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Nos últimos anos, têm sido editados diversos estudos sobre as Invasões
Francesas na região norte do distrito de Leiria, bem como em zonas de con-
fluência com esse território, particularmente em relação às freguesias que
compõem a diocese de Coimbra.1
Pela natureza das próprias fontes, contam-se em maior número os estu-
dos na vertente militar, diplomática e sociopolítica, sendo ainda diminutos os
estudos acerca dos impactos materiais e humanos. Os sofrimentos impostos
às populações têm sido menos estudados, mas não deixaram de merecer a
atenção de alguns historiadores, de que são exemplo os contributos trazidos
por Mário Rui Rodrigues2, Joaquim Eusébio3 ou recentemente por Manuel
Augusto Dias4. Contudo, uma coisa é o estado do conhecimento destes im-
pactos, tal como a historiografia o situa, outra, bem diversa, por vezes, é a
realidade que lhe está subjacente e que permanece desconhecida nas es-
* Investigador
1
Sobre este ponto, veja-se, por exemplo, o que sucedeu em terras como Leiria nos estudos de
AZEVEDO, Ricardo Charters d’, As destruições provocadas pelas Invasões Francesas em Leiria,
CEPAE/Folheto, Leiria, 2009; FERNANDES, Carlos, Invasões Francesas. Leiria, 5 de Março de 1811:
O incêndio da cidade – 200 anos, Organização, selecção de textos e notas introdutórias de Carlos
Fernandes, Textiverso, 2011; ESTRELA, Jorge, Leiria no tempo das invasões francesas, Gradiva,
Lisboa, 2009. Observe-se, ainda, os estudos relativos à região de Coimbra, Lousã e Pombal: SECO,
Ana Filipa Rodrigues, O combate de Foz de Arouce (1811): evocação histórica, Coimbra: Faculdade
de Letras, 2009 (Relatório de Mestrado policopiado). LOPES, Maria Antónia, “Sofrimentos das popu-
lações na terceira invasão francesa. De Gouveia a Pombal, O Exército Português e as Comemora-
ções dos 200 Anos da Guerra Peninsular, Exército Português/Tribuna da História, Lisboa/Parede,
2011, vol. III, pp. 299-323.
2
RODRIGUES, Mário Rui Simões, “Alvaiázere nas Invasões Francesas”, Viagens pela História de
Alvaiázere, Câmara Municipal de Alvaiázere, 2006, pp. 367-418.
3
EUSÉBIO, Joaquim, “As invasões Francesas”, Pombal – 8 Séculos de História, Câmara Municipal
de Pombal, 1997, pp. 154-164.
4
DIAS, Manuel Augusto, “O impacto das invasões napoleónicas no norte do distrito de Leiria”, Cader-
nos de Estudos Leirienses-1, Editor: FERNANDES, Carlos,Textiverso, Maio – 2014.
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Esta freguesia foi assolada pelas mãos do inimigo das mais diversas
formas, tendo os franceses morto 15 paroquianos, 12 homens e três mulhe-
res, e queimado, aquando da retirada, “as casas do capitam mór do destricto
em que derão de prejuizo, pelo pouco, dez mil cruzados.”
Por toda a paróquia ocorreram saques e se arruinaram edifícios religiosos,
tendo a soldadesca napoleónica destruído e saqueado particularmente a igreja
matriz onde roubaram parte dos ornatos e paramentos, nomeadamente três
pontificais, duas capas, uma umbela, cortinados, pálio, entre outras coisas. To-
davia, “salvarão se porem os vazos sagrados, e mais prata da igreja.”
Algumas capelas desta freguesia foram tratadas do mesmo modo, sen-
do que, na capela de S. Pedro, “ofenderão a imagem do dito santo, e destrui-
rão huã casula com sua respectiva alva, amicto, e cordão, sendo a casula de
damasco de lam ja uzada bastantemente, e arruinarão parte do retábulo; e
quebrarão a pedra de ara. Na capela de S. Simão da mesma freguesia fizerão
hum igual estrago, com algua offensa tão bem da imagem.”
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seda do seu altar, seu valor vinte e oito mil, e oitocentos: huã banqueta nova
de estanho, seu valor vinte e dois mil réis: huã umbella, seu valor, quinze mil
réis: as cortinas da boca do sacrario, seu valor, seis mil, e quatrocentos réis:
hum frontal mais rico para as solemnidades, seu valor, dezanove mil e du-
zentos réis.” Levaram também um paramento em tela de ouro, com casula,
dalmática, véu de ombros, bolsa e véu do cálice, capa de asperges e pálio
que “tudo havia custado, há quatro annos, hum conto de réis, e o estrago, que
sofreo, não se repara com seiscentos mil réis”, tendo ainda queimado uma
eça com baetas e galões, uma tumba e um esquife.
Só em 1816, a Irmandade do Santíssimo de Figueiró dos Vinhos manda-
ria efetuar o conserto de alguns paramentos, registando-se nas respetivas
despesas que se: “Dispendeo em Lisboa com o terno e palio rico com o con-
certo da destruição que lhe fizerão os Franceses, trezentos e secenta e seis
mil, quatrocentos e secenta e dois réis” (IRMANDADE, 1798-1817: 84).
Nos limites desta vila e no que respeita à Irmandade da Capela de Nossa
Senhora dos Remédios, os invasores roubaram “huã coroa, e resplendor de
prata, que tudo tinha de pezo hum marco, seu valor, cinco mil, e seiscentos réis;
huns brincos, e adereço da ditta Senhora que pezava dez outavos, seu valor,
quatorze mil réis; huã lampada de prata, que pezava nove marcos, seu valor,
quarenta mil, e quatrocentos reis: hum caliz de prata, que pezava dois marcos,
seu valor, onze mil, e duzentos.” Roubaram ainda paramentarias diversas, no-
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Pedrógão Grande
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tes e cera, cuja perda se não recupera com oitocentos mil réis.” Na Misericór-
dia “fizerão cavallarice, quebrarão grades, queimarão caixois, estragarão os
paramentos; muitos habitos, e tumba com hum pano de veludo; queimarão
portas, arruinarão telhados, e roubarao outras couzas que se não recupera
tudo com quinhentos mil réis.” Junto à vila e na capela do Calvário “queima-
rão duas ricas imagens do Senhor dos Paços, a quem levarão tão bem o
resplendor, e da Senhora das Dores, arrancarão os braços de hum crucifixo,
e queimarão o altar e parte da tribuna: prejuizo de quinhentos mil réis.” Igual
destino teve a de S. Sebastião onde “quebrarão a imagem e queimarão a
porta; e na da Senhora dos Milagres queimarão tudo ficando só as paredes.”5
Castanheira de Pera
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Para além dos roubos e saques que a impetuosidade dos franceses cau-
sou nos edifícios religiosos, há que acentuar que todas as freguesias sofreram
elevados prejuízos, sendo que, citamos uma vez mais a informação paroquial
que vimos seguindo e que se resume no quadro que apresentamos a seguir:
foi mandada erigir pelo Capitão Julião Pereira de Castro, tendo sido obtida licença em Maio de 1778
e solicitada permissão para se celebrar missa em Novembro de 1794 (CABIDO, 1794: 1-58).
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Freguesia Extrato dos danos causados pelos invasores (INVASÕES, 1811, doc. 21)
Arbitrase prudentemente que o inimigo roubou nesta freguesia mil settecentos, e cincoenta
alqueires de trigo: de milho seis mil alqueires: de sevada quatrocentos alqueires: de rabeira
cem moios: de feijois mil alqueires: e trezentos alqueires de favas e legumes: duzentos
Chão de
almudes de vinho: de azeite mil, e duzentos alqueires. Em carnes de porco salgada
Couce
quatrocentas arrobas: porcos vivos quatrocentas cabeças: gado miudo de lam e cabelo
secenta e hum moios: dezanove juntas de bois, e vacas: duas bestas maiores, e doze
menores
Milho, trigo, e sevada cento, e vinte moios: de legumes cinco moios: de vinho duzentos
almudes: de azeite novecentos alqueires: em carnes de porco quatrocentas, e vinte e cinco
Aguda arrobas: em porcos vivos duzentos, e oitenta cabeças: em gado miudo de lam, e cabelo,
seis mil, oitocentas e noventa, e oito cabeças: juntas de bois dexaseis: e tres bestas
maiores, e quarenta, e cinco menores.
Dois mil, oitocentos alqueires de milho: quatrocentos, e cincoenta alqueires de trigo: cento
e secenta alqueires de cevada: noventa alqueires de legumes, e grãos de toda a qualidade
Avelar cento e quarenta alqueires de azeite: duzentos e cincoenta almudes de vinho: duas mil
cabeças de gado miúdo: vinte bois: vinte e tres cavalgaduras menores e huã maior: de
carne de porco trezentas arrobas; e oitocentas galinhas.
Quatorze juntas de bois tirou o inimigo desta freguesia, que arbitra cada huã em settenta, e
dois mill réis: doze bestas em quarenta mil réis cada huã: duzentas e cincoenta porcos
vivos em cinco mil réis cada hum: em gado de lam, e cabelo cinco mil, e quinhentas
cabeças, a mil réis; e quinhentas galinhas, a quinhentos réis. Doze mil alqueires de milho,
preço actual de mil, e quinhentos réis: quinhentos alqueires de feijão, preço actual mil, e
Figueiró dos
oitocentos réis: duzentos de trigo, preço de dois mil réis: duzentos ditos de senteio, preço
Vinhos
mil, e quinhentos réis. Cem ditos de sevada, preço de mil réis. Carnes de porco furtarão
duas mil arrobas, preço de tres mil, e duzentos; mil alqueires de azeite, preço de dois mil, e
quatro digo de mel vinte alqueires; preço de dois mil, e quatrocentos; e trezentas colmeias
destruídas, preço de mil réis: quatrocentos alqueires de azeite, preço de dois mil, e
quinhentos: Seiscentos almudes de vinho, preço de dois mil réis.
Roubarão o seguinte: cinco mil trezentos e dezassete alqueires de pam: seiscentos
almudes de vinho: duzentos e quarenta, e cinco porcos: mil novecentos e trinta, e duas
Vila Facaia
cabeças de gado miúdo: duzentas e secenta e tres arrobas de carne de porco: oito
cavalgaduras, e treze juntas de bois de trabalho.
Nesta freguesia arbitra-se, que o inimigo roubara de milho quarenta moios; e dois de
senteio: trinta alqueires de trigo: tres moios de feijão: secenta almudes de vinho, e trinta
Graça alqueires de azeite: de gado miúdo secenta moios: de porcos vivos tres moios, e em carne
ja morta seiscentas arrobas: de castanha cinco moios, e mais trezentas e vinte colmeias; e
seiscentas galinhas e peruns
Quatro juntas de bois: hum macho, e tres bestas menores: settecentos porcos: mil cabeças
de gado miudo. Em fruitos levou igualmente mil, e oitocentos alqueires de milho: cento, e
Pedrógão cincoenta alqueires de senteio: de trigo cento e vinte alqueires: feijão cincoenta alqueires:
Grande azeite duzentos alqueires, vinho quinhentos almudes, e quinze de agoa ardente. Alem de
muita azeitona, que estragarão, que ser preta produziria de azeite mil, e duzentos
alqueires.
Julga-se haver o Inimigo levado desta freguesia, dois mil trezentos, e quarenta e seis
alqueires de pam, e grãos de toda a qualidade, quatrocentoas e secenta, e nove arrobas
Castanheira
de carne de porco: duzentos, e cinco almudes de vinho: secenta e cinco alqueires de
de Pera
azeite: duas mil settecentas, e novanta, e seis cabeças de gado miúdo: trinta e quatro de
gado vacúm: treze cavalgaduras, e cento e vinte e tres porcos.
Foi esta freguesia a que menos padeceo em todo o Arciprestado, pois que de estragos, e
hostilidades sofreo só o seguinte: De gado miudo levarão duzentas e oitenta cabeças,
Coentral
vacúm nove, bestas huã, porcos dez; pam cento, e vinte alqueires, vinho vinte e oito
almudes, carne de porco setenta arrobas.
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Para além dos relatórios de 1811, que antes se referiram e citaram, hou-
ve lugar à redação de outras notícias descritivas sobre os efeitos nefastos
das invasões francesas nesta região. Datam de 1812, na verdade, alguns
outros testemunhos dos párocos coligidos e remetidos à “Junta de Socorro
da Subscrição Britânica, pelo Reverendo Provisor Governador do mesmo
Bispado”, dando origem à “Breve Memória feita na diocese de Coimbra”. Tes-
temunha este documento que: “Nos templos, nada escapou ao roubo e ao
estrago (…) o santuário foi convertido em cavalariça, degoladouro de animais
e em lupanares; quase todos os templos ficaram desguarnecidos do seu or-
namento, queimados os altares e o soalho; de outros só restaram as pare-
des, e a muitos não ficou pedra sobre pedra.” Esta Memória relata as mais
cruéis e bárbaras atrocidades cometidas pelo inimigo nesta região, das quais
apenas registamos: “Na Freguezia de Figueiró dos Vinhos esburgárão a car-
ne dos ossos a hum velho, desde a barba até ao peito, e a outro sangrárão-no
como se fôra hum porco. (MEMÓRIA, 1812:1-12).
Depois da retirada dos franceses havia que fazer regressar a população
foragida às suas casas, às suas terras. Todavia, praticamente tudo havia
sido destruído, roubado, inutilizado, sendo necessário refazer a vida adminis-
trativa das freguesias, reconstruir estradas, caminhos, edifícios, casas; reto-
mar a vida agrícola, voltando a cultivar os campos, para os quais havia ne-
cessidade de sementes, alfaias agrícolas e gado; socorrer a população do-
ente e empobrecida, entre feridos, órfãos, viúvas, mendigos, etc. Tudo care-
cia de avultadas quantias de dinheiro que o Reino não dispunha, mas para
cujo auxílio o governo inglês se dispôs a contribuir com 100.000 libras, para
além do socorro que, entretanto, viria do Brasil, do então príncipe regente D.
João e de alguns particulares mais abastados que contribuíram com donativos
e promovendo algumas subscrições públicas.8
Fontes e Bibliografia
Fontes Manuscritas
Arquivo da Universidade de Coimbra, Invasões Francesas
– Documentos organizado pelo Coronel Belisário Pimenta, doc. 21.
8
Conservam-se no Arquivo da Universidade de Coimbra algumas centenas de petições de vítimas
suplicando auxílio, mormente em Invasões Francesas, “Subsidio britânico: requerimentos para
donativos”, docs. 241-901.
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Fontes impressas
– Discurso que o Doutor Dionysio Miguel Leitão Coutinho Freire Conventual da Ordem de Christo,
Prior da Igreja de Alvaiazere, Bispado de Coimbra Fez aos seus Freguezes na Estação da Missa
conventual do dia 24 de Julho de 1808; o qual Discurso foi depois annotado pelo mesmo Prior,
Lisboa, Na Officina de João Evangelista Garcez, 1808.
– Relação do destroço, que tem soffrido os Francezes na sua retirada e do combate de Pombal e
Cabaços, Lisboa, Impressão Régia, 1811.
– Breve Memória dos Estragos Causados no Bispado de Coimbra pelo Exército Francês, Comandado
pelo General Massena, Extraída das Informações que Deram os Reverendo Párocos, Lisboa,
Impressão Régia, 1812.
Bibliografia
– AZEVEDO, Ricardo Charters d’, As destruições provocadas pelas Invasões Francesas em Leiria,
CEPAE/Folheto, Leiria, 2009.
– CRISTÓVÃO, Fernando, “A Igreja portuguesa e as Invasões Francesas: uma crise na crise”, Revista
Lusófona de Ciências das Religiões, Ano VII, 2008, n.º 13/14.
– DIAS, Manuel Augusto, “O impacto das invasões napoleónicas no norte do distrito de Leiria”,
Cadernos de Estudos Leirienses, Editor: FERNANDES, Carlos,Textiverso, Maio – 2014.
– ESTRELA, Jorge, Leiria no tempo das invasões francesas, Gradiva, Lisboa, 2009.
– EUSÉBIO, Joaquim, Pombal – 8 Séculos de História, Câmara Municipal de Pombal, 1997.
– FERNANDES, Carlos, Invasões Francesas. Leiria, 5 de Março de 1811: O incêndio da cidade – 200
anos, Organização, selecção de textos e notas introductórias de Carlos Fernandes, Textiverso,
2011.
– LOPES, Maria Antónia, “Sofrimentos das populações na terceira invasão francesa. De Gouveia a
Pombal, O Exército Português e as Comemorações dos 200 Anos da Guerra Peninsular, Exército
Português/Tribuna da História, Lisboa/Parede, 2011, vol. III, pp. 299-323.
– RODRIGUES, Mário Rui Simões, Viagens pela História de Alvaiázere, Câmara Municipal de
Alvaiázere, 2006.
– SECO, Ana Filipa Rodrigues, O combate de Foz de Arouce (1811): evocação histórica. Coimbra:
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