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BAERT, Patrick. The existencialist moment: the rise of Sartre as a public intelectual.

Faz uma distinção entre intelectuais e críticos. Intelectuais são aqueles que criam bens
intelectuais relativamente inovadores e os críticos produzes comentários e generalizações
tendo não necessariamente inovadores, funcionando como uma espécie de filtro
(gatekeepers). Não existe, entre as arenas intra-intelectual e intelectual pública, uma
diferenciação qualitativa, mas apenas de alcance. A arena intelectual pública, diferente
da intra-intelectual, é mais dependente da mídia – inclusive das editoras – e dos críticos
(agentes que funcionam como gatekeepers).

Baert toma como ponto de partida a ideia de que as ideias têm maior capacidade
de transcender da esfera intra-intelectual para a esfera intelectual pública caso sejam
“empacotadas” (packaged) em termos de uma doutrina intelectual coerente e
“etiquetadas” (lebelled). Além disso depende em grande medida do carisma dos
intelectuais que assumem o papel de promotores de tais ideias e das relações que
estabelecem com os demais intelectuais, com o mercado editorial e com os críticos,
dependendo, de toda forma, do apelo que tais ideias têm em relação a experiência sócio-
políticas recentes e como tais ideias têm capacidade de ser mais efetivas em termos
explicativos e de apelo público com relação às antigas ideias já estabelecidas, pp. 16-17.

São cinco hipóteses que guiam a pesquisa de Baert: 1) ideias se espalham mais
rapidamente se seus proponentes intelectuais conseguem desenvolver conexões sólidas
com os críticos; 2) as ideias se espalham de forma mais rápida se as ideias já estabelecidas
tiverem perdido sua credibilidade com a sociedade; 3) as ideias se espalham de forma
mais efetiva se o mercado editorial tem grande capacidade de disseminação e se os
intelectuais têm um bom posicionamento com este mercado editorial; 4) as ideias têm
mais chances de se espalhar se os intelectuais envolvidos usarem outras formas de
comunicação adicional como rádio, televisão etc.; 5) as ideias vão se espalhar de forma
mais efetiva se tiverem ressonância com o clima cultural mais amplo envolvendo as
classes com mais anos de escolaridade, p. 17.

Segundo Baert, Collins, na sua ampla teoria das cadeias rituais de interação
(interaction ritual chains), apresenta como ideia central o fato de que a criatividade
intelectual e a produção estão vinculadas em relações pessoais e redes de contato de
interações face-a-face; estas relações transmitem energia emocional e capital cultural.
Segue-se disso que é um engano conceber ideias como ancoradas em indivíduos; ideias
são ancoradas em redes e motivadas em grande medida por rivalidades entre indivíduos
e grupos de indivíduos (ver p. 8 de Baert). Para Collins, a Gallimard funcionou como um
centro de redes (network centre), colocando pensadores inovadores em contato uns com
os outros, além de ter revolucionado a partir dos anos 1930 o mercado editorial francês
apresentando livros baratos com gêneros híbridos entre literatura e filosofia, como era o
existencialismo.

Baert trata de “experiências compartilhadas” para tratar do apelo público que o


existencialismo teve me meados dos anos 1940.

De forma direta afirma que “Sartre foi particularmente habilidoso ao reformular os temas
iniciais do existencialismo de forma mais positiva, permitindo aos seus leitores dar
sentido a um episódio traumático da história da França” p. 21.

Junto às contribuições de Collins falar também Latour no livro Reagregando o Social

Performative tools: ferramentas performativas são meios materiais ou simbólicos que


possibilitam uma intervenção efetiva, p. 170. Essa noção possibilita tratar dos saberes
práticos (Bourdieu) relativos ao mercado editorial como os listados por Thompson, bem
como chama atenção para a possibilidade de o trabalho editorial ampliar a audiência de
um livro ou tema, como chama atenção Darnton com a ideia de “efeito livro”.

Algumas críticas ao livro:

 A concepção de editoras e demais meios de comunicação coo gatekeepers é


problemática. John B. Thompson, colega de departamento de Baert, trata disso no
livro sobre mercado editorial acadêmico: as editoras têm cada vez mais se focado em
propor conteúdo, criar coletâneas, coleções, contratar livros sugerindo tema a autores
etc., o que demonstra uma posição muito mais ativa do que a de um passivo gatekeper
pode sugerir.
 As poucas tentativas de extensão à América Latina realizadas no livro são bastante
problemáticas. Baseando-se em autores que escreveram no final dos anos 1990 ou
início dos anos 2000, Baert trata o universo acadêmico latino-americano como de
pouca autonomia com relação à política e pouco diferenciado em relação à outros
gêneros de produção intelectual como seria o caso da literatura (cita, por exemplo,
Beatriz Sarlo para sustentar sua argumentação). As diversas discussões sobre o tema
no Brasil e em demais países latino-americanos demandaria mais cuidado e um debate
mais qualificado.
 O último capítulo, com a proposta teórica de análise do universo intelectual, a teoria
do posicionamento (positioning theory), é um raro e louvável feito em termos de
concisão e clareza teórica – já que poucos estudos se preocupam em esclarecer, da
forma o Baert o fez, a proposta teórica que embasa a análise do livro -, mas carece de
desdobramentos empírico. Todo o livro está voltado para a análise da emergência de
Sartre como intelectual público. Neste capítulo ele define Sartre como um intelectual
púlico de tipo autoritário (authoritative public intelectual), afirmando, entretanto, que
este tipo de intelectual foi sendo gradativamente deslocado a partir dos anos 1970.
Trata da emergência de dois outros tipos, o expert (expert public intelectual) e o
dialógico (dialogic public intellectual), dando alguns exemplos esparsos, mas com
poucos desdobramentos. Vale como apontamento para as mudanças pelas quais o
campo intelectual vem passando, mas o desenvolvimento dois tipos mais recentes
carecem de discussão e aprofundamento para que sejam de fato operacionais em
outras análises.

Outros textos de Baert

O próprio posicionamento dos intelectuais deve ser objeto de questionamento. A


sociologia do conhecimento tem se dedicado à sociologia dos intelectuais e das ideias, no
sentido de abarcar os condicionantes sociais e as estratégias dos intelectuais na construção
de redes e disseminação de seus pensamentos. Como os intelectuais interagem entre si
para criar e disseminar conhecimento? De que forma condicionantes sociais influenciam
este processo? Qual a relação que esse conhecimento estabelece com o público? Como as
novas dinâmicas de produção e distribuição de conhecimento afetam categorias políticas
estabilizadas e suas fronteiras? (Baert e Rubio, 2012). Interessa, enfim, sob esta
perspectiva, entender as dinâmicas de produção e disseminação de conhecimento,
agregando os intelectuais, os agentes intermediários e os públicos, de forma a perceber
como estes agentes interagem entre si e se influenciam mutuamente.

A percepção de que os intelectuais perderam sua capacidade de participar de


forma ativa dos debates públicos é contestada, levando-se em conta novas formas de
construção de conhecimento e produção de diálogos. Se se pode falar em uma relativa
autonomização no campo intelectual europeu a partir do século XVIII (Sapiro, 2012), é
notável o diagnóstico da perda do poder de tais intelectuais na condução de debates
públicos e decisões políticas. A análise de Fritz Ringer (2000), do que chamou do declínio
dos “mandarins alemães”, na passagem do século XIX para o XX, em que os intelectuais
perdem espaço para uma elite industrial emergente, revela uma percepção comum a vários
outros pensadores. Patrick Baert e Alan Shipman, em artigo intitulado Transforming the
Intellectual (2012), rejeitam o argumento de que os intelectuais deixaram de ser
relevantes e de se engajarem publicamente. Para os autores, esses argumentos
“declinistas” distorcem o passado (de forma a idealizar um suposto período áureo) e o
presente (não reconhecendo a importância dos intelectuais públicos). Os intelectuais não
teriam deixado de se engajar publicamente, mas, pelo contrário, estariam ainda mais
envolvidos, sendo que de forma diferente da que se dava nos séculos XIX e XX. Um
intelectual, na conceituação dos autores, é entendido como alguém que cria conhecimento
sobre um aspecto do mundo natural ou social e o relaciona com outros conhecimentos
existentes. Já um intelectual público é aquele que o faz de forma a se envolver com um
público amplo, e não só com seus pares.

O que estaria em declínio é o que chamam de authoritative intellectuals, típico do


século XIX, momento em que a profissionalização da vida intelectual e a diferenciação
entre disciplinas estava ainda em um momento muito inicial, sendo a educação de nível
superior destinado a poucas pessoas, e os profissional intellectuals, mais característicos
da primeira metade do século XX, em que se acompanha um crescimento das instituições
universitárias, cuja legitimação se dá através do reconhecimento dentre seus pares.
Alguns fatores contribuem, entretanto, para o solapamento desta noção de intelectual
profissional. Os autores apontam três principais: a consciência de que as reivindicações
dos intelectuais raramente estão apoiadas em certezas lógicas; enquanto mais educada
institucionalmente é a população, mais difícil é para o intelectual sustentar sua autoridade;
financiamento público das universidades cria uma pressão, direta ou indireta, para que os
conteúdos produzidos sejam publicamente relevantes. Os embedded intelectuals, tipo
atual, embora coexistente com os outros tipos relatados, estão envolvidos com o público,
quer como um meio para conseguir financiamento para suas pesquisas ou legitimidade
para seus discursos (intelectual persuaders) quer como um fim em si mesmo, de forma a
produzir conhecimento em interação com o público (dialogical intellectuals). Esta
contextualização do lugar do intelectual no debate público ajuda a evitar compreensões
distorcidas por uma idealização do passado e ao mesmo tempo chama a atenção para as
formas de envolvimento dos intelectuais em suas diversas atividades.

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