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encontra receptividade. Assim como Valentim, simboliza o sertão: valente, intrépido, altivo...

A Bagaceira, de José Américo de Almeida


TEMÁTICA: A bagaceira, publicada em 1928, é a obra introdutora do romance regionalista no RESUMO
país. A colisão dos meios pronunciava-se no contato das migrações periódicas. Os sertanejos eram
O tempo é entre 1898 e 1915, os dois períodos de seca. Tangidos pelo sol implacável,
mal-vistos nos brejos. E o nome de brejeiro cruelmente pejorativo.
Valentim Pereira, sua filha Soledade e o afilhado Pirunga abandonam a fazenda do Bondó, na zona
O enredo do romance trata das questões do êxodo, os horrores gerados pela seca, além da do sertão. Vão para as regiões dos engenhos, no rejo, onde encontram acolhida no engenho
visão brutal e autoritária do senhor de engenho, representando a velha oligarquia. A Bagaceira tem Marzagão, de propriedade de Dagoberto Marçau, cuja mulher falecera por ocasião do nascimento
intenção crítica social, descambando, às vezes, para o panfletário, para o enfático e demagógico. do único filho, Lúcio.
Para o autor, o romance procura confrontar, em termos de relações humanas e de contrastes sociais,
o homem do sertão e o homem do brejo (dos engenhos). Aproximando o sertanejo do brejeiro, na Passando as férias no engenho, Lúcio conhece Soledade por quem se apaixona de forma
paisagem nordestina, José Américo de Almeida condiciona os elementos dramáticos aos ciclos romântica, sem uma aproximação física mais envolvente. A moça, desacostumada, ou melhor,
periódicos da seca, os quais delimitam a própria existência do sertanejo. desconhecedora de cortesias burguesas não entende os ímpetos românticos do jovem.
Lúcio retorna à academia e quando retorna em férias para a companhia do pai, toma
Sob iluminação diferente, são postos em confronto, em A Bagaceira, os nordestinos do brejo
e os do sertão. Brejeiros e sertanejos, submissão e liberdade, eram examinados com uma visão conhecimento de que Valentim Pereira se encontra preso por ter assassinado o feitor Manuel Broca,
realista, se bem que, no registro das virtudes sertanejas possa notar-se, vez por outra, certo suposto sedutor e amante de Soledade.
favorecimento (não intencional). Lúcio, já advogado, resolve defender Valentim e informa ao pai de sua intenção de casar-se
O título desse romance denomina o local em que se juntam, no engenho, os bagaços da cana. com Soledade. Dagoberto não aceita a decisão do filho. E então tudo é esclarecido: Soledade é
Figuradamente, pode indicar um objeto sem importância, ou ainda, "gente miserável". Todos esses prima de Lúcio, e Dagoberto foi quem realmente a seduziu.
significados se podem mobilizar no entendimento de A Bagaceira, romance de ardor e violência, Pirunga, tomando conhecimento dos fatos, comunica ao padrinho (Valentim) e este lhe pede,
desavenças familiares, flagelações da seca. sob juramento, velar pelo senhor do engenho (Dagoberto), até que ele possa executar o seu "dever":
matar o verdadeiro sedutor de sua filha. Em seguida, Soledade e Dagoberto, acompanhados por
Pirunga, deixam o engenho e se dirigem para a fazenda do Bondó. Lúcio, decepcionado, sentindo-se
PERSONAGENS CENTRAIS duplamente traído, volta à capital.
Dagoberto Marçau - Proprietário do engenho Marzagão, simboliza a prepotência, contrapondo-se A vida de Soledade e Dagoberto corre normal. No entanto, um dia, cavalgando pelos
à fraqueza dos trabalhadores da bagaceira. Considera-se "dono " da justiça e seu código é simples: tabuleiros da fazenda, Pirunga provoca a morte do senhor do engenho Marzagão, por considerar que
"O que está na terra é da terra". Se ele é o senhor da terra, tudo que nela dá é da terra (ou seja, dele talvez o padrinho não conseguisse sair da cadeia a tempo de lavar a honra da sertaneja que havia
próprio). "Se ele é o senhor da terra, tudo que nela se encontra lhe pertence, até os próprios homens sido maculada.
que trabalham no engenho. Assim pensa e assim age. Seduz Soledade, vendo na sertaneja
semelhança com sua falecida mulher. Com a morte de Dagoberto, Lúcio retorna ao engenho e agora, senhor de todas aquelasa
terras, resolve aplicar suas ideias de cooperativa ali. O rapaz casa-se com uma moça da cidade.
Lúcio - Humano, idealista, sonhador, apaixona-se por Soledade, com quem mantém um romance Quanto à Soledade, depois da morte de Dagoberto, desaparece pelo sertão.
puro. Não compartilha as ideias de seu pai, Dagoberto Marçau, para quem "hoje em dia não se
guarda mais na cabeça: só se deve guardar nas algibeiras. "Acreditava que se podia desmontar a Em 1915, por outro período de seca, uma leva de retirantes aproxima-se do engenho
estrutura anacrônica do engenho. Marzagão. Entre os retirantes está Soledade, já com a beleza destruída pelo tempo. Ela procura
Lúcio para lhe entregar o filho de 12 anos, fruto do seu amor com Dagoberto.
Soledade - Filha de Valentim Pereira, representa a beleza agreste do sertão. Aos olhos de Lúcio, a
sertaneja. "não correspondia pela harmonia dos caracteres às exigências do seu sentimento do tipo Ao final do romance o autor faz uma reflexão acerca do sentimento de Lúcio por Soledade:
humano. Mas, não sabia por que, achava-lhe um sainete novo na feminilidade indefinível. As linhas “Ela acercou-se da grande touça amável. E mulher vê tudo. A inscrição estava meio
físicas não seriam tão puras. Mas o todo picante tinha o sabor esquisito que se requintava em certa desfeita pelo atrito das astes:
desproporção dos contornos e, notadamente, no centro petulante dos olhos originais."... "Era o tipo EDADE CIO
modelar de uma raça selecionada , sem mescla, na mais sadia consangüinidade."A presença da
sertaneja no engenho colocará uma barreira ainda maior entre Dagoberto e Lúcio. Por Soledade Tinham desaparecido as primeiras silabas. Só as últimas permaneceram, com um sentido
Valentim se torna assassino e Pirunga causa a morte do senhor de engenho. diverso, indiscretamente, numa denúncia significativa.
Valentim Pereira - Representa o sertão: destemido, arrojado e altivo. Como bom sertanejo pune Era o passado que revivia na expressão mais suspeita desses dois nomes próprios comidos
pela honra de uma mulher, mata o feitor Manuel Broca, apontado como sedutor de sua filha. Mas pelo tempo que, ironicamente, deixara de preservar as letras iniciais SOL LU.”
a "ideia fixa da honra sertaneja" vai além: a cicatriz que lhe marcava o rosto era resultado de uma
briga mortal com um amigo, que desonrara uma moça, neta de um "velhinho", de quem o tempo
quebrara as forças. O diálogo entre Valentim e Brandão de Batalaia (assim se chamava o Dessa forma o autor quis dizer que Soledade e Lúcio viveram apenas uma paixão
"velhinho") é bem ilustrativo: "Que é que vossamecê manda? Ele respondeu que só queria era adolescente, que se desfez com o tempo.
morrer. Eu ajuntei: E por que não quer matar?..."
Pirunga - Afilhado de Valentim Pereira, a quem tributa lealdade. Ama Soledade, mas seu amor não
ANÁLISE ESTÉTICA DA OBRA
O relato abre o ciclo do romance de 1930, entre outras razões por sua força de denúncia dos
horrores gerados pela seca.
É digno de nota o prefácio que vale tanto ou mais do que próprio texto narrativo. Destaque
para o espanto do escritor face às mazelas: "Há uma miséria maior do que morrer de fome no
deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã."
Na narrativa há um choque de três visões que correspondem a três processos sócio-culturais
distintos:

1) Visão rústica dos sertanejos, com seu sentido ético arcaico.


2) Visão brutal e autoritária do senhor de engenho, representando a velha oligarquia.
3) Visão civilizada (moderna, urbana) de Lúcio, traduzindo um novo comportamento de fundo
burguês e que logo seria autorizado pela Revolução de 30.
É digno de nota o projeto modernizador do personagem Lúcio ao assumir o comando do
engenho: alfabetização dos filhos dos trabalhadores, melhores condições de habitação, etc. Ou seja,
aquilo que Getúlio Vargas proporia nos anos seguintes como alternativa para o país.
O livro apresenta uma mistura de linguagem tradicional - dominada por um tom
desagradavelmente sentencioso - com um gosto modernista por elipses e imagens soltas, e ainda
pelo uso de algumas expressões coloquiais ou regionais. Na obra a linguagem do narrador faz
esforço para não se afastar em demasia da dos personagens, dialetal, folclórica.

Fora sua notável importância histórica, A bagaceira é um romance frustrado por causa do excesso
de análise sociológica. É como se a ânsia do autor em tudo explicar, destruísse todo e qualquer
efeito sugestivo da narrativa.

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