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Aos que acreditam na sabedoria do corpo
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Vida que flui, som que tece, luz que plasma”
Rudolf Steiner
Friedrich Rihelnever
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PREFÁCIO
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SUMÁRIO
Resumo 07
Apresentação da autora 08
Introdução - O corpo em Movimento na Pedagogia Waldorf 11
- Pequenos e grandes passos da pesquisa 13
Anexos:
• Padrões Neurocelulares Básicos (PNCB)
• Partituras Raízes I e II
• Trechos do livro Folguedos e Danças de Pernambuco
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RESUMO
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APRESENTAÇÃO DA AUTORA
1
O Curso de Formação em Pedagogia Waldorf tem duração total de 1.170 horas-aula- dividido em 18 módulos -,
mais 125 horas de estágio obrigatório (vide link http://www.escolawaldorfrecife.org/curso-de-formacao).
2
O programa de Certificação de educador do movimento somático, pelo método Body-Mind centering, tem a
duração de dois anos de estudos, com 500 horas. Os formandos estão qualificados a utilizar o trabalho em
contextos educacionais, vide links: http://www.bodymindcentering.com
e http://www.bodymindcentering.com/upcoming-courses
3
Minha filha Iami iniciou na Escola Waldorf Recife e atualmente é aluna na Escola Waldorf Rural Turmalina, em
Paudalho.
8
Esta aproximação com o cotidiano da escola tem me permitido observar
várias dimensões de atuação, percebendo, portanto, quais as possibilidades de
superação de desafios contemporâneos, especialmente no que se refere ao
trato com o conhecimento do currículo e sua adequação ao desenvolvimento
dos alunos, considerando as múltiplas influências do meio em que vivem.
De setembro a dezembro de 2016, como professora da UFPE, orientei e
colaborei com o estágio curricular de um aluno do curso de Licenciatura em
Dança, tendo assim experimentado a docência em dança com alunos de 3º, 4º
e 5º anos. Sendo a primeira vez em que a dança se apresentou de maneira
experimental, como conteúdo curricular, na Escola Waldorf Recife, a proposta
tentou aliar, ainda que de maneira rudimentar, os princípios da Pedagogia
Waldorf aos princípios somáticos4 e ainda aos princípios performativos da
cultura brasileira.
Neste mesmo semestre ministrei a disciplina Metodologias em Ensino
de Dança II, que teve um enfoque na faixa etária de 0 a 9 anos. Com
atividades teórico-práticas, o objetivo foi o de conhecer o corpo e o ser humano
em seus diversos estágios de desenvolvimento e refletir, inclusive a partir da
história do corpo de cada aluno, como poderíamos respeitar as necessidades
individuais de crescimento e desenvolvimento, a partir do movimento corporal.
Assim, cada aluno aprendeu e experimentou no corpo princípios, imagens e
conceitos referentes ao corpo e ao movimento, até chegar aos elementos e
movimentos da dança.
Desde que fiquei responsável por esta disciplina (a partir de 2014) tenho
pensado nesta adequação do ensino de dança aos princípios e conhecimentos
sobre do corpo provenientes da Antroposofia e da Pedagogia Waldorf. Essa
tentativa de adequação vem se materializando de diversas maneiras, uma
delas foi por ocasião do Curso de Extensão/Aperfeiçoamento coordenado por
mim na UFPE, sobre Educação Infantil e Arte (entre 2014 e 2015). O desafio
foi grande, pois eu já tinha uma noção de que na educação infantil a arte é
tratada na Pedagogia Waldorf de maneira muito diferenciada do que os 180
pedagogos das redes municipais conheciam ou desejaram vivenciar. Ministrei
o módulo de dança, alternando atividades de autoeducação do educador com
4 O termo “Somatics” foi usado pela primeira vez por Thomas Hanna, inspirado na palavra grega para “corpo vivido”
(Somatikos), reinterpretado como o corpo experienciado internamente, em integração de corpo-mente. Ver mais
em FERNANDES, Ciane. A imagem somática-performativa: força, conexão e integração. IX Colóquio Franco Brasileiro
de Estética: imagem e corpo performativo Escola de Belas Artes da UFBA, Salvador BA, Setembro de 2012.
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vivências que demonstrassem princípios da Antroposofia, em diálogo com os
princípios de corpo em movimento. Não posso dizer que houve um perfeito
diálogo, uma vez que não havia material ou experiência para consultar, de
maneira que foi um intenso trabalho de pesquisa, o qual gerou o texto “Dança
e infância: o movimento e as fases evolutivas da criança”, a ser publicado em
breve5. Esse texto se referiu à educação infantil, sendo que este TCC deverá
focar nos primeiros anos do ensino fundamental, quando se pode tratar da
dança como linguagem artística.
Ao longo do primeiro semestre de 2017, propus atividades com dança
na EWR (Recife), embora fazendo parte das atividades de apoio pedagógico e
professora temporária substituta (com os 1º, 2º e 3º anos), fato que me
permitiu tornar o meu estágio obrigatório do curso de formação em Pedagogia
Waldorf um campo de pesquisa muito rico e criativo junto aos alunos, de
maneira que as experiências e observações têm me permitido refletir sobre um
programa de corpo, movimento e dança apropriados para o ensino
fundamental Waldorf.
Acredito que essas sugestões possam ser úteis ao trabalho do professor
de classe e à Pedagogia Waldorf como um todo, e com certeza deverá servir
para os graduandos e educadores da área da dança, na medida em que se
conscientizem da necessidade de tornar sua prática mais humana, para além
dos corpos ideais e performáticos.
5
O artigo faz parte de uma coletânea de artigos intitulada A Arte de Educar: formação continuada em Educação
Infantil, pela Edufpe, 2018, no prelo.
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INTRODUÇÃO
O corpo em Movimento na Pedagogia Waldorf
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Os cursos do Body-Mind Centering (BMC) exploram os vários sistemas do corpo, estágios de desenvolvimento e
padrões de movimento através do aprendizado experimental. Os exercícios de somatização incluem movimento,
toque, vibração, som e imagens. A experiência, a consciência e a expressão são os caminhos metodológicos
utilizados para ocorrerem mudanças.
7 A Antroposofia entende o ser humano como um microcosmo no qual vibram e pulsam os processos do universo.
Centrando seu estudo no homem, tenta responder às suas necessidades, abarcando o científico, o cultural, o
artístico e o antropológico, trazendo para a sociedade impulsos de aplicação prática concreta. Diante das
necessidades contemporâneas, tem-se buscado construir, a partir de diversas fontes, uma nova visão de integração
que seja capaz de superar as constantes formas de fragmentação da nossa existência.
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Euritmia, aparecendo ainda como conteúdo estético nas apresentações
festivas, em especial as juninas. Em geral, esse tipo de movimentação
acontece com o corpo na vertical, sem a possibilidade de explorar o movimento
em outros níveis no espaço. Nas escolas em que há um pedagogo curativo, as
atividades do método Extra-Lesson contemplam mais a integralidade do todo
corporal com alunos em atendimento individual.
Considera-se como ideal a inclusão da Euritmia na escola pelo seu
conteúdo abrangente. A Euritmia trabalha diretamente com o conteúdo da
palavra, e expressa, através do movimento, também o que vive entre os
conceitos, o que nem sempre conseguimos captar de forma consciente, mas
vive, tece, cria. Tudo o que abrange o ser humano, a Euritmia traz em si como
potencial.
Especialmente no caso de não haver professor de Euritmia, como é o
caso da maioria das escolas Waldorfs da região metropolitana de Recife e seu
entorno, seria de fundamental importância compensar a insuficiência de
movimento corporal, implantando atividades que contemplem tanto os
aspectos de desenvolvimento quanto os aspectos culturais, artísticos e
curativos. É importante a ressalva de que o trabalho com dança, jogos e
educação física não corresponde à Euritmia, pois são estruturas diferentes de
manifestação do movimento corporal no espaço. No entanto, isto não impede
que haja um crescimento e evolução nessas áreas no sentido de corresponder
às necessidades artísticas e pedagógicas dos jardins e escolas Waldorfs.
Nesse sentido, este estudo pretende identificar elementos orais-gestuais
na cultura brasileira que contribuam no equilíbrio do ritmo dos alunos e
propõe uma reflexão acerca da concepção de corpo e de movimento que seja
voltada para o desenvolvimento da criança de ensino fundamental Waldorf.
Sobre o estado da arte da pesquisa: Além da literatura existente sobre o
desenvolvimento humano (KÖNIG, 2000,2011; LIEVEGOED, 2007) e sobre
movimento do corpo na Pedagogia Waldorf, proveniente da Antroposofia (vide
referências bibliográficas), é relativamente amplo o campo de estudos
acadêmicos, entre monografias, dissertações e teses sobre a importância do
movimento, da ludicidade, e da imitação na educação infantil Waldorf
(MANZANO, 2005, MATWIJSZYN, 2003, entre outros). Estes autores têm
buscado referenciais teóricos que dialogam com a Antroposofia, nas áreas na
Educação Física, Psicomotricidade e Pedagogia, focando especificamente no
12
desenvolvimento motor, como sendo fundamental para o desenvolvimento
corporal integral do ser humano.
No campo da linguagem artística há também um vasto material,
inclusive associando a educação estética com a formação humana (RIBEIRO,
2014), no qual a autora procura compreender os sentidos atribuídos à arte e
ao artístico no cotidiano escolar Waldorf. Esta autora desenvolve bem a noção
de corporalidade, mostrando que o movimento do corpo perpassa toadas as
linguagens artísticas, inclusive a linguagem da dança. Esta, porém, tem sido
trabalhada especialmente como na roda rítmica e nas festividades presentes
no currículo escolar. STRAUSS (1996) analisou a linguagem gráfica da
criança, esta compreendida como espelho do desenvolvimento infantil.
MARQUES, (2013), estudou a vivência das artes visuais na escola Waldorf, nos
2 primeiros setênios, do ponto de vista do desenvolvimento. Há um estudo que
foca na arte do movimento inerente à Pedagogia Waldorf, que é a Euritmia
(ARAÚJO, 2013), estabelecendo relações com a teoria de movimento de Rudolf
Laban. Na área específica da dança, em especial, tratada como matéria
curricular na escola Waldorf, quando da sua relação com o desenvolvimento,
HAES (2012), há uma excelente abordagem das cirandas de roda no primeiro
setênio.
Já para o segundo setênio, não encontramos nenhum estudo ou
proposta metodológica de dança para o ensino fundamental Waldorf, a não ser
a abordagem já citada da Euritmia, que é diferenciada em sua concepção e
prática, e que tem ampliado significativamente os limites da prática
pedagógica em termos de formação integral do ser humano.
13
Embora haja alguns professores de matéria artística, como no caso da
matéria música, que atua após a aula principal do professor de classe, o
restante dos conteúdos das épocas é tratado de forma inteiramente artística,
ou melhor, todo conteúdo deve conter a arte de educar. Assim, podemos nos
perguntar se o professor de sala no ensino fundamental Waldorf seria também
arte-educador devido a essa polivalência? Por outro lado, como os arte-
educadores licenciados em áreas específicas da arte compreendem o fato de
que, na Pedadogia Waldorf, a arte-educação é de responsabilidade de todos e
não de um professor especializado em Arte-educação, para que se possa atuar
artisticamente na escola?
Não caberia neste estudo essa discussão, uma vez que no universo
Waldorf não há a necessidade da arte fazer esforço para entrar na escola e ser
legitimada como área de conhecimento. Talvez isto seja um conforto para os
profissionais do ensino de arte, porém, a polivalência do professor de sala
ainda será por muito tempo, criticada pelos materialistas de plantão.
Apesar desta resistência da classe artística, o crescimento emergente
das escolas Waldorfs tem mostrado o quanto a arte tem sido eficiente, ainda
que sem querer levantar a bandeira de uma classe ou disciplina artística. A
diferença se faz pelo foco nos seres humanos, isto é o que faz da pedagogia
uma arte. Assim, prossigo, cada vez mais alegre com esse método artístico por
natureza, no qual a liberdade do professor é valorizada. Nesse sentido imagino
que pensar a dança por princípios pedagógicos Waldorf pode ser um caminho
de gestão social, de compartilhamentos, encontros e fluxos de movimentos
harmoniosos, dentro de um contexto maior, que é a escola e todos os que
fazem a comunidade. O primeiro capítulo trata justamente das reflexões a
partir dessas referidas conclusões.
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construídos, inclusive os artísticos. O conceito de arte é relativamente recente,
criado e legitimado no Ocidente, uma vez que muitos povos não consideram
como arte seus produtos culturais, mas como algo presente no cotidiano.
Em relação às artes visuais, e aos trabalhos manuais, aqui inseridos na
categoria das artes plástico-pictóricas, formadoras dos corpos físico e etérico,
a Pedagogia Waldorf tem um caminho metodológico bem traçado, em cada ano
escolar, iniciando pelas cores na aquarela e no desenho, passando pelos fios
do tricô e crochê, chegando às tramas do desenho de formas, estas podendo
ter características de etnicidade local, por exemplo, indígena (4º ano), ou
africana (7º ano).
Já as artes poético-musicais, nas quais estão inseridas a música, o
teatro, e, por consequência a dança, parecem menos claras, mas não menos
ancoradas nos princípios antropológicos. Estas artes são responsáveis pela
formação do Corpo Astral e do Eu. E o objetivo da Pedagogia Waldorf no
segundo setênio é harmonizar a entrada do Corpo Astral e do Eu com o Corpo
Físico e Corpo Etérico, de maneira rítmica, paulatinamente.
A música tem mais relação com o mundo espiritual e talvez a dança
seja mais voltada ao terreno, inclusive pelo fato de que as formas de dança
cujo repertório já se tornou patrimônio da humanidade, todas elas refletem as
tradições culturais nas quais se desenvolveram. Assim podemos compreender
a cautela existente entre os pedagogos antroposóficos no trato com a dança na
educação infantil e nos primeiros anos escolares.
Como então inserir elementos da cultura local, regional ou nacional no
currículo escolar, especialmente por se tratar de manifestações que se
materializam por meio de ritos marcados pelo forte sentido de etnicidade e
força mítica? O segundo capítulo traz elementos de caracterização a partir de
experiências durante o estágio na Escola Waldorf Recife.
A terceira etapa deverá trazer elementos de conceitualização, na
medida em que são os conceitos da pesquisa que irão modelar suas formas,
assim, como modela a forma humana. Para desfrutar o hipoteticamente belo
mundo escolar, e, portanto artístico, os conceitos de dança, de movimento, de
arte do movimento deverão se metamorfosear, se tornar vivos e orgânicos, a
partir de pontos de vista variados.
Sem possibilidade de alcançar vôos muito altos, considero que essas
reflexões estão agindo em mim, como pesquisadora, talvez mais do que algo
deva sair daqui pronto que possa ser encaminhando ou reproduzido por algum
15
docente, pois o que importa é o caminho, que nunca tem fim nesta busca de
encontrar conexões entre os fenômenos humanos. “Durante a vida o que tem
valor não é o saber pronto, mas o trabalho que conduz a ele; e esse trabalho
tem um valor especial quando se trata da arte pedagógica. Aí se dá o mesmo
que nas artes” (STEINER, 1997, p. 20). Como numa obra de arte que o
produto aparece no final, juntamente com o saber que lhe é inerente, a tarefa
pedagógica só se revela no final do processo, pois ao longo do caminho, o não
saber é o conteúdo vivo do processo: “...o elemento vivo, a fonte de vida, reside
no fato de algo ainda não se haver transformado em saber (idem, p. 20).
O terceiro capítulo busca chegar aos conceitos supostamente vivos
das sugestões metodológicas, considerando a diversidade social e cultural.
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1. Corpo, movimento e dança nos três primeiros anos escolares:
metamorfoses de imagens sonoro-gestuais
(Gaston Bachelard)
8
1ª conferência em Dornach (1922): Sobre o surgimento da fala e dos idiomas. In: Conferências aos trabalhadores
do Goetheanum sobre o conhecimento do ser humano no que diz respeito ao corpo, alma e espírito. Aracaju:
Edições Micael, 2012.
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pastosa essa dobra esquerda da fala. Esta deveria ser motivada e não forçada
a trabalharem um pouco com a mão direita antes de entrarem para a escrita.
Nesse sentido, se sempre há interferência e mudança interna quando se
atua nos membros em movimento exteriorizado, pode haver movimentos que
fazem o interior do corpo, em especial, o cérebro, repousar. Já é muito
conhecida a importância do ritmo de acordar e dormir na educação Waldorf.
Assim como é sabido que nos membros pode viver o sono. Isso pode parecer
uma contradição, mas é no sentido de não termos consciência do que faz cada
músculo e no organismo enquanto os movimentamos. Há sempre algo
dormindo conosco e a sensação de bem estar parece que tem a ver com a
qualidade do sono das partes que dormem em nós.
Embora não tenhamos consciência total do que acontece com cada
músculo ou órgão quando nos movemos, por outro lado a consciência só
existe no que tem movimento.
Convém lembrar que na Antroposofia há mais sete sentidos além dos
cinco sentidos aceitos na visão da fisiologia tradicional, configurando,
portanto, doze sentidos. Os sentidos mais atuantes de zero aos sete anos são o
tato, o vital, o movimento e o equilíbrio. O olfato, o paladar, a visão e sentido
térmico estão mais presentes de sete a catorze anos. De catorze a vinte e um
anos se desenvolvem os sentidos da audição, palavra, pensamento e a
percepção do Eu do outro.
O sentido do movimento nos permite perceber internamente o que
resulta de uma ação, de uma dinâmica. Apesar deste sentido perceber a
atividade da musculatura, seus movimentos rítmicos de contração e
relaxamento, esta é apenas uma camada. Através do movimento eu percebo
como o corpo astral atua no corpo físico. Essa percepção do movimento nos
liberta, dá-nos alegria no interior da alma.
O sentido do movimento próprio está ligado às forças interiores da
imitação:
9
Artigo “Sobre as crianças medrosas, tristes e inquietas. O trabalho sobre os sentidos básicos na
infância. Fundamentos de uma prática educativa de índole espiritual. Os sentidos básicos: seu
desenvolvimento, seu cultivo”. Disponível em https://docgo.net/philosophy-of-
money.html?utm_source=os-sentidos-basicos-henning-kohler
18
No decorrer do desenvolvimento, este sentido do movimento vai se
metamorfosear no sentido da palavra, daí sua relação com a linguagem, seja
ela artística, metafórica, verbal, cognitiva ou lógica. É interessante observar
quantos movimentos há na pintura, na escultura, na arquitetura.
19
permite compreender as diferenças entre povos, assim como a unidade na
universalidade.
As transformações que o homem realiza em seus membros
inferiores mais no sentido de toda espécie humana ou de uma
parte da mesma, como um povo, uma tribo ou uma família,
têm, na Ciência espiritual, as seguintes denominações: o corpo
astral transformado pelo eu chama-se alma da sensação; o
corpo etérico transformado, alma do intelecto; e o corpo físico
transformado, alma da consciência (STEINER, 2007, p. 22).
20
ao fato da falta de conhecimento sobre os princípios básicos que regem a vida, a
natureza e o desenvolvimento humano. Toda mudança contém um crescimento e
uma evolução, aspecto que deveria ser observado por parte de quem almeja mudar
ou reformar a vida social. Assim, ao observar a natureza do homem em
desenvolvimento, os princípios para a educação surgirão por si mesmos. Nestes
princípios estão contidos também os elementos da natureza oculta do ser humano,
tão desprezados que tem sido pelo materialismo vigente em nossa época, pois
considera apenas o visível como científico. Neste caso, apenas o corpo físico
material é considerado, sujeito às forças da química e da física.
Segundo Rudolf Lanz (1998. P. 16), “Antroposofia significa ‘sabedoria do
homem. Mas não se trata apenas de antropologia; trata-se, na realidade, de
uma ciência do Cosmo, tendo por centro e ponto de apoio o homem”. A tarefa
da Antroposofia é a de penetrar na vida do sentir humano, grande parte a
partir da experiência. O currículo se pretende ser vivo ao considerar a alma
infantil como fundamental, especialmente na nossa época, na qual emerge em
certa medida os fundamentos espirituais de maneira mais explícita do que em
épocas mais remotas da humanidade.
Segundo Karl Stockmeyer (2001), a educação Waldorf leva em conta
dois enigmas: o do ser humano e o do ensino. Os conhecimentos são tratados
como impulso para a vida, de maneira que as matérias servem mais ao
desenvolvimento humano do que ao próprio conhecimento. A Pedagogia
Waldorf é considerada uma arte de educar, na qual a liberdade do professor é
indispensável. Suas tarefas principais são o estudo meditativo da Antropologia
e as indicações dos casos individuais dos alunos. Interessante é o fato de que
esta pedagogia se distingue em muito das pedagogias tradicionais que dão
ênfase à memorização de conceitos.
É precisamente a capacidade de esquecer que educa o ser humano,
através da Ciência espiritual. Considerando que o esquecimento faz parte o
Corpo Astral ou anímico, e que a memória está mais ligada ao corpo do Eu,
embora tenha relação com o corpo etérico, podemos compreender como o ser
humano aprende, de acordo com determinada época de sua vida.
No primeiro setênio, a criação de hábitos é fundamental para fortalecer
o corpo etérico, já no segundo setênio, esses hábitos se mantém graças à
atuação cada vez mais presente do CA, no qual há a forte presença do
movimento, do interesse pelo que é belo, e pela maneira artística de fazer as
coisas.
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Lanz, na obra “Noções básicas de Antroposofia (1998:82)”, descreve o
segundo setênio como sendo o período de desenvolvimento do Corpo Astral:
O segundo período, que se estende dos sete aos catorze anos, é
caracterizado pelo desenvolvimento intensivo do corpo astral,
que passa a ser o elemento predominante até seu turbulento
‘nascimento’ definitivo, no momento do rebuliço da puberdade.
A astralidade toma, então, posse do corpo físico. Durante essa
fase que corresponde à idade escolar é principalmente o corpo
astral que deve ser ‘alimentado’ de maneira sadia, como o
corpo etérico o foi durante a época anterior. Os sentimentos se
formam e necessitam de impulsos apropriados. Os sentidos, de
simples órgãos sensitivos, passam a ser ‘antenas’ de uma alma:
a criança começa a apreciar música, pintura; compartilha dos
sofrimentos e das virtudes dos heróis de suas leituras; numa
palavra, a alma e a vida anímica passam ao primeiro plano.
Nessa idade a criança desenvolve seus dons artísticos. Ao
mesmo tempo o corpo etérico, liberto de suas tarefas do
primeiro setênio, torna-se instrumento poderoso do pensar e
da memória.
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Em sua 10ª conferência, RS afirma que “Corpo, alma e espírito estão no
sistema dos membros do homem (2003, p.120), e portanto, todo o universo
pode estar contido neles. Esse é um ponto interessante a se observar: o
entendimento do sistema dos membros que nós, como educadores, temos, ao
educar pelo movimento. Será que o sistema dos membros se constitui apenas
de partes isoladas ou extremidades distais e proximais do tronco, referentes
aos braços, mãos, pernas e pés? E devido a esse entendimento as maneiras
de usar o corpo também estão limitadas a este entendimento? Entendemos
que os membros a que ele se referem correspondem tanto aos quatro membros
acima mencionados, como às partes que têm aspectos motores no corpo, em
especial, os membros superiores e inferiores. Então, que relação os membros
podem ter com a cabeça e como o tórax que nos faça ampliar as possibilidades
de movimento estendendo para outras partes do corpo, outras formas de uso
do espaço individual e coletivo?
Nessa mesma conferência Steiner esclarece que o corpo todo é membro,
embora o que se mostra proeminente são os braços, mãos, pernas e pés.
Assim, entendemos que a cabeça também possui membros, que correspondem
aos ossos das maxilas inferiores e superiores s ela anexados. “O crânio
também possui seus membros (...) só que de maneira atrofiada (STEINER,
2003, P. 117)”. E vai além quando afirma que os membros humanos são não
apenas ossos cranianos transformados, mas ainda virados ao avesso (idem, p.
119).10
Como Steiner disse na palestra “A educação da criança segundo a
Ciência Espiritual”, a Ciência Espiritual fornece as bases certas não só para a
parte espiritual da educação, mas também para o físico. Antes da Euritmia ter
sido inaugurada como área de conhecimento (em 2012), o currículo de
ginástica era considerado como uma referência para tal afirmação, em
especial, no que se refere ao movimento do corpo físico:
10
GOETHE (apud Steiner, 2003, p, 118), foi o primeiro a estudar a teoria vertebral do crânio, constando que os
ossos cranianos derivam dos ossos vertebrais.
23
força crescente em mim. E esse sentimento tem que se
apoderar do interior como um prazer sadio, como bem-estar.
(STOCKMEYER, 2001, p. 348)
24
uma criação artística na qual a música é composta de acordo com a temática
do espetáculo.
Talvez um dos receios de que a dança entre na escola é o de que haja a
reprodução de danças presentes no lazer massificado de grande parte da
população, e que vulgariza o movimento corporal, que tem levado crianças a
um estado de precocidade e sensualidade, assim como o faz a música que lhe
é correspondente. Nesse sentido, a antecipação diz respeito ao Corpo Astral
ainda não nascido ao longo do segundo setênio.
De fato, esse é um dos maiores problemas que a educação pode
enfrentar. Um caminho de superação dessa visão é o de pensar o corpo
dançante ou o corpo em movimento a partir de princípios. Levar as crianças a
realizarem movimentos harmônicos seria o princípio mais importante, uma vez
que tais movimentos equilibram o dentro e o fora do corpo, relacionam o micro
e o macrocosmo.
Como escreve Elaine Marasca, no seu livro, “Saúde se aprende, Educação
é que cura (2009)”, sobre o binômio Saúde-educação, “a tarefa da educação é
ajudar a criança a formar sadiamente seu corpo físico e afastar dela todas as
influências que possam atrapalhá-las nesse trabalho (MARASCA, 2009, p.
156)”.
Considerando que a linguagem da dança como arte não é uma
exigência no primeiro setênio, a dança pode aparecer na educação
infantil especialmente como motivação para o movimento corporal,
valorizando a espontaneidade da criança e respeitando suas necessidades
lúdicas, afetivas, rítmicas e sociais, de acordo com as fases do
desenvolvimento. Aliás, a arte na pré-escola waldorf (primeiro setênio) parece
ser muito menos uma tentativa de elaboração de resultados por parte das
crianças e mais uma atividade processual de expressão, cujo material criado é
de extrema importância para o professor conhecer melhor seus alunos.
Para a Antroposofia, os movimentos são atividades próprias das
crianças e passam por diversas metamorfoses para se transformarem em
faculdades volitivas e intelectuais, contudo, para isto, como relata Lanz (1998),
é necessário que deixemos as crianças usar de seus próprios impulsos para
mover-se e gesticular livremente, evitando correções, exceto em casos de
movimentos que traduzem um espírito desequilibrado. Esses movimentos
nascidos dos impulsos pessoais, servem de base para as descobertas de seus
corpos como instrumentos de expressão e comunicação.
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No primeiro setênio, o corpo é o principal brinquedo da criança e esse
contato deve ser estimulado, além do contato com elementos naturais, como
água, areia, inclusive com o solo do chão natural, de maneira que haja o
desenvolvimento dos padrões básicos de integração postural e da percepção
interna e externa do movimento. Assim a atuação do educador precisa auxiliar
nesse desenvolvimento, em especial no amadurecimento dos órgãos, do
sistema nervoso, da percepção sensorial e da motricidade. Neste setênio toda a
vitalidade da criança deve estar disponível para tal, daí a importância de não
antecipar aspectos que gastam a vitalidade em atividades que não sejam
relativas ao desenvolvimento físico, como por exemplo aquelas que exigem
memorização, interpretação e/ou raciocínio lógico. O professor desde cedo
pode trabalhar com o ritmo como um grande instrumento de harmonização do
ser, através da capacidade de sentir.
A criança do primeiro setênio tem grande capacidade de imitação, daí a
importância do movimento, da alegria, do prazer e do amor, os quais são
trazidos ao ambiente pelo educador. São essas qualidades da alma que
plasmam as formas físicas dos órgãos. A criança pequena imita os signos,
independente de seu conteúdo. Daí a importância do ritmo e da beleza sonora
das canções infantis, histórias e contos, os quais estimulam a fantasia
saudável, plasmadora das formas cerebrais.
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inicia-se da atuação dos sentidos exteriores, os dos sentimentos, que têm
relação com o meio: temperatura, paladar, olfato e visão. A Antroposofia
entende que há um órgão específico para cada sentido, e que há um sentido
próprio do movimento, que é interno. No movimento corporal há uma
percepção interior ligada aos processos metabólicos que se passam no âmbito
muscular e orgânico. Segundo Rudolf Steiner, o movimento nos liberta e dá
alegria, justamente pelo fato de gerar um ritmo entre a contração e o
relaxamento, não apenas muscular, que seria apenas uma camada, mas
também passa pelas estruturas cerebrais organizadoras de estabilidade e
mobilidade.
Na Medicina Antroposófica o trabalho com os 12 sentidos é
fundamental, sendo o tato o mais básico de todos. König reconhece que “a
atividade tátil é um processo volitivo e que a vivência tátil é o resultado que
aparece do encontro do nosso querer com o mundo circundante (KÖNIG,
2000, P. 8)”. Em se tratando de um pedagogo terapêutico11 Konig diz que sua
tarefa é “dirigir adequadamente o ‘querer sensitivo’ e abrandar o ‘sentir
volitivo’ (KÖNIG, 2000, p. 14)”.
No segundo setênio o conteúdo de dança deve conter todas essas
necessidades, mas também estar atrelada ao conteúdo curricular, ou seja,
vinculado ao estudo da antropologia da criança. Todo o conteúdo escolar nos 3
primeiros anos escolares deve obedecer aos princípios da Antropologia da
criança. São os três anos mais importantes da vida escolar do ser humano, daí
o poder que tem a iniciativa pedagógica de atuar para o resto de nossas vidas.
Pensar, portanto, numa adequação da linguagem de dança é um assunto
bastante sutil, inclusive quando se trata de movimentos e temas da cultura.
Se um dos objetivos da Pedagogia Waldorf é evitar que o ser humano se
torne animalizado, por outro lado considera que nós, humanos, repetimos ao
longo de nosso desenvolvimento, tanto a filogênese, quanto as épocas
11
Enquanto o pedagogo concentra-se mais sobre a harmonia das três grandes áreas (pensamento, sentimento e
vontade), o pedagogo curativo dirige-se mais para as polaridades em desequilíbrio. Como também na Pedagogia
Waldorf, porém de modo mais acentuado, os elementos do ritmo e da forma, da arte e da criatividade, assim como
da ação e praticidade no ensino são fundamentais. (...) Nos países europeus a educação terapêutica e terapia social
é denominada de "pedagogia curativa" (por exemplo, Heilpädagogik em alemão,curative educationem inglês) e teve
sua origem dentro do contexto da Antroposofia, na qual foi inaugurada em 1924 por meio de um curso de
conferências do Dr. Rudolf Steiner como uma Pedagogia Curativa Antroposófica, sendo que daí difundiu-se para a
pedagogia convencional. A profissionalização nessa área é adquirida em um estudo de nível superior de 4 anos, o
qual corresponde ao que no Brasil se chama de psicopedagogia. http://www.sab.org.br/portal/ped-curativa-e-
terapia-social/131-educacao-terapeutica-e-terapia-social-com-base-na-antroposofia
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culturais da humanidade. Há, portanto o reconhecimento de que não se deve
evitar que a criança vivencie movimentos de animais, em especial aqueles da
escala filogenética, sobre os quais nossa espécie passa ontogeneticamente.
É preciso reelaborar estes estágios pelos quais o bebê passa, que é o
de rolar, rastejar, engatinhar, até verticalizar. Assim como acontece nas
referidas abordagens terapêuticas, pode-se utilizar nas aulas de dança desde
que esta valorize a educação somática como fundamental. Assim, trabalhando
o corpo de maneira integral, será mais fácil iniciar com os ritmos da nossa
cultura na parte de musicalização e composição gestual.
Em termos de linguagens artísticas, a Pedagogia Waldorf reconhece as
artes plástico-pictóricas e as poético-musicais. Entendo que a dança estaria
inserida nessas últimas, embora não seja tratada como dança propriamente
dita. Ainda que se faça uma movimentação dançada acompanhando um
canto, por exemplo, o canto é considerado o principal e a dança secundária.
Neste sentido, a Euritmia ocupa esse lugar quando possível, mas em
outros momentos práticos é o professor de sala que dá conta dessa atividade.
Esse professor é muito bem capacitado para lidar com aquarela, giz de cera,
desenho de lousa, desenho de forma, escultura, etc, um pouco menos para
cantar e tocar um instrumento, já que há a possibilidade de ser acompanhado
por um professor de música, e talvez, na arte da fala haja um domínio natural,
de maneira que a língua portuguesa se beneficia de algum tipo de recitação ou
dramatização. Mas quando se trata de dança, se for desejo da escola, de por
exemplo se aproximar da cultura local tradicional oral-gestual, talvez a dança
deva ter seu lugar na escola, de maneira que cada professor possa de
apropriar dessa linguagem mais profundamente, considerando sonância com
os princípios antropológicos do currículo escolar.
O conceito de tradição, pelo qual se processa a conservação do
fato folclórico, significa, no seu sentido latino, “traditione”-
entrega do patrimônio cultural de uma a outra geração. Falar
de tradição, entretanto não significa recusa à mudança, uma
vez que a variação lhe é inerente, decorrendo da própria
mobilidade cultural do homem da civilização urbana, como
também dos impulsos criadores, tanto individuais quanto
coletivos. (ARAÚJO, 1993, p. 23)
28
ferramenta para qualquer professor, em especial, os que têm mais afinidade,
mas também os que acreditam que a dança é para todos os corpos.
29
corpos. Uma questão sempre polêmica, pois embora tenha ampliado a
acessibilidade ao aprendizado de todas as linguagens artísticas, o ensino
terminou por generalizar também os potenciais humanos, desvalorizando
aquilo que justamente cada pessoa pode trazer de diferencial para cumprir
seu propósito ao longo da vida.
Atualmente a sociedade está muito complexa e diferenciada, cada
comunidade tem suas necessidades especificas. Assim não caberia mais ao
Estado ter um completo monopólio das leis que regem a educação. Cabe aos
próprios educadores fazerem uma autogestão associativa e construírem seus
próprios referenciais curriculares. Isso eu tenho visto na prática pedagógica
Waldorf, a construção curricular, feita ‘à mão’, de acordo com os parâmetros e
princípios da Antroposofia. A própria comunidade de educadores tem
desenhado esse currículo ao longo desses 100 anos de Pedagogia Waldorf,
reelaborando, ampliando, de acordo com os contextos geográficos e culturais.
O sentido da liberdade e de autogestão pode e deve ser realizada
criativamente por cada professor, uma vez que não é algo fechado e rígido,
ditado hierarquicamente, mas a partir dos princípios antroposóficos cultivados
por essa comunidade escolar. Para Rudolf Steiner (1997), o que importa na
arte de educar é aquilo que aprendemos e o que o educador, enquanto lida
com o ensino, deve inventar a partir do que aprendeu de si mesmo na relação
com os elementos do mundo sonoro e imagético.
Foi a partir desse entendimento de liberdade que apareceu a
necessidade, por parte desta comunidade, da qual faço parte, de inserir na
prática pedagógica elementos da cultura pernambucana, entre outros
aspectos. Assim, pude me sentir inspirada em colaborar criativamente com a
prática pedagógica dos professores, ao longo do estágio como apoio
pedagógico, e perceber o que poderia ser mais adequado diante das
necessidades físicas, anímicas e espirituais dos alunos do ensino
fundamental.
Se pudermos caracterizar o que acontece na prática cotidiana da sala
de aula waldorf, diríamos que o entendimento do movimento corporal por
parte dos educadores é um tanto restrito, na medida em que parece não
consistir na integralidade do todo corporal, à maneira como é entendido na
antropologia do ser humano, apontada por Steiner.
Ainda que a Pedagogia Waldorf valorize muito o movimento corporal,
faltam subsídios para aproveitar ao máximo sua pontencialidade, visando a
30
correta preparação para o pensar. Como já foi observado acima, é que esse
movimento tem sido realizado sempre com ou sem deslocamento no nível alto.
Ainda que se faça movimentos em outros níveis ou planos no espaço, quando
estes aparecem, acontecem como apenas uma passagem, pois o referencial é
da pessoa em pé. A importância de um trabalho de corpo fazendo o uso do
chão, do solo, com o corpo passando por outros níveis, e planos no espaço
parece ser um dos aspectos que está faltando na pedagogia, inclusive para que
possamos trabalhar o ser humano de maneira mais integral.
Nas atividades curriculares não há esse uso do corpo na posição
horizontal e seus desdobramentos, a não ser nas aulas extra-curriculares,
como oficinas oferecidas no contra-turno (capoeira, dança ou natação), ou nas
terapias extra-curriculares, chamadas extra-lesson, pedagogia curativa, ou no
método Padovan12, as quais estão voltadas para a reabilitação do processo de
aquisição do Andar, Falar e Pensar, mas que infelizmente, não estão incluídas
no dia-a-dia das escolas Waldorfs, como é o caso da EWRecife.
Pensando numa maneira de suprir as lacunas de atividades integrativas
no currículo, e observando a maneira que este está organizado, o estágio tem
permitido identificar possibilidades de movimento e de dança que deem um
apoio pedagógico ao professor de classe, ou no momento em que este precise
que o professor de matéria – preferencialmente da área de dança- esteja com
uma parte dos alunos durante os trabalhos manuais. Ou ainda, se o professor
de matéria, ou de jogos ou de música sentir necessidade de dialogar com a
linguagem da dança, nesta ótica da educação somática e criativa.
O estágio ou o trabalho de apoio pedagógico na EWR justamente está
me fazendo refletir nesse campo de pesquisa e atuar, ainda que nos intervalos
e momentos de parque, com dança e ginástica de solo13 para os alunos dos 1º,
12
O Método Padovan de Reorganização Neurofuncional, desenvolvido por Beatriz Padovan, é uma abordagem
terapêutica que recapitula as fases do neuro-desenvolvimento, usadas como estratégia para habilitar ou reabilitar o
Sistema Nervoso.
Uma terapia clássica de Reorganização Neurofuncional, recapitula os movimentos neuro-evolutivos do sistema de
locomoção e verticalização do ser humano, os movimentos neuro-evolutivos do sistema oral que leva ao domínio
da musculatura da fala, dos movimentos neuro-evolutivos do sistema ligado ao uso das mãos e sua riqueza de
articulações, e dos movimentos neuro-evolutivos dos olhos com sua organização muscular complexa.
O Método Padovan recapitula o processo de aquisição do Andar, Falar e Pensar de maneira dinâmica, estimulando a
maturação do Sistema Nervoso Central, com intuito de tornar o indivíduo apto a cumprir seu potencial genético e à
adquirir todas as suas capacidades, tais como locomoção, linguagem e pensamento. Essa abordagem apresenta
princípios semelhantes aos da abordagem do Body-Mind Centering, descrita mais adiante.
13 Algumas destas atividades foram realizadas com metades da turma do segundo ano, por ocasião da aula de
trabalhos manuais, numa sala onde chamei a “sala de movimento”, temporariamente vazia, utilizada para outras
funções pelos demais professores da Escola Waldorf Recife.
31
2º e 3º anos. Apesar de a minha função ser, além das substituições eventuais
de professores, basicamente acompanhar o brincar livre das crianças no
parque, pude proporcionar atividades mais dirigidas àquelas se interessassem
ou mesmo aos alunos que porventura precisarem estar fora da sala por algum
tempo.
Tenho procurado iniciar com movimentos globais, e em vários níveis e
planos, utilizando o recurso da imagem, para que ao verticalizarem, os alunos
possam fazer ações de partes especificas de maneira mais fluida. Ficou muito
concreto o fato de que alguns alunos tendem a alternar entre uma tonicidade
extrema e tensa e uma falta de tonicidade, e, portanto sem motivação para o
movimento. Estabelecer o equilíbrio seria um ponto a ser considerado.
Em se tratando da linguagem da dança, que é imagem concreta, pude
observar, o quanto ela pode ser útil, considerando que na metodologia waldorf,
o conteúdo da matéria é sempre apresentado pelo professor de segundo
setênio como uma descrição imagética do fenômeno, embora essa descrição
seja muitas vezes através da palavra, ou seja o professor usa a linguagem para
que a imagem apareça, para depois chegar ao conceito, ao cognitivo.
A linguagem caracterizante é o veículo da fantasia no 1º, 2º e 3º ano. A
linguagem descritiva mantém a fantasia no 4º e 5º ano. No 6º, 7º e 8º ano a
linguagem é explicativa, que é o primeiro passo para a abstração. Sendo a
dança por si só imagética, não teria sentido caracterizar, descrever ou explicar
uma dança antes de executá-la, pois a linguagem corporal nem sempre é
descritível sem o gesto. Como exemplificou Ribeiro (2014), para um conteúdo
sobre a África (no 7º ano), primeiro o professor descreve como eles cantam,
como eles dançam, provavelmente a partir da demonstração do gesto.
Observo que a dança, assim como a pintura, ou o desenho estão
inseridas na sala de aula do professor de classe, mas parece que com objetivos
que vão além da execução de passos, ou de um fazer artístico mais elaborado,
considerando que a harmonização e o desenvolvimento de cada aluno
continua sendo o principal foco do ensino.
O exemplo a seguir mostra uma situação de mudança na qualidade do
movimento, através da associação entre o movimento e a imagem:
32
noção de todos os movimentos necessários para atingir o objetivo. Então eu me
aproximei e na medida em que cada um corria em direção ao tatame, comecei a dizer
que animal ele parecia. Um era um cavalo, outro era um coelho, outro era um macaco,
outro um passarinho. Notei imediatamente como a qualidade da expressividade de cada
um mudou, tendo em vista a apropriação dos “personagens” animais (trecho do diário
de campo de estágio).
14Anotações da aula de Antropologia com Kátia Galdi no seminário de formação de professores em Pedagogia
Waldorf no Recife.
33
dança-coral,- que seria uma maneira educativa de atingir muitas pessoas para
o movimento-, e a dança artística profissional, à qual impulsionou a partir do
entendimento de princípios da harmonia espacial. Desse modo a dança pôde
ser inserida na prática pedagógica escolar, a partir de seus conteúdos
formativos, valorizando os processos criativos, e não apenas o produto estético
decorrente destes.
De maneira geral podemos dizer que há uma falta de apropriação dos
educadores escolares do conteúdo formativo em dança, a qual aparece mais
explicitamente justamente nas comemorações, quando está perto do São João
ou Carnaval, por exemplo, quando se começa a ensaiar alguma dança de
repertório. Este fato pode ser analisado como uma sub-utilização da dança,
pois apenas pontualmente ela é usada como recurso a serviço de um tema, em
detrimento de seu aspecto formativo, sistemático, ou de uma arte do e pelo
movimento.
Desde o momento da roda rítmica, passando pela aula principal, ou na
aula de matéria, a dança pode ser utilizada de modo sistemático, contribuindo
para vivenciar um conteúdo de época, ou mesmo sendo a dança pela dança,
da mesma maneira como a aquarela muitas vezes é utilizada.
Curiosamente tem acontecido de alguns alunos me perguntarem
quando será a próxima aula de dança e lamentando por nem sempre
acontecer, devido a imprevistos, ou pelo fato de não haver sistematicamente
momentos exclusivos com cada turma, em particular, devido à coincidência de
estarem duas ou mais turmas liberadas para o parque simultaneamente.
Considero que isto tem causado uma espécie de quebra no ritmo da rotina, na
qual houve atividades de movimento diferentes do que estão acostumados.
Essas atividades consistiam em momentos de relaxamento no chão,
aquecimento de maneira global, manipulação do corpo do outro em duplas,
exploração de movimentos criativos e imitação de gestos, além da reprodução
de movimentos codificados. Percebi a grande alegria das crianças em explorar
movimentos próprios e apresentar aos colegas. De fato, essa alegria provém da
novidade que é a liberdade de criar em torno de sugestões de imagens, uma
vez que outras atividades de movimento presentes no cotidiano da escola são
de movimentos onde o professor é sempre o modelo a ser seguido.
Suzanne Langer, crítica de arte, escreve:
“A arte da dança é uma categoria mais ampla do que qualquer
concepção particular que possa governar uma tradição, um
estilo, um uso sacro ou secular; mais ampla que a dança
34
cultual, a dança folclórica, a dança de salão, o balé, a moderna
dança expressiva (LANGER, 1980, p. 204)”.
35
organização corporal e somática dos alunos. Entendemos por organização
corporal, toda possibilidade de integração e conectividade de suas partes,
através de padrões de crescimento e de harmonização do ser humano. Essa
organização não se refere apenas aos tecidos, órgãos e sistemas internos e
superficiais, mas também aos níveis subjetivos.
A dificuldade que se apresentou foi o fato de que, enquanto aquilo era
uma novidade, havia motivação em participar e viver o desafio, mas na medida
em que já haviam experimentado algo parecido, algumas crianças
dispersavam e demonstravam querer outra coisa de novidade. Talvez isto se
deva ao caráter passageiro com que a cultura massificada impõe seus
conteúdos, os quais muitos alunos têm acesso (a respeito da cultura de
massa, ver o item 3.2 mais adiante). Também observei que a perda de
interesse se deu para algumas crianças pelo fato de apresentarem muitas
dificuldades de percepção de seu próprio corpo, como se precisassem
reelaborar fases anteriores do desenvolvimento que talvez tivessem sido pouco
exploradas.
Apesar das tentativas de elaborar planos e atividades de dança para
aplicar ao longo do período em que permaneci responsável por elas (vide
alguns planos de aula em apêndice), percebi que não se trata de receita de
“bolo pronto”, uma vez que cada um faz seu próprio caminho metodológico a
partir do que já foi vivenciado, mas convém refletir o fato de que o ensino de
arte pode ser prejudicial à criança caso seu enfoque seja na abstração
conceitual. Se a criança é, nos primeiros anos, um organismo totalmente
sensorial e delicado, ao ponto de sentir o que pensamos à sua volta, cujos
desenhos espelham o estágio de desenvolvimento em que se encontram, sem
necessariamente precisarem seguir regras ou modelos, assim também a
liberdade de suas danças espontâneas deveria ser mais valorizada do que as
apresentações precoces (antes dos sete anos) de coreografias para uma plateia,
ou mesmo as coreografias de última hora para as festas juninas, quando se
trata do segundo setênio.
Num desenvolvimento considerado saudável, todos nós deveríamos ter
facilidade, ser naturalmente fluentes no movimento corporal, não apenas para
torná-lo artístico, de maneira que pudéssemos desenvolver ao longo da vida
várias habilidades relacionadas à flexibilidade, força, expressividade, ritmo,
precisão, e à percepção de si e do outro.
36
A beleza da arte a ser cultivada a partir dos sete anos deve vir a partir
dos princípios, adicionando ao saber incorporado, o sabor das rodas e
cirandas cantadas, jogos corporais-musicais, movimentos rítmicos, os
movimentos percutidos, os gestos cantados.
Ainda que a orientação do livro “Cirandas de Ontem e de Hoje” (HAES,
1990), esteja voltada para o primeiro setênio, também é possível encontrar
elementos formativos nas antigas brincadeiras, que sejam adequados aos
primeiros anos escolares. As canções que as acompanham despertam o ritmo
com o objetivo de despertar para o movimento. Os princípios de organização
dos movimentos cantados são com as crianças em círculos ou em pares, face-
a-face (aproximação e afastamento ou vai-e-vem), ou ainda em fileiras (danças
de comboios). Um exemplo bastante adequado, vivenciado com o 1º ano é a
brincadeira “eu sou pobre, pobre, pobre, de marré descê”, que é uma
brincadeira de vai-e-vem, a qual, embora o andar para trás seja mais
adequado às crianças mais velhas, neste caso, porém, as crianças estão de
mãos dadas, o que as deixa mais seguras. Também se adequa as brincadeiras
cantadas realizadas em círculo, como “senhora Dona Canja (arcanja)”. Para o
segundo e terceiros anos aquelas que fazem fileiras, como é o caso de
“Passarás” ou qualquer uma que tenha movimentos criados e improvisados
para serem imitados ao longo da caminhada15.
15
Ver exemplos de rodas cantadas em Duarte (2000), com variações entre as letras das canções.
37
improvisação provenientes dos trajetos aprendidos em
harmonia espacial, combinados de diversas maneiras entre
duplas, trios, quartetos e grupos grandes de pessoas, inclusive
gerando atividades simples como “seguir o líder” mais próximo
quando do deslocamento em fileiras. Mesmo havendo
diferentes abordagens de composição entre os que trabalham
com Rudolf Laban, há um ponto em comum: o princípio de
elaboração de seqüências de movimento individualmente,
depois em duplas, e em seguida, as duplas se juntam em
quartetos e assim por diante, até formarem uma grande
coreografia (Araújo, 2008, p. 71).
D. Udo de Haes levanta uma questão acerca da escala tonal das antigas
canções folclóricas16. “a criança da primeira infância, e também a criança em
idade escolar (até nove anos) deveriam permanecer ainda bem distantes do
elemento diatônico com seus sustenidos e bemóis. No entanto, as melodias
das antigas canções têm algo de tão delicadamente onírico, ou podem ser
dramatizadas nesse sentido de sonho, de modo a pouco acentuar o tom maior
ou o tom menor (HAES, 2012, p. 32.). O autor afirma a importância da escala
pentatônica, isto é, a sequencia de cinco tons: sol-lá-si bemol-ré-mi, devido ao
seu caráter onírico, flutuante.
Assim como há uma orientação curricular para o uso da escala
pentatônica, imagino que deve haver alguma restrição de movimento corporal
nas orientações das aulas de dança, ginástica ou eurritmia. A meu ver, um
movimento de tocar com a ponta do pé no chão e deslizar, como é utilizado no
balé clássico, por exemplo, equivale a um trabalho dos pés como motricidade
fina, a exemplo do uso das mãos na escrita. Um simples caminhar pode exigir
muita concentração e refinamento do movimento,
portanto, qualquer atividade, que exija exclusividade de extremidades dos
membros, pode levar mais ao pensar do que à vontade e ao sentir.
Uma das questões importantes nesta pesquisa é, qual a diferença ente a
Dança e a Euritmia ou qual o benefício da Euritmia para a dança? Considera-
se que na Euritmia não se dança a música – canta-se de modo visível (por isto,
a princípio, a Euritmia não deveria ser confundida com a arte da dança).
Atualmente, porém, segundo Cláudio Bertalot17, podemos sim, chamar a
Euritmia de dança, pelo fato de que, no fundo, são os movimentos que
geraram essa música no músico que aparecem no movimento da pessoa que
16 Consideramos como sinônimos neste estudo os termos popular e folclórico no que se refere aos aspectos da
cultura nacional.
17 Professor pioneiro do curso de formação em Euritmia Artística no Brasil. Ministrou, junto com Patrícia Bertalot
curso de extensão na UFPE em 2013, por ocasião da pesquisa de minha orientanda Rafaella Cavalcanti.
38
dança. A música brota de um movimento interno, que numa composição
musical, se externaliza em sons, que só existem numa relação entre ambos,
movimento e som.
Patrícia Bertalot compreende que o conceito de “dança” se expandiu
tanto, que a Euritmia já pode ser chamada de Dança. No entanto, as outras
danças não têm sido chamadas de Euritmia, o que não impede o diálogo entre
elas. Em suas aulas de balé clássico, Patrícia trata a técnica com outra
abordagem, com base na Euritmia. Ao invés de pedir ao bailarino que alongue
as costas, ela diz: "põe luz nas costas ao invés de esticá-las, encontra outra
intenção”.
Outra questão pertinente é sobre o relacionamento entre os dançarinos.
A Euritmia valoriza a relação entre as pessoas, as quais não podem ocupar o
mesmo lugar no espaço. Há uma troca e o perceber o outro de maneira
cuidadosa. É importante que haja espaço entre as pessoas, por isso a
Euritmia valoriza pouco o toque. O contato entre as pessoas (toque) não gera
espaço, ao contrário, é a falta de espaço.
Nesse sentido as abordagens somático-performativas em dança se
diferenciam da Euritmia pelo fato de valorizarem o toque entre professor e
aluno, e entre os próprios alunos, como forma de estimular o
autoconhecimento e a criatividade.
Na Euritmia há uma visão abrangente de espaço e tempo. Percorrer
uma linha reta para frente e para trás tem um significado que vai muito além
das formas. Segundo Cláudio Bertalot, o movimento vem de um lugar antes,
passa por mim e continua para além de mim. O tempo é outra dimensão do
espaço. Uma comparação interessante é feita por Steiner a respeito de uma
flor: “A flor antecede a semente; e, assim como a flor antecede o fruto, a
semente da qual surgiu esta flor se desenvolveu de uma planta igual.” (In:
FROBÖSE, 2009,p.16).
Uma das maneiras de dançar no espaço, espacialmente na abordagem
da Euritmia Social é através dos desenhos de formas. Nas culturas antigas
havia a lemniscata, o oito harmonioso, as espirais, as estrelas, etc. Na forma
da estrela de cinco pontas, por ex, cada uma das cinco pessoas que a
compõem representa a cabeça ou um dos membros do corpo humano,
percorrendo o espaço através das diagonais e horizontais. Observamos a força
que há em cada linha, seja curva ou reta: uma que contrai, outra que
expande. A Linha reta é o resultado do movimento interior. Assim como o
39
inspirar constrange e o expirar refresca, a vida é feita de reações como rir ou
chorar, como expansão e contração. Em toda expansão sentimos uma elevação
do interior para o exterior. Já na contração há uma força de concentração que
converge a um ponto. Nas espirais há possibilidades de contração e expansão.
Há um paralelo interessante entre a Euritmia e o Desenho de Formas: A
Euritmia é um movimento que leva a uma imagem, especialmente pela
linguagem poética. O Desenho de Formas é uma imagem que leva a um
movimento. Por se tratar de imagens primordiais e arquetípicas, quando
aplicado ao contexto ou fase de desenvolvimento da criança, essa ligação entre
o desenho e o movimento torna-se extremamente curativa. A Euritmia e o
Desenho de formas são as únicas duas artes que só existem na Pedagogia
Waldorf. No caso de haver também Dança como arte nas escolas Waldorfs,
imagino que esta pode ser completamente compatível com a Euritmia no que
se refere aos desenhos de formas, pois estes contêm princípios organizadores
de corpo em movimento. Em ambas as abordagens, da dança e da Euritmia há
o objetivo de integração.
Vale ressaltar que a Euritmia de Steiner não está situada no
bojo das práticas da educação somática, mas podemos
compreender que seu método atinge o mesmo objetivo de
integralização do todo corporal do ser humano. A Antroposofia
que fundamenta a Euritmia entende o ser humano como um
microcosmo no qual vibram e pulsam os processos do
universo. (...) Diante das necessidades contemporâneas, tem-se
buscado construir, a partir de diversas fontes, uma nova visão
de integração que seja capaz de superar as constantes formas
de fragmentação da nossa existência (Araújo, 2013, p. 3).
18
Sic. Steiner escreve a palavra Eurritmia como originalmente foi criada por ele, e coincidentemente por Dalcroze,
diferente de como hoje se escreve Euritmia, talvez para diferenciar daquela criada por Dalcroze.
40
Outra semelhança entre a Dança e a Euritmia seria na questão
musical, embora na dança nem sempre haja o objetivos de tornar a música
visível. E outro aspecto que as diferencia pode ser o de utilização pelo corpo
dançante do registro vocal, cantado, simultaneamente ao movimento.
Agora focando no ensino de Dança, qual seria a diferença entre uma
abordagem de movimento, no primeiro e no segundo setênio? Na escola de
ensino básico e fundamental, o valor dado aos gestos cantados pode ser
essencial no desenvolvimento dos alunos, na medida em que permite espelhar
a harmonia do universo em seu ritmo primordial de expansão e contração.
Essa é a razão pela qual ainda permanece nas danças-músicas dos povos a
transmissão oral-rítmica de geração a geração, por estas conterem o ritmo da
contração e expansão, imagem da forma lúdica do sagrado e da ritualidade
como jogo cultural. Daí a importância do professor estabelecer seus conteúdos
e objetivos, observando as possibilidades lúdicas, considerando-as de acordo
com as fases evolutivas da infância e da adolescência. Além disso, o educador
deve ter metáforas e imagens para todas as leis da natureza e todos os
mistérios do universo, cujas analogias não falam somente ao intelecto, mas ao
sentimento, às emoções, a toda a alma. A isso se chama de arte pedagógica.
(Araújo et all, 2017).
A partir de Laban e seus colaboradores, os estudos do corpo em
movimento permitiram a observação e análise do movimento em termos de
qualidades dinâmicas, de maneira que é possível explorar movimentos, criar e
compor sequências de movimento coreográficas, bem como, compreender, por
exemplo, a dinâmica social e cultural dos povos, características étnicas das
danças tradicionais.
A compreensão estética de Goethe, que fundamenta a Antroposofia, tem
recuperado para a vida social a religação entre a arte e a natureza, entre a
natureza e a cultura. Nesta abordagem a arte é compreendida não como
reprodução da natureza, mas contendo uma visão cultural de sua essência e
de suas leis, enfim, das leis (arquetípicas) do cosmos, cuja simbologia difere
em cada povo, em cada cultura. Na criação, atingimos o imutável em eterna
transformação. Em outras palavras, a Antroposofia, tem uma visão universal
dos conteúdos e qualidades dos saberes locais das culturas tradicionais,
fazendo a ponte entre o local e o universal, entre os sentidos e o mítico. Com
isso, propõe um caminho para profissionais que acreditam na arte e cultura
como via legítima de educação e transformação social.
41
Seja a dança uma manifestação artística ou social, o senso comum a
compreende como sendo a expressão da música através do gesto. Sem dúvida
a dança tem sua ligação com a música na medida em que se manifesta de
maneira rítmica, sonora e gestual, tendo ou não um tema mítico.
É justamente esse diálogo entre a dança e a música que nos interessa
na escolha do repertório de dança a ser vivenciado na escola Waldorf, uma vez
que as letras e as melodias das canções perpassam as práticas pedagógicas de
maneira que a junção dos elementos rítmicos linguísticos e musicais,
“contribui para que o eu se insira de modo correto no organismo (STEINER,
1997, P. 60)”.
Steiner traz a ideia platônica de relacionar a música com a vontade,
pois ao falar da essência e não das ideias, o elemento musical reproduz a
própria vontade humana. Daí a importância do movimento e do elemento
musical para motivar a capacidade de lembrar, uma vez que a atividade
rítmica regulada pelo coração e pulmão é a ponte entre o perceber e o lembrar.
Gradativamente, as crianças que se beneficiam de atividades rítmicas, das
quais o brincar e arte são condutores, vão adquirindo a capacidade de
compreender, já que a compreensão do conhecimento se realiza por meio do
sistema rítmico.
Assim podemos compreender a relação entre as artes orais-corporais-
musicais, e sua atuação no estado de presença e na vontade. Assim como o
elemento musical continua vibrando em nós por muito tempo, atuando em
nossa memória, quando me movimento para fora de mim, também me
movimento dentro de mim.
Vale ressaltar a importância que tem sido para as escolas Waldorfs
brasileiras o repertório de cantigas de roda, gravado na escola do Vale de Luz
em Nova Friburgo- RJ, fundamentada na Pedagogia Waldorf, e produzindo
pela SANGHA rede comunhão das Danças da Paz Universal, em 1997, cuja
publicação artesanal foi denominada “Raízes I e II- Rodas Brasileiras”. Neste
repertório, voltado para a infância e quase todo coreografado, sobressaem-se
canções tradicionais da região sudeste, porém já difundidas para todo o
Brasil, como é o caso de Bom dia começa com alegria, Lançai um sorriso no
ar, Vento Frio, etc., ou canções compostas pelos músicos como Marcelo
Petraglia, como A Arca de Noé, Pinga Chuva, Borboleta toda branca, Iemanjá,
entre outras que reconhecem as culturas tradicionais, dos povos ameríndios,
africanos e demais etnias que compõem a identidade brasileira (ver em anexo
42
alguns trechos dos livretos “Raízes”). Vale salientar que tive acesso a esse
material através do movimento das danças da paz universal e que parece ter
sido difundida no nordeste apenas em termos musicais e não gestuais.
43
O músico Marcelo Petraglia pesquisou, por exemplo, as canções dos
Guaranis de São Paulo, divulgando entre os pedagogos Waldorfs. A canção
Ororu, Yamandu, por ex, eu tive oportunidade de aprender com ele num curso
que ministrou no Jardim Sementes de Luz, em Mucugê (BA). Essa canção foi
utilizada por mim com o quarto ano, a partir de explorações de movimentos de
compasso ternário.
O tema da cultura e da dança popular será mais aprofundada no
capítulo 3. No momento é preciso voltar à questão delicada que há em resgatar
as mitologias brasileiras, no caso, pernambucanas, para o currículo escolar
Waldorf.
44
Observando a comunidade recifense das escolas Waldorfs, a maioria
das famílias tem acesso às manifestações da cultura regional, porém de
maneira mais pontual, como por exemplo, no São João ou no Carnaval, outras
têm acesso mais direto ao contexto comunitário da cultura, como é o caso de
famílias moradoras na zona rural de Olinda, em contato direto com a cidade
Tabajara, onde há a Casa da Rabeca, local de efervescência cultural forte,
passada de geração a geração pela família do Mestre Salustiano, como o
maracatu piaba de outro, a capoeira ou o cavalo-marinho.
Com o processo de escolarização das danças populares, com a criação
da escola de Frevo, e da escola Brasílica, vários métodos foram sistematizados,
porém observamos que são danças reelaboradas a partir de contextos
culturais e reproduzidas por adultos. Nas escolas parece haver uma espécie de
adaptação para crianças pequenas e nos centros comunitários, as crianças
participam das apresentações integrando as alas de crianças, e, portanto,
acompanhando os adultos de uma maneira mais livre. Nas comunidades não
há aulas de dança ou do folguedo a ser apresentado. Acontecem os ensaios e
as crianças desde cedo vão aprendendo por imitação, a princípio sem definição
dos passos, até o momento em que estão reproduzindo fielmente o que é
dançado pelos mais velhos.
Como situar então o papel da escola seja Waldorf ou não, no que se
refere ao trato com a linguagem de dança, considerando essas influências
externas, que, de certa forma, antecipam a chegada do corpo astral?
Certamente que as danças populares devem ser introduzidas de
maneira muito suave, para que haja o despertar para a complexidade dos
códigos culturais corporais de cada uma delas quando o aluno chegar ao
ensino médio. Tais danças devem ser trazidas em sua sacralidade inerente,
como tiros de iniciação e passagem a cada fase evolutiva da criança, assim
como o fazem as demais matérias curriculares em suas passagens pelas
épocas19 dos conteúdos.
Daí a importância de resgatar as brincadeiras antigas nos primeiros
anos escolares, e introduzir os demais ritmos e movimentos mais complexos,
quase todos de partes isoladas do corpo, a partir do terceiro ano, marcando os
ritmo com os membros superiores, por exemplo: bater com as quengas de
19
“A proposta Waldorf traz a inovação do ensino em ‘épocas’, segundo o qual determinada matéria é ministrada
por várias semanas no primeiro horário da manhã (o restante do dia poderá ser ocupado por outras matérias como
Artes, Educação Física, Línguas, etc.) (MARASCA, 2009. P. 81).”
45
coco, sem a marcação dos pés e sem os cruzamentos e os zigue–zagues da
dança do Coco.
A ciranda vem sendo utilizada com os primeiros e segundos anos, mas
dependendo da maneira como tem sido feita, pode adiantar princípios que as
crianças ainda não alcançaram, como por exemplo o cruzamento de pernas
com uma trança bem marcada. Seria interessante incentivar movimentos mais
globais do corpo, antes de passos mais específicos, que talvez apenas a partir
do terceiro ano, sejam mais adequados.
Na nossa cultura temos inúmeros exemplos de gêneros musicais cuja
dança apresenta códigos de movimento que tornam mais visíveis os elementos
musicais que a compõem. O frevo, o samba, o maracatu, o coco, a ciranda, o
xote, maxixe, caboclinho, toré, e mesmo a capoeira, são exemplos de práticas
tradicionais ou manifestações de danças-músicas tipicamente
pernambucanas, presentes nas festas e carnavalizações do sagrado, inclusive,
coletivos, aspecto considerado importante quando se pretende atingir todas as
crianças num processo educativo, sem eleger um modelo de corpo ideal. No
entanto, a maneira de oferecer este alimento anímico na escola precisa ser
considerada conforme a antropologia do ser humano.
46
3. Aspectos culturais, artísticos e terapêuticos do corpo em movimento e
em desenvolvimento.
47
que a dança.
Em relação à música, é fato que nem sempre está ligada a uma dança,
mas toda cultura possui algum repertório de músicas utilizado para ser
dançado. Mesmo que queiramos isolar uma da outra, podemos observar que
acompanhada ou não por música, a dança está ligada ao tempo musical,
rítmico, seja o tempo da respiração, da voz, do próprio movimento ou da
repetição e transformação do gesto. É justamente o ritmo que torna todo
movimento em gesto.
A dança popular, como dizia Mario de Andrade é uma dança dramática,
que envolve o canto, o instrumento, o figurino, a fala, os personagens. Embora
este autor considere a origem religiosa de todas as danças dramáticas, na
maioria delas, a linguagem coloquial muitas vezes traz um conteúdo licencioso
e, portanto inadequado para crianças antes do rubicão(*), pelo menos no
espaço escolar, ainda que algumas delas tenham acesso em seu cotidiano,
apesar da decadência ou desaparecimento de muitas manifestações cênicas
tradicionais.
Algumas dessas manifestações, consideradas por Camarotti (2001) na
categoria de “teatro do povo” passaram por processo de escolarização,
perdendo seu conteúdo dramático, na medida em que se afastaram dos seus
contextos comunitários e rituais. Em relação à complexidade de movimento
corporal, as danças de Pernambuco, especialmente as que já tiveram
repertórios sistematizados por grupos de brincantes ou grupos cênicos, por ex,
tem muitas batidas de pés, cruzamentos, contratempos, movimentos no nível
baixo, saltos e elevações de qualidade explosiva. O repertório e vocabulário de
movimentos apresenta-se com um certo grau de dificuldade. Esse fato tem que
ser considerado, pois na verdade, todas os dramas cantados e dançados são
originalmente realizados por adultos, com exceção de caboclinhos e pastoris,
ou alas infantis de maracatus nação.
As danças populares sempre tiveram as ruas, as festas e a participação
coletiva como principal cenário, ainda que a partir da década de 1990, tenham
passado por processos de escolarização, tornando-se, pelo trabalho de
artistas, espetáculos cênicos.
Podemos citar algumas manifestações típicas de Pernambuco
que existem, seja em forma de brinquedo ou de espetáculo
cênico, que, consideradas como danças, bailados ou folguedos,
constituem-se representações e obedecem a enredos e outras,
apenas motivadas pela expressão corporal e significado
simbólico. Exemplos: afoxé, bumba-meu-boi, caboclinhos,
48
capoeira, cavalhada, cavalo-marinho, ciranda, coco, dança de
são Gonçalo dos arcos, fandango, frevo, guerreiro, maculelê,
maracatu rural e nação, pau-de-fitas, pastoril, quadrilha,
reisado, samba, toré, xaxado, xote.
49
representando o cotidiano dos seus participantes, incorpora
danças religiosas e outras, como acontece com o Cavalo-
Marinho em relação a Dança de São Gonçalo de Arco e as
coreografias executadas pelo Caboclo de Arubá. (BENJAMIM,
1989, P. 04)
50
importância na conexão com as noites santas, trazidas pela matriz europeia.
Já as demais danças têm características sagradas ligadas a cada cosmogonia
de matriz étnica referente.
Para qualquer estilo de dança, existem métodos mais tradicionais ou
mais inovadores. No primeiro caso, o estudante ou dançarino é passivo e tenta
se aproximar de um modelo ideal de corpo e de forma gestual. Já nos métodos
mais inovadores são considerados os diferentes corpos, e estudantes tem mais
responsabilidade no seu processo, na medida em que encontram uma relação
mais íntima com o seu corpo, seus processos de organização e descobertas
expressivas. O que importa é o professor saber como permitir a vivência dos
ritmos em cada fase do desenvolvimento dos alunos, para que haja a plena
adequação do conteúdo, evitando que haja a antecipação da chegada do Corpo
Astral, por exemplo, no caso de uma exploração de um xote, um baião ou um
coco, que, se for aplicado ao segundo ano escolar, requer uma atenção para a
suavização do requebrar do quadril, cintura e ombros. Esses movimentos,
quando mais elaborados, ao exigirem bastante torção da coluna, e, portanto,
uma expressividade mais explícita, se adequam especialmente ao ensino
médio.
Em se tratando de um repertório tradicional já codificado, como o passo
do frevo, por exemplo, mais adequado para o quinto ano, seria interessante
que não fosse vivenciado de maneira apenas reprodutiva, mas sim criativa. Já
nos primeiros anos escolares, a imitação tendo como modelo o professor, como
acontece no jardim, poderia ir gradativamente cedendo lugar às explorações de
vocabulários de movimento. Vale ressaltar que em termos de movimento de
corpo, há que existir diálogo com a dinamicidade e com a renovação do gesto
nos processos criativos, uma recriação dinâmica necessária.
Para fortalecer a prática do professor, convém incorporar elementos da
alma brasileira pelo movimento, isso vem acontecendo mais através da poesia
e da música do que do gesto dançado. Ainda há pouco estudo sobre as
tradições orais-gestuais e o que significam para o povo mantenedor desse tipo
de expressão identitária. Aproveitar o diálogo com alguns elementos da
eurritmia pode ser benéfico para harmonizar mais a atividade dançante, por
exemplo, ao organizar uma coreografia, seja improvisada, seja com
movimentos, por exemplo, de toré ou caboclinhos, a evolução no espaço pode
ter a configuração do “oito harmônico” da Euritmia:
51
Figura 1: OITO HARMÔNICO EURÍTMICO: maneira de deslocamento do grupo
em duas fileiras que se encontram e se afastam20
20
Ensinado por Cláudio e Patrícia Bertalot em curso de extensão na UFPE (2013)
52
3.2. Conceitos vivos sobre corpo e dança: a via somático-educativa
53
pensamento intelectual. Assim como cada alimento atua de maneira diferente
em nosso organismo, dispersando (chá) ou concentrando (café) os
pensamentos, também na relação com o mundo, formamos e dissolvemos o
que se cristaliza dentro de nós.
“Se não tivermos força – por não termos suficiente nitrogênio dentro de
nós- para dissolver as coisas que querem formar-se dentro de nós a partir do
Universo, então o nosso Eu começa a desmaiar ou até a ficar sonolento (idem,
P 78)”. Em outro trecho Steiner afirma que “quando o homem deixa de ser
capaz de dissolver os materiais contidos dentro de si, ele passa a dissolver a si
próprio”. E constata que “o ser humano sempre se restaura novamente e
novamente se dissolve (idem, p. 79)”.
21
Rituais observados e vivenciados por mim no trabalho etnográfico da tese em Artes Cênicas, intitulada Gestos
Cantados: uma proposta em Dança-coral a partir de princípios rituais. UFBA, PPGAC, 2008.
54
A esse respeito, uma atividade pensamental saudável seria aquela em
que o corpo todo pensa e não apenas o cérebro, já que este pode ficar
sobrecarregado de areia ou cristais de silício numa prática pedagógica, por
exemplo. Em Steiner (2012, ps. 49, 110, 111), entendemos que se pode pensar
com o corpo todo, pensar com os órgãos, como faz o corpo durante a noite. Os
rins pensam e o fígado contempla quando no sono a cabeça deixa de pensar.
Pensando em cristalização em termos de ausência de movimento, Cohen
(2015), observa que quando os ossos perdem a consciência de si mesmos, o
sistema neuromuscular é recrutado para reforçar a integridade estrutural do
nosso corpo. Isso leva a padrões de fixações musculares locais e compensação
articular resultando em esforço, restrição e ineficiência de movimento e lesão.
Tornar os padrões mais cristalinos poderia ser uma espécie de harmonização
nesse processo de formação e dissolução, sendo o movimento corporal um dos
caminhos para isto, na medida em que nós possamos ampliar a concepção de
movimento do corpo e de dança.
Outra questão a se observar é que quando o sentido do movimento não
funciona corretamente, o processo motor de fragiliza e executa movimentos
sem sentido, cuja musculatura envolvida não atua num movimento rítmico de
contração e relaxamento. Por isso que há pessoas com movimentos caóticos,
desconexos e sem orientação, com maneiras desequilibradas de manterem
contato com os outros.
São os movimentos primordiais e harmoniosos que nos dão o
sentimento de adequação e integração nas relações de movimento do mundo,
os quais são necessários para cozinhar, lavar, plantar, etc. Os movimentos
integrativos podem atuar na integração dos sentidos inferiores (Tato, vital,
movimento e equilíbrio), os quais, por sua vez, atual na formação e geração da
confiança, para que possa haver a integração entre os sentidos inferiores e
superiores na região do meio, através do Sistema Nervoso e da respiração
cardíaca-pulmonar.
55
reconhecimento de si mesmo, assim como a consciência de si pode levar a
momentos de integração no coletivo, de comunhão e ritualidade anímica.
Um exemplo de atividade muito utilizada no método do BMC é o toque.
Diferentemente da massagem, tocar a pele de outra pessoa tem o objetivo de
sensibilizar e mobilizar internamente, seja uma musculatura, seja uma
articulação ou mesmo o caminho de movimentação dos ossos, e até mesmo os
órgãos ou glândulas. Após o toque (existem vários tipos de toque, desde o
toque celular até o mais profundo), cada pessoa vai mover-se, de maneira
própria, a partir da região sensibilizada pelo colega ou pelo professor.
No trabalho corporal a forma de tocar tem importância fundamental,
porque é a principal forma de contato. Segundo König (2000, p. 7) “a vivência
do tato quase não é palpável, contudo ela forma a base para todas as
experiências sensoriais que se passam nela”.
A dança que acontece pela abordagem de sensibilização corporal
chamada de Educação Somática respeita a individualidade, ao mesmo tempo
em que potencializa o ser em desenvolvimento com base nas características de
suas fases, em especial, a partir de movimentos integrativos e do equilíbrio do
ritmo. A partir dessa maneira de integrar o corpo, qualquer outro tipo ou estilo
de movimentação será muito mais orgânico e interiorizado. Além disso, na
abordagem somática, o ato de trazer para a consciência e para a linguagem, -
com a ajuda toque, da verbalização e do movimento corporal, aquilo que era
inconsciente, desconhecido, é em si mesmo, um processo de fortalecimento.
56
• Princípios de Corpo: organização e sabedoria somática, respiração,
sonoridades, relação dos apoios, conexões ósseas, relação de oposição e
alternância, sentidos e percepções corporal, propriocepção, equilíbrio e
instabilidade, mobilidade e estabilidade, corpo integrado, relação corpo-
mente, mundo interno e externo (dentro e fora do corpo), centro de
gravidade e centro de leveza, centro e periferia do corpo, rotação e
torção, rotação (circular, girar, rolar), supinação, pronação, flexão,
extensão, suspensão (subir), descer (queda), contração e expansão
diálogo entre corpo (conexões ósseas, musculares, ligamentares,
orgânicas, fasciais, etc) e espaço (níveis, direções, planos), tensão,
tônus, relação com a gravidade, desenvolvimento, memória, conexão,
fluxo, ritmo, pausa, energia, integração, etc.
22
Aqui os princípios se referem aos 3 primeiros anos escolares, embora a proposta possa se estender até os 5 anos
escolares.
23
Em apêndice há mais sugestões de atividades. Ver também em anexo imagens mais específicas dos padrões do
BMC e partituras das referidas rodas cantadas.
57
Princípios do corpo
58
Princípios de movimento e dança
59
I- DESENHOS DE FORMAS
24
Ver em Lameirão exemplos de indicações de Desenhos de forma para 1º, 2º e 3º anos escolares.
60
percepções possam estar embotadas pelas demandas do nosso mundo
tecnológico, o desenho de forma vem contrabalançar, com impressões
sensoriais as impressões sensoriais da esfera puramente humana. Por meio
desses exercícios os corpos etérico e o astral encontram harmonia na atividade
do Eu.
De acordo com os princípios dos desenhos de formas para cada ano
escolar, podemos associar os princípios de movimento de corpo. Andar na
forma já é uma prática utilizada. Mas como podemos explorar mais o corpo a
partir do princípio de cada forma?
Sabemos que a reta é a expressão do pensar e que a curva é expressão
da vontade. A atividade com a simetria, ativa, entre outras coisas, as forças do
equilíbrio por meio das quais a criança atingiu a verticalidade, as forças que
ela desenvolveu ao aprender a andar (NIEDERHAUSER, 2014).
Já as espirais podem ser realizadas tanto de fora para dentro, como de
dentro para fora, gerando o efeito, respectivamente de aumentar ou diminuir a
tensão, através dos princípios de contração e expansão, inerentes ao processo
vital.
Considerando a figura oito (lemniscata) como um cruzamento, que
mesmo não sendo sempre simétrico, tem um efeito harmonizador, em especial,
se percorrermos o percurso várias vezes e de maneira rítmica, observando a
respiração.
Um exemplo de dinâmica integrativa a partir da relação entre o desenho
de forma e o movimento corporal é o de descobrir possibilidades de movimento
explorando o percurso da lemniscata, partido do centro do corpo e indo para
todas as direções. Tomando o órgão do coração como o centro, o local do
cruzamento no próprio corpo, permitimos fluir os movimentos do tronco e
membros para cima, baixo, lados, frente e trás. Observando que inicialmente
esta exploração pode ser mais sutil, ao nível do solo, e ir ampliando o percurso
até que haja e plena verticalização do corpo no espaço.
Assim também pode acontecer com os demais princípios de movimento.
As formas podem ser realizadas tanto a partir de caminhares, como serem
imaginadas no espaço tridimensional, de maneira que possam ser desenhadas
como o corpo no exixo vertical, horizontal ou sagital. As improvisações livres
geram repetições rítmicas, as quais por sua vez, geram transformações,
podendo chegar ao gesto tornado artístico.
61
Como complementação à prática já existente no currículo escolar,
sugerimos, portanto, ampliar as possibilidades de exploração de movimentos a
partir das formas, que podem contribuir com a organização corporal e o
desenvolvimento humano saudável.
62
meditação, diálogo verbal, abertura da consciência, ou por outros meios.
Enfim, o BMC é um método no qual a expressividade é gerada através do
autoconhecimento mais profundo na fisicalidade humana. Um caminho em
que corpo e mente, saúde e expressividade confundem-se, nos oferecendo “um
estado através do qual nós podemos encontrar o terreno onde circula a
intrincada manifestação do nosso ser físico, psicológico e espiritual” (COHEN,
2006, p.4).
Outra questão é a conexão: interior (corpo-subjetivo-inconsciente) e
exterior (corpo-espacialidade-consciente). Esta conexão interior-exterior pode
ser facilmente exemplificada quando pensamos que toda a atividade proposta
inicia pela respiração, pela tomada de consciência do órgão escolhido (a
respiração partindo deste órgão), o órgão em ênfase, depois a energia do órgão
ser emergida através do movimento e da voz no espaço até que, por fim,
retornar ao interior do corpo. Por sua vez, o método Body-Mind Centering
enfatiza a respiração e a produção vocal como outro importante meio de
estabelecer a conexão entre nosso mundo interior e o ambiente que nos
rodeia.
Destaco a experiência com os Padrões Neurocelulares, como sendo um
aspecto da abordagem do BMC que talvez mais se adeque a todas as faixas
etárias. O desenvolvimento do movimento se dá através dos Padrões
Neurocelulares Básicos (PNCB) e dos Reflexos Primitivos, Estados de Alerta,
Respostas de Equilíbrio. Estes são os elementos fundamentais ou o alfabeto de
nossos movimentos.
O processo de desenvolvimento dos seres humanos ocorre segundo
padrões básicos de movimento e percepção. Os padrões estão presentes como
potenciais no nosso sistema nervoso, mas para que eles estejam acessíveis a
nós é necessário que sejam estimulados e que se tornem uma realidade.
63
conexão, memória e criatividade.
Padrões Pré-Vertebrados
• Vibração
• Respiração Celular
• Esponja
• Pulsação
• Radiação Umbilical
• Direcionamento Oral ou Boca
• Pré-Espinhal ou Pré-Coluna Vertebral
Padrões Vertebrados
• Padrão do Peixe
• Padrão do Sapo
• Padrão do Lagarto
• Padrão dos Mamíferos
64
2º ano- Pares – Eu e tu
Duas cores. pastoril, valsas do pastoril, xote ou baião, cirandas,
espelhamentos de fileiras, vai-e-vem. Imitação: ensinar e aprender movimentos
do outro. Roda cantada “Borboleta toda branca”, “Todo dia”.
4º ano:
Cruzamentos de fileiras – pau de fitas, batidas de pé, toré indígena, caboclinho
(apenas a batida de pés no compasso ternário e a evolução das fileiras, em
retas, cruzamentos e leminiscatas). Roda cantada “Mantra dos quatro
elementos”. _______________>
<______________
Horizontal, vertical, fechando um quadrado no deslocamento
5º ano:
Criação em pares e solos. Ritmos das Regiões do Brasil – tudo suave,
adaptado, cantado e com instrumento. Baião, guerra, caboclinho, frevo, boi
congada, chula, xote carreirinho, bumba-meu-boi, (PE), boi de mamão (FLN),
Boi do maranhão, Moçambique de bastão, Maracatu.
65
Considerações finais: O vir-a-ser do Corpo: Dançando -Soando-Bem
66
que possa captar a plena clareza conceitual e o sentimento na harmonia
interna do todo universal.
67
REFERÊNCIAS:
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percepção. Os padrões neurológicos básicos segundo princípios do Body-Mind
Centering® (BMC). Copyright © da The School for Body-Mind Centering®,
2013.
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MUNIZ, COSTA. A Arte de Educar: Formação continuada em Educação Infantil.
Recife: Edufpe, 2018, no prelo.
____________________________. Meu Corpo É Um Templo Minha Oração É A
Dança: Dimensões Étnicas, Rituais e Míticas na Companhia de Dança ‘Balé
Teatro Castro Alves. Pernambuco: UFPE,1999. 145p. Dissertação (Mestrado
em Antropologia Cultural)– Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de Pernambuco,
1999.
___________________________. Gestos Cantados: uma proposta em dança-coral a
partir de princípios rituais. Tese de Doutorado. UFBA, PPGAC, 2008. 390 f.: il.
ARAÚJO, Márcia V. B. de; CAVALCANTE, R. Estudo dos aspectos sonoro-
gestuais da Euritmia Antroposófica e sua contribuição para a educação integral
do corpo e para a expressão humana. Relatório final de atividades do aluno de
iniciação científica (IC) PIBIC/UFPE/CNPq, 2013
ARAÚJO, Márcia V. B. de, HOLANDA, G., CAVALCANTE, R. Entre Laban e
Steiner: princípios organizadores somático-performativos. CONFAEB 2013.
Disponível em
https://www.academia.edu/8519215/ENTRE_LABAN_E_STEINER_PRINC%C
3%8DPIOS_ORGANIZADORES_SOM%C3%81TICO-PERFORMATIVOS
ARAÚJO, Márcia V. B. de. A Dança na Escola – cultura corporal de massa,
popular ou erudita? Monografia. Curso de especialização em Pedagogia do
Esporte. Departamento de Educação Física. UFPE, 1993.
BENJAMIM, Roberto. Folguedos e Danças de Pernambuco. Recife: FCCR,
1989.
BERTALOT, Glória (org.). Exemplos musicais para 1º, 2º e 3º anos. Apostila.
São Paulo, s/d.
68
FROBÖSE, E.E. Euritmia – sua origem e seu desenvolvimento segundo Rudolf
Steiner. Trad. C. Berthalot. São Paulo: Ed. Antroposófica, 2009.
69
NEWLOVE, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Routledge,
NIEDERHAUSER, Hans: KIRSCHNER, Herman. Desenho de Formas. São
Paulo: Ed. João de Barro, 2014.
70
APÊNDICES
Como exemplos de atividades planejadas para as faixas etárias de 4-5
anos, 5-7 anos e 8-9 anos, podemos destacar as variações rítmicas, as
histórias dramatizadas com elementos da natureza, as caminhadas em
trajetórias, movimentos globais, movimentos de animais, espelhamento,
gestos, espirais, toque e movimento de partes isoladas, linhas retas, curvas,
côncavas e convexas, bem como a relação com os desenhos de formas.
• Canção: “eu vou subindo a serra, com sapatos de algodão”, eu vou descendo a
serra com sapatinhos de chumbo”
• Padrões da medusa, do peixe, do sapo, lagarto e gato
• Pedalar o pedalinho (bicicleta deitados): “pedala, pedala, pedala o pedalinho,
me leva pra longe, bem devagarinho, o mar está tão lindo, cheio de peixinho,
pedala, pedala, pedala o pedalinho”
• “Oi, sobe no coqueiro, tira coco, xique, xique, nhec, nhec, no coqueiro orirá”
• Pular corda com as canções: Três porquinhos à beira do laguinho, Tem
cocadinha,
• Animais saem da toca e vão dançar na floresta
• Dramatizar conto de fadas (conto das 3 princesas de coração de cristal)
• Canção de imitação: em círculo: “Já viram uma menina fazendo assim, se
quisermos imitá-la façamos assim, agora esse gesto, depois outro assim, se
quisermos imitá-la façamos assim. Já viram um menino fazendo assim...”
• Brincadeira cantada “eu sou pobre, pobre, pobre, de marré descê”
• Rodas cantadas brasileiras
(Em parte aplicada durante o Estágio de apoio pedagógico na Escola Waldorf Recife no
dia 23/05/2017)
I parte: chão – rolar de lado com o corpo em Xis e na curva em C, padrões do peixe,
sapo, lagarto e gato (em duplas). Pode-se usar as pequenas bola para rolar para frente
e pra trás. Alongamento com a música “Oi, sobe no coqueiro, tira coco...”
• música da cocadinha – passos laterais para a direita e para a esquerda (>8, <8,
>4, <4, >2, <2, >1, <1, >1, <1)
• Ritmo de 2 – bater palmas no 2 até 20 – (talvez) – caminhar na reta, pulando
com os dois pés no 2 (futuramente fazê-los caminhar no sentido horário,
desenhando a estrela de 5 pontas ou pentágono)
III parte – Gotinha d’água. Muitas gotas pularam do céu e choveu bem fraquinho e
depois bem forte.
71
Saltar poças de lama: de um pé para dois pés, de um pé para o outro pé, de dois pés
para dois pés, de dois pés para um pé.
Dois grupos (meninas e meninos): gestos com a canção “Eu era assim”
IV parte: dança- coral em fileiras - (mov. Livre seguindo o primeiro da fila) com a
música de São João de Lenine e Lula Queiroga (CD Baque Solto – 1983)
Letra da música:
Obs. Troquei a palavra cachaça por fumaça, inseri o trecho em amarelo e omiti a
última estrofe que fala assim: “milho verde, olha o pé de moleque, canjica, toca um
xote, pra dançar com Maria, meu amor”
Movimentos globais:
Rolamento lateral (4 lados do corpo no chão): um colega rola o outro
Rolamento para trás pelo ombro.
Rolamento para trás sem completar a volta, retorna até a posição de cócoras e levanta
pulando ( com uma música: “agacha, senta, rolou, rolou, agachou, levantou, pulou”
72
Obs.: Esta dinâmica pode ser feita também com a antiga canção “Fui passear no
jardim celeste, giroflê, giroflá”
“pra direita dois, pra esquerda dois, quatro para frente, devagar com nosso par,
calcanhar e ponta, gira um dois três, calcanhar e ponta, vamos outra vez” (CD Raízes
I)
Dança improvisada ao som da flauta – dançar livre e parar quando a música para
numa pose congelada: de diversas maneiras (diferentes níveis no espaço, mudando de
apoios, no equilíbrio de um pé só, etc.
73
“Borboleta toda branca, voa , voa e não se cansa
Voa cá, voa lá, voa para um jasmim
Para os meninos pode ser cantado assim:
Beija-flor todo azul, voa, voa pelo sul
Voa cá, voa lá, voa para um jasmim”
(cada criança vai polinizando as flores – que são outros colegas) e levando as
sementes.
Obs.: essa aula aconteceu num dia de substituição da professora durante o estágio na
EWR. Após a vivência os alunos fizeram belos desenhos dos animais que polinizavam
as flores (borboletas, beija-flores e até morcegos apareceram).
74
ANEXOS: PADRÕES NEUROCELULARES BÁSICOS (PNCB)
Padrões Pré-Vertebrados
Vibração
Respiração Celular
Esponja
Pulsação
Radiação Umbilical
Direcionamento Oral ou Boca
Pré-Espinhal ou Pré-Coluna Vertebral
Padrões Vertebrados
1- Padrão do peixe:
75
2- Padrão do sapo:
76
• Ceder e Empurrar Homólogo com os Membros Superiores e
Membros Inferiores
• Alcançar e Puxar Homólogo com os Membros Superiores e Membros
Inferiores
3- Padrão do lagarto:
77
Deslocamento homolateral
(imagem de ALVES 2013)
78
Deslocamento contralateral
(imagem de ALVES 2013)
79
ANEXOS: Partituras Raízes I e II
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
ANEXOS: Trechos do livro Folguedos e Danças de Pernambuco, de
Roberto Benjamim:
CIRANDA: Quando se fala em ciranda como dança, a primeira ideia é que se trata de uma
referência a dança de roda infantil. (...) Em primeiro lugar é preciso esclarecer que a ciranda de
adultos não é uma variante da roda infantil, mas uma manifestação original, provavelmente de
raízes ibéricas. Não é também a única dança de roda de adultos uma vez que se praticam entre
nós os cocos de roda e as rodas de São Gonçalo. A insistência em caracterizar a dança como de
adultos não deve levar a conclusão de que seja uma manifestação onde as crianças estejam
excluídas. Ocorre que ela é tocada, cantada e dançada por homens e mulheres,
preferentemente adultos, podendo eventualmente ter a participação de uma ou outra criança.
No momento em que foi inicialmente estudada (de cada de 50), era ocorrente desde o litoral
norte de Pernambuco (Goiana, Igarassu e Paulista) até o fundo dos vales do Capibaribe-Mirim
e Tracunhaém, aparecendo em localidades de Nazaré da Mata e Timbaúba, já na Zona da Mata
Seca (ou Mata Norte). O seu ambiente de origem era estritamente popular - as pontas de rua,
os terreiros de bodega. Os seus participantes - trabalhadores rurais, pescadores de mangue e
de mar, operários de construção não especializados, biscaiteiros. Os participantes das cirandas
tradicionais, em outras ocasiões do ano participam do Cavalo-Marinho (Ciclo do Natal) e dos
Maracatus Rurais (carnaval).
Situado o mestre e os músicos, feitos os primeiros acertos do tom, a ciranda vai começar.
Homens e mulheres, alternadamente ou não, sem preconceitos, se dão as mãos e forma-se
uma fila que vai se fechando em redor dos músicos, todos voltados para eles. (...) A roda gira
da direita para a esquerda e os cirandeiros avançam o pé esquerdo na direção do centro,
marcando assim o primeiro tempo do compasso, coincidindo o avanço com a batida forte do
bombo. Quando o círculo chega a um tamanho excessivo que prejudica a movimentação, se
subdivide espontaneamente, formando um círculo menor, concêntrico.
Nos grupos tradicionais toca-se uma só ciranda para cada vez que se forma a roda. O mestre
tira o canto, os cirandeiros respondem em coro, a orquestra toca, a roda girando sempre, o
mestre retoma o canto pela repetição, e tudo recomeça até a exaustão. Quando sente o
cansaço o mestre apita, ou dá um sinal aos músicos. A música para, a roda se dissolve, vão
todos tomar bebidas e comer gulodices. Logo estão de volta, para outra rodada de ciranda,
que começa agora com outra cantiga.
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PRESÉPIOS E PASTORIS PROFANOS
o Presépio seria exclusivamente infantil, mas a versão do Pastoril Religioso continua a ser
organizado por gente ligada à Igreja, ou professoras primárias e representado por meninas ou
mocinhas, sendo estritamente familiar. A disputa entre os dois cordões, muito estimulada no
passado e tendo atingido grandes proporções até a metade do século, pela transferência para
este âmbito das competições políticas (através da identificação das cores), decaiu e não
mantêm o interesse das novas gerações.
Resumo do enredo
Na sua forma original - Pastoril Religioso - é o folguedo mais tipicamente natalino. A sua
representação principal ocorre diante da lapinha, a representação icônica do local onde Jesus
nasceu e passou seus primeiros dias. Um grupo de pastoras, com um único pastor avisado pelo
anjo, sai a procura do local onde Jesus nasceu. No caminho ocorre vários incidentes, com a
inclusão de outros personagens.
A maioria das variantes perdeu o fio narrativo e mantém apenas a parte cantada, sem
recitativos dramáticos. As canções e outras peças musicadas referem-se tanto aos
personagens quanto aos atores.
Anjo - representa o anjo que anunciou aos pastores o nascimento de Jesus; além de anunciar o
nascimento, em algumas variantes do Pastoril o anjo tem um papel importante na ressurreição
da pastora que é assassinada.
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Pastor - único personagem masculino em algumas variantes; anuncia aos espectadores que o
grupo chegou ao local onde Jesus nasceu.
Diana - intermediária entre os dois cordões. Veste-se nas duas cores. Na época em que as
disputas entre os cordões era acirrada ela atuava para diminuir as rivalidades.
Borboleta - personagem fantástica. Dança como uma borboleta que fosse de flor em flor. Na
sua jornada há uma referência de que se trata de uma feiticeira. Hoje essa referência é tomada
como faceirice, charme.
Jardineira - personagem que canta e dança uma jornada em solo referente as atividades da
jardinagem.
Demônio ou diabo - o demônio que vem tentar uma das pastoras, para desviar o grupo da
visitação ou para seduzi-la.
Cigana - representa o povo cigano e vem para dizer o destino, a sorte de Jesus. Às vezes diz a
sorte das pastoras e de pessoas da platéia, lendo a mão, na tradição da buena-dicha, para
recolher dinheiro.
O COCO
O coco, com inúmeras variantes, é uma das danças mais tradicionais do Nordeste. Pereira da
Costa descreve o coco como "uma dança popular, ao som de cantigas, com sua cadência
marcada a palmas e com acompanhamento de viola ou violão. De letras diferentes, mas
convenientemente acomodadas ao canto original, obedecem sempre a um estribilho contínuo,
respondido em coro pelos bailadores, como este, por exemplo, de uns versos de coco de
Jatobá de Tacaratu, na zona sertaneja:
A expressão "quebra" ou "quebra o coco" que aparece nas quadras mais antigas, levou alguns
folcloristas a afirmar que o coco havia sido primeiro um canto de trabalho de tiradores de coco
(coletores do fruto do coqueiro), para depois converter-se em ritmo de dança.
Câmara Cascudo refere a uma quadra ouvida na década de 1870, na ribeira do Piancó (PB):
"Quebra coco, quebra coco / Na ladeira do Piá / quando há coco maduro / só se apanha coco
lá"
É preciso, porém estar advertido de que a expressão quebra foi incorporada à dança,
aparecendo ora nas quadras, ora como uma interjeição, como estímulo aos dançarinos para
execução de certas figurações coreográficas, parecendo valer requebrar. De dança rural, com
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características ameríndias - fileira e roda - e figurações africanas, como a umbigada, o coco
ganhou os subúrbios e os salões das cidades, aparecendo tanto isoladamente como em
folguedos, como pastoris e mamulengos.
Os registros de Alagoas e Paraíba são também de que o coco, na segunda década do século
vinte, era uma dança executada em salões da burguesia.
Notícias esparsas dão conta da ocorrência atual do coco em todo o litoral de Pernambuco, na
zona da Mata e em localidades do Agreste e do Sertão onde há manifestações de cultura
negra, como: Pesqueira, Arcoverde, Triunfo (distrito de Livramento), Garanhuns, São Bento do
Una, Mirandiba e outros.
CABOCLINHOS
Como acontece com algumas outras manifestações populares, CABOCLINHOS (também se diz
cabocolinho) é, ao mesmo tempo, o nome de um tipo de agremiação carnavalesca, nome dos
integrantes dessas agremiações e do folguedo por elas realizado.
Resumo do enredo - Do momento em que foi documentado pela primeira vez, nos anos 40 até
o começo da década de 60, o Caboclinhos do Recife era um folguedo representado apenas por
homens (com a exceção da rainha), vestidos conforme a imagem que o povo tinha dos índios,
executando danças guerreiras e de cunho religioso (propiciatórias de boa colheita ou caçadas),
desenvolvendo um entrecho dramático que completava o seu enredo através da recitação de
uns versos e embaixadas, como ocorre ainda com outros folguedos. Os Caboclinhos tinham
papéis diferenciados, que se evidenciavam no momento da recitação: eram rei e rainha ou
cacique e cacica, capitão e tenente ou guia e contra-guia, perós ou indiozinho, etc. No
começo da década de 60 foram introduzidas as moças, mantendo-se, porém, na primeira
metade ou primeiro terço das filas dos cordões, cujos últimos lugares são ocupados pelos
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rapazes. No material coletado por Mário Melo, publicado em 1947 a parte recitada do
Caboclinho Taperaguases tinha mais de 50 estrofes. Nos carnavais mais recentes os
organizadores dos desfiles não têm permitido que os caboclinhos apresentem o seu folguedo
completo com todas as danças e a parte do recitativo.
Adereços - Colar, pulseiras, braçadeiras em pena - compõem o traje dos caboclos. Colares de
contas e sementes ao pescoço. Pequenas cabaças - são carregadas na cintura. Flechas -
Grandes flechas são carregadas pelas moças. Preacas - instrumento de percussão - arco com
flecha retesada, presa, que puxada produz um estalido seco, marcando o ritmo, são utilizadas
pelos rapazes. Este instrumento é semelhante ao Damatá, usado pelos filhos de Ogum e Oxossi
nos terreiros afro-brasileiros. Orquestra - a pequena orquestra é constituída por gaitas
(pífanos) tarol, maracá ou caracaxá de grande porte, além das preacas.
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