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Questões e temas de orientação para o seminário sobre a Objetividade na

Ciência da Lógica

a) Questões de contexto:

-O problema da objetividade é um problema que surge com a filosofia moderna.


A partir de Descartes, a filosofia moderna institui uma nova ordem do saber que
conscientemente suplanta a visão ‘antiga’ (platônico-aristotélica) do mundo
(physis) com o projeto de uma matematização da natureza. Simplificando muito
essa transformação, pode-se dizer que o ponto de partida da nova ciência é o
‘objeto’, não a ‘coisa’ – onde o ‘objeto’ é uma idealização (o produto de uma
conceitualização) que deve valer indiferentemente para todo e qualquer ente da
natureza, enquanto que a ‘coisa’ indica um corpo ou uma essência existente
particular, preexistente ao saber.
O problema que Descartes deixa aos modernos é o problema da ‘realidade
objetiva’ dos conceitos: como o sujeito pode certificar como objetivo aquilo que
ele sabe ser o produto de um processo da sua reflexão?

(Sobre esse problema, uma referência importante é o livro de Klaus Brinkmann:


Idealism Without Limits. Hegel and the Problem of Objectivity, Sprimger, 2010. Ver
especialmente o primeiro capítulo, pp.2-40).

-Como falar da ‘objetividade’? Distinção entre três abordagens da ‘objetividade’:


realismo – idealismo subjetivo – idealismo objetivo.

(Sobre essas distinções, uma referência importante é a discussão sobre as três -


ou quatro – ‘posições do pensamento a respeito da objetividade’ no Conceito
Preliminar da Enciclopédia).

-Mecanicismo ou finalismo? Propor um percurso temático sobre essa dualidade


da filosofia moderna, analisando as posições de Galilei, Hobbes, Leibniz e Kant.

(Eu mesmo posso apresentar esse percurso temático. Sugiro que seja
apresentado no encontro do dia 26 de agosto, conforme consta no cronograma
atual, no lugar da apresentação do verbete)

b) Questões do texto (Doutrina do Conceito de 1816):

-Compreender a passagem da subjetividade (primeira seção) para a objetividade


(segunda seção). Reabilitação da prova ontológica ou realização do conceito?
Como entender a referência à prova ontológica?

(Sobre as questões que envolvem essa questão, acho interessante as


considerações de Schick (1994, pp.243-251), de Koch (2014, p.175) e de Pippin
(2018, p.124, nota 52, p.188, nota 4).

Essa questão se desdobra em duas questões: (i) em que medida o conceito


desenvolvido em conceito, juízo e silogismo pode valer como realizado

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objetivamente? Ou seja, em que consiste a objetividade da primeira seção? (ii)
Por que e de que forma essa configuração da objetivação precisa de um
desenvolvimento ulterior – na objetividade e na ideia?
(O volume de Schick de 1994 formula e desenvolve uma resposta a essas duas
questões).

-Problema interpretativo central: Em que sentido a finalidade ou teleologia é a


‘verdade’ do mecanismo e do quimismo? Que tipo de conceito de ‘verdade’ está
em questão na Lógica?

c) Objeções dos críticos da ‘objetividade’

A pesquisa de doutorado de Paolo Livieri (2009; uma versão reduzida em


italiano da sua tese foi publicada por Verifiche em 2012) identificou e recolheu
oportunamente os pontos essenciais das críticas que a tradição da hermenêutica
hegeliana desenvolveu a respeito da legitimação da seção Objetividade na
Ciência da Lógica.

1) A seção ‘Objetividade’ indicaria que no interior da Lógica Subjetiva permanece


uma divisão entre o que é subjetivo – próprio do simples sujeito cognoscente – e
o que é objetivo - próprio de uma realidade independente do sujeito
cognoscente – divisão que deveria ter sido superada pela mesma abordagem
especulativa da lógica hegeliana. Pois se a lógica hegeliana quisesse representar
a posição lógica que antece toda divisão ou que se coloca aquém de toda
oposição, então a Objetividade não teria direito a ser introduzida nesse âmbito
originário do pensamento.

2) A passagem da Subjetividade para a Objetividade não está expressa como uma


mediação lógica, mas de modo imediato e brusco, ou seja, não é justificado
segundo o processo lógico, mas aparece como uma imposição alheia ao
desenvolvimento das categorias que a antecedem bem como ao articular-se
subsequente da ideia.

3) As categorias que constituem a Objetividade se referem aos fenômenos


investigados pela assim chamada Realphilosophie e não podem pertencer à
pureza do pensamento que antecede toda e qualquer expressão da realidade da
natureza e do espírito.

4) Se a ‘objetividade’ designa o ser-em-si e para-si do conceito, então é uma


propriedade que pode pertencer somente à ideia enquanto conceito plenamente
realizado, e, portanto, não pode estar vinculada a um termo opositivo interno à
lógica. ‘Objetividade’, portanto, refere-se à absolutidade da ideia, não a
categorias que se contrapõem ao caráter abstrato de um conceito formal.

5) Na tentativa de tornar mais coerente em modo sistemático a lógica hegeliana,


a eliminação ou uma radical redeterminacão da seção ‘objetividade’ aparece
indispensável.

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Em geral, além do problema da passagem e do conteúdo das categorias de
mecanismo, quimismo e teleologia, os críticos assumem que a objetividade
somente pode ser entendida segundo dois significados: ou segundo a
absolutidade da ideia, a qual supera tanto a subjetividade formal como toda
oposição abstrata, ou como termo oposto à subjetividade formal, termo que
permanece vinculado a essa oposição e que, por essa razão, permanece abstrato.
Se o primeiro significado confunde a objetividade com a ideia, o segundo
significado deixa entender que o processo lógico anterior à ideia ainda estaria
imerso na oposição fenomenológica que deveria ser deposta no limiar do sistema
da ciência (ou pelo menos do sistema da razão pura).
Em ambos os casos, segundo duas acepções diferentes do termo ‘objetividade’, a
seção Objetividade deveria ser eliminada, e isso foi o que aconteceu nos textos
dos alunos de Hegel que fizeram a primeira recepção da Lógica.

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