Você está na página 1de 13

04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 749/08.0TBTNV.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: SUB-ROGAÇÃO
REQUISITOS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PENHOR
Data do Acordão: 12-09-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES /
CONTRATOS / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / CUMPRIMENTO DAS
OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., pp. 24,/28, 324.
- Galvão Teles, Direito das Obrigações, 2ª ed., pp. 183, 187 e seg..
- M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed.ª, pp. 703/704.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 468.º, 589.º, 590.º, 591.º, 592.º, 767.º, N.º1, 1182.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 164.º.
Sumário :
I - O direito de sub-rogação traduz a substituição do credor na
titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que
cumpre em lugar do devedor (ou que faculta a este os meios
necessários ao cumprimento): a sub-rogação pode ser voluntária,
quando decorre de manifestação expressa da vontade do credor ou do
devedor, designadamente quando, apesar de ser o devedor a cumprir, o
faz com dinheiro ou outra cousa fungível emprestada por terceiro –
arts. 589.º, 590.º e 591.º do CC – ou legal, quando opera por
determinação da lei, independentemente de declaração do credor ou
devedor – art. 592.º, n.º 1, do CC.

II - Resulta do art. 592.º, n.º 1, do CC, que são razões especiais que
justificam o regime legal de favor que coloca o terceiro na mesma
posição jurídica do primitivo credor, o que significa que o crédito não
se extingue, antes de transfere para o terceiro que cumpre em vez do
devedor. Mantém-se, por conseguinte, na titularidade do terceiro, o
mesmo direito de crédito de que era titular o anterior credor.

III - Não é qualquer terceiro que cumpra obrigação alheia que beneficia
da sub-rogação, mas apenas aqueles que cumpriram em determinadas
circunstâncias valoradas pela lei. Assim, só fica sub-rogado nos direitos
do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia quando tiver
garantido (previamente) o cumprimento, isto é, quando o cumprimento
tenha em vista evitar a execução de garantia que prestou.

IV - Fica, também, sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que


cumpra a obrigação alheia, quando “por outra causa, estiver
directamente interessado na satisfação do crédito” – art. 592.º, n.º 1, in
fine, do CC. Exige-se um interesse directo, que a doutrina vem

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 1/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

entendendo como sendo um interesse patrimonial e próprio, excluindo


um mero interesse “moral” ou “afectivo” do solvens.

V - Se o terceiro, apesar de não ter interesse no cumprimento, realiza a


prestação alheia e o credor a aceita, não há transmissão do crédito para
o solvens, verificando-se, antes, a extinção da obrigação. Não significa
isso, porém, que o terceiro não interessado que cumpriu a obrigação
alheia não adquira qualquer direito face ao devedor liberado.

VI - Não é irrelevante que o cumprimento ocorra voluntariamente, por


iniciativa do terceiro ou seja promovido pelo credor através da
execução e venda do penhor. É que só na primeira situação o terceiro
cumpre a obrigação alheia no seu próprio interesse, designadamente
com a finalidade especial de evitar a execução, ou a consumação desta,
pela venda (e consequente perda) da coisa empenhada, sendo
exactamente esse cumprimento interessado a razão ser da sub-rogação.
Decisão Texto Integral: Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas,


AA- Importações e Exportações, Ld.ª, intentou a presente acção
declarativa de condenação, com processo ordinário, contra
BB. – ..., S.A,
alegando em resumo:
— A A. foi accionista da Ré, tendo sido titular do total de 1.211.689
acções.
— Em 05/06/2001, entre a Caixa ..., S. A., como 1º contraente e
mutuante; a sociedade BB, ora Ré, como 2º contraente e mutuária; e a
ora A, que, com outras entidades, interveio como 3º contraente, na
qualidade de accionista da Ré, foi celebrado um 'Contrato de
financiamento".
— Nesse contrato, a ora A., enquanto accionista da BB, assumiu
diversas obrigações em favor da C..., como garante do cumprimento
desse contrato.
— Designadamente, e entre outras obrigações, a ora A. constituiu, a
favor da C..., um primeiro penhor sobre as acções nominativas de que
era proprietária à data, no total de 900.000 acções,
— A A. obrigou-se ainda, perante a C..., a constituir um primeiro
penhor sobre todas as acções que viesse a subscrever em futuros
aumentos de capital.
—Tal veio efectivamente a acontecer, tendo a A., em aumentos de
capital social da Ré, vindo a subscrever acções até ao número de 1.211.
681 acções,
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 2/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

— Relativamente aos títulos penhorados, ficava a C... autorizada, nos


termos do nº 3 da referida cláusula, em caso de incumprimento de
qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato a recebê-los e
a imputá-los ao pagamento dos juros vencidos se os houver ou ao
capital em dívida...
— E, verificando-se o incumprimento, a C….. poderia ainda vender as
acções extrajudicialmente, pelo preço “ao melhor” e nas demais
condições que entender. Para além do penhor das acções, a Ré
concedeu ainda à C... outras garantias, tais como:
Cessão de créditos da BB, (C1.27º do Contrato);
Penhor de equipamentos e promessa de penhor, (CL. 28º);
Constituição de hipoteca e promessa de constituição de hipoteca, (Cls.
29° e 30°).
— Relativamente à hipoteca, foi a mesma constituída, sobre um prédio
sito em ..., na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respectiva
matriz sob o art. 3117, e inscrito na Conservatória do Registo Predial
de ... sob o nº ....
— Dado que a ré terá deixado de cumprir as obrigações perante a C….
– o que a A. ignorava, pois, não tinha qualquer intervenção na
administração e gestão da Ré, tendo o seu representante no Conselho de
Administração, Dr. DD, sido destituído sem qualquer fundamento em
Assembleia realizada em 29/10/2002 e que não vinha participando na
actividade do Conselho de Administração desde Julho de 2002, pois,
desde essa altura que lhe estava vedado o acesso às instalações da Ré -
a C... lançou mão das garantias de que beneficiava, procedendo à venda
de 1.211.689 acções da A., correspondentes à totalidade da sua
participação no capital social da Ré.
— A data da venda ocorreu em 26 de Outubro de 2007.
— A C... vendeu a totalidade das acções penhoradas pelo valor global
de 6.374.000,00€,
— Correspondendo às acções da A. o valor de 1.560,216,00 €.
— Com a venda das acções pela C..., esta considerou liquidada a dívida
da BB.
— A Ré deixou, assim, de ser devedora da C... mas,
— Considerando que o seu débito foi liquidado por terceiros,
nomeadamente a ora A., a Ré passou a ser devedora da A.,
— Considerando-se esta como sub-rogada nos direitos da C...,
Pelo valor correspondente ao valor da venda das suas acções.

*
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 3/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Citada pessoal e regularmente a R. veio contestar pugnando pela


improcedência da acção por entender, desde logo, não existir, no caso,
direito de sub-rogação já que a R. não o declarou expressamente; (art.º
591º do C.Civil)
Nem tão pouco se configura a situação prevista no n.º 2 do art.º 592º do
C.Civil já que a A. não procedeu ao pagamento impedindo a execução
do penhor. O que sucedeu foi que o penhor foi executado.
Aliás não exerceu o direito de preferência previsto no contrato porque
não quis.
Por outro lado a A. sabia das dificuldades financeiras da R., sabia da
necessidade de proceder a aumentos de capital para solver tal
financiamento nunca os tendo viabilizado.

*
* *
*

Foi requerida a intervenção principal por parte de EE e FF na qualidade


de sócios da dissolvida GG, alegando que a sociedade por ambos
constituída, GG, Lda., foi dissolvida por deliberação de 24 de
Dezembro de 2007; liquidada a sociedade, verificou-se existirem bens
não partilhados, concretamente, um direito de sub-rogação constituído
sobre a ora Ré, BB, SA; esse direito, titulado por ambos os requerentes,
na qualidade de sócios da dissolvida GG, Lda., é paralelo e de natureza
idêntica àquele que é invocado pela Autora, AA, Lda., na presente
acção, pois que também a GG deu de penhor as suas acções, nas
mesmas circunstâncias, tendo vindo a ser vendidas pela C….,
exactamente nos mesmos moldes que as da A.
Pedem, em consequência, a condenação da R. pagar-lhes a quantia de
750. 602,24euros, acrescida de juros contados desde 2710.2007 até ao
efectivo e integral pagamento acrescido das legais consequências (sub-
rogação).

*
* *
*

Foi admitida a requerida intervenção, proferiu-se despacho saneador e


procedeu-se à condensação do processo.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 4/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

* *
*

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença


final que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

Inconformados, recorreram, quer a A., quer os intervenientes e com


êxito, visto que a Relação, apreciando as apelações as teve por
procedentes, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré nos
pedidos respectivos.

É, agora, a Ré quem recorre de revista para este STJ.

*
* *
*

Conclusões

A terminar a sua alegação, formula a recorrente, as seguintes


conclusões:

*
Conclusões
da
Revista
da
Ré.
*

«I. O acórdão recorrido acolhe de forma integral as pretensões dos


então recorrentes (autora e intervenientes) dando agora acolhimento
àquelas, pela revogação da douta sentença proferida na 1ª instância e
desta forma condenando a ré, do que antes havia sido absolvida.
II. Não se resigna a ora recorrente, porém, com o decidido pelos
Exmos. Juízes Desembargadores, que reputa de errado e claramente
violador da lei substantiva.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 5/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

III. Antes, porém, desde já se suscita perante este Magnânimo Tribunal


outra questão, já ponderada, em sede de 1ª instância, mas sobre a qual
não emitiu qualquer juízo o tribunal da Relação recorrido.
IV. É que, sem prejuízo do modelo recursório português se estruturar
em torno do modelo da reponderação, que torna imune a instância de
recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão
recorrida, o sistema não é inteiramente fechado, sendo que a primeira e
significativa excepção a esse modelo, é a representada pelas questões
de conhecimento oficioso.
V. De entre estas questões, oficiosamente cognoscíveis, avulta,
designadamente e no caso em apreço, o abuso de direito - sobre a qual
a Relação não se debruçou - mas que aqui e no presente se invoca como
excepção peremptória, de conhecimento oficioso, mesmo em sede de
recurso de revista.
VI. Veja-se que nos autos resultou provado, que: "C) A Caixa ..., SA,
na qualidade de primeiro contraente, BB, SA, na qualidade de segundo
contraente, AA, Lda e GG, Lda, na qualidade de terceiros contraentes
foi ajustado um acordo escrito, denominado de "Contrato de
Financiamento". D) No âmbito do acordo mencionado na alínea
anterior, Caixa ..., SA, prestou a favor da Ré um financiamento no
montante máximo de € 8.000.000,00, e um outro financiamento no
montante máximo de € 750.000,00. H) Consta da cláusula 26ª do
acordo mencionado em C), sob a epígrafe Promessa de Penhor de
Acções: I - Os accionistas, com excepção do Município de ... e da HH,
obrigam-se perante a C... a subscrever quaisquer aumentos de capital e
a constituir primeiro penhor a favor da C..., sobre todas as acções que
resultarem de quaisquer aumentos de capital da BB, de modo a que
mantenha sempre empenhado, nos termos do presente contrato, pelo
menos, 96,25 (noventa seis virgula vinte cinco por cento) do capital
social da BB. J) Consta da cláusula 28ª do acordo mencionado em C): 4
- Em caso de incumprimento pela BB de qualquer das obrigações
previstas neste contrato, a C... poderá efectuar a venda extrajudicial dos
bens dados de penhor, ao melhor e na medida necessária ao
ressarcimento dos seus créditos, aplicando o produto da venda na
amortização dos montantes em dívida relativos ao presente contrato.".
VII. Mais se provou que: "O conselho de administração da Ré
comunicou, junto da assembleia geral mais do que uma vez, que os
encargos financeiros desta sociedade para com a Caixa ..., no âmbito do
acordo mencionado em C) da matéria assente estavam em falta; o
"projectfinance" estava, também, em falta. O conselho de
administração da Ré, em mais do que uma assembleia geral e na
sequência da comunicação mencionada no número anterior, propôs
aumentos do capital social. A AA, Lda, sempre se opôs a esses
aumentos do capital social da Ré (excepto acta 23 que não
compareceu).".

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 6/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

VIII. Ora o instituto do abuso do direito, bem como os princípios da


boa-fé e da lealdade negocial, são meios de que, os tribunais, devem
lançar mão para obtemperar a situações em que alguém, a coberto da
invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da
acção, o faz de uma maneira que - objectivamente - e atenta a
especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento
de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal
procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em
concreto, o atraiçoa;
IX. Sendo este - precisamente - o caso dos autos e que a sentença da 1ª
instância não deixa de pôr a descoberto, qualificando de
manifestamente censurável a actuação da Autora, que escudando-se
numa estrita interpretação jurídica, vem aproveitar-se de factos para os
quais, de forma ostensiva contribuiu (com realce e sublinhado nossos),
X. A verdade é que o direito não pode ser exercido de forma arbitrária,
exacerbada ou desmesurada, mas antes de um modo equilibrado,
moderado, lógico e racional. E naturalmente que tudo tem de ser
perspectivado em função das circunstâncias do caso concreto e
consequentemente;
XI. Atender-se à matéria assente e provada na sede própria, atrás
veiculada, de onde resulta o perfeito conhecimento da A. da situação
financeira da R., da obrigação imposta pelo contrato de financiamento e
que pela primeira foi outorgando, de proceder aos aumentos de capital
social necessários, a posição maioritária que detinha e depois, a sua não
aceitação em qualquer dos aumentos de capital propostos, bem
sabendo, ser este um dos seus principais deveres enquanto accionista e
contraente no contrato de financiamento outorgado com a C... - Caixa
..., com isso contribuindo de forma decisiva para a execução do penhor,
pelo credor C...;
XII. Com tal conduta agiu a A. em claro abuso de direito e o acórdão
ora recorrido, em violação do disposto no art. 334° do Código Civil,
por erro de aplicação.
XIII. Não concedendo e no que agora à sub-rogação respeita, traduz-se
a mesma numa forma de transferência de créditos,
correspondentemente regulada no Código Civil no capítulo relativo à
"transmissão de créditos e dívidas" e em que o pressuposto necessário e
essencial é o cumprimento duma obrigação por terceiro, aferindo-se os
direitos do sub-rogado pelo âmbito do cumprimento, ou seja, o sub-
rogado adquire os direito que competiam ao credor na medida da
satisfação dos interesses deste - art. 593º -1 C. Civil.
XIV. Por via desta figura, a lei investe o terceiro cumpridor nos
direitos do credor sub-rogado, quando se verifique que aquele pagou
pelo devedor por deter um interesse directo na satisfação do crédito.
XV. Todavia, não se pode confundir o interesse próprio no
ressarcimento daquilo que o terceiro pagou e tem toda a conveniência
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 7/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

em ver-se compensado daquilo que teve de entregar ao credor para


pagamento da dívida, situação que cai manifestamente fora da previsão
legal em análise, com a situação de interesse próprio no cumprimento.
XVI. Assim e salvo melhor opinião, no caso concreto não será
razoável admitir-se a sub-rogação, porquanto não se vislumbra a
existência, no que respeita aos terceiros cujas acções dadas em penhor
foram vendidas, tendo servido o produto obtido com a venda para
satisfação do crédito da C..., de um interesse, próprio e directo, no
cumprimento da obrigação de pagamento da dívida da ré recorrida para
com a C....
XVII. E por isso é que o facto do cumprimento ter sido feito à custa
do património da Autora e intervenientes, só por si, não lhes confere o
direito de sub-rogação, que invocam e a que o acórdão recorrido ora
sob recurso deu guarida.
XVIII. Em verdade e bom rigor, a C... em respeito do mandato que
lhe foi conferido pelos accionistas executou extrajudicialmente o
penhor de todas as acções, tendo utilizado, para o efeito, o mandato que
lhe foi conferido;
XIX. Daí, que não haja qualquer sub-rogação.
XX. No caso em apreço, verifica-se que o pagamento efectuado
pelos garantes realizou-se através da efectivação do penhor por eles
prestado, o que configura situação bem diferente daquela outra prevista
no n° 1 do art. 592° do Código Civil, fugindo, assim, ao seu âmbito de
aplicação.
XXI. Mais acresce não ser razoável admitir-se a sub-rogação,
porquanto não se vislumbra a existência, no que respeita aos terceiros
cujas acções dadas em penhor foram vendidas, tendo servido o produto
obtido com a venda para satisfação do crédito da C..., de um interesse,
próprio e directo, no cumprimento da obrigação de pagamento da
dívida da BB para com a C....
XXII. E tanto esse interesse directo não existirá que nunca autora ou
intervenientes invocaram qualquer interesse próprio no cumprimento,
nem tal alguma vez foi referido ou alegado a esse propósito.
XXIII. A decisão recorrida é, pois, susceptível do reparo devido,
mostrando-se violadora por erro de aplicação do artigo 334° do CC e
por erro de interpretação do regime legal da sub-rogação, vertida nos
artigos 592°, n° 1 e seguintes do mesmo diploma.
Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e sempre com o mui
douto Suprimento de V. Exas., deve dar-se integral provimento ao
presente recurso de revista e em conformidade revogado o acórdão
recorrido, com as legais consequências, só assim, se fazendo,
Inteira JUSTIÇA!»

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 8/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

*
* *
*

Os Factos

Foi a seguinte a factualidade fixada pelas instâncias:

«1- Em Julho de 1994 foi constituída a sociedade comercial GG - …,


Lda., pessoa colectiva número ..., com sede na Rua ..., n.° …, freguesia
de ..., concelho de ..., com o capital social de quinhentos e vinte mil
euros, realizado em duas quotas: a primeira no valor de trezentos e
setenta e nove mil e seiscentos euros, pertencente a EE, e a segunda no
valor de cento e quarenta mil e quatrocentos euros, pertencente a FF.
2- Em 5 de Junho de 2001, AA, Lda. e GG, Lda. eram titulares de
acções sobre o capital da Ré.
3- Na data mencionada na alínea anterior, entre a Caixa ..., S. A., na
qualidade de «primeiro» contraente, BB, S. A., na qualidade de
«segundo» contraente, AA, Lda. e GG, Lda., na qualidade de
«terceiros» contraentes, foi ajustado um acordo escrito, denominado de
«Contrato de Financiamento».
4- No âmbito do acordo mencionado na alínea anterior, Caixa ..., S. A.
prestou, a favor da Ré um financiamento no montante máximo de
€8000000,00 euros e um outro financiamento no montante máximo de
€750000,00 euros.
5- Consta da cláusula V do acordo mencionado em C), sob a epígrafe
«Montante e Finalidade»:
I- Pelo presente contrato, a C... abre, a favor da BB, um crédito até ao
montante máximo de €8.000.000 (oito milhões de euros), destinado,
exclusivamente, ao financiamento dos Custos do Projecto, adiante
designado por «AC1»
II- Pelo presente contrato, a C... abre, ainda, a favor da BB, um crédito
até ao montante máximo de €750.000 (setecentos e cinquenta mil
euros), destinado, exclusivamente, ao apoio à tesouraria da BB, em
regime de conta corrente, crédito este adiante designado por «AC2».
6- Consta da cláusula 24.° do acordo mencionado em C), sob a epígrafe
«Penhor sobre as Contas do Projecto»:
I- A Conta de Receitas, a Conta de Reserva de Serviço da Dívida, a
Conta de Pequenos Movimentos, a Conta de Dividendos e a Conta de
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 9/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Reserva de Liquidez, bem como os respectivos saldos constituirão


caução a favor da C... do bom cumprimento das obrigações pecuniárias
contraídas pela BB, ao abrigo da AC1 e da AC2, no presente contrato,
nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 2 do artigo 666.° do
Código Civil.
II- Quaisquer quantias que venham a ser depositadas nas Contas do
Projecto integrarão automaticamente os créditos objecto do presente
penhor, nos termos referidos no número anterior, sem necessidade de
aceitação por parte da BB ou da C....
(...)
V - O penhor ora constituído subsistirá enquanto se mantiverem as
obrigações cujo cumprimento assegura, só se extinguindo com o
pagamento integral de todos os montantes que à C... forem devidos nos
termos deste contrato.
7- Consta da cláusula 25.ª do acordo mencionado em C), sob a epígrafe
«Penhor de Acções»:
I- Em garantia do cumprimento das obrigações assumidas no presente
contrato no âmbito da AC1 e da AC2, designadamente para assegurar o
reembolso do capital, o pagamento dos juros remuneratórios,
moratórios, comissões, demais despesas e encargos, os Accionistas,
com excepção do Município de ... e da HH, constituem, cada um de per
si, a favor da C..., primeiro penhor sobre as acções nominativas, de que
são plenos proprietários, no valor nominal de 1 euro cada uma,
representativas de 96,25% (noventa e seis vírgula vinte e cinco por
cento) do capital social de BB, melhor identificadas no Anexo I, as
quais se encontram livres de quaisquer ónus e encargos depositadas na
conta de títulos da BB n° …, Agência de L...:
a) 900.000 acções pertença de AA;
(...)
d) 427.500 acções pertença de GG;
(...)
V- No caso de incumprimento, as acções dadas de penhor podem ser
vendidas extrajudicialmente, pelo preço «ao melhor» e nas demais
condições que a C... entender convenientes, em qualquer dos mercados
em que as mesmas se encontre admitidas à negociação, no mercado de
balcão ou por qualquer forma legalmente permitida (...).
VI- No caso de venda das acções previstas no número anterior, a C...
obriga-se a dar preferência aos Accionistas nos termos previstos e
regulados nos números seguintes.
VII- A C... deverá dar a conhecer aos Accionistas, por carta registada,
as condições da transacção, identificando nomeadamente o adquirente,

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 10/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

o número de acções a alienar, o respectivo preço e condições de


pagamento.
(...)
XIX - O produto da venda das acções nos termos referidos nos números
anteriores será imputado à satisfação dos créditos da C... emergentes do
presente contrato.
X - Os Accionistas entregaram nesta data à C... uma procuração
irrevogável conferindo-lhe poderes para proceder à alienação das
acções dadas de penhor nos termos desta cláusula, procuração esta
passada de acordo com o modelo anexo (Anexo II).
8 - Consta da cláusula 26.° do acordo mencionado em C), sob a
epígrafe «Promessa de Penhor de Acções»:
I- Os Accionistas, com excepção do Município de ... e da HH, obrigam-
se perante a C... a subscrever quaisquer aumentos de capital e a
constituir primeiro penhor, a favor da C..., sobre todas as acções que
resultarem de quaisquer aumentos de capital da BB, de modo a que se
mantenha sempre empenhado, nos termos do presente contrato, pelo
menos, 96,25 (noventa e seis vírgula vinte e cinco por cento) do capital
social da BB.
II- Os penhores referidos no n.° 1 deverão ser constituídos no prazo de
60 dias de calendário contados da data da escritura de celebração do
mencionado aumento de capital.
(...)
IV- Os Accionistas, com excepção do Município de ... e da HH,
entregaram nesta data à C... uma procuração irrevogável conferindo-lhe
poder para constituir os penhores prometidos e ainda para proceder à
venda das respectivas acções em execução do penhor e nos termos do
n° 10 da cláusula anterior, procuração esta passada de acordo com o
modelo anexo (modelo II).
9)Consta da cláusula 27.° do acordo mencionado em C), sob a epígrafe
«Cessão de Créditos da BB à C...»:
I- Igualmente para garantia do cumprimento das obrigações assumidas
pela BB, perante a C..., nos termos do presente contrato, em caso de
incumprimento do mesmo nos termos da cláusula vigésima terceira
(Incumprimento - Exigibilidade antecipada), aquela cede aqui a esta os
créditos emergentes dos Contratos do Projecto de que seja titular.
II- Os créditos referidos no número anterior, logo que se vencerem e se
tornarem exigíveis, serão directamente pagos pelos devedores no
âmbito dos mencionados Contratos do Projecto à C... e imputados por
esta ao pagamento dos montantes devidos pela BB à C... nos termos do
presente contrato.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 11/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

10) Consta da cláusula 28.° do acordo mencionado em C), sob a


epígrafe «Penhor de Equipamentos e Promessa de Penhor»:
I - Igualmente em garantia do bom cumprimento das obrigações
assumidas nos termos do presente contrato no âmbito da AC1 e da
AC2, designadamente em garantia do reembolso do capital, pagamento
de juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos,
a BB constitui, aqui, a favor da C..., penhor em primeiro grau, sobre os
seguintes bens de equipamento:
a) Locotractor para manobras Zephir LOK 10.170 - 20 Tons., série n.
° 1682, motor Iveco 672726;
b) 2 empilhadores de grande porte RSD 4518-4CH, com os chassis n°
45172 e 45173. (...)
IV - Em caso de incumprimento pela BB de qualquer das obrigações
previstas neste contrato, a C... poderá efectuar a venda extrajudicial dos
bens dados de penhor, «ao melhor» e na medida necessária ao
ressarcimento dos seus créditos, aplicando o produto da venda na
amortização dos montantes em dívida relativos ao presente contrato.
(...)
VIII - Igualmente em garantia do bom cumprimento das obrigações
assumidas no âmbito da AC1 e da AC2, designadamente em garantia
do reembolso do capital, pagamento de juros remuneratórios e
moratórios, comissões e despesas e encargos, a BB promete constituir,
aqui, a favor da C..., penhor em primeiro grau, sobre todos os bens, de
montante superior a €25.000 (vinte e cinco mil euros), que venha a
adquirir.
(...)
X - A BB entrega, nesta data, à C..., uma procuração irrevogável
conferindo-lhe poderes para constituir os penhores prometidos nos
termos desta cláusula e para, subsequentemente, vender o equipamento
empenhado, nomeadamente nos termos do n° 4, procuração esta
outorgada de acordo com o modelo anexo (Anexo III).
11) Consta da cláusula 29° do acordo mencionado em C), sob a
epígrafe «Constituição de hipoteca»:
I - Em garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas nos
termos do presente contrato, designadamente em garantia do reembolso
do capital da AC1 e da AC2 e de todos os montantes que a C... pague
no âmbito das garantias bancárias previstas no n.° 3 da cláusula
segunda, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e
despesas e encargos, a BB constitui, em instrumento contratual
acessório nesta data celebrado entre as partes, a favor da C..., hipoteca
sobre o imóvel urbano - parcela de terreno para construção urbana, sito
no ..., com a área de duzentos e cinco mil, oitocentos e trinta dois
vírgula cinquenta metros quadrados, sito na freguesia de ..., concelho
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 12/13
04/06/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número


… da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo …, sendo o
montante máximo assegurado até 12.652195 (doze milhões seiscentos e
cinquenta e dois mil cento e noventa e cinco euros), considerando-se a
mesma materialmente acessória do presente contrato".
12 - Consta da cláusula 30.ª do acordo mencionado em C), sob a
epígrafe «Promessa de constituição de hipoteca»:
I- Em garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas nos
termos do presente contrato, designadamente em garantia do reembolso
do capital da AC1 e da AC2 e de todos montantes que a C... pague no
âmbito das garantias bancárias previstas no n° 3 da cláusula segunda,
pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e despesas
e encargos, a BB pro

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument 13/13

Você também pode gostar