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COLUNA
Demétrio Magnoli e Elaine Senise Barbosa
DEMÉTRIO MAGNOLI

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08/10/2015 0:00

História sem tempo


A ordem do dia é esculpir um Brasil
descontaminado de heranças europeias

Renato Janine, o Breve, transitou pela porta

giratória do MEC em menos de seis meses. No

curto reinado, antes da devolução do

ministério a um “profissional da política”, teve

tempo para proclamar a Base Nacional Comum

(BNC), que equivale a um decreto ideológico de

refundação do Brasil. Sob os auspícios do

filósofo, a História foi abolida das escolas. No

seu lugar, emerge uma sociologia do

multiculturalismo destinada a apagar a lousa

na qual gerações de professores ensinaram o

processo histórico que conduziu à formação

das modernas sociedades ocidentais, fundadas

no princípio da igualdade dos indivíduos

perante a lei.

O ensino de História, oficializado pelo Estado-

Nação no século XIX, fixou o paradigma da

narrativa histórica baseado no esquema

temporal clássico: Antiguidade, Idade Média,

Idade Moderna, Idade Contemporânea. A


crítica historiográfica contesta esse paradigma,

impregnado de positivismo, evolucionismo e

eurocentrismo, desde os anos 60. Mas o MEC

joga fora o nenê junto com a água do banho,

eliminando o que caracteriza o ensino de

História: uma narrativa que se organiza na

perspectiva temporal. Segundo a BNC, no 6º

ano do ensino fundamental, alunos de 11 anos

são convidados a “problematizar” o “modelo

quadripartite francês”, que nunca mais

reaparecerá. Muito depois, no ensino médio,

aquilo que se chamava História Geral surgirá

sob a forma fragmentária do estudo dos

“mundos ameríndios, africanos e afro-

brasileiros” (1º ano), dos “mundos americanos”

(2º ano) e dos “mundos europeus e asiáticos”

(3º ano).

O esquema temporal clássico reconhecia que a

mundialização da história humana derivou da

expansão dos estados europeus, num processo

ritmado pelas Navegações, pelo Iluminismo,

pela Revolução Industrial e pelo imperialismo.

A tradição greco-romana, o cristianismo, o

comércio, as tecnologias modernas e o advento

da ideia de cidadania difundiram-se nesse

amplo movimento que enlaçou,

diferenciadamente, o mundo inteiro. A BNC

rasga todas essas páginas, para inaugurar o

ensino de histórias paralelas de povos

separados pela muralha da “cultura”. Os

educadores do multiculturalismo que a

elaboraram compartilham com os

neoconservadores o paradigma do “choque de

civilizações”, apenas invertendo os sinais de

positividade e negatividade.

A ordem do dia é esculpir um Brasil

descontaminado de heranças europeias. Na

cartilha da BNC, o Brasil situa-se na

intersecção dos “mundos ameríndios” com os


“mundos afro-brasileiros”, sendo a Conquista,

exclusivamente, uma irrupção genocida contra

os povos autóctones e os povos africanos

deslocados para a América Portuguesa. A

mesma cartilha, com a finalidade de negar

legitimidade às histórias nacionais, figura os

“mundos americanos” como uma coleção das

diásporas africana, indígena, asiática e

europeia, “entre os séculos 16 e 21”. O conceito

de nação deve ser derrubado para ceder espaço

a uma história de grupos étnicos e culturais

encaixados, pela força, na moldura das

fronteiras políticas contemporâneas.

A historiografia liberal articula-se em torno do

indivíduo e da política. A historiografia

marxista organiza-se ao redor das classes

sociais e da economia. Nas suas diferenças,

ambas valorizam a historicidade, o movimento,

a sucessão de “causas” e “consequências”. Já a

Sociologia do Multiculturalismo é uma revolta

reacionária contra a escritura da História. Seus

sujeitos históricos são grupos etnoculturais

sempre iguais a si mesmos, fechados na concha

da tradição, que percorrem como cometas

solitários o vazio do tempo. Na História da

BNC, o que existe é, apenas, um recorrente

cotejo moralista entre algoz e vítima, perfeito

para o discurso de professores convertidos em

doutrinadores.

Na BNC, não há menção à Grécia Clássica: sem

a Ágora, os alunos nunca ouvirão falar das

raízes do conceito de cidadania. Igualmente,

inexistem referências sobre o medievo das

catedrais, das cidades e do comércio: sem elas,

nossas escolas cancelam o ensino do “império

da Igreja” e das rupturas que originaram a

modernidade. O MEC também decidiu excluir

da narrativa histórica o Absolutismo e o

Iluminismo, cancelando o estudo da formação


do Estado-Nação. A Revolução Francesa, por

sua vez, surge apenas de passagem, no 8º ano,

como apêndice da análise das “incorporações

do pensamento liberal no Brasil”.

Sob o sólido silêncio de nossas universidades, o

MEC endossa propostas pedagógicas avessas à

melhor produção universitária, que geram

professores “obsoletos” em seus

conhecimentos e métodos. Marc Bloch disse

que “a História é a ciência dos homens no

tempo”. Suas obras consagradas, bem como as

de tantos outros, como Peter Burke, Jules

Michelet, Perry Anderson, Maurice Dobb, Eric

Hobsbawm, Joseph Ki-Zerbo, Marc Ferro,

Albert Hourani, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque

de Holanda e José Murilo de Carvalho, não

servem mais como fontes de inspiração para o

nosso ensino. A partir de agora, em linha com o

decreto firmado pelo ministro antes da

defenestração, os professores devem curvar-se

a autores obscuros, que ganharão selos de

autenticidade política emitidos pelo MEC.

Não é incompetência, mas projeto político.

Num parecer do Conselho Nacional de

Educação de 2004, está escrito que o ensino de

história e cultura afro-brasileira e africana

“deve orientar para o esclarecimento de

equívocos quanto a uma identidade humana

universal”. Equívocos! No altar de uma

educação ideológica, voltada para promover a

“cultura”, a etnia e a raça, o MEC imolava o

universalismo, incinerando a Declaração

Universal dos Direitos Humanos. A trajetória

iniciada por meio daquele parecer conclui-se

com uma BNC que descarta a historicidade

para ocultar os princípios originários da

democracia.

Doutrinação escolar? A intenção é essa, mas o


verdadeiro resultado da abolição da História

será um novo e brutal retrocesso nos

indicadores de aprendizagem.

Demétrio Magnoli é sociólogo e Elaine Senise

Barbosa é historiadora

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