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RESUMO
O presente artigo trata do tempo certo para o trabalho, quando este se torna algo que se soma ao
processo educativo, essencial para a formação ética e econômica do ser humano, analisando as
consequências maléficas da inserção dos menores no trabalho pela sobrevivência antes do tempo adequado,
destacando-se a extenuação prematura das forças físicas, o adoecimento precoce, a perda de afetividade e a
perpetuação do ciclo da pobreza. Para tais análises, recorreu-se a dados estatísticos da educação, do trabalho
infantil e da aprendizagem profissional, objetivando subsidiar os poderes públicos e as instituições sociais
com insumos necessários para o melhor aproveitamento das crianças e dos adolescentes do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho precoce. Tempo do trabalho. Pobreza. Educação. Aprendizado.
Introdução
Criança pobre
de pé no chão.
Suja, rasgada, despenteada.
Desmazelada.
Criada à toa, de roldão.
Cria de casebre,
enxerto de galpão.
(Cora Coralina, Meu livro de cordel)
Há o tempo de tudo, diz o Eclesiastes, e tudo só é perfeito no seu tempo. O fruto colhido
antes do tempo não amadurece ou não terá sabor. A pesca durante o período do defeso vai acabar
com os peixes.
Hesíodo, poeta grego do século VIII a.C., legou-nos a obra Trabalhos e Dias, em que ele
orienta para que se observe a estação certa de cada lavoura e de cada colheita, para um bom
rendimento do trabalho. Tudo é passageiro do tempo e a natureza dita o tudo de cada tempo e o
tempo de cada tudo. Diz o ditado popular que tudo tem o seu tempo e a sua hora.
Essas colocações são abstratas, servindo para todos os ângulos do viver. Há a idade de
brincar e se educar e a idade de trabalhar, bem como a de parar de laborar. Cada idade com suas
habilidades.
SÊNECA (2011, p. 33) adverte que o trabalho é necessário, “não rejeitar o trabalho é pouco;
deves buscá-lo”. Contudo, no tempo e com qualificação:
1LIMA, Francisco Meton Marques de. Desembargador do TRT-22, Gestor Regional do Programa Incentivo à Aprendizagem e
Combate ao Trabalho Infantil. Professor Titular da UFPI. Escritor. Coordenador de Grupos de Pesquisa. LIMA, Scarlett Maria
Araújo Marques de. Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Orientanda no Grupo de Pesquisa A Nova Ordem
Social que se Instala no Brasil após as Reformas Trabalhista e Previdenciária.
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O que é, pois, bom? A ciência das coisas. O que é mau? A ignorância acerca das
coisas. Aquele que é prudente e realizador rejeita ou escolhe todas as coisas no
tempo adequado.
Pois bem. Cada idade do indivíduo com suas competências. Cada fase da vida tem que ser
vivida na idade adequada. Uma não serve para a outra. Criança não faz bem atividade própria de
adulto. Nem o lazer de cada idade é igual. Atividade própria de criança não se compraz com a idade
Adulta. Uma não deve ir além do seu tempo; e a outra não volta mais. O tempo que a criatura
perdeu de ser criança está perdido para sempre.
O trabalho precoce extenua as forças físicas, compõe o adubo para o adoecimento
profissional, interrompe a educação formal, bloqueia a afetuosidade do indivíduo, além da
perpetuação do ciclo da pobreza, que é o mais grave.
Por outro lado, o Brasil patina no atraso da educação, sem condições de competir com seus
concorrentes asiáticos e latino americanos, nunca teve economia tão aquecida que proporcionasse
pleno emprego, de modo a exigir a mão de obra infantil. Ao contrário, as estatísticas ostentam
índices alarmantes de desemprego, com milhões de adultos na ociosidade, longe, portanto, de
justificar a colocação das crianças no trabalho e os adultos na ociosidade.
Outrossim, empregou-se neste artigo o método de pesquisa bibliográfica e nos documentos
oficiais disponíveis na web, objetivando subsidiar o poder público e as instituições sociais com
insumos necessários ao melhor aproveitamento das crianças e dos adolescentes do Brasil.
2 Idade biológica e psíquica
O tempo é inexorável: traz e leva, forma e deforma. O ser é tempo corporificado pelo
período que o próprio tempo arbitra.
Como todo ser vivo, o ser humano também tem o seu desenvolvimento biológico
programado pela natureza, com as habilidades próprias de cada idade. Mas diferencia-se dos
irracionais pelo crescimento espiritual adquirido mediante a educação, cuja assimilação ocorre
também por faixas etárias.
Antes dos quatorze anos de idade, o ser humano está em formação física. Nas meninas o
estirão vai dos oito aos treze anos; nos meninos, dos nove aos quatorze. Antes desse estirão, estão
em regular crescimento2. O trabalho físico prejudica o desenvolvimento ósseo e muscular nesses
momentos, atrofiando irreversivelmente o desenvolvimento biológico do indivíduo, extenuando-lhe
2 No caso dos meninos, o estirão se inicia mais tarde, entre os 9 e 14 anos de idade”, explica Danielle Andreoni, endocrinologista do
Hospital Israelita Albert Einstein (SP). Além do salto na estatura, outros sinais caracterizam essa fase. O primeiro deles é o
crescimento dos órgãos genitais (testículos e pênis). Em seguida, começam a surgir pelos no púbis e nas axilas. Por último, a voz
torna-se mais grossa. Além disso, os meninos tendem a ganhar mais massa muscular do que as meninas por influência do hormônio
testosterona. Cada etapa do estirão, de acordo com a especialista, dura em torno de nove meses e, no total, o processo termina após
quatro anos. Mas vale lembrar que cada criança tem um ritmo, o que é influenciado por aspectos ambientais e genéticos. Disponível
em 25/07/2019: https://revistacrescer.globo.com/Mae-de-meninos/noticia/2014/03/quando-e-como-acontece-o-estirao-dos-
meninos.html
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precocemente as forças e a saúde. A propósito, transcreve-se a seguinte observação que faz a Dra.
Flávia Amanda Costa Barbosa:
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cardíacas, musculares, epidérmicas. Antes de completo o ciclo biológico, o indivíduo é mais
vulnerável a acidentes, por motivos vários: a criança não possui visão lateral igual à do adulto, o
equilíbrio motor para atividades mecânicas é incompleto (vejam como uma criança martela um
prego, maneja um serrote, opera uma máquina), não tem ideia de perigo nem noção de
consequências, tanto assim é que os acidentes de trabalho vão diminuindo com o avançar da idade.
Além do quê, não se fabricam utensílios de trabalho adequados para o tamanho das crianças
e adolescentes, tendo eles que utilizar os equipamentos dos adultos, inadequados à sua anatomia e
ergonomia, o que virá a provocar doenças do trabalho, que, se não aparecerem precocemente,
aparecerão no futuro. Por sua vez, também não se fabricam equipamentos de proteção para os
tamanhos das crianças e adolescentes, entregando-os à sorte dos riscos de acidentes de trabalho.
Se a criança operária chegar à fase adulta sem lesões físicas visíveis, certamente levá-las-á
incubadamente. Terá deixado de aprender a brincar e a descobrir a dimensão humana pela
convivência com os seus iguais de idade, pela troca de experiências e compartilhamento dos sonhos
próprios de sua faixa, com sério prejuízo à sua afetuosidade. No mínimo um adulto frustrado,
ostensiva ou veladamente, mal humorado.
O segundo dado é que o trabalho precoce atrofia ou mesmo inviabiliza a formação pela
educação escolar. O animal humano só se completa com a introjeção dos valores, que vêm a
compor a sua dimensão maior – a espiritual. O animal se nutre pela boca, com alimentação; o
homem se nutre pelo espírito, mediante a educação. Conta a lenda do Pinóquio que seu Gepeto,
artesão que fabricava bonecos para vender, certo dia, fez um tão perfeito que desejou ficar para si.
Depois queria que o boneco tivesse vida para servir-lhe de companhia. Pediu e a fada o atendeu.
Quando o boneco se sentiu vivo, de imediato, já queria ser gente. Então a fada chamou-lhe a
atenção: precisava antes apreender os valores humanos para ser gente, antes do que, teria que ser
orientado pelo Grilo Falador.
O ator Pato Papaterra (2010, p. 191), condenando a colocação de criança para fazer cena de
violência em trabalhos artísticos, assevera que os adultos, para encenar, saem do seu eu, enquanto
as crianças não, e por isso encenam melhor. Daí dever-se colocar as crianças para encenar o que as
faz felizes, como se divertindo em uma bricadeira.
A capacidade para sentimentos mais nobres é, na maioria das naturezas, uma planta muito
frágil que facilmente morre não apenas pelas influências hostis, mas pela mera falta de
alimentos; e na maioria dos jovens ela rapidamente definha se as ocupações a que suas posições
na vida e a sociedade na qual ela os lançou não forem favoráveis para manter em exercício essa
capacidade superior. Os homens perdem suas elevadas aspirações à medida que perdem seus
gostos intelectuais porque não têm tempo ou oportunidade para satisfazê-las; e se dedicam a
prazeres inferiores, não porque deliberadamente os prefiram, mas porque são apenas os únicos
aos quais eles têm acesso, ou os únicos dos quais são capazes de apreciar por algum tempo.
Chega de tolos, de gente raquítica de espírito. Precisa-se de humanos bem formados,
guindados a uma ordem de valores superiores, de muitos Sócrates, capazes de curtirem uma boa
leitura, um concerto musical, de apreciar uma obra de arte, em vez de simples Rap.
3 Estatística da educação
Por sua vez, a educação do Brasil se encontra em situação lastimável. Em pesquisa
internacional divulgada recentemente, o Brasil ficou na casa octogesimal no item educação, 70% de
sua população com dificuldade para efetuar operações simples de matemática e elevado índice de
analfabetismo funcional. A educação do Gigante Adormecido está muito aquém da dos seus
concorrentes. A média de escolaridade do brasileiro é de quatro anos, enquanto na Coreia do Sul e
na Argentina é de dez anos. Na Argentina e nos países asiáticos, cada pessoa lê em média dez livros
por ano, média bem distribuída. No Brasil, quatro livros, média mal distribuída, com muito poucos
lendo muito e tantos que morrem jejunos de livro. O Brasil não arrebatou um único prêmio Nobel,
de nada. O professor brasileiro é o profissional de nível superior com remuneração mais baixa
dentre todas as profissões.
5
O analfabetismo de jovens e adultos vem sendo reduzido no Brasil – passou de
11,5% em 2004 para 8,7% em 2012, na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (Pnad). Essa redução é ainda mais intensa no Norte e Nordeste, onde
estão localizados os maiores índices de analfabetismo do país.
O Brasil ocupa o 53º lugar em educação, entre 65 países avaliados (PISA). Mesmo
com o programa social que incentivou a matrícula de 98% de crianças entre 6 e 12
anos, 731 mil crianças ainda estão fora da escola (IBGE). O analfabetismo
funcional de pessoas entre 15 e 64 anos foi registrado em 28% no ano de 2009
(IBOPE); 34% dos alunos que chegam ao 5º ano de escolarização ainda não
conseguem ler (Todos pela Educação); 20% dos jovens que concluem o ensino
fundamental, e que moram nas grandes cidades, não dominam o uso da leitura e da
escrita (Todos pela Educação). Professores recebem menos que o piso salarial3.
Houve progresso na alfabetização entre 2004 e 2014. “No entanto, quando o
assunto é analisado mais a fundo, nos deparamos com a seguinte realidade,
conforme dados de 2011 fornecidos pelo Instituto Paulo Montenegro:
- 27% dos brasileiros são analfabetos funcionais (sabem ler, mas não compreendem
o sentido daquilo que lêem);
- 4% dos estudantes do ensino superior são considerados analfabetos funcionais.
No Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) da OCDE, o Brasil
ocupa as posições 63.ª, 59.ª e 66.ª em ciências, leitura e matemática
respectivamente.”4
Isto é uma vergonha!, diria Boris Casoy.
Urge construir pela educação bases morais, do que o Brasil é muito raquítico. Aqui não se
tem uma única virtude fundamental, até a valentia, que é um instinto natural, não a temos,
manifesta-se apenas um impulso nervoso, diz Graça Aranha. O Brasil tem que cuidar da educação
pelo menos das crianças e dos adolescentes. Lugar de criança é na escola. Escola de tempo integral,
com atividades lúdicas, esportivas, religiosas. Nesse viés, conforme o sociólogo francês Émile
Durkheim, a escola configura a instituição primordial para o processo de socialização do indivíduo
na infância. Para os jovens, precisa estimular o aprendizado profissional. É preciso criar cursos de
formação multiprofissional, de todos os ofícios. O trabalho dos jovens deve se vincular ao
aprendizado, como complemento da sua formação escolar, mas não como meio do seu sustento. O
Brasil deve fazer a opção pela educação das crianças para o desenvolvimento, em vez de trabalho
precoce para o atraso. Como diz o filósofo e educador Paulo Freire em sua Terceira Carta
Pedagógica: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade
muda” (FREIRE, 2000, p.67).
A educação, portanto, está muito atrasada. Afinal, sem educação não há salvação.
4 Proteção fundamental da criança
Do ponto de vista normativo, a proteção é integral. No entanto, do texto à sua realização
interpõe-se considerável distância, a exigir penosa caminhada e renhida luta. A lei assegura direito,
mas não a sua concretude. Esta vem pela luta. Deitado em berço esplêndido, além de não conquistar
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necessidades e especificidades da juventude, inclusive no período noturno,
ressalvada a legislação educacional específica.
Do Direito à Profissionalização, ao Trabalho e à Renda
Art. 14. O jovem tem direito à profissionalização, ao trabalho e à renda, exercido
em condições de liberdade, equidade e segurança, adequadamente remunerado e
com proteção social.
Art. 15. A ação do poder público na efetivação do direito do jovem à
profissionalização, ao trabalho e à renda contempla a adoção das seguintes
medidas:
I - promoção de formas coletivas de organização para o trabalho, de redes de
economia solidária e da livre associação;
II - oferta de condições especiais de jornada de trabalho por meio de:
a) compatibilização entre os horários de trabalho e de estudo;
b) oferta dos níveis, formas e modalidades de ensino em horários que permitam a
compatibilização da frequência escolar com o trabalho regular;
III - criação de linha de crédito especial destinada aos jovens empreendedores;
IV - atuação estatal preventiva e repressiva quanto à exploração e precarização do
trabalho juvenil;
V - adoção de políticas públicas voltadas para a promoção do estágio,
aprendizagem e trabalho para a juventude;
VI - apoio ao jovem trabalhador rural na organização da produção da agricultura
familiar e dos empreendimentos familiares rurais, por meio das seguintes ações:
a) estímulo à produção e à diversificação de produtos;
b) fomento à produção sustentável baseada na agroecologia, nas agroindústrias
familiares, na integração entre lavoura, pecuária e floresta e no extrativismo
sustentável;
c) investimento em pesquisa de tecnologias apropriadas à agricultura familiar e aos
empreendimentos familiares rurais;
d) estímulo à comercialização direta da produção da agricultura familiar, aos
empreendimentos familiares rurais e à formação de cooperativas;
e) garantia de projetos de infraestrutura básica de acesso e escoamento de
produção, priorizando a melhoria das estradas e do transporte;
f) promoção de programas que favoreçam o acesso ao crédito, à terra e à
assistência técnica rural;
O tempo do trabalho é muito relativo. Nas famílias economicamente bem situadas, cada vez
mais jovens moram com os pais e se dedicam apenas ao estudo até os trinta anos de idade, quando
então, já mestres e doutores, ingressam no mercado de trabalho com grandes chances de tomarem as
melhores ocupações e auferirem os melhores salários.
Ademais, convém lembrar que o trabalho fora de tempo – seja por idade precoce ou por
senilidade – contrapõe-se ao princípio da dignidade humana. Decerto, a dignidade humana adjudica
tão variados direitos, que se torna indefinível, como adverte PEDUZZI (2009, p. 17). No entanto, é
intuitivo que a privação das pessoas das atividades próprias de suas idades, substituindo-as por
trabalho, agride o ser das criaturas. Destarte, trabalho fora da idade é ilícito, equiparando-se ao
trabalho forçado.
Agir enquanto é tempo, pois “é muito tarde para poupar quando só resta o fundo da garrafa”,
adverte Sêneca (2011, p. 17).
5 Estatística do trabalho infantil
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Enquanto isso, no Brasil, segundo a PNAD Contínua de 2016, são cerca de 1,8 milhões de
crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil, sendo 30 mil de 5 a 9 anos,
e 160 mil de 10 a 13. Isso mostra uma longa caminhada a se trilhar rumo ao atingimento das metas
estabelecidas pela Agenda 2030, adotada pelos 193 Estados-membros da ONU, na qual se
estabelece, entre vários objetivos de desenvolvimento sustentável, o de “até 2025 acabar com o
trabalho infantil em todas as suas formas”.
Com efeito, a cultura do trabalho infantil ainda constitui um tabu. Os pais que trabalharam
quando crianças querem dar o mesmo tratamento aos seus filhos. As classes média e alta defendem
que filho de pobre tem que trabalhar. “É melhor trabalhar do que roubar”, dizem. Ora, por que não
dizer: “é melhor estudar do que roubar”? Já houve tempo em que a escola era escassa, mas
atualmente existe em suficiência, desde que foi instituído o FUNDEF, avançando mais tarde para o
FUNDEB – Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica5.
E continua a prática do trabalho infantil, alimentada pela tradição colonialista dos bem-
aventurados do Brasil, que, enquanto formam à exaustão seus filhos antes de lançá-los no mercado
de trabalho, estimulam o trabalho precoce para os filhos dos pobres, como que, inconscientemente,
para manter a distância estamental.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 2,7 milhões de crianças e
adolescentes de 5 a 17 anos trabalham em todo o território nacional. Esta pesquisa
é a base do mapa aqui apesentado.
Contudo, em 2017, o IBGE divulgou os dados do trabalho infantil no Brasil, com
base em nova metodologia utilizada na PNAD, que aponta 1,8 milhões de meninos
e meninas de 5 a 17 anos trabalhando, em 2016, em atividades proibidas pela
legislação, ou seja, em situação de trabalho infantil, tratando os demais casos
mensurados como trabalho permitido.
“Os números, embora alarmantes, não correspondem à realidade. Apontam
falsa redução de mais de 1 milhão de crianças trabalhadoras, em relação ao ano
2015″, explica a procuradora do Trabalho Elisiane Santos.
Nota explicativa do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho
Infantil (FNPETI) ressalta que ao apresentar o número de 1,8 milhões, não foram
somados os dados de crianças e adolescentes que trabalham para o próprio
consumo6.
No final de maio de 2019, em ação em casas de farinha do interior de Pernambuco, o Grupo
Especial de Fiscalização Móvel do Ministério da Economia, coordenado por Auditores-Fiscais do
Trabalho, encontrou treze crianças e adolescentes trabalhando, entre eles um menino de três anos.
Papaterra (2010, p. 192) assevera que é um péssimo indicativo de pobreza ética quando se tem que
legislar sobre o que deveria ser o óbvio, sobre a proteção dos mais fracos. E finaliza:
5 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) é um conjunto de fundos contábeis formado por
recursos dos três níveis da administração pública do Brasil para promover o financiamento da educação básica pública. Foi criado em
janeiro de 2007 e substitui o FUNDEF, sendo que a principal diferença é atender, além do ensino fundamental, objeto do antecessor,
também atender a educação infantil, o ensino médio e a educação de jovens e adultos.
6 Disponível em: https://www.chegadetrabalhoinfantil.org.br/trabalho-infantil/estatisticas/
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Pois é Vivemos numa sociedade narcisista e elitista, na qual só o filho de rico,
herdeiro de algum senhor de escravos no passado, merece o respeito de ser tratado
como criança. É por isso que precisamos de um Estatuto do Menor be claro e
respeitado, infelizmente.
O tempo do trabalho, no Brasil, portanto, ainda começa muito cedo.
6 Formação profissional
É em atenção a isso que a Constituição da República de 1988 estabelece uma idade mínima
para o trabalho relativamente baixa: 14 anos, na condição de aprendiz e a partir dos 16 para o
emprego formal nas atividades não listadas como proibidas. Um meio-termo entre os extremos
estabelecidos pela precariedade em que vivem determinadas populações no território nacional e um
ideal a ser atingido, pode-se dizer, que o instituto da aprendizagem tem a função precípua de
prevenir o trabalho infantil e suas mazelas. Através dele, jovens são resgatados diariamente da
condição de vulnerabilidade social e passam ao trabalho formal, com “carteira assinada” e curso de
formação profissional. O trabalhador formado nesse estilo terá amplas condições para o exercício
profissional com mais perfeição e melhor remunerado.
Empresas que não tenham condições de integrar aprendizes diretamente em seus quadros, na
proporção estabelecida pelo artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, têm à sua disposição
a possibilidade de adoção do “sistema não dual” de formação profissional, em que tanto as
atividades teóricas quanto as práticas são realizadas no ente de formação, cabendo à empresa
designar um empregado monitor responsável pela coordenação de exercícios práticos e
acompanhamento das atividades, conforme estabelecido no artigo 65, § 1º, do Dec. n. 9.579/2018.
Sobre o tema, registra a Wikipédia:
A Lei do Aprendiz, também conhecida como Menor Aprendiz, Aprendiz Legal
ou Jovem Aprendiz, é uma lei do Brasil aprovada em 2000 e regulamentada em
2005. Ela determina que toda empresa de grande ou médio porte deve ter de 5% a
15% de aprendizes entre seus funcionários. Os aprendizes são geralmente jovens de
14 a 24 anos que devem estar cursando ou ter terminado o ensino médio ou
fundamental em uma escola pública. As grandes empresas, sejam privadas ou
públicas, oferecem vagas para pessoas de 14 e 18 anos. Algumas estendem para
maiores de 21 anos.
O curso feito pelo programa dura de 6 a 24 meses e é dividido em dois módulos. O
primeiro módulo é a aprendizagem vivencial, que é a prática no ambiente de
trabalho, sob a supervisão do orientador interno da empresa que deseja treinar o
candidato. O segundo módulo é a aprendizagem teórica: é o programa de
aprendizagem profissional metódica, ministrado por instituições sem fins lucrativos
Essa matéria sofre constantes alterações, valendo registrar as três últimas: Leis ns.
10.097/2000 e 11.180/2005, posteriormente, a Lei n. 11.788/08, que alterou as regras do estágio e
modificou os 1º, 3º e 7º do art. 428 da CLT, trazendo, dentre outras, as seguintes novidades para o
aprendizado: ampliou de 18 para 24 anos a idade máxima do aprendiz; para o portador de
deficiência, não há o limite de idade; a comprovação de escolaridade de aprendiz portador de
deficiência mental levará em conta as habilidades e competências relacionadas à profissionalização.
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O art. 403 da CLT dispõe que é proibido qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Mesmo como aprendiz, a lei veda ao menor de 18 anos
trabalho noturno, perigoso, insalubre e o realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu
desenvolvimento físico, psíquico, mental e social e em horários e locais que não permitam a
frequência à escola.
Contrato de aprendizagem — o art. 428 da CLT assim o define:
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A contratação do aprendiz poderá ser efetivada pelas empresas onde se realizará a
aprendizagem ou pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem ou entidades assistenciais referidas
acima. Neste último caso não gera vínculo de emprego com a empresa tomadora do serviço.
Pressupostos da aprendizagem — a validade do contrato de aprendizagem pressupõe
anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e frequência do aprendiz à escola,
caso não haja concluído o ensino médio, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido
sob orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica.
Remuneração — é assegurado o salário mínimo/hora, salvo condição mais benéfica.
FGTS — A alíquota é de apenas 2%, cf. art. 15, § 17, da Lei n. 8.036/90, com a redação da
Lei n. 10.097/2000.
Jornada — não superior a seis horas diárias, vedadas a prorrogação e a compensação de
jornada. Contudo, poderá ser de até oito horas para os aprendizes que já tiverem concluído o ensino
fundamental, se nelas forem computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica. Portanto, não
admite o trabalho em horas extras, o acordo de compensação nem o banco de horas.
Prazo de duração — não poderá ser estipulado por mais de dois anos, exceto em relação ao
portador de deficiência.
Limites do número de aprendizes — os estabelecimentos de qualquer natureza são
obrigados a empregar e matricular nos cursos dos serviços nacionais de aprendizagem número de
aprendizes equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada
estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. As frações de unidade no cálculo
dessas porcentagens darão lugar à admissão de um aprendiz. Esses limites não se aplicam quando o
empregador for entidade sem fins lucrativos, que tenha por objetivo a educação profissional.
Extinção do contrato — extinguir-se-á no termo fixado ou quando o aprendiz completar 24
anos, salvo se deficiente, que não terá esse limite de idade, ou antecipadamente, nas seguintes
hipóteses: a) desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz; b) falta disciplinar grave; c)
ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo; d) a pedido do aprendiz. Não se
aplicam as regras de extinção dos contratos de trabalho previstas nos arts. 479 a 480 da CLT, que
são as regras de rescisão dos contratos por tempo determinado.
7 Programa Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM. PRONATEC. Estatuto da
Juventude
Instituído pela Lei n. 11.129/2005, sucedâneo do Programa Nacional do Primeiro Emprego,
criado pela Lei n. 10.784/2003, alterada pelas Leis ns. 10.940/04 e 11.180/05, vinculado a ações
dirigidas à promoção da inserção de jovens no mercado de trabalho e sua escolarização, ao
fortalecimento da participação da sociedade no processo de formação de políticas e ações de
geração de trabalho e renda, objetivando, especialmente: a) criação de postos de trabalho para
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jovens ou prepará-los para o mercado de trabalho e ocupações alternativas, gerando renda; b) a
qualificação do jovem para o mercado de trabalho e inclusão social.
Alterado pela Lei n. 11.692/2008, dividido em quatro partes: a) Projovem Adolescente —
Serviço Socioeducativo, de 15 a 17 anos, que atende a jovens cuja família seja beneficiária do
Bolsa-Família; egressos de medidas socioeducativas em meio aberto ou de medida de proteção, cf.
o Estatuto da Criança e do Adolescente; egressos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil;
egressos ou vinculados a programas de combate ao abuso e à exploração sexual; b) Projovem
Urbano, que atenderá jovens entre 18 a 29 anos, que saibam ler e escrever e não tenham concluído o
ensino fundamental, com objetivo de aumentar a escolaridade visando à conclusão do ensino
fundamental, à qualificação profissional e ao desenvolvimento de ações comunitárias com exercício
da cidadania, na forma de curso; c) Projovem Campo — Saberes da Terra, de 18 a 29 anos, com
objetivo de elevar a escolaridade dos jovens da agricultura familiar, integrando a qualificação social
e a formação profissional; d) Projovem Trabalhador, que atenderá jovens entre 18 a 29 anos, em
situação de desemprego e que sejam membros de famílias com renda per capita de até um salário
mínimo, objetivando preparar o jovem para o mercado de trabalho e ocupações alternativas
geradoras de renda, por meio da qualificação profissional e do estímulo à sua inserção.
Dando continuidade a essa política pública, a Lei n. 12.513/2011 institui o Programa
Nacional de Acesso ao Emprego Técnico (PRONATEC). Seu art. 16 altera os arts. 15 e 16 da lei do
Projovem, para incluir a formação específica para profissionais da saúde, tendo em vista o Sistema
Único de Saúde.
Seguindo essa tendência, a Lei n. 12.852/13 institui o Estatuto da Juventude, considerando-
se jovens as pessoas entre 15 e 29 anos, definindo os direitos dessa faixa etária, bem como as
políticas públicas para sua implementação. Nos arts. 14 a 16 trata do direito à profissionalização, ao
trabalho e à renda.
Portanto, muita lei para pouca ação no item aprendizagem.
Notas conclusivas
Do exposto, extraem-se as seguintes conclusões:
Para tudo há o tempo certo. E tudo fora do tempo não dá certo.
Assim também é a idade do trabalho. Nem com idade precoce, nem com a senilidade.
Ambos são ilícitos e, por isso, podem ser equiparados a trabalho forçado.
O trabalho precoce extenua o desenvolvimento físico e psicológico do indivíduo. Impede o
regular desenvolvimento muscular, neurológico, bem como abre espaço para doenças profissionais
invasivas irreversivelmente, ante a fragilidade orgânica de algo que ainda não se completou.
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Afeta igualmente a formação ético-espiritual do indivíduo e sua afetividade, ante o atalho do
trabalho para o amadurecimento precoce, tornando-se uma criatura muito séria e de humor
comprometido.
Do ponto de vista normativo, as crianças e os adolescentes estão muito bem servidos, desde
a Constituição, as Convenções Internacionais e uma extensa malha normativa, com destaque para o
Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Juventude.
Por sua vez, o trabalho prematuro prejudica a educação escolar, ante a impossibilidade física
de estar nos dois lugares ao mesmo tempo. E, mesmo para os que reservem um turno para a escola,
falta-lhes tempo para completar o estudo fora da sala de aula.
Ademais, os níveis gerais da educação no Brasil são desesperadores, a exigirem maior
empenho de todos pela educação. Assim também, os níveis de desemprego dos trabalhadores em
idade para o trabalho são alarmantes, não justificando utilizar mão de obra dos menores enquanto os
adultos estão ociosos.
Por fim, sem educação não há solução. A arrancada para o progresso passa pela formação
técnico-profissional dos menores.
Afinal, como diz Monteiro Lobato, um país se faz com homens e livros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APEL, Karl Otto. Estudos de moral moderna. Trad. Bueno Dischinger. Rio de Janeiro: Vozes,
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