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ASSOCIAÇÃO PEDAGÓGICA WALDORF DO RECIFE

CURSO DE FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA WALDORF

Márcia Virgínia Bezerra de Araújo

O corpo em movimento e em desenvolvimento na Pedagogia


Waldorf: Aspectos culturais, artísticos e terapêuticos

Recife, junho de 2017


ASSOCIAÇÃO PEDAGÓGICA WALDORF DO RECIFE
CURSO DE FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA WALDORF

O corpo em movimento e em desenvolvimento na Pedagogia


Waldorf: Aspectos culturais, artísticos e terapêuticos

Monografia apresentada ao Programa de Formação de


professores em Pedagogia Waldorf, turma II

Recife, junho de 2017

2
Aos que acreditam na sabedoria do corpo

3
Vida que flui, som que tece, luz que plasma”

Rudolf Steiner

O ser humano é o lugar onde a alegria


deseja se transformar em amor.
O grau em que o individuo consegue se alegrar
é o mesmo em que ele consegue amar
Pois o amor é a alegria em efusão.
Amar é a alegria por outra pessoa.

Friedrich Rihelnever

4
PREFÁCIO

“...caminhar na beleza das formas


que lhe permitam inteireza de corpo,
alma e espírito.”
(Araújo, MVB, 2017)

Os caminhos do corpo no desenvolvimento humano nos primeiros anos


do segundo setênio são explorados neste elegante trabalho. A autora propõe
uma aproximação entre a educação Waldorf e a Dança Somático-Performativa,
considerando os movimentos nos três primeiros anos do segundo setênio como
profundamente estruturadores do ser humano, movimentos de rolar, arrastar,
dentre outros, refazendo e resgatando os caminhos do andar.
Propõe trazer força e autopercepção para o centro de força do corpo, a
região do meio, aquela que nos permite atingir a verticalidade própria e
exclusiva do ser humano. A verticalidade fere a lei da gravidade, e cada
criança refaz o caminho da humanidade ao superá-la, colocando-se como seu
próprio eixo/centro de força, e com isso, todos os seus significados para o ser
humano: a resiliência, o “chão”, a base perante as pressões de forças
antagônicas – o pensar e o querer. Do ponto de vista fisiológico e anímico, a
verticalidade é o mais forte elemento de liberdade humana.
A autora tece um diálogo entre a Pedagogia Waldorf e a sua relevante
expertise profissional, a dança com olhar somático-performativa, como
estratégia de enfrentamento a um enorme desafio contemporâneo para a
educação no primeiro e segundo setênios, que é a questão do gesto.
Observamos nos meios midiáticos, uma erotização de movimentos corporais –
acordando precocemente a astralidade de uma forma desarmonizada e
desintegradora do ser humano em desenvolvimento. E a autora tece alguns
caminhos de superação e harmonização pela via dos movimentos integrativos.
A ideia aqui construída tece ainda uma afinação com a cultura popular
tradicional, trazendo dela elementos que possam contribuir nessa proposta,
mas que não acordem o que precisa dormir. Propõe movimentos artísticos
onde, por meio da dança, do belo - ao florescer as possibilidades que traz o ser
humano de forma integradora e salutogênica – tenha o seu lugar nessa
estruturadora fase da vida.
Maria Emília dos Santos, PhD
Turma II Formação em Pedagogia Waldorf
Terapeuta em Constelação Familiar e Sistêmica

5
SUMÁRIO

Resumo 07
Apresentação da autora 08
Introdução - O corpo em Movimento na Pedagogia Waldorf 11
- Pequenos e grandes passos da pesquisa 13

1. Corpo, movimento, dança nos três primeiros anos escolares:


metamorfoses de imagens sonoro-gestuais 17
2. O estágio como campo de pesquisa 28
3. Aspectos culturais, artísticos e terapêuticos do corpo em
movimento e em desenvolvimento 45
3.1. Cultura, Música e Dança 47
3.2. Conceitos vivos sobre corpo e dança: a via somático-
educativa 52
3.2.2. Princípios do Corpo, Princípios de Movimento e Dança
3.3. Tomando mais Corpo...Proposta metodológica 58
-Desenho de Formas;
-Padrões Neurocelulares Básicos;
-Ritmos tradicionais/festas temáticas.

Considerações Finais: O vir-a-ser do Corpo: Dançando-Soando-Bem 65


Referencias bibliográficas
Apêndices: sugestões de atividades para o 1º, 2º, 3º, 4º e 5º anos

Anexos:
• Padrões Neurocelulares Básicos (PNCB)
• Partituras Raízes I e II
• Trechos do livro Folguedos e Danças de Pernambuco

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RESUMO

O caminho desta pesquisa tem sido o de identificar e compreender


aspectos do corpo em movimento nas práticas pedagógicas, artísticas e
terapêuticas fundamentadas na Antroposofia de Rudolf Steiner (1861-1925),
propondo ainda dialogar com as teorias da dança, em especial, as abordagens
somático-performativas, além da aproximação com as questões culturais da
Antropologia, nas quais a dança está inserida.
Ainda que levantando mais questões do que respostas, e apesar de
experimental, traça linhas e direções metodológicas para o movimento e a
dança nos três primeiros anos escolares, que estejam em consonância com os
princípios dessas abordagens, consideradas como complementares, de
autodesenvolvimento, nas quais são considerados os seres humanos em
desenvolvimento, com diferentes necessidades e contextos.
Parte do desafio de nossa tarefa tem sido impedir a chegada precoce da
astralidade das crianças na atualidade, e, no caso do corpo, amenizar as
imagens em movimento propagadas em todas as mídias, do culto ao corpo e a
ritmos frenéticos, que desequilibram os ritmos da vida. Assim, não parece ser
uma questão fácil pensar no movimento como forma de harmonizar as
crianças de segundo setênio, de maneira que haja tipos de movimentação mais
adequados a cada fase do desenvolvimento e do aprendizado escolar.
O objetivo da Pedagogia Waldorf no segundo setênio é harmonizar a
entrada do Corpo Astral e do Eu com os Corpos Físico e Etérico, de maneira
rítmica, paulatinamente. E durante a fase que corresponde à idade escolar é
principalmente o corpo astral que deve ser ‘alimentado’ de maneira sadia. Uma
proposta metodológica que seja, ao mesmo tempo formativa, artística, cultural
e terapêutica deve levar em consideração a importância da experiência de
integração corpo-mente. na medida em que “...em tudo que se faz, transforma-
se efetivamente o homem” (STEINER, 2012, p. 29).
As questões iniciais que ainda estão em aberto são as seguintes: Como
contribuir com a Pedagogia Waldorf, no que se refere às concepções que
envolvem a relação entre corpo e movimento? Como o ensino de dança poderia
ser integrado ao currículo Waldorf, para além de sua presença nas rodas
rítmicas e nas festividades do ensino fundamental? Como inserir atividades
artísticas na área da dança que contemplem a criatividade e a cultura local e
nacional, em suas vertentes orais-gestuais, no ensino fundamental?

PALAVRAS-CHAVE: corpo, movimento, saúde, expressividade, pedagogia


Waldorf.

7
APRESENTAÇÃO DA AUTORA

Nas áreas consideradas como complementares para essa pesquisa, a


título de formação continuada, atualmente estou concluindo as seguintes
formações: Formação em Pedagogia Waldorf, pela Associação Pedagógica
Waldorf do Recife1, e o Programa de Certificação de Educador do Movimento
Somático (SME) do Método Body-Mind Centering2 (BMC®), em São Paulo.
O que tem despertado interesse como pesquisadora é a clara relação
entre saúde e expressividade nessas abordagens, na medida em que
promovem a integração o autodesenvolvimento das pessoas. Ao longo de
alguns anos de investigação de movimento a partir dos princípios do BMC, por
exemplo, percebi uma melhora na percepção de meu corpo e na qualidade de
movimento de minha própria dança, além da amplitude de possibilidades
pedagógicas. Com a Pedagogia Waldorf, tenho aprofundado o entendimento do
ser humano, suas fases evolutivas, e as maneiras de equilibrar o ritmo natural
individual e coletivo, através do fazer e apreciar artístico.
Como arte educadora e mãe de três filhas, apenas com a mais nova,
pude aquietar o coração em relação à educação escolar, pois foi a única que
teve oportunidade de vivenciar a pedagogia Waldorf desde o maternal. Quanto
às primeiras, eu havia desistido de questionar nas escolas o porquê de
oferecerem desenhos prontos para elas pintarem. Estava sempre insatisfeita
com a maneira como eram escolarizadas pelos métodos tradicionais. O que
deve ter amenizado a falta de sensibilização do ensino, foi o fato de que
sempre havia uma parede em casa para rabiscarem e pintarem e,
intuitivamente, eu instalava o clima das cantigas de ninar e contos de fadas
antes de dormirem. Agora, que a terceira filha já está com 12 anos, percebi
que não é por acaso o crescente grau de envolvimento que nós, pais e mães,
temos com a Escola Waldorf3, da qual será difícil um dia se afastar, talvez por
ter encontrado um sentimento de pertencimento e acolhimento nesta arte
pedagógica, de tamanha simplicidade, coerência e objetividade.

1
O Curso de Formação em Pedagogia Waldorf tem duração total de 1.170 horas-aula- dividido em 18 módulos -,
mais 125 horas de estágio obrigatório (vide link http://www.escolawaldorfrecife.org/curso-de-formacao).
2
O programa de Certificação de educador do movimento somático, pelo método Body-Mind centering, tem a
duração de dois anos de estudos, com 500 horas. Os formandos estão qualificados a utilizar o trabalho em
contextos educacionais, vide links: http://www.bodymindcentering.com
e http://www.bodymindcentering.com/upcoming-courses
3
Minha filha Iami iniciou na Escola Waldorf Recife e atualmente é aluna na Escola Waldorf Rural Turmalina, em
Paudalho.

8
Esta aproximação com o cotidiano da escola tem me permitido observar
várias dimensões de atuação, percebendo, portanto, quais as possibilidades de
superação de desafios contemporâneos, especialmente no que se refere ao
trato com o conhecimento do currículo e sua adequação ao desenvolvimento
dos alunos, considerando as múltiplas influências do meio em que vivem.
De setembro a dezembro de 2016, como professora da UFPE, orientei e
colaborei com o estágio curricular de um aluno do curso de Licenciatura em
Dança, tendo assim experimentado a docência em dança com alunos de 3º, 4º
e 5º anos. Sendo a primeira vez em que a dança se apresentou de maneira
experimental, como conteúdo curricular, na Escola Waldorf Recife, a proposta
tentou aliar, ainda que de maneira rudimentar, os princípios da Pedagogia
Waldorf aos princípios somáticos4 e ainda aos princípios performativos da
cultura brasileira.
Neste mesmo semestre ministrei a disciplina Metodologias em Ensino
de Dança II, que teve um enfoque na faixa etária de 0 a 9 anos. Com
atividades teórico-práticas, o objetivo foi o de conhecer o corpo e o ser humano
em seus diversos estágios de desenvolvimento e refletir, inclusive a partir da
história do corpo de cada aluno, como poderíamos respeitar as necessidades
individuais de crescimento e desenvolvimento, a partir do movimento corporal.
Assim, cada aluno aprendeu e experimentou no corpo princípios, imagens e
conceitos referentes ao corpo e ao movimento, até chegar aos elementos e
movimentos da dança.
Desde que fiquei responsável por esta disciplina (a partir de 2014) tenho
pensado nesta adequação do ensino de dança aos princípios e conhecimentos
sobre do corpo provenientes da Antroposofia e da Pedagogia Waldorf. Essa
tentativa de adequação vem se materializando de diversas maneiras, uma
delas foi por ocasião do Curso de Extensão/Aperfeiçoamento coordenado por
mim na UFPE, sobre Educação Infantil e Arte (entre 2014 e 2015). O desafio
foi grande, pois eu já tinha uma noção de que na educação infantil a arte é
tratada na Pedagogia Waldorf de maneira muito diferenciada do que os 180
pedagogos das redes municipais conheciam ou desejaram vivenciar. Ministrei
o módulo de dança, alternando atividades de autoeducação do educador com

4 O termo “Somatics” foi usado pela primeira vez por Thomas Hanna, inspirado na palavra grega para “corpo vivido”
(Somatikos), reinterpretado como o corpo experienciado internamente, em integração de corpo-mente. Ver mais
em FERNANDES, Ciane. A imagem somática-performativa: força, conexão e integração. IX Colóquio Franco Brasileiro
de Estética: imagem e corpo performativo Escola de Belas Artes da UFBA, Salvador BA, Setembro de 2012.

9
vivências que demonstrassem princípios da Antroposofia, em diálogo com os
princípios de corpo em movimento. Não posso dizer que houve um perfeito
diálogo, uma vez que não havia material ou experiência para consultar, de
maneira que foi um intenso trabalho de pesquisa, o qual gerou o texto “Dança
e infância: o movimento e as fases evolutivas da criança”, a ser publicado em
breve5. Esse texto se referiu à educação infantil, sendo que este TCC deverá
focar nos primeiros anos do ensino fundamental, quando se pode tratar da
dança como linguagem artística.
Ao longo do primeiro semestre de 2017, propus atividades com dança
na EWR (Recife), embora fazendo parte das atividades de apoio pedagógico e
professora temporária substituta (com os 1º, 2º e 3º anos), fato que me
permitiu tornar o meu estágio obrigatório do curso de formação em Pedagogia
Waldorf um campo de pesquisa muito rico e criativo junto aos alunos, de
maneira que as experiências e observações têm me permitido refletir sobre um
programa de corpo, movimento e dança apropriados para o ensino
fundamental Waldorf.
Acredito que essas sugestões possam ser úteis ao trabalho do professor
de classe e à Pedagogia Waldorf como um todo, e com certeza deverá servir
para os graduandos e educadores da área da dança, na medida em que se
conscientizem da necessidade de tornar sua prática mais humana, para além
dos corpos ideais e performáticos.

5
O artigo faz parte de uma coletânea de artigos intitulada A Arte de Educar: formação continuada em Educação
Infantil, pela Edufpe, 2018, no prelo.

10
INTRODUÇÃO
O corpo em Movimento na Pedagogia Waldorf

Continuo a seguir o caminho de diálogo entre o movimento corporal e


vários aspectos da Pedagogia Waldorf, com a Educação Somática (em especial
Body-Mind Centering (BMC)6, criada por Bonnie Baindbridge Cohen), e com as
práticas artísticas em dança, entre elas as danças tradicionais, tudo isso
visando a ampliação na concepção e nas possibilidades de movimento. Vale
ressaltar que a abordagem do BMC parece ter bastante relação com as
práticas pedagógicas, artísticas e terapêuticas fundamentadas na
Antroposofia7 de Rudolf Steiner (1861-1925).
Para a Antroposofia é através do corpo que a alma se desenvolve, sendo
que o movimento é a expressão do espírito, a expressão de valores e de
autodesenvolvimento. Nesse sentido a Pedagogia Waldorf considera que o
movimentar-se é tão importante para o pensar, ou melhor, a consciência só
existe no que tem movimento, por isso que o movimento é tão importante para
o pensar.
No entanto, a atividade pedagógica em geral enfrenta muitos desafios ao
lidar com as questões sociais da atualidade. Embora o movimento seja nossa
primeira língua, esse mover-se, em nossa época parece ser um dos maiores
fatores de desequilíbrio, assim como o poder da fala tem sido usado de
maneira desordenada. As pessoas tem se movido pouco e falado
demasiadamente, de maneira que a linguagem verbal se torna superficial, sem
a atuação do sentimento, e, portanto, não muito encarnada.
No currículo das escolas Waldorfs o movimento do corpo é muito
valorizado como caminho para o “ato” de pensar objetivo, sendo este, um
pensar de corpo inteiro. No entanto, e é nesse ponto que este estudo se
debruça com mais ênfase, o movimento do corpo é tratado em momentos bem
específicos, como nas rodas rítmicas, nas aulas de Educação Física, ou nas de

6
Os cursos do Body-Mind Centering (BMC) exploram os vários sistemas do corpo, estágios de desenvolvimento e
padrões de movimento através do aprendizado experimental. Os exercícios de somatização incluem movimento,
toque, vibração, som e imagens. A experiência, a consciência e a expressão são os caminhos metodológicos
utilizados para ocorrerem mudanças.
7 A Antroposofia entende o ser humano como um microcosmo no qual vibram e pulsam os processos do universo.
Centrando seu estudo no homem, tenta responder às suas necessidades, abarcando o científico, o cultural, o
artístico e o antropológico, trazendo para a sociedade impulsos de aplicação prática concreta. Diante das
necessidades contemporâneas, tem-se buscado construir, a partir de diversas fontes, uma nova visão de integração
que seja capaz de superar as constantes formas de fragmentação da nossa existência.

11
Euritmia, aparecendo ainda como conteúdo estético nas apresentações
festivas, em especial as juninas. Em geral, esse tipo de movimentação
acontece com o corpo na vertical, sem a possibilidade de explorar o movimento
em outros níveis no espaço. Nas escolas em que há um pedagogo curativo, as
atividades do método Extra-Lesson contemplam mais a integralidade do todo
corporal com alunos em atendimento individual.
Considera-se como ideal a inclusão da Euritmia na escola pelo seu
conteúdo abrangente. A Euritmia trabalha diretamente com o conteúdo da
palavra, e expressa, através do movimento, também o que vive entre os
conceitos, o que nem sempre conseguimos captar de forma consciente, mas
vive, tece, cria. Tudo o que abrange o ser humano, a Euritmia traz em si como
potencial.
Especialmente no caso de não haver professor de Euritmia, como é o
caso da maioria das escolas Waldorfs da região metropolitana de Recife e seu
entorno, seria de fundamental importância compensar a insuficiência de
movimento corporal, implantando atividades que contemplem tanto os
aspectos de desenvolvimento quanto os aspectos culturais, artísticos e
curativos. É importante a ressalva de que o trabalho com dança, jogos e
educação física não corresponde à Euritmia, pois são estruturas diferentes de
manifestação do movimento corporal no espaço. No entanto, isto não impede
que haja um crescimento e evolução nessas áreas no sentido de corresponder
às necessidades artísticas e pedagógicas dos jardins e escolas Waldorfs.
Nesse sentido, este estudo pretende identificar elementos orais-gestuais
na cultura brasileira que contribuam no equilíbrio do ritmo dos alunos e
propõe uma reflexão acerca da concepção de corpo e de movimento que seja
voltada para o desenvolvimento da criança de ensino fundamental Waldorf.
Sobre o estado da arte da pesquisa: Além da literatura existente sobre o
desenvolvimento humano (KÖNIG, 2000,2011; LIEVEGOED, 2007) e sobre
movimento do corpo na Pedagogia Waldorf, proveniente da Antroposofia (vide
referências bibliográficas), é relativamente amplo o campo de estudos
acadêmicos, entre monografias, dissertações e teses sobre a importância do
movimento, da ludicidade, e da imitação na educação infantil Waldorf
(MANZANO, 2005, MATWIJSZYN, 2003, entre outros). Estes autores têm
buscado referenciais teóricos que dialogam com a Antroposofia, nas áreas na
Educação Física, Psicomotricidade e Pedagogia, focando especificamente no

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desenvolvimento motor, como sendo fundamental para o desenvolvimento
corporal integral do ser humano.
No campo da linguagem artística há também um vasto material,
inclusive associando a educação estética com a formação humana (RIBEIRO,
2014), no qual a autora procura compreender os sentidos atribuídos à arte e
ao artístico no cotidiano escolar Waldorf. Esta autora desenvolve bem a noção
de corporalidade, mostrando que o movimento do corpo perpassa toadas as
linguagens artísticas, inclusive a linguagem da dança. Esta, porém, tem sido
trabalhada especialmente como na roda rítmica e nas festividades presentes
no currículo escolar. STRAUSS (1996) analisou a linguagem gráfica da
criança, esta compreendida como espelho do desenvolvimento infantil.
MARQUES, (2013), estudou a vivência das artes visuais na escola Waldorf, nos
2 primeiros setênios, do ponto de vista do desenvolvimento. Há um estudo que
foca na arte do movimento inerente à Pedagogia Waldorf, que é a Euritmia
(ARAÚJO, 2013), estabelecendo relações com a teoria de movimento de Rudolf
Laban. Na área específica da dança, em especial, tratada como matéria
curricular na escola Waldorf, quando da sua relação com o desenvolvimento,
HAES (2012), há uma excelente abordagem das cirandas de roda no primeiro
setênio.
Já para o segundo setênio, não encontramos nenhum estudo ou
proposta metodológica de dança para o ensino fundamental Waldorf, a não ser
a abordagem já citada da Euritmia, que é diferenciada em sua concepção e
prática, e que tem ampliado significativamente os limites da prática
pedagógica em termos de formação integral do ser humano.

Pequenos e grandes passos da pesquisa

Como não iniciar por conceitualizar os termos da pesquisa? Esta é a


questão inicial pelo fato deste estudo ser uma tentativa de percorrer os passos
metodológicos do ensino Waldorf, a saber, a conclusão, a caracterização e a
conceitualização. A primeira etapa desse estudo, no caso, a conclusão é a de
que a Pedagogia Waldorf propõe a incorporação da arte no currículo, na
metodologia, na didática e nos fundamentos filosóficos e antropológicos que
embasam o ensino do ser integral, definindo quais conteúdos são apropriados
a certas etapas do desenvolvimento humano.

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Embora haja alguns professores de matéria artística, como no caso da
matéria música, que atua após a aula principal do professor de classe, o
restante dos conteúdos das épocas é tratado de forma inteiramente artística,
ou melhor, todo conteúdo deve conter a arte de educar. Assim, podemos nos
perguntar se o professor de sala no ensino fundamental Waldorf seria também
arte-educador devido a essa polivalência? Por outro lado, como os arte-
educadores licenciados em áreas específicas da arte compreendem o fato de
que, na Pedadogia Waldorf, a arte-educação é de responsabilidade de todos e
não de um professor especializado em Arte-educação, para que se possa atuar
artisticamente na escola?
Não caberia neste estudo essa discussão, uma vez que no universo
Waldorf não há a necessidade da arte fazer esforço para entrar na escola e ser
legitimada como área de conhecimento. Talvez isto seja um conforto para os
profissionais do ensino de arte, porém, a polivalência do professor de sala
ainda será por muito tempo, criticada pelos materialistas de plantão.
Apesar desta resistência da classe artística, o crescimento emergente
das escolas Waldorfs tem mostrado o quanto a arte tem sido eficiente, ainda
que sem querer levantar a bandeira de uma classe ou disciplina artística. A
diferença se faz pelo foco nos seres humanos, isto é o que faz da pedagogia
uma arte. Assim, prossigo, cada vez mais alegre com esse método artístico por
natureza, no qual a liberdade do professor é valorizada. Nesse sentido imagino
que pensar a dança por princípios pedagógicos Waldorf pode ser um caminho
de gestão social, de compartilhamentos, encontros e fluxos de movimentos
harmoniosos, dentro de um contexto maior, que é a escola e todos os que
fazem a comunidade. O primeiro capítulo trata justamente das reflexões a
partir dessas referidas conclusões.

A segunda etapa, a caracterização, se refere ao fenômeno do movimento do


corpo, e do gesto tornado artístico na Pedagogia Waldorf, para se chegar a um
juízo sobre se e como este tem acontecido, tanto através da literatura
existente, quanto da observação. Considerando que a arte é um elemento da
cultura, certamente há uma estética privilegiada ou predominante, a qual
valoriza as formas harmoniosas e belas, no sentido grego da palavra. Sabemos
que a arte é universal, com características particulares de acordo com a
cultura. Os antropólogos já observaram que nas sociedades mais simples,
qualquer indivíduo é capaz de ter todos os comportamentos culturalmente

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construídos, inclusive os artísticos. O conceito de arte é relativamente recente,
criado e legitimado no Ocidente, uma vez que muitos povos não consideram
como arte seus produtos culturais, mas como algo presente no cotidiano.
Em relação às artes visuais, e aos trabalhos manuais, aqui inseridos na
categoria das artes plástico-pictóricas, formadoras dos corpos físico e etérico,
a Pedagogia Waldorf tem um caminho metodológico bem traçado, em cada ano
escolar, iniciando pelas cores na aquarela e no desenho, passando pelos fios
do tricô e crochê, chegando às tramas do desenho de formas, estas podendo
ter características de etnicidade local, por exemplo, indígena (4º ano), ou
africana (7º ano).
Já as artes poético-musicais, nas quais estão inseridas a música, o
teatro, e, por consequência a dança, parecem menos claras, mas não menos
ancoradas nos princípios antropológicos. Estas artes são responsáveis pela
formação do Corpo Astral e do Eu. E o objetivo da Pedagogia Waldorf no
segundo setênio é harmonizar a entrada do Corpo Astral e do Eu com o Corpo
Físico e Corpo Etérico, de maneira rítmica, paulatinamente.
A música tem mais relação com o mundo espiritual e talvez a dança
seja mais voltada ao terreno, inclusive pelo fato de que as formas de dança
cujo repertório já se tornou patrimônio da humanidade, todas elas refletem as
tradições culturais nas quais se desenvolveram. Assim podemos compreender
a cautela existente entre os pedagogos antroposóficos no trato com a dança na
educação infantil e nos primeiros anos escolares.
Como então inserir elementos da cultura local, regional ou nacional no
currículo escolar, especialmente por se tratar de manifestações que se
materializam por meio de ritos marcados pelo forte sentido de etnicidade e
força mítica? O segundo capítulo traz elementos de caracterização a partir de
experiências durante o estágio na Escola Waldorf Recife.
A terceira etapa deverá trazer elementos de conceitualização, na
medida em que são os conceitos da pesquisa que irão modelar suas formas,
assim, como modela a forma humana. Para desfrutar o hipoteticamente belo
mundo escolar, e, portanto artístico, os conceitos de dança, de movimento, de
arte do movimento deverão se metamorfosear, se tornar vivos e orgânicos, a
partir de pontos de vista variados.
Sem possibilidade de alcançar vôos muito altos, considero que essas
reflexões estão agindo em mim, como pesquisadora, talvez mais do que algo
deva sair daqui pronto que possa ser encaminhando ou reproduzido por algum

15
docente, pois o que importa é o caminho, que nunca tem fim nesta busca de
encontrar conexões entre os fenômenos humanos. “Durante a vida o que tem
valor não é o saber pronto, mas o trabalho que conduz a ele; e esse trabalho
tem um valor especial quando se trata da arte pedagógica. Aí se dá o mesmo
que nas artes” (STEINER, 1997, p. 20). Como numa obra de arte que o
produto aparece no final, juntamente com o saber que lhe é inerente, a tarefa
pedagógica só se revela no final do processo, pois ao longo do caminho, o não
saber é o conteúdo vivo do processo: “...o elemento vivo, a fonte de vida, reside
no fato de algo ainda não se haver transformado em saber (idem, p. 20).
O terceiro capítulo busca chegar aos conceitos supostamente vivos
das sugestões metodológicas, considerando a diversidade social e cultural.

16
1. Corpo, movimento e dança nos três primeiros anos escolares:
metamorfoses de imagens sonoro-gestuais

“A imaginação é o princípio de uma eterna juventude”

(Gaston Bachelard)

Rudolf Steiner nos alertou que “...tudo que se faz, transforma-se


efetivamente o homem8 (STEINER, 2012, p. 29)”. As discípulas de Laban,
Irmgard Bartenieff e depois Peggy Hackney, e mais tarde Bonnie Baindbridge
Cohen também descobriram que quando movemos uma parte do corpo,
também algo se move internamente e se transforma. Quando nos movemos ou
somos movidos, algo acontece no nosso interior, que desenvolve, ou retrai, ou
organiza ou desorganiza. Assim como na Antroposofia, o BMC compreende que
o movimento aparente do corpo reflete o movimento interno, por isso procura
compreender o movimento constante dos órgãos vitais e também maneiras de
dançar a partir destes.
Steiner também reconheceu, na sua época, que ainda não tínhamos
atingido o ponto de saber que o cérebro se desenvolve a partir de influências
exteriores, e o quão fortes são essas influências vindas de fora. Ele deu um
exemplo do que acontece no cérebro quando uma criança usa
predominantemente a mão direita, assim como a narina e o ouvido direitos,
enfim, todo o lado direito: Ela desenvolve justamente a dobra temporal
esquerda, que adquire cada vez mais circunvoluções, justamente onde os
feixes nervosos se encontram com os vasos sanguíneos, local considerado
como a região da fala. “Quando a criança começa a falar, ela mexe seu corpo.
Ela mexe seu corpo dentro dos órgãos da fala” (Steiner, 2012, p.22). “e os
gestos com a mão direita que fazemos ao falar, dão sensações à metade
esquerda do cérebro” (idem, 27).
Um dos exemplos dados por Steiner é o de quem executa um
movimento de ginástica ou de Euritmia com a mão direita ou com o braço
direito, deve notar o nervo transmitindo o movimento, porém o nota com a
metade esquerda do cérebro, pois os nervos se cruzam. Steiner recomenda
acompanhar uma criança canhota com muito cuidado para que não se torne

8
1ª conferência em Dornach (1922): Sobre o surgimento da fala e dos idiomas. In: Conferências aos trabalhadores
do Goetheanum sobre o conhecimento do ser humano no que diz respeito ao corpo, alma e espírito. Aracaju:
Edições Micael, 2012.

17
pastosa essa dobra esquerda da fala. Esta deveria ser motivada e não forçada
a trabalharem um pouco com a mão direita antes de entrarem para a escrita.
Nesse sentido, se sempre há interferência e mudança interna quando se
atua nos membros em movimento exteriorizado, pode haver movimentos que
fazem o interior do corpo, em especial, o cérebro, repousar. Já é muito
conhecida a importância do ritmo de acordar e dormir na educação Waldorf.
Assim como é sabido que nos membros pode viver o sono. Isso pode parecer
uma contradição, mas é no sentido de não termos consciência do que faz cada
músculo e no organismo enquanto os movimentamos. Há sempre algo
dormindo conosco e a sensação de bem estar parece que tem a ver com a
qualidade do sono das partes que dormem em nós.
Embora não tenhamos consciência total do que acontece com cada
músculo ou órgão quando nos movemos, por outro lado a consciência só
existe no que tem movimento.
Convém lembrar que na Antroposofia há mais sete sentidos além dos
cinco sentidos aceitos na visão da fisiologia tradicional, configurando,
portanto, doze sentidos. Os sentidos mais atuantes de zero aos sete anos são o
tato, o vital, o movimento e o equilíbrio. O olfato, o paladar, a visão e sentido
térmico estão mais presentes de sete a catorze anos. De catorze a vinte e um
anos se desenvolvem os sentidos da audição, palavra, pensamento e a
percepção do Eu do outro.
O sentido do movimento nos permite perceber internamente o que
resulta de uma ação, de uma dinâmica. Apesar deste sentido perceber a
atividade da musculatura, seus movimentos rítmicos de contração e
relaxamento, esta é apenas uma camada. Através do movimento eu percebo
como o corpo astral atua no corpo físico. Essa percepção do movimento nos
liberta, dá-nos alegria no interior da alma.
O sentido do movimento próprio está ligado às forças interiores da
imitação:

Toda alegria no movimento procede da imitação na primeira


infância, e todo gosto de viver tem sua origem neste prazer de
mover-se, é a alegria interiorizada do movimento. Tudo se inicia
com a imitação, pelo prazer de imitar, e quando isso ocorre sem
restrições, aprende o que há de mais humano (HENNING
KÖHLER, s/d, pag. 20)9.

9
Artigo “Sobre as crianças medrosas, tristes e inquietas. O trabalho sobre os sentidos básicos na
infância. Fundamentos de uma prática educativa de índole espiritual. Os sentidos básicos: seu
desenvolvimento, seu cultivo”. Disponível em https://docgo.net/philosophy-of-
money.html?utm_source=os-sentidos-basicos-henning-kohler

18
No decorrer do desenvolvimento, este sentido do movimento vai se
metamorfosear no sentido da palavra, daí sua relação com a linguagem, seja
ela artística, metafórica, verbal, cognitiva ou lógica. É interessante observar
quantos movimentos há na pintura, na escultura, na arquitetura.

No caso da relação do sentido do movimento com o da palavra,


podemos falar de uma linguagem corporal, que se manifesta
através da gesticulação e da mímica, em comparação com as
outras formas de linguagem - verbal, musical, matemática, etc,
tanto orais como escritas. (SETZER, 2000, p. 12)

Dependendo da maneira que usamos as técnicas corporais, estas


podem nos tornar mais ou menos conscientes, portanto, mais ou menos
acordados. É nesse ponto que destaco a relevância de movimentos globais,
como rolar, girar, saltar do corpo como sendo fundamentais para resgatar o
equilíbrio do ritmo de dormir e acordar, na medida em que não apenas os
membros são usados, pois os membros usados isoladamente podem trazer
uma atividade de atenção e cognição muito grande. Para haver a compensação
do que se trabalha no momento do ritmo inicial da rotina da aula do professor
de classe, onde se utiliza muito de palmas e batidas de pés por ex, os
movimentos mais integrais podem ser bastante harmonizadores. Pular corda,
por exemplo, é um movimento mais global, porém sempre com o corpo na
vertical. Podemos comparar o uso dos membros isolados, como tocar o chão
apenas com a ponta do pé, com o movimento de pegar no lápis, ambos que
exigem uma motricidade fina, atuando diretamente no cérebro.
Em se tratando de estilos e repertórios de dança, grande parte está
focado predominantemente no trabalho de pernas e braços. Já os movimentos
globais envolvem o corpo como um todo, expandindo, contraindo descendo,
subindo, abrindo, fechando, etc., inclusive envolvendo a região do tronco,
onde os sonhos e sentimentos atuam. Uma abordagem educativa para o
movimento deve considerar as polaridades, como parceiras de um diálogo
frutífero, considerando que movimentos de explorações criativas iniciados por
movimentos globais podem gerar movimentos mais específicos das partes com
mais harmonia e qualidade.
Como educadores atuamos sobre os quatro membros do ente humano,
embora o fato de aprender seja uma faculdade do Corpo Astral, fato que nos

19
permite compreender as diferenças entre povos, assim como a unidade na
universalidade.
As transformações que o homem realiza em seus membros
inferiores mais no sentido de toda espécie humana ou de uma
parte da mesma, como um povo, uma tribo ou uma família,
têm, na Ciência espiritual, as seguintes denominações: o corpo
astral transformado pelo eu chama-se alma da sensação; o
corpo etérico transformado, alma do intelecto; e o corpo físico
transformado, alma da consciência (STEINER, 2007, p. 22).

Para a Ciência Espiritual, este CORPO FÍSICO é apenas uma parte de


nosso ser, composto de substâncias minerais, e que possui a capacidade de
percepção ou observação sensorial. Atuando junto e acima deste está o CORPO
ETÉRICO, composto pelas forças vitais que nos mantém, assim como atua nas
plantas ou mundo vegetal. Relacionado aos órgãos vitais, aos fenômenos de
crescimento e reprodução, o corpo etérico também mantém relação com a
memória e com os ritmos internos. Tais forças ocultas não são consideradas
como fonte de conhecimento para os cientistas materialistas mais radicais, por
considerarem tal percepção como algo que transcende à capacidade cognitiva
humana. O terceiro membro da entidade humana é o chamado CORPO ASTRAL
ou CORPO DAS SENSAÇÕES. Ligado ao mundo animal, pode se manifestar em
forma de dor, prazer, instinto, apetites, paixões, ansiedades, medos, alegria. O
ser humano tem em comum com os animais, os três membros citados. Já as
plantas não possuem esse membro do corpo astral, uma vez que este lida com
imagens e sentimentos interiores. Nos seres humanos, quanto mais acordado é
o corpo astral, mais há desgaste no corpo etérico. O quarto membro é o
portador do Eu Humano, ou melhor, o CORPO DO EU, portador da alma
humana superior, cuja tarefa é a de purificar e aperfeiçoar os outros membros,
através da consciência e da reflexão a respeito das percepções e dos sentidos. É
justamente através do CORPO DO EU que há a possibilidade de
desenvolvimento, por exemplo, ao haver, pela consciência, um refinamento e
sutilização dos sentimentos e desejos do corpo astral, ou pela transformação do
corpo etérico levando à criação e cultivo de bons hábitos no cotidiano. Sob a
influência do Eu transformam-se também a fisionomia, os gestos e os
movimentos do corpo físico.
Para Steiner, são os fatores culturais comuns e a educação que atuam no
corpo das sensações. Um dos problemas do mundo moderno, segundo R. Steiner é
a falta de meios adequados para lidar com os problemas gerados pelas conquistas
sociais dos nossos antepassados, entre eles, o problema educacional. Isso se deve

20
ao fato da falta de conhecimento sobre os princípios básicos que regem a vida, a
natureza e o desenvolvimento humano. Toda mudança contém um crescimento e
uma evolução, aspecto que deveria ser observado por parte de quem almeja mudar
ou reformar a vida social. Assim, ao observar a natureza do homem em
desenvolvimento, os princípios para a educação surgirão por si mesmos. Nestes
princípios estão contidos também os elementos da natureza oculta do ser humano,
tão desprezados que tem sido pelo materialismo vigente em nossa época, pois
considera apenas o visível como científico. Neste caso, apenas o corpo físico
material é considerado, sujeito às forças da química e da física.
Segundo Rudolf Lanz (1998. P. 16), “Antroposofia significa ‘sabedoria do
homem. Mas não se trata apenas de antropologia; trata-se, na realidade, de
uma ciência do Cosmo, tendo por centro e ponto de apoio o homem”. A tarefa
da Antroposofia é a de penetrar na vida do sentir humano, grande parte a
partir da experiência. O currículo se pretende ser vivo ao considerar a alma
infantil como fundamental, especialmente na nossa época, na qual emerge em
certa medida os fundamentos espirituais de maneira mais explícita do que em
épocas mais remotas da humanidade.
Segundo Karl Stockmeyer (2001), a educação Waldorf leva em conta
dois enigmas: o do ser humano e o do ensino. Os conhecimentos são tratados
como impulso para a vida, de maneira que as matérias servem mais ao
desenvolvimento humano do que ao próprio conhecimento. A Pedagogia
Waldorf é considerada uma arte de educar, na qual a liberdade do professor é
indispensável. Suas tarefas principais são o estudo meditativo da Antropologia
e as indicações dos casos individuais dos alunos. Interessante é o fato de que
esta pedagogia se distingue em muito das pedagogias tradicionais que dão
ênfase à memorização de conceitos.
É precisamente a capacidade de esquecer que educa o ser humano,
através da Ciência espiritual. Considerando que o esquecimento faz parte o
Corpo Astral ou anímico, e que a memória está mais ligada ao corpo do Eu,
embora tenha relação com o corpo etérico, podemos compreender como o ser
humano aprende, de acordo com determinada época de sua vida.
No primeiro setênio, a criação de hábitos é fundamental para fortalecer
o corpo etérico, já no segundo setênio, esses hábitos se mantém graças à
atuação cada vez mais presente do CA, no qual há a forte presença do
movimento, do interesse pelo que é belo, e pela maneira artística de fazer as
coisas.

21
Lanz, na obra “Noções básicas de Antroposofia (1998:82)”, descreve o
segundo setênio como sendo o período de desenvolvimento do Corpo Astral:
O segundo período, que se estende dos sete aos catorze anos, é
caracterizado pelo desenvolvimento intensivo do corpo astral,
que passa a ser o elemento predominante até seu turbulento
‘nascimento’ definitivo, no momento do rebuliço da puberdade.
A astralidade toma, então, posse do corpo físico. Durante essa
fase que corresponde à idade escolar é principalmente o corpo
astral que deve ser ‘alimentado’ de maneira sadia, como o
corpo etérico o foi durante a época anterior. Os sentimentos se
formam e necessitam de impulsos apropriados. Os sentidos, de
simples órgãos sensitivos, passam a ser ‘antenas’ de uma alma:
a criança começa a apreciar música, pintura; compartilha dos
sofrimentos e das virtudes dos heróis de suas leituras; numa
palavra, a alma e a vida anímica passam ao primeiro plano.
Nessa idade a criança desenvolve seus dons artísticos. Ao
mesmo tempo o corpo etérico, liberto de suas tarefas do
primeiro setênio, torna-se instrumento poderoso do pensar e
da memória.

(...) Entre os ‘alimentos’ do corpo astral figuram ideais,


exemplos de figuras com sentimentos nobres e empolgantes.
Os grandes heróis dos mitos e da história fecundam a
imaginação e o idealismo, as vivências artísticas elevam a alma
e o corpo inteiro, com sua intensa reserva de forças, quer ser o
instrumento de impulsos volitivos (esporte), estéticos (dança,
mímica), etc. A imaginação e a fantasia sentimental se
projetam para fora, e nunca, mais tarde, as crianças saberão
interpretar com tanto fervor em peças teatrais ou pequenas
encenações de vivências próprias. Nessa idade os perigos são
múltiplos, mas o maior é a fixação do idealismo e da fantasia
em figuras de valor duvidoso. (...) Nessa idade, dos sete aos
catorze anos, a personalidade já se afirma mais. Não se
limitando a imitar, a se deixar permear, a criança quer agora
idealizar, respeitar, venerar. A autoridade baseada no afeto, no
amor, é a melhor relação pedagógica nessa idade, e o professor
deve respeitar o eu de seus alunos, que se vai afirmando cada
vez mais, e ao mesmo tempo procurar corresponder ao seu
idealismo ainda meio inconsciente.

Parece um enorme desafio conter a chegada precoce da astralidade das


crianças na atualidade, e, no caso do corpo, conter as imagens em movimento
propagadas em todas as mídias, do culto ao corpo e da exposição exagerada,
do culto a ritmos frenéticos e vulgares, massificação dos corpos, presos a
modelos estéticos da moda. Mas também podemos encontrar nas culturas
populares e tradicionais, a licenciosidade e o humor a ela ligados, quase
sempre com o apelo do movimento do corpo. Assim, não parece ser uma
questão fácil pensar no movimento como forma de harmonizar as crianças de
segundo setênio, e fazê-las caminhar na beleza das formas que lhe permitam
inteireza de corpo, alma e espírito.

22
Em sua 10ª conferência, RS afirma que “Corpo, alma e espírito estão no
sistema dos membros do homem (2003, p.120), e portanto, todo o universo
pode estar contido neles. Esse é um ponto interessante a se observar: o
entendimento do sistema dos membros que nós, como educadores, temos, ao
educar pelo movimento. Será que o sistema dos membros se constitui apenas
de partes isoladas ou extremidades distais e proximais do tronco, referentes
aos braços, mãos, pernas e pés? E devido a esse entendimento as maneiras
de usar o corpo também estão limitadas a este entendimento? Entendemos
que os membros a que ele se referem correspondem tanto aos quatro membros
acima mencionados, como às partes que têm aspectos motores no corpo, em
especial, os membros superiores e inferiores. Então, que relação os membros
podem ter com a cabeça e como o tórax que nos faça ampliar as possibilidades
de movimento estendendo para outras partes do corpo, outras formas de uso
do espaço individual e coletivo?
Nessa mesma conferência Steiner esclarece que o corpo todo é membro,
embora o que se mostra proeminente são os braços, mãos, pernas e pés.
Assim, entendemos que a cabeça também possui membros, que correspondem
aos ossos das maxilas inferiores e superiores s ela anexados. “O crânio
também possui seus membros (...) só que de maneira atrofiada (STEINER,
2003, P. 117)”. E vai além quando afirma que os membros humanos são não
apenas ossos cranianos transformados, mas ainda virados ao avesso (idem, p.
119).10
Como Steiner disse na palestra “A educação da criança segundo a
Ciência Espiritual”, a Ciência Espiritual fornece as bases certas não só para a
parte espiritual da educação, mas também para o físico. Antes da Euritmia ter
sido inaugurada como área de conhecimento (em 2012), o currículo de
ginástica era considerado como uma referência para tal afirmação, em
especial, no que se refere ao movimento do corpo físico:

Assim como o amor e a alegria devem permear o ambiente nos


primeiros anos da infância, assim também o corpo etérico em
crescimento precisa realmente vivenciar em si, através dos
exercícios corporais, o sentimento do crescimento, da força em
constante aumento. Os exercícios de ginástica, por exemplo,
devem ser configurados de modo tal, que a cada movimento, a
cada passo, se instale no interior do jovem o sentimento: sinto

10
GOETHE (apud Steiner, 2003, p, 118), foi o primeiro a estudar a teoria vertebral do crânio, constando que os
ossos cranianos derivam dos ossos vertebrais.

23
força crescente em mim. E esse sentimento tem que se
apoderar do interior como um prazer sadio, como bem-estar.
(STOCKMEYER, 2001, p. 348)

Steiner fala da importância de reconhecer o corpo humano para além


do anatômico e fisiológico, passando pelo sentir, pela intuição, reconhecendo o
prazer e satisfação com as posições e movimento do corpo humano,
especialmente da força dos membros.
A respeito deste destaque feito aos membros, é interessante observar
que os movimentos dos membros podem ser executados como sendo
movimentos de partes isoladas do corpo, e, portanto, mais especializados do
que os movimentos mais globais, de corpo inteiro ou simultâneo das partes.
Estes últimos correspondem aos estágios iniciais do desenvolvimento e
quando bem vivenciados, permitem uma boa qualidade dos movimentos mais
específicos. Em outras palavras, no primeiro setênio, os movimentos de rolar,
expandir, contrair, girar, pular, mergulhar, levantar, abaixar, empurrar,
puxar, alcançar, entre outros, utilizam o corpo de uma maneira integral,
preparando a criança do segundo setênio em diante para movimentos
gradativamente mais isolados das partes.
Conforme R. S escreve em sua décima conferência, na obra A Arte da
Educação (2003), os membros têm relação com os movimentos do mundo e a
alma reflete esses movimentos através do som:
Toda dança se origina do intuito de levar à imitação, nos
movimentos dos membros dos homens, movimentos que os
planetas, os outros corpos celestes realizam, e mesmo a
própria Terra.
(...)
A alma tem de participar dos movimentos em repouso. Pelo fato
de a cabeça repousar sobre os ombros. Que faz então? Começa
a refletir o que os membros executam dançando. Começa a
resmungar quando estes realizam movimentos irregulares, e
começa a cantar quando os membros executam os harmônicos
movimentos cósmicos do Universo. É assim que o movimento
dançante exteriorizado se transforma, interiorizando-se, no
canto e no elemento musical (STEINER, 2003, P. 122).

Uma questão a se considerar diz respeito ao preconceito com o


movimento dançante, pela falta de conhecimento do que seria a linguagem
artística. A dança pode ter movimentos estereotipados, movimentos gerados
pelo senso comum do que seja dança, e pode estar dependente de um estilo
musical, ou estar em diálogo em pé de igualdade com a música, no caso de

24
uma criação artística na qual a música é composta de acordo com a temática
do espetáculo.
Talvez um dos receios de que a dança entre na escola é o de que haja a
reprodução de danças presentes no lazer massificado de grande parte da
população, e que vulgariza o movimento corporal, que tem levado crianças a
um estado de precocidade e sensualidade, assim como o faz a música que lhe
é correspondente. Nesse sentido, a antecipação diz respeito ao Corpo Astral
ainda não nascido ao longo do segundo setênio.
De fato, esse é um dos maiores problemas que a educação pode
enfrentar. Um caminho de superação dessa visão é o de pensar o corpo
dançante ou o corpo em movimento a partir de princípios. Levar as crianças a
realizarem movimentos harmônicos seria o princípio mais importante, uma vez
que tais movimentos equilibram o dentro e o fora do corpo, relacionam o micro
e o macrocosmo.
Como escreve Elaine Marasca, no seu livro, “Saúde se aprende, Educação
é que cura (2009)”, sobre o binômio Saúde-educação, “a tarefa da educação é
ajudar a criança a formar sadiamente seu corpo físico e afastar dela todas as
influências que possam atrapalhá-las nesse trabalho (MARASCA, 2009, p.
156)”.
Considerando que a linguagem da dança como arte não é uma
exigência no primeiro setênio, a dança pode aparecer na educação
infantil especialmente como motivação para o movimento corporal,
valorizando a espontaneidade da criança e respeitando suas necessidades
lúdicas, afetivas, rítmicas e sociais, de acordo com as fases do
desenvolvimento. Aliás, a arte na pré-escola waldorf (primeiro setênio) parece
ser muito menos uma tentativa de elaboração de resultados por parte das
crianças e mais uma atividade processual de expressão, cujo material criado é
de extrema importância para o professor conhecer melhor seus alunos.
Para a Antroposofia, os movimentos são atividades próprias das
crianças e passam por diversas metamorfoses para se transformarem em
faculdades volitivas e intelectuais, contudo, para isto, como relata Lanz (1998),
é necessário que deixemos as crianças usar de seus próprios impulsos para
mover-se e gesticular livremente, evitando correções, exceto em casos de
movimentos que traduzem um espírito desequilibrado. Esses movimentos
nascidos dos impulsos pessoais, servem de base para as descobertas de seus
corpos como instrumentos de expressão e comunicação.

25
No primeiro setênio, o corpo é o principal brinquedo da criança e esse
contato deve ser estimulado, além do contato com elementos naturais, como
água, areia, inclusive com o solo do chão natural, de maneira que haja o
desenvolvimento dos padrões básicos de integração postural e da percepção
interna e externa do movimento. Assim a atuação do educador precisa auxiliar
nesse desenvolvimento, em especial no amadurecimento dos órgãos, do
sistema nervoso, da percepção sensorial e da motricidade. Neste setênio toda a
vitalidade da criança deve estar disponível para tal, daí a importância de não
antecipar aspectos que gastam a vitalidade em atividades que não sejam
relativas ao desenvolvimento físico, como por exemplo aquelas que exigem
memorização, interpretação e/ou raciocínio lógico. O professor desde cedo
pode trabalhar com o ritmo como um grande instrumento de harmonização do
ser, através da capacidade de sentir.
A criança do primeiro setênio tem grande capacidade de imitação, daí a
importância do movimento, da alegria, do prazer e do amor, os quais são
trazidos ao ambiente pelo educador. São essas qualidades da alma que
plasmam as formas físicas dos órgãos. A criança pequena imita os signos,
independente de seu conteúdo. Daí a importância do ritmo e da beleza sonora
das canções infantis, histórias e contos, os quais estimulam a fantasia
saudável, plasmadora das formas cerebrais.

Corpo, movimento, dança: metamorfoses

Sendo o sentido da linguagem uma metamorfose do sentido do movimento,


supõe-se que uma boa base de movimentação nos primeiros setênios,
especialmente no primeiro, possibilitará uma fluência na linguagem falada e
escrita ou mesmo em uma linguagem artística. No entanto, se tivermos
restrição de movimentos justamente na época da vida em que o nosso trabalho
é justamente o mover o corpo, que é especialmente de 0 a 7 anos, as
consequências serão amplas e complexas para o ser humano como um todo e
ao longo do seu desenvolvimento posterior.

Antes dos sete anos predomina o amadurecimento dos sentidos


volitivos. No segundo setênio atuam os sentidos exteriores, os dos
sentimentos, e a partir do catorze anos predominam os sentidos cognitivos.
Portanto, a partir dos primeiros anos escolares, respectivamente 7,8 e 9 anos,

26
inicia-se da atuação dos sentidos exteriores, os dos sentimentos, que têm
relação com o meio: temperatura, paladar, olfato e visão. A Antroposofia
entende que há um órgão específico para cada sentido, e que há um sentido
próprio do movimento, que é interno. No movimento corporal há uma
percepção interior ligada aos processos metabólicos que se passam no âmbito
muscular e orgânico. Segundo Rudolf Steiner, o movimento nos liberta e dá
alegria, justamente pelo fato de gerar um ritmo entre a contração e o
relaxamento, não apenas muscular, que seria apenas uma camada, mas
também passa pelas estruturas cerebrais organizadoras de estabilidade e
mobilidade.
Na Medicina Antroposófica o trabalho com os 12 sentidos é
fundamental, sendo o tato o mais básico de todos. König reconhece que “a
atividade tátil é um processo volitivo e que a vivência tátil é o resultado que
aparece do encontro do nosso querer com o mundo circundante (KÖNIG,
2000, P. 8)”. Em se tratando de um pedagogo terapêutico11 Konig diz que sua
tarefa é “dirigir adequadamente o ‘querer sensitivo’ e abrandar o ‘sentir
volitivo’ (KÖNIG, 2000, p. 14)”.
No segundo setênio o conteúdo de dança deve conter todas essas
necessidades, mas também estar atrelada ao conteúdo curricular, ou seja,
vinculado ao estudo da antropologia da criança. Todo o conteúdo escolar nos 3
primeiros anos escolares deve obedecer aos princípios da Antropologia da
criança. São os três anos mais importantes da vida escolar do ser humano, daí
o poder que tem a iniciativa pedagógica de atuar para o resto de nossas vidas.
Pensar, portanto, numa adequação da linguagem de dança é um assunto
bastante sutil, inclusive quando se trata de movimentos e temas da cultura.
Se um dos objetivos da Pedagogia Waldorf é evitar que o ser humano se
torne animalizado, por outro lado considera que nós, humanos, repetimos ao
longo de nosso desenvolvimento, tanto a filogênese, quanto as épocas

11
Enquanto o pedagogo concentra-se mais sobre a harmonia das três grandes áreas (pensamento, sentimento e
vontade), o pedagogo curativo dirige-se mais para as polaridades em desequilíbrio. Como também na Pedagogia
Waldorf, porém de modo mais acentuado, os elementos do ritmo e da forma, da arte e da criatividade, assim como
da ação e praticidade no ensino são fundamentais. (...) Nos países europeus a educação terapêutica e terapia social
é denominada de "pedagogia curativa" (por exemplo, Heilpädagogik em alemão,curative educationem inglês) e teve
sua origem dentro do contexto da Antroposofia, na qual foi inaugurada em 1924 por meio de um curso de
conferências do Dr. Rudolf Steiner como uma Pedagogia Curativa Antroposófica, sendo que daí difundiu-se para a
pedagogia convencional. A profissionalização nessa área é adquirida em um estudo de nível superior de 4 anos, o
qual corresponde ao que no Brasil se chama de psicopedagogia. http://www.sab.org.br/portal/ped-curativa-e-
terapia-social/131-educacao-terapeutica-e-terapia-social-com-base-na-antroposofia

27
culturais da humanidade. Há, portanto o reconhecimento de que não se deve
evitar que a criança vivencie movimentos de animais, em especial aqueles da
escala filogenética, sobre os quais nossa espécie passa ontogeneticamente.
É preciso reelaborar estes estágios pelos quais o bebê passa, que é o
de rolar, rastejar, engatinhar, até verticalizar. Assim como acontece nas
referidas abordagens terapêuticas, pode-se utilizar nas aulas de dança desde
que esta valorize a educação somática como fundamental. Assim, trabalhando
o corpo de maneira integral, será mais fácil iniciar com os ritmos da nossa
cultura na parte de musicalização e composição gestual.
Em termos de linguagens artísticas, a Pedagogia Waldorf reconhece as
artes plástico-pictóricas e as poético-musicais. Entendo que a dança estaria
inserida nessas últimas, embora não seja tratada como dança propriamente
dita. Ainda que se faça uma movimentação dançada acompanhando um
canto, por exemplo, o canto é considerado o principal e a dança secundária.
Neste sentido, a Euritmia ocupa esse lugar quando possível, mas em
outros momentos práticos é o professor de sala que dá conta dessa atividade.
Esse professor é muito bem capacitado para lidar com aquarela, giz de cera,
desenho de lousa, desenho de forma, escultura, etc, um pouco menos para
cantar e tocar um instrumento, já que há a possibilidade de ser acompanhado
por um professor de música, e talvez, na arte da fala haja um domínio natural,
de maneira que a língua portuguesa se beneficia de algum tipo de recitação ou
dramatização. Mas quando se trata de dança, se for desejo da escola, de por
exemplo se aproximar da cultura local tradicional oral-gestual, talvez a dança
deva ter seu lugar na escola, de maneira que cada professor possa de
apropriar dessa linguagem mais profundamente, considerando sonância com
os princípios antropológicos do currículo escolar.
O conceito de tradição, pelo qual se processa a conservação do
fato folclórico, significa, no seu sentido latino, “traditione”-
entrega do patrimônio cultural de uma a outra geração. Falar
de tradição, entretanto não significa recusa à mudança, uma
vez que a variação lhe é inerente, decorrendo da própria
mobilidade cultural do homem da civilização urbana, como
também dos impulsos criadores, tanto individuais quanto
coletivos. (ARAÚJO, 1993, p. 23)

O currículo waldorf é permeado de arte, e a dança já é usada de alguma


maneira, embora sem muita apropriação da linguagem. Há o professor de
música, que é específico, mas não tem o professor de artes visuais, nem o de
teatro, nem o de dança, embora essas linguagens sejam utilizadas
prioritariamente. A dança deve ter seu lugar na formação artística e se torna

28
ferramenta para qualquer professor, em especial, os que têm mais afinidade,
mas também os que acreditam que a dança é para todos os corpos.

2. O estágio como campo de pesquisa

Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.


(Guimarães Rosa)

Ao longo de quatro meses em contato diário com alunos e professores


na Escola Waldorf Recife, além de quase nove anos tendo sido mãe da escola,
teria muitas considerações a fazer, inicialmente destacando à questão social, e
suas maneiras de superação e comunhão pela comunidade escolar. Há vários
níveis de consciência e pontos de vista convivendo juntos, mas também há um
consenso de que juntos, realizamos tarefas muito importantes para a vida
social.
Ao presenciar o ritual de passagem das crianças que vão para o
primeiro ano, é sempre indescritível a emoção de toda a comunidade escolar,
ao ver cada um passar pelo portal, um arco de flores, e serem recebidos por
alunos mais antigos. Este é um belo momento de ancoramento das bases
sociais da comunidade escolar.
Em seu livro “Os pontos centrais da questão social”, Steiner constata
que a educação estatal não tem sido mais representativa das necessidades
educacionais atuais. De acordo com a evolução da humanidade, em cada
época cultural os objetivos educacionais se modificam. Na Idade Média era
monopólio da igreja católica, e com o final da idade média, iniciou-se o
processo de estatização do ensino, cujas leis generalizam os objetivos para
todos.
Segundo Steiner, atualmente a manutenção desse modelo que deixa a
todos dependentes de algo elaborado por administradores e não por
educadores, tem sido um grave erro. Os socialistas pregaram que a educação
era um direito de todos, e o ensino, publico, igual para todos. Isso foi muito
bom para determinada época a humanidade, a retirada da educação das
crianças de um poder religioso e sua entrega ao Estado, onde todos tiveram
acesso, inclusive à arte, antes destinada apenas a quem tinha o dom ou o
talento inato. Agora todos poderiam aprender arte, e os socialistas
contribuíram para ampliar essa concepção de dança educacional para além de
corpos ideais, ou para um modelo de corpo ideal, passando a servir a todos os

29
corpos. Uma questão sempre polêmica, pois embora tenha ampliado a
acessibilidade ao aprendizado de todas as linguagens artísticas, o ensino
terminou por generalizar também os potenciais humanos, desvalorizando
aquilo que justamente cada pessoa pode trazer de diferencial para cumprir
seu propósito ao longo da vida.
Atualmente a sociedade está muito complexa e diferenciada, cada
comunidade tem suas necessidades especificas. Assim não caberia mais ao
Estado ter um completo monopólio das leis que regem a educação. Cabe aos
próprios educadores fazerem uma autogestão associativa e construírem seus
próprios referenciais curriculares. Isso eu tenho visto na prática pedagógica
Waldorf, a construção curricular, feita ‘à mão’, de acordo com os parâmetros e
princípios da Antroposofia. A própria comunidade de educadores tem
desenhado esse currículo ao longo desses 100 anos de Pedagogia Waldorf,
reelaborando, ampliando, de acordo com os contextos geográficos e culturais.
O sentido da liberdade e de autogestão pode e deve ser realizada
criativamente por cada professor, uma vez que não é algo fechado e rígido,
ditado hierarquicamente, mas a partir dos princípios antroposóficos cultivados
por essa comunidade escolar. Para Rudolf Steiner (1997), o que importa na
arte de educar é aquilo que aprendemos e o que o educador, enquanto lida
com o ensino, deve inventar a partir do que aprendeu de si mesmo na relação
com os elementos do mundo sonoro e imagético.
Foi a partir desse entendimento de liberdade que apareceu a
necessidade, por parte desta comunidade, da qual faço parte, de inserir na
prática pedagógica elementos da cultura pernambucana, entre outros
aspectos. Assim, pude me sentir inspirada em colaborar criativamente com a
prática pedagógica dos professores, ao longo do estágio como apoio
pedagógico, e perceber o que poderia ser mais adequado diante das
necessidades físicas, anímicas e espirituais dos alunos do ensino
fundamental.
Se pudermos caracterizar o que acontece na prática cotidiana da sala
de aula waldorf, diríamos que o entendimento do movimento corporal por
parte dos educadores é um tanto restrito, na medida em que parece não
consistir na integralidade do todo corporal, à maneira como é entendido na
antropologia do ser humano, apontada por Steiner.
Ainda que a Pedagogia Waldorf valorize muito o movimento corporal,
faltam subsídios para aproveitar ao máximo sua pontencialidade, visando a

30
correta preparação para o pensar. Como já foi observado acima, é que esse
movimento tem sido realizado sempre com ou sem deslocamento no nível alto.
Ainda que se faça movimentos em outros níveis ou planos no espaço, quando
estes aparecem, acontecem como apenas uma passagem, pois o referencial é
da pessoa em pé. A importância de um trabalho de corpo fazendo o uso do
chão, do solo, com o corpo passando por outros níveis, e planos no espaço
parece ser um dos aspectos que está faltando na pedagogia, inclusive para que
possamos trabalhar o ser humano de maneira mais integral.
Nas atividades curriculares não há esse uso do corpo na posição
horizontal e seus desdobramentos, a não ser nas aulas extra-curriculares,
como oficinas oferecidas no contra-turno (capoeira, dança ou natação), ou nas
terapias extra-curriculares, chamadas extra-lesson, pedagogia curativa, ou no
método Padovan12, as quais estão voltadas para a reabilitação do processo de
aquisição do Andar, Falar e Pensar, mas que infelizmente, não estão incluídas
no dia-a-dia das escolas Waldorfs, como é o caso da EWRecife.
Pensando numa maneira de suprir as lacunas de atividades integrativas
no currículo, e observando a maneira que este está organizado, o estágio tem
permitido identificar possibilidades de movimento e de dança que deem um
apoio pedagógico ao professor de classe, ou no momento em que este precise
que o professor de matéria – preferencialmente da área de dança- esteja com
uma parte dos alunos durante os trabalhos manuais. Ou ainda, se o professor
de matéria, ou de jogos ou de música sentir necessidade de dialogar com a
linguagem da dança, nesta ótica da educação somática e criativa.
O estágio ou o trabalho de apoio pedagógico na EWR justamente está
me fazendo refletir nesse campo de pesquisa e atuar, ainda que nos intervalos
e momentos de parque, com dança e ginástica de solo13 para os alunos dos 1º,

12
O Método Padovan de Reorganização Neurofuncional, desenvolvido por Beatriz Padovan, é uma abordagem
terapêutica que recapitula as fases do neuro-desenvolvimento, usadas como estratégia para habilitar ou reabilitar o
Sistema Nervoso.
Uma terapia clássica de Reorganização Neurofuncional, recapitula os movimentos neuro-evolutivos do sistema de
locomoção e verticalização do ser humano, os movimentos neuro-evolutivos do sistema oral que leva ao domínio
da musculatura da fala, dos movimentos neuro-evolutivos do sistema ligado ao uso das mãos e sua riqueza de
articulações, e dos movimentos neuro-evolutivos dos olhos com sua organização muscular complexa.
O Método Padovan recapitula o processo de aquisição do Andar, Falar e Pensar de maneira dinâmica, estimulando a
maturação do Sistema Nervoso Central, com intuito de tornar o indivíduo apto a cumprir seu potencial genético e à
adquirir todas as suas capacidades, tais como locomoção, linguagem e pensamento. Essa abordagem apresenta
princípios semelhantes aos da abordagem do Body-Mind Centering, descrita mais adiante.

13 Algumas destas atividades foram realizadas com metades da turma do segundo ano, por ocasião da aula de
trabalhos manuais, numa sala onde chamei a “sala de movimento”, temporariamente vazia, utilizada para outras
funções pelos demais professores da Escola Waldorf Recife.

31
2º e 3º anos. Apesar de a minha função ser, além das substituições eventuais
de professores, basicamente acompanhar o brincar livre das crianças no
parque, pude proporcionar atividades mais dirigidas àquelas se interessassem
ou mesmo aos alunos que porventura precisarem estar fora da sala por algum
tempo.
Tenho procurado iniciar com movimentos globais, e em vários níveis e
planos, utilizando o recurso da imagem, para que ao verticalizarem, os alunos
possam fazer ações de partes especificas de maneira mais fluida. Ficou muito
concreto o fato de que alguns alunos tendem a alternar entre uma tonicidade
extrema e tensa e uma falta de tonicidade, e, portanto sem motivação para o
movimento. Estabelecer o equilíbrio seria um ponto a ser considerado.
Em se tratando da linguagem da dança, que é imagem concreta, pude
observar, o quanto ela pode ser útil, considerando que na metodologia waldorf,
o conteúdo da matéria é sempre apresentado pelo professor de segundo
setênio como uma descrição imagética do fenômeno, embora essa descrição
seja muitas vezes através da palavra, ou seja o professor usa a linguagem para
que a imagem apareça, para depois chegar ao conceito, ao cognitivo.
A linguagem caracterizante é o veículo da fantasia no 1º, 2º e 3º ano. A
linguagem descritiva mantém a fantasia no 4º e 5º ano. No 6º, 7º e 8º ano a
linguagem é explicativa, que é o primeiro passo para a abstração. Sendo a
dança por si só imagética, não teria sentido caracterizar, descrever ou explicar
uma dança antes de executá-la, pois a linguagem corporal nem sempre é
descritível sem o gesto. Como exemplificou Ribeiro (2014), para um conteúdo
sobre a África (no 7º ano), primeiro o professor descreve como eles cantam,
como eles dançam, provavelmente a partir da demonstração do gesto.
Observo que a dança, assim como a pintura, ou o desenho estão
inseridas na sala de aula do professor de classe, mas parece que com objetivos
que vão além da execução de passos, ou de um fazer artístico mais elaborado,
considerando que a harmonização e o desenvolvimento de cada aluno
continua sendo o principal foco do ensino.
O exemplo a seguir mostra uma situação de mudança na qualidade do
movimento, através da associação entre o movimento e a imagem:

Durante o estágio como apoio pedagógico, meninos do 2º ano estavam brincando


de saltar obstáculos de uma maneira competitiva. O objetivo final era saltar por cima de
um banco que tinha um tatame em cima dele, segurado verticalmente por dois alunos, o
qual tinha que ser empurrado no momento do salto, em cima do qual iriam cair em
seguida. A brincadeira estava um pouco perigosa para alguns pelo fato de não terem

32
noção de todos os movimentos necessários para atingir o objetivo. Então eu me
aproximei e na medida em que cada um corria em direção ao tatame, comecei a dizer
que animal ele parecia. Um era um cavalo, outro era um coelho, outro era um macaco,
outro um passarinho. Notei imediatamente como a qualidade da expressividade de cada
um mudou, tendo em vista a apropriação dos “personagens” animais (trecho do diário
de campo de estágio).

O equilíbrio no respirar é o tema do ensino do segundo setênio, pois a


respiração integra corpo, alma e espírito. A memória e a fantasia são os
princípios. A linguagem é um meio para alcançar a fantasia para que a criança
aprenda o conteúdo. Interessante é o fato de que o sentido da palavra é o
verbo, o verbo é a ação. Portanto, a força da palavra mobiliza a ação. Se a
essência da vida do primeiro setênio é o movimento ou o gesto, sendo o gesto
fundamental para a criança imitar, e o foco, portanto, é no desenvolvimento do
corpo, no segundo setênio, através do corpo se desenvolve a alma, ou seja, o
movimento torna-se a expressão do espírito.
Em relação ao corpo em movimento, a Antropologia da criança tem
muito a nos fundamentar, uma vez que trata da simbologia que vive na alma
da criança na medida em que “revive” estágios evolutivos da humanidade.
Segundo Kátia Galdi, os anos escolares se dividem de acordo com a estrutura
pedagógica que obedecem, visando à formação da criança de acordo com as
etapas e fenômenos da antropologia. “Nos três primeiros anos escolares, a
criança entre 7 e 9 anos são como pequenos egípcios e o professor é visto por
elas como um faraó”14.
Poderíamos nos perguntar se tudo é movimento corporal, como
distinguir em que momento estaremos usando a dança ou a ginástica ou a
euritmia na escola? Para o professor de sala, que tem a liberdade de planejar
suas atividades, isto não seria um problema, já que o diálogo entre as
atividades ou artes corporais é sempre muito bem-vindo.
Vale salientar que a dança, por exemplo, passou a ser considerada arte
no século XVII, mas continua existindo na vida social, independente dessa
emancipação. Na escola não há o objetivo de formar o artista, mas de cumprir
esteticamente um programa, com o auxílio das linguagens artísticas. Os
estudos do corpo em movimento têm buscado a compreensão de que o
material essencial da dança é o movimento e Rudolf Laban, no início do século
XIX, foi o primeiro que teve uma visão estética da dança como obra de arte
independente de outras linguagens artísticas. Laban, fez uma distinção entre

14Anotações da aula de Antropologia com Kátia Galdi no seminário de formação de professores em Pedagogia
Waldorf no Recife.

33
dança-coral,- que seria uma maneira educativa de atingir muitas pessoas para
o movimento-, e a dança artística profissional, à qual impulsionou a partir do
entendimento de princípios da harmonia espacial. Desse modo a dança pôde
ser inserida na prática pedagógica escolar, a partir de seus conteúdos
formativos, valorizando os processos criativos, e não apenas o produto estético
decorrente destes.
De maneira geral podemos dizer que há uma falta de apropriação dos
educadores escolares do conteúdo formativo em dança, a qual aparece mais
explicitamente justamente nas comemorações, quando está perto do São João
ou Carnaval, por exemplo, quando se começa a ensaiar alguma dança de
repertório. Este fato pode ser analisado como uma sub-utilização da dança,
pois apenas pontualmente ela é usada como recurso a serviço de um tema, em
detrimento de seu aspecto formativo, sistemático, ou de uma arte do e pelo
movimento.
Desde o momento da roda rítmica, passando pela aula principal, ou na
aula de matéria, a dança pode ser utilizada de modo sistemático, contribuindo
para vivenciar um conteúdo de época, ou mesmo sendo a dança pela dança,
da mesma maneira como a aquarela muitas vezes é utilizada.
Curiosamente tem acontecido de alguns alunos me perguntarem
quando será a próxima aula de dança e lamentando por nem sempre
acontecer, devido a imprevistos, ou pelo fato de não haver sistematicamente
momentos exclusivos com cada turma, em particular, devido à coincidência de
estarem duas ou mais turmas liberadas para o parque simultaneamente.
Considero que isto tem causado uma espécie de quebra no ritmo da rotina, na
qual houve atividades de movimento diferentes do que estão acostumados.
Essas atividades consistiam em momentos de relaxamento no chão,
aquecimento de maneira global, manipulação do corpo do outro em duplas,
exploração de movimentos criativos e imitação de gestos, além da reprodução
de movimentos codificados. Percebi a grande alegria das crianças em explorar
movimentos próprios e apresentar aos colegas. De fato, essa alegria provém da
novidade que é a liberdade de criar em torno de sugestões de imagens, uma
vez que outras atividades de movimento presentes no cotidiano da escola são
de movimentos onde o professor é sempre o modelo a ser seguido.
Suzanne Langer, crítica de arte, escreve:
“A arte da dança é uma categoria mais ampla do que qualquer
concepção particular que possa governar uma tradição, um
estilo, um uso sacro ou secular; mais ampla que a dança

34
cultual, a dança folclórica, a dança de salão, o balé, a moderna
dança expressiva (LANGER, 1980, p. 204)”.

Langer (1980) busca a essência da dança não apenas como espetáculo,


considerando que quando havia uma consciência predominante mítica no
desenvolvimento humano, quando em algumas danças era criada uma
imagem sagrada, um círculo mágico em torno de um altar, incluindo todas as
pessoas presentes, não havendo qualquer espectador. Numa dança ritual, por
exemplo, o gesto é um fenômeno físico que parece ser mais sentido do que
visto, assim como numa dança artística, pode ser mais visto do que sentido
pela plateia, mas não menos sentido por quem dança. O espectador talvez o
possa sentir reverberando internamente a energia lançada no espaço por
quem dança.
Hoje a dança está muito além de estilos e virtuosismos. Na
contemporaneidade a convivência com a diversidade de concepções de corpo e
de dança e a simultaneidade entre formas e repertórios antigos e a dança de
improvisação de hoje, dá muitas possibilidades de caminhos para a dança
educativa ou o ensino de dança na escola, que tanto pode seguir um caminho
técnico, conceitual e abstrato como imagético, orgânico, saudável.
Para o momento identifico brechas onde o movimento pode acontecer
na escola e como, de maneira que possam ser introduzidos movimentos
primordiais, compatíveis com o desenvolvimento natural e rítmico do ser
humano. “Rodopiar e fazer círculos, deslizar, saltar e equilibrar-se são gestos
básicos que parecem originar-se das fontes mais profundas do sentimento, os
ritmos da vida física como tais (LANGER, 1980, p. 201)”.
Considerando que o ritmo é inerente ao movimento, e que todo tecido
vivo permanece em constante estado de movimento, é justamente o ritmo que
permite uma atividade interna de expansão e contração, dando fluidez ao
desenvolvimento. Essa fluidez é importante para o equilíbrio entre simpatia e
antipatia, entre o sono e a vigília, uma fluidez que se inicia de dentro para fora
do corpo, e a partir do tronco, onde o sistema rítmico e o metabólico estão
situados.
Assim, o trabalho experimental com os alunos do 1, 2º e 3º anos na
Escola Waldorf Recife se desenvolveu sempre a partir da posição deitada,
abrindo e fechando o corpo da posição do “Xis” à posição lateral na curva e
“C”, fluindo de um lado para outro, até balançar, rolar e atingir um espaço
tridimensional com o corpo, de maneira rítmica e fluida. O meu objetivo era a

35
organização corporal e somática dos alunos. Entendemos por organização
corporal, toda possibilidade de integração e conectividade de suas partes,
através de padrões de crescimento e de harmonização do ser humano. Essa
organização não se refere apenas aos tecidos, órgãos e sistemas internos e
superficiais, mas também aos níveis subjetivos.
A dificuldade que se apresentou foi o fato de que, enquanto aquilo era
uma novidade, havia motivação em participar e viver o desafio, mas na medida
em que já haviam experimentado algo parecido, algumas crianças
dispersavam e demonstravam querer outra coisa de novidade. Talvez isto se
deva ao caráter passageiro com que a cultura massificada impõe seus
conteúdos, os quais muitos alunos têm acesso (a respeito da cultura de
massa, ver o item 3.2 mais adiante). Também observei que a perda de
interesse se deu para algumas crianças pelo fato de apresentarem muitas
dificuldades de percepção de seu próprio corpo, como se precisassem
reelaborar fases anteriores do desenvolvimento que talvez tivessem sido pouco
exploradas.
Apesar das tentativas de elaborar planos e atividades de dança para
aplicar ao longo do período em que permaneci responsável por elas (vide
alguns planos de aula em apêndice), percebi que não se trata de receita de
“bolo pronto”, uma vez que cada um faz seu próprio caminho metodológico a
partir do que já foi vivenciado, mas convém refletir o fato de que o ensino de
arte pode ser prejudicial à criança caso seu enfoque seja na abstração
conceitual. Se a criança é, nos primeiros anos, um organismo totalmente
sensorial e delicado, ao ponto de sentir o que pensamos à sua volta, cujos
desenhos espelham o estágio de desenvolvimento em que se encontram, sem
necessariamente precisarem seguir regras ou modelos, assim também a
liberdade de suas danças espontâneas deveria ser mais valorizada do que as
apresentações precoces (antes dos sete anos) de coreografias para uma plateia,
ou mesmo as coreografias de última hora para as festas juninas, quando se
trata do segundo setênio.
Num desenvolvimento considerado saudável, todos nós deveríamos ter
facilidade, ser naturalmente fluentes no movimento corporal, não apenas para
torná-lo artístico, de maneira que pudéssemos desenvolver ao longo da vida
várias habilidades relacionadas à flexibilidade, força, expressividade, ritmo,
precisão, e à percepção de si e do outro.

36
A beleza da arte a ser cultivada a partir dos sete anos deve vir a partir
dos princípios, adicionando ao saber incorporado, o sabor das rodas e
cirandas cantadas, jogos corporais-musicais, movimentos rítmicos, os
movimentos percutidos, os gestos cantados.
Ainda que a orientação do livro “Cirandas de Ontem e de Hoje” (HAES,
1990), esteja voltada para o primeiro setênio, também é possível encontrar
elementos formativos nas antigas brincadeiras, que sejam adequados aos
primeiros anos escolares. As canções que as acompanham despertam o ritmo
com o objetivo de despertar para o movimento. Os princípios de organização
dos movimentos cantados são com as crianças em círculos ou em pares, face-
a-face (aproximação e afastamento ou vai-e-vem), ou ainda em fileiras (danças
de comboios). Um exemplo bastante adequado, vivenciado com o 1º ano é a
brincadeira “eu sou pobre, pobre, pobre, de marré descê”, que é uma
brincadeira de vai-e-vem, a qual, embora o andar para trás seja mais
adequado às crianças mais velhas, neste caso, porém, as crianças estão de
mãos dadas, o que as deixa mais seguras. Também se adequa as brincadeiras
cantadas realizadas em círculo, como “senhora Dona Canja (arcanja)”. Para o
segundo e terceiros anos aquelas que fazem fileiras, como é o caso de
“Passarás” ou qualquer uma que tenha movimentos criados e improvisados
para serem imitados ao longo da caminhada15.

Considerando que o uso de música mecânica não é incentivado na


escola, a voz do professor e dos alunos deve ser o material a ser trabalhado,
uma vez que a voz também é considerada uma manifestação do todo corporal.
Baseado nesses princípios do círculo, pares e fileiras, há possibilidades de
realizar danças corais improvisadas, a partir de canções ou ritmos regionais,
mas também composições a partir de células coreográficas, sem
necessariamente reproduzir os passos característicos das danças de
repertório.
Foi justamente essa abordagem que usei no processo do espetáculo
Gestos Cantados (2008), realizado com 17 canções tradicionais selecionadas
no trabalho etnográfico:
Um dos princípios da dança-coral é o de aprender e ensinar
mutuamente movimentos entre as pessoas do grupo, ou seja,
trata-se do ato de compartilhar, que é um dos padrões de
crescimento da natureza, como observou Doczi (1990). Por
dança-coral também se entende um conjunto de práticas de

15
Ver exemplos de rodas cantadas em Duarte (2000), com variações entre as letras das canções.

37
improvisação provenientes dos trajetos aprendidos em
harmonia espacial, combinados de diversas maneiras entre
duplas, trios, quartetos e grupos grandes de pessoas, inclusive
gerando atividades simples como “seguir o líder” mais próximo
quando do deslocamento em fileiras. Mesmo havendo
diferentes abordagens de composição entre os que trabalham
com Rudolf Laban, há um ponto em comum: o princípio de
elaboração de seqüências de movimento individualmente,
depois em duplas, e em seguida, as duplas se juntam em
quartetos e assim por diante, até formarem uma grande
coreografia (Araújo, 2008, p. 71).

D. Udo de Haes levanta uma questão acerca da escala tonal das antigas
canções folclóricas16. “a criança da primeira infância, e também a criança em
idade escolar (até nove anos) deveriam permanecer ainda bem distantes do
elemento diatônico com seus sustenidos e bemóis. No entanto, as melodias
das antigas canções têm algo de tão delicadamente onírico, ou podem ser
dramatizadas nesse sentido de sonho, de modo a pouco acentuar o tom maior
ou o tom menor (HAES, 2012, p. 32.). O autor afirma a importância da escala
pentatônica, isto é, a sequencia de cinco tons: sol-lá-si bemol-ré-mi, devido ao
seu caráter onírico, flutuante.
Assim como há uma orientação curricular para o uso da escala
pentatônica, imagino que deve haver alguma restrição de movimento corporal
nas orientações das aulas de dança, ginástica ou eurritmia. A meu ver, um
movimento de tocar com a ponta do pé no chão e deslizar, como é utilizado no
balé clássico, por exemplo, equivale a um trabalho dos pés como motricidade
fina, a exemplo do uso das mãos na escrita. Um simples caminhar pode exigir
muita concentração e refinamento do movimento,
portanto, qualquer atividade, que exija exclusividade de extremidades dos
membros, pode levar mais ao pensar do que à vontade e ao sentir.
Uma das questões importantes nesta pesquisa é, qual a diferença ente a
Dança e a Euritmia ou qual o benefício da Euritmia para a dança? Considera-
se que na Euritmia não se dança a música – canta-se de modo visível (por isto,
a princípio, a Euritmia não deveria ser confundida com a arte da dança).
Atualmente, porém, segundo Cláudio Bertalot17, podemos sim, chamar a
Euritmia de dança, pelo fato de que, no fundo, são os movimentos que
geraram essa música no músico que aparecem no movimento da pessoa que

16 Consideramos como sinônimos neste estudo os termos popular e folclórico no que se refere aos aspectos da
cultura nacional.
17 Professor pioneiro do curso de formação em Euritmia Artística no Brasil. Ministrou, junto com Patrícia Bertalot
curso de extensão na UFPE em 2013, por ocasião da pesquisa de minha orientanda Rafaella Cavalcanti.

38
dança. A música brota de um movimento interno, que numa composição
musical, se externaliza em sons, que só existem numa relação entre ambos,
movimento e som.
Patrícia Bertalot compreende que o conceito de “dança” se expandiu
tanto, que a Euritmia já pode ser chamada de Dança. No entanto, as outras
danças não têm sido chamadas de Euritmia, o que não impede o diálogo entre
elas. Em suas aulas de balé clássico, Patrícia trata a técnica com outra
abordagem, com base na Euritmia. Ao invés de pedir ao bailarino que alongue
as costas, ela diz: "põe luz nas costas ao invés de esticá-las, encontra outra
intenção”.
Outra questão pertinente é sobre o relacionamento entre os dançarinos.
A Euritmia valoriza a relação entre as pessoas, as quais não podem ocupar o
mesmo lugar no espaço. Há uma troca e o perceber o outro de maneira
cuidadosa. É importante que haja espaço entre as pessoas, por isso a
Euritmia valoriza pouco o toque. O contato entre as pessoas (toque) não gera
espaço, ao contrário, é a falta de espaço.
Nesse sentido as abordagens somático-performativas em dança se
diferenciam da Euritmia pelo fato de valorizarem o toque entre professor e
aluno, e entre os próprios alunos, como forma de estimular o
autoconhecimento e a criatividade.
Na Euritmia há uma visão abrangente de espaço e tempo. Percorrer
uma linha reta para frente e para trás tem um significado que vai muito além
das formas. Segundo Cláudio Bertalot, o movimento vem de um lugar antes,
passa por mim e continua para além de mim. O tempo é outra dimensão do
espaço. Uma comparação interessante é feita por Steiner a respeito de uma
flor: “A flor antecede a semente; e, assim como a flor antecede o fruto, a
semente da qual surgiu esta flor se desenvolveu de uma planta igual.” (In:
FROBÖSE, 2009,p.16).
Uma das maneiras de dançar no espaço, espacialmente na abordagem
da Euritmia Social é através dos desenhos de formas. Nas culturas antigas
havia a lemniscata, o oito harmonioso, as espirais, as estrelas, etc. Na forma
da estrela de cinco pontas, por ex, cada uma das cinco pessoas que a
compõem representa a cabeça ou um dos membros do corpo humano,
percorrendo o espaço através das diagonais e horizontais. Observamos a força
que há em cada linha, seja curva ou reta: uma que contrai, outra que
expande. A Linha reta é o resultado do movimento interior. Assim como o

39
inspirar constrange e o expirar refresca, a vida é feita de reações como rir ou
chorar, como expansão e contração. Em toda expansão sentimos uma elevação
do interior para o exterior. Já na contração há uma força de concentração que
converge a um ponto. Nas espirais há possibilidades de contração e expansão.
Há um paralelo interessante entre a Euritmia e o Desenho de Formas: A
Euritmia é um movimento que leva a uma imagem, especialmente pela
linguagem poética. O Desenho de Formas é uma imagem que leva a um
movimento. Por se tratar de imagens primordiais e arquetípicas, quando
aplicado ao contexto ou fase de desenvolvimento da criança, essa ligação entre
o desenho e o movimento torna-se extremamente curativa. A Euritmia e o
Desenho de formas são as únicas duas artes que só existem na Pedagogia
Waldorf. No caso de haver também Dança como arte nas escolas Waldorfs,
imagino que esta pode ser completamente compatível com a Euritmia no que
se refere aos desenhos de formas, pois estes contêm princípios organizadores
de corpo em movimento. Em ambas as abordagens, da dança e da Euritmia há
o objetivo de integração.
Vale ressaltar que a Euritmia de Steiner não está situada no
bojo das práticas da educação somática, mas podemos
compreender que seu método atinge o mesmo objetivo de
integralização do todo corporal do ser humano. A Antroposofia
que fundamenta a Euritmia entende o ser humano como um
microcosmo no qual vibram e pulsam os processos do
universo. (...) Diante das necessidades contemporâneas, tem-se
buscado construir, a partir de diversas fontes, uma nova visão
de integração que seja capaz de superar as constantes formas
de fragmentação da nossa existência (Araújo, 2013, p. 3).

Assim como a Dança pode ser complementar à Euritmia assim como o


benefício da Euritmia para um educador em dança pode ser fundamental no
tocante ao currículo escolar. Tanto a Dança quanto a Euritmia transformam,
pelo movimento, o dentro e o fora do corpo. Quando se pratica Eurritmia 18, diz
Steiner:
“tanto os eurritmistas quanto os espectadores são beneficiados
na vida (...). Nos próprios eurritmistas o organismo físico é
transformado, pelos movimentos da eurritmia, num órgão
receptivo apropriado para o mundo espiritual, porque os
movimentos querem descer do mundo espiritual (...) Nos
espectadores, o que existe de movimentos relativos ao seu
corpo astral e ao seu eu são intensificados pelos movimentos
da eurritmia (STEINER, 1997, p. 51),”.

18
Sic. Steiner escreve a palavra Eurritmia como originalmente foi criada por ele, e coincidentemente por Dalcroze,
diferente de como hoje se escreve Euritmia, talvez para diferenciar daquela criada por Dalcroze.

40
Outra semelhança entre a Dança e a Euritmia seria na questão
musical, embora na dança nem sempre haja o objetivos de tornar a música
visível. E outro aspecto que as diferencia pode ser o de utilização pelo corpo
dançante do registro vocal, cantado, simultaneamente ao movimento.
Agora focando no ensino de Dança, qual seria a diferença entre uma
abordagem de movimento, no primeiro e no segundo setênio? Na escola de
ensino básico e fundamental, o valor dado aos gestos cantados pode ser
essencial no desenvolvimento dos alunos, na medida em que permite espelhar
a harmonia do universo em seu ritmo primordial de expansão e contração.
Essa é a razão pela qual ainda permanece nas danças-músicas dos povos a
transmissão oral-rítmica de geração a geração, por estas conterem o ritmo da
contração e expansão, imagem da forma lúdica do sagrado e da ritualidade
como jogo cultural. Daí a importância do professor estabelecer seus conteúdos
e objetivos, observando as possibilidades lúdicas, considerando-as de acordo
com as fases evolutivas da infância e da adolescência. Além disso, o educador
deve ter metáforas e imagens para todas as leis da natureza e todos os
mistérios do universo, cujas analogias não falam somente ao intelecto, mas ao
sentimento, às emoções, a toda a alma. A isso se chama de arte pedagógica.
(Araújo et all, 2017).
A partir de Laban e seus colaboradores, os estudos do corpo em
movimento permitiram a observação e análise do movimento em termos de
qualidades dinâmicas, de maneira que é possível explorar movimentos, criar e
compor sequências de movimento coreográficas, bem como, compreender, por
exemplo, a dinâmica social e cultural dos povos, características étnicas das
danças tradicionais.
A compreensão estética de Goethe, que fundamenta a Antroposofia, tem
recuperado para a vida social a religação entre a arte e a natureza, entre a
natureza e a cultura. Nesta abordagem a arte é compreendida não como
reprodução da natureza, mas contendo uma visão cultural de sua essência e
de suas leis, enfim, das leis (arquetípicas) do cosmos, cuja simbologia difere
em cada povo, em cada cultura. Na criação, atingimos o imutável em eterna
transformação. Em outras palavras, a Antroposofia, tem uma visão universal
dos conteúdos e qualidades dos saberes locais das culturas tradicionais,
fazendo a ponte entre o local e o universal, entre os sentidos e o mítico. Com
isso, propõe um caminho para profissionais que acreditam na arte e cultura
como via legítima de educação e transformação social.

41
Seja a dança uma manifestação artística ou social, o senso comum a
compreende como sendo a expressão da música através do gesto. Sem dúvida
a dança tem sua ligação com a música na medida em que se manifesta de
maneira rítmica, sonora e gestual, tendo ou não um tema mítico.
É justamente esse diálogo entre a dança e a música que nos interessa
na escolha do repertório de dança a ser vivenciado na escola Waldorf, uma vez
que as letras e as melodias das canções perpassam as práticas pedagógicas de
maneira que a junção dos elementos rítmicos linguísticos e musicais,
“contribui para que o eu se insira de modo correto no organismo (STEINER,
1997, P. 60)”.
Steiner traz a ideia platônica de relacionar a música com a vontade,
pois ao falar da essência e não das ideias, o elemento musical reproduz a
própria vontade humana. Daí a importância do movimento e do elemento
musical para motivar a capacidade de lembrar, uma vez que a atividade
rítmica regulada pelo coração e pulmão é a ponte entre o perceber e o lembrar.
Gradativamente, as crianças que se beneficiam de atividades rítmicas, das
quais o brincar e arte são condutores, vão adquirindo a capacidade de
compreender, já que a compreensão do conhecimento se realiza por meio do
sistema rítmico.
Assim podemos compreender a relação entre as artes orais-corporais-
musicais, e sua atuação no estado de presença e na vontade. Assim como o
elemento musical continua vibrando em nós por muito tempo, atuando em
nossa memória, quando me movimento para fora de mim, também me
movimento dentro de mim.
Vale ressaltar a importância que tem sido para as escolas Waldorfs
brasileiras o repertório de cantigas de roda, gravado na escola do Vale de Luz
em Nova Friburgo- RJ, fundamentada na Pedagogia Waldorf, e produzindo
pela SANGHA rede comunhão das Danças da Paz Universal, em 1997, cuja
publicação artesanal foi denominada “Raízes I e II- Rodas Brasileiras”. Neste
repertório, voltado para a infância e quase todo coreografado, sobressaem-se
canções tradicionais da região sudeste, porém já difundidas para todo o
Brasil, como é o caso de Bom dia começa com alegria, Lançai um sorriso no
ar, Vento Frio, etc., ou canções compostas pelos músicos como Marcelo
Petraglia, como A Arca de Noé, Pinga Chuva, Borboleta toda branca, Iemanjá,
entre outras que reconhecem as culturas tradicionais, dos povos ameríndios,
africanos e demais etnias que compõem a identidade brasileira (ver em anexo

42
alguns trechos dos livretos “Raízes”). Vale salientar que tive acesso a esse
material através do movimento das danças da paz universal e que parece ter
sido difundida no nordeste apenas em termos musicais e não gestuais.

“O elemento musical comunicará ao corpo etérico


aquele ritmo que o capacitará a sentir
o ritmo oculto em todas as coisas
(STEINER, 2007, P. 44)”

O que parece ser mais recorrente na Escola Waldorf Recife é a utilização


do repertório musical regional através da trilogia teatral de Ronaldo Brito e
Assis Lima, um material rico sobre os ciclos junino, natalino e carnavalesco,
respectivamente, “Bandeira de São João”, “O Baile do Menino Deus” e
“Arlequim”, que são peças teatrais, livros e CDs, com composições de Antônio
Madureira, a partir de ritmos como o dos caboclinhos, dos maracatus e
reisados, entre outros da cultura pernambucana. Tenho observado que estas
obras se apresentam como um dos poucos materiais sonoros da cultura local,
a que a Escola Waldorf Recife tem recorrido para usas festas comemorativas.
Com o crescimento dos cursos de formação em pedagogia Waldorf aqui
no Recife, o acesso a repertórios musicais tem se ampliado. Temos que
considerar os inúmeros os exemplos musicais compilados por Glória Bertalot
com vários exemplos, inclusive do ritmo do Coco (Eu avistei, de Aurinha do
Coco) e do Maracatu (Recife nagô de Naná Vasconcelos).
Na Antroposofia há uma pesquisa vasta sobre os primeiros habitantes
deste país, a começar pelos povos indígenas, através do grupo Pindorama,
uma das tentativas dentro do movimento antroposófico de encontrar a
‘roupagem’ brasileira da Antroposofia. Esse grupo tenta entender a cultura
brasileira à luz da Antroposofia, para compreender a alma do povo brasileiro,
considerando também outras matrizes culturais dos quais descende.
Considerando a desvalorização e folclorização ocorrida com essas
matrizes da cultura brasileira, Wesley de Moraes (2014) esclarece que as
cosmovisões indígenas e afro-brasileiras possuem uma profunda e complexa
sabedoria espiritual, esotérica e merecedora de respeito tanto quanto as
mitologias europeias – grega ou nórdica-, hindus, orientais. Nesse sentido é
necessário que os seres humanos reconheçam sua índole étnica, tendo em
vista de que a cultura é a alma de um povo, cujo inconsciente coletivo
apresenta seus diversos deuses, entre eles, os anjos, arcanjos, etc.

43
O músico Marcelo Petraglia pesquisou, por exemplo, as canções dos
Guaranis de São Paulo, divulgando entre os pedagogos Waldorfs. A canção
Ororu, Yamandu, por ex, eu tive oportunidade de aprender com ele num curso
que ministrou no Jardim Sementes de Luz, em Mucugê (BA). Essa canção foi
utilizada por mim com o quarto ano, a partir de explorações de movimentos de
compasso ternário.
O tema da cultura e da dança popular será mais aprofundada no
capítulo 3. No momento é preciso voltar à questão delicada que há em resgatar
as mitologias brasileiras, no caso, pernambucanas, para o currículo escolar
Waldorf.

Desde os anos de 1990, tenho observado a existência de um processo


muito forte de massificação de ideias e comportamentos que atingem os
alunos, as quais são impostamente consumidas e reproduzidas. Este
fenômeno continua acontecendo e modificando o contexto cultural, de maneira
que a cultura tradicional ou popular está cada vez mais cedendo lugar à
cultura massificada dita pela moda, que predominantemente se expressa
através da música e da dança. Há vinte anos, as danças da moda eram as dos
bailes funks ou os pagodes. Atualmente os adolescentes aprendem a dança
através da imitação do que veem no youtube, cujos estilos são incontáveis,
especialmente gêneros musicais, como é o caso de performances sensuais de
cantoras americanas. E entre as crianças das séries iniciais tenho encontrado
um repertório de rap, funk e outros estilos da moda, que tem contagiado e de
certa forma perturbado o ambiente escolar, devido à sua precocidade de gestos
e densas vibrações.
Mais uma tarefa para o educador Waldorf: evitar a precocidade gerada
por estas imagens nos corpos e almas das crianças, oferecendo o alimento
adequado. Nesse sentido, as festas da lanterna e da primavera funcionam
como bálsamos restaurativos. Porém não podemos dizer o mesmo em relação
às festas que envolvem as tradições locais, embora reconheça o esforço por
parte dos professores de selecionar cuidadosamente o repertório para que seja
animicamente adequado.
Esse cuidado, quando se trata de um repertório tradicional local, deve-
se ao fato de que há em quase todas essas danças movimentações de quadris,
por vezes licenciosas, e inadequadas para crianças até os 13 anos.

44
Observando a comunidade recifense das escolas Waldorfs, a maioria
das famílias tem acesso às manifestações da cultura regional, porém de
maneira mais pontual, como por exemplo, no São João ou no Carnaval, outras
têm acesso mais direto ao contexto comunitário da cultura, como é o caso de
famílias moradoras na zona rural de Olinda, em contato direto com a cidade
Tabajara, onde há a Casa da Rabeca, local de efervescência cultural forte,
passada de geração a geração pela família do Mestre Salustiano, como o
maracatu piaba de outro, a capoeira ou o cavalo-marinho.
Com o processo de escolarização das danças populares, com a criação
da escola de Frevo, e da escola Brasílica, vários métodos foram sistematizados,
porém observamos que são danças reelaboradas a partir de contextos
culturais e reproduzidas por adultos. Nas escolas parece haver uma espécie de
adaptação para crianças pequenas e nos centros comunitários, as crianças
participam das apresentações integrando as alas de crianças, e, portanto,
acompanhando os adultos de uma maneira mais livre. Nas comunidades não
há aulas de dança ou do folguedo a ser apresentado. Acontecem os ensaios e
as crianças desde cedo vão aprendendo por imitação, a princípio sem definição
dos passos, até o momento em que estão reproduzindo fielmente o que é
dançado pelos mais velhos.
Como situar então o papel da escola seja Waldorf ou não, no que se
refere ao trato com a linguagem de dança, considerando essas influências
externas, que, de certa forma, antecipam a chegada do corpo astral?
Certamente que as danças populares devem ser introduzidas de
maneira muito suave, para que haja o despertar para a complexidade dos
códigos culturais corporais de cada uma delas quando o aluno chegar ao
ensino médio. Tais danças devem ser trazidas em sua sacralidade inerente,
como tiros de iniciação e passagem a cada fase evolutiva da criança, assim
como o fazem as demais matérias curriculares em suas passagens pelas
épocas19 dos conteúdos.
Daí a importância de resgatar as brincadeiras antigas nos primeiros
anos escolares, e introduzir os demais ritmos e movimentos mais complexos,
quase todos de partes isoladas do corpo, a partir do terceiro ano, marcando os
ritmo com os membros superiores, por exemplo: bater com as quengas de

19
“A proposta Waldorf traz a inovação do ensino em ‘épocas’, segundo o qual determinada matéria é ministrada
por várias semanas no primeiro horário da manhã (o restante do dia poderá ser ocupado por outras matérias como
Artes, Educação Física, Línguas, etc.) (MARASCA, 2009. P. 81).”

45
coco, sem a marcação dos pés e sem os cruzamentos e os zigue–zagues da
dança do Coco.
A ciranda vem sendo utilizada com os primeiros e segundos anos, mas
dependendo da maneira como tem sido feita, pode adiantar princípios que as
crianças ainda não alcançaram, como por exemplo o cruzamento de pernas
com uma trança bem marcada. Seria interessante incentivar movimentos mais
globais do corpo, antes de passos mais específicos, que talvez apenas a partir
do terceiro ano, sejam mais adequados.
Na nossa cultura temos inúmeros exemplos de gêneros musicais cuja
dança apresenta códigos de movimento que tornam mais visíveis os elementos
musicais que a compõem. O frevo, o samba, o maracatu, o coco, a ciranda, o
xote, maxixe, caboclinho, toré, e mesmo a capoeira, são exemplos de práticas
tradicionais ou manifestações de danças-músicas tipicamente
pernambucanas, presentes nas festas e carnavalizações do sagrado, inclusive,
coletivos, aspecto considerado importante quando se pretende atingir todas as
crianças num processo educativo, sem eleger um modelo de corpo ideal. No
entanto, a maneira de oferecer este alimento anímico na escola precisa ser
considerada conforme a antropologia do ser humano.

A palavra ‘metodologia’ significa procurar estabelecer caminhos para


diferentes situações didáticas (desafios) no trato com o conhecimento. Um
caminho metodológico possível, seria o de aproximar das leis naturais do
movimento humano (LABAN, COHEN, STEINER, entre outros) e dialogar com
os princípios da dança, inclusive as que têm estreita ligação com os ritmos e
ritos considerados populares das culturas. É isto que o próximo capítulo
pretende esboçar.

46
3. Aspectos culturais, artísticos e terapêuticos do corpo em movimento e
em desenvolvimento.

“Vida flui do Cosmos para a Terra e é captada pelos seres”


(RS- A Missão da Alma dos Povos, 2014, p. 106)

3.1. Cultura, Música e Dança

A conferência de Steiner “A educação da criança segundo a ciência


espiritual” (4ª edição, de 2007, p. 19), mostra o quanto os fatores culturais
exprimem-se através do Eu humano nos membros inferiores, em especial no
corpo etérico e no corpo das sensações, causando prazer e desprazer,
transformando gestos e movimentos e até a fisionomia.
Daí observa-se a grande responsabilidade que os diversos meios de
educação têm, ao atuar de maneiras diferentes sobre estes membros. O que
queremos, portanto transformar através de uma educação pela dança,
considerando seus aspectos culturais ou tradicionais? Certamente o cultivo
da sensibilidade artística despertado pelo sentido do belo é um conteúdo
importante no segundo setênio.
Na arte o sentido estético é inerente ao processo criativo, mas a noção
de estética vai além do sentimento do belo, para Michel Maffesoli (1986). Para
ele, é fundamental no que diz respeito ao “tocar”, ao sensível, enfim, ao
sentimento de estar junto, de ser membro do coletivo e experimentar algo
junto. A dimensão da estética não apenas diz respeito à qualidade simbólica
da arte, mas também pode ter uma função de agregação, e fortalecer o que
Maffesoli chama de sociabilidade.
Nesse sentido a aproximação de elementos das culturas de cada região
na prática pedagógica Waldorf pode contribuir para trazer o sentimento e o
ritmo coletivo das tradições, fortalecendo os laços de pertencimento da própria
comunidade. Em se tratando de repertórios musicais, estes trazem os
elementos orais, que reconhecidamente mostram o valor da tradição rítmica,
como sendo códigos culturais, étnicos, passados entre gerações, que mantém
o senso do coletivo, do ritmo coletivo que une as pessoas. Ambas, a música e a
dança, contem aspectos de tradições orais-gestuais, porém a música com a
qual a dança tradicional está ligada parece apresentar uma identificação
maior do fenômeno cultural, por tratar de algo menos efêmero e imutável do

47
que a dança.
Em relação à música, é fato que nem sempre está ligada a uma dança,
mas toda cultura possui algum repertório de músicas utilizado para ser
dançado. Mesmo que queiramos isolar uma da outra, podemos observar que
acompanhada ou não por música, a dança está ligada ao tempo musical,
rítmico, seja o tempo da respiração, da voz, do próprio movimento ou da
repetição e transformação do gesto. É justamente o ritmo que torna todo
movimento em gesto.
A dança popular, como dizia Mario de Andrade é uma dança dramática,
que envolve o canto, o instrumento, o figurino, a fala, os personagens. Embora
este autor considere a origem religiosa de todas as danças dramáticas, na
maioria delas, a linguagem coloquial muitas vezes traz um conteúdo licencioso
e, portanto inadequado para crianças antes do rubicão(*), pelo menos no
espaço escolar, ainda que algumas delas tenham acesso em seu cotidiano,
apesar da decadência ou desaparecimento de muitas manifestações cênicas
tradicionais.
Algumas dessas manifestações, consideradas por Camarotti (2001) na
categoria de “teatro do povo” passaram por processo de escolarização,
perdendo seu conteúdo dramático, na medida em que se afastaram dos seus
contextos comunitários e rituais. Em relação à complexidade de movimento
corporal, as danças de Pernambuco, especialmente as que já tiveram
repertórios sistematizados por grupos de brincantes ou grupos cênicos, por ex,
tem muitas batidas de pés, cruzamentos, contratempos, movimentos no nível
baixo, saltos e elevações de qualidade explosiva. O repertório e vocabulário de
movimentos apresenta-se com um certo grau de dificuldade. Esse fato tem que
ser considerado, pois na verdade, todas os dramas cantados e dançados são
originalmente realizados por adultos, com exceção de caboclinhos e pastoris,
ou alas infantis de maracatus nação.
As danças populares sempre tiveram as ruas, as festas e a participação
coletiva como principal cenário, ainda que a partir da década de 1990, tenham
passado por processos de escolarização, tornando-se, pelo trabalho de
artistas, espetáculos cênicos.
Podemos citar algumas manifestações típicas de Pernambuco
que existem, seja em forma de brinquedo ou de espetáculo
cênico, que, consideradas como danças, bailados ou folguedos,
constituem-se representações e obedecem a enredos e outras,
apenas motivadas pela expressão corporal e significado
simbólico. Exemplos: afoxé, bumba-meu-boi, caboclinhos,

48
capoeira, cavalhada, cavalo-marinho, ciranda, coco, dança de
são Gonçalo dos arcos, fandango, frevo, guerreiro, maculelê,
maracatu rural e nação, pau-de-fitas, pastoril, quadrilha,
reisado, samba, toré, xaxado, xote.

Não caberia aqui discutir o termo cultura popular, porém convém


esclarecer que as definições a ele ligadas, provém de uma perspectiva sócio-
histórica da cultura, resultante de uma ideologia da superioridade de povos
sobre outros, desenvolvidas por países europeus ocidentais. Sylvie Fougeray
(1997) entende a cultura popular como “cultura dos povos, (...) específica dos
povos que compõem a sociedade e que se distingue da cultura normalizada
pelas instituições dessa sociedade (FOUGERAY, 1997, P. 24)”. Essa autora
prefere destacar o princípio da coletividade como fundamental:
A cultura popular seria a cultura dos povos, dos grupos,
classes que compõem a sociedade abrangente, partindo das
especificidades, das suas características próprias, em oposição
às práticas que unem estes mesmos grupos no campo cultural
nacional, se tratamos da sociedade de um estado-nação.
(FOUGERAY, 1997, P. 25)

Por não caber neste estudo reflexões sobre os conceitos de popular,


tradicional, ou folclórico ou ainda sobre as matrizes que compuseram as
culturas brasileiras, vamos nos deter mais na forma e na descrição do que no
conteúdo das danças consideradas regionais, deixando para a continuidade
futura desenvolver tais questões, na medida em que outras classes do grau
possam ser contempladas, para o momento veremos apenas o que é possível
aos três primeiros anos escolares, e portanto, de antemão, já se percebe que se
adequa um repertório muito restrito.
O folclorista Roberto Benjamim (1943-2013) – FOLGUEDOS E DANÇAS
DE PERNAMBUCO descreve a mudança dinâmica da cultura:
Na dinâmica cultural estas manifestações vão se alterando, ora
simplificando-se, ora se tornando complexas. O Caboclinhos e
o Maracatu de Pernambuco estão perdendo a sua ação
dramática e já são considerados por alguns observadores como
danças; a Quadrilha uma dança aristocrática européia
difundida e recriada nos meios populares está agora se
associando ao Casamento Matuto na formação de um
folguedo; os grupos que dançam Xaxado apresentam-se
vestidos de cangaceiros e já encenam pequenas dramatizações
de emboscadas. Muitos folguedos têm suas danças próprias,
que em alguns casos é a parte principal da manifestação, estas
danças são conhecidas pelo nome do próprio folguedo, não
tendo denominação específica. Em outros casos o folguedo,

49
representando o cotidiano dos seus participantes, incorpora
danças religiosas e outras, como acontece com o Cavalo-
Marinho em relação a Dança de São Gonçalo de Arco e as
coreografias executadas pelo Caboclo de Arubá. (BENJAMIM,
1989, P. 04)

Dentre os temas, situações e personagens que estão presentes


em diversas manifestações, destacamos o tema da morte-e-
ressurreição (A morte e a ressurreição estão presentes como
mistério de fé em religiões do Egito Antigo, da Grécia e
naturalmente no Cristianismo) e o triunfo do cristianismo
(Manifestações folclóricas muito variadas narram a luta dos
cristãos contra os mouros ou infiéis) (BENJAMIM, 1989, P. 10).

Benjamim considera como mais importantes os Ciclos: natalino,


carnavalesco, junino, as festas do rosário dos pretos, e temas de alto mar, mas
também considera outros ciclos envolvendo o calendário cultural, como o ciclo
do gado, o ciclo do cangaço, os ciclos solares.

A noite de São João é sem dúvida o ponto alto dos festejos de


meio de ano no Brasil. As tradições européias pré-cristãs de
comemoração da mudança do ciclo solar - a entrada do verão
no hemisfério norte - com ritos que marcam o início das
colheitas e homenageiam a fertilidade da terra foram
transpostos para o calendário católico na devoção de Santo
Antônio, São João e São Pedro, correspondendo ao segundo a
data mais próxima a mudança sazonal, com a mais longa noite
do ano. Esta herança pagã, cristianizada, nos foi legada pelo
colonizador português (BENJAMIM, 1989, P. 32).

É cada vez mais frequente a tentativa de superar a crescente perda de


identidade, da língua nativa e da cultura por parte de organizações indígenas,
inclusive a “Águia Dourada”, formada pelas tribos Kariri-Xocó, Kiriri, Fulniô e
Huaikai, no sentido de ressignificar aos povos indígenas seus cânticos e
danças, enfim, um repertório proveniente de uma das matrizes principais da
cultura nordestina.
No momento selecionei os ritmos que mais se adequam às séries
iniciais, pelo menos e respectivamente, até o quarto ano, considerando as
possíveis adaptações – a ciranda, o pastoril, o coco e o caboclinho, além dos
torés indígenas, cujas definições, achei necessário destacar as de Roberto
Benjamim, (em anexo), considerando que sua obra está esgotada e o leitor
pode ter dificuldade em encontrar.
Em se tratando do calendário de festas cristãs na pedagogia Waldorf, a
criação artística com elementos do Pastoril religioso é de fundamental

50
importância na conexão com as noites santas, trazidas pela matriz europeia.
Já as demais danças têm características sagradas ligadas a cada cosmogonia
de matriz étnica referente.
Para qualquer estilo de dança, existem métodos mais tradicionais ou
mais inovadores. No primeiro caso, o estudante ou dançarino é passivo e tenta
se aproximar de um modelo ideal de corpo e de forma gestual. Já nos métodos
mais inovadores são considerados os diferentes corpos, e estudantes tem mais
responsabilidade no seu processo, na medida em que encontram uma relação
mais íntima com o seu corpo, seus processos de organização e descobertas
expressivas. O que importa é o professor saber como permitir a vivência dos
ritmos em cada fase do desenvolvimento dos alunos, para que haja a plena
adequação do conteúdo, evitando que haja a antecipação da chegada do Corpo
Astral, por exemplo, no caso de uma exploração de um xote, um baião ou um
coco, que, se for aplicado ao segundo ano escolar, requer uma atenção para a
suavização do requebrar do quadril, cintura e ombros. Esses movimentos,
quando mais elaborados, ao exigirem bastante torção da coluna, e, portanto,
uma expressividade mais explícita, se adequam especialmente ao ensino
médio.
Em se tratando de um repertório tradicional já codificado, como o passo
do frevo, por exemplo, mais adequado para o quinto ano, seria interessante
que não fosse vivenciado de maneira apenas reprodutiva, mas sim criativa. Já
nos primeiros anos escolares, a imitação tendo como modelo o professor, como
acontece no jardim, poderia ir gradativamente cedendo lugar às explorações de
vocabulários de movimento. Vale ressaltar que em termos de movimento de
corpo, há que existir diálogo com a dinamicidade e com a renovação do gesto
nos processos criativos, uma recriação dinâmica necessária.
Para fortalecer a prática do professor, convém incorporar elementos da
alma brasileira pelo movimento, isso vem acontecendo mais através da poesia
e da música do que do gesto dançado. Ainda há pouco estudo sobre as
tradições orais-gestuais e o que significam para o povo mantenedor desse tipo
de expressão identitária. Aproveitar o diálogo com alguns elementos da
eurritmia pode ser benéfico para harmonizar mais a atividade dançante, por
exemplo, ao organizar uma coreografia, seja improvisada, seja com
movimentos, por exemplo, de toré ou caboclinhos, a evolução no espaço pode
ter a configuração do “oito harmônico” da Euritmia:

51
Figura 1: OITO HARMÔNICO EURÍTMICO: maneira de deslocamento do grupo
em duas fileiras que se encontram e se afastam20

Outro fator de fundamental importância nas danças de ritmos coletivos


culturais é a ludicidade inerente a elas. O filósofo Johan Huizinga (1996)
percebeu como a ludicidade permeia todas as áreas do conhecimento e das
culturas, tanto humana, quanto animal. Para este autor, o princípio lúdico é a
base das manifestações artísticas, entendendo o lúdico como um fenômeno
cultural e não biológico. A meu ver, esse aspecto cultural da ludicidade situa-
se ao nível relacional do sentir, das organicidades rítmicas e sensórias, no
entendimento antroposófico do termo, refletido por Rudolf Steiner (1923), e,
portanto, também biológico, como pudemos quando da relação entre o mundo
exterior e os sentidos intermediários. Nesse sentido podemos compreender a
presença de uma função curativa na vivência com os ritmos culturais, para
além de seus aspectos artísticos e sociais.

20
Ensinado por Cláudio e Patrícia Bertalot em curso de extensão na UFPE (2013)

52
3.2. Conceitos vivos sobre corpo e dança: a via somático-educativa

Poema do exercício de Contração-Expansão


"No respirar
Duas graças podem se encontrar
Inspirar o ar
E dele se livrar
Inspirar constrange
Expirar liberta
Tão linda é feita da vida uma mescla
Agradece à Deus quando Ele te aperta
E agradece de novo
Quando Ele te liberta." Goethe

Quando se trata de Pedagogia do Movimento muitos pesquisadores


desenvolveram métodos próprios para se trabalhar o corpo em movimento.
Todo pesquisador busca encontrar generalidades, mas também algo que seja
acrescido criativamente pela sua individualidade, pois sempre se coloca como
sujeito e objeto do processo de ensino. Nesse sentido ele é agido também pelos
conhecimentos da pesquisa ao pretender contribuir com algo novo no
caminho. Uma proposta metodológica que seja, ao mesmo tempo formativa,
artística, cultural e terapêutica deve levar em consideração a importância da
experiência de integração corpo-mente.

Para Steiner (2012, p. 77), há forças cristalizadoras no universo, as


quais precisam ser dissolvidas dentro de nós. Dissolvemos continuamente os
cristais que se formam com os alimentos e a areia cerebral que se forma com o

53
pensamento intelectual. Assim como cada alimento atua de maneira diferente
em nosso organismo, dispersando (chá) ou concentrando (café) os
pensamentos, também na relação com o mundo, formamos e dissolvemos o
que se cristaliza dentro de nós.

“Se não tivermos força – por não termos suficiente nitrogênio dentro de
nós- para dissolver as coisas que querem formar-se dentro de nós a partir do
Universo, então o nosso Eu começa a desmaiar ou até a ficar sonolento (idem,
P 78)”. Em outro trecho Steiner afirma que “quando o homem deixa de ser
capaz de dissolver os materiais contidos dentro de si, ele passa a dissolver a si
próprio”. E constata que “o ser humano sempre se restaura novamente e
novamente se dissolve (idem, p. 79)”.

Seria interessante pesquisar o papel que o movimento corporal tem


nessa dinâmica rítmica do corpo: considerando que uma intensa atividade
cognitiva cria enormes quantidades de areia cerebral, que tipo de
movimentação poderia amenizar, compensar ou colaborar para a dissolução
dessa areia cerebral? Nesse sentido encontramos na área de Artes Cênicas,
um entendimento sobre os padrões de comportamento muitas vezes
cristalizados do corpo e as possibilidades de transformação, de
repadronização.
Como escreve Fernandes (2005, p. 67), apud Araújo (2008):

Podemos distinguir dois tipos de “padrões”: aqueles de defesa,


e aqueles de aprendizagem. Aos de defesa, chamo aqui de
“cristalizados”, por serem fixos, ou buscarem uma estrutura
estável na rigidez corporal (o que inclui espiritual, mental,
emocional, etc.). Aos de aprendizagem denomino “cristalinos” –
que deriva do termo “cristais”-, por serem geométricos como os
padrões de crescimento e mudança na natureza.

É justamente a repadronização contínua ou a quebra de paradigmas o


objetivo dos rituais xamânicos observados21 e não a alienação e rigidez em
padrões sem propósito. Quem não compreende isto se apega fanaticamente a
detalhes e protocolos rituais, sem observar o potencial transformador que eles
têm em nossa corporeidade.

21
Rituais observados e vivenciados por mim no trabalho etnográfico da tese em Artes Cênicas, intitulada Gestos
Cantados: uma proposta em Dança-coral a partir de princípios rituais. UFBA, PPGAC, 2008.

54
A esse respeito, uma atividade pensamental saudável seria aquela em
que o corpo todo pensa e não apenas o cérebro, já que este pode ficar
sobrecarregado de areia ou cristais de silício numa prática pedagógica, por
exemplo. Em Steiner (2012, ps. 49, 110, 111), entendemos que se pode pensar
com o corpo todo, pensar com os órgãos, como faz o corpo durante a noite. Os
rins pensam e o fígado contempla quando no sono a cabeça deixa de pensar.
Pensando em cristalização em termos de ausência de movimento, Cohen
(2015), observa que quando os ossos perdem a consciência de si mesmos, o
sistema neuromuscular é recrutado para reforçar a integridade estrutural do
nosso corpo. Isso leva a padrões de fixações musculares locais e compensação
articular resultando em esforço, restrição e ineficiência de movimento e lesão.
Tornar os padrões mais cristalinos poderia ser uma espécie de harmonização
nesse processo de formação e dissolução, sendo o movimento corporal um dos
caminhos para isto, na medida em que nós possamos ampliar a concepção de
movimento do corpo e de dança.
Outra questão a se observar é que quando o sentido do movimento não
funciona corretamente, o processo motor de fragiliza e executa movimentos
sem sentido, cuja musculatura envolvida não atua num movimento rítmico de
contração e relaxamento. Por isso que há pessoas com movimentos caóticos,
desconexos e sem orientação, com maneiras desequilibradas de manterem
contato com os outros.
São os movimentos primordiais e harmoniosos que nos dão o
sentimento de adequação e integração nas relações de movimento do mundo,
os quais são necessários para cozinhar, lavar, plantar, etc. Os movimentos
integrativos podem atuar na integração dos sentidos inferiores (Tato, vital,
movimento e equilíbrio), os quais, por sua vez, atual na formação e geração da
confiança, para que possa haver a integração entre os sentidos inferiores e
superiores na região do meio, através do Sistema Nervoso e da respiração
cardíaca-pulmonar.

Embora o sentido do tato dê o envoltório para a criança, configurando e


formando seus limites corporais, é o sentido do movimento que tem mais
relação com a segurança, com a flexibilidade, com a comunicação afetiva.
Podemos recorrer ao sentido do tato, como sendo fundamental para o
movimento, inclusive para a percepção de si e do outro, como ponte para
interação entre as pessoas. O contato com o outro é necessário no

55
reconhecimento de si mesmo, assim como a consciência de si pode levar a
momentos de integração no coletivo, de comunhão e ritualidade anímica.
Um exemplo de atividade muito utilizada no método do BMC é o toque.
Diferentemente da massagem, tocar a pele de outra pessoa tem o objetivo de
sensibilizar e mobilizar internamente, seja uma musculatura, seja uma
articulação ou mesmo o caminho de movimentação dos ossos, e até mesmo os
órgãos ou glândulas. Após o toque (existem vários tipos de toque, desde o
toque celular até o mais profundo), cada pessoa vai mover-se, de maneira
própria, a partir da região sensibilizada pelo colega ou pelo professor.
No trabalho corporal a forma de tocar tem importância fundamental,
porque é a principal forma de contato. Segundo König (2000, p. 7) “a vivência
do tato quase não é palpável, contudo ela forma a base para todas as
experiências sensoriais que se passam nela”.
A dança que acontece pela abordagem de sensibilização corporal
chamada de Educação Somática respeita a individualidade, ao mesmo tempo
em que potencializa o ser em desenvolvimento com base nas características de
suas fases, em especial, a partir de movimentos integrativos e do equilíbrio do
ritmo. A partir dessa maneira de integrar o corpo, qualquer outro tipo ou estilo
de movimentação será muito mais orgânico e interiorizado. Além disso, na
abordagem somática, o ato de trazer para a consciência e para a linguagem, -
com a ajuda toque, da verbalização e do movimento corporal, aquilo que era
inconsciente, desconhecido, é em si mesmo, um processo de fortalecimento.

Realizando uma interação entre o uso dos princípios Somáticos-


educativos próprios do Sistema Laban/Bartenieff e do BMC com o conteúdo
expressivo de dança para crianças, elegemos princípios de corpo e de
movimento. Definimos como princípios de corpo, aqueles que são naturais do
indivíduo e da corporalidade de nossa espécie, ou seja, ontológicos do ser
humano (identificados também na Antropologia Antroposófica) e como
princípios de movimento os que são estimulados pelo ambiente onde o
indivíduo está inserido, entre eles, os códigos corporais culturais de
movimento (identificados na Antropologia Cultural como corporeidade ou
técnicas corporais), e ainda os elementos plástico-pictóricos da cultura.

Identifico abaixo Princípios das abordagens somáticas-educativas da dança

56
• Princípios de Corpo: organização e sabedoria somática, respiração,
sonoridades, relação dos apoios, conexões ósseas, relação de oposição e
alternância, sentidos e percepções corporal, propriocepção, equilíbrio e
instabilidade, mobilidade e estabilidade, corpo integrado, relação corpo-
mente, mundo interno e externo (dentro e fora do corpo), centro de
gravidade e centro de leveza, centro e periferia do corpo, rotação e
torção, rotação (circular, girar, rolar), supinação, pronação, flexão,
extensão, suspensão (subir), descer (queda), contração e expansão
diálogo entre corpo (conexões ósseas, musculares, ligamentares,
orgânicas, fasciais, etc) e espaço (níveis, direções, planos), tensão,
tônus, relação com a gravidade, desenvolvimento, memória, conexão,
fluxo, ritmo, pausa, energia, integração, etc.

• Princípios de Movimento: criação, impulso interno, expressão,


esforço, recuperação, toque, relacionamento, ações corporais,
movimentos em espiral e em lemniscata (figura oito), iniciação do
movimento, sucessividade, sequenciamento e simultaneidade,
movimento consciente, qualidades expressivas do movimento (fluência -
contida ou controlada, peso ativo- leve ou forte, peso passivo- pesado
ou fraco, tempo acelerado ou tempo desacelerado e espaço - foco direto
ou indireto), o espaço pessoal movimentos globais ou de partes
isoladas, e o espaço onde o movimento acontece - os níveis baixo, médio
e alto, os eixos ou dimensões vertical, horizontal e sagital, os planos
vertical (porta), horizontal (mesa) e sagital (roda), as formas e tensões
espaciais), improvisação, ludicidade, composição artística.

3.2.2. Princípios do Corpo, Princípios de Movimento e Dança

Destaco abaixo alguns aspectos relativos aos Princípios de Corpo e


Movimento (nos 322 primeiros anos escolares), para em seguida, desenvolver
maneiras de como tais princípios de corpo e de movimento podem se
relacionar com os conteúdos das épocas no currículo da escola Waldorf23.

22
Aqui os princípios se referem aos 3 primeiros anos escolares, embora a proposta possa se estender até os 5 anos
escolares.
23
Em apêndice há mais sugestões de atividades. Ver também em anexo imagens mais específicas dos padrões do
BMC e partituras das referidas rodas cantadas.

57
Princípios do corpo

• Corpo, Alma, Espírito


• Padrões neurológicos básicos
• Movimentos globais
• Integração dos sentidos e amadurecimento dos órgãos
• Importância do tato, do movimento, do equilíbrio
• Memória rítmica e de ação.
• Imitação e fantasia, início da imaginação.
• Relação entre o sentido do movimento e o da fala
• Sistema rítmico: ênfase no coração e pulmões
• Vida interior: desenvolvimento do sentir
• Sistema neurossensorial
• Imaginação, sentido do equilíbrio

58
Princípios de movimento e dança

• Corpo: organização somática


• Pensar, Sentir, Querer
• Espaço: níveis, direções, planos
• Expressividade: fluxo, peso, tempo e espaço
• Forma ou relacionamento
• Improvisação, composição, repertórios, ritmos coletivos, danças
tradicionais, músicas variadas
• Espontaneidade, fantasia, imagem interna
• Dramatização de Contos de fadas e Fábulas
• Ritmo ativo, brincadeiras rítmicas, cirandas, brincadeiras face-a-face,
de vai-e-vem, imitar animais, expressão de expandir e contrair, grande e
pequeno, alto, baixo.
• Ritmo mais consciente: pular corda, subir em árvores, cirandas e
coreografias. Brincadeiras em fileiras ou comboio
• Movimentos globais com ênfase no balançar, correr, saltar, girar, passar
por baixo de túnel, se pendurar,
• Movimentos de partes isoladas do corpo (em atividades de improvisação
ou de reprodução de diferentes estilos de dança)
• A vivência tátil através do toque- sensibilizando cada região do corpo.

3.3. Tomando mais Corpo...Proposta metodológica

Muito do que se constitui caminho metodológico já vem sendo tecida ao


longo desse estudo. Agora, de uma maneira mais objetiva, seleciono três
possíveis caminhos que se inter-relacionam como práticas do e pelo
movimento:

• A exploração de movimentos e percursos a partir do desenho de


formas;
• O Uso dos padrões neurocelulares básicos vivenciados na abordagem
do BMC (Body-Mind Centering), como rastejar, rolar, engatinhar, andar,
saltar (ações que também fazem parte do método Extra-Lesson);
• Relação com ritmos da cultura artístico-musical-gestual da cultura
local e nacional e suas relações com as épocas do conteúdo escolar.

59
I- DESENHOS DE FORMAS

Como é sabido, o trabalho com o desenho de formas na Pedagogia


Waldorf está intimamente associado à escrita e ao trabalho com Euritmia.
Considera-se que o desenho de formas é um dos elementos curriculares dos
mais significativos e que diferencia esta pedagogia de outras, no que se refere
ao início da escolarização, a partir dos sete anos, incluindo o período que vai
do primeiro até o quinto ano do ensino fundamental.

1º ano: Reta e Curva.


2º ano: Espelhamento, Simetria, Ritmo.
3º ano: Fluxo, Continuidade, Inversão, Espiral.
4º ano: Cruzamento, Côncavo, Convexo.
5º ano: Metamorfose, Simultaneidade

figura 2: exemplo de cruzamento com retas e


curvas

Os dois princípios básicos e polares da forma são os da reta e o da


curva, de onde se originam os demais princípios, cujos traços, que nada mais
são do que exercícios de se mover. Por outro lado, é o sentido do movimento
que nos faz perceber o contorno das formas. “Da mesma maneira que a
criança se movimenta no espaço físico exterior, ela aprenderá a mobilizar-se
internamente, vivenciando variações, e assim, movimentará sua vida
representativa com o Desenho de Formas” (LAMEIRÃO, 2016, p.21)24.

Steiner (apud Niederhauser, 2014) aponta para o efeito saudável que o


desenho de formas tem no caso de crianças debilitadas sensorialmente, ou
com pouca mobilidade corporal, permitindo que o movimento seja levado ao
seu sistema metabólico-motor. E em relação às demais crianças, cujas

24
Ver em Lameirão exemplos de indicações de Desenhos de forma para 1º, 2º e 3º anos escolares.

60
percepções possam estar embotadas pelas demandas do nosso mundo
tecnológico, o desenho de forma vem contrabalançar, com impressões
sensoriais as impressões sensoriais da esfera puramente humana. Por meio
desses exercícios os corpos etérico e o astral encontram harmonia na atividade
do Eu.
De acordo com os princípios dos desenhos de formas para cada ano
escolar, podemos associar os princípios de movimento de corpo. Andar na
forma já é uma prática utilizada. Mas como podemos explorar mais o corpo a
partir do princípio de cada forma?
Sabemos que a reta é a expressão do pensar e que a curva é expressão
da vontade. A atividade com a simetria, ativa, entre outras coisas, as forças do
equilíbrio por meio das quais a criança atingiu a verticalidade, as forças que
ela desenvolveu ao aprender a andar (NIEDERHAUSER, 2014).
Já as espirais podem ser realizadas tanto de fora para dentro, como de
dentro para fora, gerando o efeito, respectivamente de aumentar ou diminuir a
tensão, através dos princípios de contração e expansão, inerentes ao processo
vital.
Considerando a figura oito (lemniscata) como um cruzamento, que
mesmo não sendo sempre simétrico, tem um efeito harmonizador, em especial,
se percorrermos o percurso várias vezes e de maneira rítmica, observando a
respiração.
Um exemplo de dinâmica integrativa a partir da relação entre o desenho
de forma e o movimento corporal é o de descobrir possibilidades de movimento
explorando o percurso da lemniscata, partido do centro do corpo e indo para
todas as direções. Tomando o órgão do coração como o centro, o local do
cruzamento no próprio corpo, permitimos fluir os movimentos do tronco e
membros para cima, baixo, lados, frente e trás. Observando que inicialmente
esta exploração pode ser mais sutil, ao nível do solo, e ir ampliando o percurso
até que haja e plena verticalização do corpo no espaço.
Assim também pode acontecer com os demais princípios de movimento.
As formas podem ser realizadas tanto a partir de caminhares, como serem
imaginadas no espaço tridimensional, de maneira que possam ser desenhadas
como o corpo no exixo vertical, horizontal ou sagital. As improvisações livres
geram repetições rítmicas, as quais por sua vez, geram transformações,
podendo chegar ao gesto tornado artístico.

61
Como complementação à prática já existente no currículo escolar,
sugerimos, portanto, ampliar as possibilidades de exploração de movimentos a
partir das formas, que podem contribuir com a organização corporal e o
desenvolvimento humano saudável.

II- OS PADRÕES NEUROCELULARES BÁSICOS 25

Adequados aos 3 primeiros anos escolares, dependendo da maneira


como são tratados os movimentos correspondentes aos padrões
neurocelulares, que reelaboram fases do desenvolvimento ontogenético e
filogenético pelas quais passa o ser humano em desenvolvimento. O
desenvolvimento do movimento nas crianças, desde os movimentos do feto,
passando pelo arrastar-se, engatinhar, ficar de pé e caminhar
(desenvolvimento ontogenético) mostra um estreito paralelo com o
desenvolvimento do movimento no reino animal, desde os animais
unicelulares, como a ameba, até os primatas (desenvolvimento filogenético).

O Body-Mind Centering, assim como o Sistema Laban/Bartenieff,


afirma que é necessário reencontrar nossos padrões a fim de repadronizá-los,
possibilitando, assim, respostas neuromotoras mais eficientes. O Body-Mind
Centering é um estudo experimental baseado na corporalização e aplicação de
princípios de anatomia, fisiologia e desenvolvimento criado por Bonnie
Bainbridge Cohen. Sua proposta é criar um equilíbrio a partir da experiência
da relação corpo-mente e da conexão entre o menor nível de atividade interna
do corpo (interior celular) com a maior possibilidade de expansão do
movimento corporal (o corpo no espaço). Para isso, realiza-se um aprofundado
estudo da anatomia e fisiologia humana, abordando visões orientais e
ocidentais, e de como o as qualidades e desenvolvimento desses tecidos do
corpo influenciam na qualidade do movimento.
Este processo de autoconhecimento e encontro de nosso ser físico com o
nosso ser psicológico e espiritual se dá no Método Body-Mind Centering,
através do toque, movimento, visualização, somatização, voz, arte, música,

25 Atual nome dos Padrões Neurológicos Básicos.

62
meditação, diálogo verbal, abertura da consciência, ou por outros meios.
Enfim, o BMC é um método no qual a expressividade é gerada através do
autoconhecimento mais profundo na fisicalidade humana. Um caminho em
que corpo e mente, saúde e expressividade confundem-se, nos oferecendo “um
estado através do qual nós podemos encontrar o terreno onde circula a
intrincada manifestação do nosso ser físico, psicológico e espiritual” (COHEN,
2006, p.4).
Outra questão é a conexão: interior (corpo-subjetivo-inconsciente) e
exterior (corpo-espacialidade-consciente). Esta conexão interior-exterior pode
ser facilmente exemplificada quando pensamos que toda a atividade proposta
inicia pela respiração, pela tomada de consciência do órgão escolhido (a
respiração partindo deste órgão), o órgão em ênfase, depois a energia do órgão
ser emergida através do movimento e da voz no espaço até que, por fim,
retornar ao interior do corpo. Por sua vez, o método Body-Mind Centering
enfatiza a respiração e a produção vocal como outro importante meio de
estabelecer a conexão entre nosso mundo interior e o ambiente que nos
rodeia.
Destaco a experiência com os Padrões Neurocelulares, como sendo um
aspecto da abordagem do BMC que talvez mais se adeque a todas as faixas
etárias. O desenvolvimento do movimento se dá através dos Padrões
Neurocelulares Básicos (PNCB) e dos Reflexos Primitivos, Estados de Alerta,
Respostas de Equilíbrio. Estes são os elementos fundamentais ou o alfabeto de
nossos movimentos.
O processo de desenvolvimento dos seres humanos ocorre segundo
padrões básicos de movimento e percepção. Os padrões estão presentes como
potenciais no nosso sistema nervoso, mas para que eles estejam acessíveis a
nós é necessário que sejam estimulados e que se tornem uma realidade.

O desenvolvimento não é um processo linear, mas acontece como uma


superposição de ondas em que cada estágio contém elementos de todos os
outros. Na progressão do desenvolvimento, cada estágio é subjacente e dá
suporte a cada um dos estágios sucessivos. É importante vivenciar
plenamente e desenvolver as habilidades inerentes a cada estágio, pois assim
o indivíduo terá todos os padrões disponíveis para permitir sua integração.
Qualquer omissão, interrupção ou falha para completar um estágio do
desenvolvimento pode levar a problemas de movimento e alinhamento do
esqueleto, desarmonia entre os sistemas corporais e bloqueios de percepção,

63
conexão, memória e criatividade.

Os padrões de movimento estabelecem estruturas no sistema


neuromuscular que, por sua vez, determinam, em certo grau, as capacidades
individuais de lidar com o mundo. Se o indivíduo não assimilou estes padrões
corporalmente, provavelmente fará algumas compensações, o que implicará
num outro caminho para assimilar o padrão, que pode se manifestar na vida
anímica. Retornando a esses padrões básicos nós podemos repadronizar
nossas respostas e estabelecer caminhos neurológicos mais eficientes para
apoiar nosso movimento.

(vide ilustrações em anexo)

Padrões Pré-Vertebrados

• Vibração
• Respiração Celular
• Esponja
• Pulsação
• Radiação Umbilical
• Direcionamento Oral ou Boca
• Pré-Espinhal ou Pré-Coluna Vertebral

Padrões Vertebrados

• Padrão do Peixe
• Padrão do Sapo
• Padrão do Lagarto
• Padrão dos Mamíferos

III- RITMOS TRADICIONAIS/FESTAS TEMÁTICAS

A seguir apresento em tópicos os princípios de cada abordagem,


incluindo o quarto e o quinto ano. Obs. Vivências ao som acústico – voz e
instrumento.

1º ano: Nós em círculo, ludicidade, movimentos próximos à letra da música/


em círculo, grupo junto, professora puxando, dentro e fora, frente e trás, cima
e baixo. Músicas de São João (quadrilhas simples), ritmos de galopes e
alegros. Roda cantada “Três porquinhos à beira do laguinho”, “Pinga chuva”,
“Vento Frio”.

64
2º ano- Pares – Eu e tu
Duas cores. pastoril, valsas do pastoril, xote ou baião, cirandas,
espelhamentos de fileiras, vai-e-vem. Imitação: ensinar e aprender movimentos
do outro. Roda cantada “Borboleta toda branca”, “Todo dia”.

3º ano: Eu - Coreografar temas ou canções de trabalho: plantio do milho, do


café, trabalhos de fiandeiros, carregar, peneirar, semear, jogar a rede pro alto.
Brincadeira de passarás, roda cantada “Pra direita dois”, “A arca de Noé”, etc
(em anexo). Fileiras – vai e vem- espirais, (seguir o primeiro da fila em dança-
coral, aliás, duas filas). Dança do coco apenas com as quengas e palmas, não
com os pés.

4º ano:
Cruzamentos de fileiras – pau de fitas, batidas de pé, toré indígena, caboclinho
(apenas a batida de pés no compasso ternário e a evolução das fileiras, em
retas, cruzamentos e leminiscatas). Roda cantada “Mantra dos quatro
elementos”. _______________>
<______________
Horizontal, vertical, fechando um quadrado no deslocamento

5º ano:
Criação em pares e solos. Ritmos das Regiões do Brasil – tudo suave,
adaptado, cantado e com instrumento. Baião, guerra, caboclinho, frevo, boi
congada, chula, xote carreirinho, bumba-meu-boi, (PE), boi de mamão (FLN),
Boi do maranhão, Moçambique de bastão, Maracatu.

65
Considerações finais: O vir-a-ser do Corpo: Dançando -Soando-Bem

“A teoria em si e por si de nada serve senão para fazer-nos crer na


conexão dos fenômenos (Goethe apud Steiner, 2004)”. Essa frase para um
pesquisador comum pode parecer um tanto óbvia, caso se entenda a pesquisa
como procedimentos comparativos. Mas para um pesquisador que se pretende
penetrar na lógica cognitiva Antroposófica, há que se ir mais além, uma vez
que o que está oculto também faz parte dos dados da pesquisa.
No caso dessa pesquisa as conexões foram e continuam sendo muitas e
intensas, especialmente no que se refere à relação entre saúde e
expressividade e autodesenvolvimento, pois não basta apenas pensar em
metodologias e programas curriculares, sem se envolver com os estados de
consciência de sono, sonho e vigília despertado pelo tema de estudo.

Tenho reconhecido especialmente que o entendimento de Steiner a


respeito da Teoria do Conhecimento e do método cognitivo de Goethe, tem
elucidado em parte as minhas questões sobre o binômio corpo-mente. O
aprofundamento desses autores sobre o pensar e a experiência, permitiu que
chegassem à essência da individualidade, cujo pensamento objetivo é o ponto
central da ideia de liberdade tão valorizada nas ciências humanas e na
educação estética.

Um programa voltado para o corpo em movimento na escola Waldorf


deve ser continuamente recriado para poder contemplar cada vez mais a
necessidade de integração do todo corporal, de acordo com a noção de
Integração humana na Antroposofia, a qual reflete o pensamento de ver a vida
como uma obra de arte, constantemente criada a partir de uma estética do
devir, a fim de restituir o equilíbrio constantemente perdido na dinâmica do
cotidiano.
A partir do diálogo entre as abordagens da Educação Somática e a
Antroposofia, pretendo continuar aprofundando o entendimento da relação
corpo-mente, na medida em que ambas procuram a integração harmônica
entre a sensação, o sentimento, a mente, o espírito, embora por diferentes
caminhos de consciência ou de repadronização. A vivência da de cada sistema
interno, a compreensão do intelecto, da razão, da cognição, da experiência
artístico-cultural, todos esses aspectos poderão refletir uma filosofia do corpo,

66
que possa captar a plena clareza conceitual e o sentimento na harmonia
interna do todo universal.

Esse caminho de pesquisa tem me levado a uma busca de uma


pedagogia de dança restaurativa para meus alunos, e cada vez mais eu tenho
criado um envoltório para eles, proporcionando bem-estar, confiança e
autoestima, estimulando o sentido do movimento próprio e o equilíbrio físico e
anímico, e ainda, desenvolvendo qualidades positivas das relações com os
outros colegas de turma.
A metodologia de ensino tem se situado na prática como pesquisa
(Fernandes, 2014), cuja experiência somática-artística-pedagógica, se constitui
no próprio objeto da problemática da pesquisa. Uma pedagogia do corpo em
movimento, através da dança, torna o professor um pesquisador através da
prática, pois sua pesquisa é guiada pela prática, o que o permite realizar
experiências significativas, integrativas, artísticas, e sobretudo,
humanizadoras.

Outras etapas deste estudo poderão estabelecer uma aproximação entre


os elementos culturais da dança, as abordagens da Educação Somática e a
Antroposofia, incluindo a Euritmia Artística, Terapêutica e Social e os
Recursos especiais em Pedagogia Waldorf (Extra-Lesson), podendo ter
desdobramentos para além da escola Waldorf, atingindo a sociedade mais
abrangente, em especial, educadores, terapeutas corporais e artistas, devido à
necessidade de aplicação dos princípios vivenciados e aprofundados por mim
ao longo da pesquisa, de maneira que possam se beneficiar com tais reflexões
e práticas referentes ao corpo sonoro-gestual em movimento.

Para concluir, destaco um pensamento do livro de Linda Hartley (1995):

“when the body is deeply lovingly touched,


heart opens, soul awakens.
As the heart is opened, spirit moves.
As the spirit moves, we are touched by the dance”.

67
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parlendas infantis pernambucanas do final do século XX. Recife: EDUPE:
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Livreto e CD de ensinamentos para educadores -Raízes I – rodas brasileiras
Livreto e CD de ensinamentos para educadores -Raízes II– rodas brasileiras
CD Cantar o Mundo – Elisa Manzano
CD Cantar a Roça – Elisa Manzano
CD Pastoril – 1999 (Dinara Pessoa – org)
CD Canções do Brasil – palavra cantada
CD O Sonho da Rabeca – mestre Salustiano
CD Zunido da Mata – Renata Rosa
CD Mawaca rupestres sonoros

70
APÊNDICES
Como exemplos de atividades planejadas para as faixas etárias de 4-5
anos, 5-7 anos e 8-9 anos, podemos destacar as variações rítmicas, as
histórias dramatizadas com elementos da natureza, as caminhadas em
trajetórias, movimentos globais, movimentos de animais, espelhamento,
gestos, espirais, toque e movimento de partes isoladas, linhas retas, curvas,
côncavas e convexas, bem como a relação com os desenhos de formas.

SUGESTÃO DE ATIVIDADES PARA O 1º ANO

• Canção: “eu vou subindo a serra, com sapatos de algodão”, eu vou descendo a
serra com sapatinhos de chumbo”
• Padrões da medusa, do peixe, do sapo, lagarto e gato
• Pedalar o pedalinho (bicicleta deitados): “pedala, pedala, pedala o pedalinho,
me leva pra longe, bem devagarinho, o mar está tão lindo, cheio de peixinho,
pedala, pedala, pedala o pedalinho”
• “Oi, sobe no coqueiro, tira coco, xique, xique, nhec, nhec, no coqueiro orirá”
• Pular corda com as canções: Três porquinhos à beira do laguinho, Tem
cocadinha,
• Animais saem da toca e vão dançar na floresta
• Dramatizar conto de fadas (conto das 3 princesas de coração de cristal)
• Canção de imitação: em círculo: “Já viram uma menina fazendo assim, se
quisermos imitá-la façamos assim, agora esse gesto, depois outro assim, se
quisermos imitá-la façamos assim. Já viram um menino fazendo assim...”
• Brincadeira cantada “eu sou pobre, pobre, pobre, de marré descê”
• Rodas cantadas brasileiras

I- SUGESTÃO DE ATIVIDADES PARA O 2º ANO

(Em parte aplicada durante o Estágio de apoio pedagógico na Escola Waldorf Recife no
dia 23/05/2017)

I parte: chão – rolar de lado com o corpo em Xis e na curva em C, padrões do peixe,
sapo, lagarto e gato (em duplas). Pode-se usar as pequenas bola para rolar para frente
e pra trás. Alongamento com a música “Oi, sobe no coqueiro, tira coco...”

II parte: de pé: em círculo –

• música da cocadinha – passos laterais para a direita e para a esquerda (>8, <8,
>4, <4, >2, <2, >1, <1, >1, <1)
• Ritmo de 2 – bater palmas no 2 até 20 – (talvez) – caminhar na reta, pulando
com os dois pés no 2 (futuramente fazê-los caminhar no sentido horário,
desenhando a estrela de 5 pontas ou pentágono)

III parte – Gotinha d’água. Muitas gotas pularam do céu e choveu bem fraquinho e
depois bem forte.

71
Saltar poças de lama: de um pé para dois pés, de um pé para o outro pé, de dois pés
para dois pés, de dois pés para um pé.

Dois grupos (meninas e meninos): gestos com a canção “Eu era assim”

IV parte: dança- coral em fileiras - (mov. Livre seguindo o primeiro da fila) com a
música de São João de Lenine e Lula Queiroga (CD Baque Solto – 1983)

Letra da música:

“viva são João, viva o milho verde,


Viva São João, viva o arraial” (introdução de uma outra música)

Tem fogueira no arraial,


Tem balão rasgando no céu ( 2x)

São João, toda gente se anima


Pra dançar, o calor do baião (2x)

Treme terra, vira noite,


Rompeu clarão

Mas a quadrilha, toda se arma,


Fumaça, bacamarte, alegria
E a cavalaria, toda se cala,
É raça, é movimento, é magia (2x)

“viva são João, viva o milho verde,


Viva São João, viva o arraial” (final)

Obs. Troquei a palavra cachaça por fumaça, inseri o trecho em amarelo e omiti a
última estrofe que fala assim: “milho verde, olha o pé de moleque, canjica, toca um
xote, pra dançar com Maria, meu amor”

Sugestão de música de Pastoril:


“Fui no jardim colher flores, não sei qual delas peguei , a rosa era a mais linda, com
ela me abracei. Nossa mestra é uma rosa, a contramestra é uma açucena, o lindo
cravo é nossa Diana e as pastorinhas são lindas verbenas...”

II- SUGESTÃO DE ATIVIDADES PARA O 3º ANO

Movimentos globais:
Rolamento lateral (4 lados do corpo no chão): um colega rola o outro
Rolamento para trás pelo ombro.
Rolamento para trás sem completar a volta, retorna até a posição de cócoras e levanta
pulando ( com uma música: “agacha, senta, rolou, rolou, agachou, levantou, pulou”

Aprender e ensinar movimentos e gestos:

Música “Cai a chuva miudinha” (CD Cantar o mundo – Elisa Manzano):


Um de cada vez dança livre e para em pose no final da frase musical, e no refrão
todos dançam e param imitando a forma congelada do aluno da vez e continua, em
cada frase de 8 tempos, um aluno dança e para numa “estátua”.

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Obs.: Esta dinâmica pode ser feita também com a antiga canção “Fui passear no
jardim celeste, giroflê, giroflá”

Música da pulga para a tabuada de 6: em círculo


“um, dois , três, quatro, cinco, seis,
Com mais um pulinho estou na perna do freguês,
“um, dois , três, quatro, cinco, seis,
Com mais uma mordidinha, coitadinho do freguês
“um, dois , três, quatro, cinco, seis,
Tô de barriguinha cheia, tchau, goodbye, alfindesen

Xote carreirinho – de pares:


“um, dois, três, quatro , cinco , seis e sete – galope indo
“um, dois, três, quatro , cinco , seis e sete – galope voltando
Os pares vão marcando e logo revirando, - passo de xote, 2 pra direita e 2 pra
esquerda
e a dama do meu lado dá voltinhas pela mão,
Um xote carreirinho – passo de xote
Um xote arrastadinho
E todos vão cantando a marcação, pam, pam

“pra direita dois, pra esquerda dois, quatro para frente, devagar com nosso par,
calcanhar e ponta, gira um dois três, calcanhar e ponta, vamos outra vez” (CD Raízes
I)

Dança improvisada ao som da flauta – dançar livre e parar quando a música para
numa pose congelada: de diversas maneiras (diferentes níveis no espaço, mudando de
apoios, no equilíbrio de um pé só, etc.

Rodas com canções indígenas norte e sul-americanas: Exemplos: “Ubiara” (xavante),


“Ororu Yamandu” (Guarani),

A arca de Noé – canção com movimentos improvisados – espelhos em duplas ou seguir


o primeiro da fila (danças- corais)
“Om....A arca de Noé (2x), vem trazendo para cá, sementes que duram que Jesus
mandou plantar,
“Om....A arca de Noé (2x), vem trazendo para cá, amigos animais que Jesus mandou
ficar,
“Om....A arca de Noé (2x), navega neste mar, traz lindas crianças, que Jesus pôs para
amar,
Om....”

Semeadura e nascimento da planta – música “Plantei sementes” (Anahata Iradah)

“plantei sementes e nada cresceu (2x)


E todas as sementes brotaram juntas (2x)
E a voz de Deus disse: colha o que puder
E deixe o resto comigo”

Os alunos começam como sementes fechadinhas e vão se desenvolvendo até


verticalizar

“Pinga-chuva” coreografia das danças de roda da paz universal

Dança com a canção da borboleta toda branca, de Marcelo Petraglia

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“Borboleta toda branca, voa , voa e não se cansa
Voa cá, voa lá, voa para um jasmim
Para os meninos pode ser cantado assim:
Beija-flor todo azul, voa, voa pelo sul
Voa cá, voa lá, voa para um jasmim”
(cada criança vai polinizando as flores – que são outros colegas) e levando as
sementes.

Obs.: essa aula aconteceu num dia de substituição da professora durante o estágio na
EWR. Após a vivência os alunos fizeram belos desenhos dos animais que polinizavam
as flores (borboletas, beija-flores e até morcegos apareceram).

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ANEXOS: PADRÕES NEUROCELULARES BÁSICOS (PNCB)

Padrões Pré-Vertebrados

Vibração
Respiração Celular
Esponja
Pulsação
Radiação Umbilical
Direcionamento Oral ou Boca
Pré-Espinhal ou Pré-Coluna Vertebral

Padrões Vertebrados

1- Padrão do peixe:

• Ceder e Empurrar a Coluna com a Cabeça e a Cauda

• Alcançar e Puxar a Coluna com a Cabeça e a Cauda

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2- Padrão do sapo:

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• Ceder e Empurrar Homólogo com os Membros Superiores e
Membros Inferiores
• Alcançar e Puxar Homólogo com os Membros Superiores e Membros
Inferiores

3- Padrão do lagarto:

• Ceder e Empurrar Homolateral com os Membros Superiores e


Membros Inferiores

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Deslocamento homolateral
(imagem de ALVES 2013)

4- Padrão dos mamíferos:

• Alcançar e Puxar Contralateral com os Membros e Membros


Inferiores

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Deslocamento contralateral
(imagem de ALVES 2013)

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ANEXOS: Partituras Raízes I e II

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ANEXOS: Trechos do livro Folguedos e Danças de Pernambuco, de
Roberto Benjamim:

CIRANDA: Quando se fala em ciranda como dança, a primeira ideia é que se trata de uma
referência a dança de roda infantil. (...) Em primeiro lugar é preciso esclarecer que a ciranda de
adultos não é uma variante da roda infantil, mas uma manifestação original, provavelmente de
raízes ibéricas. Não é também a única dança de roda de adultos uma vez que se praticam entre
nós os cocos de roda e as rodas de São Gonçalo. A insistência em caracterizar a dança como de
adultos não deve levar a conclusão de que seja uma manifestação onde as crianças estejam
excluídas. Ocorre que ela é tocada, cantada e dançada por homens e mulheres,
preferentemente adultos, podendo eventualmente ter a participação de uma ou outra criança.

No momento em que foi inicialmente estudada (de cada de 50), era ocorrente desde o litoral
norte de Pernambuco (Goiana, Igarassu e Paulista) até o fundo dos vales do Capibaribe-Mirim
e Tracunhaém, aparecendo em localidades de Nazaré da Mata e Timbaúba, já na Zona da Mata
Seca (ou Mata Norte). O seu ambiente de origem era estritamente popular - as pontas de rua,
os terreiros de bodega. Os seus participantes - trabalhadores rurais, pescadores de mangue e
de mar, operários de construção não especializados, biscaiteiros. Os participantes das cirandas
tradicionais, em outras ocasiões do ano participam do Cavalo-Marinho (Ciclo do Natal) e dos
Maracatus Rurais (carnaval).

Os participantes da ciranda são chamados de cirandeiros e cirandeiras. O mestre cirandeiro ou


mestre de ciranda, com o apito comanda o canto e a dança. É ele quem tira o canto e faz as
improvisações. Às vezes, junto ao mestre ficam algumas pessoas mais experientes para ajudar
no coro e os músicos: tocadores de bombo, da caixa e do ganzá. Em algumas cirandas
aparecem instrumentos de sopro: clarineta, trombone, piston ou saxofone. A forma mais
generalizada de canto é de estrofe-refrão. A estrofe é tirada pelo mestre. O refrão depois de
entoado é repetido em coro pelos cirandeiros, que alternam com a orquestra. Quando falta a
forma estrofe refrão, o mestre tira toda a melodia, que depois é retomada pelo coro.

Situado o mestre e os músicos, feitos os primeiros acertos do tom, a ciranda vai começar.
Homens e mulheres, alternadamente ou não, sem preconceitos, se dão as mãos e forma-se
uma fila que vai se fechando em redor dos músicos, todos voltados para eles. (...) A roda gira
da direita para a esquerda e os cirandeiros avançam o pé esquerdo na direção do centro,
marcando assim o primeiro tempo do compasso, coincidindo o avanço com a batida forte do
bombo. Quando o círculo chega a um tamanho excessivo que prejudica a movimentação, se
subdivide espontaneamente, formando um círculo menor, concêntrico.

Nos grupos tradicionais toca-se uma só ciranda para cada vez que se forma a roda. O mestre
tira o canto, os cirandeiros respondem em coro, a orquestra toca, a roda girando sempre, o
mestre retoma o canto pela repetição, e tudo recomeça até a exaustão. Quando sente o
cansaço o mestre apita, ou dá um sinal aos músicos. A música para, a roda se dissolve, vão
todos tomar bebidas e comer gulodices. Logo estão de volta, para outra rodada de ciranda,
que começa agora com outra cantiga.

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PRESÉPIOS E PASTORIS PROFANOS

As dramatizações do nascimento de Jesus Cristo datam da Idade Média. No Brasil os autos


pastoris foram introduzidos como manifestações para-litúrgicas, de fundo catequético e assim
têm se conservado na maioria das variantes. No século passado e no começo deste século se
organizaram verdadeiras companhias teatrais para a representação do pastoril, não apenas no
Recife, mas em algumas cidades do interior como Goiana, Vale ressaltar o parentesco entre os
pastoris e os blocos de frevo do Recife. As melodias, letras e até no vestuário e adereços se
pode observar uma interinfluência das duas manifestações distintas. A maioria dos grupos de
Pastoris Religiosos, conhecidos também como Lapinha e Presépios deixaram de apresentar as
partes dramatizadas, em alguns casos mantém apenas a dramatização da morte-e-ressurreição
da pastora. A apresentação está limitada às jornadas cantadas.

o Presépio seria exclusivamente infantil, mas a versão do Pastoril Religioso continua a ser
organizado por gente ligada à Igreja, ou professoras primárias e representado por meninas ou
mocinhas, sendo estritamente familiar. A disputa entre os dois cordões, muito estimulada no
passado e tendo atingido grandes proporções até a metade do século, pela transferência para
este âmbito das competições políticas (através da identificação das cores), decaiu e não
mantêm o interesse das novas gerações.

Resumo do enredo

Na sua forma original - Pastoril Religioso - é o folguedo mais tipicamente natalino. A sua
representação principal ocorre diante da lapinha, a representação icônica do local onde Jesus
nasceu e passou seus primeiros dias. Um grupo de pastoras, com um único pastor avisado pelo
anjo, sai a procura do local onde Jesus nasceu. No caminho ocorre vários incidentes, com a
inclusão de outros personagens.

A maioria das variantes perdeu o fio narrativo e mantém apenas a parte cantada, sem
recitativos dramáticos. As canções e outras peças musicadas referem-se tanto aos
personagens quanto aos atores.

Os Pastoris são apresentados em tablados. Alguns Pastoris Religiosos mantém uma


sobrevivência do cortejo, para a Queima da lapinha. Trata-se de um ritual de encerramento
em que as pastoras conduzem as palhas da lapinha para serem queimadas na porta da igreja.
Personagens

O corpo principal é um grupo de pastoras, subdividido em dois cordões (azul e encarnado). Em


algumas variantes tem nome de flores.

Mestra - dirigente do cordão encarnado.

Contra-Mestra - dirigente do cordão azul.

Anjo - representa o anjo que anunciou aos pastores o nascimento de Jesus; além de anunciar o
nascimento, em algumas variantes do Pastoril o anjo tem um papel importante na ressurreição
da pastora que é assassinada.

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Pastor - único personagem masculino em algumas variantes; anuncia aos espectadores que o
grupo chegou ao local onde Jesus nasceu.

Velho - personagem cômico, originário provavelmente do pastor, aparece nos Pastoris de


Passagem e no Pastoril Profano, onde conduz o espetáculo como personagem principal.

Diana - intermediária entre os dois cordões. Veste-se nas duas cores. Na época em que as
disputas entre os cordões era acirrada ela atuava para diminuir as rivalidades.

Borboleta - personagem fantástica. Dança como uma borboleta que fosse de flor em flor. Na
sua jornada há uma referência de que se trata de uma feiticeira. Hoje essa referência é tomada
como faceirice, charme.

Jardineira - personagem que canta e dança uma jornada em solo referente as atividades da
jardinagem.

Libertina - em algumas variantes é a personagem de uma pastora tentada pelo demônio.

Demônio ou diabo - o demônio que vem tentar uma das pastoras, para desviar o grupo da
visitação ou para seduzi-la.

Cigana - representa o povo cigano e vem para dizer o destino, a sorte de Jesus. Às vezes diz a
sorte das pastoras e de pessoas da platéia, lendo a mão, na tradição da buena-dicha, para
recolher dinheiro.

O COCO

O coco, com inúmeras variantes, é uma das danças mais tradicionais do Nordeste. Pereira da
Costa descreve o coco como "uma dança popular, ao som de cantigas, com sua cadência
marcada a palmas e com acompanhamento de viola ou violão. De letras diferentes, mas
convenientemente acomodadas ao canto original, obedecem sempre a um estribilho contínuo,
respondido em coro pelos bailadores, como este, por exemplo, de uns versos de coco de
Jatobá de Tacaratu, na zona sertaneja:

"Tatu do mato / anda de gibão / Este coco é bom? / Será ou não".

A expressão "quebra" ou "quebra o coco" que aparece nas quadras mais antigas, levou alguns
folcloristas a afirmar que o coco havia sido primeiro um canto de trabalho de tiradores de coco
(coletores do fruto do coqueiro), para depois converter-se em ritmo de dança.

Câmara Cascudo refere a uma quadra ouvida na década de 1870, na ribeira do Piancó (PB):

"Quebra coco, quebra coco / Na ladeira do Piá / quando há coco maduro / só se apanha coco
lá"

É preciso, porém estar advertido de que a expressão quebra foi incorporada à dança,
aparecendo ora nas quadras, ora como uma interjeição, como estímulo aos dançarinos para
execução de certas figurações coreográficas, parecendo valer requebrar. De dança rural, com

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características ameríndias - fileira e roda - e figurações africanas, como a umbigada, o coco
ganhou os subúrbios e os salões das cidades, aparecendo tanto isoladamente como em
folguedos, como pastoris e mamulengos.

Os registros de Alagoas e Paraíba são também de que o coco, na segunda década do século
vinte, era uma dança executada em salões da burguesia.

Notícias esparsas dão conta da ocorrência atual do coco em todo o litoral de Pernambuco, na
zona da Mata e em localidades do Agreste e do Sertão onde há manifestações de cultura
negra, como: Pesqueira, Arcoverde, Triunfo (distrito de Livramento), Garanhuns, São Bento do
Una, Mirandiba e outros.

CABOCLINHOS

Como acontece com algumas outras manifestações populares, CABOCLINHOS (também se diz
cabocolinho) é, ao mesmo tempo, o nome de um tipo de agremiação carnavalesca, nome dos
integrantes dessas agremiações e do folguedo por elas realizado.

A utilização de motivos da cultura indígena em representações data da época dos trabalhos de


catequese desenvolvidos por Anchieta e seus companheiros jesuítas, no primeiro século da
colonização. Talvez a esse trabalho se deva a existência de várias manifestações folclóricas
espalhadas pelo país, em que aparecem elementos estruturais e narrativos europeus, debaixo
de elementos decorativos tidos como indígenas.

Alguns dos organizadores ou reorganizadores dos mais antigos Caboclinhos documentados no


Recife, tinham um mínimo de instruções que lhes garantiu acesso a informações da cultura
erudita tais como: os romances e poesias de José de Alencar, poesia de Gonçalves Dias e
outros, ainda que em versões populares ou resumidas. Este material foi aproveitado no
entrecho dramático de alguns grupos.

Os elementos musicais e coreográficos foram extraídos de rituais de cultos de origem indígena,


que sobreviveram semi-secretamente, apesar das perseguições às manifestações mágico-
religiosas. Desta forma o povo mestiço elaborou um folguedo de representação da vida
indígena utilizado, talvez, reminiscências de autos jesuíticos de catequese, elementos visuais e
literários do romantismo indianista e traços das culturas indígenas oriundos da música e dança
religiosa, de cultos semi-secretos, somados ainda a elementos de culturas negras.

Resumo do enredo - Do momento em que foi documentado pela primeira vez, nos anos 40 até
o começo da década de 60, o Caboclinhos do Recife era um folguedo representado apenas por
homens (com a exceção da rainha), vestidos conforme a imagem que o povo tinha dos índios,
executando danças guerreiras e de cunho religioso (propiciatórias de boa colheita ou caçadas),
desenvolvendo um entrecho dramático que completava o seu enredo através da recitação de
uns versos e embaixadas, como ocorre ainda com outros folguedos. Os Caboclinhos tinham
papéis diferenciados, que se evidenciavam no momento da recitação: eram rei e rainha ou
cacique e cacica, capitão e tenente ou guia e contra-guia, perós ou indiozinho, etc. No
começo da década de 60 foram introduzidas as moças, mantendo-se, porém, na primeira
metade ou primeiro terço das filas dos cordões, cujos últimos lugares são ocupados pelos

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rapazes. No material coletado por Mário Melo, publicado em 1947 a parte recitada do
Caboclinho Taperaguases tinha mais de 50 estrofes. Nos carnavais mais recentes os
organizadores dos desfiles não têm permitido que os caboclinhos apresentem o seu folguedo
completo com todas as danças e a parte do recitativo.

Personagens - Porta-estandarte - um dos caboclinhos que carrega o estandarte. Guia e


Contra-Guia ou Capitão e Tenente - os caboclinhos que comandam cada cordão. Rei e Rainha
- ou Cacique e Cacica - personagens reais, desfilam ao centro entre os cordões, vestidos de
caboclinho e com manto e coroa reais. Perós ou indiozinhos - em número variado, crianças de
pouca idade, seguem junto aos reis. Caboclinhos - divididos em dois cordões, vestem-se com
tangas e adereços de penas de ema e são as principais e mais numerosas personagens do
folguedo, fazem as coreografias e o coro, quando há canto. Pajé - alguns grupos trazem um
feiticeiro índio, cujo traje difere pouco do traje dos caboclinhos. Caboclinhos caçadores -
alguns grupos trazem caçadores conduzindo animais empalhados - onças, gato do mato, etc.
Em número reduzido.

Adereços - Colar, pulseiras, braçadeiras em pena - compõem o traje dos caboclos. Colares de
contas e sementes ao pescoço. Pequenas cabaças - são carregadas na cintura. Flechas -
Grandes flechas são carregadas pelas moças. Preacas - instrumento de percussão - arco com
flecha retesada, presa, que puxada produz um estalido seco, marcando o ritmo, são utilizadas
pelos rapazes. Este instrumento é semelhante ao Damatá, usado pelos filhos de Ogum e Oxossi
nos terreiros afro-brasileiros. Orquestra - a pequena orquestra é constituída por gaitas
(pífanos) tarol, maracá ou caracaxá de grande porte, além das preacas.

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