricas dentre os ativistas, o que dificultava a procura por
outro emprego.93

Os bairros operários situavam-se em terrenos menos valorizados, em São Paulo,


localizavam-se nos vales, baixadas ou em locais distintos próximos às fábricas e longe do
centro comercial, Brás, Ipiranga, Bexiga e Barra Funda. As casas operárias eram residências
iguais e geminadas, que ocupavam quarteirões inteiros, como vilas operárias junto às
fábricas.94

A partir de sua origem, principalmente após 1890, a ação do operário refletiu boa
parte da complexidade de ideias e de organização manifestadas na Europa. Com a imigração,
o estrangeiro que vem trabalhar como assalariado rural e urbano traz da Europa a sua
experiência de luta e de organização, de ideias e de reivindicação. 95 O anarquismo e o
socialismo no Brasil germinaram de sementes importadas, como uma ―planta exótica‖, ou
seja, os imigrantes aqui residentes, os quais viriam a ser os operários, trouxeram as raízes que
culminaram nas correntes revolucionárias da época.96

[...] podemos dizer que o movimento operário vem ao Brasil


―empacotado‖: nada é original, nada é sui-generis. Formas de
organização e teoria, tudo, tudo, nos vem como herança de fora. No
entanto, nenhum processo se faz somente no sentido mecânico. Se
quisermos usar de outra metáfora, podemos dizer que o movimento
operário brasileiro reflete como um ―espelho‖ a realidade da Europa,
mas, como todo espelho reflete a imagem deformada, podemos dizer
que é outro o indivíduo devolvido pelo espelho. O mesmo precisa ser
dito sobre a nossa experiência proletária, que se modela pela sua
matriz, mas que reflete grau e ritmo de desenvolvimento particulares,
reflexo das condições do subdesenvolvimento da nossa sociedade.97

Porém, também vale destacar que vieram para o Brasil imigrantes ainda meninos,
filhos de agricultores analfabetos que não tinham experiência e nem mesmo conhecimento de
ideias políticas e ―praticas subversivas‖. Foi aqui que a experiência de vida e trabalho, a
convivência com outros indivíduos (nacionais ou estrangeiros), possibilitou o contato com as
ideias anarquistas e socialistas, possibilitou a tomada de uma posição política, com o
engajamento nos movimentos políticos. Estes imigrantes mantinham relações bem articuladas

93
MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro (1890-1920). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979.
94
CARONE, Edgard. Movimento operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: Difel, 1979.
95
Ibidem.
96
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). São Paulo: Difel, 1977.
97
CARONE, op. cit., 1979.
34

com elementos de distintos grupos étnicos e que tinham a seu favor a facilidade de se
misturarem entre os brasileiros.98

Socialistas e anarquistas ao mesmo tempo divergiam e convergiam, havia elementos


comuns, táticos e estratégicos entre ambos, mesmo que estes elementos podiam ser marcados
por concepções basicamente diferenciadas conforme cada uma das correntes de pensamento.99

O anarquista é, portanto, uma pessoa adepta da Anarquia. Um cidadão


contrário às desigualdades existentes nas sociedades mercantilistas,
bélicas, imperialistas, exploradoras que alienam e subjugam as
pessoas em prejuízo da felicidade, da vida!100

Para o anarquista101 era importante preservar e desenvolver o ser humano, por isso
advoga a liberdade integral (física, psíquica, religiosa, política, econômica, etc.) como meio
de permitir a cada indivíduo a possibilidade de despertar e desenvolver todas as capacidades e
aptidões, sem temores, cerceamentos e/ou frustrações. Defendia a sociedade aberta, cultivava
a liberdade como direito também de defesa da própria liberdade, respeitada por todos como a
saúde e o oxigênio que todos respiram.102

Em relação à mulher militante, ela desprezava o convencionalismo


colocando-se em oposição aos limites da igualdade perante as leis. Em São
Paulo algumas mulheres se destacaram disseminando os princípios anarquistas103,
como Maria Lacerda de Moura104, Elvira Boni105, Teresa Maria Carini106, Isabel

98
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano em São Paulo
(séculos XIX e XX). Bauru: Edusc, 2013. p.150.
99
CARONE, Edgard. Movimento operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: Difel, 1979.
100
RODRIGUES, Edgar. Quem tem medo do anarquismo? Rio de Janeiro: Achiamé, 1992. p.22.
101
GATTAI, Zélia. Anarquistas, graças a Deus. Rio de Janeiro: Record, 2000. A autora (filha de imigrantes
italianos anarquistas) representou através de sua história de infância o cenário vivido em São Paulo no início do
século XX.
102
RODRIGUES, op. cit., p.22.
103
Ibidem.
104
Ver: LEITE, Miriam Moreira. Outra face do feminismo: Maria Lacerda de Moura. Vol. 112. São Paulo:
Atica, 1984.
105
Elvira Boni: filha de imigrantes italianos, tomou conhecimento das ideias socialistas com o pai; já morando
no Rio de Janeiro, inicia-se na vida sindical participando nas atividades da Liga Anticlerical, e em Maio de 1919,
fundou com outras profissionais, a União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas, promovendo greve
vitoriosa para a categoria. Ao casar-se com Olgier Lacerda, um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro
(PCB), participou de suas atividades, sem se filiar. Biografia completa em: SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL,
Érico Vital. Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
E em: GOMES, Angela de Castro. Velhos militantes: depoimentos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
106
SCHUMAHER, BRAZIL, op. cit., p.510. Teresa Maria Carini (1863-1951): Ativista política da luta operária.
Nasceu na Itália, casada com o músico Guido Rocci, em uma de suas apresentações no Rio de Janeiro, Teresa o
acompanhou e ficaram no Brasil. Ela se envolveu com a luta operária e anarquista: tomou parte na fundação de
ligas operárias, apoiou movimentos grevistas e interessou-se, sobretudo, pela questão da emancipação feminina.
Em 1906, assinou um manifesto, destinado às costureiras paulistas, que foi sendo publicado ao longo do ano em
35

Cerruti107, Maria Angelina Soares108, Emma Ballerini109, Sofia Garrido110 e Matilde


Magrassi111.

várias edições do jornal A Terra Livre. O manifesto conclamava as costureiras a se unirem em defesa de
melhores condições de trabalho, redução de jornada, mais lazer e acesso à educação.
107
Imigrante, Isabel veio bastante jovem ao Brasil, e, interessada desde cedo pelas ideias anarquistas, participou
intensamente e de forma duradoura do movimento libertário. Não se sabe ao certo de que lugar emigrou, mas
supõe-se que tenha sido da Itália. Isabel escreveu em jornais anarquistas, proferiu conferências, falava em
comícios públicos, de comemoração e protesto, e tomou parte no Centro Educativo Feminino e na Liga Feminina
Internacional. Não rejeitava convites para defender a mulher trabalhadora, e via no homem não seu rival, mas
um companheiro de lutas. Ela não concordava com as mulheres sufragistas, por entender que a emancipação
devia ser humana, não de sexos e/ou direitos iguais para iguais obrigações. Como anarquista, Isabel não defendia
governos políticos, liberais e/ou autoritários de homens ou mulheres e ver a mulher em uma situação de
submissão irritava-lhe bastante. Isabel Cerruti colaborou na imprensa anarquista, em periódicos como A Plebe,
com seu próprio nome e com os pseudônimos Isa, Ruti e Isabel Silva. IMPRENSA MARGINAL; MABEL
DIAS E COLETIVO INSUBMISSAS. Mulheres Anarquistas: o resgate de uma história pouco contada. s/d.
p.29. Disponível em: <http://anarcopunk.org/biblioteca/wp-content/uploads/2009/01/mulheres-anarquistas-o-
resgate-de-uma-historia-pouco-contada.pdf>. Acesso em: 11/03/2013.
108
Passou a morar em Santos de 1910 a 1914 junto com a família. Foi lá que Maria Angelina Soares conheceu o
anarquismo, um pouco por influência do seu irmão Florentino de Carvalho (Primitivo Raimundo Soares). Ela era
bordadeira. Em 1914, voltou para São Paulo, indo morar na Rua Bresser, no Brás, onde passou a se envolver
com a luta anarquista. Primeiro ajudando seu irmão a fazer o Germinal-Barricata, periódico publicado nos
idiomas português e italiano, e, depois, dando aulas nas Escolas Modernas. Maria Angelina começou a participar
da imprensa anarquista em 1915, escrevendo um artigo sobre "A Guerra", para o jornal libertário A Lanterna,
dirigido por Edgard Leuenroth. Depois colaborou em A Voz da União, dirigida por Souza Passos; na Voz dos
Garçons, dirigido por Nicolau Parada, morto mais tarde no campo de concentração do Oiapoque; na Plebe, na
revista Prometheu, dirigida pelo seu sobrinho Arsênio Palácio, e em O Libertário, publicado sob a
responsabilidade de Pedro Catalo, na década de 60. Ainda em São Paulo, Angelina ajudou a fundar e dirigiu por
algum tempo o Centro Feminino de Educação. Maria Angelina Soares morreu no Rio de Janeiro em 1985.
Ibidem. p.29-30.
109
Emma nasceu em São Petersburgo foi nos Estados Unidos que ela começou a envolver-se com o anarquismo.
O feminismo de Emma é bem atual na medida em que rejeita a armadilha de restringir a opressão das mulheres a
uma questão de Estado, e ataca seus fundamentos nas práticas da sociedade, na sexualidade - "a principal arma
da sociedade contra as mulheres" - na divisão do trabalho e na reprodução familiar. Emma decidiu-se por não ser
mãe, preferia dedicar-se integralmente à luta anarquista, pois observava que os homens poderiam ser pais sem
renunciar à revolução e a liberdade, mas a situação para as mulheres era bem diferente. Realizou algumas
conferências sobre este tema, entre elas, estão "O controle da natalidade" e "O direito da criança a não nascer".
Em 1906, ela realiza um velho sonho, a produção da revista Mother Earth. Em 17 de fevereiro de 1940, a
incansável e guerreira Emma Goldman sofreu um derrame, falecendo dois meses depois, no mesmo ano. ―O
direito a voto, a igualdade civil, podem ser reivindicações justas, mas a emancipação real não começa nem nas
urnas nem nos tribunais. Começa na alma de cada mulher.‖ ―Os 3 fantasmas que acorrentam homens e mulheres:
a religião que nos domina a mente, a propriedade privada que nos faz escravos e o governo que nos oprime.‖
Ibidem. p.13-18.
110
Sophia Garrido ou Maria Sophia Loaise, argentina de nascimento, defendeu o anarquismo, e, mais do que
isso, a mulher, independente de cor, raça, nacionalidade ou idade, em fervorosos discursos. Era casada com o
pedreiro Miguel Garrido, e entrou no Brasil pela fronteira, trazendo da Argentina as ideias e práticas anarquistas.
Chegou a Santos com seu companheiro, que ali já tinha estado em 1915. Em 1917 explode em São Paulo a greve
geral insurrecional. As trabalhadoras santistas convocam um comício na Rua Brás Cubas esquina com a Luiza
Macuco, em frente ao Sindicato dos Canteiros. Falaram Manuel Perdigão, Antônio Casal, João Perdigão, Sofia e
Miguel Garrido, que encerra a manifestação declarando a greve geral de solidariedade para as trabalhadoras de
São Paulo. Do comício, ela tomou a frente das trabalhadoras presentes e foi em passeata nos jornais e aos
sindicatos convocar os companheiros. Seu nome é anotado pela polícia em sua lista obscura. Dali em diante, as
prisões sucederam-se e as expulsões também. Miguel Garrido é preso em julho de 1919, mais ou menos pela
décima vez, e a polícia resolve expulsá-lo. os anarquistas enviam todos os esforços, por vias legais, para libertá-
lo, mas nada surte efeito. Preparam então uma greve geral para Santos com o apoio do proletariado de São Paulo,
mas antes Sofia resolve ir à delegacia, na intenção de convencer o policial Ibraim Nobre a soltá-lo. Discutiram e
o policial a prendeu. Entra em cena o Dr. Heitor de Morais para defender o casal, que, entretanto, não conseguiu
soltar as anarquistas argentinas, conseguindo apenas um acordo, para que Miguel e Sofia fossem deportados para
36

Ao considerar a questão feminina, as mulheres anarquistas buscavam por intermédio


da ―revolução social‖ mais ampla a emancipação da mulher, buscando a igualdade, a justiça e
a liberdade de toda humanidade. Na luta cotidiana, as operárias anarquistas questionavam
―não apenas o patriarcalismo da sociedade brasileira, mas a discriminação sexual no meio
operário e no ambiente de militância política. Propunham, pois, um feminismo libertário‖112.

As anarquistas almejavam à formação de uma sociedade autônoma, ou libertária,


enraizada não na competição, ou na descomedida busca pelo lucro, mas sim pela
solidariedade entre os indivíduos. Nesta sociedade sonhada não haveria distinção étnica,
idade, gênero, todos teriam o mesmo direito. Principalmente entre homens e mulheres, as
quais possuiriam novas oportunidades não só no trabalho, mas na vida social, no lar, no
casamento e na família. ―Para isso, deveriam lutar contra todas as formas de manifestação das
relações de poder, tanto nas fábricas quanto nas escolas, nos sindicatos, nos grupos sociais e
políticos e mesmo no próprio lar‖.113

Entre as ideias trazidas pelos imigrantes italianos o socialismo, entre o início do


século XIX e os anos de 1870, proliferou um grande número de sindicatos e partidos em toda
Europa. Com a indústria e o aumento do número de trabalhadores, eles passam a se
organizarem de maneira mais coerente, baseados nas teorias socialistas, tornando-se mais
exigentes e lutando de maneira radical a favor de suas reivindicações, por meio de greves e
manifestações.114

O socialismo divulgado no Brasil e que chegou através dos portugueses, espanhóis e


italianos teve contato com a Europa de tendência marxista, com relação direta com o

o Rio Grande do Sul por conta da União de Artes, Ofícios e Anexos. Nos anos seguintes, Sofia participou do
movimento em Porto Alegre. Em 1º. de maio de 1921 (segundo memória de João Perdigão), juntamente com
Perdigão, Miguel, Frederico Kniestedt e o Tupi, participou de manifestações alusivas à data. IMPRENSA
MARGINAL; MABEL DIAS E COLETIVO INSUBMISSAS. Mulheres Anarquistas: o resgate de uma
história pouco contada. s/d. p.28. Disponível em: <http://anarcopunk.org/biblioteca/wp-content/uploads/2009/01/
mulheres-anarquistas-o-resgate-de-uma-historia-pouco-contada.pdf>. Acesso em: 11/03/2013.
111
Matilde veio da Itália junto com seu companheiro Luigi Magrassi, para continuar no Brasil as atividades
anarquistas que já realizava em sua terra. Junto com o companheiro, integrou os primeiros grupos libertários e de
teatro social, fundados pelas anarquistas no Rio de Janeiro. Morou no Rio de Janeiro e São Paulo na última
década do século XIX e na primeira do século XX. Ajudou a fazer o jornal Novos Rumos, lançado em maio de
1905 e colaborou, entre outros, com o Amigo do Povo e O Chapeleiro, publicados em São Paulo em idiomas
italiano e português; o primeiro sob a responsabilidade de Neno Vasco, e o segundo de José Sarmento Marques.
Matilde fez intensa propaganda anticlerical e participou de algumas assembleias. Anos depois, Matilde Magrassi
viajou com seu companheiro para a Argentina, começando por lá uma nova adaptação. Luigi Magrassi entrou
para a redação de La protesta, e colaborava também com o jornal. Ibidem. p.25-26.
112
RAGO, Margareth. Relações de Gênero e Classe Operária no Brasil, 1890-1930. In: PISCITELLI, Adriana
(Org). Olhares Feministas. Brasília: Edição Eletrônica, 2007. p.597.
113
Ibidem. p.597.
114
CARONE, Edgard. Socialismo e anarquismo no início do século. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
37

socialismo formado na França. Entre 1880 e 1900, o número de organizações que se


consideravam marxistas era grande. Tinha o Partido Social Democrata Alemão (1869), o PSD
Austríaco, o PSD Sueco, o PSD Russo (1898), o Partido Socialista Belga, o Partido Socialista
Francês, o Partido Socialista Italiano, o Partido Socialista Espanhol.115

A história da sociedade é a história da luta de classes, reduzida na


sociedade atual a das classes fundamentais e antagônicas: a burguesia
e o proletariado. Na raiz, esse antagonismo, que se concretiza a partir
do desenvolvimento da grande indústria, está o fato de que, enquanto
os capitalistas dispõem dos meios de produção, os operários dispõem
apenas da sua força muscular ou de suas aptidões intelectuais e se
vêem compelidos pela necessidade primordial de viver a ceder sua
força de trabalho por uma vantagem inferior à que eles próprios
produzem. O Estado é a ―vera efígie da burguesia‖. Sua intervenção se
faz sempre no sentido de amparar os interesses dos espoliadores e as
contramarchas resultam da maior força dos que clamam. Daí a
necessidade – expressa no programa máximo – de organizar o
proletariado em partido de classe, com o objetivo de alcançar o poder,
para transformá-lo de agente de exploração capitalista em instrumento
para anular o monopólio econômico e político da classe dominante.116

Os socialistas italianos desempenharam um papel tão importante quanto dos


anarquistas, exatamente pela maior capacidade de circular entre diferentes tipos de
associações étnicas e de classe, já desenvolvida no país de origem. Sua atuação previa,
justamente, a participação nos mais variados processos de organização, desde o grupo político
até o sindicato, o círculo recreativo, a cooperativa de consumo e de produção e, obviamente,
as associações étnicas e as importantes sociedades de socorro mútuo, que surgiram entre os
trabalhadores italianos de São Paulo, da mesma forma como ocorria nos países onde
emigraram, e que influenciou diretamente a formação do Partido Socialista Italiano em São
Paulo.117

Nesse sentido, faz-se necessário resgatar a formação e o crescimento das sociedades


de socorro mútuo formadas por imigrantes italianos em São Paulo e que acompanhou o
crescimento da cidade. Elas eram compostas por sócios que em geral trabalhavam como
artesãos, mas que eram proprietários das oficinas, operários e também intelectuais. Tinha
como objetivo promover o auxílio entre seus membros, já que não havia previdência social e

115
CARONE, Edgard. Socialismo e anarquismo no início do século. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
116
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). São Paulo: Difel, 1977. p.100.
117
BIONDI, Luigi. Desenraizados e integrados: classe, etnicidade e nação na atuação dos socialistas italianos em
São Paulo (1890-1930). In: SCHPUN, Mônica Raisa (Coord.). Migrações, migraciones. Nuevo Mundo Mundos
Nuevos. Debates. Paris, 2007.
38

assistência pública, levando os imigrantes a procurar a segurança de uma proteção em caso de


acidentes, doenças e despesas funerárias.118

Ernestina Lesina teve participação, ao lado de Antonio Piccarolo119, da sociedade de


socorro mútuo ―Galileo Galilei‖, promovida em São Paulo durante maio de 1904, um
congresso das sociedades e instituições italianas no Brasil, o qual tinha como qualidade o
pluralismo, havendo lugar para todas as facções regionais e políticas, desde clero aos
socialistas, e, os temas abordados tinham como intuito promover meios para a difusão da
língua e da cultura italiana no Brasil.120

A Galilei nasceu como sociedade dos toscanos, na qual provenientes, sobretudo, do


norte da região Toscana (Províncias de Lucca e Massa-Carrara), em 1898, constituíram entre
os artesãos e os operários especializados em São Paulo, um núcleo já muito consistente na
última década do século XIX. Tinha dedicação maior pela assistência médica à saúde.121

Ao mesmo tempo, pode-se afirmar que o papel das sociedades mutualistas italianas
de São Paulo foi fundamental em diferentes momentos nas greves, e em geral na criação de
uma difusa rede de solidariedade e sociabilidade que derrubava as ideias de um mutualismo
étnico fechado em si mesmo sem nenhuma relação com as outras organizações dos
trabalhadores. Além de que muitos militantes socialistas eram membros de sociedades de
socorro mútuo e ocupavam cargos de direção nelas e nos sindicatos.122

Diante do cenário que estava se formando, fundou-se em São Paulo o Partido


Socialista (1902), que contava com cerca de 35 mil sócios compostos por militantes italianos,
vindos na década de 1890, artesãos, operários, comerciantes, profissionais liberais e
intelectuais.123 Propunha como programa mínimo em relação aos trabalhadores: proibição de
pagamento de salário não monetário, descanso semanal de, no mínimo, 36 horas consecutivas,

118
TRENTO, Angelo. Os italianos no Brasil. São Paulo: Premio, 2000. p.104.
119
HECKER, Frederico Alexandre de Moraes. O Socialismo em São Paulo: a atuação de Antonio Piccarolo.
Tese (Doutorado em História Social), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH,
Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, 1996. Antonio Piccarolo foi um militante fundador do Partido
Socialista Italiano, em 1892, tornou-se um de seus intelectuais ativos, tendo dirigido jornais e sindicatos ligados
ao Partido. Em 1904, foi convidado pelo Partido Socialista Italiano em São Paulo, para dirigir o jornal Avanti!.
120
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo:
Nobel, 1989.
121
BIONDI, Luigi. Classe e Nação: Trabalhadores e socialistas italianos em São Paulo, 1890-1920. São Paulo:
Ed. UNICAMP, 2011.
122
Idem. Desenraizados e integrados: classe, etnicidade e nação na atuação dos socialistas italianos em São
Paulo (1890-1930). In: SCHPUN, Mônica Raisa (Coord.). Migrações, migraciones. Nuevo Mundo Mundos
Nuevos. Debates. Paris, 2007.
123
Idem, op. cit., 2011.
39

responsabilidade penal e civil dos patrões, nos casos de acidentes de trabalho, proibição de
trabalho para menores de 14 anos e de mulheres, quando da existência de perigo para a
maternidade e inconvenientes para a moralidade, regulamentação da segurança e higiene no
ambiente de trabalho e limitação da jornada de trabalho a 8 horas no caso de adultos,
mulheres e homens e de 6 horas para menores entre 14 e 18 anos. O amparo à mulher
trabalhadora compunha um dos eixos de discussão do movimento operário socialista, pois
pretendia uma legislação especial, a qual procurava manter a mulher no mercado de trabalho,
porém restrita a certas atividades, com o intuito de preserva-la mentalmente e fisicamente
para as tarefas privadas, além de estipular um tempo máximo no qual sua força de trabalho
fosse vendida, de forma a garantir tempo para suas atividades domésticas.124

O partido socialista brasileiro, constituído em 1902, era, na verdade,


uma espécie de federação do PSI no Brasil e por muitos anos foi
chamado e identificado desta forma, como Federação do Estado de
São Paulo. Era uma parte do partido no Brasil. Um fenômeno que nem
chegou a ocorrer na cidade de Buenos Aires, onde também, em muitos
bairros, como na Boca, o socialismo estava essencialmente ligado aos
imigrantes italianos. Assim como não ocorreu no cinturão industrial
de New Jersey, onde os italianos, de qualquer forma, constituíam, em
muitas áreas, a força de trabalho preponderante.125

Outra questão a salientar é que o socialismo não era um movimento organizativo


sindical exclusivamente dominado por trabalhadores especializados, homens e adultos. Pelo
contrário, uma análise mais aprofundada deste período e da atividade dos socialistas italianos,
mostrou que a presença de trabalhadores, não (ou pouco) especializados e de mulheres, não
era nada desprezível, já que elas constituíam a maioria da mão de obra da indústria têxtil e
eram as que mais necessitavam dos direitos trabalhistas almejados na luta social, tanto que um
dos sindicatos que teve maior sucesso em termos de números de filiados proporcionalmente
ao número de empregados, em termos de atividade sindical e associativa, foi o dos tecelões e
tecelãs (com diversas mulheres em sua direção, como o caso de Ernestina Lesina).126

Além do anarquismo e do socialismo também se destacou o sindicalismo


revolucionário, nasceu no Brasil como dissidência do partido socialista, foi um movimento
em defesa do sindicato como único órgão capaz e suficiente para garantir as conquistas
presentes e futuras dos trabalhadores; defendia a luta de classes, a ação direta dos

124
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina na constituição do sistema
fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
125
BIONDI, Luigi. Desenraizados e integrados: classe, etnicidade e nação na atuação dos socialistas italianos em
São Paulo (1890-1930). In: SCHPUN, Mônica Raisa (Coord.). Migrações, migraciones. Nuevo Mundo Mundos
Nuevos. Debates. Paris, 2007.
126
Ibidem.
40

trabalhadores, a autonomia operária associada à autonomia sindical e a neutralidade política


do sindicato.127

O sindicalismo revolucionário foi, assim, um esforço de construção de


uma identidade operária, de classe, capaz de superar outras
identidades. Foi também a defesa da classe trabalhadora, ou seja, da
presença de todos os trabalhadores, de qualquer tendência, nos
sindicatos. Outro aspecto fundamental foi o esforço de associar a luta
cotidiana por melhores condições de vida e trabalho a uma perspectiva
a longo prazo de construção de uma sociedade em que a propriedade
coletiva seria gerida pelos trabalhadores por meio de sindicatos. A luta
sindical era vista como a revolução em curso, como uma experiência
de autogoverno dos trabalhadores, com uma organização baseada em
critérios de democracia interna e participação. Tratava-se, portanto, de
enveredar, ao mesmo tempo, na luta política e econômica.128

Desta forma, a cidade de São Paulo, em constantes transformações sociais e


econômicas, foi palco de atuação dos movimentos operários nascentes na perspectiva das
ideias anarquista e socialista trazidas pelos imigrantes e também formadas no Brasil, o que
refletiu as questões das mulheres operárias, durante os primeiros anos do século XX.

1.3 TRABALHADORAS: NA FÁBRICA E NA CIDADE

O grito possante da chaminé envolve o bairro. Os retardatários voam,


beirando a parede da fábrica, granulada, longa, coroada de bicos.
Resfolegam como cães cansados para não perder o dia. Uma
chinelinha vermelha é largada sem contraforte na sarjeta. Um pé
descalço se fere nos cacos de uma garrafa de leite. Uma garota parda
vai pulando e chorando alcançar a porta negra.
O último ponta-pé na bola de meia.
O apito acaba num sopro. As máquinas se movimentam com
desespero. A rua está triste e deserta. Cascas de bananas. O resto de
fumaça fugindo. Sangue misturado com leite.
Na grande penitenciária social os teares se elevam e marcham
esgoelando.129

A cidade de São Paulo nos primeiros anos do século XX passava a oferecer outras
oportunidades, ainda que desiguais, de trabalho, começou a sintetizar novas experiências e
linguagens, os costumes foram quebrados pelas mudanças da ordem social, pelas inovações
nas rotinas das mulheres e, principalmente, as modificações nas relações entre homens e
mulheres. O avanço do feminismo e as frequentes reivindicações das mulheres por maiores

127
TOLEDO, Edilene. Anarquismo e sindicalismo revolucionário: trabalhadores e militantes em São Paulo na
Primeira República. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. p.13.
128
Ibidem. p.13-14.
129
GALVÃO, Patrícia. Parque industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p.18-19.
41

oportunidades acabaram por gerar novas profissões para as brasileiras fora do lar, porém,
ainda eram inúmeros os empecilhos ao acesso a determinadas ocupações e as ofertas
disponíveis eram consideradas uma extensão das atribuições às mulheres.130

Assim, observa-se sobremaneira o valor das mulheres num contexto de mudanças


culturais, as suas aparições e ocupações, buscavam ultrapassar as barreiras impostas pela
mentalidade vigente da época, não apenas em prol de espaço no mercado de trabalho, mas
também, em desmistificar a identidade de ser mulher pré-estabelecida e em lutar pelos seus
direitos.

O que importa para entender a divisão sexual do trabalho para a análise do tema é
entender que a sociedade, no caso, a brasileira, utilizava essa diferenciação para hierarquizar
as atividades e, portanto, os gêneros. Em suma, para criar um sistema, no qual a mulher
sempre era desfavorecida, sofrendo com a herança da sociedade patriarcal.131

A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social


decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um
fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos.
Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como
características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva
e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação
pelos homens das funções com maior valor social adicionado
(políticos, religiosos, militares etc).132

Além disso, a divisão sexual do trabalho segue dois princípios, o da separação


(existem trabalhos específicos para homens, e outros para mulheres), e o hierárquico (o
trabalho do homem vale mais que o da mulher, em termos de prestígio e de valor monetário).
Tais princípios são aplicáveis a qualquer sociedade, inclusive à brasileira, pensando o gênero
como determinismo biológico, destino natural da espécie, não designando as relações sociais
ligadas à sociedade.133

Em relação às definições da ―natureza‖ feminina, as civilizações, uma após outra,


foram prolixas. Quase sempre esta ―natureza‖ era definida pela óptica masculina. Na
brasileira, por exemplo, havia uma ordem sem poder ser violada, tal ordem era ditada pelo
masculino, que determinava os papeis e as tarefas de todos e de todas, principalmente para as

130
MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando A (Coord.).
História da Vida Privada no Brasil. Vol.3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
131
HIRATA, H.; KERGOAT, D. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa.
São Paulo, Fundação Carlos Chagas, vol.37, n.132, p.595-609, set./dez. 2007.
132
Ibidem. p.599.
133
Ibidem.
42

mulheres, a forma das roupas por cada gênero e dos comportamentos, era, geralmente, uma
ordem social pré-determinada, sem justificações plausíveis fisiológicas. Mas era incorporada
normalmente como se fosse a própria ordem da Natureza, predominando, cada vez mais,
intangível e sagrada.134

Porque a Natureza assim decidiu, a mulher carregava os filhos,


alimentava o bebê, e era mais fraca, fisicamente, do que o homem.
Este, além de resistir mais a um certo tipo de esforço, não tem a
desvantagem, no decurso da sua vida, da gravidez.135

De acordo com a crença da ―natureza feminina‖ considerava-se que a mulher era


dotada biologicamente para desempenhar as funções da vida privada, do lar. Basicamente a
mulher era destinada a se casar, gerar filhos e educá-los. Dentro dessa ótica, não havia espaço
para a mulher fora do lar e nem para o homem dentro de casa, já que ele pertencia à vida
pública, à rua e ao trabalho, ao marido cabia a chefia da sociedade conjugal.136

Essa ideia pré-determinada sobre a ―missão da mulher‖, que a destina ao casamento e


à procriação conduziu negativamente o seu caminho, pois o que deveria resultar numa
qualificação da força de trabalho feminina, não passou apenas de uma especialização que
destina as mulheres da sociedade às ocupações subalternas, perspectivas de promoção e mal
remuneradas.137

Alguns confundem ―trabalho feminino‖ com as funções domésticas,


os cuidados com a família e a casa; já outros entendem que ele
envolve as atividades remuneradas realizadas no próprio domicílio e
mesmo a participação das mulheres no mercado de trabalho. Neste
último sentido, o trabalho passou a ser questionado como elemento
impeditivo das ditas ―funções naturais‖ das mulheres, as de mãe e
esposa. Entretanto, basta olhar com atenção a história para ver que as
mulheres sempre trabalharam, mesmo que, seu labor não fosse tão
evidente ao confundir com os ofícios coletivos e familiares.138

O trabalho para que eram contratadas mulheres era definido como ―trabalho de
mulher‖, adequado de algum modo às suas capacidades físicas e aos seus níveis inatos de
produtividade. Este discurso colaborou para o que foi discutido como uma divisão sexual no
mercado de trabalho, concentrando as mulheres em alguns empregos e não em outros,

134
SULLEROT, Évelyne. A mulher no Trabalho. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1970.
135
Ibidem. p.23.
136
MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando A (Coord.).
História da Vida Privada no Brasil. Vol.3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
137
SAFFIOTI, H. I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1979.
138
MATOS, Maria Izilda; BORELLI, Andrea. Espaço feminino no mercado produtivo. In: PINSKY, Carla
Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Orgs.). Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012. p.127.
43

colocando-as sempre na base de qualquer hierarquia ocupacional e estabelecendo os seus


salários abaixo do nível básico de subsistência.139

Nesse processo, foram mais facilmente incorporadas ao mercado laboral quando


assumiram ocupações para as quais eram consideradas hábeis ou vocacionadas (fiar, tecer,
costurar, cuidar, servir) e enfrentaram maiores dificuldades quando foi necessário superar os
preconceitos existentes, sobretudo nos setores mais conservadores, tidos como
tradicionalmente masculinos140.

Tudo parece indicar que o industrialismo se desenvolveu no Brasil


utilizando a divisão sexual no interior da classe operária, cuja família
patriarcalmente constituída permitia que o trabalho feminino fosse
tratado como complementar. Complementar ou não, o fato é que as
mulheres estavam sujeitas a uma jornada de trabalho frequentemente
maior que a do homem (como no caso das costureiras e tecelãs) e
auferiam salários bem menores.141

O mercado de trabalho paulistano no período pré-1930, era notado pelo excedente de


oferta de trabalho, mais de 50% dos empregos ―industriais‖ da capital paulistana era
composto de operários assalariados, havia flexibilidade dos salários, elevada instabilidade do
emprego, ausência de legislação trabalhista e uso indiscriminado de mulheres e crianças,
realizando extensas jornadas de trabalho e exploração constante.142

Segundo as estatísticas do final do século XIX, as indústrias de fiação e tecelagem de


São Paulo eram compostas de 49,95% dos trabalhadores por mulheres e 22,79% por crianças,
já em 1912, os trabalhadores do gênero feminino totalizavam, considerando adultas e
crianças, 3.642, ou seja, 71,75% do operariado global. E no recenseamento de 1920, a
participação de mulheres e menores dentro do setor têxtil era da ordem de 58,79%, ou seja,
mais da metade do operariado do setor era composta por esta força de trabalho no estado de
São Paulo.143

Por conseguinte, foi por meio dessas condições expostas que se compreende a
concentração industrial em São Paulo e a peculiaridade do mercado de trabalho na região.

139
DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das Mulheres no Ocidente. Vol.5. Porto: Afrontamento,
1991.
140
MATOS, Maria Izilda; BORELLI, Andrea. Espaço feminino no mercado produtivo. In: PINSKY, Carla
Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Orgs.). Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012. p.127.
141
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina na constituição do sistema
fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p.123.
142
BARBOSA, Alexandre de Freitas. A formação do mercado de trabalho no Brasil. São Paulo: Alameda
Editorial, 2008.
143
RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo:
Ed. UNICAMP/Hucitec, 1988.
44

Estas reflexões assumem especial significado para destacar o papel da mulher e os impasses
sociais que ela se defrontou.

Comparar a força de trabalho feminina e infantil para operar as


primeiras unidades fabris no Brasil correspondia aà única alternativa
viável numa conjuntura na qual a economia enfrentava escassez de
mão de obra; em outras palavras, as mulheres foram introduzidas na
condição clássica de exército industrial de reserva. Mas, como tal,
marcaram presença na organização industrial que se desenvolveria
definindo um patamar salarial extremamente baixo, frequentemente
aquém de qualquer cálculo do custo de reprodução da força de
trabalho. Esse tipo, para a família operária, significaria que esforços
adicionais deveriam ser feitos, de forma a cobrir tais custos –
principalmente, cuidando de atividades de subsistência, como
pequenas hortas ou criação de animais domésticos, por um esforço
feminino maior na produção de valores de uso para o consumo
familiar ou pela prestação de serviços pessoais, por parte das crianças
ou das próprias mulheres.144

Diante deste panorama, o que saltava aos olhos era a associação entre a mulher no
trabalho e a questão da moralidade social, pois a mentalidade da época condenava as mulheres
operárias, pois a fábrica era considerada como ―antro da perdição, bordel ou lupanar‖,
enquanto a trabalhadora era vista como uma figura indefesa e passiva. O trabalho da mulher
fora de casa era visto como um malefício da família, as crianças cresceriam soltas, sem os
cuidados das mães, as mulheres deixariam de dar atenção e carinho exclusivos aos seus
maridos, além que uma parte delas deixaria de se interessar pelo casamento e pela
maternidade.145

O que determinava o emprego abusivo de mulheres e menores neste tipo de indústria


eram os baixos salários, as tarefas não especializadas tecnicamente e nem de grande esforço
muscular e a facilidade no controle comportamental por parte dos mestres e contra mestres.
Por outro lado, a mulher e os filhos eram forçados pela miséria a entrarem no mercado de
trabalho, em busca de fonte de renda para sobreviverem, porém restringidos a determinados
ramos fabris.146

As alternativas restritas de emprego, aliadas à miséria condicionavam


uma atitude de subordinação frente ao autoritarismo do regime fabril.
[...] A facilidade na imposição da disciplina de fábrica para essa força
de trabalho advinha da própria situação social em que estavam

144
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina na constituição do sistema
fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p.123.
145
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Brasil - 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1997.
146
RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo:
Ed. UNICAMP/Hucitec, 1988.
45

inseridos a mulher e a criança – a submissão a uma autoridade do


marido, pai, irmãos – regra socialmente válida que se refletia no meio
fabril na subserviência ao mestre e ao contramestre.147

A fábrica aparecia como lugar detestável, da dominação e do aniquilamento da


criatividade operária, constantemente constrangida a sujeitar-se às imposições exacerbadas
dos patrões. Se, pelo lado dos patrões, a unidade fabril era representada como espaço neutro
da produção, através de uma composição estática que procurava registrar o número de
máquinas, de peças, de compartimentos e de operários, também considerados como fatores de
produção, pelo lado destes, esta construção imaginária da fábrica respondia a uma intenção
disciplinadora precisa: a de incitar explicitamente ao trabalho, obrigando o operário a
respeitar as normas da hierarquia fabril.148

O discurso operário sobre a fábrica traduz, desde cedo, a revolta


contra a imagem edulcorada do mundo do trabalho projetada pelo
imaginário burguês. Falar da fábrica significa, nesta perspectiva,
questionar praticamente a organização capitalista do processo de
produção por vários lados. Neste movimento, as estratégias de luta
preconizadas pelos libertários, desde a sabotagem, o boicote, o roubo,
a destruição de equipamentos, até a greve geral, confluem na direção
das práticas de resistência cotidiana criadas pela combatividade
operária.149

Nas fábricas de fiar e tecer, onde havia o maior número de mulheres empregadas, a
transformação das fibras do algodão em tecido era um processo bastante complexo,
aparentemente, e envolvesse três operações principais: a fiação, a tecelagem e o acabamento.
Sua complexidade, vinha do fato de que estas operações compreendiam várias outras
operações, fazendo com que a fibra do algodão passasse por uma infinidade de maquinismos
até sua transformação em fio destinado ao uso dos teares. O número de máquinas,que se
interpunha entre uma operação e outra dependia, fundamentalmente, do tipo de fio a ser
produzido e do tecido. Quanto mais o fio diminuísse de grossura, maior era o número de
maquinismos por onde ele deveria passar; isto, ao mesmo tempo, implicava um maior número
de operários150.

[...] a imagem que se forma da fábrica de fiar e tecer era a de um


estabelecimento no qual as operações eram executadas por máquinas
que empreendiam todos os movimentos necessários à elaboração do
produto, restando ao trabalhador a tarefa de vigiar o seu

147
RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo:
Ed. UNICAMP/Hucitec, 1988. p.159.
148
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Brasil - 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1997. p.19-20.
149
Ibidem. p.20.
150
RIBEIRO, op. cit., p.114-115.
46

funcionamento. A ação do operário fazia-se restrita no sentido de


servir à máquina, alimentando-a com matéria-prima e cuidando-a
quando de uma avaria. Subordinava-se ao movimento e ritmo da
máquina.151

A rotina de trabalho nas fábricas, eram demasiadamente exploráveis, variando de 10


a 14 horas diárias de trabalho pesado sob a supervisão dos patrões e contramestres. Em suma,
na divisão do trabalho, as mulheres eram responsáveis pelas tarefas menos especializadas e
mal remuneradas; enquanto os cargos masculinos de direção e de concepção eram efetuados
pelos mestres, contramestres e assistentes. Desta maneira, as reclamações das operárias contra
as explorações dos patrões, as péssimas condições de trabalho, a falta de higiene nas fábricas,
o controle disciplinar abusivo e o assédio sexual, encontram espaço na imprensa operária,
devido à carência de uma legislação trabalhista que pudesse proteger o trabalho feminino,
principalmente as operárias.152

Na indústria de juta, onde apresentava participação relevante da mão de obra


feminina, os operários têxteis eram distinguidos dos outros trabalhadores pelos salários mal
pagos, e, além do salário ser diferenciado pela idade ou sexo entre os operários, os operários
adultos ganhavam mais que os menores, sendo que os homens tinham salários superiores aos
pagos às mulheres, para igual serviço.153

Em 1912 a média do salário feminino representava 65% do masculino,


e a do menor chegava a representar menos da metade da remuneração
adulta masculina. [...] A complexidade da estrutura salarial, aliada ao
amplo universo de determinação das remunerações nas mãos do
patronato, foi elaborada visando tanto diminuir os custos das forças de
trabalho como despojar o trabalho do conhecimento de seu salário. Os
critérios aleatórios dos industriais comprimiam os salários ao máximo.
O operariado, por sua vez, enfrentava, denunciava e resistia.154

O ambiente das fábricas têxteis vivido pelos numerosos operários, os quais


compunham fileiras lado a lado das máquinas era caracterizado pela densa camada de poeira,
pelo calor abafado somado à umidade e pelo barulho ensurdecedor das batidas compassadas
dos teares. Na presença das condições de insalubridade vivente nas fábricas apontava o ar
confinado em todas elas, provido da falta de infraestrutura das construções fabris que atalhava
a circulação do ar. Porém, o cotidiano desses trabalhadores tornava perceptíveis os danos

151
RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo:
Ed. UNICAMP/Hucitec, 1988. p.115.
152
RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: PRIORE, Mary del (Org); BASSANEZI, Carla
(Coord.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001.
153
MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e Poder: um estudo sobre as indústrias de sacaria para o café (São
Paulo - 1888-1934). Rio de Janeiro: Sete Letras, 1999.
154
Ibidem. p.80-83.
47

causados à saúde pelo ambiente fechado e pela poeira, transparecendo na perda de disposição
ao trabalho, na fadiga precoce, na vulnerabilidade às doenças infecciosas e irritações
cutâneas155.

Nas salas de fiação nos dias de verão, ao contrário, o calor era seco e
intenso. Os operários agitados com as tarefas, sob alta temperatura,
por vezes eram acometidos pela insolação. Suas resistências estavam
minadas, trabalhavam com esforço, consumiam suas reservas de
energia. A inapetência os atingia com o que não conseguiam repor do
desgaste, e assim formava-se um ciclo vicioso.156

Fora das fábricas, diante da nova configuração urbana que se moldava a cidade de
São Paulo, no início do século XX e da dificuldade de inserção da mulher no mercado de
trabalho, múltiplos tipos de trabalho foram gerados pelas mãos femininas, como alternativa de
sobrevivência. 157

As trabalhadoras pobres eram consideradas profundamente ignorantes,


irresponsáveis e incapazes, tidas como mais irracionais que as
mulheres das camadas médias e altas, as quais, por sua vez, eram
consideradas monos racionais que os homens. No imaginário das
elites, o trabalho braçal, antes realizado em sua maior parte pelos
escravos, era associado à incapacidade pessoal para desenvolver
qualquer habilidade intelectual ou artística e à degeneração moral.
Desde a famosa ―costureirinha‖, a operária, a lavadeira, a doceira, a
empregada doméstica, até a florista e a artista, as várias profissões
femininas eram estigmatizadas e associadas a imagens de perdição
moral, de degeneração e de prostituição. 158

As ocupações das mulheres no espaço público além das operárias, variavam desde
verdureira, ama de leite, até professoras, enfermeiras e dentistas. Ademais, muitas delas
reproduziam seus afazeres domésticos, cozinhar, lavar, passar e engomar, como forma de
gerar uma renda extra para o sustento da família. 159

O esforço para trazer à família recursos monetários marginais, vitais


em caso de crise, sempre acarretou um aumento da atividade feminina,
levando as mulheres a reproduzir as ocupações, desenvolvidas, nos
quadros domésticos, como lavar, passar e engomar, que passaram a
constituir, para as mulheres pertencentes aos extratos sociais mais
baixos uma opção de ocupação remunerada, impondo-lhes uma

155
RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo:
Ed. UNICAMP/Hucitec, 1988. p.116-122.
156
Ibidem. p.128.
157
MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e Poder: um estudo sobre as indústrias de sacaria para o café (São
Paulo - 1888-1934). Rio de Janeiro: Sete Letras, 1999.
158
RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: PRIORE, Mary del (Org); BASSANEZI, Carla
(Coord.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001. p.589.
159
MATOS, op. cit., 1999.
48

jornada de trabalho ampla numa extensão de sua própria atividade


doméstica e com míseros ganhos.160

No espaço privado, ou seja, no próprio domicilio havia cozinheiras com a produção


de doces, salgados e petiscos para serem comercializados pelas ruas em bandejas e cestas;
havia também, menos visíveis, as mulheres habilidosas manualmente com as agulhas que
confeccionavam bordados e rendas, costura, tricô, crochê, manufatura de flores, ornamentos e
chapéus, elaboração de enxovais de cama e mesa, lingerie, chinelos e também para a ―costura
de carregação‖ de produtos, como os sacos de juta para o café e o uniforme dos trabalhadores
das fábricas. Nesses casos, a possibilidade de trabalhar em casa não significava escapar às
exigências de prazos e ao controle de qualidade, efetuados pelos contratantes, além disso, a
mulher não tinha horário fixo nem jornada de trabalho estabelecida. Esse tipo de organização
do trabalho na esfera doméstica, normalmente era realizado por mulheres dos setores mais
populares, por permitirem a conciliação do trabalho domiciliar com o trabalho remunerado, às
vezes trabalhando mais horas do que se trabalhasse fora de casa.161

As mulheres não vivenciavam, como os homens, a polarização entre


tempo e trabalho e de não-trabalho, mas enfrentavam a rotina dos
afazeres domésticos e do trabalho domiciliar. Seu tempo era modelado
pelo dos outros; seus horários eram os do marido, dos filhos, do
patrão, do mercado, da costura e dos bordados. O tempo das mulheres
caracterizava-se pela fragmentação e superposição de tarefas, porém
era variado e relativamente autônomo, situando-se em um polo oposto
ao tempo do universo fabril. (...) Tanto no discurso patronal como na
imprensa operária, as atividades de agulhas passaram a ser vistas
como uma atividade exclusivamente feminina; sendo a mulher
considerada incapaz para o trabalho criativo, destacavam-se as
vantagens do emprego domiciliar como conciliador de virtudes (o
trabalho, a casa, a maternidade), justificando o lugar da mulher no lar,
longe do perigo da fábrica.162

Uma atividade de destaque foi também a das lavadeiras, exercida fora da casa dos
clientes, na beira dos rios Tietê, Tamanduateí, Anhangabaú e Pinheiros, nos portos e nas
ferrovias, aonde chegavam grande quantidade de roupa suja das embarcações e trens. A
organização do trabalho dessas mulheres e do ritmo dependia das condições climáticas, pois
era exercido ao ar livre e o frio e a chuva dificultava a secagem das roupas e provocava atraso
nas entregas. A lavagem de roupa era uma das funções mais essenciais em qualquer moradia.
As famílias de posses usavam grande quantidade de roupa branca no seu cotidiano, roupas de

160
MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e Poder: um estudo sobre as indústrias de sacaria para o café (São
Paulo - 1888-1934). Rio de Janeiro: Sete Letras, 1999. p.144.
161
Idem; BORELLI, Andrea. Espaço feminino no mercado produtivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO,
Joana Maria (Orgs.). Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012. p.130.
162
Idem. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. São Paulo: EDUSC, 2002. p.95, 98.
49

cama, mesa e banho, e também as próprias roupas de homens, mulheres e crianças que em
geral, exigiam cuidados especiais no lavar, passar e engomar. 163

Essas mulheres eram conhecidas pela disposição para o trabalho, além disso,
conheciam as técnicas e os segredos de sua ocupação, estratégias para branquear, engomar e
passar a roupa, além de produzirem elas mesmas o sabão e a goma. 164

Para efetuar as entregas, as lavadeiras tinham que percorrer grandes


distâncias com pesadas e volumosas trouxas, já que lhes era proibido
utilizar bondes com os pacotes de roupas. Quando as autoridades se
deram conta de que as dificuldades sanitárias urbanas ampliavam os
graves problemas epidêmicos, passaram a alertar para os perigos de se
lavar roupas em tina e tanques comunitários nos quais se ―misturavam
as roupas de todas as gentes‖. Por conta disso, gradativamente e não
sem resistência, o trabalho das lavadeiras perdeu o seu caráter externo,
passando a ser feito prioritariamente nos domicílios dos patões,
corporificando o ditado popular ―roupa suja se lava em casa‖.165

Outro fato a considerar, era a convivência entre as lavadeiras no cotidiano de


trabalho, o trabalho junto ao rio possibilitava o relacionamento também com canoeiros,
pescadores e carroceiros, que encantavam com o cantarolar de lavadeiras. Costume bastante
difundido, o canto ritmava o trabalho de lavar, esfregar e torcer e bater, que realizado em
grupo possibilitava as mulheres trocar experiências do dia a dia, como também troca de
receitas, remédios, rezas e histórias, criando laços afetivos e de solidariedade.166

Uma das ocupações femininas que permitia melhores ganhos era a de ama de leite167.
Embora algumas mães fossem impossibilitadas de amamentar, outras não faziam por costume,
vaidade, falta de paciência e até repugnância, não só pelo tempo gasto, mas também pela
sujeira da criança. Esse ganho mais elevado, se comparado com outras funções, devia-se à
responsabilidade dessas criadas a quem os patrões confiavam a vida e os cuidados de seus
filhos, e também porque esse serviço requeria muita paciência, dedicação e cuidados, além de
asseio constante, com a higienização da criança e a troca de roupa depois da amamentação. A
função era exercida tanto na casa dos patrões como na própria casa das ―amas criadeiras‖
como eram chamadas. Além disso, também serviam órgãos públicos e caritativos como a
Santa Casa e orfanatos. Porém, devido à possibilidade das amas infectarem as crianças com
163
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. São Paulo: EDUSC, 2002.
164
Idem; BORELLI, Andrea. Espaço feminino no mercado produtivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO,
Joana Maria (Org.). Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012.
165
Ibidem. p.132.
166
Idem, op. cit., 2002, p.141.
167
Idem. Em nome do engrandecimento da nação: Representações de Gênero no discurso médico – São Paulo -
1890-1930. Diálogos. Revista do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá. Maringá,
2002. p.77-92.
50

tuberculose e sífilis, e a preocupação com higiene da cidade, as campanhas sanitaristas


implicaram o declínio desse tipo de ocupação.168

Num momento em que crescia a obsessão contra micróbios, a poeira,


o lixo e tudo o que facilitava a propagação de doenças contagiosas, a
amamentação mercenária passou a ser vista como incompatível com
essas formas. Para as propostas de higienização do lar, a palavra de
ordem era eliminar os miasmas e germes e qualquer veículo de
contaminação. Assim, a imagem difundida era a de que o pobre
contaminava o rico, e os criados aos patrões. Observar preceitos de
higiene constituí-se, porém, em sinônimo de acabar com o trabalho
mercenário de amamentação. Higienistas e sanitaristas, preocupados
com a ―eugenia da raça, com o futuro das crianças do Brasil‖,
desencadearam uma campanha contra condições em que era realizado
o trabalho de aleitamento infantil.169

A ocupação das criadas era caracterizada por uma dura rotina doméstica, as criadas
começavam a trabalhar desde a madrugada e, dependendo das necessidades, só paravam altas
horas da noite, ficando à disposição para serviços eventuais. Nas casas geridas por patroas
exigentes, as criadas enfrentavam um rígido programa de trabalho. A rotina de trabalho era
acrescida de funções que deveriam ser executadas de acordo com uma distribuição na semana
de segunda a sábado, como: encerar os quartos e escritório, virar colchões e , vasculhar os
tetos e encerar a sala de jantar, bater os tapetes e encerar a sala de visitas, e lustrar os móveis,
lavar as vidraças, respectivamente para cada dia da semana. Algumas criadas trabalhavam
sem remuneração em troca de teto, escassa comida e roupa usada170.

Com o advento da urbanização da cidade e a preocupação com a questão da higiene,


o trabalho doméstico também sofreu modificações no seu cotidiano, além das transformações
no espaço interno das casas, como a introdução dos fogões a gás e o fornecimento de água
que poupava aos criados de abastecer as casas de água.171

A expansão urbana e capitalista desse período trouxe o aparecimento


na noção de rentabilidade eficácia do trabalho em todos os domínios,
inclusive no espaço interior, destacando-se a importância da limpeza e
da higiene para a saúde e bem estar da família e com ela a
responsabilidade da dona de casa. Nesse momento se expandem
manuais e revistas que fornecem as normas de como executar e ou
organizar o serviço do lar. Percebe-se também que a organização do

168
MATOS, Maria Izilda Santos de; BORELLI, Andrea. Espaço feminino no mercado produtivo. In: PINSKY,
Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012. p.132.
169
Idem. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. São Paulo: EDUSC, 2002. p.155.
170
Ibidem. p.126.
171
Ibidem. p.131.
51

trabalho ―porta adentro‖ torna-se dependente dos horários escolares e


do trabalho.172

Em locais onde a presença das imigrantes era significativa, as mulheres negras


tinham mais dificuldades em encontrar ocupação, pois, por conta do preconceito, os patrões
preferiam contratar os serviços das brancas, já que o discurso da época valorizava o imigrante
branco como civilizado, honesto, ordeiro, sincero e pacífico, particularmente preferiam optar
pelas portuguesas, que eram consideradas dedicadas honestas e com tenaz capacidade de
trabalho.173 Com isso, as mulheres negras acabavam se concentrando em postos ainda menos
valorizados e pior remunerados como e de doméstica, cozinheira, lavadeira e catadora de
restolho.174

No comércio de rua, entre os vários tipos de ambulantes, muitas mulheres, como


alternativa de sustento, comercializavam verduras, legumes, frutas, flores, ovos, batatas,
cebolas, aves, carnes, peixes, leite, pão, entre outros produtos, disponíveis da produção de
quintal. A maioria das verdureiras era imigrante e de atividade regular, expunham nas feiras
livres o que produziam em chácaras existentes nos arredores da cidade. Também havia as
leiteiras, que cotidianamente percorriam um roteiro determinado, visitando a freguesia com
seus animais (vacas e cabras), oferecendo leite tirado na hora.175

Fora as ocupações mencionadas, outras se intensificaram com o desenvolvimento do


setor terciário, eram as profissões de escritório, nos estabelecimentos bancários e comerciais
nos postos de telegrafia, telefonia, contabilidade e como escriturárias, secretárias, datilógrafas,
guarda-livros, entre outros. Todos esses cargos exigiam moças solteiras, ágeis, assíduas,
dóceis e submissas. As profissões que exigiam um nível de escolaridade maior estavam dentro
das áreas consideradas ―mais aptas‖ à natureza feminina, como Magistério, Enfermagem,
Farmácia e Odontologia, ou então como profissões consideradas uma extensão dos serviços
feitos no lar, sempre permeando as características da mulher de cuidar e educar os filhos. No
entanto, mesmo os obstáculos menores por esse motivo, ainda eram significativos para a
proliferação da mulher nesses cargos.176

172
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. São Paulo: EDUSC, 2002.
p.127.
173
Ibidem. p.122.
174
Idem; BORELLI, Andrea. Espaço feminino no mercado produtivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO,
Joana Maria (Orgs.). Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012. p.132.
175
Ibidem. p.129.
176
Ibidem. p.134-141.
52

Sem alternativa financeira e social da maioria das mulheres populares, que


enfrentavam oportunidades de emprego incertas e limitadas, levava algumas à prostituição177
eventual ou mesmo à permanente. Algumas prostitutas ganhavam mais do que empregadas
domésticas, costureiras ou operárias.178 Além disso, 95% das prostitutas provinham de setores
populares, os baixos salários ou até mesmo a falta deles fizeram com que a prostituição se
tornasse uma alternativa de sustento, sendo assim, a indústria foi a responsável por destruir os
elos familiares e gerar a prostituição, pois elas faziam parte da classe trabalhadora operária,
vivendo em péssimas condições financeiras e sociais.179

A prostituição foi encarada como um trabalho, o corpo ofertado e a procura pela


satisfação sexual, era uma troca de prestação de serviço que envolvia pagamento. Era como
uma indústria do prazer: a prostituta vendia seu corpo e era paga pra dar prazer. No entanto,
essa atividade não podia ser encarada como ato de vagabundagem ou ociosidade, a prostituta
era praticamente obrigada, pelo sistema, a trilhar esse caminho pecaminoso, pois não havia
outras oportunidades dignas financeiras nem sociais. Além disso, o próprio ambiente fabril
contribuiu como pano de fundo para a proliferação do serviço, pois, na fábrica os gêneros se
aproximavam, não havia a vigilância familiar, foi criado o trabalho noturno, no qual os
patrões abusavam imoralmente e sexualmente de suas funcionárias. O que conclui que o
mundo fabril nascente no Brasil no início do século XX, além de não oferecer condições
adequadas à mulher trabalhadora, foi o meio corruptor e cheio de seduções para o nascimento
e proliferação da prostituição.180

Destarte, no início do século XX quando a mulher se insere no mercado de trabalho,


observa-se que o problema a ser discutido ultrapassa a preocupação, do ponto de vista do
capitalismo (a mulher como recurso de mão de obra facilmente mobilizável), consistindo no
fato de que as mulheres ingressam na atividade, ao mesmo tempo, contribuindo para uma
eventual transformação das relações sociais e da relação salarial. Além do nascimento e da
proliferação das lutas diárias de sobrevivência das mulheres em prol do seu espaço no
mercado de trabalho, coloca em pauta não apenas o problema da conciliação entre a vida

177
O tema sobre a prostituição também é analisado em: RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: Prostituição e
códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). São Paulo: Paz e Terra, 2008.
178
HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino: A luta pelos direitos da mulher no Brasil (1850-1940).
Santa Catarina: Editora Mulheres, 2003.
179
MORAES, Evaristo de. ―Prostituição e Infância‖ In: DEPARTAMENTO DA CREANÇA NO BRASIL
(Org.). Theses Oficiaes, Memórias e Conclusões do Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção á Infância.
7º Boletim. Rio de Janeiro: Emprensa Graphica Editora, 1925.
180
Ibidem. p.67-79.
53

familiar e a vida profissional (questionando, de algum modo, a divisão tradicional do


trabalho), mas discutindo globalmente a organização social da vida cotidiana.181

A cidade de São Paulo no início do século XX, como foi observado, passava por
muitas transformações, em relação à mulher, novas ocupações femininas surgiram, novos
modos de vida e sobrevivência se configuraram na paisagem paulista urbana em crescimento.
A mulher representou, sobremaneira, suas funções no ambiente de trabalho, e mesmo diante
dos obstáculos impostos ela passou a tomar posição de luta e de reivindicação. O trabalho
expressou uma relação diferenciada entre as mulheres, pois o trabalho, como ambiente do
espaço público, passou a ser um lugar de tomada de consciência mais ampla de uma opressão
que não dependia de sua vida privada, o que acabou acarretando a organização das mulheres
trabalhadoras na busca pelos seus direitos e melhores condições de vida.182

Através desse panorama apresentado é que se refletem as resistências femininas,


greves e manifestações das mulheres operárias durante os primeiros anos do século XX,
procedida de uma consciência germinada dos anarquistas e socialistas, os quais se
organizavam numa luta na busca por melhores condições de trabalho, pela dignidade de
trabalhador e de ser mulher.

181
KARTCHEVSKY-BULPORT, Andrèe. Trabalho feminino, trabalho das mulheres: força em jogo nas
abordagens dos especialistas. In: KARTCHEVSKY-BULPORT, Andrèe. O sexo do trabalho. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1986.
182
RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: PRIORE, Mary del (Org); BASSANEZI, Carla
(Coord.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001.
54

CAPÍTULO II – EXPRESSÕES FEMININAS: PÁGINAS E LUTAS

De leitora de folhetins e romances, as mulheres no início do século XX também


atuaram como colaboradoras e produtoras de revistas e periódicos voltados ao universo
feminino. Por um lado, havia a circulação das revistas que serviam como meio de consumo da
elite feminina, com temas ligados à moda e aos bons modos. Desde 1852, com O Jornal das
Senhoras de Joana Paula Manso Noronha, iniciaram-se as expressões femininas,
possibilitando a difusão na imprensa feminista de temas relacionados à libertação das
mulheres, à emancipação feminina ligada à educação, ao trabalho, à maternidade e também,
ao alerta ao movimento sufragista, às reivindicações de gênero, à propaganda, ao divórcio, ao
movimento feminista.183

Utilizaram-se alguns periódicos femininos: O Sexo Feminino, A Família, A


Mensageira, A Vida Moderna, A Cigarra, A Revista Feminina. Para a imprensa operária,
consultaram-se A Lanterna, La Battaglia, A Plebe, A Terra Livre, Avanti!, O Amigo do Povo.
Pretendeu-se assim construir o cenário pelo qual circulavam as ideias femininas e políticas.

Com destaque para o periódico Anima e Vita (1905), dirigido por Ernestina Lesina,
redigido em italiano, com oito páginas e duas colunas, impresso na capital paulista, teve
relevância nos registros das questões femininas, com temas concernentes à família, à
maternidade, ao amor, à religião, aos conflitos sociais, ao alcoolismo, visando propagar os
princípios socialistas e estimular à luta operária.

2.1 ENTRE REVISTAS E PERIÓDICOS: MULHER E IMPRENSA

No Brasil, a imprensa feminina iniciou-se no século XIX, a imprensa em geral só foi


concedida no país com a vinda de D. João VI. O surgimento da imprensa voltada para a

183
BUITONI, Dulcília Schroeder. Mulher de papel: a representação da mulher pela imprensa feminina
brasileira. São Paulo: Loyola, 1981.
55

mulher se propagou através dos reflexos das transformações pelas quais passava a sociedade,
o que acabou afetando e influenciando a vida feminina184.

O surgimento de jornais ou revistas femininos estava relacionado com


a ampliação dos papeis femininos tradicionais, circunscritos até então
ao lar ou ao convento. E também com a evolução do capitalismo, que
implicava em novas necessidades a serem satisfeitas. De qualquer
modo, entre a literatura e as chamadas artes domésticas, o jornalismo
feminino já nasceu complementar, revestido de um caráter secundário,
tendo como função o entretenimento e, no máximo, um utilitarismo
prático ou didático.185

A abolição da escravatura, o fim do período imperial, a proclamação da República, o


crescimento urbano, a alteração no nível de instrução que, entre outras mudanças, refletiram
na modernização da imprensa. Surgiu a grande imprensa, com maiores tiragens, sustentadas
pela publicidade.186 Intensificou-se o hábito de leitura de jornais e revistas. Em termos de
integração dos espaços, as linhas férreas favoreceram a expansão da imprensa o que afetou
também a sociedade de consumo, motivada por um comércio que se ampliava por meio das
propagandas divulgadas nos exemplares.187

Foi nesse contexto que surgiram os periódicos destinados ao público feminino, tanto
produzidos por homens, quanto por mulheres. No entanto, a imprensa feminina foi um
instrumento divulgador de valores culturais da época, possibilitou vários estímulos que
engendrou a colocação da mulher naquela sociedade em transformação como o investimento
na escolaridade, sua inicial profissionalização e, corroborou a ressonância dos movimentos
sufragistas e feministas internacionais, além de fomentar a circulação de ideias e mercadorias,
já que em suas páginas havia anúncios de produtos cosméticos, de casa e moda. Foi veículo
de divulgação de novas ideias de progresso e, mediante um discurso pedagógico, tinha a
intenção de dirigir os leitores ao ―processo civilizatório‖188.

184
BUITONI, Dulcília Schroeder. Mulher de papel: a representação da mulher pela imprensa feminina
brasileira. São Paulo: Loyola, 1981. p.11.
185
Ibidem. p.9.
186
LIMA, Sandra Lúcia Lopes. Imprensa feminina, revista feminina. Projeto História. Revista do Programa de
Pós-Graduação de História da PUC-SP. São Paulo, n. 35, 2007.
187
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. O lugar da emancipação da mulher no periodismo paulista (1888-1930).
Revista Iberoamericana. University Library System, University of Pittsburgh, nº 208-209, vol. LXX, jul./dez
2004. p.653-663.
188
MARTINS, Ana Luiza. Imprensa: Práticas culturais em tempo de República, São Paulo (1890-1922). São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ FAPESP/ Imprensa Oficial do Estado, 2001.
56

Os jornais e as revistas femininas, que eram a forma mais elaborada


dos primeiros, permitiram a emergência de um universo político e
literário feminino que, por sua vez, permitiu uma maior visibilidade
das mulheres. As reivindicações surgiram e possibilitaram a abertura
de uma discussão que, transpondo as fronteiras do lar, alcançou o
espaço público e mostrou que o sexo subordinado e até então
confinado à domesticidade passava a exigir direitos e maior liberdade,
o que modificou hábitos e costumes arraigados desde séculos.189

Porém, a maioria do público nesse período da passagem para o século XX, ainda era
composta pela elite masculina, no entanto, com as transformações decorrentes na sociedade
apontaram para a emergência de novos interesses e leitores. O contato com a cultura impressa
disseminou-se para além da elite masculina. Neles, ainda que de forma esparsa, outros
personagens, as mulheres, trabalhadores e pequenos funcionários também liam e escreviam.190

A imprensa dirigida para mulheres, ao divulgar e reproduzir as representações da


feminilidade possibilitou, em contrapartida, a sua afirmação enquanto sujeito. Tinha o
objetivo de entreter, orientar comportamentos e dar espaço aos anseios literários femininos, e
também assumiu papel de destaque para chamar a atenção da mulher acerca de sua posição, a
partir das discussões das questões femininas, que evocou tons de discurso político, no sentido
de emancipação.191

Em relação aos jornais, predominavam os textos de opinião, com discussão de ideias,


polêmicas e cartas de colaboradores.192 Devido ao contexto da época, cresceu o número de
periódicos com editoriais e artigos em defesa da emancipação feminina, enfocando o direito à
educação, ao voto, ao trabalho remunerado para aquelas de situação favorável, ao trabalho
intelectual, etc.193

189
ALMEIDA, Jane Soares de. Imagens de mulher: a imprensa educacional e feminina nas primeiras décadas do
século. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais -
INEP, vol.79, n. 191, 1998. p.33.
190
CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana - 1890-1915. São Paulo:
EDUC; FAPESP; Arquivo do Estado de São Paulo; Imprensa Oficial de São Paulo, 2000.
191
ARAS, Lina Maria Brandão de; MARINHO, Simone Ramos. A imprensa feminina: normatização da conduta
feminina nos jornais para mulheres (Bahia, 1860-1917). Historiæ. Universidade Federal do Rio Grande, n. 3.2,
2012. p.96-115.
192
BUITONI, Dulcília Schroeder. Imprensa feminina. São Paulo: Ática, 1990. p.17.
193
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. O lugar da emancipação da mulher no periodismo paulista (1888-1930).
Revista Iberoamericana. University Library System, University of Pittsburgh, n. 208-209, vol. LXX, jul./dez
2004. p.653-663.
57

Significativas revistas e jornais: O Sexo Feminino (1873), Echo das Damas (1875), A
Família (1888), A Mensageira (1897) surgiram crivados de reivindicações, reunindo não só as
paulistas, mas mulheres de todo o Brasil. Este viés de publicação feminina privilegiou uma
reflexão sobre a condição da mulher, já se diferenciava por raramente dar espaço para
publicidade ou ilustração e privilegiava a leitura, num momento em que a imagem surgia com
relevância em impressões cada vez mais elaboradas e chamativas.194

Apenas em meados do século XIX surgiram os primeiros jornais dirigidos por


mulheres. Em 1852, foi publicado o Jornal das Senhoras, de Joana Paulo Manso Noronha,
um dos primeiros a contar com mulheres na redação, tinha um caráter feminista e questionava
a submissão feminina.195 Abordava temas como moda, literatura, belas-artes, teatro e crítica.
Era, sobretudo, ―um motor impulsionador de instrução, de educação, de mudança de atitudes,
de ideias‖. Joana Paula Manso contribuiu com uma ação civilizadora, pois seu periódico trazia
não somente moda e receitas de cozinha, mas também ideias e sugestões, pensamentos e
críticas.196

O editorial do primeiro número expõe o firme propósito de incentivar


as mulheres a se ilustrarem e a buscarem um "melhoramento social e a
emancipação moral". Joana Manso acreditava na inteligência feminina
e queria convencer a todos que "Deus deu à mulher uma alma e a fez
igual ao homem e sua companheira". Para ela, a elite brasileira não
podia ficar isolada "quando o mundo inteiro marcha ao progresso" e
"tende ao aperfeiçoamento moral e material da sociedade". Como
Nísia Floresta, Joana Manso também acusava os homens de egoísmo
por considerarem suas mulheres apenas como "crianças mimadas", ou
"sua propriedade", ou "bonecas" disponíveis ao prazer masculino. O
pioneirismo d"O jornal das senhoras, e suas colaboradoras tímidas e
anônimas, representaram, ainda assim, um decisivo passo na longa
trajetória das mulheres em direção à superação de seus receios e
conscientização de direitos.197

194
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. O lugar da emancipação da mulher no periodismo paulista (1888-1930).
Revista Iberoamericana. University Library System, University of Pittsburgh, n. 208-209, vol. LXX, jul./dez
2004. p.653-663.
195
MARTINS, Ana Luiza. Imprensa: Práticas culturais em tempo de República, São Paulo (1890-1922). São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ FAPESP/ Imprensa Oficial do Estado, 2001.
196
MUZART, Z. L. Uma espiada na imprensa das mulheres no século XIX. Revista de Estudos Feministas.
Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, vol.11, n. 1, jan./jun. 2003.
197
DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados. Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo, vol.17, n. 49, 2003. p.155.
58

ILUSTRAÇÃO 1 - O Jornal das Senhoras.198

198
O Jornal das Senhoras. Rio de Janeiro, 5 de setembro de 1852. p.1. Disponível no Arquivo Público do
Estado de São Paulo: <http://www.arquivoestado.sp.gov.br/memoriaimprensa/pdf/JS18520905.pdf>. Acesso em:
09/01/2013.
59

Os títulos dos periódicos sucederam-se e, não obstante, alguns com mensagens


inovadoras, entre a moda e a literatura, a imprensa feminina brasileira transformou-se. Com
nomes de flores, pedras preciosas, animais graciosos, todos metáforas da figura feminina, o
que também acabava refletindo a fragilidade da figura feminina199, foram editados A Camélia,
A Violeta, O Lírio, A Crisálida, A Borboleta, O Beija-Flor, A Esmeralda, A Grinalda, O
Leque, O Espelho, Primavera, Jornal das Moças, Eco das Damas e assim por diante. A
imprensa feminina podia ser considerada como um meio de expressão para as manifestações
literárias das mulheres, principalmente no caso das produções menores, mesmo apresentando
ideias diferenciadas em relação à mulher.200

Na São Paulo da virada do século, a imprensa feita por mulheres


contemplou iniciativas de ordem várias, abrindo espaço para a voz
feminina, manifesta em vários diapasões, dimensões e discursos.
Cultivaram a ―Rainha do Lar‖ mas trouxeram à baila as reivindicações
do gênero, reprovando a dominação masculina, propagando o
divórcio, o sufrágio feminino e na esteira desse, o movimento
feminista.201

A análise dos periódicos ligados à mulher relacionou-se com outras condições


políticas, econômicas e sociais. Também defenderam os escravos, pregaram o direito ao voto,
a igualdade diante da lei, o direito às profissões liberais, além de contagiarem uma rede de
mulheres, influenciadas, também, pelas imigrantes aqui recém chegadas, algumas
portuguesas, latino-americanas, italianas, cuja troca de ideias e de informações foi
fundamental para a construção dos periódicos de tendências feministas.202

Apesar de outra abordagem dada à questão da mulher, os jornais feministas daquela


época apresentavam semelhanças com a imprensa feminina em geral. Também traziam
literatura, moda e entretenimento. Os órgãos feministas não deixaram de lado a distração,
conseguindo, deste modo, garantir a simpatia do público.203

199
MARTINS, Ana Luiza. Imprensa: Práticas culturais em tempo de República, São Paulo (1890-1922). São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ FAPESP/ Imprensa Oficial do Estado, 2001.
200
MUZART, Z. L. Uma espiada na imprensa das mulheres no século XIX. Revista de Estudos Feministas.
Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, vol.11, n. 1, jan./jun. 2003.
201
MARTINS, op. cit., p.373.
202
MUZART, op. cit., jan./jun. 2003.
203
BUITONI, Dulcília Schroeder. Imprensa feminina. São Paulo: Ática, 1990. p.53.
60

Uma das razões para a criação dos periódicos de mulheres no século


XIX partiu da necessidade de conquistarem direitos. Em primeiro
lugar, o direito à educação; em segundo, o direito à profissão e, bem
mais tarde, o direito ao voto. Quando falamos dos periódicos do
século XIX, há que se destacar, pois, essas grandes linhas de luta. O
direito à educação era, primordialmente, para o casamento, para
melhor educar os filhos, mas deveria incluir também o direito de
freqüentar escolas, daí decorrendo o direito à profissão. E mais para o
final do século, inicia-se a luta pelo voto. O sufragismo foi o mote de
luta do feminismo, como todos sabem, e foi também a primeira
estratégia formal e ampla para a política das mulheres. Sobre tal
assunto, há um número muito grande de textos, de manifestos no
mundo ocidental em geral, e no Brasil não foi tão diferente, embora de
modo menos acentuado.204

Sendo assim, a imprensa dirigida para o público feminino, ao divulgar e reproduzir


as representações culturais da mulher possibilitou, em contrapartida, a sua afirmação enquanto
sujeito ativo. Além de entreter, orientar comportamentos e, no máximo, dar vazão aos anseios
literários femininos, também, no decorrer das mudanças culturais, essa mesma imprensa atuou
para chamar a atenção da mulher acerca de sua posição social. A partir das discussões das
questões da mulher, que assumiu tons de discurso político, as mulheres feministas dessa
época acharam uma brecha na luta por direitos através da imprensa.205

Observa-se que as manifestações feministas nesse tipo de imprensa eram diferentes


das mulheres anarquistas e socialistas, essas escreviam na imprensa operária e se negavam a
apoiar qualquer alternativa de negociação com as ditas instituições burguesas. Já as primeiras,
consideradas feministas liberais, lutavam pela emancipação feminina de outra forma, não
questionando os códigos da feminilidade da época e não abordavam a questão da mulher
operária206, utilizavam do discurso pedagógico, fazendo das mulheres da elite e das camadas
médias, que podiam ter acesso à cultura e à política, as responsáveis exclusivas pelo
reerguimento moral da sociedade.207

204
MUZART, Z. L. Uma espiada na imprensa das mulheres no século XIX. Revista de Estudos Feministas.
Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, vol.11, n. 1, jan./jun. 2003. p.226.
205
ARAS, Lina Maria Brandão de; MARINHO, Simone Ramos. A imprensa feminina: normatização da conduta
feminina nos jornais para mulheres (Bahia, 1860-1917). Historiæ. Universidade Federal do Rio Grande, n. 3.2.
2012. p.96-115.
206
RAGO, Margareth. Mujeres Libres: anarco-feminismo e subjetividade na revolução espanhola. Verve.
Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da PUC/SP, Núcleo de Sociabilidade Libertária, n. 7,
2005.
207
Idem. Adeus ao feminismo? Feminismo e (pós) modernidade no Brasil. Cadernos AEL. Arquivo Edgard
Leuenroth - Centro de Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, vol.2, nº 3/4, 2012.
61

Fundamentalmente, as feministas liberais colocavam em discussão o


lugar tradicionalmente destinado às mulheres e especificamente às da
elite, como elas próprias, acreditando que as pobres estariam
necessariamente predestinadas à ignorância pela própria condição
econômica desfavorável. Vale notar que nenhuma referência era feita,
nesta imprensa feminista, às lutas operárias que se travavam no centro
da cidade ou nos bairros periféricos, como o Brás e o Bom Retiro, em
São Paulo, onde levas de imigrantes europeus vinham alterando
radicalmente a composição social e as práticas políticas e culturais do
cotidiano da cidade, definindo a mulher como símbolo da regeneração
moral, como lugar do Bem e do futuro promissor, as feministas
liberais.208

Destarte, a imprensa feminina era aquela dirigida e pensada para as mulheres. Já, a
feminista, embora se dirigisse ao mesmo público, se distinguia pelo fato de defender
causas.209 Um importante periódico da época, nos moldes feministas, começou a circular em
1873 em Minas Gerais, intitulado O Sexo Feminino, fundado por Francisca Senhorinha Diniz,
uma importante representante de um jornalismo, mais comprometido, de defesa dos direitos
das mulheres, discutia o voto feminino e a importância de educar as mulheres, com vistas à
sua emancipação, tinha como motivação a melhoria da condição da mulher na sociedade,
estava impulsionada por um amplo movimento de redefinição da mulher na modernidade e
vinha a utilizar-se, do meio impresso como espaço para suas reivindicações.210

Discursos diversos tentavam conformar a mulher como importante


agente civilizatório, tendo no seio familiar seu principal espaço de
intervenção social, na condição de esposa e mãe. Para além do
reconhecimento e do respeito em âmbito familiar, O Sexo Feminino
defendia o desenvolvimento integral das potencialidades da mulher,
dentro e fora de casa, além da aquisição de direitos que lhe
possibilitariam o domínio de conhecimentos, maior participação nas
questões de campo social, assim como a garantia de direitos na esfera
política.211

208
RAGO, Margareth. Adeus ao feminismo? Feminismo e (pós) modernidade no Brasil. Cadernos AEL.
Arquivo Edgard Leuenroth - Centro de Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, vol.2, nº 3/4, 2012. p.20.
209
BUITONI, Dulcília Schroeder. Imprensa feminina. São Paulo: Ática, 1990.
210
NASCIMENTO, Cecília Vieira do; OLIVEIRA, Bernardo J. O Sexo Feminino em campanha pela
emancipação da mulher. Cadernos Pagu. Campinas, UNICAMP, n. 29, p.429-457, 2007.
211
Ibidem. p.434.
62

ILUSTRAÇÃO 2 - O Sexo Feminino.212

212
O Sexo Feminino. Campanha, 7 de setembro de 1873. p.1. Disponível na Biblioteca Nacional.
63

Outras experiências de imprensa independente também marcaram a história do


feminismo, como por exemplo: O Domingo (1874), Jornal das Damas (1874), Myosotis
(1875), Echo das Damas (1879), A Voz Feminina (1900) e A Família (1888).213

O Echo das damas, editado por Amélia Carolina da Silva Couto circulou no Rio de
Janeiro de 1875 a 1885. A leitura desse periódico mostrava o nível de conscientização
alcançado pelas mulheres cultas da época. Seus temas mais comuns eram: educação,
emancipação, valorização da mulher como base da família, respeito às vocações, moda e
beleza e dicas domésticas. Tinha orientação religiosa e se propunha a ―provocar a
manifestação‖ feminina na imprensa a favor do progresso social da mulher, dar oportunidades
ao desenvolvimento das capacidades femininas, olhadas com indiferença por alguns homens
de letras.214

Entre os jornais citados anteriormente valem ser registrados, O Domingo, e o Jornal


das Damas, ambos em 1873, surgiram com o intuito de atender às expectativas emergentes.
Além dos conselhos sobre a vida doméstica, das receitas e das novidades da moda, junto às
emoções do romance-folhetim e dos poemas, como era de costume abordar, traziam também
artigos clamando pelo ensino superior e o trabalho remunerado. Ademais, divulgavam ideias
inéditas como ―a dependência econômica determina a subjugação‖ e ―o progresso do país
depende de suas mulheres‖, buscavam convencer as leitoras de seus direitos à propriedade e
ao trabalho profissional.215

Outro jornal em destaque, A Família, editado por Josephina Álvares de Azevedo


(irmã do famoso poeta) e publicado entre 1888 e 1897 em São Paulo, tinha grande
preocupação com a educação da mulher como forma de libertação. A editora Josephina foi
uma das mais ativas militantes pelo voto feminino nos primeiros anos da República, tendo
escrito uma peça de teatro (O Voto Feminino) que, em tom de comédia, ridicularizava os
homens que não aceitavam o voto das mulheres; apesar de ter tido apenas uma apresentação
pública, influenciou o pensamento das demais mulheres adeptas ao voto. Quando não
conseguiu mais encenar a peça, transformou-a em um folhetim que era publicado no rodapé
de seu jornal.216 ―Destacou-se principalmente pelo tom assumidamente combativo em prol da

213
BUITONI, Dulcília Schroeder. Imprensa feminina. São Paulo: Ática, 1990.
214
DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados. Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo, n. 49, vol. 17, set./dez. 2003. p.151-172.
215
Ibidem. p.151-172.
216
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: F. Perseu Abramo, 2003.
p.32.
64

emancipação feminina, por questionar a tutela masculina e testemunhar momentos decisivos


da história brasileira e das investidas das mulheres na luta por mais direitos‖.217

ILUSTRAÇÃO 3 - A Família.218

217
DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados. Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo, n. 49, vol. 17, set./dez. 2003. p.157.
218
A Família. São Paulo, 22 de dezembro de 1888. p.1. Disponível na Biblioteca Nacional.
65

Editada na capital paulista, a revista A Mensageira circulou de 1897 a 1900 também


teve importante participação na luta das mulheres brasileiras. Dirigida por Presciliana Duarte
de Almeida, esteve no cenário nacional tanto por sua ampla distribuição, como pelas ideias
que defendia e as escritoras que nela colaboravam, praticamente em todos os seus números
encontra-se a defesa da educação superior e textos divulgando o feminismo.219

Na passagem do século, [...] o debate, tanto das feministas e


escritoras, empenhadas na luta pelos direitos femininos, quanto dos
médicos e homens cultos das elites dominantes, preocupados em
ordenar a vida social. Mulheres das camadas médias e da aristocracia
cafeeira, como a fundadora d'A Mensageira, "revista literária dedicada
à mulher brasileira", ou a conhecida escritora campineira Júlia Lopes
de Almeida, de um lado, ou operárias anarquistas, de outro, colocaram
em questão o lugar, tradicionalmente designado à mulher,
reivindicando o direito à educação, ao trabalho e à participação no
mundo público, em igualdade de condições com os homens.220

219
DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados. Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo, n. 49, vol. 17, set./dez. 2003. p.151-172.
220
RAGO, Margareth. Adeus ao feminismo? Feminismo e (pós) modernidade no Brasil. Cadernos AEL.
Arquivo Edgard Leuenroth - Centro de Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, vol.2, nº 3/4, 2012. p.19.
66

ILUSTRAÇÃO 4 - A Mensageira.221

221
A Mensageira. São Paulo, 15 de outubro de 1897. p.1. Disponível na Biblioteca Nacional.
67

Diferente do conceito de revista, formulado no século XIX, em que prevaleciam as


revistas literárias, com poucas ilustrações, as revistas de variedades tinham a intenção de
colorirem o dia a dia dos leitores: havia muitas ilustrações, caricaturas e fotografias, em
edições com capas coloridas, além de uma atenção com a estética de apresentação do
conteúdo, ou seja, as páginas eram desenhadas para facilitar a leitura e não causar excesso de
informação. Os acontecimentos eram narrados por fotografias e pequenas legendas, sem texto
longo como complemento. Essas revistas se propunham a um passeio pelo cotidiano paulista
de maneira mais leve, sem aprofundar os assuntos tratados. Da mesma forma, apresentavam
dimensões da vida dos habitantes da cidade, por artigos, reportagens, e anúncios em suas
páginas.222

Entre as revistas femininas, as mulheres da elite, atentas à moda e aos figurinos em


alta, foram conduzidas pela variedade de seções e ilustrações. Informadas dos produtos em
voga anunciados pela imprensa, elas passaram a ser consumidoras. Nessa perspectiva, um
recorte considerável da produção dirigida à mulher nasceu de mentes masculinas, iniciativa de
editores envolvidos com o mercado, cientes do potencial de consumo daquele segmento.
Além disso, a indústria têxtil, de confecção e de complementos de vestuário manteve um
inter-relacionamento cada vez maior com a imprensa dedicada às mulheres.223

Nesse sentido, coube ao periodismo a prefiguração de modelos


femininos, reiterando a tradicional postura de rainha do lar, mas
abrindo um leque de condutas alternativas, em que se projetou a
mulher emancipada, educadora, esportista, saudável, moderna e, por
que não, a sufragista e feminista. Em outras palavras, prefigurava-se a
mulher que interessava ao mercado, identificada como cliente em
potencial, capaz de influenciar as decisões de família, vista como um
ser em expansão. Através do texto, mas subliminar e/ou
ostensivamente pelo reclame e pela imagem, a seu serviço, as
mensagens daquele periodismo construíram-se consoante as
exigências mercadológicas; privilegiaram a mulher, submetendo-a aos
modelos de importação, aos valores de fora, ainda que se vivesse
naqueles dias a euforia nacionalista, simultaneamente veiculada pelo
mesmo periodismo.224

As mulheres que editavam e escreviam nestas revistas geralmente pertenciam à elite


ilustrada. Empenhavam-se com o objetivo de impulsionar o hábito da leitura identificando o

222
Cf.: SÃO PAULO (Estado). Arquivo Público do Estado de São Paulo. Viver em São Paulo – Periódicos.
Disponível em: <http://www.arquivoestado.sp.gov.br/viver/periodicos.php>. Acesso em: 14/02/2013.
223
BUITONI, Dulcília Schroeder. Imprensa feminina. São Paulo: Ática, 1990.
224
MARTINS, Ana Luiza. Imprensa: Práticas culturais em tempo de República, São Paulo (1890-1922). São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ FAPESP/ Imprensa Oficial do Estado, 2001. p.379.
68

ato de ler, escrever e divulgar, através de impressos direcionados a outras mulheres,


partilhando angústias e anseios frente à possibilidade de desenvolver as suas atividades.225

A heterogeneidade era uma característica importante da imprensa feminina, tanto no


que concernia às temáticas quanto ao público alvo. No caso das revistas, definia-se uma série
de publicações, as de caráter mais leve, com maior variedade de assuntos: moda, beleza,
conselhos domésticos, lições de etiqueta, moldes de roupas, receitas de trabalhos manuais e
culinários, fórmulas de medicina caseira, decoração, conto ou fotonovela. De modo geral, a
imprensa feminina moldava-se nos padrões do jornalismo de serviço, com entretenimento,
com seções sobre as questões sentimentais, um traço característico da imprensa dedicada à
mulher, já em seus primórdios226.

Sendo assim, o jornalismo informativo não era utilizado com frequência pelas
revistas femininas, pois o próprio tratamento da matéria não favorecia a ligação da mulher
com o espaço público, pois sempre tratava de assuntos restritos ao lar. Nesse sentido, outro
chavão era o ―mundo da mulher‖, tentou-se criar este espaço para que ela ficasse confinada.227

Naturalmente, esses assuntos privilegiados pela imprensa feminina


apresentam pouca ou nenhuma ligação com o momento atual. Moda
seria o mais dependente de época, na medida em que as estações do
ano ocasionam mudanças nesse campo. As revistas costumam
publicar matérias como maquilagem de inverno, culinária de verão e
assim por diante. No entanto, são ligações temporais fracas: um
refresco que serve num verão pode ser republicado dois anos depois.
[...] Quase sempre a imprensa feminina utiliza matérias que no jargão
jornalístico são chamadas de ―frias‖: matérias que não têm uma data
certa de publicação, que podem aparecer hoje ou semanas depois. A
atualidade passa longe da imprensa feminina. Isso acentua seu
desligamento com o mundo real e o seu caráter mais ―ideológico‖.228

O século XX também foi marcado pelo início da utilização da fotografia pela


imprensa brasileira. As fotos encontraram um campo fértil nas revistas em geral e na
feminina, porém, as fotos de moda, beleza e decoração eram idealizadas, ou seja, através das
imagens criava-se um mundo de sonhos, corporificando um ideal a ser imitado. Sendo assim,
imagem/texto tiveram uma ligação intencional, dentro da revista feminina, a imagem acabou

225
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. O lugar da emancipação da mulher no periodismo paulista (1888-1930).
Revista Iberoamericana. University Library System, University of Pittsburgh, n. 208-209, vol. LXX, jul./dez
2004. p.653-663.
226
Ibidem. p.653-663.
227
BUITONI, Dulcília Schroeder. Mulher de papel: a representação da mulher pela imprensa feminina
brasileira. São Paulo: Loyola, 1981. p.5.
228
Ibidem. p.5.
69

transformando-se em texto, e o texto em imagem, quando recorria a figuras de estilo que se


faziam visualizar a pessoa ou a cena, ou sugeriam emoções e sentimentos.229

Lazer e um certo luxo foram-se associando à ideia de revista no século


XX. E a imprensa feminina elegeu a revista como seu veículo por
excelência. Revista é ilustração, é cor, jogo, prazer, é linguagem mais
pessoal, é variedade: a imprensa feminina usa tudo isso. (...) Nas
revistas, anunciam-se mercadorias visando à criação ou reforço de
hábitos de consumo: a publicidade é mais atemporal. Esse armazém é
sortido e agradável, que é a revista, sempre representa uma fruição;
daí seu caráter de feminização do produto impresso.230

Ademais, os anúncios eram difundidos nas páginas das revistas e atuavam como
instrumento transmissor do desejo de consumo. Tais revistas apareceram no início do século
XX e já se notava o avanço tecnológico da impressão que as mesmas possuíam, tanto nas
ilustrações em cores, fotografias e diagramação, quanto na editoração como um todo.
Algumas das principais delas eram: A Vida Moderna (1907-1925), A Cigarra (1914-1930), A
Revista Feminina (1914-1936) disputando entre si leitores, colaboradores e publicidade.231

Algumas publicações ―mais chics e refinadas‖, tais como a A Vida


Moderna e A Cigarra, parecem funcionar como verdadeiros álbuns da
vida social das elites dominantes, atraindo leitores que compõem seu
repertório de personagens e situações e projetando para outras
camadas sociais os padrões do viver e pensar do mundanismo
internacional. Referindo-se às temporadas dos melhores teatros e das
companhias francesas diante das quais ―a sociedade paulista faz
toilettes e ensaia poses‖, ao carnaval paulista que ―veste smoking, usa
luva branca, agita uma baldine de castão de ouro e fixa na
imperturbável órbita ocular o monóculo elegante‖, ao trottoir das
senhoras elegantes na rua Direita, na porta da Casa Alemã ou da Casa
Kosmos, aos domingos no prado da Mooca, tais publicações dão
visibilidade e demarcam práticas, espaços e hábitos através dos quais
a burguesia paulistana, antes reclusa às fazendas, aos saraus íntimos e
a outros poucos ambientes fechados, ocupa publicamente a cidade.232

A Vida Moderna também foi um dos títulos de maior projeção nas décadas iniciais
do século XX em São Paulo. Recheada de assuntos relacionados à higiene e beleza, abordava
também assuntos ligados à vida social da cidade, a revista era ilustrada e guardava espaço
para pequenas biografias de políticos, apresentava textos literários, além de comentários
críticos sobre as atividades artísticas em curso. Por trás das revistas de grande tiragem
229
BUITONI, Dulcília Schroeder. Mulher de papel: a representação da mulher pela imprensa feminina
brasileira. São Paulo: Loyola, 1981. p.19.
230
Idem. Imprensa feminina. São Paulo: Ática, 1990. p.18.
231
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. O lugar da emancipação da mulher no periodismo paulista (1888-1930).
Revista Iberoamericana. University Library System, University of Pittsburgh, n. 208-209, vol. LXX, jul./dez
2004. p.653-663.
232
CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana - 1890-1915. São Paulo:
EDUC/ FAPESP/ Arquivo do Estado de São Paulo/ Imprensa Oficial de São Paulo, 2000. p.142-143.
70

estavam não só empresas divulgando seus produtos, mas também as empresas que produziam,
imprimiam e distribuíam as publicações. Nesse sentido, A Vida Moderna era ligada ao grupo
proprietário do jornal O Estado de São Paulo, folha considerada de prestígio na época.233

Tirados dessa mesma revista, A Vida Moderna, seguem dois anúncios de produtos na
primeira ilustração: um fogão para o uso da mulher e utensílio para modernizar a casa, e o
outro um colírio para os olhos, mostrando cuidados com a saúde. Esses tipos de anúncios
eram frequentes nas demais revistas da época, enfatizavam as novidades no mercado de
consumo e a preocupação com a saúde, mostrando a circularidade de mercadorias e hábitos. E
na segunda ilustração um anúncio de moda também revelando o caráter do consumo.

ILUSTRAÇÃO 5 - Anúncios de produtos.234

233
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. O lugar da emancipação da mulher no periodismo paulista (1888-1930).
Revista Iberoamericana. University Library System, University of Pittsburgh, n. 208-209, vol. LXX, jul./dez
2004. p.653-663.
234
A Vida Moderna. São Paulo, n. 221, 14 de maio de 1914. p.2-3. ―Fogões a querosene ‗Brindilla‘: Última
novidade. Não produzem cheiro nem fumaça. ECONÔMICO. Asseio perfeito. Não necessitam de instalação.
71

ILUSTRAÇÃO 6 - Anúncio de moda.235

Com ou sem forno e prateleiras. Com dois ou três bicos.‖ ―ODIEU regenerador da vista: Vistas cansadas.
Myopin. Lacrimação, vista fraca, ou curta, dor, ardor ou escuridão nos olhos com uzo do ‗OIDEU‘‖
235
A Vida Moderna. São Paulo, n. 221, 14 de maio de 1914. p.11. ―Saia aberta e tacão! O que diria o
pudibundo rei Alberto, da Bélgica, se a visse?‖
72

ILUSTRAÇÃO 7 - A Vida Moderna.236

236
A Vida Moderna. São Paulo, 25 de dezembro 1907. Disponível no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
73

A Cigarra, foi outra importante e duradoura revista paulista, transmitia, em suas


páginas, novos modelos de comportamento e costumes. Embora não se destinasse apenas ao
público feminino, trazia extensa gama de assuntos mundanos, fartamente ilustrados, de forte
apelo feminino. Apresentava também comentários e críticas sobre arte, além de contos,
crônicas e poemas de importantes nomes das letras nacionais da época como Olavo Bilac e
Vicente de Carvalho, entre outros. Mas o principal objetivo dessa revista, que circulava
quinzenalmente, era entreter, divertir e agradar os seus leitores através de jogos, fotografias e
notícias dos principais bailes, teatros, saraus e espetáculos da urbe paulistana. Como pode ser
observado no anúncio de uma peça de teatro a seguir:237

ILUSTRAÇÃO 8 - Anúncio de peça teatral.238

237
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. O lugar da emancipação da mulher no periodismo paulista (1888-1930).
Revista Iberoamericana. University Library System, University of Pittsburgh, n. 208-209, vol. LXX, jul./dez
2004. p.653-663.
238
A Cigarra. São Paulo, ano I, n. XVII, 5 de fevereiro de 1915. p.9. Anúncio de peça de teatro.
74

Destacou a seção intitulada ―colaboração das leitoras‖, ampliada com o decorrer do


tempo chegando a atingir em certas edições quinze páginas. Tal crescimento evidenciava que
o público feminino preferia seu nome e anseios apostos na revista, a ler outras matérias, e
ainda porque as cartas apresentavam-se como uma oportunidade para divulgar os préstimos de
quem as enviava. Aulas de piano, trabalhos manuais e idiomas também eram oferecidos por
mulheres dispostas ao trabalho.239

ILUSTRAÇÃO 9 - A Cigarra.240

239
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. O lugar da emancipação da mulher no periodismo paulista (1888-1930).
Revista Iberoamericana. University Library System, University of Pittsburgh, n. 208-209, vol. LXX, jul./dez
2004. p.653-663.
240
A Cigarra. São Paulo, 11 de maio de 1915. Disponível no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
75

A Revista Feminina foi publicada, escrita e dirigida por mulheres, voltada ao público
feminino, circulou no início do século XX, criada em 1914 e perdurou até 1936. Sua
fundadora, Virgilina de Souza Salles, pertencia a uma tradicional família paulista, o que
facilitou a penetração da revista entre a elite. Suas capas coloridas chamavam a atenção, com
figuras de mulher em poses românticas, mas recatadas, muitas vezes com crianças, o que
direcionava o alvo principal de suas mensagens para as mulheres: esposas e mães. 241 Essa
revista foi o exemplo de vinculação entre o consumo com a imprensa através da publicidade,
com anúncios de produtos, cosméticos, utensílios para casa, entre outros.242

E a Revista Feminina veio, não há como negar, preencher esse vácuo


que existia no ambiente intellectual feminino de nossa patria. [...]
Reportando-me, afinal, à Revista Feminina, objeto de minhas
considerações, vejo que, na questão tão batida da feminilidade; ella
visa muito honrosamente um espaço elevado e nobre: - o
alevantamento do nível intellectual e moral da mulher, pela cultura de
seu espirito e perfeição de suas aptidões, - garantia segura da educação
da prole, facilidade do lar, regeneração dos costumes e, pois,
engrandecimento da nação e da pátria.243

A Revista Feminina era diversificada em seus assuntos, porém restritos ao que podia
se integrar ao ―mundo da mulher‖. As matérias permeavam os interesses que se
circunscreviam ao limitado espaço privado, de domínio feminino, tratavam, entre outros
assuntos, de moda, decoração do lar, saúde, culinária, educação dos filhos, pequenos contos,
poesias ou peças de teatro especialmente escritas para a revista, além de conselhos e
curiosidades culturais de interesse da elite. O tratamento dado aos assuntos seguia os ideais
propostos por sua fundadora, e também demonstrava a importância da Igreja Católica.244

Politicamente mais avançada do que A Mensageira, colocava-se como


necessária para preparar, organizar e conscientizar a "Brasileira
moderna". Feminista, rejeitava o feminismo "revolucionário e
anárquico", que pretendia, segundo ela, subverter o equilíbrio das
nações e masculinizar a mulher. Lutando veementemente pelo direito
do voto e o direito à educação, acreditava que a mulher deveria
continuar sendo "a dona afetiva de seu lar", reclamando que tivesse o
direito de pensar e concorrer mais diretamente para o aperfeiçoamento
moral da sociedade.

241
LIMA, Sandra Lúcia Lopes. Imprensa feminina, revista feminina. Projeto História. Revista do Programa de
Pós-Graduação de História da PUC-SP. São Paulo, n. 35, 2007.
242
BUITONI, Dulcília Schroeder. Imprensa feminina. São Paulo: Ática, 1990.
243
ARAUJO, João A. Corrêa de. O verdadeiro Feminismo. Revista Feminina. São Paulo, ano IV, n. 43, dez.
1917.
244
LIMA, op. cit., 2007.
76

[...]
Criticando a violência masculina contra a mulher no mundo do
trabalho e na esfera doméstica, a RF procurava documentar as
conquistas feministas alcançadas no exterior, especialmente a do
direito de voto e evidenciar o atraso em que as mulheres viviam no
Brasil. Os artigos publicados na Revista revelam, portanto, que
desejavam participar da construção da sociedade moderna no país,
redefinindo o ideal de feminilidade e, por conseguinte, de
masculinidade, o modelo vigente de família, assim como interferindo
na construção dos códigos de sociabilidade e na moral sexual.245

ILUSTRAÇÃO 10 - Revista Feminina.246

A construção da nova mulher passava, neste imaginário, não apenas


pela definição dos espaços públicos e sociais - as categorias
profissionais, os cargos públicos, as universidades - onde a mulher
deveria se fazer presente, para além do mundo doméstico. As

245
RAGO, Margareth. Adeus ao feminismo? Feminismo e (pós) modernidade no Brasil. Cadernos AEL.
Arquivo Edgard Leuenroth - Centro de Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, vol.2, nº 3/4, 2012. p.22-23.
246
Revista Feminina. São Paulo, 1915-1936. Disponível em: <http://www.cedap.assis.unesp.br/cat_periodicos/
popup/revista_feminina.html>. Acesso em: 15/02/2013.
77

feministas liberais consideravam-se responsáveis pela orientação das


formas de conduta da mulher moderna, pela indicação do vestuário,
pela organização dos gestos, do modo de se comportar, inclusive
dentro do lar. Tentando criar a "mulher moderna", incluíam na revista
inúmeros artigos que discutiam desde um novo conceito de
feminilidade, até a maneira correta de se relacionar com estranhos ou
de agradar o marido nas horas certas.247

Diante desse panorama, observa-se que ideias defendidas pelas mulheres e os


espaços por elas buscados, foram expressivos e de certa forma conquistados devido à atuação
delas pela imprensa, o movimento feminista passou a contar com suas próprias publicações
(jornais, panfletos, cartazes, revistas, etc) como instrumentos para difusão de suas lutas.
Sendo assim, ao longo do século XX, a mulher teve sua aparição gradativa aos veículos de
comunicação que, aos poucos, assumiram temas voltados aos direitos femininos, à luta pela
participação política, pelas condições de trabalho e pelas mudanças culturais.248 As revistas e
jornais possibilitaram e refletiram as transformações do feminino, além de intensificarem a
circularidade de ideias, influenciando e absorvendo as mudanças dos hábitos do cotidiano da
cidade de São Paulo.

2.2 ENTRE ANARQUISTAS E SOCIALISTAS: IMPRENSA OPERÁRIA

Na virada do século XIX para o século XX, proliferava-se no Brasil a imprensa


operária, com o intuito de manifestar as lutas do trabalhador, também foi um instrumento
utilizado para a difusão de ideias anarquistas e socialistas.249 Essa imprensa constituiu-se um
fato novo no circuito periódico da cidade de São Paulo, pois, como ela difundiu-se com a
industrialização, suas publicações figuravam como expressão de combate às condições de
vida e trabalho do cotidiano do operariado.250

Nessa época, São Paulo estava se tornando centro industrial, e o número de operários
crescia, principalmente no setor têxtil. As mulheres recebiam menos que os homens, o
número excessivo de horas de trabalho por dia e as más condições de trabalho geravam um

247
RAGO, Margareth. Adeus ao feminismo? Feminismo e (pós) modernidade no Brasil. Cadernos AEL.
Arquivo Edgard Leuenroth - Centro de Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, vol.2, nº 3/4, 2012. p.24.
248
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. O lugar da emancipação da mulher no periodismo paulista (1888-1930).
Revista Iberoamericana. University Library System, University of Pittsburgh, n. 208-209, vol. LXX, jul./dez
2004. p.653-663.
249
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999,
250
MARTINS, Ana Luiza. Imprensa: Práticas culturais em tempo de República, São Paulo (1890-1922). São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ FAPESP/ Imprensa Oficial do Estado, 2001.
78

clima reivindicatório. O movimento operário nascia, e as atividades dos anarquistas e


socialistas tinham repercussões num contexto com trabalhadores imigrantes.251

A presença do imigrante no operariado possibilitou o processo de politização do


proletário brasileiro, cujo principal veículo de difusão de seus ideais sociais estava na
imprensa operária, com efetiva participação de intelectuais engajados. Desta forma, o
nascimento de uma imprensa voltada para os trabalhadores serviu como um instrumento de
propaganda em contraposição aos objetivos da “grande imprensa”.252

Antes, em período histórico de condições diversas, houvera pequena


imprensa; desde o século XX, porém, há a grande e a pequena
imprensa, e esta se agrupa em dois planos: a que é pequena tão
somente por condições materiais, relegada ao interior do país e que em
nada perturba a estrutura social, econômica e política dominante, e
nem mesmo a consequente estrutura da grande imprensa, e a que
agrupa as publicações de circulação reduzida e de pequenos recursos
materiais, mas que mantém uma posição de combate à ordem vigente,
cuja condição deriva dessa posição. Assim, na imprensa, quanto aos
órgãos, revistas e jornais, o que existe, agora, é uma imprensa de
classe: ou da classe dominante, ou da classe dominada, com todos os
reflexos que essa divisão proporciona à atividade dos periódicos e do
periodismo.253

Mudanças sociais e econômicas, advindas da industrialização do século XIX,


também atingiram a cidade de São Paulo. Novos ideais reuniam o operariado, contagiavam os
intelectuais, cruzavam os mares e chegavam à América, ao Brasil.254

Na imprensa operária, diversamente, tratava-se de uma luta articulada


e desenvolvida diretamente pelos seus protagonistas, apoiada num
tripé formado pelos operários, sujeito dessa história, por intelectuais,
teóricos do movimento, agentes propagadores que vulgarizaram as
teorias para a massa dos trabalhadores, e os imigrantes militantes,
anarquistas em sua maioria que, exilados no Brasil, deram
continuidade à propaganda libertária.255

Sendo assim, o número de periódicos operários crescia e era um reflexo das


mudanças decorrentes na cidade de São Paulo. O surgimento de organizações coorporativas,

251
BUITONI, Dulcília Schroeder. Mulher de papel: a representação da mulher pela imprensa feminina
brasileira. São Paulo: Loyola, 1981. p.36.
252
MARTINS, Ana Luiza. Imprensa: Práticas culturais em tempo de República, São Paulo (1890-1922). São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ FAPESP/ Imprensa Oficial do Estado, 2001.
253
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p.323.
254
RODRIGUES, Edgar. Pequena História da Imprensa Social no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997.
255
MARTINS, op. cit., p.390.
79

movimentações, greves e reivindicações marcadas de ideias anarquistas e socialistas eram


cada vez mais presentes entre os trabalhadores.256

Mas já nos primeiros anos deste século, as tendências anarquistas e


anarco-sindicalistas, favorecidas pelas próprias condições econômicas
do país, em que predominam formas artesanais de trabalho, começam
a penetrar nos centros operários e também em certos meios
intelectuais e pequeno-burgueses.257

Porém, a imprensa operária enfrentava entraves e dificuldades, havia falta de


regularidade na sua distribuição, mais de uma vez aconteceram casos de jornais que
desapareceram de circulação, alguns não voltaram a circular ou então reapareciam com outro
título. Essa irregularidade acontecia devido às dificuldades financeiras, já que os leitores eram
trabalhadores de baixo poder aquisitivo, e às perseguições.258

Quanto à forma, os jornais operários eram diferenciados dos demais devido a alguns
critérios, grande parte do espaço era ocupada por textos de conferências, a utilização de
charges na primeira página, reproduzindo visualmente o editorial, além de manifestos e
convocações para assembleias operárias. O formato do jornal variava de acordo com as
condições de papel e máquinas disponíveis, predominando o tabloide. O número de páginas
alterava, era relacionado com os acontecimentos, encontravam-se jornais de duas páginas que
podiam passar a circular com 16 páginas em época de greves. Pouco havia de publicidade
nesse tipo de imprensa e não existia a figura do repórter e do profissional da notícia, era feita
por trabalhadores e militantes majoritariamente voluntários.259

A imprensa operária de tom libertário possuía uma nítida dimensão política, o


vocabulário era utilizado intencionalmente, capaz de influenciar não só os trabalhadores
operários, mas também um conjunto dos despossuídos, no intuito de fomentar uma
consciência crítica contra a exploração do trabalho e o modo de vida dos populares.
Manifestava a maneira de pensar, agir do grupo editor, além de fazer propaganda das ideias
anarquistas e do combate ao modo de vida burguês.260

Imbricada nesse discurso de oposição e crítica aparecia a propaganda


das ideias anarquistas, privilegiando temas como a liberdade, a
igualdade e a solidariedade; a emancipação feminina e a igualdade

256
PEREIRA, Astrojildo. A imprensa operária no Brasil. Novos Rumos. Rio de Janeiro, n. 18/19, 2012.
257
Ibidem. p.84.
258
FERREIRA, Maria Nazaré. A Imprensa Operária no Brasil - 1880-1920. Petrópolis: Vozes, 1978.
259
Ibidem.
260
MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações. Tese
(Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.
80

entre os gêneros; a família e a maternidade voluntária; o amor livre, a


livre união e o divórcio; o direito à greve, aos boicotes e às
sabotagens; o incentivo à ação direta, a necessidade da revolução
[...]261

Muitos periódicos voltados para a classe operária circularam nas ruas paulistas
nesses anos de início de século XX, alguns preservaram a língua estrangeira e outros foram
editados em português. Do período de 1879 até 1927 foram registrados cerca de 42 jornais
que circularam na língua italiana na cidade de São Paulo, dentre eles anarquistas e socialistas,
tais como: Avanti!, La Battaglia, Germinal, La Barricata, Anima e Vita262. Já em língua
portuguesa, na mesma região da cidade de São Paulo, foram em torno de 70 jornais de 1876
até 1923: O Amigo do Povo, O Chapeleiro, O Livre Pensador, A Terra Livre, A Plebe etc.263

Esses periódicos (anarquistas e socialistas) difundiram ideias de cunho pedagógico


referentes à educação, eram considerados instrumentos fundamentais para a emancipação e
libertação dos indivíduos de todas as formas de opressão. A concepção de revolução no
anarquismo envolvia também a transformação total da sociedade, ou seja, a transformação das
relações pessoais, sociais e cotidianas. Lutavam basicamente pelas mesmas reivindicações
lançadas pelos socialistas: jornada de oito horas, aumento salarial, abolição de multas,
regulamentação do trabalho de mulheres e crianças, férias remuneradas, higiene nos locais de
trabalho, etc. Porém não se atentavam às lutas eleitorais, às organizações de caráter político,
diferente dos socialistas. 264

A imprensa anarquista foi marcada pelo anticlericalismo, a luta contra os padres,


contra a influência política da Igreja. A educação foi outro traço dessa imprensa, para os
anarquistas, era fundamental a implantação de novas escolas. Havia também pregação contra
o álcool.265

261
MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações. Tese
(Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006. p.93.
262
Único periódico dirigido por uma mulher neste período destacado e entre os títulos registrados.
263
FERREIRA, Maria Nazaré. A Imprensa Operária no Brasil - 1880-1920. Petrópolis: Vozes, 1978.
264
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Ideias Socialistas no Brasil através da Imprensa. Anais do XXVI
Simpósio Nacional de História - ANPUH. São Paulo, julho 2011. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.
org/resources/anais/14/1300117978_ARQUIVO_IDEIASSOCIALISTASNOBRASILATRAVESDAIMPRENS
A.pdf>. Acesso em: 27/02/2013.
265
Ibidem.
81

[...] o interesse pela educação ocupa posição de relevo no pensamento


anarquista. A preocupação em alfabetizar e instruir um número cada
vez maior de possíveis leitores da imprensa libertária de suas
publicações doutrinárias e propagandísticas justifica também seu
interesse pelo projeto educativo.
Os jornais desempenharam papel de destaque no processo de
conscientização do proletariado e atuaram como centro de organização
da classe [...].266

Nesse sentido, na imprensa anarquista e socialista, também houve a aparição de


mulheres feministas, que propunham meios para a emancipação, educação sexual e libertária,
o amor livre, a maternidade consciente, a livre união, criticavam o casamento monogâmico e
contratual, discutiam, também, as relações hierárquicas, existentes também no movimento
anarquista, principalmente no que se referia às hierarquias com relação aos sexos, apontando e
criticando o machismo nos meios operários.267

[...] a questão da emancipação das mulheres pela sua libertação


econômica e cultural foi reforçada no amplo debate que os anarquistas
travaram, ao criticar as instituições burguesas e patriarcais. A luta pela
independência feminina era, nesse registro, primeiramente uma
questão moral: trata-se de libertar-se do modelo burguês de
feminilidade imposto e de construir uma nova figura de mulher.268

A imprensa libertária, no caso, funcionava como instrumento pedagógico de


expressão e com a concepção de que o embate ideológico era fundamental, onde os
anarquistas e socialistas encontravam seus espaços nessa imprensa e dedicavam muito do
tempo e energia na produção e difusão de seus jornais.269. Como pode ser analisado nos
próximos periódicos selecionados.

266
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar Brasil (1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1997. p.153.
267
MENDES, Samanta Colhado. Anarquismo e Feminismo: as mulheres anarquistas em São Paulo na Primeira
República (1889-1930). Disponível em: <http://legacy.unifacef.com.br/novo/publicacoes/IIforum/Textos%
20EP/Samanta%20Colhado%20Mendes.pdf>. Acesso em: 10/02/2013.
268
RAGO, op. cit., p.77-78.
269
CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana-1890-1915. São Paulo:
EDUC/ FAPESP/ Arquivo do Estado de São Paulo/ Imprensa Oficial de São Paulo, 2000. p.169.
82

A Lanterna

A Lanterna era um periódico anticlerical e libertário, criado em 1901, pelo anarquista


e maçom Benjamin Mota270, tendo a partir de 1903 em sua direção o jornalista e anarquista
Edgard Leuenroth271. O jornal também buscava informar e educar os operários, havia diversos
artigos destinados a denunciar alguns acontecimentos escandalosos na sociedade,
principalmente quando se referia à agressão e exploração dos trabalhadores. 272

De maneira geral, A Lanterna possuía um posicionamento anticlerical bem definido,


tinha um objetivo claro; desmoralizar a Igreja Católica, vista na época como grande rival na
luta para a libertação intelectual dos trabalhadores, lutava contra os padres, contra a influência
política da Igreja, denunciava seu poder econômico como empresa, como auxiliar da
exploração capitalista e divisora do proletariado. De quando em quando se encontravam
alguns artigos sobre acontecimentos da época sem relação religiosa, porém, a maioria das
seções e colunas do jornal dedicava-se ao anticlericalismo, seja de forma direta ou indireta.273

Em suas páginas anticlericais, A Lanterna abria espaço para a


convocação do povo, dos cidadãos, dos trabalhadores a uma reunião
cujo propósito era discutir o problema da carestia que deteriorava as
condições concretas da vida da população.274

270
Foi um jornalista anarquista nascido no Brasil, fundador do jornal anticlerical A Lanterna no ano de 1901.
Teve como amigos e colaboradores Neno Vasco e Edgard Leuenroth, entre outros libertários do início do século
XX. WIKIPÉDIA. Benjamin Mota. s/d. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Benjamim_Mota>.
Acesso em: 05/01/2013.
271
Edgard Frederico Leuenroth (1881 - 1968) foi um tipógrafo, jornalista, arquivista e propagandista, um dos
mais notáveis anarquistas do período da Primeira República brasileira. Fundou diversos jornais e colaborou em
diferentes funções junto a tantos outros. Esteve envolvido com os periódicos O Boi, O Alfa, Folha do Braz, O
Trabalhador Gráfico, Portugal Moderno, A Terra Livre, A Lucta Proletária, A Folha do Povo, A Lanterna, A
Guerra Social, O Combate, A Capital, Eclectica, Spartacus, A Plebe, Romance Jornal, Jornal dos Jornaes, A
Noite, Ação Libertária e Ação Direta. Foi também fundador de diversas entidades vinculadas a imprensa, entre
estas o Centro Typographico de São Paulo, a União dos Trabalhadores Gráficos, a Associação Paulista de
Imprensa e a Federação Nacional da Imprensa. Em 1917 foi julgado e condenado como um dos articuladores da
Greve Geral. Com o surgimento do Partido Comunista Brasileiro passou a ser criticado por Astrojildo Pereira,
comunista ex-anarquista que tinha como meta ampliar a influência do partido através do alinhamento com os
sindicatos e os meios de imprensa operários, com a proposta bolchevique. Foi responsável direto pela
constituição de um dos maiores arquivos existentes sobre a memória dos movimentos operário e anarquista que
hoje está sob os cuidados da Universidade de Campinas, levando o seu nome. Disponível em: WIKIPÉDIA.
Edgard Leuenroth. s/d. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgard_Leuenroth>. Acesso em:
05/01/2013.
272
VALCANTI, Breiner da Costa. O anticlericalismo do jornal ―A Lanterna‖ narrado através de imagens. Anais
do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH. São Paulo, julho 2011. Disponível em: <http://www.
snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300652801_ARQUIVO_Textocompleto-BreinerdaCosta Valcanti.pdf>.
Acesso em: 25/01/2013.
273
Ibidem.
274
MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações. Tese
(Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006. p.97.
83

ILUSTRAÇÃO 11 - A Lanterna.275

275
A Lanterna. São Paulo, ano IV, n. 10, 18 de dezembro de 1909. Disponível na Biblioteca Nacional.
84

La Battaglia

La Battaglia foi um periódico anarquista escrito em língua italiana; publicado em


São Paulo e fundado por Oreste Ristori276 e Gigi Damiani277 em 1904. Frequentavam em suas
páginas discussões entre as tendências libertárias em São Paulo, e com os grupos socialistas e
de sindicalistas italianos. Em particular, dirigiu-se numa campanha contra a imigração para o
Brasil, com o intuito de alertar os camponeses sobre a vinda às fazendas de café, mostrando
que tal fato aumentava o número de mão de obra e, por conseguinte, causava a queda do
poder de barganha, na contratação de todos os trabalhadores tanto nas fazendas, como na
cidade para onde acabavam se dirigindo os colonos que fugiam da lavoura. Além de mostrar
relatos sobre as péssimas condições de trabalho que os imigrantes se sujeitavam.278

Os anarquistas italianos de São Paulo referiram-se à realidade


circunstante, sobretudo em função dos problemas vividos pelos
trabalhadores italianos ali imigrados. A economia, a sociedade e as
instituições brasileiras eram analisadas, estudadas e obviamente
criticadas, para um fim principal: o de dissuadir os trabalhadores
italianos de imigrar para o Brasil. A luta contra a imigração foi o
verdadeiro leitmotiv do jornal La Battaglia: quase todos os artigos,
excluindo os estritamente teóricos, tinham como fim o de dar uma
idéia do Brasil que deixasse explícito que este era um país para se
evitar absolutamente.279

276
Oreste Ristori (1874-1943) foi um jornalista e militante anarquista e anarco-comunista italiano. Imigrou para
o Brasil em 1904, foi editor do periódico libertário La Battaglia, militou arduamente contra a exploração dos
imigrantes italianos nas fazendas de café, realizando uma intensa campanha contra imigração para o Brasil. Se
empenhou na criação de escolas libertárias seguindo o modelo proposto por Francisco Ferrer para os filhos de
camponeses e operários. Desde de sua chegada ao Brasil passou a ser sistematicamente perseguido pelo governo,
até finalmente ser expulso pela ditadura de Getúlio Vargas em 1936 retornando à Itália. WIKIPÉDIA. Oreste
Ristori. s/d. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Oreste_Ristori>. Acesso em: 05/01/2013. Ver
também: ROMANI, Carlo. Oreste Ristori: uma aventura anarquista. São Paulo: Annablume/ FAPESP, 2002.
277
Gigi Damiani (1876-1953) foi um importante jornalista, poeta e artista libertário, figurinista de profissão,
nascido na Itália. Imigrou para o Brasil em 1897 onde militou junto com outros anarquistas na cidade de São
Paulo. Contribuiu para a imprensa libertária tanto em italiano quanto em português, ocupando diferentes funções
em muitos periódicos anarquistas (A Plebe, Guerra Social, A Barricada). Dirigiu o jornal Amigo do Povo e La
Battaglia que ajuda a criar junto com seu amigo Oreste Ristori que seguindo seus passos também foi para o
Brasil em 1904. Em solo brasileiro dedicou-se também junto com outros anarquistas italianos a colher relatos das
condições de insalubridade e a terrível exploração a que eram submetidos os imigrantes italianos por seus
patrões brasileiros em fazendas e indústrias no estado de São Paulo. DIHITT. Gigi Damiani. 29 nov. 2012.
Disponível em: <http://www.dihitt.com.br/barra/gigi-damiani>. Acesso em: 27/02/2013.
278
BIONDI, Luigi. Anarquistas italianos em São Paulo. O grupo do jornal anarquista La Battaglia e a sua visão
da sociedade brasileira: o embate entre imaginários libertários etnocêntricos. Cadernos AEL. Arquivo Edgard
Leuenroth - Centro de Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, n. 8/9, 1998. p.118.
279
Ibidem. p.118-119.
85

ILUSTRAÇÃO 12 - La Battaglia.280

280
La Battaglia. São Paulo, ano III, n. 76, 22 de abril de 1906. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
Centro de Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas.
86

O Amigo do Povo

O Amigo do povo foi outro periódico anarquista publicado no Brasil por volta de
1902 fundado por um imigrante português, Neno Vasco281. A influência deste periódico no
movimento libertário foi imediata sendo ele apropriado, não só como um dos principais
espaços de diálogo e propagação de ideias do movimento anarquista brasileiro, mas também
lócus de reflexão de questões relacionadas à "emancipação feminina" por um número
considerável de mulheres notáveis que passaram a contribuir para esta publicação, como:
Matilde Magrassi e Maria de Oliveira.282

Ao criar esse jornal, os anarquistas brasileiros seguiam os passos


habituais dos militantes de outros países, mas também visavam criar
uma experiência de informação alternativa em meio à grande
imprensa e, muitas vezes, explicitamente em oposição a ela. Os
anarquistas atribuíam à educação a função de tornar possível o acesso
a uma consciência revolucionária. Nesse esforço em favor da
educação, a imprensa era o principal meio de expressão das idéias,
pois era o único veículo de grande alcance. Abordavam as idéias
centrais da tradição anarquista, mas certamente através de questões
que eram centrais para o contexto daquele início de século no Brasil: a
questão dos partidos, as leis, a república, o patriotismo, a polícia, a
imigração, os costumes.283

Matilde Magrassi representou expressão feminina no jornal anarquista, escreveu


diversos artigos defendendo a eduação para as mulheres, tal como, ―Proletarias, instrui-vos‖:

Entre as reformas que julgais conveniente exigir dos vossos


exploradores, afim de melhorar um pouco a vossa critica situação,
nunca vos esqueçais de pedir menos horas de trabalho, procurando
sempre, claro esta, que o patrão não possa habilmente diminuir
também o salario.

281
Neno Vasco (1878-1920): advogado, jornalista e escritor anarquista, nascido em Portugal, seu nome era
Gregório Nazianzeno Moreira de Queirós e Vasconcelos, mas ficou conhecido por Neno Vasco. Formado em
direito, emigrou para o Brasil em 1901, para se juntar a seu pai. Em São Paulo logo entrou em contato com
anarquistas como Benjamim Mota, Ricardo Gonçalves e os libertários italianos. Participou então da edição de O
Amigo do Povo, que começou a circular em 1902. Algum tempo depois lançou a revista Aurora. Nas páginas da
Voz do Trabalhador travou uma polêmica sobre as relações entre anarquismo e sindicalismo, que foi
fundamental para entender a forma como os libertários se situaram face ao movimento operário e suas
organizações. Em 1911, regressou a Portugal onde continuou a desenvolver sua militância anarquista,
colaborando com a imprensa anarquista brasileira como correspondente. Na revista anarquista portuguesa A
Sementeira escreveu sobre a situação social no Brasil. Neno Vasco, licenciado em direito, intelectual brilhante,
um dos mais influentes militantes libertários de Portugal e do Brasil, morreu de tuberculose e pobre, no norte de
Portugal. O seu principal livro é ―A Concepção Anarquista do Sindicalismo‖, publicado em 1923 pela editorial
do jornal anarco-sindicalista A Batalha e reeditado em 1984. PROTOPIA WIKI. Neno Vasco. s/d. Disponível
em: <http://pt-br.protopia.wikia.com/wiki/Neno_Vasco>. Acesso em: 24/02/2013.
282
TOLEDO, Edilene. Em torno do jornal O Amigo do Povo: os grupos de afinidade ea propaganda anarquista
em São Paulo nos primeiros anos deste século. Cadernos AEL. Arquivo Edgard Leuenroth - Centro de Pesquisa
e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas -
UNICAMP, vol. 5, n. 8/9, 1998.
283
Ibidem. p.101-102.
87

E no tempo, curto embora, que podeis arrancar ao proveito dos patrões


que vos roubem, instrui-vos, proletarias. Instrui-vos, pois que,
instruindo-vos, comprehendereis a grandeza do sacrificio que a
sociedade vos impói, a vós sobretudo, mulheres, não só porque sois
pobre, mas principalmente porque sois ignorantes, fazendo de vós,
essa ignorancia em que tendes vivido, objecto das mais vil exploração.
Comprehendereis que é inteiramente inutil que confieis ao padre as
vossas dores, aconselhando-vos a resignação, e que ele faz é impedir-
vos de reagir contra quem vos oprimem. O padre procura manter-vos
na ignorancia, com cantigas, que nos merecem já muito pouco crédito,
mas que desgraçadamente ainda serve para manter muitas de vós na
escravidão, de que ele proprio com o rico, tira abundantes frutos.
Instrui-vos, podereis instruir os vossos filhos e impedir que sejam
depois victimas como vós do injusto sistema social em que vivemos.
[...]
Convencidas de que os que vivem do vosso trabalho dirigindo-o não
são bons nem honestos, como pensaveis talvez, reage contra as suas
imposições emancipai-vos do dominio e tutela de vossos
exploradores, que gozam no ócio, em quanto vós, trabalhando tanto,
viveis na miseria e na opressão.284

Maria de Oliveira defendia a libertação da mulher, escreveu uma série de artigos com
o título ―Emancipação Feminina‖ nesse mesmo periódico, no qual ela combatia a alienação da
mulher de diversas formas, na igreja, no lar e no trabalho.285

Não nos subjuguemos ao homem que armado com as leis feitas por
elle e em seu proveito tem nos privado de todos os direitos civis e
sociais. Não admitamos outro senhor senão a nossa razão. Lembremo-
nos que a Natureza criou-nos semelhante a ele. Concedeu-nos um
cerebro igual ao seu, sede do pensamento, uma superficie sensorial
para receber as impressões; centros nervos. nervos sensitivos, nervos
motores iguais ao dele. A nossa energia volutiva é que está
enfraquecida, porque o nosso ―eu esta enfraquecido‖, porque o nosso
―eu esta influenciado, modificado.‖286

284
MAGRASSI, Matilde. Proletarias, instrui-vos. O Amigo do Povo. São Paulo, ano II, n. 42, 17 de janeiro de
1904. p.1.
285
Ver também: MENDES, Samanta Colhado. Anarquismo e Feminismo: as mulheres anarquistas em São Paulo
na Primeira República (1889-1930). Anais do IX Encontro de Pesquisadores. Franca: Uni-FACEF, 2008.
Disponível em: <http://legacy.unifacef.com.br/novo/publicacoes/IIforum/Textos%20EP/Samanta%20Colhado%
20Mendes.pdf>. Acesso em: 10/02/2013.
286
OLIVEIRA, Maria de. O Amigo do Povo. São Paulo, ano II, n. 62, 17 de setembro de 1904. p.2.
88

ILUSTRAÇÃO 13 - O Amigo do Povo.287

287
O Amigo do Povo. São Paulo, ano II, n. 36, 10 de outubro de 1903. Disponível no Arquivo Edgard
Leuenroth - Centro de Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas.
89

O Chapeleiro

O Chapeleiro foi editado em São Paulo em 1903 pela União dos Chapeleiros e era
ligado diretamente à ação sindicalista da parte dos libertários, defendia a emancipação dos
trabalhadores e a questão operária como principais temas. Teve colaboradores atuantes como:
Antonio Piccarolo, Ernestina Lesina, Matilde Magrassi etc.288

Como pode ser mostrado em um dos artigos escritos por Antonio Piccarolo289, sobre
a redução da jornada de trabalho dos operários em ―Due problemi290‖:

Questi due problemi implicano a loro volta la soluzione dei due grandi
problemi della vita operaria: il problema econômico ed il problema
morale; perché soltanto coll'elevarsi dei salari i lavoratori potranno
avere i mezzi di soddisfare alle necessitá della vita in modo non solo
da averne soddisfazioni materiali e fisiologiche, ma ancora per
avviarsi a quell‘elevazione morale ed intellettuale che é solo possibile
in condizioni economiche buone, tali che diano all‘organismo il
necessário per poter funzionare regolarmente; perché soltanto colla
limitazione degli orari rimarrá al lavoratore il tempo necessário per
riposarsi, per reintegrare le energie spese sul lavoro senza quello
sprechio eccessivo che abbrevia la vita umana e conduce alla
degenerazione che vi si assoggetta, perché colla riduzione dell‘orario
il lavoratore potrá avere il tempo, oltre che di riposarsi, per istruirsi ed
educarsi, per istruire ed educare la propria famiglia non solo, ma

288
RODRIGUES, Edgar. Pequena história da imprensa social no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997.
289
HECKER, Frederico Alexandre de Moraes. O Socialismo em São Paulo: a atuação de Antonio Piccarolo.
Tese (Doutorado em História Social), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH,
Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, 1996. Militante fundador do Partido Socialista Italiano, em 1892,
tornou-se um de seus intelectuais proeminentes, tendo dirigido jornais e sindicatos ligados ao Partido. Em 1904,
foi convidado pelo Partido Socialista Italiano, seção de São Paulo, para dirigir o jornal Avanti! publicado em
língua italiana nesta mesma cidade brasileira. Já no Brasil, em 1908, editou um trabalho pioneiro em sua área, O
Socialismo no Brasil, livro no qual adaptava idéias marxistas à situação do país e defendia a imigração italiana
como a mais adequada para o desenvolvimento econômico e social brasileiro. Dirigiu aqui diversos órgãos de
comunicação além do Avanti!, tais como: Il Secolo (1906-1910), La Rivista Coloniale (1910-1924), La Difesa
(1923-1926), Il Risorgimento (1928). Foi também colaborador do jornal O Estado de São Paulo.
290
Tradução livre: ―Dois problemas‖.
90

ancora perché nella riduzione di orario troverá la soluzione il


problema della disoccupazione che maggiormente travaglia la classe
lavoratrice.291

Este periódico também abordou sobre a emancipação feminina, como foi escrito por
Matilde Magrassi em ―Emamcipatevi!292‖:

Ad agevolare, anzi ad affrettare la soluzione dell'intricato problema


sociale, per la qual soluzione innumerevoli sono quelli che impulsati
da idee generose, guidati dalla storia, ce ne additano le vie, i mezzi, é
necessaria, diró meglio, indispensabile la cooperazione di voi donne;
di voi, come mogli seguendo nella lotta intrapresa per la realizzazione
delle nostre idee di emancipazione, di rigenerazione.
Come madri educando in queste i vostri bambini.
Ma prima d'ogni altra cosa, bisogna vi instruiate, onde potere
spogliarvi di tutti quei pregiudizini sciocchi, assurdi che hanno
formata la catena alla quale, in sino ad ora, foste e siete tuttora
schiave, vittime della societá, della famiglia e del padrone se
l'imperiosa necessitá va obbliga di provvedere col vostro lavoro, al
sostentamento vostro e della vostra famiglia.293

291
O Chapeleiro. São Paulo, ano II, n. 4, 1º de maio de 1904. p.1. Tradução livre: ―Estes dois problemas
envolvem, por sua vez, a solução dos dois grandes problemas da vida operária: o problema econômico e o
problema moral, porque apenas com o aumento dos salários os trabalhadores poderão conseguir os meios de
satisfazer as necessidades da vida, não apenas pelas satisfações materiais e fisiológicas, mas também rumo
àquela elevação moral e intelectual possível somente com boas condições econômicas, que deem ao organismo o
necessário para funcionar regularmente. Somente com a limitação dos horários sobrará o tempo necessário para
que o trabalhador descanse, recupere as energias gastas no trabalho, sem o excessivo desperdício que encurta a
vida humana e leva à degeneração que escraviza, porque – com a redução do horário – o trabalhador gozará de
tempo não só para o descanso, mas ainda para instruir-se e educar-se, para instruir e educar a própria família.
Além disso, na redução do horário [de trabalho], encontrará a solução do problema do desemprego que angustia
enormemente a classe trabalhadora.‖
292
Tradução livre: ―Emancipem-se‖.
293
O Chapeleiro. São Paulo, ano II, n. 4, 1º de maio de 1904. p.3. Para facilitar, ou melhor, apressar a solução
do emaranhado problema social, solução de que inúmeros – impelidos por ideias generosas, guiados pela história
– nos apontam os caminhos, os meios, é necessário, melhorar dizendo, indispensável a cooperação de vocês,
mulheres, de vocês como esposas, dando segmento à luta empreendida para tornar reais nossas ideias de
emancipação, de regeneração. Como mães, educando seus filhos nessas ideias. Mas em primeiro lugar, é preciso
que vocês se instruam a fim de livrar-se de todos os preconceitos tolos, absurdos, que formaram os grilhões a que
até agora vocês estão presas, vítimas da sociedade, da família e do patrão, se a necessidade imperiosa as obriga a
prover com o trabalho ao próprio sustento ao de sua família.
91

ILUSTRAÇÃO 14 - O Chapeleiro.294

294
O Chapeleiro. São Paulo, ano II, n. 4, 1º de maio de 1904. Arquivo Edgard Leuenroth - Centro de Pesquisa e
Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
92

A Terra Livre

Desde o seu lançamento, em 1905 por Neno Vasco, A Terra Livre explicitava um
discurso revolucionário e uma inclinação ao anarco-sindicalismo. Contemplava a luta de
classes, a exploração e a desigualdade, propondo a eliminação da propriedade como via de
acesso a um novo mundo, no qual haveria felicidade para todos os oprimidos. 295

Ainda cabe destacar a atuação feminista em suas páginas, três libertárias que
escreveram um manifesto para organização do sindicato das costureiras das confecções. São
elas: Teresa Carl, Tecla Fabbri e Maria Lopes, ambas operárias em ―As jovens costureiras de
S. Paulo‖:

De todos os lados nos chegam incitamentos para continuarmos na


nossa justa campanha, a fim de reivindicar direitos que são bem
nossos. Nunca como agora se viu em S. Paulo tanto entusiasmo da
parte das nossas companheiras – as boas – e da parte do público
consciente e da imprensa livre que nos deu todo o seu valioso apoio
moral.
[...]
Vêde como elles aumentaram os seus estabelecimentos na cidade, e
como progridem rapidamente, dia a dia! E nós, companheiras, que
melhoramento temos em quanto trabalhamos nas suas oficinas? que
melhoramento pecuniário? que progresso moral? Nenhum! Sempre as
mesmas escravas, sempre as mesmas exploradas, perdendo
gradualmente a saude nesses ergastulos!296

295
MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações. Tese
(Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.
296
A Terra Livre. São Paulo, ano I, n. 14, 15 de agosto de 1906.
93

ILUSTRAÇÃO 15 - A Terra Livre.297

297
A Terra Livre. São Paulo, ano I, nº 12, 13 de julho de 1903. Arquivo Edgard Leuenroth - Centro de Pesquisa
e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
94

A Voz do Trabalhador

A Voz do Trabalhador foi um jornal anarco-sindicalista, criado em 1908, que teve a


sua origem na fundação da Confederação Operária Brasileira em 1906, no Rio de Janeiro
onde ―sentiu-se a necessidade de uma força impressa que denunciasse e informasse sobre a
vida dos trabalhadores no Brasil‖. A Voz do Trabalhador apresentou-se como um jornal
informativo, que dava conta das greves, da vida dos sindicatos, das lutas contra a carestia, da
repressão policial e etc. Enfim, a Voz do Trabalhador foi um periódico do começo do século
XX que registrava as mobilizações operárias brasileiras.298

A questão do trabalho feminino também foi abordada nesse periódico, atentando para
a problemática do rebaixamento dos salários, culpando as mulheres pela desqualificação do
trabalho, já que as operárias atuavam em tarefas menos qualificadas que os homens. A Voz do
Trabalhador, de 1/7/1908, publicava no artigo ―Dos ergástulos industriais‖:299

Ninguém cá de fora sabe que, pouco a pouco, a gerência das fábricas


de tecidos vai substituindo os homens por mulheres. Igualmente se
ignora que além de ser esse trabalho fatigante e aniquilador para a
constituição débil da mulher, é retribuído com um salário inferior ao
do homem.300

298
UNESP. Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa - CEDAP. Catálogo de periódicos. s/d. Disponível
em: <http://www.cedap.assis.unesp.br/cat_periodicos/popup3/a_voz_do_trabalhador_cob.html>. Acesso em:
10/02/2013.
299
RAGO, Margareth. Relações de gênero e classe operária no Brasil, 1890-1930. In: MELO, Hildete Pereira;
PISCITELLI, Adriana; MALUF, Sônia Weidner; PUGA, Vera Lucia (Org.). Olhares Feministas. Coleção
Educação para Todos. Vol. 10. Brasília: Ministério da Educação/ UNESCO, 2006.
300
A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, ano I, 1º de julho de 1908. Apud: RAGO, op. cit., p.233.
95

ILUSTRAÇÃO 16 - A Voz do Trabalhador.301

301
A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, ano VI, n. 24, 1º de fevereiro de 1913. Disponível no Arquivo
Edgard Leuenroth - Centro de Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas.
96

A Plebe

O jornal A Plebe foi um importante jornal libertário publicado em São Paulo por
Edgard Leuenroth em 1917. Nele, pretendia-se conscientizar o povo de sua situação e fazê-los
tornarem-se mais críticos. Para se construir uma sociedade na qual as relações de igualdade e
solidariedade pudessem imperar, era preciso privilegiar certas ferramentas de luta. Sendo
assim, temas ligados à educação e à propaganda eram os instrumentos que atingiam os
sujeitos para a revolução, em prol da transformação da sociedade futura, baseada nos
princípios do anarquismo. Seus colaboradores compartilhavam da visão da imprensa como
espaço privilegiado para o embate ideológico, que funcionava, deste modo, como um
instrumento pedagógico para a formação do proletariado. Além disso, tinha uma característica
de listar livros indicados para leitura e também pequenos textos discorrendo sobre algumas
obras, estimulando assim seus leitores à prática da leitura que era considerada pelos libertários
como uma ferramenta importante para a emancipação do proletariado.302

Se no ano do seu lançamento A Plebe evidenciava uma orientação


anarco-sindicalista, conclamando as classes trabalhadoras e oprimidas
à mobilização, à organização e à ação, a partir de 1919 ganhava nova
tonalidade, apostando também o desenvolvimento intelectual e
cultural das camadas populares.303

302
GONÇALVES, Aracely Mehl; NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. A educação nas folhas do jornal ―A
Plebe‖: 1917-1919. Publicatio. Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes. Ponta Grossa, UEPG -
Universidade Estadual de Ponta Grossa, vol. 16, n. 2, 19/07/2008. Disponível em: <http://www.revistas2.
uepg.br/index.php/humanas/article/viewFile/653/633>. Acesso em: 05/02/2013.
303
MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações. Tese
(Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006. p.108.
97

ILUSTRAÇÃO 17 - A Plebe.304

304
A Plebe. São Paulo, 1º de maio de 1917. Arquivo Edgard Leuenroth - Centro de Pesquisa e Documentação
Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
98

Avanti!

O Avanti! foi dirigido por Antonio Piccarolo em 1904, representou um periódico


socialista no Brasil e foi o único jornal operário do país com edição diária, de 1902 a 1908.305

Foi censurado em 1917 e em outubro de 1919, quando o Avanti! de São Paulo


retomou as publicações, o grupo editor declarou que um dos dois objetivos do jornal era
apoiar as organizações operárias locais na luta contra todo tipo de opressão. Nas páginas
internas a ligação com os sindicatos e a importância de dirigir todos os esforços locais para a
organização sindical era reafirmada na maioria dos artigos e a repressão geral era explicada
sublinhando que o verdadeiro alvo era a organização operária em São Paulo e a sua ação de
classe. Um espírito que privilegiava de maneira geral a ação e as ideias advindas das bases
operárias ou das lideranças sindicais caracterizou a retomada da atividade propagandista dos
socialistas italianos.306

Os grupos socialistas italianos de São Paulo, com exceção de alguns


poucos indivíduos, como Piccarolo, passaram todos a apoiar a
corrente majoritária maximalista do Partido Socialista Italiano, que
orientou a ação do partido nas linhas da experiência dos conselhos
operários. De fato, o outro dos dois objetivos que os redatores do
Avanti ! de São Paulo declararam no dia da retomada da publicação,
era defender e difundir a postura intransigente e revolucionária do
partido socialista italiano 307

305
BIONDI, Luigi. Avanti, São Paulo! s/d. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/
secao/capa/mao-na-massa>. Acesso em: 13/01/2013.
306
Idem. Desenraizados e integrados: classe, etnicidade e nação na atuação dos socialistas italianos em São
Paulo (1890-1930). In: SCHPUN, Mônica Raisa (Coord.). Migrações, migraciones. Nuevo Mundo Mundos
Nuevos. Debates. Paris, 2007.
307
Ibidem.
99

ILUSTRAÇÃO 18 - Avanti!308

308
Avanti! São Paulo, 1º de maio 1901. Arquivo Edgard Leuenroth - Centro de Pesquisa e Documentação Social
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
100

O livre pensador

O livre Pensador, foi um periódico de cunho anarquista publicado no Brasil no início


do século XX. Dirigido por Everardo Dias309 era de início um suplemento semanário da A
Lanterna, criado em outubro de 1902, redigido em português e italiano, e que, a partir de 1 de
junho de 1903, circulou como jornal com interrupções até 1914.310

Possuía artigos questionando a igreja e o papel dos padres, falava sobre a intolerância
religiosa, pregava a queda do vaticano, e possuía temas ligados à mulher escritos por
Ernestina Lesina 311.

O Livre Pensador é órgão dos anti - clericaes e, particularmente, dos


livres – pensadores; suas colunas estarão sempre francas a todos os
amigos da Verdade, desde que assumam pela assinatura a
responsabilidade das opiniões que emitirem.312

309
Everardo Dias foi operário gráfico e jornalista, importante militante do movimento operário brasileiro nas
primeiras décadas do século XX, nasceu em Pontevedra, Espanha, em 1883, com dois anos de idade, em 1887,
veio para o Brasil. Destaca-se como um dos líderes, no movimento anticlerical em São Paulo. Fez parte da
Associação de Livres Pensadores e dirigiu o quinzenário ―O Livre Pensador‖, que saiu pela primeira em 1902.
Nele exaltava Lamarck, Darwin, Haeckel, Spencer, atacava implacavelmente a Igreja Católica, o fumo e o
álcool. Apareciam muitas críticas contra os padres que atacavam protestantes, maçons, espíritas, livres
pensadores, socialistas etc. WIKIPÉDIA. Everardo Dias. s/d. Disponível em: <http://pt.wikipedia.
org/wiki/Everardo_Dias>. Acesso em: 01/02/2013.
310
RODRIGUES, Edgar. Pequena história da Imprensa Social no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997.
311
Ibidem.
312
O Livre Pensador. São Paulo, ano II, n. 35, 12 de junho de 1904. p.1.
101

ILUSTRAÇÃO 19 - O Livre Pensador.313

313
O Livre Pensador. São Paulo, ano II, n. 35, 12 de junho de 1904. Arquivo Edgard Leuenroth - Centro de
Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas.
102

Desta forma, os jornais operários com o caráter pedagógico, de instruir os


trabalhadores, contribuíram sobremaneira para mostrar a importância da difusão das ideias
políticas, como ferramenta de liberdade de expressão, mostrando as condições de vida e
trabalho do início do século XX. Diante das várias correntes de pensamento e da circularidade
de ideias transmitidas por essa imprensa, o anarquismo e o socialismo deram respaldo para os
trabalhadores e assim, a luta por direitos também influenciaram as correntes feministas da
época.

2.3 ANIMA E VITA: PELA CAUSA FEMININA

De tendência socialista e feminista o Anima e Vita surgiu no início do século XX.


Circulou semanalmente na cidade de São Paulo entre 01/01/1905 até 30/07/1905, ou seja,
apenas 30 números, dos quais restam somente 5 disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth –
UNICAMP. Um exemplar avulso custava 200rs e a edição atrasada 300rs. Mas era possível
assinar o periódico por três, seis ou doze meses, a um custo de 3$000, 5$000, ou 8$000,
respectivamente. Era escrito em italiano e dirigido por Ernestina Lesina, possuía o tamanho de
24cmx32cm com 8 páginas e dividido em 2 colunas. A administração encontrava-se na Rua
do Rosário, 21 na cidade de São Paulo e a impressão pela Tipografia Maré & Monti na Rua
Quintino Bocaiúva, 46 na mesma cidade. Subsistia pela veiculação de anúncios, venda avulsa
e por assinaturas e contribuições espontâneas de leitores que se identificavam com a defesa da
causa operária feminina.

A primeira página apresentava o desenho de uma mãe segurando uma criança para
que colha o fruto pendente de um ramo, alegoria de esperança num porvir melhor alicerçado
pela educação das mulheres – mostrando o caráter pedagógico do periódico com a missão de
instruir as trabalhadoras para a luta de seus direitos. No decorrer das páginas possuía sucessão
de artigos intercalados com vinhetas florais de gosto feminino, além dos artigos doutrinários
de colaboradores imigrados ou italianos, havia a reprodução de poemas e de folhetins, sempre
exaltando virtudes do ideal socialista. Na coluna fixa Fiori e Spine314. apresentavam-se as
notícias boas ou más de interessa a causa proletária no Brasil, na Itália e no mundo.

314
Tradução livre: ―Flor e Espinho‖, Flor = notícias boas, Espinho = notícias más.
103

A venda de propaganda girava em torno de produtos do ambiente feminino: venda de


máquinas de costura Singer, linha, retroz, agulhas, peças óleos, manequins; de reforma e
consertos de roupas, clínica dentária, loja de brinquedos, alfaiataria, perfumaria, venda de
camas e estrados de ferro, Banco Italiano, Agência jornalística e Biblioteca.

Dentre os colaboradores contavam-se nomes de prestígio na imprensa italiana: Anna


Kulischioff315, Ersilia Majno316, Ada Negri317, Maria Cabrini, Maria Giudice, Angelica
Balabanoff318, Clara Zetkin319, Gisella Michels, Paola e Gina Lombroso320, Emilia Mariani321,

315
Anna Kuliscioff nascida em 09 de janeiro de 1857 foi uma revolucionária russa, uma feminista de destaque,
influenciada por Mikhail Bakunin, e eventualmente, uma marxista militante socialista, ela era ativa
principalmente na Itália, onde ela foi uma das primeiras mulheres graduadas em Medicina. Foi editora desde
1891 da Critica Sociale, um grande jornal socialista, e foi assistida por principais intelectuais da época, tais
como Luigi Majno, Ersilia Majno e Ada Negri. Lutou pela emancipação feminina, a favor das causas femininas
como o direito ao voto pelas mulheres, Anna foi julgada e presa em várias ocasiões. Seu ponto de vista sobre o
marxismo influenciou Filippo Turati, que se tornou seu parceiro e juntos contribuíram para a criação do Partido
Socialista Italiano. WIKIPÉDIA. Anna Kuliscioff. Disponível em: <http://it.wikipedia.org/wiki/
Anna_Kuliscioff>. Acesso em: 28/02/2013.
316
Ersilia Majno (1859 – 1933) era italiana e foi uma das protagonistas da emancipação feminina do século XIX.
Ersilia foi casada com o advogado Luigi Majno e próxima às ideias dos socialistas. Teve engajamento nos
serviços médicos para as mulheres pobres organizados por Alexandrina Ravizza. Durante essa experiência, ela
conheceu Anna Kuliscioff e tomou os primeiros contatos com o grupo de mulheres da burguesia milanesa,
através do compromisso com as classes mais desfavorecidas, deu origem ao que é chamado de "feminismo
prático". Após a supressão dos levantes de 1898, observando a facilidade com que as organizações das
trabalhadoras eram perseguidas, juntou-se a essa luta com o intuito de fortalecê-las. União Em 1902, depois do
trauma sofrido com a morte de sua filha Marysia, fundou um instituto dedicado à sua filha, para a recuperação de
crianças e adolescentes "equivocada", ou seja, as vítimas de violência sexual, ou que já tinham iniciado uma vida
de prostituição. Ela ocupou-se para uma vida de problemas relacionados com a delinquência juvenil, com
especial incidência sobre a reintegração social de jovens por meio da educação e do trabalho. BORTOLI, Bruno.
Ersilia Bronzini Majno (Milano, 1859 - 1933). Lavoro sociale. Trento, Vol.6, n. 1, abril 2006. p.126. Disponível
em: <http://www.asilomariuccia.org/index.php?option=com_content&view=article&id=44&Itemid=130>.
Acesso em: 28/02/2013.
317
Ada Negri nascida em 1870, foi uma poetisa italiana, nasceu em Lodi em uma família de artesãos. Tornou-se
professora da aldeia onde vivia. Seu primeiro livro de poemas, Tempeste (1891), conta a tragédia dos pobres
abandonados através da veemência de belas palavras. Seu segundo volume poético, Fatalità, confirmou sua
atuação como poetisa, e levou a sua nomeação para a escola normal em Milão. Ada era uma visitante frequente
de Laglio, no lago de Como, onde escreveu o seu único romance Stella Mattutina (Estrela da Manhã), publicado
em 1921. Tornou-se a primeira mulher membro da Academia da Itália em 1940. WIKIPÉDIA. Ada Negri.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ada_Negri>. Acesso em: 28/02/2013.
318
Angélica Balabanoff nasceu em 1878 em uma família rica em Chernihiv, foi uma foi uma ativista comunista e
social-democrata judia-italiana. Enquanto frequentava a Université Libre de Bruxelles, em Bruxelas, na Bélgica,
ela foi exposta ao radicalismo político. Após a sua graduação com formação em filosofia e literatura, ela se
estabeleceu em Roma e começou a organizar os trabalhadores imigrantes na indústria têxtil, juntou-se ao Partido
Socialista Italiano (Partido Socialista Italiano, que mais tarde, em 1900, fez parte da liderança). Atuou também
ao lado de Antonio Labriola, Giacinto Menotti Serrati, Benito Mussolini, e Filippo Turati (o fundador do Partido
Socialista Italiano). WIKIPÉDIA. Angélica Balabanoff. s/d. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/
wiki/Angelica_Balabanoff>. Acesso em 28/02/2013.
319
Clara Zetkin nascida em 1857 em Wiederau, Alemanha, foi uma teórica marxista alemã, ativista e defensora
dos direitos das mulheres. Em 1911, organizou o primeiro ―Dia Internacional da Mulher‖. Até 1917, ela era ativa
no Partido Social-Democrata da Alemanha, em seguida, ela entrou para o Partido Social-Democrata
Independente da Alemanha (USPD) e sua ala de extrema-esquerda, a Liga Espartaquista, tornou-se mais tarde o
Partido Comunista da Alemanha (KPD). Zetkin era atenta à política direcionada às mulheres, incluindo a luta
pela igualdade de oportunidades e sufrágio feminino. Ela desenvolveu o movimento de mulheres social-
democratas na Alemanha, entre 1891-1917 editou o jornal do SPD direcionada ao público feminino Die
104

Maria Bornaghi, A. Piccarolo, E. Ferri, F. Turati, E. de Amieis, C. Lombroso, G. Sergi, U.


Oietti, S. Sighele, A. Asturaro, L. Bissolati, C. Treves, E. Ciccoti, J. Jaurés, E. Vandervelde,
A. Bebel, V. Adler, M. Nordau, J. Grave, O. Mirbeau, J. Novicov, ed. Altri.

Muitos dos artigos publicados no Anima e Vita, particularmente de autores


renomados, foram produzidos e publicados na Europa, majoritariamente na Itália, onde a
atividade política de Ernestina localizava a maior parte dos colaboradores, observou-se então
uma circularidade de escritos, o que implicou a disseminação das ideias socialistas no Brasil.

Anima e Vita, além de feminista, era dirigido para as trabalhadoras operárias, as


ideias apesar de permearem os mesmos temas da imprensa feminista, ao que remete ao
feminismo do início do século XX, era de cunho socialista e que mais se aproximou da
imprensa operária da época. Abordava temas variados relativos ao universo feminino, como
maternidade, amor, infância combate ao alcoolismo. Revelava caráter anticlerical, divulgava
alguns acontecimentos internacionais, propagava também ideias libertárias, chamava a
atenção das trabalhadoras para a reflexão. Visava, portanto, fortalecer através do discurso
pedagógico, as redes da militância política tanto entre as mulheres, como entre os
companheiros ligados a outras entidades, sobretudo no momento de movimentação que

Gleichheit (Igualdade). E, em 1907, fundou o "Escritório da Mulher" no SPD. WIKIPÉDIA. Clara Zetkin. s/d.
Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Clara_Zetkin>. Acesso em: 28/02/2013.
320
Gina Elena Zefora Lombroso (1872-1944) foi uma divulgadora da ciência, medicina e escritora italiana. Sua
atividade de militância na vida política foi baseada em estudos sobre as condições das mulheres e tornou-se
conhecida intelectualmente no início do século XX. Gina Lombroso foi filha de Cesare Lombroso (1835-1909),
um famoso antropólogo e criminologista positivista, e de Nina Benedetti, educada e inteligente mulher
pertencente a uma rica família de comerciantes de origem judaica de Alexandria. Desde criança já convivia em
ambientes intelectuais devido à posição de seu pai. Em 1897, graduou-se com honras em literatura e filosofia.
Teve contato com Anna Kuliscioff, por essa frequentar os ciclos de ideias políticas corriqueiros na casa
Lombroso, possibilitando a entrada de um modelo de vida de mulher antes então desconhecido para Gina e
incomum para a época, o de uma mulher dedicada à política, independente e emancipada. Gina e sua irmã Paola,
ainda muito jovem, foram profundamente influenciadas pelos encontros com Anna Kuliscioff. Elas começaram a
se interessar por política voltada às ideias socialistas.Gina Lombroso acreditava, de acordo com suas ideias
liberal-positivistas, que a igualdade defendida pelo socialismo contradizia a evidência de uma realidade muito
complexa e diversificada para ser reduzida à uniformidade. Nestes anos de maturidade política, publicou-se uma
série de trabalhos de investigação e denúncia da realidade, liderada por Gina Lombroso. Em 1896, ela publicou
sobre a reforma social, as condições sócio-econômicas dos trabalhadores em um subúrbio de Turim, baseado em
um levantamento estatístico com cem famílias no bairro de Turim Crocetta. Em 1898 foi publicado no artigo
Reforma Social afirmando que a única solução eficaz para o problema do analfabetismo era o investimento na
educação. WIKIPÉDIA. Gina Lombroso. s/d. Disponível em: <http://it.wikipedia.org/wiki/Gina_Lombroso>.
Acesso em: 06/03/2013.
321
Emilia Mariani nascida em 1854 em Florença, foi uma professora de escola primária, socialista e feminista.
Estudou magistério e obteve seu diploma, dedicando-se a ensinar por 38 anos. Seu nome está ligado à luta pela
emancipação da mulher e à luta para a melhoria das condições de trabalho das professoras igualando com as
condições dos professores do sexo masculino. Cultivada desde cedo sua paixão pela escrita e autora de vários
contos e peças de teatro, principalmente, mas não exclusivamente dirigidas ao público jovem. Ela contribuiu
para muitas revistas políticas da época, incluindo para as mulheres. Suas contribuições voltavam-se
principalmente para questões relacionadas à educação e ao emprego para as mulheres. WIKIPÉDIA. Emilia
Mariani. s/d. Disponível em: <http://it.wikipedia.org/wiki/Emilia_Mariani>. Acesso em: 28/02/2013.
105

passava São Paulo no início do século XX, no qual anarquistas e socialistas lutavam por um
novo mundo.

ILUSTRAÇÃO 20 - Página inicial do Anima e Vita.322

322
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 13, 26 de março de 1905. p.1. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
106

ILUSTRAÇÃO 21 - Visual do Anima e Vita.323

323
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 13, 26 de março de 1905. p.4. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
107

ILUSTRAÇÃO 22 - Anúncios no Anima e Vita.324

324
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 13, 26 de março de 1905. p.8. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
108

Diante das transformações culturais que a cidade de São Paulo passava, o surgimento
das tendências políticas influenciaram a luta pela emancipação das mulheres, o que permitiu
unir feministas de várias camadas sociais em torno de algumas bandeiras, especialmente
anarquistas e socialistas.325

A luta das mulheres, na concepção libertária, deve passar pelo


questionamento das relações que se estabelecem no cotidiano, tanto no
interior da família quanto na fábrica. Não se trata de conquistar o
direito de participação no campo da política instituído pelas classes
dominantes, mas de batalhar pelo crescimento pessoal, completo e
integral.
[...]
Assim, a luta pela emancipação da mulher não passa pela
reivindicação de ascender à esfera pública simplesmente, mas é
primeiramente uma questão de ordem moral: trata-se da necessidade
de libertar-se do modelo burguês que lhe é imposto e de construir uma
nova figura negadora daquela forjada pela representação burguesa e
masculina. A mulher não é apenas sentimento e passividade, daí a
necessidade de instruir-se, de utilizar seu potencial intelectual na
crítica ideológica das instituições e das mitologias religiosas e de lutar
pela própria independência.326

Para as socialistas, não se tratava apenas de realizar a igualdade de direitos da mulher


como o homem no terreno da ordem social e política existente, mas de eliminar as barreiras
que faziam com que o homem dependesse do homem e, portanto, um sexo ao outro,
submissão da mulher.327

Sendo assim, o Anima e Vita por meio da questão emancipacionista abordou temas
do cotidiano relacionados principalmente com o feminino. Por outro lado, vale notar que,
diante das mudanças espaciais que a cidade de São Paulo sofria , norteavam outras sugestões
e abordagens temáticas pelo discurso médico, devido ao intenso processo de urbanização,
símbolo de progresso e modernidade, percebidos no próprio processo histórico desta
cidade/metrópole, ao aumento populacional significativo, grandes aglomerações, expansão de
doenças, focos epidêmicos, residências precárias e coletivas, mas que a visão do Anima e Vita
distanciava dessa abordagem e focava em outros elementos de caráter em busca da
liberdade.328

325
BEBEL, August. La mujer y el socialismo. Espanha: Akal Editor, 1977. Apud: BUONICORE, Augusto
César. As Mulheres e a Luta Socialista. s/d. Disponível em: <http://www.nupemarx.ufpr.br/
Trabalhos/Externos/BUONICORE_Augusto_-_As_mulheres_e_a_luta_socialista.pdf>. Acesso em: 15/01/2013.
326
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar Brasil (1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p. 99-100.
327
BEBEL apud BUONICORE, op. cit., s/d.
328
AVELINO, Yvone Dias. Territórios de Exclusão Social: A Cidade e a Saúde Pública (1889-1930). Anais do
XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. São Paulo, ANPUH/SP - USP, 08 a 12 de
109

Nesse processo, a problemática da cidade foi tracejada enquanto questão,


identificando-a enquanto espaço de tensões. Desta forma, a cidade de São Paulo foi tida como
motivo de preocupação dos médicos, em relação à higiene, através de uma política
intervencionista de um Estado planejador/reformador e um discurso sanitarista. Interligada à
questão urbana, com o surgimento da pobreza e a identificação do imigrante como pobre,
construiu-se a questão social. Além do mais, o processo de urbanização permitiu à mulher
uma nova circularidade pela cidade e o processo de industrialização ampliou a utilização da
mão de obra feminina e infantil, tornando necessária a normatização de novos parâmetros
―civilizados‖ dos comportamentos femininos e masculinos. Sendo assim, os comportamentos
deveriam ser moldados e corrigidos conforme um perfil homogêneo de masculinidade e
feminilidade que se adequasse ao novo regime e a uma perspectiva sacramental; nesse
sentido, a Igreja, o Estado e a medicina convergiram seus interesses a fim de disciplinar
mulheres e homens.329

Destarte, o Anima e Vida utilizou-se do discurso pedagógico para informar, educar e


instruir os trabalhadores, destacando a condição feminina e chamando a atenção para as
condições de vida da mulher, abarcando temas como o alcoolismo, casamento, amor livre e
anticlericalismo.

Alcoolismo

As mudanças culturais na cidade de São Paulo no início do século XX incidiram


sobre os espaços e hábitos da população. O alcoolismo330, no caso, manifestou-se no cotidiano
dos trabalhadores e foi denunciado pela imprensa O tema foi relacionado como um ―mal
social‖, problema no cotidiano das pessoas cuja solução implicava alteração do dia a dia e do
modo de vida das pessoas. Ademais, o alcoolismo era exposto pela imprensa operária como
emblema de uma vida ―doente‖ formada pela cidade industrial em transformação.331

setembro de 2008. p.6. Disponível em: <http://www.anpuhsp.org.br/sp/downloads/CD%20XIX/PDF/Seminarios


%20Tematicos/ST%2015%20Ivone%20Dias%20Avelino%20e%20M.%20Izilda%20Santos%20de%20Matos/Y
vone%20Dias%20Avelino.pdf>. Acesso em: 25/02/2013.
329
MATOS, Maria Izilda Santos de. Em nome do engrandecimento da nação: Representações de Gênero no
discurso médico–São Paulo 1890-1930. Diálogos. Revista do Departamento de História da Universidade
Estadual de Maringá. Maringá, 2002. p.77-92.
330
Dissertação sobre alcoolismo: OLIVEIRA, Marco Antonio de. Demônio da humanidade: alcoolismo no
discurso médico e na imprensa operária. Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, 2001.
331
BERTUCCI, Liane Maria. A ameaça permanente: o alcoolismo na imprensa operária. São Paulo, início do
século XX. História Social. Campinas, IFCH/UNICAMP, n. 1, 1994. p.95-116.
110

O alcoolismo, o jogo, o crime, a vagabundagem e a miséria eram


apontados como causas diretas da degradação do homem, da sua
família e da sociedade. Os discursos referentes ao alcoolismo eram
majoritariamente dirigidos para os homens, apontando como o
alcoólatra sacrificava a profissão, a família e a dignidade, envolto em
apatia, indiferente, sem energia, incapaz para o trabalho.332

Nos textos pedagógicos da imprensa operária, o alcoólatra foi apresentado como uma
―vítima social‖ que, muitas vezes, se entregava ao vício para esquecer as dificuldades
cotidianas. Sendo assim, o alcoólatra era resultado de um novo quadro urbano, que se desviou
por culpa da desigualdade social, mas que podia e devia ser recuperado, e cujo hábito era alvo
de combate.333

O aumento do número de cortiços, de locais insalubres com precárias condições de


higiene e de saúde, as dificuldades financeiras, a ausência de um lar aconchegante, as
péssimas condições de trabalho, foram fatores que levaram o operariado a buscar o botequim
e o cabaré para se refugiar da vida que levava; no álcool e no jogo, procurava as
compensações que lhe faltava dentro do ambiente doméstico e do trabalho, queria divertir-se e
esquecer. ―O fantasma do botequim popular aparece na representação deste imaginário como
instituição ameaçadora para os valores da sociedade, pois é o lugar do pecado e do vício‖.334

Os discursos procuravam incutir o medo, já que o alcoolismo poderia


levar à morte; também produzia a dor e a solidão, aliadas à vergonha,
já que ele se encontrava vinculado à promiscuidade, à vida desregrada
e até à sujeira, além da culpa, visto que poderia repercutir na
degeneração da prole.
Os mais atingidos pelo alcoolismo eram o operário e o pequeno
empregado, o que podia ser percebido por grande número de
industriais que rejeitava operários consumidores frequentes de
álcool.335

O tema do alcoolismo aparecia como uma degeneração para o masculino, era


considerado como um círculo descendente e viciante, começando pela enfermidade, passando
para a irresponsabilidade, o não-cumprimento dos deveres como homem-trabalhador, homem
provedor, homem-pai e desembocando na falta do cumprimento do seu ―papel sexual‖.

332
MATOS, Maria Izilda Santos de; MORAES, Mirtes. Imagens e ações: gênero e família nas campanhas
médicas (São Paulo: 1890-1940). ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte.Uberlândia, vol. 9, n. 14,
jan./jun. 2007. p.34.
333
BERTUCCI, op. cit., p.95-116.
334
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil - 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.197.
335
MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de Emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru, SP:
EDUSC, 2005. p.67.
111

Porém, o discurso não isentou a mulher do problema, como esposa era acusada pelo
alcoolismo e pelas saídas do marido, sua obrigação era criar um ambiente saudável, acolhedor
e higiênico, para quando o marido chegasse do trabalho.336

Dizia-se que o uso do álcool apagava a inteligência no homem, queimava os


neurônios, acentuava a mudança do caráter, provocando uma excitação fugaz, seguida de
abatimento nervoso, impulsões violentas, apatia aparente, cólera intensa, principalmente nas
discussões. Além das consequências físicas, o alcoólatra perdia toda a energia, noção de honra
e de conduta pública, do afeto pela família e amigos, das obrigações para a sociedade,
podendo caminhar para a obsessão, para o impulso criminoso, além dos males que deixava
para a prole, degenerando a raça.337

Diante dessa perspectiva, no Anima e Vita o alcoolismo também foi tema de debate e
alerta, além de abordar os males físicos do alcoolismo também divulgado na imprensa
operária em geral, levou à tona as implicações do alcoolismo na criança, mais intensas. De
cunho pedagógico, como forma de instrução e prevenção do consumo do álcool na infância, o
periódico mostrou preocupação na formação das futuras gerações em ―Combattiamp
l‘alcool338‖:

La voce del medico


Sulle gravissime conseguenze Che, per l‘organismo infantile, ha Il
consumo dell‘alcool, ci piace riportare Le testuali parole del prof.
Ziehen, direttore della clinica per Le malattie nervose a Berlino.
Il sitema nervoso infantile é eccessivamente suscettibile al danno
esercitato dall‘alcool. Nessun fanciullo – al di sotto di 15 anni –
dovrebbe consumare álcool in nes suna forma, in nessuna occasione.
É addirittura un delito, io non potrei adoperare uma parola piú mite, di
fare bere ai bambini uma data quantitá di álcool. L‘alcool provoca
uma reazione immediata, molto grave nell‘organismo infantile; mentre
per esempio il delírio dei bevitori presso gli adulti è una malattia che
risulta dall'ubbriachezza abituale. Per i bambini, basta un solo
considerevole consumo di álcool per provocare fenomeni morbosi
identiei aL delírio tremens. Ricordiamo pure che nell‘infanzia
l‘ubbriachezza é sovente accompagnata da convulsioni e non di rado
há esito mor tale.339

336
MATOS, Maria Izilda Santos de. Meu lar é o botequim: alcoolismo e masculinidade. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 2000.
337
Idem; MORAES, Mirtes. Imagens e ações: gênero e família nas campanhas médicas (São Paulo: 1890-1940).
ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte.Uberlândia, vol. 9, n. 14, jan./jun. 2007.
338
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 13, 26 de março de 1905. p.3. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
Texto do editorial, sem assinatura. Tradução livre: ―Combate ao alcoolismo‖.
339
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n.13, 26 de março de 1905. p.3. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
Tradução livre: ―A voz do médico/ Sobre as consequências gravíssimas que o consumo do álcool causa no
organismo infantil, queremos transcrever textualmente as palavras do Prof. Ziehen, diretor da clínica de doenças
112

O alcoolismo era atacado através de um discurso embasado em dados científicos, por


vezes, seu conteúdo era repetido em vários jornais operários, mesmo de tendências políticas
diferentes.340 Nesse caso, observa-se que no artigo o autor utilizou do conhecimento científico
dos males da bebida - a voz do médico - como comprovação das consequências descritas para
enfatizar e transmitir o conteúdo do artigo.

Ed io qui non parlo neppure dei casi estremamente gravi, che


purtroppo non sono rari, in cui genitori, com leggerezza
imperdonabile, mischiano l‘alcool al latte per eal mare e addormentare
i bambini. Vi potrei descrivere piú d‘um fatto doloroso com tutte Le
sue particolarita e tutte le sue conse guenze funestíssime. É
semplicemente ridicolo che quegli stessi genitori i quali si spaventano
nel vedere fumare un loro figlio di dodiei anni, tacciano dere a questo
stesso ragazzo ogni gionno birra e vino. Io non sono certo ha coloro
che raccomandano ai fanciulli di fumare; ma vorrei solo fare osservare
ai gentiori che Il quotidiano consumo dell‘alcool è altrettanto, se non
più, nocivo all‘organismo infantile. La mia esperienza medica m‘há
dimonstrado che numeroso sissime malattie che si manifestano
all‘epoca della puberta, sono state provocate dall‘alcool durante
l‘infanzia.341

O discurso pedagógico além de informar, alertar, teve a função de instruir sobre a


educação das crianças, chamou a atenção dos pais sobre o delito da ingestão de bebida
alcoólica por crianças, mostrando que além de prejudicial ao adulto, aos pais, na criança as
consequências eram mais graves. Frisou também a importância da mãe em sua ação maternal,
clamando as mulheres para uma adesão à luta antialcoólica ao reconhecer que a mulher-mãe,
mãe dedicada e carinhosa, deveria estar presente com os cuidados dos filhos contra o álcool
na infância. 342

nervosas, de Berlim. O sistema nervoso infantil é particularmente suscetível ao dano produzido pelo álcool.
Criança alguma abaixo de 15 anos deve consumir álcool, sob forma nenhuma, em nenhuma circunstância. É um
verdadeiro crime – recuso-me a empregar uma palavra mais branda – oferecer às crianças qualquer quantidade
de álcool. O álcool provoca reação imediata muito grave no organismo infantil. Enquanto nos adultos o delírio é
um resultado habitual da doença embriaguez, nas crianças, basta uma única ingestão mais séria de álcool para
provocar fenômenos patológicos idênticos aos do delirium tremens. Convém lembrar ainda que, na infância, a
embriaguez vem frequentemente acompanhada de convulsões e não raro leva à morte.‖
340
BERTUCCI, Liane Maria. A ameaça permanente: o alcoolismo na imprensa operária. São Paulo, início do
século XX. História Social. Campinas, IFCH/UNICAMP, n. 1, 1994. p.95-116.
341
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 13, 26 de março de 1905. p.3. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
Tradução livre: ―E não estou aqui tratando sequer dos casos extremamente graves, que infelizmente não são
incomuns, em que os pais, com imperdoável leviandade, misturam álcool ao leite para acalmar ou adormecer os
pequenos. Poderia narrar mais de um fato doloroso, com todos os pormenores e consequências funestíssimas. É
simplesmente ridículo que os mesmos pais que se espantam por verem um filho de doze anos fumar façam esse
mesmo garoto tomar cerveja e vinho diariamente. Não me inclua, é óbvio, entre os que recomendam o fumo às
crianças; quero apenas chamar a atenção dos pais para que o o consumo de álcool é tanto – se não mais – nocivo
ao organismo infantil. A minha experiência médica tem apontado que muitíssimas doenças que se manifestam na
puberdade foram provocadas pelo álcool durante a infância.‖
342
MATOS, Maria Izilda Santos de. Meu lar é o botequim: alcoolismo e masculinidade. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 2000.
113

O álcool aparecia como moléstia social, algo desestabilizador que colocava em risco
a família, destruía os lares343 e comprometia a decência, ameaçava não só a sobrevivência
física do trabalhador, mas a moral, e afetava na organização e na consciência dos
trabalhadores militantes em prol de seus ideais e lutas. Sendo assim, o papel da imprensa
operária, quando abordava o tema, tinha o intuito de instruir e conscientizar o operariado
contra o vício, alertando os problemas e consequências do álcool.344

O alcoolismo também era tema discutido dentro das reuniões dos vários tipos de
associações dos trabalhadores (mutualistas, sindicais, recreativas e outras). Nesses espaços de
organização e de expressão política, além de divulgar os propósitos do sindicalismo, o de
arrecadar mais filiados, havia a fito de alertar quanto aos males causados pelo álcool presentes
no cotidiano, pois o alcoolismo era responsável pela obstrução da tomada de consciência,
apontado como causador de diversas doenças e pela perda das faculdades morais e intelectuais
dos trabalhadores e de desordem entre eles. Os socialistas enxergavam o álcool como uma
droga que levaria ao enfraquecimento da autoconsciência e da perda do senso de
responsabilidade necessários à civilidade e à luta operária.345

Além da imprensa operária, o combate ao alcoolismo também foi alvo do discurso


médico da época, as bebidas alcoólicas realçavam os elementos negativos da miséria, da
indigência e da vagabundagem, além disso, afetavam as noções como família, trabalho e
prazer.346

O alcoolismo também era um sinônimo de doença e de atraso, que


comprometia o desenvolvimento social e econômico da cidade. Este
passou a ser combatido através de campanhas e ações diversificadas.
Nessas campanhas, o alcoolismo, além de ser combatido ―como um
mal social‖, era visto como causa de escoamento e desperdício do
dinheiro público, que gastava muito na contenção desta doença social.
Um mal que passado de geração em geração, cada vez mais se
proliferava. Era considerado, moralmente, o destruidor de lares,
degenerador da prole, porque o homem deixava de cumprir com a sua
obrigação de marido, provedor do lar. Houve aumento das taxas de

343
SANTOS, Fernando Sergio Dumas dos. Alcoolismo e controle dos trabalhadores no século XIX. Anais do
XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo: ANPUH, 2007. Disponível em: <http://anpuh.org/anais/
wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S24.0752.pdf>. Acesso em: 26/02/2013.
344
BERTUCCI, Liane Maria. A ameaça permanente: o alcoolismo na imprensa operária. São Paulo, início do
século XX. História Social. Campinas, IFCH/UNICAMP, n. 1, 1994. p.95-116.
345
SIQUEIRA, Uassyr de. Trabalhadores paulistanos: os associados e as ―vítimas da pinga‖. História Social.
Campinas, IFCH/UNICAMP, n. 14/15, 2008. p.101-119.
346
SANTOS, op. cit., 2007.
114

impostos sobre a bebida, e o álcool foi coibido com a tentativa de


regulamentação sobre a venda.347

Desta forma, as propostas antia1coólicas no início de século tiveram a população


operária como alvo, vinculando miséria social e alcoolização, mensagem passada por e para
todos, inclusive pelos e para os trabalhadores que, apesar de frequentarem botequim como
espaço de lazer, agiram de forma a condenar o hábito e o espaço.348

Anticlericalismo

Outro tema presente no Anima e Vita foi o anticlericalismo, relacionado com o as


ideias expostas em outros jornais anarquistas, como na A Lanterna e O Livre Pensador349.

A igreja, na época, é uma força efetiva na sociedade. Ela alcança


através das pregações, do confessionário e da educação, a maioria das
pessoas, tornando-as, segundo os libertários, fracas e passivas. A
igreja se apresenta como uma força que atrasa a marcha para o
anarquismo.350

O caráter anticlerical dos jornais operários revelava que o maior inimigo do operário
era a Igreja, pois ela persuadia a sociedade para a conformidade, em não reagir à injustiça
social e repressão, ou seja, ela era uma aliada do Estado ―repressor e burguês‖ como forma de
dominação.351 Além disso, mostrava que a Igreja exercia controle sobre o comportamento da
mulher, antes e depois de casar. No matrimônio o controle da Igreja era de ―vigiar‖ o desejo,
adepta à clausura e submissão da mulher frente ao marido.352

347
AVELINO, Yvone Dias. Territórios de Exclusão Social: A Cidade e a Saúde Pública (1889-1930). Anais do
XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. São Paulo, ANPUH/SP - USP, 08 a 12 de
setembro de 2008. p.6. Disponível em: <http://www.anpuhsp.org.br/sp/downloads/CD%20XIX/PDF/Seminarios
%20Tematicos/ST%2015%20Ivone%20Dias%20Avelino%20e%20M.%20Izilda%20Santos%20de%20Matos/Y
vone%20Dias%20Avelino.pdf>. Acesso em: 25/02/2013.
348
SANTOS, Fernando Sérgio Dumas dos. Alcoolismo: algumas reflexões acerca do imaginário de uma doença.
Physis. Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social da UERJ, vol. 3, n. 2, 1993.
349
SILVA, Eliane Moura. Maçonaria, anticlericalismo e livre-pensamento no Brasil (1901-1909). Anais do XIX
Simpósio Nacional de História da ANPUH. Apresentação na Mesa Redonda Maçonaria e Cidadania. São
Paulo: Humanitas, FFLCH-USP/ANPUH, 1998.
350
PRACCHIA, Lygia. Os libertários e os caminhos da emancipação feminina. Projeto História. Revista do
Programa de Pós-Graduação de História da PUC-SP. São Paulo, n. 11, 1994. p.74.
351
VALCANTI, Breiner da Costa. O anticlericalismo do jornal ―A Lanterna‖ narrado através de imagens. Anais
do XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH. São Paulo: Humanitas, julho 2011. Disponível em:
<http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300652801_ARQUIVO_Textocompleto-Breinerda
CostaValcanti.pdf>. Acesso em: 25/01/2013.
352
MENDONÇA, João Guilherme Rodrigues; RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. Algumas reflexões sobre a
condição da mulher brasileira da colônia às primeiras décadas do século XX. Revista Ibero-Americana de
Estudos em Educação. Araraquara (SP), Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista -
UNESP, vol. 5, n. 1, 2010.
115

A mulher era a mais suscetível à influencia clerical. Ela era vista como uma figura
frágil e por isso o clero conseguia controlar sua consciência, tornando-a dócil, resignada,
impedindo sua libertação, ao mesmo tempo sustentando a estrutura social vigente.353 A luta
anticlerical do Anima e Vita também traduziu a relação que estabelecia a emancipação
feminina e o combate à influencia da igreja católica na vida cotidiana em ―Donna e
religione354‖:

Parlavamo, signora, della felicitá che puó dare la fede e noi dicevano
che, qualora tale felicitá esista non puó essere acquistata se non a
spese del sentimento morale dell'uomo.
La religione infatti puó per certuni credenti in una fede cieco ed
assoluta dare forza a resistere ai mali, a sopportarli; ma ció non giá per
vigoria o dignitá di uomo, non per un sentimento nobile ed elevato,
bensi per pusillanimitá soddisfatta ed ingordigia bottegaia in
aspettativa.
Questo conforto, questa forza di resistenza infatti viene al sofferente
solo per la certezza dell'immortalitá, di una vita eterna, che gli si da e
per la speranza di una ricompensausuraia colla quale gli saranno
contraecambiate le sue buone azioni e la sua resistenza al male.355

A Igreja conformava seus fiéis com o discurso da vida eterna, assim ela conseguia
influenciar na consciência feminina e no comportamento da mulher, que deveria aceitar sem
questionamento a sua condição desigual com a recompensa de que iria alcançar a eternidade,
todo sofrimento valeria a pena segundo a Igreja.

Il conforto, l'energia che puó dare il sentimento religioso non é, non


puó essere altro che fatalismo o pusillanimitá. Il sentimento religioso
adunque non da conforto, gioia, forza di resistenza, se non agli
incoscienti, a coloro che la forza denovo cercare fuori di se, ed in
questo caso cessa di essere conforto, forza di resistenza per diventero
egoismo, pusillanimitá, misconoscenza della dignitá umana
Non parliamo mai di Dio da queste colonne ed evitiamo anzi persino
quelle frasi, quei modi di dire che Dio ricordano favorevolmente o
sfavorevolmente, evitiamo la giaculatoria come la bestemmia, perché
non crediamo nella sua esistenza e quindi ei parrebbe per lo meno

353
PRACCHIA, Lygia. Os libertários e os caminhos da emancipação feminina. Projeto História. Revista do
Programa de Pós-Graduação de História da PUC-SP. São Paulo, n. 11, 1994.
354
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 21, 21 de maio de 1905. p.1. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Texto assinado pelo próprio editorial Anima e Vita. Tradução livre: ―Mulher e religião‖.
355
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 21, 21 de maio de 1905. p.1. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
Tradução livre: ―Falávamos, senhora, da felicidade que a fé pode trazer e dizíamos que, embora essa felicidade
exista não é possível adquiri-la se não à custa do sentimento moral do homem. De fato, a religião pode dar a
certos crentes numa fé cega e absoluta força para resistir aos males, para suportá-los, mas isso não se deve ao
vigor ou à dignidade do homem, tampouco a um sentimento nobre e elevado, se não à pusilanimidade satisfeita e
à avidez previamente interesseira. Com efeito, esse conforto, essa força para resistir são conferidos a quem sofre
tão – somente – pela certeza da imortalidade, da vida eterna; pela esperança de uma recompensa usurária com a
qual serão retribuídas suas boas ações e sua resistência ao mal.‖
116

ozioso, se non pericoloso, il parlare di ció che si ha la forma


cenviniziene che non esista.356

Sendo assim, a Igreja católica utilizava da fé de seus seguidores para manter o


controle do poder, e especial o controle da mulher, mantendo-a alienada dos acontecimentos e
distante da educação que elas poderiam adquirir fora dos padrões católicos, e assim evitaria
qualquer manifestação de emancipação. A obtenção da educação pelas mulheres temia a
Igreja, as mulheres passariam a buscar os direitos civis, como a profissionalização e o voto.357

O Estado e a Igreja atentaram para frear o movimento feminista, desde o início do


século XX, portanto, era preciso insistir nos valores conservadores a essa onda feminista que
buscava ultrapassar as barreiras do espaço doméstico através da educação/instrução. Essa
visão retratou de modo explícito os ideais cristãos que assentava a mulher como mãe,
representada por Maria. Esse parecia ser o lugar da mulher idealizado pela Igreja. Desse
modo, espelhou-se nas características de Maria, a maternidade como aproximação da mulher
na dimensão sagrada; da santa mulher. Conseguia, desse modo, um lugar a ser vista,
qualificada como ―Santa Mãe‖ e mantida dentro de casa, no lar, no espaço restrito e destinado
à mulher, no privado. 358

O combate ao anticlericalismo relacionava-se com a valorização que o anarquismo e


o socialismo davam à educação formal e informal na transformação da sociedade. Educar-se,
para eles, significava apropriar-se dos conceitos elaborados das leis da natureza e da
sociedade. É nesse sentido que compreendia a luta anticlerical dos militantes como uma das
nuances da luta pela emancipação de homens e mulheres. No imaginário dessas ideias, a
Igreja com seu dogma e concepções teológicas agia como uma barreira ao uso da razão e dos
métodos científicos, impedindo a libertação dos sujeitos.359 A defesa da razão e do

356
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 21, 21 de maio de 1905. p.1. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
Tradução livre: ―O conforto, a energia que o sentimento religioso traz não passa de fatalismo ou pusilanimidade.
O sentimento religioso, portanto, não traz conforto, felicidade, força de resistência, salvo aos inconscientes, aos
que precisam buscar fora de si próprios as forças. E nesse caso deixa de ser conforto, força de resistência, para
tornar-se egoísmo, pusilanimidade, falso reconhecimento da dignidade humana. Nunca falamos de Deus nestas
colunas e até evitamos frases, modos de dizer, que façam menção favorável ou desfavorável a Deus; evitamos
tanto a jaculatória quanto a blasfêmia porque não cremos na sua existência e parceria, no mínimo, ocioso, se não
perigoso, falar de algo que temos convicção de não existir.‖
357
MENDONÇA, João Guilherme Rodrigues; RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. Algumas reflexões sobre a
condição da mulher brasileira da colônia às primeiras décadas do século XX. Revista Ibero-Americana de
Estudos em Educação. Araraquara (SP), Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista -
UNESP, vol. 5, n. 1, 2010.
358
Ibidem.
359
PRACCHIA, Lygia. Os libertários e os caminhos da emancipação feminina. Projeto História. Revista do
Programa de Pós-Graduação de História da PUC-SP. São Paulo, n. 11, 1994.
117

cientificismo podem ser observados em outro artigo publicado pelo Anima e Vita com o
mesmo título ―Donna e religione360‖:

Ebbene, signora, la contraddizione è più aparente che reale: essa


consiste nella falsa ed incerta interpretazione che si da alla parola,
confondendo spesso fede con entusiasmo, in modo da interpretare per
fede, l‘entusiasmo, la fidúcia in un grande ideale di progresso
dell‘avvenire, nella redenzione umana; mentre invece quando si parla
di fede in contrasto colla scienza si intende parlare di fede dogmática,
in un principio che non si comprende e che faceva dir ad Agostino
credo quia absurdum, credo perchè assurdo, ossia credo ciò che è
incomprensible ala mia mente. In questo significato solamente é
necessária la fede dogmática, come credenza in um determinato
principio, perchè altrimenti non é necessária la fede, perchè altrimenti
sarebbe assurdo non credere in ciò che la ragione dell‘uomo riesce a
comprendere ed a spiegarsi come vero é realmente existente.
In questo significato la fede é realmente contraria e nemica della
scienza ed in questo significato devesi appunto intendere a fede in un
Ente extraumano.361

A Ciência foi colocada contrária ao discurso da Igreja, a intenção do artigo era


colocar em pauta o conhecimento científico como forma de ampliar o raciocínio dos leitores,
no caso das mulheres, para e assim começarem a questionar a ―veracidade‖ dos ensinamentos
cristãos.

Scienza, o Signora, significa sapere, conoscenza dele cose; quindi col


nome di scienza si deve intendere solamente tutto ciò che l‘uomo
conosce, di cui as rendersi ragione. Cosi ad esempio se si parla dei
fenomeni elettrici e si disse tutto ciò che l‘uomo è arrivato a sapere
intorno all‘elettricità, dal parafulmine al telefono, al telegrafo senza
fili, noi siamo nel campo della scienza, perché diciamo tutte cose dele
quali la mente dell‘uomo può rendersi ragione ed averne direta
conoscenza. Cosi dicasi se io parlo del vapore, dei fenomeni
meteorologici (vento, pioggia ecc.) dele malattie umane e di molte
altre cose di cui la mente umana e riuscita a rendersi ragione.
Orbene tutte queste cognizioni rappresentano uma lunga, paziente e
faticosa conquista dell‘ umanità incominciata dal giorno in cui la
specie umana há cominciato ad innalzarsi sulle altre specie animali,
conquista compiuta in continuo contrasto ed incessante detrimento del
concetto della divinità e della fede.

360
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 24, 11 de junho de 1905. p.2. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
Texto do editorial, sem assinatura. Tradução livre: ―Mulher e religião‖.
361
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 24, 11 de junho de 1905. p.2. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Texto do editorial, sem assinatura. Tradução livre: ―Bem, senhora, a contradição é mais aparente
que real: consiste na interpretação incerta e falta que se atribui à palavra em geral confundindo fé com
entusiasmo, de modo a interpretar por fé o entusiasmo, a confiança num grande ideal de progresso do futuro, na
redenção humana, ao paço que – quando se fala de fé em contraste com a ciência – é de fé dogmática que se está
discutindo, um princípio incompreensível, que levava Agostinho a dizer: credo guia absurdum, isto é, creio
porque é absurdo, porque é ininteligível à minha mente. Para esse sentido, basta a fé dogmática como crença em
determinado princípio, porque, para os outros casos, a fé não é necessária, porque seria absurdo não crer naquilo
que a razão humana alcança compreender e explica como verdade. Nesse sentido, a fé é realmente contrária e
inimiga da ciência; nesse sentido, deve-se entender a fé num ser extra-humano.‖
118

Una volta la fede era tutto ed il concetto di un Dio di un Essere


sovraumano che agisce per conto suo e si intromete nelle cose umane
serviva a tutto spiegare. Nella sua ignoranza primitiva l‘uomo si
serviva di Dio per rendersi ragione di tutto eió che non riusciva a
spiegarci colla própria mente.362

A ideia de Deus implicava a anulação da liberdade humana, opunha-se à razão, à


ciência e ao progresso, o que limitava os homens em seus pensamentos e ideias
emancipacionistas. Nessa visão, a Igreja Católica era associada à estagnação e à estupidez,
com seus crenças e princípios, símbolos e ritos. Para os socialistas e anarquistas, era uma
instituição a ser combatida, já que apresava os homens e, principalmente, as mulheres,
moldando-as a partir da promessa da vida eterna e o Paraíso além da vida terrena. 363 Na
continuação do mesmo artigo, com o intuito de levar ao raciocínio, o autor fez um
questionamento sobre Deus em oposição à Ciência e aos fenômenos da natureza, como pode
ser observado:

Vedeva il cielo scuro di nubi solcato dai lampi? Era Dio che lanciava
le sue saette contro la terra. Al lampo seguiva il tuono? Era ancora Dio
che si divertiva rumorosamente. La pioggia che cadeva era mandata
da Dio, come Dio muoveva el vento, seminava ovunque la vita e la
morte, agitava pel cielo le stelle, e muoveva le onde del mare dopo
averle popolate di pesci.
Poco per volta, con secolari, titaniche lotte di pensiero l‘uomo é
riuscito a diradare le tenebre che gli stavano attorno. Egli scoperse le
leggi del mondo che lo circondava, del cielo e della terra, si impadroni
del fulmine e lo rese innocuo, si rise del tuono, saluto la pioggia come
ristoratrice dele inaridite energie terrestre che retornava ala terra in
forma liquida dopo essersene allontanata allo stato gasoso, imprigionó
il vapore e se ne servi per sprigionare la forza motrice, conobbe,
previde e dominó i venti, studió le leggi della vita e del suo stesso
avvicendarsi in uma irrequieta evoluzione di forme.
E man mano che riusciva a spiegarsi um altro fato, un altro fenômeno,
scompariva la necessitá di ricorrere all‘ipotesi di un Dio che lo
producesse; cosi scomparve il Dio che lancia il fulmine, che domina i

362
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 24, 11 de junho de 1905. p.2. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Texto do editorial, sem assinatura. Tradução livre: ―Ciência, cara senhora, significa saber,
conhecimento das coisas. Deve-se portanto, sob o nome de ciência, entender apenas aquilo que o homem
conhece, cujo sentido consegue explicar. Assim, por exemplo, quando se fala de fenômenos elétricos e se
enumera tudo que o homem chegou a saber a respeito da eletricidade, para-raios ao telefone, ao telégrafo sem
fio, estamos no campo da ciência, porque são todas coisas que a mente humana consegue absorver e ter
conhecimento direto. O mesmo vale para o vapor, os fenômenos meteorológicos (vento, chuva, etc.), as doenças
humanas e muitas outras coisas cujo sentido a mente humana conseguiu compreender. Ora, todo esse
conhecimento acumulado representa uma conquista longa, dura, paciente da humanidade, que teve início quando
a espécie humana foi-se elevando sobre as demais espécies animais, conquista alcançada em contraste contínuo e
em incessante prejuízo ao conceito de divindade e de fé. Houve um tempo em que a fé era tudo e o conceito de
Deus de um ser sobre-humano que age por conta própria e se intromete nas coisas humanas, servia para explicar
tudo. Em sua ignorância primitiva, o homem recorria a Deus para justificar tudo o que não era capaz de explicar
com a própria mente.‖
363
MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações. Tese
(Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.
119

tuoni che muove le stelle, chef a spirare i venti, che crea gli uomini e
gli animali, che domina tutti i fatti naturali ed umani. Ad argi scoperta
della scienza Iddio si rimpiccioliva e fuggiva sconfitto, vedendo
ristretto il campo del suo domínio.
Oggi non é più che sopra un ristretto numero di fatti e di fenomeni che
l‘ignoranza distende il suo velo. Questo velo è l‘ultimo símbolo della
divinità che si avvia a scomparire col progredire della scienza.
Quando la scienza sara arrivata a rendersi ragione di tutto, a tutto
spiegare, quel giorno Dio sara completamente scomparso e l‘uomo
stesso sará diventato un dio.364

Sendo assim, o discurso anticlerical, caracterizado pelas concepções cientificistas e


evolucionistas, buscava chamar a atenção para uma posição de questionamento em relação à
autoridade da Igreja e influência do clero, apontando que a tradição religiosa fazia-se como
uma ilusão desse mundo, além de induzir os fieis à crença de que o desenvolvimento da
inteligência humana era obra divina e não se relacionava com o estudo da Ciência, e que os
365
fenômenos naturais eram obra divina. Nessa mesma linha, com o propósito de combater o
pensamento religioso em busca de libertar a consciência, foi assinado por Giuseppe
Mazzini366 no Anima e Vita questionou o papel do Papa em ―I Papi e l‘umanitá367‖:

Che avete voi fatto di quella santa parola: amatevi l'un l'altro come
fratelli, che racchiudeva l'avvenire del mondo?

364
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 24, 11 de junho de 1905. p.2. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
Texto do editorial, sem assinatura. Tradução livre: ―Via o céu escuro de nuvens sulcado de relâmpagos? Era
Deus que arremessava suas flechas contra a terra. Ao relâmpago seguia-se o trovão? De novo era Deus que se
divertia com o barulho. A chuva que caia vinha por ordem de Deus, que também movimentava o vento, semeava
por toda a parte vida e morte, esparramava as estrelas pelo céu e agitava as ondas do mar depois de as ter
povoado de peixes. Um pouco por vez, com lutas de pensamento seculares, imensa, o homem foi espantando as
trevas que o circundavam. Descobriu as leis do mundo que o rodeava, do céu e da terra; dominou o raio e o
tornou inofensivo, riu-se do trovão, saldou a chuva como restauradora das energias terrestres áridas, que voltava
à terra em forma líquida depois de ter-se dela afastado em estado gasoso; aprisionou o vapor e dele se serviu para
desencadear a força motriz; conheceu, previu e dominou os ventos; estudou as leis da vida, seu movimento
incessante, numa irrequieta evolução de formas. E à medida que ia explicando mais um fato, mais um fenômeno,
desaparecia a necessidade de recorrer à hipótese de um Deus que o produziu. Assim, desapareceu o Deus que
lança o raio, que domina os trovões, que movimenta as estrelas, que sopra os ventos, que cria os homens e os
animais, que controla todos os fatos naturais e humanos. A cada nova descoberta da ciência, Deus ia encolhendo
e fugia derrotado, vendo diminuir o campo de seu domínio. Hoje a ignorância estende seu véu apenas sobre um
pequeno número de fatos e de fenômenos. Esse véu é o último símbolo da divindade que caminha para o
desaparecimento à medida que avança a ciência. Quando a ciência tiver encontrado justificativa para tudo,
quando estiver explicado tudo, Deus terá completamente desaparecido e o próprio homem se transformará num
deus.‖
365
MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações. Tese
(Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.
366
Giuseppe Mazzini (Gênova, 1805 – Pisa, 1872) foi um político e revolucionário italiano do Risorgimento
(vide cap. 1). Mazzini não aceitava a monarquia e lutou pela sua "doutrina simultaneamente mística e
republicana". Os seus escritos foram publicados pelo editor G. Daelli, de Milão, em 18 volumes, dos quais 7
foram revistos por Mazzini. WIKIPÉDIA. Giuseppe Mazzini. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Giuseppe_Mazzini>. Acesso em: 21/02/2013. Observa-se que o seu texto foi publicado no Anima e Vita mais de
trinta anos depois de sua morte, mostrando a impotância das ideias desse pensador.
367
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 25, 18 de junho de 1905. p.3. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
Tradução livre: ―O Papa e Humanidade‖.
120

Che avete voi fatto di quella promessa d'emancipazione all'uomo del


popolo, al povero, che sola die trionfo al cristianesimo sul
materialismo pagano?
Che avete voi fatto di quello spirito di carità, di pietà, di perdono che
spirava nei detti e nei fatti dei credenti dei primi secoli?
Avete dimenticato la vostra origine, traviato dalle norme morali che
v'erano prefisse, sagrificato l'intenzione del cristianesimo alla sete di
dominazione, all'avidità di ricchezza, all'arbitrio individuali.368

E assim, o artigo encaminhou-se para a reflexão sobre as contradições da pregação


do Evangelho na sociedade:

Il Vangelo vi mormorava amore e fratellanza universale - e voi avete


seminate la dircordia, spirato l'odio, attizzato le guerre tra i fa stessa
terra: avete innalzato lentamente il vostro edificio d'usurpazione sui
cadaveri delle generazioni, invocato l'invasore straniero, suscitato
principi contro a principi, famiglie contro a famiglie, popoli contro a
popoli: avete fornicato colla virannido civile di tutti i paesi, convertito
la croce - simbolo di sagrificio e di saluto - in segno di dominio e
rovina, imposta al collo dei popoli quel piede che un tempo calcava i
suoi oppressori.
Il Vangelo parlava di eguaglianza degli nomini davanti a Dio, e voi
invece di realizzar sulla terra il principio rivelato alle genti vete
consacrato l‘ineguaglianza, ristrette le catene alle moltitudini,
innalzato intorno a voi uma aristocrazia religiosa, e costituito una
gerarchia assurda, ostile ai credenti e tiranniea.369

Ou seja, a condenação que a Igreja fazia sobre a Ciência foi assunto indagado pelo
Anima Vita, atentando para as ações religiosas que não condiziam com o discurso da própria
instituição.

Il Vangelo apriva una via al perfezionamento dell‘individuo, e voi


l‘avete chiusa; avete condannato o prostituito l‘intelletto, imposto
ceppi allo spirito, soffocato il moto con un cânone d‘immobilita in
contraddizione colle leggi dell‘universo: avete guasto o conteso
l‘struzione popolare, violato i libri, perseguitato gli ingegni, isterilite il

368
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 25, 18 de junho de 1905. p.3. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
Tradução livre: ―Que fizeste daquela santa palavra: amai-vos uns aos outros como irmãos, que encerrava o
futuro do mundo? Que fizeste aquela promessa de emancipação do homem do povo, ao pobre, que sozinha fez
triunfar o cristianismo sobre o materialismo pagão? Que fizeste daquele espírito de caridade, de piedade, de
perdão, que transpirava das palavras e dos atos dos crentes dos primeiros séculos? Esquecestes-vos de nossa
origem, desviastes-vos das normas morais que nos haviam dado para cumprir, sacrificastes a intenção do
cristianismo à sede de dominação, à avidez de riqueza, ao arbítrio individual.‖
369
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 25, 18 de junho de 1905. p.3. Arquivo Edgard Leuenroth - UNICAMP.
Tradução livre: ―O Evangelho vos sussurrava amor e fraternidade universal – e vós semeastes a discórdia,
inspirastes o ódio, provocastes as guerras (entre irmãos da própria terra). Erguestes lentamente o vosso edifício
de usurpação sobre os cadáveres das gerações, invocastes o invasor estrangeiro, suscitastes príncipes contra
príncipes, famílias contra famílias, povos contra povos. Fornicastes com os tiranos de todos os países,
convertestes a cruz – símbolo de sacrifício e salvação – em sinal de domínio e ruína, pisando, com o mesmo pé
que no passado submeter os opressores do povo, o pescoço desse mesmo povo. O Evangelho falava de igualdade
dos homens perante Deus, mas vós, em vez de pôr em prática o princípio revelado aos povos, consagrastes a
desigualdade, reduzistes as vossas à escravidão, criastes a vosso redor uma aristocracia religiosa e constituístes
uma hierarquia absurda, hostil aos crentes e tirânica.‖
121

gênio, dato alle fiamme Giordano Bruno, Arnaldo, Cecco d‘Ascoli,


Savonarola, duto alle condanne dei frati Galileo!
Il Vangelo v‘imponeva umiltà, povertà, purità di costume, e voi
supervbite nel fasto e nell‘opulenza: avete dato per settanta anni in
Avignene uno spettacolo di corruttela, al quale nessuna storia può
contrappore l‘eguale: avete fato della vostra corte bordello di
prostutizione, di libertinaggio, d‘incesti: avete mutato Roma in
postribolo, portato in trionfo lo scandalo, dato i paesi in feudo a‘ vostri
figli.
Dovevate proteggere il fiacco contro il potente.
Perciò, io rifiuto il vostro nome, il vostro símbolo, la vostra autorità:
morite della morte dei principi: la vostra missione è compita: date il
varco ai popoli che vi sottentrano.370

Casamento/Amor Livre

A industrialização, a urbanização e as mudanças culturais contribuíram para uma


maior liberdade nas decisões individuais, mesmo que em pouca medida, mas alavancaram
alterações no modo de participação cultural feminino, e também nos relacionamentos afetivos
e no casamento.371

O casamento foi um dos temas abarcados no periódico ―Anima e Vita‖, escrito pela
colaboradora Esilia Majno Bronzini em ―Devere di madre372‖,

Era una madre che mi parlava cosi, una madre che credeva di
compiere il suo dovere inducendo la figlia ad un matrimonio pel quale
sentiva avversione.
Sacrificare tutti gli ideali e gli affetti della loro creature per procurarle
la ricchezza e un nome blasonato sembrava a quei genitori una cura di

370
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 25, 18 de junho de 1905. p.3. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Tradução livre: ―O Evangelho abria um caminho ao aperfeiçoamento do indivíduo, mas vós a
fechastes. Condenastes e prostituístes o intelecto, impusestes grilhões ao espírito, sufocastes o movimento com
um cânon de imobilidade incompatível com as leis do universo. Contestastes ou destruístes a instrução popular,
violastes os livros perseguistes os talentos, esterilizastes a inteligência, lançastes ao fogo Giordano Bruno,
Arnaldo, Cecco d‘Ascoli; Savonarola,entregastes Galileu nas mãos dos frades! O Evangelho impunha–vos
humildade, pobreza, pureza de costumes, mas vós atolastes no fausto e na opulência. Por setenta anos, destes em
Avignon espetáculo de corrupção, insuperável por qualquer outro da história: transformastes vossa corte em
bordel de prostituição, de libertinagem, de incestos; convertestes Roma numa casa de meretrício; carregastes em
triunfo o escândalo e entregastes os países como feudos a vossos filhos. Devíeis proteger o fraco contra o
poderoso. Por tudo isso, renego vosso nome, vosso símbolo, vossa autoridade. Estais morrendo a mesma morte
dos reis e príncipes. Vossa missão terminou. Dai passagem aos povos que vêm suceder-vos.‖
371
NASCIMENTO, Carla Veronica do. Inquietações literárias na busca por uma sociabilidade feminina no final
do século XIX. Revista Universidade Rural. Série Ciências Humanas. Rio de Janeiro, Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, vol. 26, n. 1/2, jan./dez. 2004. p.18-24.
372
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n.13, 26 de março de 1905. p.1. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Tradução livre: ―Dever de mãe‖.
122

prudente amore che provvede nel modo migliore all'avvenire dei


figli.373

O casamento era considerado, no início do século XX, uma instituição utilizada para
ascensão social ou manutenção do status na elite. Com isso, os homens eram dependentes da
imagem que suas mulheres transmitiam, no entanto, a autoridade familiar estava nas mãos do
pai ou do marido.374 Desde muito cedo, as mulheres deviam ter seus sentimentos abafados e o
pai tinha o papel de escolher o marido que julgava adequado à filha.375

Questo fatto per troppo é comune ai nostri giorni. Genitori che non
hanno ancora la eo scienza che i figli loro come ogni creature umana,
hanno dei diritti, ne calpestano le aspirazioni, ne distruggono le
speranze piú care, non ne curano le tendenze e gli affetti e li
sacrificano sull'altare ignominioso della vanita e del l'interesse.
L‘autorita dei genitori è sacra e non è ammessa nè perdonata la
ribellione a questo potere che si eser eita crudele e continuo nel
mistero delle pareti domestiche, che opprime creature indifese, ne
spezza con lento e persistente lavorio la volontà e le energie, e le
toglie agli studi prediletti, alla missione per cui, si sentono attratte, alla
fede per la quale vorrebbero dare la loro attivita e giunge persino a
disporre della loro persona, gettandole nelle braccia del ricco che dara
loro gli agi della vita.376

Cabe ressaltar outro fato observado nos casamentos do início do século XX, eram
valorizados e arranjados por famílias, exaltando interesses além do sentimento. Tal atitude,
comum no século XIX, foi trazida para o novo século como uma forma de as famílias da elite

373
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 13, 26 de março de 1905. p.1. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Tradução livre: ―Era uma mãe que assim me falava, uma mãe que supunha cumprir seu dever
induzido a filha a um casamento pelo qual sentia aversão. Sacrificar todos os ideias e afetos de sua criatura para
obter-lhe riqueza e um nome importante parecia aos pais uma atitude de amor prudente, providencia/cuida o
melhor possível do futuro dos filhos.‖
374
SANTOS, Ramaiane Costa; SACRAMENTO, Sandra Maria Pereira do. O Antes, o Depois e as Principais
Conquistas Femininas. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação. Sâo Paulo,
Universidade de São Paulo, ano 5, edição 1, set./nov. 2011.
375
D‘INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: PRIORE, Mary Del (Org.). História das mulheres
no Brasil. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2001. p.362-399. Apud: SANTOS, SACRAMENTO, set./nov. 2011.
376
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 13, 26 de março de 1905. p.1. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Tradução livre: ―Infelizmente, isso virou coisa comum em nossos dias. Pais que ainda não têm
consciência de que seus filhos – como qualquer criatura humana – têm direitos. Pisoteiam sobre suas aspirações,
destroem-lhes as esperanças mais caras, não dão atenção às suas tendências e afetos e os ofertam em sacrifício
no altar vergonhoso da vaidade e do interesse. A autoridade dos pais é sagrada e não admite ou perdoa rebelião
contra seu poder, exercido de modo cruel e contínuo entre as paredes domésticas. Ela oprime criaturas indefesas,
destrói-lhes lenta e persistentemente a vontade e as forças, afasta-as de seus estudos favoritos, da noção a que se
sentem chamadas, da fé a que gostariam de dedicar-se, chegando ao ponto de dispor da própria pessoa dos filhos
e de jogá-los nos braços de quem possa oferecer conforto material.‖
123

se prevenirem das mudanças advindas com a industrialização, principalmente em São


Paulo.377

L‘ideale dei saggi genitore è un ricco matrimonio, e questo sovente si


fa a qualunque costo.
La profonda immoralitá di questo atto che inquina tutte le fonti della
vita sociale, ehe è il primo e piú diffuso elemento di distruzione e
corruzione della vita famigliare, e l‘origine piú comune di miseria e
dolori infiniti che ricadono sempre sugli innocenti, cui la vita e data
solo perchè ne conoscano i dolori e le menzogne, non e riproveto mai,
e stigmatizzato come si dovrebbe.378

Os médicos, como novos sacerdotes, sacralizaram o matrimônio, pois nele a família


garantiria a legitimidade dos nascimentos. A sexualidade feminina tornou-se objeto de
atenção reforçada, apregoou-se a virgindade como garantia de pureza de sangue, como
perpetuação do nome e da propriedade familiar, como elemento de saúde da prole, mantendo
a mulher distante do perigo venéreo.379

No entanto, o processo de urbanização permitiu à mulher um novo deslocamento


para a cidade, as mulheres passaram a circular no espaço público, a compartilharem ideias e a
questionarem restrições ao modo de vida feminino. Sendo assim, a luta pela emancipação
trouxe à tona a questão do amor livre.380 Em contraposição aos casamentos feitos por
conveniência econômica e social, o amor livre era discorrido nas páginas do Anima e Vita
como uma tomada de posição frente à opressão que era submetida a mulher na sociedade
―burguesa/católica‖. Desta forma, os anarquistas e socialistas propunham que cada um
pudesse ter o direito de escolher livremente o seu companheiro para a formação do núcleo
familiar, sem interferência de terceiros ou de julgamentos sociais.381

377
SACRAMENTO, Sandra. O amor em terras brasileiras. Revista de Estudos Feministas. Florianópolis,
Universidade Federal de Santa Catarina, vol. 14, n. 1, jan./abr. 2006. p.320-321. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ref/v14n1/a22v14n1.pdf>. Acesso em: 01/02/2013.
378
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 13, 26 de março de 1905. p.1. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Tradução livre: ―O ideal dos pais astutos é um casamento rico, o que em geral se busca custe o que
custar. A profunda imoralidade desse ato conspurca todas as fontes da vida social, é o primeiro elemento, o mais
difundido, de destruição e corrupção da vida familiar, a origem mais comum de miséria e infinitas doses, que
sempre recaem sobre os inocentes – aqueles à quem a vida foi dada apenas para conhecerem doses e mentiras.
Tamanha imoralidade nunca é criticada ou execrada em público como deveria.‖
379
MATOS, Maria Izilda Santos de. Em nome do engrandecimento da nação: Representações de Gênero no
discurso médico – São Paulo 1890-1930. Diálogos. Revista do Departamento de História da Universidade
Estadual de Maringá. Maringá, 2002. p.77-92.
380
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar Brasil (1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.99, 107.
381
PRACCHIA, Lygia. Os libertários e os caminhos da emancipação feminina. Projeto História. Revista do
Programa de Pós-Graduação de História da PUC-SP. São Paulo, n. 11, 1994.
124

Portanto, o amor entre duas pessoas deve ser livre, porque não
comporta regras, não pode ser enquadrado nas formas já definidas
pelo imaginário social, deve fluir sem imposições. A liberdade de
amar [...] refere-se à liberdade interior de cada um ―aprender a amar‖,
sem regras livremente sem qualquer interferência externa sobre as
opções individuais sem imposições sociais ou ainda sem a orientação
do partido.382

Nos discursos libertários desse período, o amor livre consistia como uma crítica ao
modelo de família burguesa, utilizava-se a ideia de que o amor livre estaria ligado ao direito e
ao amor como um sentimento natural de desejo383, não como uma proposta de variação de
parceiros, mas sim como maneira de questionar a disciplinarização do amor e do sexo.384
Sendo assim, a defesa do amor livre pelos anarquistas e socialistas significou um tipo de
união amorosa e sexual constituída espontaneamente, desvinculada das obrigações relativas
ao Estado e à Igreja.385

O que pode ser observado em um artigo exposto no Anima e Vita em ―Libero


Amore?386‖ assinado por C. Alessandri:

Parlando di "Libero amore" giorni fa mi sono ricordato un dialoghetto


curioso avuto un giorno con un carissimo compagno di Brindisi: un
"intellettuale" pieno di entusiasmo e di fede, ed instancabile
propagandista.
Questo egregio compagno mi abborda dunque un giorno e con aria
giuliva mi dice:
- Sai?! Mi sono deciso ....
- A che cosa?
- Prendo moglie.
- Eh? prendi moglie? E perché?
- Capirai, ormai sono stanco di star solo, ho bisogno di una compagna,
I'ho trovata, ci amiamo e la sposa!
- Ma come?! un socialista convinto, un uomo cio che odia tutte le
chiavitú, sotto qualunque forma si presentino, che lotta e combatte per
la libertá, per scegliersi una compagna ha bisogno di legarsela con
tanto di catena matrimoniale? E la teoria del libero amore, che pure
hai sostenuto le tante volte a spada tratta, come la concilii con la fascia
tricolore del sindaco?
- Eh! si fa presto a dire, ma a fare é un altro paio di maniche. "In toria
tutto é bello, ma in pratica poi é una altra cosa. Vedi, io rimango

382
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar Brasil (1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.99, 107.
383
RIBAS, Ana Claudia. A insustentável leveza da liberdade: um breve olhar sobre os discursos referentes ao
amor livre nas publicações anarquistas do século XX. Anais do I Seminário Internacional História do Tempo
Presente. Florianópolis, Universidade do Estado de Santa Catarina, 2011.
384
RAGO, Margareth. Do amor Livre. Libertárias. Revista Bimestral de Cultura Libertária. São Paulo, n. 3, set.
1998.
385
Idem. Luce Fabri, o anarquismo e as mulheres. Textos de História. Revista do Programa de Pós-graduação
em História da UnB. Brasília, vol. 8, n. 1-2, 2012. p. 219-244.
386
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 30, 30 de julho de 1905. p.1. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Tradução livre: ―Livre amor?‖
125

sempre fautore del libero amore" ma sposa davanti al sindaco la mia


compagna, perché voglio che sia rispettata dall'opinione pubblica...387

Outros Assuntos

Além dos principais temas abordados, o jornal em questão também abrangeu outros
temas ligados diretamente à mulher e ao cotidiano, mostrando fatos da época. Como foi
exposto em ―Nel Campo e nell‘ Officina: Sindacati femminili nel Belgic388‖:

Trai le 822, 976 persone occupate nell‘industria belga 193,039 sono


donne. In questo numero non sono comprese le domestiche e le
lavoratrie dei campi.
Secondo le piú recenti statistiche sono organizzate Nei sindicati Il
9,200 di lavoratori l‘ 1,700 di lavoratrici.
Nelle industrie dove lavorano in commune i due sessi le donne
sindacate sono assai numeroso. A Gand, per esempio, appartengono al
sindacato dei tessitori di filati 1600 donne, il 28,70 di tutte le
lavoratrici di questa industria; nel sindicato degli operai occupati nella
manifattura di tela indiana ei sindicato dei tessitori, vale a dire il
35,90; nelle sarte é organizzato il 50 appena.
Tutti questi sindicati hanno delle casse d‘assistenza per i malati Ed
disoccupati. Le cucitrici di Gand hanno fondata uma cooperativa di
produzione; nella quale sono ocenpate 120 operaio. I produtti si
vendono alle "case del popolo".389

387
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 30, 30 de julho de 1905. p.1. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Tradução livre: ―Falando de ‗amor livre‘, há alguns dias lembrei-me de uma conversinha engraçada
que tive uma vez com um socialista de Brindisi, um ―intelectual‖ cheio de entusiasmo e fé, propagandista
incansável. Esse lustre companheiro veio até mim certo dia e, todo contente, me declara: - Sabe?! Tomei a
decisão... - Do quê? - De casar-me. - Hien? Casar-se? Mas por quê? - Veja, estou cansado de ficar sozinho.
Preciso de companhia. Encontrei-a, nos amamos e vou casar-me com ela! - Mas como?! Um socialista convicto,
isto é, um homem que detesta todo tipo de escravidão, como quer que se apresentem, que luta pela liberdade,
para escolher uma companheira precisa amarrar-se com as correntes do casamento? E a teoria do amor livre, que
você tantas vezes defendeu com veemência, como é que você concilia com o juiz de paz do cartório? - Eh! Falar
é fácil, mas fazer são outros quinhentos. Tudo é bonito na teoria, mas, na prática, a história é diferente. Olhe, eu
continuo defendendo o amor livre, mas me caso diante do juiz porque faço questão que minha mulher seja
respeitada pela opinião pública...‖
388
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 13, 26 de março de 1905. p.4. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Texto do editorial, sem assinatura. Tradução livre: ―No campo da oficina: sindicato feminino na
Bélgica‖.
389
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 13, 26 de março de 1905. p.4. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Texto do editorial, sem assinatura. Tradução livre: ―Das 822.976 pessoas empregadas na indústria
belga, 193.039 são mulheres. Não estão incluídas nesse número as empregadas domésticas nem as mulheres que
trabalham no campo. Segundo as estatísticas mais recentes, estão organizados em sindicatos 9.200 trabalhadores
e 1.700 trabalhadoras. Nas indústrias que empregam homens e mulheres, o número dos sindicalizados é bastante
grande. Em Gand, por exemplo, pertencem ao sindicato dos fiandeiros 1.600 mulheres, 28,7% de todas as
operárias dessa indústria. No sindicato dos operários da indústria e no sindicato dos tecelãos a porcentagem é de
35,9%. Entre as costureiras, são apenas 50%. Todos esses sindicatos dispõem de caixas de assistência aos
doentes e desempregados. As cosedeiras de Gand criavam uma cooperativa de produção com 120 operárias e
vendem seus produtos nas ‗casas do povo‘.‖
126

Outro texto sobre a mulher em ―Serva o Padrona390‖ assinado por Anna Franchi391
questionando a submissão feminina perante a igreja:

Serva o padrona, é tuttavia la schiava del catolicismo; as le astuzie, le


colpe, le ipocrisie, as volare di grazia il male, e non ha la larga
incondizionata comprensivitá che prepara ad uma rigenerazione
completa.
La donna é troppo ancora la feminina, quale il prete la volle...serva,
non avendo il coraggio della ribellione che di un tratto cambi il suo
stato di venduta in quella di libera lavoratrice, si vendica come puó di
tutte le ingiuste umiliazioni.392

Fatos corriqueiros em ―Ladro a nove anni393‖!

Da un giornale boghese di Roma La Capitale tagliamo la seguente


notizia:
"Romolo Pozzi, di anni nove, rubo il portamonete contenente tre lire e
ottanta centesimi alla signora Apolonia Cianchi di 46 anni.
Fu rincorso e arrestato da due soldati.
Ladro a nove anni! Ecco una buona promessa per la società!" Cosí
commenta la notizia il giornali dei ricchi. E la critica borghese non sa
spingersi, né indagare oltre.
Non si è mai domandata, nei suoi organi giornalistici, né si domanda
perché ei é dato assistere a questi spettacoli, per quali ragioni é
possibile lo sviluppo e l'incremento dei ladroneggi compiuti da
ragazzi.
Essa condanna ed esecra tutto quel che tende a discreditare l'attuale
ordinamento sociale, senza chiedersi peró la causa che i mali lamentati
produce, senza indagare l'origine dei fenomeni.
Romolo Pozzi, di anni 9, piccolo perduto come cento altri suoi
compagni di sventura, ha rubato; sara tradotto dinanzi ai magistrati, la
sua fedina penale comincera ad essere macchiata... ebbene?394

390
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 25, 18 de junho de 1905. p.2. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Tradução livre: ―Patroa ou empregada‖.
391
Anna Franchi (1867-1954) nasceu em Livrono, casou-se casou jovem com músico Ettore Martini, mas se
separou. Foi Presidente da Liga da Toscana para os interesses das mulheres, membro da Comissão para a
Propagação do Conselho do Trabalho de Florença, em 1906 mudou-se para Milão, onde teceu relações com o
feminismo socialista ativamente apoiando a campanha para o sufrágio político e igualdade salarial para as
mulheres. Intervencionista na Primeira Guerra Mundial, ela perdeu um de seus três filhos para a frente em Milão,
fundando a Liga de Assistência entre as Mães da Fallen. Também contribui para vários jornais e revistas,
incluindo La Nazione, La Lombardia, Il Secolo XX, La Lettura, em Nuovo Giornale em Florença, em Lavoro de
Gânova, Vita de Roma, L'Italia del Popolo em Milão, em Gazzetta del popolo de Roma, em Corriere toscano e
em Corriere dei Piccoli (com o pseudônimo "Nonna Anna"). SILVIA, Albesano. Franchi Anna. s/d. Disponível
em: <http://www.lombardiabeniculturali.it/archivi/soggetti-produttori/persona/MIDC000808/>. Acesso em: 25/
03/2013.
392
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 25, 18 de junho de 1905. p.2. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Tradução livre: ―Patroa ou empregada, é, no entanto, escrava do catolicismo. Conhece as astúcias,
as culpas, as hipocrisias; conhece o mal, mas não tem a compreensão incondicional que prepara o caminho para
a regeneração completa. A mulher continua ainda a ser exageradamente como os padres a querem... mera serva,
sem coragem de revoltar-se e mudar de repente seu estado de rendida para o de trabalhadora livre, desforrando-
se de todas as humilhações injustas.‖
393
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 24, 11 de junho de 1905. p.3. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Notícia publicada na coluna Fiore e Spine. Tradução livre: ―Ladrão de nove anos‖.
127

Desta forma, o Anima e Vita expressou características vanguardistas para a época,


pelo fato de reunir ideias políticas na busca pelo esclarecimento das mulheres em prol da
emancipação feminina e dos acontecimentos enfrentados pela sociedade, ou seja, nele
contiveram ideias femininas, feministas, anarquistas e socialistas, o que refletiu a
circularidade de ideias, como uma mescla das correntes políticas trazidas, nascidas e formadas
pelos imigrantes e disseminadas no operariado, e mais, pela contribuição de absorver a
heterogeneidade das experiências femininas e de suas múltiplas trajetórias, diante do contexto
cultural, das mudanças econômicas e sociais sofridas na cidade de São Paulo, no início do
século XX.

394
Anima e Vita. São Paulo, ano I, n. 24, 11 de junho de 1905. p.3. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth -
UNICAMP. Tradução livre: ―De um jornal burguês de Roma, recortamos a notícia abaixo: ‗Romolo Pozzi, de
nove anos, roubou o porta-notas de Apollonia Cianchi, de 46 anos, no qual havia três liras e oitenta centésimos.
Foi perseguido e preso por dois soldados. Ladrão aos nove anos! Que bela promessa para a sociedade!‘ Esse é o
comentário que o jornal dos ricos faz da notícia. E a crítica burguesa não consegue avançar,investigar mais a
fundo. Jamais se perguntou em seus órgãos de imprensa, recusa-se a perguntar por que é dado à sociedade
assistir a tais espetáculos, por que motivo se torna possível o desenvolvimento e o avanço de ações de rapina
praticadas por crianças. A imprensa condena e execra tudo o que leva ao descrédito do ordenamento social
vigente. Não questiona a causa que produz os males que vive criticando; não investiga a origem do fenômeno.
Romolo Pozzi, de nove anos, abandonado como centenas de outros pequenos companheiros seus, roubou.Será
arrastado diante do juiz e sua ficha criminal começará a manchar-se. Pois bem! Como ficamos?‖
128

CAPÍTULO 3 - ERNESTINA LESINA: TRAJETÓRIAS PELA EMANCIPAÇÃO

Ernestina Lesina era italiana, socialista, destacou-se na atuação político-partidária e


dedicou-se à defesa das mulheres operárias do começo do século XX, dirigiu o jornal Anima e
Vita em 1905 (vide capítulo 2) e passados cerca de quatro anos faleceu na cidade de São
Paulo no dia 25/06/1909395. Encabeçada por Lesina, foi fundada a Associação das Costureiras
de Sacos (1906) em parceria com as companheiras pela luta da redução da jornada de
trabalho, pelo aumento pago pela costura e pela organização sindical, denunciando e
colocando na pauta de discussões as péssimas condições de trabalho, os maus-tratos,
exploração e abuso sexual dos patrões, sobretudo em relação às costureiras têxteis. 396

Além de ser oradora em manifestações de trabalhadores, colaborou na imprensa


anarquista e na socialista por meio de artigos concernentes à questão feminina em relação ao
trabalho, à educação, à maternidade e à família, em O Chapeleiro, A Voz do Trabalhador e O
Livre Pensador. Utilizou-se do discurso pedagógico para defender a emancipação feminina,
problematizando questões concernentes à missão da mulher, colocando em debate o papel da
mulher além das funções a ela destinadas, além da familiar e do lar. Outro ponto abordado
questionou os obstáculos da mulher à educação, como forma de mantê-la afastada da vida
social e alienada.

Desta forma, o presente capítulo pretende, através da trajetória dos escritos de


Ernestina, analisar suas propostas para as mulheres focalizando no cotidiano.397 A
maternidade, na missão da trajetória das mulheres como mãe de família e cuidados dos
filhos, o tempo do feminino, também a trajetória do trabalho, as lutas, as organizações das
mulheres operárias e a busca por melhores condições de vida. E por fim, o papel considerado
transformador da educação na trajetória para a emancipação feminina, da instrução, do
discurso pedagógico da imprensa operária e o de educar pensando nas nações futuras. Enfim,
a mulher e suas múltiplas trajetórias.

395
Não foi encontrado registro da data de nascimento, e a data de morte está disponível em: PORTAL
VERMELHO. Linha do Tempo – 1900-1950. s/d. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/interna.php?
pagina=1900.htm>. Acesso em: 25/03/2013.
396
MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e poder: a trajetória e polêmica em torno das indústrias de sacaria
para o café (São Paulo 1888-1934). Rio de Janeiro: Sete Letras, 1996.
397
Idem. Da invisibilidade ao gênero: odisséias do pensamento–percursos e possibilidades nas ciências sociais
contemporâneas. In: SOCIEDADE DE TEOLOGIA E CIENCIAS DA RELIGÃO - SOTER. Gênero e teologia.
Interpelações e perspectivas. São Paulo/Belo Horizonte: Paulinas/Loyola/Soter, 2003. p.67-86.
129

3.1 MULHER E MATERNIDADE/FAMÍLIA: MISSÃO DA MULHER

Foi nesse jornal, O Livre Pensador, que Ernestina Lesina registrou sobre uma das
questões femininas problematizadas em seu discurso, sobre a mulher e a família/maternidade.
A socialista em seu artigo ―A missão da Mulher‖ publicado em 16 de outubro de 1904 no
periódico O livre Pensador nº 52, estreou-o com uma pergunta: ―Quem não ouviu falar na
missão da mulher?‖, com isso iniciou um questionamento sobre o termo ―missão‖, ou seja, o
papel da mulher voltado para o espaço privado com os cuidados da família, o que passou a ser
contraditório diante da forma como a sociedade industrial absorveu a mulher no mercado de
trabalho.

Ernestina Lesina, por meio do discurso pedagógico, esteve inserida na luta pela
emancipação feminina no início no século XX, trouxe em seus artigos reflexões acerca das
mudanças vigentes em São Paulo sobre a mulher, distante do discurso higienista, discutiu
sobre a educação, maternidade e trabalho, abrangeu as múltiplas trajetórias femininas,
questionou os limites do que se considerava privado e público, além de ter contribuído na
difusão do discurso feminista.398

A urbanização do início do século XX, conjuntamente com a intensificação


industrial, a cidade de São Paulo se moldava entre novos espaços, quarteirões e bairros
diferenciavam-se conforme a predominância das atividades que se compunham; ruas, vilas e
cortiços povoados, sobretudo, por operários, em sua maioria imigrante. No espaço entre a casa
e a rua ocorriam trocas, estabeleciam-se relações dinâmicas entre as famílias e criavam-se
novos laços de solidariedade, possibilitando a circularidade de ideias e pessoas. 399

Vários foram os discursos que circularam no período, religiosos, médicos,


filosóficos, pedagógicos, literários, novas inquietações sobre as representações da mulher no
mundo moderno brotaram, geralmente estes discursos baseavam-se em concepções de uma

398
SOARES, Vera. O feminismo e o machismo na percepção das mulheres brasileiras. In: OLIVEIRA, S. de;
RECAMÁN, M.; VENTURI, G. A Mulher brasileira nos espaços público e privado. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2004. p.161-182.
399
MATOS, Maria Izilda Santos de. Em nome do engrandecimento da nação: Representações de Gênero no
discurso médico–São Paulo 1890-1930. Diálogos. Revista do Departamento de História da Universidade
Estadual de Maringá. Maringá, 2002. p.3
130

natureza biológica específica, reforçando, em alguma medida, a desigualdade entre mulheres


e homens.400

Diante dessa configuração e da emergência do regime republicano, a base da


proposta de estruturação do Estado, em que o conceito de pátria se baseava na família, centrou
suas atenções no binômio família/cidade. Sendo assim, a nova família foi estimulada a
desenvolver práticas sociais que se adaptassem ao novo regime e ao espaço urbano, e a
mulher responsável pelo papel central a desempenhar – mãe – rainha do lar.401

Desta forma, os processos de modernização, industrialização e urbanização


promoveram o surgimento da ―nova família‖, modelo baseado em padrões da elite e do
discurso médico, com a valorização da maternidade e do cuidado dos filhos foi elemento
central na nova configuração familiar.402 Ou seja, um sólido ambiente familiar, era definido
por um lar acolhedor, com filhos educados e esposa dedicada ao marido e às crianças, a
mulher deveria ser afastada e desobrigada de qualquer trabalho produtivo que representasse o
abandono desses cuidados. Portanto, esse modelo reorganizou a vida doméstica, o tempo e o
cotidiano feminino.403

O modelo de feminilidade passou a ser sinônimo de esposa-dona-de-casa-mãe-de-


família, e a preocupação especial com a criação dos filhos era percebida como riqueza em
potencial da nação, ou seja, a mulher e a criança constituíam as peças centrais destas relações
familiares.404

A ―nova mãe‖ passa a desempenhar um papel fundamental no


nascimento da família nuclear moderna. Vigilante, atenta, soberana no
seu espaço de atuação, ela se torna a responsável pela saúde das
crianças e do marido, pela felicidade da família e pela higiene do lar,
num momento em que cresce a obsessão contra os micróbios, a poeira,
o lixo e tudo o que facilita a propagação das doenças contagiosas. A
casa é considerada como o lugar privilegiado onde se forma o caráter
das crianças, onde se adquirem os traços que definirão a conduta da

400
FELIPE, Jane. Governando os corpos femininos. Labrys. Estudos Feministas. Brasília, n. 4, 2003.
401
MATOS, Maria Izilda Santos de. Em nome do engrandecimento da nação: Representações de Gênero no
discurso médico–São Paulo 1890-1930. Diálogos. Revista do Departamento de História da Universidade
Estadual de Maringá. Maringá, 2002. p.77-92.
402
SCOTT, Ana Silvia. O caleidoscópio dos arranjos familiares. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana
Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.
403
DINIZ, Gláucia; COELHO, Vera. A história e as histórias de mulheres sobre o casamento e a família. In:
FERES-CARNEIRO, Terezinha (Org.). Família e casal: efeitos da contemporaneidade. Rio de Janeiro: Ed.
PUC-Rio, 2005.
404
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil – 1890-1930). Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985. p.62.
131

nova força de trabalho do país. Daí a enorme responsabilidade moral


atribuída à mulher para o engrandecimento da nação.405

O discurso médico que se manifestava hegemônico no período tinha como alvo a


higienização dos lares, nos quais a principal agente seria a mulher. Cabia à mulher o cargo por
manter a casa limpa, vigiar a saúde dos membros da família, estar a par dos fatos do dia a dia
e, portanto, ampliou-se sua responsabilidade como dona-de-casa e no controle dos
mandamentos de higiene, principalmente em relação à infância.406 Ernestina Lesina
estabeleceu em seu artigo uma visão contrária a que permeava no discurso hegemônico,
mostrando que os anarquistas e socialistas tinham uma visão diferenciada sobre a missão da
mulher:

Surgiram homens, é verdade, affirmando que as condições da mulher


tambem se modificaram, com a evolução de todas as outras condições
e que por isso, é preciso dar uma nova educação da mulher desde que
uma nova missão supplante á antiga; mas esses homens, para gente de
bem, eram os anarquizados, os desordeiros a quem não devia se
prestar atenção;
Dá-se, porem, o facto que taes pretenções divergem da realidade dos
factos; e ainda mais, a propria classe que anathematiza os valores
anarquizados desordeiros, que sem a coragem de affirmar que para um
novo horizonte caminha o futuro da mulher, horizonte mais amplo do
da familia do passado e do presente, seja essa mesma classe retrogada
que cria exemplares essas condições de facto, pelas quaes a missão-
familia da mulher vae destruindo-se.407

De acordo com as transformações culturais que a sociedade passava, com as


mudanças no modo de vida das mulheres, fazia-se necessário um novo tipo de educação que
se alinhasse com as decorrentes mudanças, ou seja, a transformação da mulher, no sentido
emancipacionista e que acompanhasse a modernização da cidade de São Paulo e as inovações
culturais. Sendo assim, Ernestina Lesina colocou em pauta a discussão sobre a missão pré-
estabelecida da mulher, propondo o esclarecimento dessa condição com o intuito de
conscientizar a mulher operária e de instigá-la sobre o assunto. Mostrou que apesar dos
anarquistas/socialistas tivessem uma visão diferenciada sobre a missão da mulher, eram
abafados por representarem desordem na sociedade, e que alguma solução para melhorar a
condição da mulher deveria ser pensada, questionada, instruída e transmitida. Também
interligou a missão familiar que ainda permanecia nos mesmos moldes do século XIX com

405
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil – 1890-1930). Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985. p.80.
406
MATOS, Maria Izilda Santos de; MORAES, Mirtes. Imagens e ações: gênero e família nas campanhas
médicas (São Paulo: 1890-1940). ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte.Uberlândia, vol. 9, n. 14,
jan./jun. 2007.
407
O Livre Pensador. São Paulo, n. 52, 16 de outubro de 1904.
132

relação à educação, ou seja, para o sucesso das futuras gerações da nação, a educação dos
filhos era primordial, e a mulher era a responsável por desempenhar tal papel. Porém, no
decorrer do artigo Ernestina indaga sobre como e quais foram as condições que a sociedade
respaldou as mulheres operárias e também as prostitutas para que essa missão fosse seguida.

Para a mulher foram traçados caminhos no território da vida doméstica marcados


pela responsabilidade do cuidado do lar. Enquanto para o homem foi designada a esfera
pública do trabalho, para ela o espaço privilegiado para a realização de seus talentos foi
delimitado a esfera privada do lar. A mulher deveria compreender a importância de sua
missão de mãe, aceitando suas ações restritas entre as tarefas domésticas, encarando a esposa-
dona-de-casa-mãe-de família.408

A ―nova mulher‖, submetida à tutela médica, além de se constituir


num agente familiar da higiene social, deveria tornar-se o baluarte da
moral da sociedade, e dessa forma as normas médicas deveriam ser
transmitidas pelas mães a suas filhas a partir da adolescência e da
puberdade, período do início da vida fértil da mulher, merecendo
atenção especial. Ao identificar a criança como elemento-chave para a
construção de uma sociedade centrada na família, os médicos
atribuíam às mães a responsabilidade pela mortalidade infantil e
divulgavam novos preceitos de higiene, hábitos e controle da dietética
infantil.409

A representação da mulher era associada à de sagrada/imaculada, e qualquer


comportamento que desviasse desse conceito era considerado anormal e apresentava perigo
para a perpetuação da ordem estabelecida - preocupada com a família e com uma sociedade
sem marcas.410 Consideradas fisicamente débeis, sujeitas às limitações da menstruação e da
gravidez, as mulheres teriam de ser protegidas dos perigos públicos e deveriam ficar
confinadas ao espaço privado, em função de suas supostas ―características biológicas‖.411 A
―predestinação biológica‖ estipulou a maternidade como obrigação, a representação feminina
centrou-se na valorização da sensibilidade, da devoção e submissão e das tarefas domésticas

408
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil - 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.75.
409
MATOS, Maria Izilda Santos de; MORAES, Mirtes. Imagens e ações: gênero e família nas campanhas
médicas (São Paulo: 1890-1940). ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte.Uberlândia, vol. 9, n. 14,
jan./jun. 2007.
410
AVELINO, Yvone Dias. Territórios de Exclusão Social: A Cidade e a Saúde Pública (1889-1930). Anais do
XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. São Paulo, ANPUH/SP - USP, 08 a 12 de
setembro de 2008. p.6. Disponível em: <http://www.anpuhsp.org.br/sp/downloads/CD%20XIX/PDF/Seminarios
%20Tematicos/ST%2015%20Ivone%20Dias%20Avelino%20e%20M.%20Izilda%20Santos%20de%20Matos/Y
vone%20Dias%20Avelino.pdf>. Acesso em: 25/02/2013.
411
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol.
20, n. 2, jul./dez. 1995. p.71-99.
133

restritas ao espaço privado, em detrimento da inteligência, das especulações intelectuais e em


oposição ao espaço público.412

Em relação à ―natureza‖ feminina, era definida pela óptica masculina. Sendo assim, a
missão da mulher era determinada pela sua natureza413, biologicamente a mulher carregava os
filhos, alimentava o bebê, e era mais fraca, fisicamente, do que o homem. Este, no entanto,
tinha outros papéis a desempenhar no espaço público, como a vida política e o trabalho.414

Quem não ouviu falar na missão da mulher? E‘ esta uma das phrases
mais usadas e abusadas, em torno da qual tem-se exercitado a
rhetorica de varias gerações, empregando as palavras mais reboantes e
sonoras e que porém... ficam sempre no estado de palavras.
E hoje ainda se fala da missão da mulher, e continua-se ainda mais a
fazer rhetorica no assumpto. 415

Destarte, Ernestina Lesina em seu discurso, questionou o modelo dessa nova mulher
estabelecido pela elite da época, sua missão limitada e destinada pela natureza biológica.

À mulher foi determinada uma missão social e física, a de limitar-se ao espaço


privado, ao do lar, com os serviços domésticos. Apesar das novas oportunidades que
emergiam no cenário urbano de São Paulo no início do século XX, para a mulher, o mundo da
casa continuava sendo seu local por excelência. Alçada à hierarquia de ―rainha do lar‖, graças
aos positivistas e higienistas, ela era praticamente obrigada, sem muitas opções de escolha a
dedicar-se integralmente à família e aos cuidados domésticos. Na República a representação
da mulher era inspirada na filosofia positivista, apresentando a mulher como ―mulher-mãe‖.
Porém, com a implantação do regime republicano, em que pesou algumas mudanças políticas,
pouco alterou o papel de subordinação feminina e as mulheres tiveram, inclusive, negado o
direito ao voto.416

Em decorrência da ―naturalização‖ das mulheres, suas representações começaram a


demarcar uma série de características femininas, como por exemplo, abnegação, dedicação,
docilidade, entre outras, vinculadas às características necessárias a uma ―boa‖ mãe, levando-
se a uma identificação entre maternidade e feminilidade em diferentes graus e áreas, como se

412
MATOS, Maria Izilda Santos de; MORAES, Mirtes. Imagens e ações: gênero e família nas campanhas
médicas (São Paulo: 1890-1940). ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte.Uberlândia, vol. 9, n. 14,
jan./jun. 2007.
413
BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
414
SULLEROT, Évelyne. A mulher no Trabalho. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1970.
415
LESINA, Ernestina. O Livre Pensador. São Paulo, n. 52, 16 de outubro de 1904.
416
ALMEIDA, Jane Soares de. Imagens de mulher: a imprensa educacional e feminina nas primeiras décadas do
século. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, vol. 79, n. 191, p.31-41, jan./abr. 1998.
134

fossem sinônimos. Assim foi que a feminilidade relacionou-se com uma discriminação das
mulheres no espaço público, a partir dela foram negadas às mulheres as capacidades
socialmente valorizadas e que garantiram a primazia dos homens na vida pública.417

A ideologia da maternidade foi revigorada pelo discurso masculino:


ser mãe, mais do que nunca, tornou-se a principal missão da mulher
num mundo em que se procurava estabelecer rígidas fronteiras entre a
esfera pública, definida como essencialmente masculina, e a privada,
vista como lugar natural da esposa-mãe-dona de casa e de seus
filhos.418

Basicamente a mulher era destinada a se casar, gerar filhos e educá-los. Restava à


esposa o papel doméstico considerado inferior às tarefas destinadas ao homem. Dentro dessa
ótica, não havia espaço para a mulher fora do lar, e nem para o homem dentro de casa, já que
ele pertencia à vida pública, à rua e ao trabalho, ao marido cabia a chefia da sociedade
conjugal.419

Enquanto se destinava o mundo privado à mulher, reservava-se a


esfera pública ao homem. A representação do lar e da família
enquanto ―natural‖ — e, portanto, fora da história — se contrapunha à
esfera pública — como instância histórica. Essa separação entre
público e privado não pode ser identificada como algo inevitável ou
natural, uma vez que foi construída conjuntamente com a definição
das esferas sexuais e a delimitação de espaços para os sexos. Esses
elementos foram construções sociais, culturais e históricas que
permitem perceber um movimento progressivo de privatização do
espaço e, concomitantemente, o fortalecimento do Estado e do
processo de urbanização, em que a esfera pública, cada vez mais
voraz, estende seus tentáculos até o domínio das intimidades.420

Assim, a mulher que não preenchesse os requisitos estipulados pela sociedade, era
rejeitada ao campo sombrio da anormalidade, do pecado e do crime. Não amamentar e não ser
esposa e mãe significava desobedecer a ―ordem natural‖ das coisas, ao mesmo tempo em que
se colocava em risco o futuro da nação.421

417
ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Variações sobre um antigo tema: a maternidade para mulheres. In:
FERES-CARNEIRO, Terezinha (Org.). Família e casal: efeitos da contemporaneidade. Rio de Janeiro: Ed.
PUC-Rio, 2005.
418
RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: PRIORE, Mary Del (Org.). História das mulheres
no Brasil. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2001. p.591.
419
MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando A. (Coord.).
História da Vida Privada no Brasil. Vol. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
420
MATOS, Maria Izilda Santos de; MORAES, Mirtes. Imagens e ações: gênero e família nas campanhas
médicas (São Paulo: 1890-1940). ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte.Uberlândia, vol. 9, n. 14,
jan./jun. 2007.
421
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.79.
135

A valorização do papel materno difundido pelo saber médico, no início do século


XX, procurava satisfazer as mulheres de que o amor materno era um sentimento inato, puro e
sagrado e de que a maternidade e a educação da criança realizavam sua ―vocação natural―. 422
De um lado, expunham-se as recompensas da carreira do casamento e da maternidade: uma
relação mais sólida entre os membros da família, o amor do marido, a mulher elevada à
condição de figura central do seu território. Do outro, as punições: sentimento de culpa,
frustração, os castigos da natureza contrariada, os perigos físicos da não-procriação ou da
retenção do leite, no caso das mães etc.423

A maternidade era reconhecida como a principal ‗função‘ da mulher,


dessa forma, a educação feminina torna-se um ponto-chave, pois através
dela pretendia-se o aperfeiçoamento físico e moral das mães e das
futuras gerações do país. A "nova mulher" se constituiria num agente
familiar, tornar-se-ia o baluarte da moral da sociedade, e dessa forma as
normas deveriam ser transmitidas pelas mães as suas filhas a partir da
adolescência e puberdade, período do início da vida fértil da mulher,
devendo merecer atenção especial.424

A maternidade era representada como um "mandado biológico", mas também como


função que "enaltecia e glorificava a mulher", tornando a mulher a responsável por
desenvolvê-la em todo o seu potencial. As representações da maternidade transbordavam seu
caráter biológico para abarcar um significado social, segundo o qual deveriam ser
desenvolvidos os "sentimentos maternais" que justificariam a dedicação aos filhos e aos
demais membros da família, bem como a própria função de educadora.425

Sendo assim, havia preocupação com o papel maternal em relação à moralidade das
meninas que iriam se formar, pois era colocado como ―desvio da natureza‖ as que não
apresentassem as características estabelecidas: integridade, recato, submissão e refinamento
do caráter, neste caso, a educação servia como um polimento. As meninas deveriam adquirir
estrutura e caráter firme, já que para as funções de mãe e de esposa era preciso que a mulher
fosse estruturada, higiênica, ordeira, econômica, laboriosa e prendada, possuindo
conhecimentos de puericultura e de nutrição que deveriam ser transmitidos às novas gerações.
Tantas preocupações com a moralidade e o caráter femininos deviam-se ao fato de as

422
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.79.
423
Ibidem. p.80.
424
MATOS, Maria Izilda Santos de; ALVES, Gisele. ―A nova mulher‖: educando as futuras mães (São Paulo
1850-1900). Caderno Espaço Feminino. Uberlândia, Universidade Federal de Uberlândia, Núcleo de Estudos
de Gênero, vol. 15, n. 18, 2006. p.15.
425
Idem; Idem. As mulheres: educação e progresso. Revista Mack. Arte. São Paulo, Universidade Presbiteriana
Mackenzie, vol. 6, n. 34, 2005. p.149.
136

mulheres serem reconhecidas como ―pouco racionais‖, emotivas, sensíveis, impulsivas, não
podendo ser ―responsáveis‖ por seus atos; para tanto, o melhor era discipliná-las, evitando os
descaminhos femininos causados pelo descuido com a educação, a ―educação errada‖ ou a
falta de ―esmerada educação‖.426

[...] fique a mulher o que sempre tem sido; a mulher continúe a


desempenhar as funcções a ella destinadas pela natureza; a mulher
continúe a ter uma só unica missão, a missão familiar.
- Não arranqueis a mulher á familia! brandaram elles; não rapteis do
lar domestico, si não quereis commetter um crime contra a sociedade e
a natureza; a mulher foi criada para a familia e lá esta o seu reino,
nelle cumpra a propria missão.
Palavras commovedoras.427

O discurso irônico de Ernestina Lesina consagrado de críticas às visões da época,


pois essas eram expressas de maneira comovedora para a população, mostrando a
responsabilidade da mulher em seu papel com o cuidado dos filhos, ou seja, a
responsabilidade de formar as futuras gerações, era dessa forma, construído embasado na
ideia de reservar a mulher no espaço privado com a sua determinada missão do lar, sendo um
crime o descumprimento do seu destino natural doméstico, se ela ocupasse o espaço público.

Nas escolas publicas e perticulares em que se dá, ou se pretende dar


um complemento á instrucção preliminar da mulher; nas folhas
literarias educativas em que junto ao coninho do adulterio e á poesia
de abandono, está o bom conselho para a senhora de bem, que será a
futura mãe de família; com os romances... feitos por escriptoras e
escriptores corruptos e corruptores, para as familias privilegiadas,
onde se ensinam todos os melhores meios para conquistar um bom
marido; em toda parte conversa-se da missão da mulher, e esta missão
é a familia.428

De forma direta Ernestina Lesina criticou a educação das mulheres da elite que eram
formadas a seguirem a missão estipulada pelo discurso da época, elas eram educadas para se
casarem e darem continuidade à missão natural, e que era considerado o modelo a ser seguido.
A autora defendia a educação como forma de ampliar a consciência social, e assim a mulher
chegar à emancipação.

426
MATOS, Maria Izilda Santos de; ALVES, Gisele. As mulheres: educação e progresso. Revista Mack. Arte.
São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, vol. 6, n. 34, 2005. p.149.
427
O Livre Pensador. São Paulo, n. 52, 16 de outubro de 1904.
428
O Livre Pensador. São Paulo, n. 52, 16 de outubro de 1904.
137

No entanto, a ocupação do cenário urbano pelas mulheres, não eliminou as


exigências morais da sociedade, permanecendo os antigos tabus como o da virgindade. Ao
contrário, quanto mais ela escapava da esfera privada da vida doméstica, tanto mais a
sociedade lançava sobre seus ombros o castigo do pecado, o sentimento de culpa diante do
abandono do lar, dos filhos carentes, do marido extenuado pelas longas horas de trabalho.
Todo um discurso moralista e ―caridoso‖ acenava para ela o perigo da prostituição e da
perdição. A construção de um modelo de mulher simbolizado pela mãe devotada e inteira
sacrifício, implicou sua desvalorização profissional, política, intelectual e criou mais barreiras
ao acesso à educação e ao trabalho.429

Já o homem, era considerado como indivíduo forte que, com sua agressividade e
inteligência, deveria impor o desenvolvimento da civilização urbana, ao passo que a mulher,
por sua natureza passiva e fecunda, deveria perpetuar essa civilização através da maternidade.
Assim, sublinhando as potencialidades masculinas, legitimava-se o domínio do homem sobre
a mulher.430

Esses valores, disseminados pela elite da época, contudo, não adquiriram a mesma
importância na vida de todos os brasileiros e suas famílias. Nem todos quiseram ou puderam
adaptar-se a esse novo modelo de família. Em uma sociedade heterogênea, diversa e desigual,
hierarquizada a partir de elementos sócio-econômicos e étnicos, com base na cor de pele,
herança do escravismo, marcada pela diferença de gênero. Havia diferenças ao se comparar
famílias de áreas mais urbanizadas com as de áreas predominantemente rurais ou de vilas
operárias, as compostas por negros, brancos e ou mestiços, as imigrantes e as locais, as ricas e
as despossuídas. Entretanto, embora não tenha sido abrangida com a mesma intensidade toda
a população, o ideal de família que a elite, com seus hábitos, estimulavam, tornou-se o novo
parâmetro, como já foi descrito.431

O mundo nascente da fábrica no início do século XX exigia da mulher uma atividade


o tempo inteiro, assalariada e afastada do lar. Produção e reprodução passam a ser esferas
irreconciliáveis, fonte de problemas insolúveis para as mulheres que queriam ou precisavam

429
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil - 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.63.
430
MATOS, Maria Izilda Santos de; MORAES, Mirtes. Imagens e ações: gênero e família nas campanhas
médicas (São Paulo: 1890-1940). ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte.Uberlândia, vol. 9, n. 14,
jan./jun. 2007.
431
SCOTT, Ana Silvia. O caleidoscópio dos arranjos familiares. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana
Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.
138

trabalhar, o que torna contraditório falar sobre a missão da mulher no seio familiar no modelo
elitista e higienizado.432

Se, por um lado, era desejável, para a construção da ―nova sociedade‖,


pretendida pelos grupos dirigentes, que todas as famílias aceitassem o
modelo considerado mais ―civilizado‖ (inspirado em padrões
europeus), esperava-se, por outro lado, que as classes populares
fornecessem mão de obra adequada e disciplinada para a indústria que
se disseminava, o que incluía o trabalho produtivo de mulheres e
crianças. Assim, nos primórdios da industrialização no Brasil, as
mulheres (assim como as crianças) integraram-se às atividades
industriais.433

Com isso, Ernestina Lesina mostrou a oposição entre o novo modelo de família, e o
novo modelo de mulher-mãe de acordo com as exigências da sociedade capitalista:

Quem ousaria falar da missão da mulher no seio da familia em frente


de uma officina que engolle milhares e milhares de moças e de
mulheres que os monstro capitalistas começam a dar as primeiras
forças de crianças continuando, até cair extenuadas pela velhice
prematura, aprisionadas durante dez e doze horas por dia, quasi sem
ter tempo de conhecer a familia?
A missão, destas infelizes é unicamente com seu trabalho
embrutecedor, crear riquezas para os patrões.
E‘ nestas condições que se tem a ousadia de falar da missão da mulher
a desenvolver-se no seio da familia?
Quando constatamos que o matrimonio é objecto de divisão pelos
mesmos que o defendem como instituição fundamental da nossa
sociedade e considerado como um peso, ao qual, não se podendo
evitar procuram adia-lo o mais possivel?434

Mais uma vez se questionou a missão da mulher, para aquelas que destinavam sua
missão na prostituição como forma de ganhar a vida:

Quem terá ousadia de falar de missão da mulher como um numeroso


exercito de infelizes ludibriadas que são constrangidas a contratar o
próprio beijo e que na função sexual não enxergam outro meio que de
ganhar a vida que, na maioria dos casos, não podem ganhar de outra
forma?
Para estas infelizes a função da vida consiste em proporcionar gozos a
quem melhor paga.435

Sendo assim, a prostituição foi assinalada por Ernestina, como consequência da


exploração capitalista, da inferioridade social e econômica das mulheres, que apresentavam

432
DUBY, G; PERROT, M. História das mulheres no Ocidente. Vol. 2 - A Idade Média. Porto: Edições
Afrontamento, 1990.
433
SCOTT, Ana Silvia. O caleidoscópio dos arranjos familiares. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana
Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p.18.
434
O Livre Pensador. São Paulo, n. 52, 16 de outubro de 1904.
435
O Livre Pensador. São Paulo, n. 52, 16 de outubro de 1904.
139

salários ínfimos em relação ao dos homens nas fábricas, e eram levadas a buscar alternativas
para aliviar a miséria que viviam. Porém, a questão não se limitava apenas no âmbito
econômico, permeava o lado moral do problema, denunciando a hipocrisia e as tensões da
sociedade moderna.436

Grande parte das prostitutas ingressa na ―vida airada‖ por


contingências exteriores à sua vontade, empurradas pela fatalidade.
Salvo raras exceções, conseguem escapar do labirinto negro. Assim,
ora a comercialização sexual do corpo é meramente uma maneira de
conseguir dinheiro, pois a mulher não tem formação profissional
alguma, ora é um mero acidente incompreensível para ela mesma, ora
decorre do desejo de vingança contra opressão masculina.437

Além disso, a prostituta era considerada um ser ―abominável‖ perante os médicos,


pois sua moral era corrompida, seu corpo era um prontuário anti-higiênico entregue a métodos
anti-religiosos e antinaturais. Não se preocupava com o futuro, só procurava o prazer
incansável, propícia ao alcoolismo e ao mau caráter, em oposição ao modelo de mulher do lar,
da família que estava se criando.438 Era considerada uma ameaça social, portanto, havia a
necessidade de um intenso controle e a sua prática sexual passou a ser domesticada e
disciplinada. Os prostíbulos ocupavam os bairros mais afastados e distantes, e as mulheres
passavam por uma série de exigências do órgão de saúde. A prostituição era considerada uma
doença, que precisava ser curada e combatida.439

Assim, o retrato da mulher pública é construído em oposição ao da


mulher honesta, casada e boa mãe, laboriosa, fiel e dessexualizada. A
prostituta, construída pelo discurso médico, simboliza a negação dos
valores dominantes, ―pátria e sociedade‖ que ameaça subverter a boa
ordem do mundo masculino. Seu objetivo principal é a satisfação do
prazer, e nessa lógica, prazer e trabalho são categorias antinômicas.
Por isso, ela deve ser enclausurada nas casas de tolerância ou nos
bordeis, espaços higiênicos de confinamento da sexualidade extra
conjugal, regulamentados e vigiados pela polícia e pelas autoridades
médicas e sanitárias.440

436
RAGO, Margareth. Prefácio à Emma Goldman: tráfico de Mulheres. Cadernos Pagu. Campinas, Unicamp,
n. 37, 2011. p.263-271.
437
Idem. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). São
Paulo: Paz e Terra, 2008. p.240.
438
Ibidem.
439
AVELINO, Yvone Dias. Territórios de Exclusão Social: A Cidade e a Saúde Pública (1889-1930). Anais do
XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. São Paulo, ANPUH/SP - USP, 08 a 12 de
setembro de 2008. p.6. Disponível em: <http://www.anpuhsp.org.br/sp/downloads/CD%20XIX/PDF/Seminarios
%20Tematicos/ST%2015%20Ivone%20Dias%20Avelino%20e%20M.%20Izilda%20Santos%20de%20Matos/Y
vone%20Dias%20Avelino.pdf>. Acesso em: 25/02/2013.
440
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil - 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.90.
140

Distinta do discurso hegemônico e higienizador, a socialista atentou-se para as


condições das mulheres despossuídas, as quais trabalhavam na busca pela sobrevivência,
questionando as condições de vida delas, um modo de vida que se manifestava contraditório
ao discurso vigente, o qual não englobava a população total, explicitando que o sentido de
missão, para essas mulheres, revelava-se outro, a missão da sobrevivência e da luta.

Quando vemos grande números de raparigas não incommodadas na


familia pelas necessidades economicas, pela fome de pão, soffrer
numa vida de desejos, consumidas pela forme de amor?
E é a estas mulheres que se pretende fazer receitar como insdiscutivel
a missão da mulher na familia?
Si não fosse doloroso brincar com assumptos tão serios, diriamos que
a mulher poderia acceitar a olhos fechados, quando com agencias
especiaes, se lhe garanta o meio de formar familia.
Entretanto, sendo isso impossivel, a mulher sente que a propria missão
está na vida, lucta em que a sociedade arrasta.
E áquelles que, depois de tel-a arrancado do lar domestico, depois, de
lhe terem negado as consolações do amor, pretenderam lhe impor uma
missão cujas fontes estão exhaustas, ella responde:
- A minha missão tenho-a em mim mesmo, o cumprimento della está
nas minhas forças. A missão está na procura dos meios de ter uma
missão e de cumpril-a.
E‘ nestas condições que se tem a ousadia de falar da missão da mulher
a desenvolver-se no seio da familia?441

Foi diante desse cenário que Ernestina Lesina, com o intuito de ampliar a consciência
social, fez seus questionamentos em busca da reflexão sobre a mulher, com o intuito de expor
e contestar o que era imposto, ela colocou em pauta a missão da mulher e discutiu as situações
econômicas e sociais que sufocavam o destino natural e físico feminino, em especial sobre as
operárias.

3.2 MULHER E TRABALHO: ORGANIZAÇÃO DA MULHER OPERÁRIA

As resistências travadas no decorrer do processo de industrialização no Brasil e o


confronto entre o capital e o trabalho, dentro e fora da fábrica, determinaram, no início do
século XX em São Paulo, os contornos das relações de trabalho na produção e as formas de
utilização da mão de obra. As greves multiplicaram-se e sucederam-se a formação de
associações e de sindicatos. Desta forma, as operárias representaram parte propulsora desses

441
O Livre Pensador. São Paulo, n. 52, 16 de outubro de 1904.
141

movimentos e em alguns casos suas participações foram diretas especialmente nos


movimentos grevistas e mobilizações durante o mesmo período.442

Na história do anarquismo e do socialismo, a atuação das mulheres foi diferenciada


da masculina. Em primeiro instante, na composição do operariado que viria a gerar esses
movimentos, a porcentagem de mulheres era inferior à dos homens. Outro fato evidente era
também na composição nos círculos da intelectualidade independente que esteve associada ao
nascimento das ideias socialistas. Tais ocorrências relacionavam-se com a cultura familiar que
questionava as ações femininas, fazendo com que as mulheres acabassem numa posição
subalterna, ligada a sua imagem pré estabelecida biologicamente associada a ideias como
443
"fragilidade feminina", papel "maternal" das mulheres ou da sua "passividade". (vide item
3.1).

Entretanto, na maior parte das vezes, tendo definida a sua natureza através de
padrões de feminilidades. A demanda pela regulamentação de seu trabalho constituiu uma das
alavancas das lutas trabalhadoras, por outro lado permanecia seu papel específico na família
que lhe foi definido e a sua ―missão‖ determinada. Em outras palavras, a luta operária
elaborou um discurso sobre a mulher, no qual foi especificada a sua posição no mundo do
trabalho coletivo.444

Essas demandas, em geral, designavam à mulher o espaço doméstico


conferia-lhe a educação dos filhos e filhas e o trabalho cotidiano da
reprodução; pensavam o homem como o principal e legitimo ganha
pão, a mulher como a guardiã da moralidade e bons costumes; o seu
trabalho era defendido como complementar provisório e subalterno;
considerando sua fragilidade e pureza, seu vínculo natural era com a
família e não com a produção, o mundo dos homens da brutalidade e
da explosão. Se não pelos anarquistas não foi colocada em questão
nem pelos trabalhadores, nem mesmo pelas trabalhadoras, em suas
reivindicações. Assim, de forma geral, as mulheres não se
expressavam politicamente na defesa dos interesses de seus sexos se
não muito raramente; a enfrentar seus homens preferiram quando o
fizeram enfrentar o capital.445

442
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina na constituição do sistema
fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p.180.
443
GONÇALVES, Adelaide. Maria Lacerda de Moura - Uma Anarquista Individualista Brasileira. Utopia.
Associação Cultural A Vida, n. 9, abr./jun. 1989. Disponível em: <http://www.nodo50.org/insurgentes/textos/
mulher/09marialacerda.htm>. Acesso em: 01/03/2013.
444
PENA, op. cit., p.180.
445
Ibidem. p.180.
142

A própria imprensa operária apresentou um discurso desconexo, por um momento


clamando pelas mulheres como: ―bravas‖, ―companheiras de luta‖, por outro, tachando-as de
―frágeis e incapazes‖, ―inofensivas‖ e ―indefesas‖. Observa-se que na representação das
mulheres nesse discurso também era consideradas mais submissas e menos sindicalizadas,
mais acomodadas e menos mobilizadas, mais imprevisíveis. Portanto, com a utilização desses
estereótipos procuravam-se explicar atitudes e comportamentos das trabalhadoras.446

As greves femininas eram incompreendidas pela sociedade, que via a


feminilidade como incompatível com a situação operária, ainda mais
com a de grevista. Os policiais insultavam e ridicularizavam as
operárias e a grande imprensa as caricaturizava, realçando o lado
pitoresco e sempre esbarrando no limite do obsceno.447

Na divisão de papéis sociais, que relegava as mulheres para uma função doméstica,
contrariava e dificultava a sua militância social. Talvez por isso, entre as mulheres que mais
se destacaram nas lutas, acabavam por optar por uma vida pessoal independente, na qual o
casamento e uma relação familiar mais tradicional eram deixados de lado, ou até a
maternidade era recusada em nome da liberdade e da autonomia.448

Nota-se que mesmo em evidência a atuação da participação das mulheres


anarquistas, socialistas, enfim, militantes em geral no movimento operário, aspectos
tradicionais das relações dentro das famílias dos militantes operários também mantinham as
diferenças de valores sexistas a de sujeição das mulheres nas próprias movimentações.449

Sendo assim, a presença efetiva, marcante e autônoma das mulheres, no movimento


operário e no anarquismo, foi menor que a masculina450, destacando-se em alguns setores,
particularmente no têxtil, que tiveram papel determinante, na organização e nas lutas
sindicais, a partir das quais se destacaram importantes militantes libertárias e socialistas que
contribuíram para difundir os preceitos do anarco-sindicalismo e sindicalismo internacional.
Foi no contexto da época e das sociedades nas quais desenvolveram sua militância que pode

446
MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e poder: a trajetória e polêmica em torno das indústrias de sacaria
para o café (São Paulo - 1888-1934). Rio de Janeiro: Sete Letras, 1996. p.119-120.
447
Ibidem. p.119-120.
448
GONÇALVES, Adelaide. Maria Lacerda de Moura - Uma Anarquista Individualista Brasileira. Utopia.
Associação Cultural A Vida, n. 9, abr./jun. 1989. Disponível em: <http://www.nodo50.org/insurgentes/textos/
mulher/09marialacerda.htm>. Acesso em: 01/03/2013.
449
Ibidem.
450
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
143

se explicar as diferenças de presença, ou de destaque entre mulheres e homens no movimento


operário.451

Diante desse cenário, no qual as figuras femininas deixaram traços anônimos nas
ações coletivas, estando pouco representativas no rol dos organizadores. Alguns nomes foram
destacados na atuação das mulheres em busca da emancipação das operárias, como a militante
socialista Ernestina Lesina, Elizabetta Valentini (que no Círculo Educativo Libertário
Germinal pronunciava conferência em italiano sobre o papel da mulher na emancipação de
classe trabalhadora) anos mais tarde algumas militantes do Partido Comunista, como Laura
Brandão.452 (vide item 1.2).

Foi diante dessa perspectiva que Ernestina Lesina assinou um artigo no dia 01 de
maio de 1904 no jornal socialista O Chapeleiro com o intuito de expor sobre a forma de
organização das mulheres operárias, e assim chamou a atenção do público feminino sobre a
situação dessas trabalhadoras. Como pode ser observado em ―L‘ organizzazione della Donna
operaia453‖:

L‘organizzazione della donna operaia é cosa certamente non


trascurabile da parte di tutti coloro, e specialmente da parte dei
socialisti, che coraggiosamente hanno iniziata la non facile lotta delle
rivendicazioni proletari, come non é cosa certamente facile il
conseguiria, dato il terreno difficile che si deve coltivare, poiché la
donna proletaria per troppo lungo tempo abbandonata a sé stessa, alla
sua miseria morale e materiale fa uno sforzo immenso e riesce
pochissime volte a comprenderci, quando le parliamo della necessitá
di organizzarsi.454

Ou seja, segundo Ernestina, a organização das mulheres trabalhadoras enfrentava


dificuldades, além das questões trabalhistas, era preciso vencer as barreiras de caráter moral
que desde sempre foi designada à mulher, para assim reafirmar a organização no campo do
trabalho, que apesar das mulheres representarem menor expressão em termos numéricos no
movimento operário, era necessária uma organização para lutarem em prol de seus direitos.

451
GONÇALVES, Adelaide. Maria Lacerda de Moura - Uma Anarquista Individualista Brasileira. Utopia.
Associação Cultural A Vida, n. 9, abr./jun. 1989. Disponível em: <http://www.nodo50.org/insurgentes/textos/
mulher/09marialacerda.htm>. Acesso em: 01/03/2013.
452
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina na constituição do sistema
fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p.182.
453
Tradução livre: ―A organização da mulher operária‖.
454
LESINA, Ernestina. L‘ organizzazione della Donna operaia. O Chapeleiro. São Paulo, 1º de maio de 1904.
Tradução livre: ―A organização da mulher operária não é coisa de que possam desleixar todos – especialmente os
socialistas – os que encetaram corajosamente a árdua luta das reivindicações proletárias, assim como é árduo
colher resultados, visto como é difícil o terreno a cultivar, já que a mulher proletária por muito tempo esteve
abandonada à própria sorte, à própria miséria moral e material, e, a despeito do imerso esforço que empreende,
só pouquíssimas vezes alcança compreender-nos quando lhe falamos da necessidade de organizar-se.‖
144

No entanto, as operárias participaram e demonstravam combatividade nas


manifestações operárias e nos movimentos grevistas, contudo essas lutas foram mais
espontâneas e geralmente não resultavam de uma prática sindical constante e ordenada,
participando mais efetivamente nos movimentos de intensa mobilização, como nos casos de
greves por aumentos salariais e redução de jornada.455

Basicamente, esse padrão se configurou na reivindicação pela


limitação da jornada de trabalho em 8 horas diárias. A ausência dessa
limitação fazia com quem o contingente feminino fosse o mais
duramente atingido, tanto pelo fato de que a jornada na têxtil e na
indústria de confecções fosse mais longa quando pela inserção
específica das mulheres na sociedade que mesmo às trabalhadoras
assalariadas exigia o trabalho doméstico.456

Para as operárias de setores como o da juta, em que a falta de organização sindical


constante dava lugar a manifestações súbitas, suas participações nas organizações grevistas se
davam em conflitos mais breves e passageiros, sob a forma de grandes concentrações, com
vigor de solidariedade. Sendo que exatamente no desenrolar dessas greves era que se
formavam e se ampliavam os quadros sindicais.457

Dois pontos a ser destacados com respeito à participação feminina: em primeiro


lugar, apesar da pouca liderança não implicou absenteísmo nas manifestações populares –
pelo contrário. Em segundo lugar, as participações mais intensas e com pouca exceção se fez
em defesa de interesses do operariado como um todo e não em defesa dos próprios interesses
específicos como trabalhadora cuja inserção na produção apresentava aspectos peculiares, e as
condições de trabalho eram diferenciadas.458

A questão feminina no Brasil foi dirigida por organismos representativos da classe


trabalhadora cuja liderança era majoritariamente ocupada pela figura masculina;
concretamente, esse fato significou uma leitura masculina da problemática que ligava a
mulher ao trabalho coletivo. Isso não significa que em certas instâncias elas não tivessem se
articulado em torno de certas questões a elas concernentes, apesar dos problemas de
organização existentes.459

455
MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e poder: a trajetória e polêmica em torno das indústrias de sacaria
para o café (São Paulo - 1888-1934). Rio de Janeiro: Sete Letras, 1996. p.119-120.
456
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina na constituição do sistema
fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p.183-189.
457
MATOS, op. cit., p.119-120.
458
PENA, op. cit., p.182.
459
Ibidem. p.183-191.
145

Tutto ció peró se ci fa pensare, non ci deve né scoraggiare, né rendere


scettici, dimostrando di aver poca fiducia nelle forze feminili, perché
allora avremmo subito torto de fronte al furbo capitalista, il quale,
mentre noi consideriamo la donna leggera e cosa da trascurarsi nel
bilancio ativo delle forze e dei pensiero umano, essi nel suo campo,
nella sua fazenda, nel sno opificio, ne afrutta l‘energia del corpo e
della intelligenza, riducendola di punto in bianco strumento di lavoro
in granaggio indispensabile alla macchina che vertiginosamente
produce. E dubitando ancora del beneficio che la donna organizzata
potrebbe arrecare alla notora lotta intrapesa, avremmo torto, (come de
fronte al capitalista anche de fronte ai non meno furbi preti, i qual se
ancora tanto in alto stanno, e dall‘alto dominano, é solo perché bene
sanno insinuarsi nel cuore della donna, sfruttandone il sentimento
delicato.460

Apesar da descrença da força feminina pelos donos das fábricas e pelas lideranças do
movimento operário, que denunciavam as fragilidades da natureza da mulher e a sua
exploração, Ernestina atentou-se no artigo para que isso não abalasse a organização das
operárias.

Pode-se observar que a ação sindical feminina se via dificultada pelos desgastes do
trabalho fabril acrescido pelas atividades domésticas, gerando uma dupla jornada, o que
impedia uma ação sindical contínua e com participação ativa das mulheres. O movimento
sindical, por sua vez, procurava atrair o setor feminino do operariado, inicialmente através do
incentivo à criação de comitês por categoria, como os comitês de costureiras e tecelãs, e
posteriormente se transformarem em sindicatos.461

Sendo assim, as mulheres foram de certa forma, combativas nos movimentos


operários e grevistas, mas de forma desorganizada; suas ações não nasciam de uma prática
política calculada e planejada; além do mais, seu caminho à liderança estava dificultado por
preconceitos que determinava o lar como seu espaço natural e a considerava uma trabalhadora

460
LESINA, Ernestina. L‘ organizzazione della Donna operaia. O Chapeleiro. São Paulo, 1º de maio de 1904.
Tradução livre: ―Entretanto, se tudo isso nos faz pensar, não deve desanimar-nos nem tornar-nos céticos, o que
demonstraria pouca confiança nas forças femininas e imediata rendição diante do capitalista ladino, o qual –
enquanto julgamos a mulher dispensável, sem importância no balanço outro das forças e do pensamento humano
– vai-lhe explorando o corpo e a inteligência na fazenda, no campo, na oficina, reduzindo-a num piscar de olhos
a mero instrumento de trabalho, a uma engrenagem indispensável das máquinas que produzem vertiginosamente.
E se ainda duvidássemos do benefício que a mulher organizada pode trazer à luta que empreendemos,
cometeríamos grave erro, repetindo diante do capitalista ladino o mesmo erro já cometido com os não menos
ladinos sacerdotes, que – se ainda tão no alto estão e do alto dominam – é porque bem sabem insinuar-se no
coração da mulher, explorando a delicadeza de seus sentimentos.‖
461
MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e poder: a trajetória e polêmica em torno das indústrias de sacaria
para o café (São Paulo - 1888-1934). Rio de Janeiro: Sete Letras, 1996. p.119-120.
146

e uma cidadã de segunda ordem; seus protestos vinculavam-se mais à exploração nas fábricas
que à subordinação na sociedade.462

Convinti invece della assoluta necessitá di organizzare in fascio le


donne operaie a qualsiasi ramo d‘industria esse appartengano, de
fronte a tutta questa no facile, ma nuova e necessaria educazione da
compiere, noi dobbiamo corredarsi di una forte dose di volontá e
metterci seriamente al lavoro per la buona causa.463

Ou seja, diante do discurso que se estabeleceu sobre a mulher, era preciso um nível
de consicientização instruída pela educação. Ernestina deixou clara a ação pedagógica em seu
discurso, como forma de orientar as operárias para se organizarem e assim lutarem de forma
igual pelas suas aspirações.

Ogni creature che lavora, che produce per la collettivitá umana, che
collabora e che concorre colla propria energia di braccio o di pensiero
al benessere sociale, ha diritto ad una vita tranquilla o almeno non
tormentara della triste incertezza economica del domani. Invece noi
constatiamo, e i fatti concorrono a darci ragione, che cosi non avviene.
Il lavoro collettivo che le masse producono tutto a vantaggio del
capitale, é sempre moralmente poco considerato, materialemente,
sempre male retribuito, ed in ispecial modo il lavoro femminile.
Perché questo avviene, e di chi la colpa? – Di chi fa lavorare e sfrutta
– mille voci sono pronte a rispoadere e non avrebbero tutti i torti, ma
se al di sopra del giusto risentimento che proviamo, constatando la
innegabile ingordigia capitalistica vogliamo porre la regione fredda.
Serena, noi dobbiamo allora confessare che un gran torto l‘abbiamo
tutti ché in linea generale abbiamo sempre dato poca importanza al
lavoro della donna e non ci siamo mai soffermati a guardare il
maraviglioso concorso che il lavoro femminile ha sempre portato
nell‘enorme campo della producione.464

A mulher era forçada pela miséria a entrar no mercado de trabalho em busca de fonte
de renda para sobreviver, porém restringida a determinados ramos fabris, além do mais
462
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina na constituição do sistema
fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p.183-184.
463
LESINA, Ernestina. L‘ organizzazione della Donna operaia. O Chapeleiro. São Paulo, 1º de maio de 1904.
Tradução livre: ―Convictos, em vez disso, da absoluta necessidade de organizar em facções/agrupamentos as
operárias de qualquer ramo da indústria a que se vinculem, diante dessa educação árdua, nova e necessária a
levar a cabo, é preciso armarmo-nos de uma forte dose de vontade e pôr-nos seriamente ao trabalho da boa
causa.‖
464
Ibidem. Tradução livre: ―Qualquer criatura que trabalha, que produz para a coletividade humana, que
colabora e concorre com a energia dos próprios braços e pensamento ao bem-estar social tem direito a uma vida
tranquila, no mínimo, sem os tormentos da triste incerteza econômica do amanhã. Em lugar disso, o que
constatamos – e os fatos vêm dar-nos razão – é que as coisas não se passam assim. O trabalho coletivo das
massas, que tudo produzem em benefício do capital, é pouco considerado moralmente e mal retribuído
materialmente, de modo especial o trabalho feminino. Por que isso acontece e a quem culpar? – Cabe culpar a
quem explora – mil vozes se erguerão prontas a responder, e não estarão erradas de todo. Mas, se acima do
justificado ressentimento que de nós toma conta ao constatar a inegável cobiça capitalista pusermos o raciocínio
frio e severo, cumpre confessar que todos erramos muitos, que – em linhas gerais – sempre demos pouca
importância ao trabalho da mulher e jamais nos defiramos para observar a estupenda contribuição que sempre
deu o trabalho feminino no enorme campo da produção.‖
147

apresentavam baixos salários, as tarefas não eram especializadas tecnicamente e sofriam o


controle comportamental por parte dos patrões.465 Sendo assim, o artigo incitou para que as
mulheres raciocinassem sobre o seu trabalho e suas desigualdades, colocando em destaque
que todos trabalhadores, mulheres e homens, deveriam ter as mesmas condições de vida,
trabalho e salário.

Apesar desse quadro, indicações existiram sobre a presença feminina como elemento
condutor dos movimentos grevistas no período: em 1901, greve na fábrica de tecidos
Sant‘Anna, situada no Brás, em que as operárias reclamaram contra a introdução de uma nova
tabela de remuneração por tarefa, que rebaixaria seu salário real e incitaria os operários a
aumentarem a produção. Em outubro de 1902, as operárias da fábrica de tecidos Anhaia, no
Bom Retiro, iniciaram um movimento grevista contra os maus-tratos do mestre de teares.
Logo em dezembro de 1902, as operárias da fábrica de tecidos Sant‘Anna voltaram a protestar
e desta vez contra a multa imposta pela gerência à falta num dia determinado, que os
operários consideravam santo, porém uma semana depois, um grupo de operárias da mesma
fábrica exigiu a demissão de dois superiores hierárquicos, seguindo a greve até janeiro de
1903. Em 1908, as mulheres e crianças que trabalhavam na fábrica de tecidos Matarazzo
também entraram em greve devido ao rebaixamento das suas tarifas de fome; já que o ano
anterior (1907) foi marcado pela greve das costureiras de carregação no estado de São Paulo,
reivindicando aumento de salários aos seus patrões466. Além das greves citadas, as mulheres
tiveram participação primordial na Greve Geral de 1917, iniciada pelas operárias das oficinas
do Cotonifício Crespi.467

Além de todas essas aparições femininas na luta operária, Ernestina Lesina em 1906
fundou a Associação de Costureiras de Saco, e no mesmo ano a comissão das costureiras
convocou as companheiras no intuito de lutarem pelo aumento do preço pago pela costura,
redução da jornada de trabalho e pela organização sindical, além de exporem as condições de
trabalho: 14 horas diárias de trabalho, sem saída para almoço.468

465
RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo:
Hucitec/ Editora da UNICAMP, 1988.
466
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Rio de janeiro: Paz e
Terra, 1997.
467
LOPREATO, Christina Roquette. O Espírito da Revolta: a greve geral anarquista de 1917. São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2000.
468
MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e poder: a trajetória e polêmica em torno das indústrias de sacaria
para o café (São Paulo - 1888-1934). Rio de Janeiro: Sete Letras, 1996. p.119-120.
148

Essas manifestações eram consideradas como explosões de tensões acumuladas no


universo do trabalho: elas não eram projetadas, eclodiam no momento de revolta profunda,
incontrolável. Entretanto, foram as primeiras e principais manifestações especificamente
femininas no quadro no movimento operário do Brasil. Observa-se que o movimento operário
não incorporou em suas lutas as especificidades que estavam submetidas suas mulheres, com
exceção das medidas ―protetoras‖ do trabalho feminino e em alguns casos de medida que o
eliminassem. Sendo assim, mesmo em suas formas mais sólidas de violência sexual, a
subordinação das mulheres não era uma questão levantada pelo próprio movimento operário.
Nas eventualidades em que o trabalho feminino era considerado, ele era tratado sempre como
uma ameaça, como se as mulheres, e não os capitalistas, fossem os inimigos, acusadas até de
―roubarem‖ os espaços do homem no mercado de trabalho.469

In Germania, in Inghilterra, nel Belgio, in Francia, in Italia e nella


America del Nord, il proletariato si é scosso dal sonno letargico che
per tanto tempo gli aveva fiaccato lo spirito ed addormentato il
pensiero. Si é scosso, ha lasciato le quinte e si é avanzato sul
palcoscenico della vita, domandando alla societá per la quale lavora,
non applausi, ma diritto all‘esistenza.
Né alle donne si é parlato invano, per quanto siano ancora le piú
restie. – In Italie, e specialmente nell‘Emilia, numerose sono le
organizzazioni femminili che hanno aderito alla lotta ingaggiata;
organizzazioni che hanno avuto i loro momenti di combattivitá, di
agitazione gravissime e che riportarono vittorie considerevoli. Cosi
pure in altri paesi, la donna, ha saputo dar prova di fortemente voler
lavorare per il migloramento delle proprie condizioni morali e
materiali creando associazione di resistenza in ogni ramo di lavoro,
associazioni che hanno assunto una importanza speciale per la loro
trasformazione in veri istituti educativi, nei quali la donna, dopo la sua
giornata di lavoro trova il mezzo di andare ad educare il suo pensiero,
ad istruirsi per la conquista di un avvenire migliere.470

Ernestina trouxe informações do que acontecia em outros países, para que servisse de
exemplo para as operárias no Brasil, indicando que através da organização, vitórias poderiam

469
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina na constituição do sistema
fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p.183-184.
470
LESINA, Ernestina. L‘ organizzazione della Donna operaia. O Chapeleiro. São Paulo, 1º de maio de 1904.
Tradução livre: ―Na Alemanha, Inglaterra, Bélgica, França, Itália e América do Norte o proletariado sacudiu-se
do sono letárgico que por muito tempo enfraqueceu-lhe o espírito e adormeceu-lhe o pensamento. Sacudiu-se,
deixou os bastidores e avançou para o palco da vida, exigindo da sociedade para que trabalha não os aplausos,
mas o direito de existir. Nem mesmo às mulheres a pregação foi vã, ainda que componham o grupo mais arredio.
Na Itália, especialmente na Emília Romagna, inúmeras organizações aderiram à luta engajada, organizações que
atravessavam momentos de combate, de gravíssimas agitações, e conquistaram vitórias dignas de menção. Em
outros países, a mulher soube igualmente dar provas de estar firmemente disposta a trabalhar pela melhoria de
suas condições morais e materiais, criando associações de resistência em qualquer ramo de trabalho, associações
que ganharam especial importância por terem-se transformado em verdadeiros instintos de educação nos quais a
mulher, terminado o trabalho diário, pode ir educar seu pensamento e instruir-se para conquistar um futuro
melhor.‖
149

ser melhor alcançadas. A autora utilizou da circularidade das informações para ampliar a
consciência das trabalhadoras e assim seguir os passos de outras organizações.

- Vedete, agli diceva loro, una verga sola la rompo anch‘io che sono
vecchio, un fascio di vergue non riesce nemmeno a piegarlo la vostra
forza giovanile. – Il ricordo sorti il suo effetto e le donne in gran parte
si organizzarono – conscie dei loro diritti – per rivendicare tutta la
schiavitú patita attraverso le pagine del passato.
- Lavoratrici, impariamo anche noi.471

E por fim, o artigo termina com um chamado para a união entre as trabalhadoras,
para a reflexão em relação ao passado, e assim buscar um futuro com condições de vida e de
trabalho dignas para as operárias através da organização, e assim alcançando novas
conquistas.

Sendo assim, os primeiros anos do século XX viram o surgimento de um novo tipo


de organização operária, as sociedades de resistência, criadas para exercer funções
eminentemente sindicais: lutar por melhores salários, pela diminuição da jornada de trabalho e
por condições de trabalho mais dignas. Ernestina Lesina colocou em questão a necessidade
das mulheres se organizarem para ampliar a participação feminina no movimento em geral, e
assim conquistarem seus direitos trabalhistas e sociais.472

Essas organizações diferenciavam-se das sociedades de socorros mútuos existentes


voltadas para o auxílio de seus associados em caso de desemprego, doença, invalidez, etc. Em
1906, o Primeiro Congresso Operário Brasileiro consolidou a concepção de que o movimento
operário devia adotar a nova forma organizativa.473 Como foi escrito por Ernestina Lesina em
―A voz do trabalhador‖, no dia 01 de fevereiro de 1913, no artigo intitulado ―A obra do 1º
Congresso ´O que fará o 2º – A todos cabe trabalhar por ele – A‘ obra, pois!‖:

Firmando nesta imensa terra os verdadeiros moldes da organização


operaria, provocou o 1º Congresso não somente a transformação
radical de numerozas e importantes organizações de varias
localidades, como a fundação de muitas outras com orientação
firmadamente nossa.

471
LESINA, Ernestina. L‘ organizzazione della Donna operaia. O Chapeleiro. São Paulo, 1º de maio de 1904.
Tradução livre: ―- Vejam – dizia-lhes –, uma vara só até eu, que sou velho, consigo quebrar; um feixe de varas
nem o vigor juvenil de vocês consegue dobrar. A Alemanha produziu afeito: grande parte das mulheres se
organizavam, conscientes de seus direitos, para reivindicar toda a escravidão sofrida ao longo das páginas do
passado. - Trabalhadoras, vamos aprender como elas.‖
472
BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX:
algumas reflexões em torno da formação da classe operária. Cadernos AEL. Arquivo Edgard Leuenroth -
Centro de Pesquisa e Documentação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas - UNICAMP, vol. 6, n. 10/11, 2010.
473
Ibidem.
150

Foi também desse Congresso, de onde surjiram a Confederação


Operárias Brazileira o A Voz do Trabalhador, que na primeira faze de
sua existência lamentavelmente interrompida, demonstraram
indelevelmente a importância extraordinária da sua missão no mar
revolto da refrega social.
O 1º Congresso Operário, com o seu trabalho pleno de acerto e
ponderação, é como que o nosso roteio no caminhar difícil da
caravana rubra que marcha penozamente mas cheia de vida e
esperança em busca do oasis bemdito onde viceja a arvore frondoza da
felicidade humana.
Executar as deliberações desse Congresso pondo em pratica todos os
seus conselhos magníficos, praticar ampla e criteriozamente os
problemas nele estudados – eis a nossa missão, a missão dos
sindicalistas do Brasil.
Mas para tal conseguir necessário se torna que, urjentemente, se
consiga a união dos militantes do nosso meio, o enfeixamento de todas
as nossas unidades ativas, coordenando os esforços que agora se
inutilizem no choque com o dezagregamento dominante.474

A autora manifestou a necessidade de união entre todos os militantes, ou seja,


também entre homens e mulheres, para que assim houvesse fortalecimento do movimento na
luta pelos objetivos operários. E em seguida, propôs as bases da organização do 2º Congresso
Operário Brasileiro, demonstrando a importância da circularidade de ideias dentro do
movimento e mais uma vez a união entre os operários.

Reunir em um mesmo ponto, com igual aspirações e dezejos de


rezultados práticos, todos esses elementos valiozos que por esta rejião
da America vivem a lutar pela cauza da emancipação proletária; fazer
com que se conheçam, se tornem amigos pessoais todos os que, já o
sendo em grande parte nos ideais, vivem no mais absoluto izolamento
de sul a norte do Brazil: provocar entre todos uma larga e amigável
troca de ideias, de modos de encarar e de encaminhar a propaganda;
saber dos sofrimentos dos nossos companheiros que definham por este
paiz além, nos escuzos recantos da terra, nos seringaes mortíferos,
pelas entradas, nas atmosferas empestadas dos ergástulos industriais;
assentar as relações entre os diferentes centros do paiz e o operariado
de outras rejioes; determinar os melhores meios de se enfrentar as
violências ultimamente num crescendo assustador contra nos
praticadas; tudo estudar, tudo procurar rezolves em favor da nossa
cauza – é essa a obra do 2º Congresso Operário.
Para preparal-o com atividade para o mais breve tempo possível
devemos todos nós não poupar esforços.
A quem cabe o trabalho da sua preparação? A quem incumbe ultimar
todo quanto, muito sendo, deve ser já e já levado a cabo para que ele
seja realizado e corresponda a espectativa jeral e aos interesses da
propaganda?
A todos e a cada um dos companheiros que estão metidos no
movimento operário.

474
LESINA, Ernestina. O 2° Congresso Operário Brasileiro. A voz do trabalhador. Rio de Janeiro, ano VI,
n.24, 1º de fevereiro de 1913.
151

Que todas as associações, grupos e companheiros se ponham


imediatamente em relação com a C.O.B. apontando inconvenientes,
aprezentando cada qual a sua opinião, lembrando detalhes de proveito
para eesse convenio que muita couza útil pode trazer, e ele será dentro
em pouco um fato.
A obra, pois, companheiros de todo o Brazil! A obra pela boa marcha
da nossa luta que nos arrancará deste maldito inferno humano e nos
dará a sociedade do homem livre sobre a Terra livre! 475

Portando, diante das transformações alçadas pelo nascimento da industrialização no


início do século XX, a vinda dos imigrantes para São Paulo, utilizados majoritariamente como
mão de obra, as ideias militantes que circulavam na população, a trajetória feminina no
operariado e no ambiente urbano, as péssimas condições de vida e trabalho que elas sofriam.
Ernestina Lesina, em seus escritos, teve sua ação de luta dirigida para as mulheres operárias,
possibilitou a reflexão acerca da necessidade de organização do operariado como forma de
combater e de lutar por uma vida digna, principalmente levando em consideração a questão
feminina, que era mais atingida tanto pela imagem da mulher sempre ter sido ligada a sua
natureza, quanto aos abusos e desigualdades que sofria no trabalho. Pois através da
organização poderia desta forma, alcançar os objetivos e fortalecer o operariado.

3.3 MULHER E EDUCAÇÃO: POSSIBILIDADES

Com o crescimento urbano, ruas e praças da cidade de São Paulo a presença do


feminino começou a se intensificar no cotidiano, despertando novos pensamentos e
representações sobre a mulher.476 Nas primeiras décadas da República mudanças lentas quanto
à educação da mulher e certas características foram perpetuadas, como seu baixo nível da
educação, defendidos em nome das necessidades culturais de preservação da família,
perdurando a visão católica afirmando as diferenças entre o homem e a mulher e mantendo a
supremacia masculina sobre o gênero feminino:477

O catolicismo conservador partia do suposto de que as leis divinas e


naturais teriam estabelecido as tarefas domésticas como domínio
próprio das mulheres e as atividades sociais e cívicas como domínio

475
LESINA, Ernestina. O 2° Congresso Operário Brasileiro. A voz do trabalhador. Rio de Janeiro, ano VI,
n.24, 1º de fevereiro de 1913.
476
SILVA, Michele; INÁCIO FILHO, Geraldo. Mulher e educação católica no Brasil (1889-1930): do lar para a
escola ou a escola do lar. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, UNICAMP, n. 15, set. 2004. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis15/art14_15.pdf>. Acesso em: 01/03/2013.
477
Ibidem.
152

masculino, com a preponderância das ultimas sobre as primeiras.


Assim, toda proposta de profissionalização feminina ou concessão de
direitos cívicos às mulheres era entendida como atentado às leis
criadas por Deus, um retrocesso à barbárie, o desmoronamento da
sociedade civil.478

Senso assim, a igreja não aceitava a ideia de profissionalização feminina porque


Deus e a natureza lhe teriam reservado os trabalhos domésticos, ou, no máximo, as tarefas
assistenciais. Entretanto, se as mulheres desejassem contrariar as leis divinas e naturais,
estariam desafiando Deus.479 A hierarquia do masculino e do feminino para a Igreja parecia de
ordem de uma natureza criada por Deus.480

A mulher é, numa palavra segundo a educação que se lhe proporciona!


Guardae um recem-nascido no escuro, impedir-lhe que veja a luz e
elle crescerá cego; exilae num ser humana no deserto, não lhe deixes
ouvir a voz do homem, e elle crescerá mudo.
Assim é a mulher; seus vicios são os vicios da sua educação, pois
todos sabemos que a educação, transformando o ser humano, cria-o
uma segunda vez.481

Ou seja, segundo o artigo escrito por Ernestina Lesina, a crítica remeteu-se à forma
de como a mulher era ―educada‖ pelo discurso hegemônico, destinada a ficar confinada ao lar
sem acesso à informação e à instrução.

O Estado e a Igreja determinaram os limites que se traçava para as mulheres,


segundo os quais a educação não poderia ultrapassar o espaço doméstico e educar uma
menina ou uma jovem era nela projetar seu futuro como esposa e mãe. Porém essa ideia
começou a ser questionada, já que a mulher tinha a missão maternal de educar filhos dos dois
sexos. Tal conceito, do ponto de vista religioso católico via na instrução feminina, por si só,
uma ameaça, pois o destino das filhas educadas deveria ser o de mães de família, desejo
compartilhado, inclusive, pelas próprias mulheres.482

Percebe-se a tensões entre os dogmas da Igreja e a modernização que a cidade de São


Paulo moldava-se, onde esse conflito ganhou expressão na representação da mulher. Se por
um lado a cidade sofria as mudanças da urbanização, por outro, a Igreja identificava a mulher

478
MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e educação feminina (1859-1919): uma face do conservadorismo. São
Paulo: UNESP, 1996. p.32.
479
Ibidem.
480
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
481
LESINA, Ernestina. Superstição da mulher. O Livre Pensador. São Paulo, n. 35, 12 de junho de 1904.
482
ALMEIDA, Jane Soares de. Co-educação ou classes mistas? Indícios para a historiografia escolar (São
Paulo–1870-1930). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, vol. 86, n. 213/214, 2005.
153

com a virgem Maria483, aquela que deveria ser submissa ao lar, pura e voltada exclusivamente
à criação de filhos, restrita à vida pública.484

E‘ supersticiosa a mulher?
A cada innovação de arte ou de sentimento que a sociedade traz aos
usos, e aos costumes modernos, a mulher assusta-se, recúa como uma
criança em face a uma luz repentina, fecha os olhos e grita com
accento de horror.
Demonstra com isso a mulher que quer ficar ligada ao seu passado? 485

Observa-se que Lesina questionou a nova sociedade repleta de transformações


culturais, mas que ao mesmo tempo não refletia o modo de como a mulher era absorvida
nesse cenário, ou seja, não era escolha da mulher ficar limitada ao lar, presa ao passado, mas
como a sociedade a via.

Desta forma, a profissionalização feminina e a sua ocupação no espaço público, e


participação na vida política, eram combatidos por serem considerados fatores de
desestabilização social e um atentado às pregações religiosas. As leis naturais tinham
determinado o lugar da mulher na vida privada e o dos homens na vida pública, no trabalho e
na política. Juntar dois seres com destinação diferente se constituía como um desrespeito às
leis divinas e da natureza. Subverter essa ordem seria, portanto, desobedecer a Deus, e uma
educação diferenciada para meninos e meninas, de acordo com a herança do passado, não
poderia ter seus princípios alterados, sendo fundamental para a estabilidade social que a
educação feminina fosse diferente da masculina.486

A mulher, geralmente, é supersticiosa, isso é verdade, mas não é, por


acaso, toda imbuida de supertição a educação que proporciona á
mulher? Da mulher do povo, cuja a primeira educação varia entre a
ignorância e a palavra interesseira do sacerdote, á mulher burgueza,

483
O culto a Maria, legado à veneração da mãe de Jesus na teologia e liturgia católica, era baseado em alguns
dogmas, dos quais caracterizaram Maria, e na pregação da igreja católica, acabou vinculando essas
características às mulheres: dogma da maternidade divina, para que Cristo Jesus, se tornasse logicamente viável,
haveria de ser imprescindível que Maria fosse divina tanto quanto o seu Filho. Através deste dogma, Cristo é
uma pessoa divina e Maria é sua mãe, ela tinha a missão divina de cuidar de Jesus. O dogma da perpétua
virgindade: Maria não apenas era virgem quando concebeu Jesus, mas permaneceu virgem após o nascimento
dele. O dogma da imaculada concepção, ou seja, sua concepção teria sido isenta do pecado original, isto é sem a
sua participação como ser moral livre. Deus ligou a liberação de Maria do pecado original não apenas com sua
dignidade como a mãe do Redentor, mas também com a posição de regente e imperatriz do universo. Cf.:
ROCHA, José Miranda. O culto a Maria: uma criação do papado. Parousia. São Paulo, Faculdade de Teologia
Adventista, 1º semestre de 2005. Disponível em: <http://circle.adventist.org/files/unaspress/parousia
2005015309.pdf>. Acesso em: 10/03/2013.
484
SILVA, Michele; INÁCIO FILHO, Geraldo. Mulher e educação católica no Brasil (1889-1930): do lar para
a escola ou a escola do lar. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, UNICAMP, n. 15, set. 2004. Disponível
em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis15/art14_15.pdf>. Acesso em: 01/03/2013.
485
LESINA, Ernestina. Superstição da mulher. O Livre Pensador. São Paulo, n. 35, 12 de junho de 1904.
486
ALMEIDA, Jane Soares de. Co-educação ou classes mistas? Indícios para a historiografia escolar (São
Paulo–1870-1930). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, vol. 86, n. 213/214, 2005.
154

cuja educação e cultura está confiada a pessôas imbuidas do


preconceito de ter de formar um ser privilegiado ou que viva fora da
sociedade em que o homem vive, fôra das lutas diarias da vida é todo
um trabalho intenso que, talvez, inconscientemente, se realiza não
para educar, mas para infundir na mulher a maior somma de
preconceitos; conscientes talvez de que os individuos como os sexos
tanto mais facilmente se dominam quanto menos têm o cerebro aberto
á verdade, quanto menos sabem encarar a realidade das coisas
julgando-as no seu verdadeiro valor, afora qualquer preconceito
errado.487

Sendo assim, segundo o escrito, o tipo de educação estabelecida como forma de


dominação da mulher deixou-a ―supersticiosa‖, tal educação formulada pela Igreja e pelo
Estado restringiu a mulher em seu espaço doméstico, impedindo-a de frequentar o espaço
público dos homens, para mais fácil controlá-las. Tal discurso educacional hegemônico
direcionava para a ideia de que as mulheres deveriam ser mais educadas do que instruídas,
entendendo-se por educação (ou talvez conformação) das mulheres restrita a determinados
princípios da ―missão‖ feminina.488

O início do século XX foi além da visão católica sobre a educação, palco do vínculo
entre a higiene e a educação pelo discurso médico.489 A representação da mulher formulada
pela Igreja era que ela continuasse enclausurada no espaço doméstico, permanecendo a
desigualdade de gênero. O feminino passou a ser a figura de elemento obstrutor do
desenvolvimento social, no entanto a sociedade não favorecia a realização e a busca pela
emancipação da mulher.490 O discurso higienista também contribuiu para a fixação dos
dogmas católicos, voltou-se, portanto, para a valorização do papel da mulher, representada
pela figura da ―guardiã do lar‖, conservando a visão de que a mulher em si, não representava
nada, de que devia esquecer deliberadamente de si, seus anseios e desejos, e realizar-se
através dos êxitos dos filhos e do marido.491

A mulher passou a ser vista como meio possível para o progresso, e como a
responsável em desenvolver a tarefa de sua existência: formar o homem. Visão esta que vinha

487
LESINA, Ernestina. Superstição da mulher. O Livre Pensador. São Paulo, n. 35, 12 de junho de 1904.
488
LOURO, Guacira Lopes. Uma leitura da história da educação sob a perspectiva do gênero. Projeto História.
Revista do Programa de Pós-Graduação de História da PUC-SP. São Paulo, n. 11, 1994.
489
SILVA, Michele; INÁCIO FILHO, Geraldo. Mulher e educação católica no Brasil (1889-1930): do lar para a
escola ou a escola do lar. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, UNICAMP, n. 15, set. 2004. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis15/art14_15.pdf>. Acesso em: 01/03/2013.
490
SAFFIOTI, H. I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1976.
491
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil - 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.90.
155

da crescente necessidade de ordenação do país, e o setor urbano. 492 Sendo assim, a educação
feminina na formação de gerações futuras era pensada como uma necessidade para se
estabelecer a justiça e organização social.493

As mulheres carecem tanto mais de instrução, por quanto são elas que
dão a primeira educação aos seus filhos. São elas que os fazem
homens bons e maus, são as origens das grandes desordens, como os
de grandes bens; os homens moldam a sua conduta aos sentimentos
delas.494

A educação tornou-se objeto de atenção, não era mais possível pela elite manter suas
filhas no mesmo grau de ignorância e isolamento diante da urbanização da sociedade
brasileira que abria aos poucos contato com a cultura e com a modernidade.495
Particularmente a educação feminina relacionou-se com o papel maternal, pois através dela
pretendia-se o aperfeiçoamento físico e moral da mulher, da mãe, da família e das futuras
gerações do país.496 Dessa forma, a luta pela educação feminina se expandiu envolvendo
diferentes agentes e tornando-se explicita na imprensa. (vide capítulo 2). Considerava-se
fundamental que as mulheres permanecessem à frente na educação das crianças em casa.497

Assim, dentro e fora do lar, caberia à mulher exercer uma influência


benéfica que contribuiria para a moralização da sociedade. Ela não
seria apenas a eterna educadora dos filhos, mas se tornaria a
responsável pela restauração da paz social, cumprindo o papel de
acalmar os ânimos dos homens, intoxicados pela excitação da
guerra.498

Porém, nem sempre a defesa do acesso e progressão das mulheres à educação formal
foi sustentada por razões emancipatórias para além da função doméstica/maternal. Na
passagem do século XIX para o XX, era encontrada a justificativa de que se devia investir na
educação da mulher porque ―mulheres educadas eram melhores mães‖. Portanto, a educação
feminina não deveria ficar limitada ao lar, mas atingir também a vida pública, no entanto

492
SILVA, Michele; INÁCIO FILHO, Geraldo. Mulher e educação católica no Brasil (1889-1930): do lar para a
escola ou a escola do lar. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, UNICAMP, n. 15, set. 2004. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis15/art14_15.pdf>. Acesso em: 01/03/2013.
493
SAFFIOTI, H. I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1976.
494
FELIPE, Jane. Governando os corpos femininos. Labrys. Estudos Feministas. Brasília, n. 4, 2003. p.5.
495
MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e educação feminina (1859-1919): uma face do conservadorismo. São
Paulo: UNESP, 1996.
496
MATOS, Maria Izilda Santos de; ALVES, Gisele. As mulheres: educação e progresso. Revista Mack. Arte.
São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, vol. 6, n. 34, 2005. p.149.
497
Idem; Idem. ―A nova mulher‖: educando as futuras mães (São Paulo 1850-1900). Caderno Espaço
Feminino. Uberlândia, Universidade Federal de Uberlândia, Núcleo de Estudos de Gênero, vol. 15, n. 18, 2006.
498
BENCOSTTA, Marcus Levy Albino. Mulher Virtuosa, Quem a Achará?: o discurso da Igreja acerca da
educação feminina e o IV congresso interamericano de educação católica (1951). Revista Brasileira de História
da Educação. Campinas: Sociedade Brasileira de História da Educação - SBHE, n. 2, jul./dez. 2001. p.121.
156

como garantia do bem-estar geral, sempre dentro dos planos da Igreja católica.499 À igreja
cabia cuidar do tempo eterno, destino natural da alma, que dependia da sua orientação, de sua
educação para cumprir esse plano divino.500

Educar as filhas não era mais um luxo desnecessário, o advento de uma sociedade em
contato com o mundo moderno, que caminhava para a urbanização, a consolidação da classe
social que se enriquecia na produção agrícola, mas que via no comércio e na indústria o futuro
bem próximo, demonstrava a necessidade da educação feminina.501

No entanto, percebe-se que nesse período, a educação informal, dada à mulher, tinha
o propósito de convencê-la do seu dever de participar da sociedade como alguém submissa ao
pai, ou ao marido, obedecendo-os e respeitando-os. Como também, conformá-la à imagem
hegemônica. Ela mesma seria incapaz de ter o domínio ou direção de sua própria vida. 502 Para
a mulher mantida em sua ―missão natural‖, a educação era inacessível mais ainda para as
mulheres populares.

E‘ fama, e em grande parte realidade que na mulher, particularmente,


se albergar a superstição.
- Es supersticioso como uma mulher – costumam dizer os homens
entre si, quando algum, ou por ser menos audaz, ou menos culto, a
risca tímidas objeções sobre algum facto.
E‘ este e conceito em que é tida a mulher, este ser considerado
communmente como o sedimento historico em que se tem fossilizado
todos os preconceitos.
E nem sempre se erra, assim considerado a mulher, pois si nós
observamos com attenção, esta opinião tem a sua razão de ser e nol-o
prova a mulher do povo que nunca pôde se educar, e instruir-se, como
a mulher pertencente á chamada classe rica e fornecida de alguma
cultura. A mulher, geralmente, é supersticiosa; frequentemente ella é
ridicularizada e pouco considerada pelo chamado ―sexo forte‖.503

Apesar das transformações que São Paulo atravessava no período de industrialização


e urbanização, a mentalidade católica se mantinha vinculada ao tradicionalismo, e educar as
jovens era prioritariamente ensinar- lhes as prendas domésticas, religião e sociabilidade. Os
demais conteúdos, embora necessários conforme as circunstâncias, eram priorizados os que se

499
BENCOSTTA, Marcus Levy Albino. Mulher Virtuosa, Quem a Achará?: o discurso da Igreja acerca da
educação feminina e o IV congresso interamericano de educação católica (1951). Revista Brasileira de História
da Educação. Campinas: Sociedade Brasileira de História da Educação - SBHE, n. 2, jul./dez. 2001. p.115-129.
500
MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e educação feminina (1859-1919): uma face do conservadorismo. São
Paulo: UNESP, 1996.
501
Ibidem.
502
SILVA, Michele; INÁCIO FILHO, Geraldo. Mulher e educação católica no Brasil (1889-1930): do lar para
a escola ou a escola do lar. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, UNICAMP, n. 15, set. 2004. Disponível
em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis15/art14_15.pdf>. Acesso em: 01/03/2013.
503
LESINA, Ernestina. Superstição da mulher. O Livre Pensador. São Paulo, n.35, 12 de junho de 1904.
157

relacionavam com a natureza feminina. Isso era válido para todas as camadas sociais, e
mesmo as filhas da elite, educadas por professoras estrangeiras ou em escolas particulares
católicas.504

O problema representado pela necessidade de educação das moças, já que elas seriam
as formadoras das futuras gerações, começou a se constituir em preocupações maiores. No
início do século XX, esse problema passou a ser uma preocupação da oligarquia paulista.505

Por essa razão não só a escola e a educação, mas todo conjunto social,
inclusive o próprio Estado, deveriam estar submetidos ―às suas
diretrizes‖. Respeitar a sua preeminência sobre a educação não seria
respeitar apenas o seu direito natural nessa esfera, mas respeitar,
acima de tudo o direito da sociedade brasileira, que se declarava
católica em sua totalidade.
Segundo a leitura católica, diante desse perigo iminente, o Estado
deveria repensar a sua política, em todos os níveis, e evitar que as
ideias liberais e, mais tarde, as leis republicanas, retirassem do povo
aquilo que pertencia por direito – a liberdade de ser educado para se
tornar um homem, conforme o plano divino, e não para ser um
simples cidadão, conforme o ideário-liberal – republicano.506

Diante desse panorama, a Igreja ensinava que a mulher deveria aceitar a natureza
dada por Deus, a imagem de pureza, submissão e o exercício das atividades naturais como,
cuidar da casa, do marido e dos filhos, bordar, costurar, etc. E, se a mulher contrariasse esta
natureza, ela seria considerada rebelde em relação aos princípios ―celestiais‖, portanto exposta
como contestadora de tais ensinamentos doutrinários. Percebe-se, desta maneira, que a Igreja
via a mulher com potencial para a maternidade.507

É de justiça reconhecer que nenhum esforço faz a sociedade para


induzir a mulher para aceitar as reformas modernas de arte ou de
sentimento e que ainda hoje, como no passado, se pretende, arrastal-a,
ensinar-lhe ainda uma vez a conjugar o verbo OBEDECER.
A mulher, embôra moldada ao meio em que uma educação errada e o
egoismo dos homens a têm encerrado, não estar satisfeita, e como
doente que não tem mais força para gritar, silenciosamente se debate.
Por isso tem medo, receia tudo o que é novo, e que não lhe é ensinado
mas que é autoritariamente se pretende que aceite.

504
ALMEIDA, Jane Soares de. Co-educação ou classes mistas? Indícios para a historiografia escolar (São
Paulo–1870-1930). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, vol. 86, n. 213/214, 2005.
505
MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e educação feminina (1859-1919): uma face do conservadorismo. São
Paulo: UNESP, 1996.
506
Ibidem. p.58-60.
507
SILVA, Michele; INÁCIO FILHO, Geraldo. Mulher e educação católica no Brasil (1889-1930): do lar para
a escola ou a escola do lar. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, UNICAMP, n. 15, set. 2004. Disponível
em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis15/art14_15.pdf>. Acesso em: 01/03/2013.
158

Por isso guarda as suas antigas superstições, por isso ainda a mamãe
diariamente ensina ao filho: ―Quem deixa a estrada antiga pela nova,
esta enganado‖.508

Ao invés de possibilitar a instrução à mulher, moldava-a para restringi-la ao seu


espaço, em obediência a tudo que a cercava, no entanto a mulher não encontrava meios de
como buscar seus anseios e desejos.

Estes discursos favoreciam a hegemonia da Igreja, em razão do insignificante


número de escolas públicas no país. No entanto, essas instituições não se distanciavam do
padrão já então colocado sobre a mulher e sua ―missão natural‖, visto que a educação
feminina era uma formação para o lar, estabelecendo uma relação mecânica entre diploma e
casamento. Essa era a proposta das filhas da elite quando ingressavam nas instituições
privadas.509

Enfim, as alunas que frequentavam essas escolas, absorviam um conjunto de normas


e preceitos educativos planejados pelo catolicismo, concretizando o projeto de formação de
um alicerce religioso, sobre o qual de reconstruir uma sociedade segundo os critérios e
propostas da Igreja conservadora: uma sociedade católica, ordeira, hierarquizada, moralizada,
tradicional, antiliberal, antifeminista.510

Assim, as contradições sociais, as mudanças políticas, os percalços


econômicos não eram percebidos como produto das contradições da
sociedade de classes, elevados ao extremo pelo capitalismo, mas como
provas de paciência e submissão aplicadas pelo Criador sobre a
criatura minúscula, ou a interveniência das forças do Mal, na sua
tentativa de aniquilamento das forças do Bem, inclusive no âmbito da
ação individual e pessoal.511

Nesse contexto, o discurso da igreja mantinha-se como uma palavra de conformismo


de resignação que apontava o futuro sobrenatural como ponto de chegada, depois de uma
trajetória terrena de sofrimentos e provações, visando que a população desfavorecida se
conformasse com a sua condição.512

A Igreja Católica propunha a criação de um sistema de internatos destinados às filhas


das oligarquias e da classe média que já se havia delineado no cenário. Esses colégios eram
508
LESINA, Ernestina. Superstição da mulher. O Livre Pensador. São Paulo, n. 35, 12 de junho de 1904.
509
SILVA, Michele; INÁCIO FILHO, Geraldo. Mulher e educação católica no Brasil (1889-1930): do lar para
a escola ou a escola do lar. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, UNICAMP, n. 15, set. 2004. Disponível
em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis15/art14_15.pdf>. Acesso em: 01/03/2013.
510
MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e educação feminina (1859-1919): uma face do conservadorismo. São
Paulo: UNESP, 1996.
511
Ibidem. p.54.
512
Ibidem.
159

uma proposta educativa que não contrariava as ideias tradicionais; assegurando às famílias
que desejavam que as filhas estudassem em bons colégios, permitindo a instrução religiosa,
preparando-as para o matrimônio e para a manutenção dos valores cristãos tradicionais,
buscando assim, a ordem social vigente sem colocar riscos sociais.513

No caso feminino, a educação possibilitaria que repousasse em mãos


adequadas o destino dos futuros homens que se incumbiriam dessa
tarefa nacionalista. Ao mesmo tempo, se entendia que uma escola
normatizada, veiculadora de uma instrução corretamente destinada ao
sexo feminino e fornecida por uma instituição de mérito, não
ofereceria muitos riscos de desviar as jovens e as meninas da sua
verdadeira vocação, representada pelo casamento e maternidade. As
mulheres educadas continuariam a cuidar da casa e dos filhos, e a
hegemonia masculina não sofreria ameaças consistentes.514

Na Primeira República tornou a educação objeto de atenção, a luta de algumas


mulheres contribuiu para criar um novo discurso pelo seu reconhecimento. 515 Como Ernestina
Lesina mostrou em seu artigo:

Ensinemos pelo contrario á mulher que a estrada antiga vae a pouco e


pouco desembaraçando-se de todos os empecilhos que um dia
tornavam dificil e penoso o caminho, e que nessa estrada livre poderá
ella tambem pôr os pés e andar sem perigos.
Ella que tem sentimento gentil, obedecer-nos-á como cégo agradeceria
ao medico que conseguisse tolher-lhe da pupilla a catarata que o
condemna á escuridão eterna.516

Sendo assim, Ernestina Lesina defendeu outra forma de educar a mulher, diferente
do que se encontrava em vigor, pretendia difundir o caráter político da educação, querendo
colocar a mulher não mais a serviço da manutenção de uma ordem social, mas sim de sua
transformação, denunciando as injustiças e desmascarando os sistemas de dominação,
despertando a consciência das mulheres. A mulher, livrando-se da ignorância, poderia, como
mãe, melhor educar seus filhos e assim alcançar a emancipação visada.

A educação foi o alicerce das pautas de reivindicação do movimento feminista desse


período e, apesar do desejo de maior liberdade e acesso à educação, as mulheres ainda

513
ALMEIDA, Jane Soares de. Co-educação ou classes mistas? Indícios para a historiografia escolar (São
Paulo–1870-1930). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, vol. 86, n. 213/214, 2005.
514
Idem. As lutas femininas por educação, igualdade e cidadania. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
Brasília, vol. 81, n. 197, 2000. p.8.
515
SILVA, Michele; INÁCIO FILHO, Geraldo. Mulher e educação católica no Brasil (1889-1930): do lar para a
escola ou a escola do lar. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, UNICAMP, n. 15, set. 2004. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis15/art14_15.pdf>. Acesso em: 01/03/2013.
516
O Livre Pensador. São Paulo, n.35, 12 de junho de 1904.
160

continuavam atreladas ao princípio que lhes colocava a maternidade como suprema aspiração
e missão natural.517

As feministas consideravam que somente através da conscientização,


proporcionada pelo conhecimento da opressão e dominação a que
eram submetidas, poderiam organizar-se, resistir e lutar para
escaparem do jugo masculino e das regras sociais injustas. Essa
conscientização era, pois, um avanço significativo se compararmos
com o silêncio e rigor das épocas anteriores, em que raras mulheres
conseguiam romper as barreiras impostas ao seu sexo, sendo
marginalizadas e ridicularizadas quando se expunham no espaço
público e pretendiam se fazer ouvir.518

O século que se iniciava exigia um novo tipo de mulher que se opunha aos padrões
vigentes da mulher ―inculta/ignorante‖. Como a mulher educada, era o esteio da família e o
alicerce do sucesso da pátria e formadora dos futuros cidadãos. Nessa linha de pensamento, a
mulher educada não abandonaria a sagrada ―missão‖ a ela destinada como mãe e esposa, e
que o excesso de instrução interferiria na sua saúde e capacidade reprodutiva, os defensores
destes novos preceitos declaravam que a instrução da mulher só traria benefícios para a
sociedade.519

Ernestina Lesina visava pelo caminho da educação e instrução à possível saída para
romper com os sistemas de controle de gênero. Por meio da educação ampliariam a
consciência social e alcançariam a liberdade, os direitos sociais e políticos.520

Cresceu a escolarização para as mulheres, embora houvesse ainda uma certa


resistência quanto a seguir carreiras profissionais, abrindo-se a possibilidade de exercerem o
magistério, uma profissão que rapidamente se feminizava. Isso concedia às jovens um pouco
mais de liberdade e autonomia, embora fossem ainda controladas. 521 Até a década de 30, o
magistério na época foi uma das únicas profissões femininas consideradas respeitáveis como
forma institucionalizada de emprego para a mulher de classe média.522

O educar deixava de ser visto como uma profissão para se tornar um


ato de delegação divina, colocado como ‗alta‘ e ‗importantíssima
missão‘, envolvendo: trabalho árduo, dedicação cotidiana e difíceis

517
ALMEIDA, Jane Soares de. Co-educação ou classes mistas? Indícios para a historiografia escolar (São
Paulo–1870-1930). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, vol. 86, n. 213/214, 2005.
518
Idem. As lutas femininas por educação, igualdade e cidadania. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
Brasília, vol. 81, n. 197, 2000. p.6.
519
SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do século XX no Brasil. Autores Associados, 2004.
520
ALMEIDA, op. cit., 2000, p.5-13.
521
Ibidem. p.5-13.
522
BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha; AMADO, Tina. Estudos sobre mulher e educação: algumas questões
sobre o magistério. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, Fundação Carlos Chagas, n. 64, 1988. p.4-13.
161

situações. Assim, a escolha pelo magistério era colocada como


especifica não podendo ser comparada a de outras profissões.
Apregoava-se que o profissional reconhecesse que estava optando por
uma entrega a causa nobre, e desta maneira, deveria se abster das
preocupações salariais.523

Para Ernestina, a educação era colocada como ponto de partida para a superação de
preconceitos e para emancipação de todos os seres, sendo assim, uma mulher educada não
seria mais considerada inferior e poderia lutar pela construção de uma nova sociedade.524

Como as classes dominadoras procuram conservar ignorantes o


trabalhador, assim se procede com a mulher, continuando consideral-a
tal qual no passado e ainda hoje se faz, - um ser abstracto da vida e
que della tenha que viver affastada.525

Mostrou também que a mulher não educada era considerada ―presa‖ fácil da
exploração das elites e da Igreja, pois mantendo no caso, os trabalhadores e as mulheres
afastadas da educação, assim eles não reconheceriam os males da sociedade e não lutariam
contra eles, conformando-se com a situação desigual vigente. 526

Assim como em Anima e Vita, e em outros jornais operários, Ernestina propagou o


anticlericalismo, apresentando sua crítica à Igreja e ao clero, atingindo-os em relação à
corrupção, à ganância e aos vícios, mostrando suas contradições527, mas foi além, revelou
outras propostas para a educação:

O padre corrupto, assim como aquelle (e são poucos) de sentimentos


bons e de espirito honestamente educado, não é sinâo o effeito de uma
causa, e se é bom procurar, de qualquer forma, eliminar este effeito
constatado prejudicial, é ainda melhor trabalhar para que a causa
desapareça.
Qual é, então, a causa do effeito padre? Toda uma educação que a
sciencia e o progresso nos revelaram errada, que não correspondem á
verdade. Com este grande erro foram educados os homens do passado;
para tornar conhecido este grande erro, ainda hoje explorado por
intrigantes, têm de trabalhar todos aquelles que sinceramente almejam
dar uma melhor educação aos homens do futuro.528

523
MATOS, Maria Izilda Santos de; ALVES, Gisele. ―A nova mulher‖: educando as futuras mães (São Paulo
1850-1900). Caderno Espaço Feminino. Uberlândia, Universidade Federal de Uberlândia, Núcleo de Estudos
de Gênero, vol. 15, n. 18, 2006.
524
PRACCHIA, Lygia. Os libertários e os caminhos da emancipação feminina. Projeto História. Revista do
Programa de Pós-Graduação de História da PUC-SP. São Paulo, n. 11, 1994.
525
O Livre Pensador. São Paulo, n. 35, 12 de junho de 1904.
526
MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e educação feminina (1859-1919): uma face do conservadorismo. São
Paulo: UNESP, 1996.
527
MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações. Tese
(Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.
528
LESINA, Ernestina. O ensino leigo. O Livre Pensador. São Paulo, n. 39, 10 de julho de 1904.
162

Desse modo, ela criticou o padre por exaltar a santidade e a imortalidade da alma e
menosprezar a ciência529, alertando que a forma do ensino religioso considerado como
―verdade‖ pela Igreja, deveria ser substituído por outro, para assim alcançar através de outra
educação o futuro almejado. Sendo assim, ao longo do escrito Ernestina expôs sua proposta
de educação, e de que forma seria alcançada, atentando para o embate entre o ensino religioso
e o ensino leigo:

Muitas vezes contra o ensino leigo e seus propugnadores lançaram


anathemas os adversarios catholicos, particularmente os militantes.
E‘ honesto confessal-o. Os adversarios catholicos nem sempre erram,
assim ajuizando, não porque tenham razão, mas sómente porque para
combater oensino religioso, justamente considerado como empecilho á
educação moderna, os partidarios do ensino leigo nem sempre
recorreram aos melhores meios para fazel-o triumphar.530

O ensino religioso era considerado por Ernestina como um obstáculo à educação. O


modelo de teoria do conhecimento estipulado pela Igreja era baseado no princípio de que
Deus era o centro de qualquer forma de sabedoria que o homem pudesse alcançar, buscando o
verdadeiro saber, estaria salvando sua alma. No entanto, qualquer conhecimento que não
tivesse por base a crença de Deus era considerado falso, portanto perigo para a fé e para alma
humana, e o caminho a ser percorrido pela inteligência humana não deveria passar pela
Ciência nem mesmo pela investigação científica da natureza.531

Com poucas excepções, estudiosos e scientistas, para combater o


ensino religioso, recorreram quase sempre ao facto pessoal, antes que
ao principio que se pretendia combater.532

Como pode ser observado no jornal A Lanterna, o qual o objetivo anticlerical era
combater o clero a partir do que se considerava como suas incoerências e contradições
praticadas no dia a dia, enaltecendo a vida de vícios, luxúria e ganância. As representações
feitas eram apoiadas em ofensas cômicas, evidenciando as contradições entre o modo de vida
dos padres, ou da Igreja, e as tradições religiosas pregadas, no intuito de inspirar no leitor o
desprezo pelos mesmos.533 Ernestina, mostrou que esse tipo de crítica anticlerical vigente não
era suficiente para combater o sistema de educação hegemônico.

529
MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações. Tese
(Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.
530
LESINA, Ernestina. O ensino leigo. O Livre Pensador. São Paulo, n. 39, 10 de julho de 1904.
531
MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e educação feminina (1859-1919): uma face do conservadorismo. São
Paulo: UNESP, 1996. p.37.
532
LESINA, op. cit., 10 de julho de 1904.
533
MARTINS, op. cit., 2006.
163

Homens e jornaes collectivamente combatteram o padre, mestre de


deturpação moral, revelando os escandalos e os vicios por elle
praticados dentro das paredes do convento ou do seminário. Foi bem
feito, sem duvida, como é sempre bom denunciar o tratante, qualquer
que seja a casta ou classe a que pertença; mas para combater um
principio considerado prejudicial a todo um systema de educação san,
este não é o melhor modo, como demonstra o effeito conseguido antes
foi, ás vezes, simplesmente negativo e tambem contrario.534

Desta forma, a pensadora socialista com outros argumentos demonstrou que a


estratégia utilizada até pelas correntes libertárias não convenciam através das denuncias
pessoais feitas aos padres e à Igreja o leitor das propostas anticlericais. Era preciso além de
denunciar propor uma nova forma de educar.

Os militantes acreditavam que a educação deveria ser vigorada pelo ―princípio de


liberdade‖, sendo assim, por meio do discurso pedagógico, Ernestina reforçava que não
bastava apenas a educação oferecida nas escolas, mas também aquela dita informal, como
forma de instruir os trabalhadores, e no caso, as mulheres. Deveria ser realizada pelo conjunto
social e daí a ação cultural, os esforços de alfabetização e educação dos trabalhadores, nos
sindicatos e nas associações operarias.535

Não basta educar, é preciso instruir, o systema de educação religiosa


que, baseado no dogma, embóra pretenda não combater a sciencia
(contrasenso evidente) quer todavia considerar o dogma como ultima
aspiração da vida humana, afoitando o espirito dos nossos filhos da
vida real de cada dia, para lançal-lo á força num meio artificial em
pleno contraste com a sciencia positiva hodierna.
Temol-o dito, tornamos a affirmal-o a isntrucção religiosa é baseado
no dogma, e nós, que não somos dogmaticos, não devemos crer, mas
raciocinar.536

Contrária ao ensino tradicional, pela religião, autoritário e dogmático, Ernestina


Lesina abordou sobre o ensino racional, leigo/laico, no qual a cultura deveria ser
democratizada e o seu acesso facilitado e adaptado às camadas desfavorecidas da população,
como os trabalhadores e principalmente as mulheres. Sendo assim, a educação racionalista
pretendia favorecer as tendências positivas da criança, descobrindo as múltiplas relações que a
cercava. Essa educação537 pretendia ser completa como meio de superar a alienação do

534
LESINA, Ernestina. O ensino leigo. O Livre Pensador. São Paulo, n. 39, 10 de julho de 1904.
535
GALLO, Silvio. O Paradigma Anarquista em Educação. Nuances: Estudos sobre Educação. Presidente
Prudente (SP), Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia e do
Departamento de Educação - UNESP, n. 2, 1996.
536
LESINA, op. cit., 10 de julho de 1904.
537
Também se vinculou com as propostas da Escola Moderna baseada nos ensinamentos de Francisco Ferrer,
propunha o desenvolvimento integral do homem com foco também na educação informal, criando variadas
estratégias de intervenção pedagógica nos diferentes espaços sociais. Com a proposta de levar o trabalhador à
164

indivíduo, eliminando as barreiras que opunham o trabalho manual e o intelectual, permitindo


a realização da igualdade538, e harmonia de todas as potencialidades humanas. Assim, a
mulher que era marginalizada, submetida ao sistema fabril, às vontades dos patrões, aos
contramestres, aos ritmos das máquinas e aos próprios operários, poderia por meio da
educação emancipar-se, aprendendo a autogovernar-se e a fazer valer seus próprios desejos e
anseios.539

Raciocinar sempre; este deve ser o trabalho constante do cerebro


humano em condições normaes. Moldar, então, a mente da criança ao
dogma e, depois de adulto, jogal-o na vida onde tudo contrasta com o
que lhe foi ensinado, é um verdadeiro crime moral e intellectual que
se pratica em prejuizo das gerações vindouras, e as collectividades
futuras não devem ser absolutamente formadas irresponsaveis, aos
quaes, quando a lei humana aplica seus rigores contra seus crimes,
uma lei divina ensina que os homens movem-se por uma vontade
superior ou de espiritos indolentes que, em vez de labutar para a
eliminação dos males sociais, sujeitam-se ao mal, é mesma injustiça,
porque deus assim quer.540

Ernestina Lesina em seu discurso militante, com o intuito de contribuir com a


instrução da população, em especial da mulher operária, ela criticou o tipo de educação
estabelecida pela Igreja, propondo uma nova educação, no caminho de ampliar a consciência
da mulher e de todos, por meio da instrução e do raciocínio das crianças, e assim gerar uma
nova sociedade. Estabeleceu-se contrária à educação conformista religiosa, em prol do
desenvolvimento da consciência crítica das crianças e das mulheres, enfim, da população.
Assim, pregou por um ensino livre da opressão religiosa, que fosse transformador da
sociedade, baseado no ensino leigo, aliado à liberdade de consciência, fundado sobre a
autonomia individual, garantindo a igualdade entre gênero, possibilitando a liberdade de

consciência de classe, organizaram-se várias bibliotecas populares, centros de estudos e de cultura social, grupos
de teatro e variados jornais – mensais, semanários, diários, revistas. Cf.: MORAES, Carmen Sylvia Vidigal;
CALSAVARA, Tatiana; MARTINS, Ana Paula. O ensino libertário e a relação entre trabalho e educação:
algumas reflexões. Educação e Pesquisa. São Paulo, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
mai. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/2012nahead/aop638.pdf>. Acesso em: 12/03/2013.
538
Ibidem.
539
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil - 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.153.
540
LESINA, Ernestina. O ensino leigo. O Livre Pensador. São Paulo, n. 39, 10 de julho de 1904.
165

pensamento dos indivíduos.541 Portanto, para Ernestina a educação deveria ser baseada na
forma racional e científica, longe das concepções religiosas.542

Estas gerações vindouras devem, pelo contrario, ser formadas de


homens modernamente educados e preparados para a explicação da
vida pratica e bem endireitada que lhes dê sempre força de assumir a
responsabilidade de suas acções.
E negar-se-á a este resultado eliminando do ensino que prepara e
amolda os cerebros humanos para as lutas do futuro, o ―credo quia
absurdum‖, o ensino dogmatico e religioso.543

Mais uma vez, Ernestina atentou-se para atacar o ensino dogmático/religioso, em


prol da educação baseada no raciocínio, a educação defendida por ela como forma de discurso
pedagógico no intuito de instruir era a que deveria ser alcançada. Sendo assim, a mudança da
sociedade não viria dos preceitos religiosos, dependia do esforço pessoal de cada indivíduo no
sentido de sua auto-emancipação e aí cabia o papel fundamental da educação enquanto
formadora das crianças, futuro da nação, e assim, da nova sociedade.544

O que se pode esperar da educação tradicional, senão que constitua


indivíduos padronizados, dóceis e profundamente autoritários? É para
isso que serve a escola burguesa: para fazer as pessoas aceitarem
cegamente as normas estabelecidas, para incutir valores sociais e
morais da classe dominante, para produzir e reproduzir indivíduos
concebidos à sua imagem.545

Diante das transformações culturais vigentes, a nova mulher deveria ser capaz de
andar sobre as próprias pernas, ter liberdade para ocupar espaços novos e desconhecidos. Mas
nada disso era possível com um tipo de educação que exigia obediência e submissão: aos pais,
aos mestres, aos chefes, aos governantes, aos preconceitos, a qualquer outra imposição. E que
cobrava alto preço aos que se recusassem e preferissem escolher um caminho próprio.546

Sendo assim, na concepção de Ernestina, a formação da mulher se chocava com o


modelo elitista de educação, de que os castigos e a repressão eram instrumentos necessários e

541
DOMINGOS, Marília De Franceschi Neto. Ensino Religioso e Estado Laico: uma lição de tolerância.
REVER - Revista de Estudos da Religião. São Paulo, Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião,
PUC/SP, mai. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/2012nahead/aop638.pdf>. Acesso em:
10/03/2013.
542
MENEZES NETO, Antonio Julio de. Mariátegui e a fé na educação socialista. Anais do V Encontro
Brasileiro de Educação e Marxismo - Marxismo, Educação e Emancipação Humana. Florianópolis, UFSC,
abr. 2011. Disponível em: <http://www.5ebem.ufsc.br/trabalhos/eixo_05/e05a_t004.pdf>. Acesso em: 10/03/
2013.
543
LESINA, Ernestina. O ensino leigo. O Livre Pensador. São Paulo, n. 39, 10 de julho de 1904.
544
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil - 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.155.
545
LESINA, op. cit., 10 de julho de 1904.
546
RAGO, op. cit., p.148.
166

fundamentais para a formação do caráter. Na representação elitista, a criança se assemelhava a


um selvagem em que prevaleciam os instintos que por natureza, eram ‖perigosos‖,
―maléficos‖ e que deviam ser domesticados.547

A vida moderna, com todos os seus inventos e reformas no campo de


arte e da sciencia, que diariamente concorrem a rejuvesnecer a vida
mesma, é um poderoso obreiro, é o mais forte collaborador dos que
abarcam a tarefa de eliminar um erro julgado prejudicial á
collectividade humana, ainda mais quando este erro baseia-se num
dogma absoluto, intransigente como é o dogma religioso.548

Sendo assim, Ernestina alertou sobre uma educação baseada na liberdade, na


expressão no pensar da criança. Esta metodologia seguia os princípios da igualdade entre os
sexos, em prol do ensino racional, antiautoritário e integral. A ênfase no raciocínio tinha por
objetivo, segundo o que preconizava, os métodos dogmáticos da teologia deveriam ser
substituídos pelo método racional indicado pelas ciências naturais.549

E o erro constatado elimina-se não passando atravez da alma humana


como uma tempestade que atravessando uma floresta tudo arranca e
destróe, mas educando com paciencia, sabiamente, conforme o antigo
mas sempre eloquente rifão: gutta cavat lapidem.
Nos mesmos banquinhos da escola, onde um principio puramente
ideal e dogmatico infundiu durante tantos annos na mente humana
uma concepção errada; hoje que o livre pensamento emana em todas
as manifestações da vida do homem; hoje que a sociedade toda
combate para a conquista da verdade; hoje, pois, que a sciencia e a
natureza se nos revelam diariamente e auxiliam os homens na afanosa
e nobre procura da verdade, acostuma-se a criança a conhecer de perto
e directamente o que se lhes ensina e que tem de formar o seu
patrimonio intellectual.550

O tipo de educação criticada por ela, dogmático, tinha como intuito garantir a ordem,
as crianças não poderiam se agitar nem causar turbulências. Elas eram ensinadas a respeitar, a
temer, a submeter-se aos ―superiores‖, horários e regulamentos.551 Isso também valia para as
mulheres.

A coisa é menos diffcil do que se pretende pelos adversarios, pois o


ensino que não sómente desperta abstractamente a fantasia da criança,

547
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil - 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.148.
548
LESINA, Ernestina. O ensino leigo. O Livre Pensador. São Paulo, n. 39, 10 de julho de 1904.
549
Se tal posicionamento se fez necessário na época, em face da contestação ao ensino dogmático, nem por isso
pode-se deixar de reconhecer o ―caráter positivista‖. KASSICK, Clovis Nicanor. Pedagogia libertária na história
da educação brasileira. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, UNICAMP, n. 32, dez. 2008. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/32/art09_32.pdf>. Acesso em: 12/03/2013.
550
LESINA, op. cit., 10 de julho de 1904.
551
RAGO, op. cit., p.153.
167

mas aprende com a observação dos factos, torna-se para o pequeno


alumno mais facil e menos pesado.
A sombra preta da sotaina, sem pisal-o, desapparecerá deante da
escola dos factos, pois na immensidão do espaço, não por vontade
magica, mas pelas leis da natureza que a sciencia tirou do mysterio,
com os outros astros, evoluciona sem parar tambem e o sol destinado,
não a offender a vista do ignorante que, sem preparo, quer miral-o,
mas a alluminar os homens no caminho já emprehendido da
civilização e da sabedoria.552

Desta forma, ao contrário da concepção dogmática de educação que Ernestina tratou,


a pensadora acreditava que com a educação da criança deveria buscar formar pessoas críticas,
livres para desenvolver a espontaneidade criadora. Observava-se que a criança possuía
aptidões naturais positivas que as práticas pedagógicas deveriam possibilitar e ajudar a
desenvolvê-las, sendo assim, ela propunha que a forma de educar deveria respeitar a
personalidade infantil e não reprimi-la através de uma educação autoritária553.

Sendo assim, as propostas propagadas por Ernestina pelos seus escritos, buscavam
através do discurso pedagógico desenvolver o espírito crítico das mulheres operárias,
permitindo instruí-las. Contestou os parâmetros tradicionais de educação, e por meio da
circularidade de suas ideias, visou fornecer instrumentos para que as trabalhadoras pudessem
avaliar suas condições sociais e assim criarem alternativas de luta em busca da emancipação,
de seus direitos e de uma vida melhor.554

552
LESINA, Ernestina. O ensino leigo. O Livre Pensador. São Paulo, n. 39, 10 de julho de 1904.
553
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil - 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985. p.149.
554
KASSICK, Neiva Beron; KASSICK, Clovis Nicanor. A Contribuição do Pensamento Pedagógico Libertário
para a História da Educação Brasileira. In: SOARES, Donizete (Org.). Anarquismo e Pedagogia libertária. s/d.
Disponível em: <http://api.ning.com/files/diT4Vgl4qXp*xIQwryZR1oZ2TjadZNcBx-3kNKeTNGyoNhaJgai3
NnTKmb9DdRVRoP7cDWKP7G5EKMivQUeSQhKzcGDgWiGs/Anarquia_e_pedagogia_ibertaria.pdf>.
Acesso em: 12/03/2013.
168

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refazer os passos da trajetória empreendida por Ernestina Lesina, através de seus


escritos e à frente do Anima e Vita, é recuperar o painel de tensões e lutas contínuas em prol
da afirmação da mulher operária numa São Paulo do início do século XX, que se urbanizava
rapidamente e reproduzia mudanças no cotidiano feminino.

Com uma visão notavelmente clara e abrangente, soube Ernestina Lesina


problematizar a questão feminina e estendê-la a temas pouco discutidos em sua época.
Contrária ao discurso hegemônico, a socialista buscou atingir o âmago dos problemas
femininos e constatou que urgiam mudanças sociais e comportamentais, dispondo-se
corajosamente e pedagogicamente a fomentar pela imprensa.

Foi intento deste estudo levantar suspeita sobre a invisibilidade feminina no espaço
público e, em busca de subsídios que demonstrassem a falácia de tal ausência, recorreu-se a
caminhos menos trilhados555, fazendo confluir história e gênero, história e biografia, história e
imprensa, redefinindo e ampliando noções tradicionais do significado histórico, expandindo,
por consequência, as visões do passado, uma vez que os segredos a desvendar estão à espera
do historiador que traga à luz evidências e documentos ainda inexplorados ou
desconhecidos.556

A inspiradora deste trabalho acreditava visceralmente no valor das mulheres,


defendia-as intransigentemente e devotou sua militância no esforço de as conscientizar para se
emanciparem. A missão que traçou, a favor da condição feminina, pela melhoria de situação
de vida das operárias, tendo dirigido um jornal contestador do status quo que lhes impunha
submissão, é prova da atuação de luta dessas mesmas mulheres.

Para dar contexto cronológico ao tema escolhido, remontou-se ao início da imigração


italiana no Brasil, aos deslocamentos e à disseminação do ideário político de que estavam
imbuídos muitos desses imigrantes, mola propulsora das lutas operárias no solo paulista.
Periódicos de reivindicação e de contestação, prontos a denunciar e reagir contra os abusos
patronais foram propulsados por esses imigrantes. Em contraste com esse tipo de jornalismo,
apresentaram-se exemplos da imprensa feminina dita tradicional. Sendo assim, atentou-se

555
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
556
MATOS, Maria Izilda Santos de. Por uma História da Mulher. São Paulo: EDUSC, 2000.
169

para a iniciativa de criar uma imprensa feminista, cujo público-alvo fossem as operárias e que
tratasse de assuntos acerca da emancipação da mulher na sociedade. Assim nasceu o Anima e
Vita, cuja proposta era mostrar às suas leitoras que cabia a elas próprias questionar a ―missão‖
que a sociedade lhes impunha; que os direitos almejados cabiam a elas lutarem. Sendo esse o
fim a alcançar, eram recorrentes os artigos que discutiam o casamento como contrato de
interesses, a influência nefasta do clero e da Igreja sobre a ideia de liberdade feminina, o
sentido de amor livre, os riscos do alcoolismo à saúde e à dignidade do trabalhador.

Acompanhar a trajetória do discurso da ativista voltado às operárias foi o objetivo


que perpassou todo este estudo, mas que está longe de ver-se completado, pois tamanhas são
as possibilidades que se vislumbram para aprofundar as temáticas que envolvem a mulher –
maternidade/família, carreira/trabalho, educação/emancipação.

Passado mais de um século do desaparecimento de Ernestina Lesina e do Anima e


Vita, persistem, entretanto, a modernidade de sua mensagem e a razão de ser de sua luta, visto
que – a despeito do muito que se avançam em direção do reconhecimento da causa feminina –
continua sendo imensa a batalha para extinguir sejam os preconceitos morais, ou seja seu
papel secundário na sociedade.

Talvez os melhores frutos do estudo que aqui se encerra tenham a colher-se no


futuro, dados os múltiplos desdobramentos que os temas privilegiados ainda possibilitam.
Cumpre, por isso, prosseguir no percurso da atividade de Ernestina Lesina na Itália e no Brasil
e impõe consultas, entre outros centros, à Fundação Giangiacomo Feltrinelli (Milão –
Itália)557, o que permitiria levantar informações sobre o ambiente político pelo qual transitava,
uma vez que quase todos os colaboradores do Anima e Vita participavam ativamente do
movimento político e cultural de oposição na Itália.

557
A Fundação Giangiacomo Feltrinelli é um dos principais centros europeus de documentação e pesquisa nas
disciplinas de história e ciência política, econômica e social, com especial atenção para os movimentos
democráticos nacionais e internacionais. A biblioteca e o arquivo são especializados na história das ideias
políticas, sociais e econômicas a partir do século XVI e incluem coleções de periódicos, monografias,
documentos exclusivos e arquivos. Cf.: FUNDAÇÃO GIANGIACOMO FELTRINELLI. Disponível em:
<http://www.fondazionefeltrinelli.it/feltrinelli-cms/>. Acesso em: 13/03/2013.
170

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O Amigo do Povo. São Paulo, ano II, n. 62, 17 de setembro de 1904.

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