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Cláudio L. N. Guimarães dos Santos (a), (b), (c), Maria de Fátima Jorge (d)
e Amanda de N. G. M. Bittencourt (d)
RESUMO:
Neste artigo são discutidos os princípios teóricos que, a nosso ver, devem nortear
os procedimentos diagnósticos e terapêuticos voltados para o manejo de pacientes
apresentando disfunções cognitivas, categoria que engloba, evidentemente, os
transtornos de aprendizagem. Tais princípios, que decorrem inteiramente da
adoção da postura filosófica denominada Neo-Reducionismo, fundamentam o
nosso trabalho clínico.
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Guimarães dos Santos, C.L.N., Jorge, M.F., & Bittencourt, A.N.G. (2003). A reabilitação
neuropsicológica de pacientes com transtornos de aprendizagem: a experiência da Unidade de
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de aprendizagem é a idéia proposta por Guimarães dos Santos (1994, 1995, 1997,
1998, 2000a, 2000b, 2002, 2003) segundo a qual tais transtornos -- assim como
qualquer outro tipo de alteração cognitiva -- não devem e não podem ser
concebidos como entidades nosológicas autônomas e auto-suficientes, devendo,
ao contrário, serem entendidos como pseudo-categorias, como partes inter-
dependentes de estruturas muito mais complexas, necessariamente multiformes e
essencialmente dinâmicas -- as disfunções cognitivas – que se caracterizam, em
última análise, por alterações no funcionamento normal dos processos mentais e
neurobiológicos subjacentes ao fenômeno que se convencionou chamar de
cognição ou inteligência, alterações que se dão, invariavelmente, em um sujeito
específico e determinado – o paciente2 que estamos tratando – e que, por isso
mesmo, não podem ser pensadas de forma abstrata, ou seja, independentemente
das características intrínsecas desse mesmo sujeito.
Evidentemente, a completa compreensão do conceito acima enunciado
pressupõe o conhecimento, por parte do leitor, do significado do termo cognição
(humana) que, também segundo Guimarães dos Santos (1994, 1995, 1997, 1998,
2000a, 2000b, 2002, 2003), deve ser entendido como nomeando a capacidade
fundamental, exibida pelos indivíduos de nossa espécie, que nos faculta a
adaptação às situações as mais diversas, e isso não somente através de nossa
acomodação, mais ou menos passiva, a tais situações, mas, sobretudo, através da
implementação ativa de procedimentos destinados a modificá-las de modo a que
se ajustem às nossas necessidades e objetivos.
A conseqüência imediata da adoção dessa concepção mais ampla do que
aquela comumente empregada é que, sob o rótulo cognição (humana), não se
encontrarão somente as capacidades tradicionalmente classificadas como
cognitivas ou inteligentes -- tais como a linguagem, a memória ou o raciocínio
lógico-matemático – mas, sob esse rótulo, também estarão uma série de outras
funções cujo caráter cognitivo, mesmo que a nosso ver incontestável, não é ainda,
de maneira unânime, reconhecido pela comunidade de pesquisadores -- tais como
a motivação, a emoção, a imaginação, a criatividade, a capacidade de se
relacionar socialmente ou a habilidade de realizar as seqüências necessárias à
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Evidentemente, no processo de interação concreta com cada paciente, o conjunto de procedimentos
diagnósticos constituintes da Triagem Diagnóstica Geral (TDG) poderá ser alterado pela inclusão,
exclusão ou modificação de alguns desses instrumentos, de modo a adequar o conjunto às
peculiaridades que caracterizam o repertório comportamental, normal e patológico, de cada indivíduo.
Aliás, justamente por acreditar que não existem doenças e sim doentes, o enfoque proposto pelo Neo-
Reducionismo vai enfatizar, de maneira veemente, o fato de que a elaboração e a implementação de
procedimentos diagnósticos – e também terapêuticos – desenvolvidos para o manejo de pacientes
portadores de disfunções cognitivas (quaisquer que sejam) não poderá ter sucesso se não for levada em
conta a especificidade de apresentação que essas disfunções vão assumir em cada paciente.
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Claro está que, no caso de pacientes que apresentam transtornos de aprendizagem, cresce
sobremaneira a importância da obtenção de dados abundantes e fidedignos acerca da vida escolar do
paciente, o que significa ir muito além do mero levantamento de informações sobre o seu desempenho
acadêmico.
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É importante lembrar que, segundo o enfoque proposto pelo Neo-Reducionismo, nenhum desses
domínios deve ser entendido como sendo uma espécie de parte ou de módulo cuja reunião resultaria na
cognição humana, mas cada um deles deve, antes, ser visto como um aspecto ou imagem de uma única
e indecomponível totalidade, a saber, a inteligência ou cognição humana.
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com toda a certeza, estarão muito mais sintonizados com as suas possibilidades e
preferências do que aqueles, mais impessoais, que tiverem sido elaborados por
seus terapeutas, ainda que de forma cuidadosa. Em outras palavras, os
procedimentos terapêuticos devem ser capazes de fazer com que o indivíduo
tenha vontade de se tornar o sujeito de seu próprio processo de cura.
Além disso, a reabilitação de indivíduos que apresentam disfunções
cognitivas, sobretudo aquelas em que predominam os transtornos de
aprendizagem, deverá ser realizada, tanto quanto possível, não somente no
consultório, mas também em situações e contextos que efetivamente constituam o
dia-a-dia do paciente – tais como a escola em que estuda ou o clube onde pratica
esportes –, o que certamente exigirá uma estreita sintonia e colaboração entre os
profissionais de saúde implicados no tratamento do indivíduo e os outros atores
sociais, sobretudo seus professores, que também com ele interagem.
Finalmente, para concluirmos este artigo, cremos ser importante
mencionar que a adequada participação da família – nem opressivamente
presente, nem irresponsavelmente ausente – será um fator essencial ao bom
andamento do processo terapêutico, sendo isso tão mais verdadeiro quanto mais
jovem for o paciente. Nunca é demais lembrar que boa parte do tempo diário útil
de uma criança pequena é passado com os pais, cujos exemplos, já insistiam os
romanos6, são capazes de influenciar de maneira profunda o comportamento da
criança, e isso tanto no que fazem como no que deixam de fazer. Com que
argumentos poderá um pai convencer seu filho de que a leitura é algo prazeroso se
ele mesmo nada mais lê além das manchetes esportivas do jornal de domingo?
Referências Bibliográficas
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Estamos nos referindo ao famoso ditado romano “as palavras movem, os exemplos arrastam”.