A percepção da corrupção, seus efeitos e mecanismos de controle: Uma
análise multidisciplinar. In: GUERRA, Sérgio; FERREIRA JUNIOR, Celso Rodrigues (coords.). Direito administrativo: estudos em homenagem ao professor Marcos Juruena Villela Souto. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 631-687.
4.4.2 Os modelos de Administração Pública
Os modelos de administração pública são resultado dos modelos de concepção do Estado, e portanto, das funções atribuídas ou reservadas ao Estado e da concepção das relações Estado-Sociedade. A literatura especializada diferencia três modelos de administração Pública, o que é incorporado pelo PDRAE de 1995, o patrimonialista, o burocrático e o gerencial, razão por que a passagem de um modelo ao outro processa- se por meio de reformas administrativas. 4.4.2.1 Modelo de administração patrimonialista 4.4.2.1.1 O conceito de patrimonialismo Ressalte-se que o termo patrimonialismo foi introduzido por Max Weber como expressão de forma de dominação, em que a administração pública é gerida como patrimônio particular do chefe político, razão por que pode ser definido como a confusão entre o público e o privado ou a cultura de apropriação daquilo que é público pelo privado e remonta à diferença estabelecida por Maquiavel entre duas formas de organização política: a descentralizada, do Príncipe e seus barões, e outra mais centralizada, do Príncipe e seus súditos. No uso mais recente, o patrimonialismo vem associado ao clientelismo e populismo por oposição a formas mais modernas, democráticas e racionais de gestão pública. Schwartzman diferencia três usos dados ao conceito de patrimonialismo para caracterizar a formação política da América Latina contemporânea: o primeiro que entende o patrimonialismo como um elemento da cultura herdada dos colonizadores portugueses e espanhóis, com muitos seguidores após a obra de Faoro e configurada como característica essencial e imutável; o segundo, mais próximo da perspectiva de Max Weber e sustentada por Uricoechea, vê o patrimonialismo como traço da sociedade tradicional, que tende a desaparecer com a modernização; o terceiro configura sua tese e considera mais próxima da posição weberiana, segundo a qual as instituições sociais e políticas não são simples traços culturais ou sistemas de valores mas formas de vida que se estruturam a partir de condições reais e concretas, que disputam espaço e legitimidade com outras formas de vida alternativas, desenvolvidas em outras circunstanciais e condições. Na percepção de Martins, há interconexão e interdependência de três proposições: 1ª) que a administração pública brasileira foi fundada sob a influência de um etos fortemente patrimonialista herança cultural lusitana; 2ª) que o processo de construção nacionale a trajetória modernizaste da administração pública, vem tentando implementar formas institucionais anti-patrimonialistas, especialmente através da democracia representativa de massas e o padrão burocrático da administração pública; 3ª) que, em geral, o caráter dissociativo entre política e administração, constitutivo dos processos de construção da democracia e burocracia, é indício de recorrências e persistências de uma cultura de modernização nacional patrimonialista porquanto se tem constatado que a construção da racionalidade burocrática foi possibilitada preferencialmente mediante uma engenharia institucional dicotomizante entre política e administração do que resulta que a busca da excelência burocrática na administração pública brasileira está culruralmente associada com a exclusão da política, haja vista sua condição de portadora de influências e anseios patrimonialistas. 4.4.2.1.2 As manifestações do patrimonialismo Oportuno lembrar que o patrimonialismo: a) é herança ético-cultural de Portugal resultante do processo de consolidação do reino no séc. XIII e tendo como resultado: 1º) a centralização e concentração do poder real; 2º) a transformação dos costumes: aversão ao trabalho, mania nobiliárquica, decadência da família, predação e rapinagem; 3º) a organização administrativa montada e operacionalmente orientada, especialmente no período colonial, para arrecadar bens para a coroa, razão por que, visando à eficiência e a priorização dos resultados, todos os negócios se concentravam no Conselho Ultramarino, e ao qual se reportava a infraestrutura da colônia. A chegada da Coroa, enfatiza Martins, fez consolidar uma administração pública forte e socialmente pautada no velho e carcomido sistema de privilégios, esclarecendo, sob a inspiração de Faoro, que na administração prevalecia: paternalismo e nepotismo que empregava os inúteis letrados, na prática do bacharelismo cujos critérios de seleção, escolha e provimento oscilavam entre o status, o parentesco e o favoritismo; b) que o Estado e a administração pública brasileiros nasceram patrimonialistas, sendo o patrimonialismo um traço distintivo do período anterior à implementação de padrões burocráticos de racionalidade administrativa e que implica numa ética de apropriação da coisa pública e do Estado que aflora e coexiste com formas mais burocráticas; c) que a persistência do patrimonialismo verifica-se no caráter dissociativo da modernização administrativa, abrangendo, portanto: 1º) a implantação da reforma administrativa no Estado Novo, que introduziu a ideia da profissionalização do serviço público e o critério do mérito no ingresso e na ascensão profissional, o que se refletiu na diferenciação de órgãos e no estabelecimento de ações, normas, métodos e processos administrativos segundo padrões tipicamente burocráticos, mas que contou com a resistência das forças tradicionais de índole patrimonialista latentes e preponderantes; 2º) as reformas inerentes à redemocratização, como resposta aos desafios do Estado Democrático e às demandas do desenvolvimento e planejamento, no período 1945-1964. Segundo Martins, este período representa três espécies de iniciativas: desestruturantes da racionalidade funcional do período anterior, estruturantes de novos padrões de racionalidade funcional isolados em áreas restritas de atuação administrativa, de motivação econômica principalmente, e frustrantes tentativas em se retomar a modernização estrutural da administração pública. O sistema administrativo estatal, esteve[...] aberto às influências da política representativa, desinteressada na extensão dos esforços modernizantes em relação às variáveis estruturais essências da administração e, complementarmente, interessada quer em negociar os resultados das instâncias mais modernas, quer em lucrar com a paralisia das mais atrasadas; 3º) O regime Militar e sua Administração para o Desenvolvimento. Cabe lembrar que o modelo legal contido no DL 200/67 operacionalizou a reestruturação na administração pública sob as diretrizes do planejamento, organicidade, centralização decisória e normativa e desconcentração. Por outro lado, o objetivo político consistia em operacionalizar um modelo de administração para o desenvolvimento, baseado na consolidação burocrática de um estado forte, com predomínio da racionalidade funcional; promoveu a modernização administrativa, graças à ruptura que promoveu entre política e administração atributo do modelo decisório tecnoburocrático. Conclui Martins afirmando se o desenho institucional tecnocrático implantado pelo regime militar, embora dicotomizante, por um lado insulou o Estado do patrimonialismo oriundo da política, por outro, não logrou preservá-lo da influência patrimonialista tecnocrática, que através de formas como a dos anéis burocráticos e estratégias de ganhos crescentes auto-orientados (rent-seeking) manteve acesa a chama da cultura patrimonialista; 4º) o patrimonialismo persiste, inclusive, na Nova República, com projeções tanto por estratégias da tecnoburocracia, como em razão da polarização política. Na expressão de Martins, neste período de redemocratização o patrimonialismo tecnoburocrático deu lugar ao político-corporativo, baseado em alianças político-partidárias perfeitamente encaixadas na prática fisiológica em busca de recursos e influência sobre a administração pública. Por outro lado, uma aliança patrimonialista com a burocracia miúda se deu pela via do corporativismo, num ambiente marcado pela crescente politização do serviço público e, consequentemente pela conquista de privilégios. Em síntese, a trajetória da modernização da administração pública brasileira indica a existência do etos patrimonialista como uma força social dinâmica constitutiva deste processo. Na realidade, entende existiremduas direções do que poderia denominar-se sincretismo brasileiro: a burocracia patrimonial, o estamento burocrático , na expressão de Faoro. Outra direção do sincretismo burocrático-patrimonialista , sugerido por Martins, a modernização dissociativa, onde a construção burocrática é tendencialmente obstruída pela política. Como consequência, a modernização é incompleta, deslocada e ressentida da política, razão de soluções alternativas denominadas de pós-burocráticas, no ambiente democrático.