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SAUDAÇÃO

Saulo Marimom, Caroline D’avila, Martim Moraes Jr.

“ROYAL STRAIGHT FLUSH”: A (IN)APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL


NO JOGO DE POKER E A VISÃO JURISPRUDENCIAL CONTEMPORÂNEA DOS
TRIBUNAIS DE JUSTIÇA (TJRS, TJSC, TJPR) (2008 A 2013).

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo estabelecer uma análise entre as visões
doutrinárias e jurisprudenciais dos Tribunais de Justiça (TJRS, TJSC, TJPR) nos
períodos de 2008 a 2013 que consideram que a prática do jogo de poker não viola
princípios penais e aquelas que defendem a sua aplicabilidade no Direito Penal. Para
isso foi fundamental identificar quais características este jogo de carteado possui,
demonstrando que a aplicabilidade do princípio da adequação social afasta a
tipicidade na prática de jogos de azar, em especial o poker, verificando na
jurisprudência julgados com ocorrência da situação prevista no artigo em tela e qual
posição adotaram os julgadores.

1 INTRODUÇÃO

O jogo no Brasil sofre uma série de restrições por diversos motivos. E, não poderia deixar
de ser diferente, o jogo de cartas também sofreu.
Esta foi a abordagem desta pesquisa, pois, a expressão “jogo de azar” é ambíguo no
tocante específico dos jogos de poker. Veremos qual a predominância de fato nos jogos de
poker, se sorte ou habilidade de estratégia do jogador.
Além do mais será analisada a atipicidade desta prática e a aplicabilidade do princípio
penal da adequação social, onde o mesmo afasta a conduta descrita como contravenção
penal.

Em razão destes motivos o intuito é dar uma efetiva contribuição aos questionamentos e
dúvidas que vem surgindo quanto a estas questões, considerando o princípio da adequação
social, tendo em vista que a prática do poker, atualmente, conta com a aceitação
consensual da sociedade. Portanto, não pode ser considerado ofensivo aos bons costumes,
afinal, passando a ser fato atípico, pois milhões de brasileiro hoje praticam este jogo como
esporte e ainda não há lei que o regularize, nem que o criminalize também.

2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO JOGO DE PÔKER

A cultura e a história de um jogo são substanciais para entender seu funcionamento – as


diversas evoluções e mudanças sofridas no jogo refletem as mudanças ocorridas nas
sociedades por que passa.

A história dos jogos se confunde com a história da humanidade. A importância dos jogos na
vida do ser humano é tão grande que alguns antropólogos ousam nos classificar como
Homo Ludens, em vez de Homo Sapiens.

O poker é um jogo relativamente novo – com no máximo, 1.200 anos de existência. Alguns
atribuem a invenção das cartas aos chineses.

Supõe-se que os franceses são os grandes responsáveis pela disseminação do poker nos
Estados Unidos, utilizando a cidade de Nova Orleans, fundada por eles em 1718, como
porta de entrada para o jogo. O jogo, porém, foi visto na cidade pela primeira vez apenas
em 1829, 26 anos após Napoleão vender o estado da Louisiana para os Estados Unidos.

Foi apenas na década de 1970 que floresceu a modalidade que perdura até hoje – o Texas
Hold’em.

2.1 POKER: Conceito

O Poker atualmente consiste em um jogo de cartas, onde seu alvo é quem fizer a melhor
jogada, ganha a partida. O número de jogadores mínimos é dois participantes e no máximo
oito. Seu número de cartas é 52, sendo distribuídas duas para cada participante.
O objetivo do jogo é fazer a melhor mão possível de cinco cartas, combinando as duas
cartas fechadas, que cada jogador recebe no inicio de cada rodada, com as cinco cartas
"comunitárias" abertas pelo "dealer" (crupiê) na mesa.

3 CONTRAVENÇÃO PENAL

O Art. 50, caput do Decreto Lei 3.688/1941, dispõe que contravenção é: “Estabelecer ou
explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de
entrada ou sem ele” e tipificando a contravenção de jogo de azar, e a doutrina, com razão,
indica como objetividade jurídica os bons costumes uma vez que o Capítulo VII que trata o
tema é “política de costumes”

Verifica-se que o verbo nuclear do tipo é duplo: estabelecer e explorar. Um ou outro, e não
necessariamente ambos. “Estabelecer” tem significado amplo, como “instalar, organizar,
fundar, guarnecer a casa de jogo, com móveis, máquinas, baralhos, fichas, roletas e demais
objetos próprios”. “Explorar” equivale “a exercitar o jogo, praticá-lo materialmente,
executar sua técnica ou, na terminologia do próprio jogo, bancá-lo”

Após a edição da Lei 9.099/95, passou-se a considerar a contravenção penal, crime de


menor potencial ofensivo, como também todos os crimes cuja pena máxima não
ultrapassasse dois anos, cumulada ou não com multa. Desta forma, as diferenças práticas
diminuíram ainda mais.

Considera-se contravenção, a infração penal que a lei comina, isoladamente, pena de prisão
simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

O legislador teve em mente a punição daquele que desrespeita os bons costumes da


sociedade e, principalmente a moralidade.

Para a configuração da competição esportiva, que pode vir a se tornar o torneio de poker, é
fundamental que não existam apostas (de qualquer natureza). É que, pela dicção da alínea
c, do § 3º, do art. 50, transcrito acima, a aposta sobre qualquer competição esportiva é
enquadrada como contravenção penal.

Com isso, logra-se desqualificar os dois elementos: um torneio de poker (sem apostas, mas
com prêmios) pode ser considerado uma competição esportiva e, como tal, cuja prática é
saudável e recomendada, sem qualquer empecilho penal.

4.1. A Tipicidade no Direito Penal

A conduta é uma realidade presente na vida humana. Como o Direito é voltado para o
homem, a conduta tem que ser necessariamente relevante para ele. Contudo, quando se
fala especificamente em Direito Penal, nem todas as formas de comportamento humano
possuem relevância e para que a referida conduta seja penalmente relevante, o legislador
precisa reduzi-la a um tipo.

Tipo é a descrição do comportamento proibido e compreende as características objetivas e


subjetivas do fato punível.1

A tipicidade é a adequação do comportamento humano ao tipo de ilícito contido na norma


incriminadora, ou seja, é a conformidade do fato à imagem diretriz traçada na lei, a
característica que apresenta o fato quando realiza concretamente o tipo legal.

Em outras palavras que a tipicidade é a relação de adequação da conduta humana e o tipo


penal. As condutas que não forem adequadas a um tipo são penalmente irrelevantes, por
isso a tipicidade determina o âmbito da liberdade de ação: tudo o que não for descrito
como crime por um tipo não pode ter como consequência uma sanção penal.

Para apurar a tipicidade material, vale-se a doutrina dos princípios da adequação social e da
insignificância, que configuram as causas Implícitas de exclusão da tipicidade.
A adequação social exclui desde logo a conduta em exame do âmbito de incidência do tipo,
situando-se entre os comportamentos normalmente permitidos, isto é, materialmente
atípicos.

4.2. O Princípio da Adequação Social

O Estado Democrático e Constitucional de Direito é permeado de princípios (explícitos e


implícitos na Constituição) que limitam o poder punitivo do Estado. Isto posto, tem como
objetivo, evitar uma indevida, perniciosa e desnecessária intervenção do Direto Penal na
esfera da liberdade das pessoas.
Neste tocante, alude-se o princípio da adequação social, objeto basilar desta pesquisa.
A teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel, significa que, apesar de uma
conduta se subsumir formalmente ao modelo legal, não será considerada típica se for
socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da
vida historicamente condicionada.

Segundo Welzel, o Direito Penal tipifica somente condutas que tenham uma certa
relevância social; caso contrário, não poderiam ser delitos. Deduz-se, consequentemente,
que há condutas que por sua “adequação social” não podem ser consideradas criminosas.
Em outros termos, segundo esta teoria, as condutas que se consideram “socialmente
adequadas” não se revestem de tipicidade e, por isso, não podem constituir delitos.

A evolução do pensamento e dos costumes, é o fator decisivo para a verificação dessa


excludente de tipicidade.

5 POKER: ASPECTOS CONTEXTUAIS

Denota-se que o alcance próprio da expressão “jogo de azar” é ambíguo no tocante


específico dos jogos de poker. De fato, há, nos jogos de poker, predominância da sorte ou
da habilidade do jogador?
Na língua portuguesa, a expressão “jogo de azar” traz ínsita a certeza de que se relaciona de
modo exclusivo ou predominante com a sorte. Assim, pode ser definida “Aquele em que o
ganho ou a perda estão na dependência exclusiva da sorte (como a roleta).

Sob o ponto de vista psiquiátrico, há o acréscimo de um elemento fundamental na


compreensão de todo o quadro: a aposta. Podemos dizer que: “Os jogos de azar são
definidos como aposta de qualquer tipo ou valor sobre um jogo ou um evento de resultado
incerto e determinado em vários graus pelo acaso e provocam frequentemente sensação de
medo e de prazer decorrentes do risco”.

O poker é um jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da


sorte do jogador ou da destreza ou habilidade do competidor (modalidade de competição
esportiva, portanto)? Se a resposta for inclinada para a primeira hipótese, então
certamente se enquadra como “jogo de azar”. Se a resposta for tendente à segunda
situação, é sustentável com robustez de argumentos que, em realidade, não se trata de um
“jogo de azar”.

Se considerarmos que o poker depende principalmente da destreza ou da habilidade do


jogador/competidor, podemos desqualificar aquele primeiro elemento caracterizador do
“jogo de azar” baseado na prevalência da sorte.

Inúmeros jogos de azar contam, atualmente, com a aceitação consensual da sociedade,


motivo pelo qual não podem ser considerados ofensivos aos bons costumes, passando,
portanto a constituir fatos atípicos.

Por outro modo, a prática do poker não é proibida e nem legalizada por nenhuma legislação
brasileira, sendo, portanto tolerada.

A adequação social é, sem dúvida, motivo para exclusão da tipicidade, justamente porque a
conduta consensualmente aceita pela sociedade não se ajusta ao modelo legal
incriminador, tendo em vista que este possui, como finalidade precípua, proibir condutas
que firam bens jurídicos tutelados. Ora; se determinada conduta é acolhida como
socialmente adequada deixa de ser considerada lesiva a qualquer bem jurídico, tornando-se
um indiferente penal.

Em outra esfera, um jogo de azar o jogador não pode com suas habilidades interferir no
resultado final da partida. No jogo de poker o jogador habilidoso pode mudar o curso da
partida e ganhar a disputa através de seu raciocínio lógico.

LAUDOS PERICIAIS - Instituto de Criminalística/SP - viu-se concluído o jogo de poker após


estudos matemáticos e pesquisas comportamentais relacionadas a esta prática de jogo
contidas em diversos manuais e pesquisas bibliográficas, inferiu o perito relator que o jogo
de cartas denominado poker, tem como requisito preponderantemente e indispensável a
habilidade.

PARECER MIGUEL REALE – “o Pôquer constitui um jogo de complexidade e de sofisticação de


conhecimento similar ou superior ao Xadrez ou ao Gamão, dependendo ainda mais que o Pif –
Paf ou a Caixeta da habilidade, que consiste em informação sobre probabilidades matemáticas,
conhecimento das regras e estratégias do jogo, capacidade psicológica de apreender as reações
dos adversários, possibilidade de dissimular as próprias cartas e de prever as cartas dos demais.”

“o sucesso no jogo de pôquer, pela própria natureza do jogo, depende em grande parte da
habilidade do jogador, razão pela qual o jogo de pôquer não pode ser tido como Jogo de Azar,
não se perfazendo a tipicidade do estatuído no art. 50 da Lei de Contravenções Penais no caso
de exploração do jogo de pôquer.”

Reconhecimento MINISTÉRIO DOS ESPORTES - obteve perante o Ministério dos Esportes


quanto ao reconhecimento do pôquer, na modalidade Texas Hold’em, como esporte de
inteligência e habilidade
6. Entendimento Jurisprudencial acerca dos Jogos de Poker

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em Mandado de Segurança, entendeu que “no
poker, o valor real ou fictício das cartas depende da habilidade do jogador, especialmente
como observador do comportamento do adversário, às vezes bastante sofisticado,
extraindo daí informações, que o leva a concluir se ele está, ou não, blefando. Não por
acaso costuma-se dizer que o jogador de poker é um blefador. Por sua vez, esse adversário
pode estar adotando certos padrões de comportamento, mas ardilosamente, isto é, para
também blefar. Por exemplo, estando bem, mostra-se inseguro, a fim de o adversário
aumentar a aposta, ou, estando mal, mostra-se seguro, confiante, a fim de o adversário
desistir. Em suma, é um jogo de matemática e de psicologia comportamental.”

Da mesma forma, por Apelação Cível de Mandado de Segurança, o Tribunal de Justiça de


Santa Catarina entendeu que o poker não é jogo proibido porque não é de azar, assim como
também não é legalmente permitido, vale dizer, não há lei a seu respeito, como existe em
relação às diversas loterias, ou seja, trata-se tão somente de um jogo não proibido. Por
conseguinte, resta proibida a aposta ou o jogo a dinheiro. Frisa-se, proibida é a aposta, não
o jogo.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina em Mandado de Segurança, ainda, concluiu em voto


que “considerando que o poker, especificamente na modalidade Texas Hold'em, para a qual
se voltou a análise no caso, não é tipo de jogo em que o ganho e a perda dependam
exclusiva ou principalmente da sorte, mas sim da habilidade do jogador e, considerando
ainda que o campeonato objeto da impetração não permite apostas ou jogo a dinheiro, o
que seria vedado por lei, ao meu sentir, a segurança deve ser concedida para confirmar a
liminar que possibilitou a realização do Torneio de Texas Hold'em da LAPT.”

Ainda neste mesmo sentido em Agravo de Instrumento, o Tribunal de Justiça do Paraná,


alude assim como os demais citados acima que: “no caso do poker é sabido que a Secretaria
de Segurança Pública do Estado do Paraná tem interpretado que esta atividade configura
‘jogo de azar’ porque o resultado independe da habilidade, mas sim da sorte; contudo essa
conclusão está equivocada porque o poker na modalidade Texas Holdem não depende de
sorte, mas sim da habilidade e astúcia do jogador, equiparando-se ao xadrez; e que o
pôquer já no ano de 2010 foi considerado como esporte mental, passando a ter o status do
xadrez”.

Em Recurso Ordinário do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, foi mencionado


também que o poker não é jogo de azar: “é lícita a relação de trabalho em que o
empregado exerce as funções de croupie em jogos de poker, em entidade de recreação,
sem exploração de apostas. O poker é um jogo cujo resultado não depende exclusivamente
da sorte, mas principalmente do conhecimento, habilidade e concentração do jogador. Jogo
que não é considerado como "de azar" e que não é proibido por lei. Recurso do autor a que
se dá provimento.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao tratar o tema ao longo deste trabalho, percebe-se que temos duas vertentes que
afastam a aplicação da tipicidade nos jogos de poker a fim de não considera-lo jogo de azar,
consequentemente, enquadrá-lo como contravenção penal.

O primeiro, tornar o fato atípico, aplicando-se o princípio da adequação social, pois


inúmeros jogos de azar contam, atualmente, com a aceitação consensual da sociedade,
motivo pelo qual não podem ser considerados ofensivos aos bons costumes.

O segundo é analisar as características que o próprio jogo traz, como estudos matemáticos
e pesquisas comportamentais já nos comprovaram que tem como requisito
preponderantemente e indispensável a habilidade.
Parece legalmente viáveis o estabelecimento e a exploração de torneios de poker no País,
desde que algumas precauções fundamentais sejam observadas, a saber: a aplicação da
modalidade competição esportiva, como manifestação do entendimento de que em tal
circunstância não haveria predominância da sorte; e de que não existam apostas no
torneio, mas apenas cobranças pela inscrição em eventos e premiação pelo resultado final
obtido na competição.

De fato, se entende ser defensável que o torneio de poker sem qualquer aposta possa ser
compreendido como competição esportiva, e não jogo de azar, o que o levaria ao amparo
da legislação pátria.

O passado remoto do poker é incerto, mas está ficando cada vez mais claro que ele tem
lugar cativo no futuro. Suas virtudes são muitas, sobretudo quando falamos de Texas
Hold’em – a modalidade de poker que mais bem se adaptou ao pensamento
contemporâneo.

AGRADECIMENTOS

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