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-A-IGREJA-ANTICOMUNISTA-
REPRESENTA%C3%87%C3%95ES-POL%C3%8DTICAS-DOS-BATISTAS-EM-FEIRA-DE-SANTANA-
1964-1980.htm
INTRODUÇÃO
Na noite de 31 de março de 1964, teve inicio o movimento que daria origem ao mais
longo período de governo ditatorial já vivenciado pelo País. Os militares justificavam o
Golpe como necessário à conservação da ordem e à defesa da democracia contra o
“perigo vermelho”, disfarçando o que na verdade era a reação da classe dominante à
intensa atuação dos movimentos sociais em defesa das “Reformas de Base” do governo
João Goulart.
A cidade de Feira de Santana, universo geográfico do estudo, localiza-se “a leste do
estado da Bahia entre a Zona da Mata e o Sertão numa área de transição denominada
Agreste baiano. Quase sua totalidade (96% da área) está inserida no polígono das secas
excluindo-se somente o distrito de Humildes”4. Por possuir o mais importante
entroncamento rodoviário da região, a “Princesa do Sertão” conquistou, desde a sua
emancipação da comarca de Cachoeira em 1873 o titulo de cidade comercial, atividade
que sustenta como principal até os dias de hoje. À época da instalação do Golpe Militar,
Feira de Santana passava por um rápido aumento populacional e pela aceleração do seu
processo de urbanização, tornando-se uma das principais cidades da Bahia e,
conseqüentemente, ocupando importante espaço no cenário político estadual.
Ao contrário de alguns grandes jornais do País como “O Pasquim” ou “O Estado de São
Paulo”, a imprensa gráfica feirense, representada pelos jornais “Folha do Norte” e a
partir da década de 70 pelo “Feira Hoje”, mostrava-se simpática aos militares.
Constantemente publicava-se notícias ora sobre o sucesso da “Revolução Democrática
de 31 de março de 1964” como “um dos mais belos e autênticos movimentos cívicos
que registre a História do Brasil”5 a ponto de considerar o Ato Institucional n. 5 uma
“Nova Revolução dentro da Revolução”, garantindo que “nesta cidade a notícia do Ato
n. 5 não provocou reação de nenhuma espécie, estando os órgãos dos poderes públicos,
o comércio e a indústria funcionando dentro da normalidade”6, ora sobre o avanço da
subversão comunista afirmando que “o grande responsável pela intranqüilidade que
reina atualmente é o comunismo. Prometendo bem estar e felicidade ele se apodera de
um grande número de nações e a partir delas ameaça conquistar o mundo inteiro.”7.
Assim a imprensa cumpriu o seu papel de preservar a imagem do Regime, sendo capaz
até de fazer o leitor esquecer suas próprias condições de vida, aceitando o governo
instituído.
Mesmo tendo o apoio dos principais meios de comunicação da cidade, os militares
tiveram que enfrentar a oposição dos estudantes feirenses, que organizavam passeatas e
panfletagens contra o governo que eram, como em todo o País, duramente reprimidas
pela polícia e prontamente descritas pela imprensa de forma parcial:
“(...)Estava programada uma passeata para a tarde de quinta-feira, que foi evitada pela
ação pronta e serena da polícia, que apreendeu faixas, cartazes e papéis mimeografados
com incitamento à subversão. Um desses boletins, intitulado ‘A Verdade’, falava em
‘guerra revolucionária’ e ‘ditadura do proletariado’ como preparação para o
comunismo.
Todo o material de propaganda pregava, apenas, a revolução comunista, com
fortíssimos ataques às autoridades constituídas, principalmente ao Exército e ao
Governo Federal, sem nenhuma alusão às reivindicações estudantis. O movimento foi
deflagrado por elementos ligados à subversão e por eles divididos.”8
As constantes manifestações estudantis contra o governo eram interpretadas, novamente
pela imprensa, como um comportamento anormal de jovens interessados apenas em
“badernas”, sendo responsabilidade da religião conter os impulsos da juventude:
“Nunca em época alguma os jovens mereceram tanta atenção quanto na época presente
onde eles protestam veemente contra quase tudo que está aí. (...) Será que as religiões
estão fracassando e perdendo as suas condições de controle perante seus adeptos e
também perdendo a freqüência em seus templos respectivos? Eu creio que as religiões
são freios para muita coisa pois elas pregam de qualquer forma o bem...”9,
assim descaracterizavam-se as manifestações contra o governo ditatorial implantado
pelos militares no País, transformado-as em “rebeldias da juventude” realizadas por
jovens que queriam apenas reclamar contra tudo e todos, típicos rebeldes sem causa.
Outra constatação que ainda será intensamente explorada é a relação conflitante dos
Batistas com “dissidências” dentro do próprio meio protestante, que seriam os
estudantes da União Cristã de Estudantes do Brasil – UCEB chamados pela ala
conservadora da Igreja Batista de “missionários comunistas”. Os estudantes da UCEB
faziam exposições a jovens evangélicos em defesa de um socialismo não-marxista, o
que para O Jornal Batista não passava de “mais um órgão muito bem disfarçado do
Comunismo Internacional (...) com os propósitos de arregimentação dos jovens
evangélicos para os fins de comunização do Brasil”26.
Os estudantes de UCEB, foram inspirados pela renovação religiosa que se desenvolveu
na América Latina, a partir dos anos 50, graças a uma série de fatores – intensificação
da dependência, agravamento das contradições sociais, industrialização e o conseqüente
aumento do proletariado e, a partir de 1959 com a Revolução Cubana, a intensificação
dos movimentos sociais e guerrilheiros e dos golpes militares – que incentivaram, os
jovens protestantes a refletirem sobre as questões sócio-políticas do País.
Esse pensamento progressista que orientava a UCEB, foi amplamente discutido e
difundido durante a Conferência do Nordeste, realizada em Recife, em 1962. Com o
título: Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro, os conferencistas assumem a
defesa das Reformas de Base buscando participar dos projetos políticos nacionais
inserindo neles uma ética cristã. Segundo Joanildo Burity:
“Na Conferência do Nordeste essas questões [acerca da Revolução Brasileira] afloraram
como todo viço. Os melindres institucionais, a situação delicada de uma minoria
avançada demais para comportar-se nos estreitos limites da maré conservadora (que se
avolumava dentro e fora da Igreja, como conseqüência da crescente mobilização
popular inabisorvível pela reversão de um modelo de desenvolvimento que começava a
vazar por todos os lados) tudo isso se colocou ao nível do discurso analisado como
desafio e como obstáculo.”27
Essa “teologia neo-ortodoxa” teve no Brasil o Reverendo Richard Shaull como principal
divulgador, e foi com essa intenção que ele lançou em 1953, através da UCEB, o livro
“O Cristianismo e a Revolução Social”, obra que gerou discussões em todo o meio
evangélico. Nele Shaull tentava explicar a expansão comunista e afirmava que seu
surgimento ocorreu devido à falha do cristianismo em seu relacionamento com o
proletariado, já que o comunismo, apesar de ser ateu, enfatizava elementos do
evangelho que os cristãos haviam esquecido de praticar.
Ao contrário da esmagadora maioria dos evangélicos, Shaull defendia que a atividade
política também deveria ser o campo de atuação do cristão preocupado com a justiça
social, para ele:
“el compromisso de los cristianos com la lucha por el cambio revolucionario era una
exigencia de la fe bíblica. Em su perspectiva, la historia bíblica se centra em la vida del
hombre en el mundo. La existencia del hombre es histórica, y la historia, considerada
como ámbito de acción divina, camina hacia el establecimiento del reino mesiánico: un
nuevo orden de realización social, pero que no se cofunde con el reino de Dios.”28
Constata-se então que Shaull defendia a necessidade de uma Revolução Social porém
fora dos moldes comunistas, condenando o materialismo marxista, o caráter autoritário
do Estado soviético, e o fato deles não concederem lugar a Deus, sendo o comunismo
portanto incapaz de solucionar os problemas da sociedade.29 Propunha assim uma
terceira via, onde o resultado do processo revolucionário não seria o comunismo e sim
um socialismo diferente, livre do materialismo marxista conquistado através do
comprometimento político individual e coletivo dos cristãos para a construção de uma
sociedade mais justa.
O pensamento progressista e a Teologia da Libertação foram duramente combatidos
pelos setores conservadores das igrejas evangélicas, principalmente por suas
hierarquias, que se esforçavam para satanizar qualquer pensamento divergente. Os
jovens progressistas eram acusados de comunistas e muitos deles foram entregues ao
aparelho repressor do Estado pelas próprias autoridades eclesiásticas, pois na
mentalidade protestante da época aquele que delatasse seria diferente do transgressor,
isento de culpa. Rubem Alves relata em seu livro Da Esperança, sua experiência quando
foi acusado pelos órgãos de segurança do governo militar e não obteve apoio da
comunidade evangélica que preferiu manter-se afastada de qualquer pessoa que tivesse
sido acusada, ele afirma que:
“A delação é também parte dessa liturgia de participação. Delatar é dizer ao carrasco
quem é que deve ser sacrificado. E, com isto, uma nova operação matemática: sou
diferente dele separo-me do inimigo, entrego-o ao sacrifício, e assim afirmo-me como
membro do corpo sacerdotal. A delação faz isto: ela afirma a pertinência a um grupo
através do estabelecimento pratico do ódio a um outro. Delatar, portanto, não é
transgredir a ética; é enunciar uma metafísica e confessar uma lealdade.”30
CONCLUSÃO
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