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COLECÇÃO EVANGELHO E CULTURA

A
IGREJA LOCAL

Adriano Langa ofm


Adriano langa ofm A Igreja Local

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Adriano langa ofm A Igreja Local

COLECÇÃO EVANGELHO E CULTURA


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Adriano Langa ofm
A
IGREJA LOCAL
(PRESSUPOSTOS)

II ASSEMBLEIA NACIONAL DE PASTORAL DA MATOIA, 1991


Maputo - 1994
2
Adriano langa ofm A Igreja Local

Esta edição digital foi elaborada pelo


irmão Rodolfo Patricio Andaur Zamora, em
Santiago, Chile, em 2019, com a versão
original à vista.

Os números em negrito e entre colchetes


indicam as páginas onde o parágrafo original
começa.

Corrigido alguns aspectos ortográficos e


algumas imagens atualizadas.

A bibliografia citada foi inserida.

3
Adriano langa ofm A Igreja Local

[03] A PRIMEIRA PALAVRA

Quando a Comissão Coordenadora da II Assembléia Nacional de Pastoral me pediu


para tratar o tema: Pressupostos para uma Igreja Local fiz-me ao trabalho não como quem
estivesse a cumprir uma tarefa que deve ser bem executada, profissionalmente. Desde do
primeiro momento convenci-me de que este tema é um daqueles sobre os quais eu mesmo
necessito de reflectir e ter algumas idéias sobre eles, dada a sua importância.

Ainda ao tentar fazer o esquema de reflexão a importância do tema se confirmava no


meu espírito. No mesmo instante dei-me também conta de que o tema é vasto. Para já nota-
se a existência de dois tipos de elementos constituintes a considerar: os elementos teológicos-
do~ trinais e os elementos sociológicos-culturais. Felizmente o tema foi desenvolvido por
três pessoas e isto evitou a monotonia (=estar a ouvir uma mesma pessoa durante muito
tempo) e poupou-me o esforço de ter que falar de todos aqueles elementos. Por isso e no
tocante aos elementos teológicos-doutrinais envio o leitor aos trabalhos dos meus irmãos: o
P. Cirilo Moisés Mateus e P. Tomé Makheliha que, falando deste tema incidem
particularmente nestes elementos tão importantes. Depois, quem quiser venha daí para
vermos juntos estes outros elementos: os sociológicos-culturais e a problemática que gira à
volta deles.

Para me animar a mim mesmo nesta reflexão servi-me de duas perguntas, olhando
para o tema principal da Assembléia:

lª Pergunta: Até ao presente momento, em Moçambique, quais são os pressupostos


que têm sido problemáticos na implantação e consolidação da [04] Igreja Local? São
os elementos sociológicos-culturais, concluí.

2ª Pergunta: Se o falar em consolidação de uma Igreja Local é uma outra forma de


falar da sua implantação que diz a doutrina da Igreja sobre essa implantação de uma
Igreja Local? A resposta foi-me dada pelo documento Ad Gente do Concílio do
Vaticano II, que fala sobre a actividade missionária da Igreja, no seu n° 19. Com esta
resposta entendi que o documento da Igreja nos obriga a pôr os pés no chão e sair do
vago: Ele exige-nos a que chamemos as coisas pelos seus próprios nomes e que
distingamos o assado do frito, que facilmente se confundem.

Por isso, lembrei-me da tentação de um certo purismo (=preocupação exagerada pela


pureza das coisas e idéias) que muitas vezes é uma forma polida, diplomacia de fugir aos
problemas concretos, fugir da terra para as nuvens, quando a terra gela ou aquece debaixo
dos pés. Na verdade, falando dos elementos teológicos-doutrinais o pensamento não estaria
completo se não se falasse dos elementos sociológicos-culturais e dos problemas subjacentes

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Adriano langa ofm A Igreja Local

e, inversamente, os elementos sociológicos-culturais transportam consigo uma forte carga


teológica e doutrinal, que não deve ser calada, que seria grave.

O texto que se segue foi o primeiro resultado da minha reflexão mas tive que resumi-
lo duas vezes para poder apresentá-lo em palestra na II Assembléia Nacional de Pastoral,
devido às limitações do tempo. Assim, surgiram 3 textos: textos 1,2 e 3. O texto 3 utilizou-
se para a palestra, diante dos participantes à II Assembléia; o texto 2 foi distribuído aos
mesmos participantes. Sabendo disto, várias pessoas mostraram o interesse pelo texto
original (o texto 1).

Ao pôr este texto nas mãos do leitor faço-o com alegria e esta alegria justifica-se por
duas razões:

lª Razão: Porque uma das cruzes para um conferencista é de ser obrigado a dizer muita
coisa importante em poucas palavras ou de forma esquemática. [05] Ora mesmo com
este texto original não tenho a ilusão de ter esgotado tudo sobre este assunto! Com
efeito, mesmo reflectindo livremente, nunca perdi de vista a primeira finalidade do
texto: o texto estava em função da Assembléia e, por isso, que estava sujeito às
exigências da extensão e da linguagem (não devia ser longo e a maneira de falar devia
ser clara).

2ª Razão: porque tenho também em vista uma certa catequese à gente simples das
nossas Comunidades, para quem é preciso dizer um pouco mais e claramente as
coisas, pois, com coisas esquemáticas e resumidas faltam muitas palavras para muitas
pessoas, que podem ficar com assuntos meio entendidos, o que é perigoso. Um
resumo ou esquema supõem conhecimentos básicos, elementares nas pessoas
destinatárias. Penso que aqui está um dos defeitos da nossa formação nas
Comunidades: os resumos e os esquemas simplistas, que são bons lá onde existem
bases ou fundamentos.

De resto, faz bem sentarmo-nos e ver de perto essa "Igreja Local" de que tanto
falamos. De facto, necessitamos de vê-la de perto, para que não fiquemos apenas com uma
idéia polida e enverniza, que não passar a e um mito. É necessário que ela tome corpo, que
ela fale e vejamos se ela continua assim atraente e aceitável, como o é na teoria.

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Adriano langa ofm A Igreja Local

[06]

IN'I'RODUÇAO

Para nos entendermos melhor nesta nossa reflexão comecemos por compreender o
título que encabeça esta mesma reflexão:

Pressupostos para uma Igreja Local.

O que se procura com este título? O que ele quererá dizer? Reflictamos um pouco
sobre os termos:

1. Pressupostos
Num português mais simples e leve, a palavra pressupostos (= pressuposto, no
singular) quer dizer condições necessários, isto é, o que é neccessário como base
ou funda mente de qualquer coisa. Num português médio, pressupostos são os
requisitos ou exigências para uma dada finalidade ou realidade.

2. Igreja Local.
Já vamos nos habituando deste conjunto de palavras (=expressão). Ela aparece
muitas vezes em textos e discursos orais. Mas nem por isso devemos dar por
garantida a sua compreensão. Nem todos compreendemos o que ela quer dizer
exactamente. Sendo assim, há lugar para se pôr a pergunta: o que ê a Igreja Local?

Numa busca de compreensão e fugindo das definições, tomemos alguns exemplos


que nos poderão ajudar a imaginar melhor o que seja uma Igreja Local:

"Paulo, Silvano e Timóteo ã. Igreja dos Tessalonicense (1° Tes 1,1).

"Paulo, por vontade de Deus escolhido para apóstolo de Jesus Cristo,


e Sóstenes, nosso irmão, a Igreja de Deus que está em Corinto, aos
chamados a santidade em Jesus Cristo..." (I° Cor. 1, 1- 2)

Através destas duas cartas que acabamos de citar, Paulo dirige-se aos cristãos de dois
lugares concretos: de uma terra chamada Tessalónica (primeiro texto) e de uma outra terra
chamada Corinto (segundo texto). Temos aqui dois exemplos de Igreja Local. Isto quer dizer
que:
A um conjunto de cristãos de uma determinada terra (nação ou
outro tipo de extensão geográfica) chama-se uma Igreja Local
porque está localizada (está num lugar).

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Adriano langa ofm A Igreja Local

Esse conjunto é composto pelos cristãos leigos, pelos religiosos, pelos sacerdotes e
pelo seu Bispo ou Bispos.

Assim, existe a Igreja Local de Moçambique, da Inglaterra, da Austrália, da África,


da América Latina, etc.

Nota: É preciso evitar a expressão Igreja Nacional, ou pelo menos, não


abusá-la, porque ela tem um sentido político. Muitas vezes ela designa
Igrejas independentes, isto é, sem nenhuma relação com Roma ou
mesmo sem nenhuma relação com outras Igrejas nos outros países,
mesmo sendo do mesmo tipo.

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[08]

1 PESSUPOSTOS PARA UMA IGREJA LOCAL


O tema de Pressupostos para uma Igreja Local pretende mostrar os elementos
fundadores de uma Igreja num lugar concreto. Assim, o tema leva-nos lá onde a idéia ou a
palavra vaga de "Igreja Local" lança raízes para se tornar uma realidade viva e testemunha
de Jesus Cristo e da sua Palavra, através da qual ela mesma vive.

Mostrar tais elementos fundadores e as suas respectivas funções não é tarefa fácil,
porque as coisas não se deixam ver claramente e é preciso tocar nas pessoas e colocar-lhes
no lugar que é o delas e lembrar-lhes as suas funções (tarefas) Tudo isto não é fácil: dispor
pessoas, idéias e coisas, devido à complexidade do real (maneiras de ver, sentir e pensar de
pessoas, que Deus fê-las diferentes),

Mas, entrando no assunto, o Concílio do Vaticano II vem ao nosso encontro e indica-


nos o caminho para encontrar aquilo de que estamos à procura, quando diz:

"A obra de implantação da Igreja, num determinado


agrupamento humano, atinge, em certa medida, o seu termo,
quando a comunidade dos fiéis, enraizada já na vida social e
adaptada a cultura local, goza de alguma estabilidade e firmeza:
com recursos próprios, ainda que insuficientes, de clero local, de
religiosos e leigos; possui ministérios e instituições necessárias
para viver e desenvolver a vida do povo de Deus, sob a
orientação do próprio Bispo".1

Nesta pequena passagem temos os Pressupostos, os requisitos, o "material “para uma


Igreja Local, pressupostos tão essenciais que sem eles seria enganador falar-se em Igreja
Local. Tais elementos são: [09]

a) Meios humanos: Constituídos pelos leigos, religiosos, sacerdotes e o Bispo, se for


uma diocese, ou Bispos, se for uma nação. Pessoas estas saídas desse meio, isto
é, filhos dessa terra.

b) Um contexto social: Aquelas pessoas devem viver o Evangelho inseridos no


contexto social que é o delas e segundo a cultura da sua terra e por ela se deixarem
identificar.

1
Vaticano II - Ad gentes – n° 19

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Adriano langa ofm A Igreja Local

c) Exercício de Ministérios: E necessário que haja ou que estejam em exercício os


ministérios que façam viver a comunidade dos fiéis.

d) Meios materiais: É necessário que haja e estejam em funcionamento instituições


e infra-estruturas materiais e haja meios financeiros.

Se fosse uma questão de uma lista do "material" para uma Igreja Local, seria esta e a
questão estaria encerrada. Mas não. Há muita coisa desta “lista" que exige um
aprofundamento. É o que vamos tentar fazer, embora sem a pretensão de dizer tudo sobre um
tema tão vasto e merecedor de debates, o que exige tempo e espaço, de que nós não dispomos
o suficiente.

Certamente que o Concílio não se esqueceu da graça de Deus, do Espírito Santo, de


Jesus Cristo e da sua Palavra e outras coisas mais para pôr na "lista" para que esta seja
completa e a Igreja perfeita... O Concílio tem uma preocupação bem determinada: indicar os
elementos essenciais e indispensáveis na fundação e consolidação da Igreja dentro de um
povo concreto de tal maneira que se possa dizer que naquele povo X a Igreja está implantada
de uma forma firme e segura, humanamente falando.

[10] O elemento humano

A exigência maior para que uma Igreja seja realmente local são as pessoas que a
constituem. Por outras palavras, a maior exigência recai sobre a origem de tais pessoas. Já
vimos que este elemento humano e composto de três categorias de pessoas, porque também
são três as "colunas” que constituem e sobre as quais está assente a Igreja, Povo de Deus e
Corpo MISTICO de Cristo: o Laicado, a Vida Consagrada e o Sacerdócio (este inclui o
presbitério (padres) e o episcopado). Neste primeiro capítulo iremos reflectir sobre este
elemento humano.

1. Os fieis leigos.
Estes são a base, a verdadeira Igreja, o povo de Deus por excelência, base de uma
verdadeira Igreja Local e razão de ser das outras partes constituintes do elemento humano.

Só temos uma Igreja Local lá onde a comunidade dos fiéis é constituída por cristãos
nativos, assumindo os valores culturais dessa terra e por eles se deixarem identificar, como
já se disse.

Mas isto não passa sem ferir algumas sensibilidades, fazendo com que algumas
pessoas se sintam marginalizadas, desprezadas; sobretudo aquelas pessoas que tendo nascido
num determinado lugar ou mesmo tendo nascido em outro sítio para um novo lugar foram

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Adriano langa ofm A Igreja Local

viver e aí deram e estão dando o melhor de si. Haverá ou não razão e lugar para este
sentimento?

Achamos que tal sentimento (de marginalização) é sobretudo, conseqüência da


maneira como a questão e entendida e vista e da emoção que muitas vezes a acompanha.
Dizer que sou a "pedra" essencial desta ou daquela Igreja Local não ê o mesmo que dizer que
eu é que sou bom e melhor nem quer dizer que o meu trabalho e que é válido [11] e que o
outro (o estrangeiro) é mau ou de segunda categoria e o seu trabalho inválido ou de pouca
importância. Isto seria caricaturar um assunto sério, tornando-o fonte de sentimentos
mesquinhos, sem razão de ser. Aqui trata-se, sim, de uma questão de representatividade e de
promessa. O que isto quer dizer? Ora vejamos.

2. A representatividade.
Eu represento os antepassados fundadores deste Povo e desta cultura africana-
moçambicana de maneira que eles reconhecem em mim o seu descendente-continuador,
porque eles encontram nas minhas veias o seu sangue a correr e descobrem em mim os traços
da sua maneira de ser e estar (cultura). Deste modo, eles sentem- se viver em mim. Isto, é
verdade ou mentira? Haverá nisto algum desprezo a alguém? Estou convencido que é verdade
e não encontro nenhuma maldade. É verdade para mim, aqui e agora, como o é em relação
ao índio lá na Amazônia, que se eu for lá negar esta verdade estarei a ser grosseiro e estarei
sendo vítima de um mal superior às minhas forças. Mas continuemos.

Ora se estou assim identificado com esses antepassados, o baptizar-me significa


"baptizar" a eles também-; porque eu conheço a língua deles para lhes "explicar" esta coisa
da fé em Jesus Cristo, com o qual ao compromete-me também a eles os comprometi! Por
isso, eu tenho de "prestar contas" diante deles...

Sendo assim, com a fé em Jesus Cristo de um filho de Moçambique e em terra


moçambicana acontece uma novidade, porque alguém cujos avós, e até pais, viu-os ele uns
sem unhas nos dedos dos pés e outros coxos, em conseqüência das fugas às rusgas, e lutas
com os brancos que queriam apanhar-lhes e baptizar!

Sempre será novidade e será importante a fé e o baptismo de um filho desta terra


porque tal significará a continuidade e confirmação dessa fé nesta terra, que resistiu a ela, até
pelas armas.

[12] Já não acontece o mesmo com a fé e com o baptismo nesta terra moçambicana,
de um francês, um inglês, um espanhol... Com estes a fé e o baptismo, ocorridos aqui, são
fenômenos "estranhos" que acontecem aos "estranhos" na nossa terra!" MASINGITA"
(agouro ou profecia negra)! Ora, se é "MASINGITA" não nos interessa presenciar tal coisa,
pois, superstição por superstição preferimos a nossa e temo-la que basta!
10
Adriano langa ofm A Igreja Local

Mas lá na terra deles sim, aqueles fenômenos têm muito significado também: Na
França, a fé e o baptismo de um francês significa que a fé em Jesus Cristo continua naquela
terra, porque um descendente dos celtas, dos lígures, dos gregos, dos francos acredita e é
batizado para continuar aquela fé que ali começou a ser uma realidade mais evidente com
Clovis! Na Espanha acontece a mesma novidade sempre que um espanhol adere a Cristo ele
como descendente dos celtas, dos iberos, dos alanos, dos cartaginenses e outros antepassados;
continua a fé que se tornou sinal evidente em Afonso, o católico. Na Inglaterra o batismo e a
fé de um inglês significa que, os anglos e os saxões ainda não perderam a fé semeada por
Santo Agostinho, o monge, e por Teodoro de Tarso entre soldados de Guilherme da
Normandia. Assim, em cada terra e em cada raça ou tribo, a fé e o baptismo ganham um
significado particular e insubstituível, porque significam o encontro ou a perpetuação de
Cristo com tal gente.

3. A Promessa.
Eu sou a promessa mais provável e segura da continuidade da fé e da geração dos
crentes e discípulos de Jesus Cristo nesta terra. Posso ser tomado pelo espirito de aventura
ou ser impelido pelas necessidades e imperativos da existência e ir parar na Ucrânia ou na
Cochinchina mas no dia em que a nostalgia da terra e dos antepassados despertar eu posso
empreender' a viagem de regresso, em busca dos túmulos desses antepassados e da terra cujo
pó eles já fazem parte; ainda que seja na agonia, posso pedir aos vivos e sãos o Último favor
de remeterem os ossos ressequidos para terra donde viram a luz do sol pela [13] primeira vez.
Assim é todo o homem: com todas as incertezas que caracterizam o futuro da vida humana,
ele é a esperança mais provável e segura da sua própria terra, como lugar dos seus
antepassados, mesmo que desconhecidos do próprio! ...

4. Um pouco da Historia
A História do cristianismo em África, só para tomarmos este exemplo, ajudou muito
à Igreja e ajuda-nos a nós também a entender a questão da implantação e consolidação de
uma Igreja em contextos sociais e à problemática dos componentes humanos da mesma
Igreja.

O Norte do nosso Continente conheceu uma forte vitalidade do cristianismo para


invejar: comunidades florescentes e dinâmicas, a ponto de ser o berço do monarquismo
(=forma primitiva da vida consagrada) e produziu santos de renome universal, tais como
Santo Inácio de Antioquia (+107) j Santo Antão, o Abade (250- 356); S. Cirilo de Alexandria
(444); Santo Agostinho, o Bispo, só para citar alguns exemplos mais salientes.

Mas hoje, o cristianismo desapareceu literalmente na África do Norte. Porquê?


Devido a muita coisa certamente. Mas entre essa muita coisa está o facto de a maioria dos
cristãos que militavam e formavam aquelas comunidades eram colonos romanos ou filhos de
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Adriano langa ofm A Igreja Local

colonos, mesmo se nascidos naquela região da África. Portanto, podemos dizer que estava
ali uma Igreja "transplantada" ou “importada".

Mas o que aconteceu depois? Quando vieram as dificuldades, sobretudo de carácter


político, tais como a queda do Império Romano, a verdade apareceu, cru a e nua: Quase tudo
fugiu e alguns corajosos foram obrigados a sair e uma parte aceitou morrer. Forçado ou não,
a verdade é que quem não era dali e se tinha onde se refugiar saiu. Então viu-se que de
verdade e na realidade ali nunca houvera uma verdadeira [14] e autentica Igreja Local, porque
o elemento humano não sendo dali, tal Igreja não estava realmente implantada e muito menos
consolidada.2

Alguém necessita que se lhe conte a história do Moçambique cristão, história essa
ainda fumegante? O que se está passando, agora mesmo que estou escrevendo estas linhas,
no Zaire e na Somália? Há problemas e os aviões estão fazendo pontes aéreas para evacuar
os estrangeiros, queiram ou não: os seus governos assim querem. Nestes momentos até se
recorre à 7ª, 10° e mais gerações para um indivíduo provar que ele não é dali, para poder
partir... para a terra dos seus antepassados que, às vezes, nunca lá esteve! Mas está certo.

5. Sem juízo.
Não se trata aqui de julgar seja quem for mas sim reconhecer a verdade e aceitá-la
onde e quando ela se apresentar, para construirmos na verdade. Se eu me encontrasse na
Rússia em 19l7; se eu me encontrasse na Nicarágua no tempo aceso dos sandinistas e se eu
estivesse agora na Somália ou no Burundi comportar-me-ia da mesma e, ate, quem sabe, se
não seria da pior maneira? Voltaria à pátria e os donos da terra ficariam a cantar com são
Pedro: "a quem iremos, Senhor, só vós tendes palavra da Vida eterna"...

Mas, então, devo aceitar o meu carácter incerto na Rússia, me El Salvador, na Somália
e no Burundi, onde por um feliz acaso resido. Ora, a Igreja, experimentada que ela é, não
quer fundar-se em "acasos" que podem tornar-se casos.

6. Inserção e representatividade.
Eu pertenço à Igreja do Burundi, onde resido e construo a minha vida, mas até um
certo garu: não no grau da representatividade. Inserção e uma coisa e representatividade é
outra. Esta última exige certo grau de pertença. Que a pertença conheça muitos graus não
devi a espantar A ninguém:

Basta nos lembrarmos daquele outro grau de pertença de que todo o cristão usufrui e
que lhe advém da universidade da Igreja e que permite a cada um de nós "sentir-se em casa"

2
Sínodo Africano – Lineamento – Cap. 1

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Adriano langa ofm A Igreja Local

em qualquer parte do mundo católico onde quer que ele se apresente. É uma das formas de
pertencer à Igreja.

7. Os Religiosos e Bispo.
A reflexão dos parágrafos anteriores, de 1 a 6, é válida para o caso dos religiosos,
sacerdotes e dos Bispos. Mas deixemos de parte, para depois, os sacerdotes e tomemos os
outros dois grupos: o dos religiosos e o dos bispos.

a) Os Religiosos.
Os religiosos saídos de uma determinada Igreja Local são um dos sinais de um certo
grau de maturidade espiritual de uma tal Igreja. Com efeito, a compreensão e a aceitação da
Vida Consagrada por um povo exige uma maior compreensão e vivência do Evangelho, tanto
pelo lado do próprio religioso (a pessoa que opta) como do lado, da sua Igreja / Comunidade.
Sim, não basta que numa Igreja Local haja numerosos cristãos fervorosos para saírem de lá
religiosos. Tomando o exemplo de uma arvore: diríamos que não basta o tamanho de uma
planta para ela dar flores e frutos mas interessa e conta mais a idade da planta.

Mais adiante voltaremos a este assunto da Vida Consagrada. Por agora e para terminar
esta alínea diremos aos Institutos religiosos o seguinte: assim como a consolidação de uma
Igreja num determinado lugar exige que haja cristãos, religiosos, sacerdotes e Bispos saídos
do povo desse lugar, assim também a consolidação de um Instituto religioso num dado
contexto humano, exige que tal instituição seja assumida pelos religiosos membros desse
contexto, isto é, que haja religiosos saídos desse povo, filhos dessa terra.

[16] b) Os Bispo.
De igual modo, os Bispos saídos de uma determinada Igreja Local são um outro sinal
de crescimento e emancipação de uma tal Igreja. Já que o serviço de um bispo numa Igreja
Local é governar essa mesma Igreja / Comunidade, de modo que ela possa viver e caminhar
segundo um rumo e ritmo próprios dela; isto significa que o ela ter estes membros (bispos)
ela já conhece o caminho e, por isso, ela pode-se orientar por si mesma.3

Sendo assim, é decisivo para uma Igreja Local ter ou não ter Bispos saídos de si
mesma, já que nesse governar e orientar depende a qualidade de vida de uma Igreja /
Comunidade.

8. Os Sacerdotes.
É necessário, portanto, que os membros de uma Igreja sejam da própria terra. Este
imperativo torna-se ainda mais agudo e grave quando se trata de sacerdotes, dada a s~ a

3
Cr. João Paulo II – Discurso aos Bispos de Moçambique -1988, 1-2

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importância na vida da Igreja que eles servem, de tal modo que podemos dizer que eles são
o coração deste Corpo e isto por duas razões:

8.1. Os Sacramentos.
O Sacerdote é o presidente ordinário dos Sacramentos, isto é, ele é o presidente
normal dos Sacramentos. Estes estão nas suas mãos. O Bispo e, na pratica, um presidente
extraordinário daqueles sinais sensíveis, embora, juridicamente (segundo a Lei) ele seja o
primeiro Pároco. Na verdade, quantos cristão foram baptizados, pelo Bispo? Poucos. Quantos
cristão receberam ou recebem a Comunhão ou se confessam ao Bispo? Poucos e poucas
vezes. Quais e quantos crentes receberam a Santa Unção das mãos do Bispo? Assim o
Matrimônio. Mesmo tomando os Sacramento: da Confirmação e da Ordem: podemos dizer
que o Bispo só passa por onde passou d sacerdote. Este pode passar por toda a parte, pois,
ele pode crismar (com a licença do Bispo, é verdade, mas pode) e pode ordenar presbíteros
(sacerdotes) também com a devida licença e em casos muito especiais.

[17]. Com isto não pretendemos dizer que o sacerdote é o melhor ou maior que o
Bispo nem que este é dispensável. NÃO. Uma Igreja sem Bispo não é Igreja ou, pelo me nos,
não é uma Igreja normal, porque lhe faltaria um membro importante: a cabeça e centro de
unidade.

O sacerdote é importante no seu lugar e pela função (serviço) que ele desempenha
nesse lugar e não em competição com quer que seja. A vida da Igreja é varia da, tem diversos
aspectos e dentro dela realizam-se muitas funções, mas todas elas pretendem levar os fiéis a
viverem a Vida de Cristo e no centro dessa Vida estão os Sacramentos. Portanto, o sacerdote
actua no centro dessa Vida, através dos Sacramentos, além doutros meios, como veremos
logo a seguir.

Observação: Falando assim, não nos esquecemos do leigo que também é ministro dos
Sacramentos (alguns) e não negamos o seu real valor e importância nesse exercício. Mas ele
é ministro extraordinário, enquanto que aqui vemos os personagens nas suas funções e nos
seus lugares normais~ ordinários.

8.2. Sacerdote e a fisionomia de uma Igreja / Comunidade.


Pelo trabalho que o sacerdote realiza junto dos fiéis ele toca a alma e o coração dos
mesmos fiéis. Sendo assim, a sua acção é decisiva para o comportamento de cada crente em
particular e de toda uma Comunidade junta. Por isso o sacerdote é comparável ao oleiro
(pessoa que trabalha com o barro para fabricar objectos): do sacerdote depende a fisionomia,
a "cara" de uma Comunidade e de cada cristão que ele serve.

Mais uma vez lembramos o trabalho do Leigo na assistência às


Comunidades, mas, aqui, estamos falando do sacerdote!
14
Adriano langa ofm A Igreja Local

Pois bem, um membro assim tão importante é necessário que se identifique com o
povo que ele vai servir [18] e não há quem se identifique melhor que um filho desse mesmo
povo. Senão, mesmo sem o saber nem querer, pode fazer de uma Comunidade de Marrupa
uma comunidade de canadianos, pelo seu comportamento, se o sacerdote for canadiano; ele
pode fazer da Comunidade de Chicualacuala uma Comunidade de australianos, pelo seu
comportamento, se o sacerdote assistente for australiano. Ora é precisamente isto que se quer
evitar e levou a Congregação para a Evangelização dos povos (Propaganda Fide) a
recomendar, em 1659 (há mais de 300 anos, já!!):

"Não ponham nenhum zelo, não avancem nenhum argumento para


convencer esses povos a mudar os seus ritos, os seus costumes, os seus
hábitos, que não sejam evidentemente contrários a religião e moral.
O que é mais absurdo que transportar a Franca, a Espanha, a Itália
ou outro pais da Europa para entre os chineses?".4

8 .3. É também questão da eficácia.


O ser da mesma terra dos fiéis que o sacerdote ou outro agente pastoral serve e coisa
importante e vantajosa, tendo em conta a capacidade de convencer às pessoas a quem se
evangeliza ou se pretende servir. Para já está o facto de poder penetrar com maior facilidade
e profundidade nos corações das pessoas. Mesmo conhecendo a língua e os costumes, um
missionário devia ter humildade e consciência e reconhecer que muita coisa lhe escapa e
ignora, apesar de tudo, porque uma cultura (modo de vida) é coisa complexa, como sabemos,
e, por isso, diz com vigor o Padre Henry:

"De igual modo, c.om toda a sua boa vontade, os missionários não
inventario em si mesmos uma cultura crista africana, ou indiana, ou
chinesa ou outra; a menos que tenham sido tão assimiladas por estes
países – o que é raro, difícil e longo."5

[19] "raro, difícil e longo... ", quais setenta vezes sete! .

Pior ainda se é preciso utilizar intérprete, mesmo se este seja de uma fidelidade de
uma máquina, é sempre uma limitação, que nos lembra alguém que agarra coisas com as
luvas ou vê-las através de um vidro! Por isso o Papa Pio XI dizia na sua Encíclica missionária:
.

4
Mosmans, G – L’Eglise a l’heur d’Afrique – Tournai, Casterman, 1961
5
Henry, A M – Esquisse d’une Theólogie de la Mission – Paris, 1959

15
Adriano langa ofm A Igreja Local

"Mais há mais: estes padres indígenas conseguirão perfeitamente, e


para além de todas as esperanças, estender o reino de Cristo” Com
efeito, o padre indígena – para servir-nos das palavras do nosso
predecessor – por seu nascimento, o seu ideal, não faz senão um só
com os seus compatriotas; ele é admiravelmente qualificado para
fazer penetrar a fé nos espíritos muito melhor que qualquer outro,
ele sabe escolher os médios de forçar a porta dos seus corações."6

Conclusão tirada da experiência e da constatação da natureza das coisas e não da


vontade do homem: é a natureza: é assim para quem veio para cá, seria assim se eu fosse para
qualquer parte, fora daqui! ...

Cremos que com o que se disse está suficiente ¬mente patente a importância do
sacerdote (ou outro a ¬gente pastoral) saído da própria terra.

2. DIOCESANOS E RELIGIOSOS
09. O clero diocesano e o religioso.
Certamente que os cristãos de Moçambique vão se apercebendo, e hão de
apercebecer-se ainda melhor no futuro, que há diferenças entre os sacerdotes e irmãs. Mas
como?! Sim, há diferenças, mas não oposição!! Na tentativa de compreendermos isto,
tomemos este exemplo:

Na Província de lnhambane existem os vatswa são uma~ tribo (povo): existem os


xopes, são também uma tribo; existem os bitongas, outra tribo. Muitos grupos (tribos) mas
todos eles são inhambanenses. Entre eles não há inhambanenses de l°, 2° ou 3ª. Todos eles
são inhamhanenses, de igual modo! ...

[20]. Tomemos à parte a tribo xope.

Entre estes existem também grupos, chamados clãs (=grandes famílias alargadas): é
o caso dos Nyalivilos; os Nkumbes; os Nkandes; os Mavulules, etc, etc. Todos estes são, de
igual modo, isto é, sem diferenças de valor, xopes e inhambanenses.

Isto significa que naquela Província existem pequenos e grandes grupos de


inhambanenses, todos eles da 1° classe! ...

6
Pio XI – Rerum Ecclesia - 1926

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Adriano langa ofm A Igreja Local

É o que acontece na nossa Igreja Católica: nela existem pequenos e grandes grupos
entre sacerdotes, ir entre irmãos e entre irmãs.

1° Entre sacerdotes: Há sacerdotes diocesanos e sacerdotes religiosos.


2° Entre irmãs: Há irmãs diocesanas e irmãs não diocesanas.

Estes são os dois grandes grupos que encontramos entre sacerdotes e entre as irmãs

9.1 – Sacerdotes diocesanos


Entre o povo estes são conhecidos mais por pa~e.6 .6e~ul~e.6. O que são, então, os
padres diocesanos ou seculares? Muitas vezes para explicar o que é um padre diocesano ou
secular costuma dizer-se: “padre diocesano é aquele que depende do Bispo"... Esta é uma
explicação incompleta, para não dizer que é imperfeita, e isto porque, no fim de contas o
sacerdote religioso deve depender também do Bispo, quando ele faz o serviço de padre e, de
facto depende, senão o que ele faz seria inválido, por exemplo, os matrimônios que ele
testemunhasse seria inválido. O exercício do sacerdócio está muito relacionado com o
episcopado.

[21]. Outros dizem, para explicar o que é um padre diocesano: "um padre diocesano
é aquele que não pertence a nenhuma ordem religiosa e, portanto, não faz votos."

Dizer desta maneira é já alguma coisa, mas continua-se a não se saber o que realmente
é um sacerdote diocesano. Fica-se a saber o que ele não faz e a que ele não pertence: Não
pertence a nenhuma Ordem Religiosa e não faz votos...

Pior fica quando se diz: "Sacerdote diocesano e aquele que não pode ser transferido
de uma Paróquia para outra ou de uma Diocese para outra".

Devia procurar-se evitar esta explicação, se não queremos abrir um buraco para nele
virmos a cair num amanhã o muito próximo.

Isto significa que temos de encontrar uma explicação mais satisfatória, mais teológica
e clara e nela formar sãmente os fiéis e não compreender o sacerdote diocesano (e a irmã
diocesana também) a partir de oposições que correm o risco de criar mal-entendidos perigo
sós nos fiéis e nos próprios sacerdotes e irmãs, diocesanos ou não-diocesanos. Todos teriamos
uma pesadíssima factura a pagar ...

Enquanto se espera de uma explicação ou compreensão razoável ou correcta, vamos


entendo o sacerdote diocesano a partir do seu "carisma" (o nosso desejo é de eliminar as
vírgulas na palavra Carisma porque, de facto, o sacerdote diocesano deve ter um Carisma
próprio, sob o risco de ele ser um desoriertado por toda a vida!).
17
Adriano langa ofm A Igreja Local

Então poderíamos ir entendendo e compreendendo um sacerdote diocesano como


sendo:
Aquele cujo Carisma é servir os fiéis, individual e comunitariamente
(cada crente e em comunidade) no meio onde eles vivem e trabalham e
colaborar mais de perto com o bispo na organização da vida e da Cúria
diocesanas, [22] "no meco onde eles vivem e trabalham”...

Quer dizer acompanhar os fiéis onde quer que estejam por circunstâncias da vida. É
esta característica que deu aos sacerdotes diocesanos o nome de "Padres seculares”, porque
os cristãos leigos vivem no século, isto é, no Mundo. O sacerdote diocesano deve estar aí
também, para servir estes cristãos metidos no Mundo. Ele está onde está o cristão. Daí
também as expressões como estas: “estar ao serviço da Igreja 24/24 horas"; "estar ao serviço
da Igreja a tempo pleno". São frases ou expressões que exigem explicação e
aprofundamento, se não queremos ficar à superfície das coisas e correr riscos, que esta
situação de superficialidade representa.

9.1.1. Olhando um pouco de perto.


Vimos atrás que o sacerdote diocesano era conhecido tradicionalmente pelo nome de
"secular" e isto porque vive ou deve viver no mundo, lá onde os seus cristãos vivem e
constroem a sua existência: é o mundo. Por causa desta sua missão ou vocação, o sacerdote
diocesano está sujeito a não viver em comunidade, com os outros colegas como ele. Sendo
assim, as expressões ou frases como as que vimos há pouco significam e escondem uma cruz
para o diocesano, uma cruz que se concretiza na solidão e no desamparo, muitas vezes.

18
Adriano langa ofm A Igreja Local

a) A solidão.
Se o diocesano, pelo seu carisma, está lá onde estão os seus cristãos, isto significa, no
fundo e como conseqüência, uma certa solidão que, não poucas vezes, chega a ser dolorosa:
ele é um solitário, no meio de muita gente que o estima! .... Na verdade, ele é pai e amigo de
todos, mas esses são diferentes dele, como Adão no paraíso.

Esta solidão e esta diferença fazem sentir mais o seu peso quando, no fim do dia ele
entra na sua casa silenciosa, onde se encontra só ou ele encontra as pessoas da sua família de
sangue ou que ele bondosamente acolheu, por urna razão ou outra. Mas estas pessoas
continuam sendo diferentes dele: ele é sacerdote e as tais pessoas não! [23] pessoas são leigas.

Ele vive as preocupações, as alegrias e dores do seu ministério que só dá partilhar


com - quem experimenta também estas realidades da vida. As pessoas que ele encontra em
sua casa são como aquelas que ele deixou lá por onde passou durante o dia do seu trabalho
apostólico: estas, também, acompanham-no e partilham com ele, mas só até um certo nível,
permanecendo sozinho no resto... Mas Cristo fez a mesma experiência aqui no mundo, entre
os homens...

Felizmente, ao longo da história da Igreja, esforços têm sido feitos no sentido de os


sacerdotes diocesanos viverem em comunidades, não só para se ajudarem no trabalho, mas,
também, para um mútuo apoio espiritual e moral, tão indispensável. Infelizmente, o número
ou outras poucas causas não tem favorecido e é freqüentíssimo ver um sacerdote vivendo
sozinho. Para o cúmulo, já se tornou “normal" ver um sacerdote religioso a viver sozinho,
porque não se consegue arranjar-se-lhe um companheiro.

Mas a vida em comunidade exige uma preparação própria. Não basta solidão que
possa sentir para se dizer que se está apto para viver em comunidade. Senão essa companhia
pode tornar-se um sério obstáculo em todos os sentidos. Viver em comunidade não é só juntar
pessoas debaixo de um mesmo texto; não é só comer juntos e, em última análise, não é só
rezar juntos.

É necessária uma preparação e o tempo ideal para esta preparação à vida comunitária
é o tempo da formação inicial, senão, seria tarde.

b) O desamparo.
A subsistência do sacerdote diocesano é problema em todo o mundo. Esta é a
realidade. Muitos colóquios e congressos sobre este assunto têm-se realizado por toda a parte.
A coisa torna-se dramática com a velhice ou doença que imobilizam, tornando a pessoa
inactiva. Mesmo para aqueles que deram generosamente toda a sua força e que, portanto,
granjearam muita estima junto de um povo [24] bem concreto, acabam sendo esquecidos por
esses que beneficiaram da sua actividade apostólica e até social e acabam sendo
desconhecidos pelas novas gerações! Isto acontece também com os Bispos já reformados,
sobretudo aqueles que não pertencem a nenhum Instituto religioso (diocesanos, porque antes
eram sacerdotes diocesanos).

19
Adriano langa ofm A Igreja Local

Diremos que isto segue a lógica das coisas, porque ninguém é eterno e, portanto, tarde
ou cedo todos caímos no esquecimento e no anonimato. Seja normal ou não, uma coisa é
certa e real: é duro, porque alguém deixou voluntariamente de constituir um lar e de gerar
filhos, que talvez lhe assegurariam uma velhice serena e dedicou todas as suas energias a
favor de alguém (um povo). Isto não significa, de maneira nenhuma, um arrependimento por
parte do sacerdote ou do bispo reformados, pois, eles puseram no Senhor a sua esperança e
não nos homens.... Aqui trata-se de reconhecer um facto, uma realidade, que é dura senti-la
na carne.

Qualquer apóstolo celibatário experimenta isto, com muita ou pouca intensidade,


como é o caso do sacerdote ou Bispo religiosos, pois, atrás deles está uma Congregação
pronta a recolher o seu membro já inactivo e dar-lhe a necessária assistência, segundo as suas
possibilidades, salvo algumas excepçoes, que podem ser explicadas. Aqui falamos também
do Bispo reformado, porque uma vez reformado ele recolhe, normalmente, à sua
Congregação, ou simplesmente fica reformado (se for diocesano).

Não é possível evitar totalmente esta cruz do apóstolo, até porque ela foi e é
continuamente assumida livre e conscientemente. De resto, Cristo está lá, no fim da
caminhada, à espera do Seu servidor, como o Pai eterno esteve no Calvário à espera e com o
Seu Filho e Servo sofredor. Não foi possível afastar o cálice, foi preciso que Ele o bebesse
até à Última gota, como condição de Ele permanecer Filho obediente e predilecto do Pai.
Como dissemos há pouco, esta solidão é uma cruz própria de um apóstolo, no fim de contas
e no fundo, em graus diferentes, como dissemos.

[25]. Por isso, esta cruz não deve assustar o jovem vocacionado ao sacerdócio
(diocesano); uma cruz que é, provavelmente, mais pesada para o diocesano, mas que, no
fundo, é urna cruz própria e particular de todo o apóstolo celibatário. É necessário frisar isto,
para evitar exageros que imobilizam (o religioso apóstolo que recolhe ao convento depois de
dezenas de anos em apostolado dificilmente se adapta ao seu antigo convento e seu antigo
estilo de vida).

Portanto, é uma cruz que deve ser assumida constantemente e com maturidade, por
alguém que compreendeu o alcance de um chamamento divino. Desviar-se só por me do
desta cruz da solidão, da pobreza e abandono é sinal de que aí não há uma verdadeira vocação,
mas uma busca doutras coisas que não são de Deus, mas sim dos homens e do mundo! ...

[26] 9.1.2. A visão actualizada do sacerdote diocesano.


Tudo quanto dissemos e da maneira como o dissemos corresponde a uma visão do
sacerdote diocesano, que é a visão mais difundida, queiramos ou não. Essa visão está hoje
ultrapassada, no entanto, achamos bom e necessário fazer esta abordagem, porque, como
dissemos, é a visão ainda mais dominante, não só nas demais pessoas, mas mesmo numa
larga camada de religiosos e de sacerdotes diocesanos...

A neva visão diz mais respeito ao modo de vida do sacerdote. De facto, é antiquada a
idéia de que o sacerdote diocesano é aquele que vive sozinho, que não vive em Comunidade,
portanto, um solitário, entregue a si mesmo.

20
Adriano langa ofm A Igreja Local

Justamente pelas causas já apontadas atrás como sendo dificuldades, a experiência


secular ensinou à Igreja Local que o sacerdote diocesano não deve ser assim, porque fica
exposto a fracassos e riscos de todo o tipo. Aliás parece que quando recuamos no tempo
encontramos Comunidades de sacerdotes, sem que sejam de uma Congregação religiosa
como tantas outras existentes nesse tempo. Isto prova que a experiência muito cedo mostrou
que um sacerdote diocesano não pode ser um solitário, que seria contra a natureza das coisas,
pois, o ser humano está feito para a comunhão, para a partilha e convivência, sem as quais
ele fica truncado, ora, o sacerdote diocesano é, antes de tudo, um ser humano como os demais
homens. O facto de umas pessoas terem um mesmo ideal e as mesmas preocupações de vida
deveria facilitar tal comunhão, tal partilha e convivência. Daí que sejam aconselháveis
comunidades de sacerdotes diocesanos. Isto não significa que sejam absolutamente
impossíveis comunidades mistas, isto é1de diocesanos e religiosos, até porque há exemplos,
embora raros e seja difícil de o conseguir, com o êxito que seria de desejar.

[27]. Não sendo impossível é de promover esta comunhão, mesmo reconhecendo os


limites.

9.3. Uma actitude que é de rever.


Que muitos compreendem o sacerdote diocesano como um ser solitário encontra
confirmação na atitude prática, infelizmente ainda muito freqüente sobretudo nas
Congregações religiosas, mas mesmos no próprio pessoal diocesano, Bispos incluí dos, para
não dizer nos Seminaristas~ quando se trata de despedir, ou atrair um jovem em formação
numa Congregação religiosa ou, se fôr o próprio, quando tenta justificar o seu plano de mudar
de opção vocacional. Qual é essa atitude prática? Acontece muitas vezes que quando um
jovem em formação numa Congregação apresenta problemas de carácter (muito fechado,
agressivo, extrovertido demais, instabilidade emocional, etc) que seja incompatível com a
vida em Comunidade nós aconselhamos para ele ser diocesano. Como dissemos, este
aconselhamento pode vir de alguém não religioso, isto é, não membro de uma Congregação
religiosa (um sacerdote diocesano ou mesmo um Bispo) como também a idéia de saltar para
diocesano pode partir do próprio jovem, Verdade ou não?!

Pois bem, seja donde vier esta idéia ou opção ela é errada, para não dizer ruim. Ela
não honra a Vida sacerdotal diocesana e lança seres humanos numa e~ trada de infelicidade
mais ou menos certa e isto porque:

1° Está ultrapassada a idéia de sacerdote diocesano como um solitário, como


vimos.

2° Sacerdotes diocesanos não são nem um refugo da Vida religiosa, isto é, não
devem ser materiais rejeitado! Não devem ser uma colecção [28] de coxos!

3° Mesmo mantendo a idéia negativa de sacerdote diocesano como um solitário,


justamente por isso mesmo devemos pensar e dizer que para ser diocesano é
preciso ser-se mesmo bom! Na verdade, um religioso medíocre pode contar com
o amparo e correcção fraterna de confrades e superiores, mais do que um

21
Adriano langa ofm A Igreja Local

diocesano que vive lá no seu "buraco" que só pode contar consigo mesmo: em
termos de comportamento e de subsistência.

4° Mais negativa e ruim a idéia é se vier do próprio jovem, pois, tal significa que
ele nada fará para limar a sua personalidade agreste e corrigir os seus defeitos.

5° Seria totalmente errado resolver problemas de um mau carácter saltando da


Vida religiosa para a Vida diocesana porque mesmo sendo-se secular e não
vivendo em Comunidade, Congregação, o sacerdócio coloca o indivíduo no meio
de pessoas com quem e para quem deve trabalhar:

O Bispo, os outros sacerdotes (diocesanos e religiosos) e a Comunidade


paroquial. O Jovem intratável e difícil fugiu da Comunidade-Congregação mas
ver-se-á surpreendido por se encontrar no meio da Comunidade-Igreja. Como é
que vai ser? Ou ele continuará uma fera ou um monstro que tudo devora e trucida
ou ele não terá força para ir contra tudo e contra todos e, então ele será um infeliz
por toda a vida. Mas o que significará isto na prática?

6° A experiência secular já mostrou que pastores de carácter difícil não


conseguem construir a Igreja e que está só perde com indivíduos [29] deste
calibre.

Portanto, ou um indivíduo caia em si mesmo e se convence que com o seu difícil


carácter não tem lugar no mundo dos homens ou, então, parta para o deserto ou
para a solidão da floresta.

9.4. Necessidade e importância da formação.


Atrás dissemos que o viver em Comunidade exige uma preparação dos indivíduos.
Ora, se o diocesano deve viver também em Comunidade, com os outros diocesanos e con-
viver com a Comunidade - Igreja isto significa que ele deve ser preparado para tal, aspecto
que deve ser tomado em conta na sua preparação ministerial, pois, só o facto de ele viver em
grupo no Seminário não basta para torná-lo apto à convivência harmoniosa.

Não é possível descrever aqui e agora está formação. Apenas assinalamos a sua
necessidade. Ela não deve ser entendida como uma questão acadêmica, como uma questão
de conhecimentos abstractos e teóricos, sobre a Comunidade ou vida em comunidade. Certo
é que a teoria é necessária. A formação de que aqui se trata é mais uma questão de
INICIACÃO.

Assim, desde o dia em que se lhe abriram as portas do Seminario, para ele ai entrar,
o Seminarista diocesano deve deixar de sonhar com uma vida independente, na qual ele
ponha e disponha como entender a sua vida. Ele deve contar sempre com mais alguém ao seu
lado, que via-lhe exigir o tempo e espaço no dia-a-dia. O Seminario passa, assim, a ser uma
escola de iniciação pratica. Assim, deixa de ter lugar aquela sede e impaciência e sede de se
ver "livre" de uma companhia que perturba as iniciativas pessoais, pois, não posso sempre
leva-las a cabo sem dar satisfação a quem vive comigo!

22
Adriano langa ofm A Igreja Local

[30] 10. O Sacerdote religioso.


O que é um sacerdote religioso? Num padre deste tipo há distinguir duas coisas que
estão unidas, mas distintas: a consagração religiosa e o sacerdócio. Ele é religioso e é padre.
O que vai em primeiro lugar é a sua consagração religiosa e, depois vem a seu sacerdócio.
Deste modo podemos compreender o religioso como:

Uma pessoa cuja preocupação primeira é viver a vida consagrada, que


se exprime pela aceitação e vivencia dos Conselhos evangélicos de
pobreza voluntaria, obediência e castidade e ainda pela observância
de uma Regra, que é uma norma colectiva de vida e segundo um
carisma,

Portanto e mais uma vez, a primeira preocupação e a primeira obrigação de um


religioso, sacerdote o não, é a vivencia de sua consagração: viver na obediência, na pobreza
voluntaria, na castidade, observar certas normas de vida e manifestar um carisma comum, da
Congregação.

Uma das exigências de uma Regra de uma Congregação religiosa é de viver em


comunidade. Isto limita, tira a liberdade ao religioso, porque, em rigor e em princípio ele não
pode ir nem estar onde lhe apetecer, mesmo que seja ao serviço das almas. Na verdade, ele
não deve viver sozinho, nem com outras pessoas que não sejam religiosos da mesma
Congregação que a sua, nem deve viver fora do Convento (note-se que uma paróquia não é
um convento!). Tudo isto torna o religioso menos disponível, em princípio. Estas exigências
são também válidas para os religiosos e religiosas de direito diocesano, isto é, para as
chamadas Irmãs "diocesanas" ou Irmãos “diocesanos”', se forem homens.

Nós dissemos acima que "em princípio" porque, na verdades, as Regras sempre abrem
espaços de liberdade bastantes considerável que permite ao religioso sacerdote [31] ou não -
sacerdote de se engajar no serviço dos fiéis no "século", por isso, vemos e temos muitos
religiosas e religiosas fora dos conventos, vivendo nas Paroquias, sofrendo e enfrentando
muito e duro isolamento e solidão por estarem ao serviço dos fiéis (religiosos e religiosas dos
dois tipos(de direito pontifício e direito diocesano). Isto é uma "obra de misericórdia" da
parte deles e fazem este sacrifício com alegria porque significa para eles dar a vida pelos
irmãos, pois, eles sacrificam seriamente a sua vida de consagrados e consagradas. É um
sacrifício consciente e inteiramente aceite e assumido, mas sempre é um sacrifício.

11. A problemática vocacional.


A insuficiência de sacerdotes, de religiosos e de religiosas nativos, sejam eles de direi
to diocesano ou do direito pontifício, é um facto que não precisa de argumentações para
demonstrá-lo. É um facto: Não os temos à medida das necessidades. João Paulo· II ajuda-nos
a dizer o porquê:

"Por vicissitudes históricas conhecidas, há escassez de sacerdotes


diocesanos de Moçambique. As vocações chegadas á consagração, nos
últimos tempos, são pouco numerosas. Há indícios de progresso,
graças a Deus. Sem o ministério hierárquico, os leigos, com toda a sua
23
Adriano langa ofm A Igreja Local

boa vontade, não estariam em condições de desempenhar bem a sua


função. Por isso, é de esperar e pedir ao Senhor da messe que, cada
vez mais, os Bispos e Sacerdotes moçambicanos assumam os destinos
da Igreja neste país”7

Que "vicissitudes históricas" são essas?

a) Porque o poder colonial, na sua política de ensino nunca viu bem o


desenvolvimento dos Seminários e muito se intrometeu e a hierarquia [32]
eclesiástica, incapaz, porque débil ou porque comprometi da com a política
colonial, deixou que a vontade política se impusesse e se fizesse sentir nos
destinos do ensino dos Seminários: quantas ordenações abortadas à Última hora,
para não falar de vocações inexplicavelmente perdidas ao longo das etapas, por
razões política, no fundo?!

b) Negando e desconfiando da fecundidade espiritual desta terra, acreditou-se muito


que a "Metropole" forneceria pessoal suficiente e de "confiança" para a obra da
evangelização nesta terra e negou-se que a Congregação para a Evangelização dos
Povos (Propaganda Fide) da Santa Sé, enviasse sacerdotes Fidei Donum"
(diocesanos), que teriam sido òptimos modelos junto dos jovens e entre estes
promover as vocações e a formação de sacerdotes diocesanos nativos.

c) Porque estava também a questão da mentalidade de então. Nesses tempos


recuados, antes do Vaticano II, que idéia se tinha da comunidade cristã, do padre,
do bispo, da Igreja? Tudo isto foi um peso cujas conseqüências estamos vendo e
experimentando.

12. Vicissitudes históricas.


Isto significa que perante a insuficiência dos agentes locais de evangelização estamos
diante de qualquer coisa que o passado nos legou como herança. Não é fruto de hoje. Sendo
assim, importa identificá-la com exactidão, honestidade e, sobretudo, importa dar-lhe um
remédio exacto.

A correcção dessa história, desse passado, é tarefa de todos nós. Corno é que a
fazemos? Façamo-la com decisão firme, com serenidade e lucidez, como quem quer construir
algo de duradoiro. A história, a perfeição e a solidez são inimigas da emoção, da
imparcialidade e da precipitação, mas também atropela os indolentes. Serenos e sérios na
urgência, é o que se nos pede.

[33] * Perspectivas do futuro


O que acabamos de ver é o passado e os seus frutos no presente. Fê-lo assim quem o
fez e nós não fazemos outra coisa senão constatá-lo e lamentar, no que for para o caso. Mas
o que importa e que é necessário é o que estamos fazendo e o que devemos fazer, no presente

7
Joao Paulo II – Discurso aos sacerdotes e religiosos de Moçambique - 1998

24
Adriano langa ofm A Igreja Local

e no futuro, neste campo da Formação dos agentes de evangelização locais e, particularmente


dos sacerdotes e dos (as) religiosos (as).

Importa avaliar a caminhada feita desde da I Assembléia de Pastoral (l977) para


tomarmos o pulso e projectar o futuro. Importa ver como as coisas estão sendo; que resultados
estão sendo conseguidos, sobretudo em qualidade: se satisfazem ou não e se não, que
estratégias a sugerirmo-nos a nós mesmos.

13. Diocesano ou religioso. Qual é o melhor?


Falamos aqui de sacerdotes "diocesanos”, de irmãs" diocesanas" e falamos das suas
diferenças. Já que cada tempo ou circunstância têm as suas tentações típicas, uma das
tentações do momento actual e sobre este assunto está nesta pergunta: entre o sacerdote
"diocesano" e o "religioso" qual é o melhor? Entre uma irmã "diocesana" e outra "não-
diocesana" qual é a melhor? É uma tentação e como tal é diabólica (vem do diabo) e destrói.
Se fôssemos a respondê-la diríamos que nem um nem outro é melhor nem pior; nem uma
nem outra é melhor nem pior, porque nenhum pode sem o outro e nenhuma pode sem a outra.
Ou nos convencemos disto ou a r1J.ina é certa!!

O sacerdote religioso necessita do sacerdote diocesano como modelo de virtudes


apostólicas e de zelo pelas almas. O diocesano faz ou devia fazer de todos os homens e,
particularmente, do Povo de Deus a razão da sua vida. Ele não ama só por palavras e até de
coração e alma, mas mesmo por obras; ele não só reza, mas agindo à busca das ovelhas
perdidas nas ''montanhas'', nos "precipícios" e nos "silvados" da vida cheios de espinhos. [34]
O religioso necessita desta interpelação, desta lição, porque pode despertá-lo, se for
necessário, da sua "piedosa" contemplação, onde ele corre o risco de contemplar as suas
próprias sandálias, apenas sonhando só com a sua própria santificação; ele aí corre o risco de
divagar, e acabar rezando pelas galinhas e gatinhos do convento. Não por que o rezar seja
um mal, mas, pelo contrário, por isso, o que estamos aqui dizendo não atinge a verdadeira
contemplação nem à vida contemplativa!

Do outro lado está o diocesano, que também tem lições a receber do religioso: para
se lembrar que algumas espécies de "demônios" só se expulsam pela oração e com o jejum
(cfr. Mt 17,21). O mundo que o diocesano freqüenta e está nele inserido exerce sobre ele
muita atracção e muita pressão, que ele pode acabar corrompido também, de mil e uma
maneiras. Pelas suas corridas no mundo e para o mundo, o diocesano pode tornar-se uma
"cana agitada pelo vento". Por isso, o diocesano necessita de ver o religioso mergulhado em
Deus, esquecido de si mesmo, para se tornar o “coração” e “sacerdote" do mundo, mundo
este que adora a Deus, através do religioso, como Senhor de tudo e Aquele que, realmente
converte e salva

Lembramos o que sucedeu na Idade Média, com a Igreja corrompida desde da cúpula
até à base? Foi preciso que os religiosos subissem até ao papado, até ao bispado e até à
paróquia para irem sacudir a poeira e o entulho de "moecegos" que se tinham instalado nesses
lugares e assim iniciaram a reforma e a purificação da Igreja.8

8
GELMI, Joseph – I Papi – pág. 92-94; CELANO, Tomas de I n° 165 – In fontes franciscanas

25
Adriano langa ofm A Igreja Local

Assim, no dia em que o religioso e o diocesano se perderem mutuamente de vista, um


cairá nas suas manias de santidade e o outro será a vítima da corrupção do mundo que ele
pretende converter.

Os próprios fiéis precisam destas duas figuras e no dia em que perderem uma delas a
vida tornar-se lhes á monótona, estéril e seria o fim!

26
Adriano langa ofm A Igreja Local

[35]

3. SOBRE AS RELIGIOSAS
No capítulo anterior tentamos compreender o que é um sacerdote "diocesano". Neste
capítulo vamos fazer igual esforço para compreender a pessoa da Irmã "diocesana". Achamos
que nós, Igreja de Moçambique necessitamos desta catequese porque em todas as coisas e
para todos os homens, da compreensão de uma coisa ou realidade dependem as nossas
atitudes em relação a essa coisa ou realidade.

14. Distinguir o que é difícil de distinguir.


Já vimos como não foi fácil dizer o que é um padre "diocesano" de tal maneira que
me pergunto se alguma coisa do que disse sobre o assunto teria ficado entendido... Pois bem,
garanto-vos que mais me é difícil dizer o que é uma irmã "diocesana".

Para entender esta dificuldade, estenda as suas duas mãos, diante de si "mesmo e diga-
me qual é a diferença entre os dois dedos máximos. São tão parecidos que para uma pessoa
pouco observadora diria que não há diferenças entre os dois dedos:

Iguais no comprimento, iguais nas divisões, iguais na côr, iguais na localização: cada
um e n° 3 na palma da mão, quer se comece a contar todos dedos começando pelo lado direito
ou esquerdo da palma...

Esta dificuldade em distinguir os dois dedos máximos é um pouco comparável à


dificuldade em distinguir [36] uma irmã "diocesana" e outra II não - diocesana". Esta
dificuldade e muito significativa e nos chama à atenção: Não opormos aquilo que no fundo
não é oponível!

15. Antes de tudo.


Para começar e preciso dizer claramente que uma irmã "diocesana" é uma irmã como
qualquer outra "não - diocesana". Ela não é uma super-irmã nem uma infra-irmã ou sub-irmã!
Ela é uma mulher Consagrada a Deus. Esta Consagração é a sua primeira característica que
a distingue de uma outra que não é Consagrada pela pro fissão religiosa e a identifica com
uma religiosa - "não-diocesana".

Esta consagração é a sua razão de ser, e de ser chamada "irmã”, foi por causa desta
consagração que ela deixou a sua família e renunciou fundar um lar. O seu engajamento
dentro da Igreja e dentro de uma sociedade é uma das conseqüências dessa consagração. Por
isso, se esta consagração for esquecida, se ela for relativizada por ela própria (a irmã) ou por
nós outros não estaremos longe do precipício fatal.

É como o que acontece com o baptizado, o cristão: ele é baptizado por causa dele
mesmo; por causa da sua própria salvação. Ninguém deve ser baptizado para salvar os outros,
ninguém se deve comprometer com Cristo só por causa dos outros! Primeiro está ele mesmo
e~ depois, estão os outros. Assim também a irmã "diocesana" e a outra "não-diocesana". Elas
são consagradas a Deus por causa delas mesmas e depois, e também...

27
Adriano langa ofm A Igreja Local

O que aqui se diz das irmãs também deve ser dito e com força para os sacerdotes
"diocesanos" e" não-diocesanos": Todos eles são, de igual modo, ministro do altar.

É importante este ABC, pois, somos muito [37] habilidosos em distinguir e até em
encontrar oposições onde elas não existem. Mas se chumbarmos neste A B C, amanhã
teremos uma missa melhor, uma super-missa, porque ela foi rezada por um sacerdote
"diocesano" ou porque foi rezada por um "não-diocesano"... Amanhã poderemos ter uma
catequese' estupenda, uma "super-catequese” por que foi dada por uma religiosa "não-
diocesana" ou porque foi dada por uma religiosa "diocesana". Sim, podemos chegar a esta
ridicularia porque nós somos “'formidáveis com a nossa teologia e fé capaz de transportar
montanhas. Cuidado com tal hábil gente e com tal fé tão "forte" e "esclarecida", se não
queremos ir parar nas nuvens e não na Igreja de Jesus Cristo que está na terra dos vivos!

16. E o nome?
Num outro lugar mais atrás tocamos esta questão do nome. Achamos que é oportuno
fazer-se aqui mais uma referência. A prática do dia-a-dia vai deixando sulcos nas nossas
cabeças e podemos acabar ficando aleijados para sempre.

A palavra “diocesano” não e nenhum, nem de pessoas nem de Congregações


religiosas. Basta ver, por exemplo, que há muitas Congregações "diocesanas" em
Moçambique: "Diocesanas'' de: Pemba, Lichinga, Nampula, Quelimane, Beira - Chimoio -
Tete, Xai-Xai, Maputo e até "diocesanas" do Zimbabwe...

Mas estas Congregação têm nomes próprios, nomes que não deviam figurar só nos
papéis; não deviam ser só nomes “oficiais" enquanto as respectivas pessoas (irmãs) vão
arrastando adjectivos que podem ser pejorativos. Até corre-se o risco de as próprias virem a
esquecer-se ou ignorar o nome verdadeiro da sua Congregação! Não nos admiremos se
aparecer gente com uma inteligência "comprida" e "luminosa" que nos explicam,
·rapidamente·; como um corta-mato: "Diocesanas" [38] porque foram fundadas em
Moçambique e, talvez, porque foram fundadas por Bispos negros!! Bem se entende que a
insistência sobre o uso do termo "diocesano" parece recomendada pela promoção vocacional;
para que as pessoas conheçam e distingam...

Mas é importante que as pessoas se habituem a conhecer e distinguir aquilo que tem
nome. Não acontece que fugindo do fogo morramos afogados na água...

17. Procurando a luz.


Mas, afinal, no fundo, que história é essa de "diocesanas" e "não-diocesanas"? Esta é
uma pergunta que se impõe.

De facto, a palavra "diocesano" ou "diocesana" envia-nos, claramente, para a Diocese.


O que encontramos numa Diocese? Muita coisa, sem dúvida. Mas deixemos essa muita coisa
e apontemos naquilo que interessa à nossa reflexão.

28
Adriano langa ofm A Igreja Local

Por exemplo, na diocese encontramos um Bispo. Es te é a cabeça dentro da Diocese.


Todas as iniciativas passam por ele e muitas partem dele: nada se deve fazer sem o seu
acordo.

Ora, dentro das suas capacidades ou dons um Bispo pode ter a iniciativa de fundar
uma Congregação religiosa, reunindo mulheres (se for uma Congregação feminina) ou
homens (se for masculina). Esta idéia pode partir de uma outra pessoa: um homem ou uma
mulher. Se o iniciador não é um Bispo ele necessita do consentimento do Bispo do Lugar
onde isto se passa.

Mas quer para um Bispo ou outra pessoa não basta que junte um número de pessoas
para dizermos que temo s uma Congregação religiosa. Tal grupo só merece realmente o nome
[39] de "Congregação" depois de a Santa Sé aprovar esse grupo. Se de Roma vier um NÃO
definitivo, o grupo vai dispersar-se e acabar. Mesmo se ele continuar não terá o nome de
"Congregação".

Se o fundador não é Bispo, ele não pode ir sozinho para a Santa Sé pedir a aprovação
do seu grupo, ele deve ir com o Bispo, à frente, na verdade, a palavra do Bispo é decisiva,
mesmo diante da Santa Sé: o Bispo é o responsável de todo o grupo, incluindo o próprio
fundador.

Mas o que significa o facto de o fundador apresentar-se ao Bispo e o que significa o


facto de o Bispo apresentar-se ã Santa Sé para pedirem a aprovação do Bispo (primeiro caso)
ou da Santa Sé (segundo caso)? Significa que a Congregação a fundar não é uma propriedade
de um indivíduo, mesmo sendo esse indivíduo Bispo; significa que a Congregação é filha da
Igreja Local e Universal. Filha da Igreja Local porque ela não cede uma Igreja-Comunidade
bem concreta; é filha da Igreja Universal porque ela não pode fechar-se e curvar-se sobre si
mesma: ela deve receber e dar alimento desta grande família dos crentes espalhados pelo
mundo. Ela deve ser aberta a esta família.

Só assim a Congregação pode agüentar-se, mesmo de pois da morte do fundador, seja


ele Bispo ou não.

Entretanto, depois de a Santa Sé dizer SIM à nova Congregação a Igreja confia a


Congregação ã Diocese, isto é, ao Bispo, para cuidar dela mais de perto, como a uma
criancinha. Mas o Bispo não é o "dono", ela, a Congregação. Está confiada ã Diocese e a
todos os Bispos que se seguirem no governo da mesma Diocese.

E daqui que vem o nome de "diocesana". Irmãs [40] “diocesanas" significa irmãs cuja
Congregação está sob a responsabilidade da Diocese. Tecnicamente, no Direito Canônico,
uma Congregação nestas condições se chama: Congregação de Direito Diocesano. Assim,
dizer "irmãs diocesanas'' é abreviação (corta-mato) desta frase: Irmãs de cuja Congregação ê
de Direito Diocesano. Elas estão sob a autoridade do Bispo da Diocese.

29
Adriano langa ofm A Igreja Local

18. Ilustrando um pouco.


Tentando iluminar o que acabamos de dizer, tomemos o exemplo de uma mãe, na
tradição africana:

Uma mulher, nesta cultura, que dá à luz um filho, ã família em que casou, ela deve
reconhecer a paternidade do seu marido e ã família deste. Ao fazer isto, ela reconhece que o
filho não ê propriedade privada, só dela: o filho pertence ã família.

Reconhecida pela legitima família, a criança ganha uma base de segurança mais larga.
Por infelicidade dela, os seus pais podem morrer, ela não ficará completamente abandonada:
a família cuidará dela e aquele que suceder ao pai dela, falecido, na chefia da família, se
responsabilizará dela.

E o que acontece com uma Congregação religiosa: iniciada por alguém, ela é confiada
à Igreja Local e Universal. Ela é filha desta Igreja-Comunidade. A Igreja assume-a e cuida
dela.

19. Feita para crescer.


Uma pessoa nasce e cresce. Não permanece eternamente criança. Ela cresce em todos
os sentidos, no corpo e no espírito. Um dos sinais deste crescimento é o reproduzir-se: de
duas pessoas podem aparecer mais e mais pessoas.

[41] Coisa um pouco parecida sucede com uma Congregação religiosa: Ela está
vocacionada ao crescimento e multiplicação dos seus membros:

Francisco de Assis começou sozinho a viver daquela sua maneira. Passado pouco
tempo já eram doze e mais um pouco eram cinco mil. Portanto, o normal de uma Congregação
religiosa ê o crescimento, em maturidade e em número: ou ela cresce e viverá longo tempo
ou ela não cresce e morrerá.

20. Quando o crescimento acontece.


Já vimos que o crescimento de uma pessoa, que se opera de diversas formas, tem as
suas conseqüências e já vimos que a multiplicação ê uma delas. O crescimento traz alegrias,
preocupações, responsabilidades, deveres e direitos.

Voltemos ao exemplo da criança: para responder as necessidades de uma criança a


mãe e o pai são suficientes para a criança viver. Mas as necessidades de uma pessoa adulta
nem sempre podem ser satisfeitas dentro dos limites da família nuclear ou mesmo clãnica.
Às vezes os pais não podem com o "peso" de um filho (a) crescido (a). Quando é assim, a
família alargada entra em cena e em acção. Ai, o chefe da família alargada tem um papel
importante e decisivo. Assim como os anciãos. Para cuidar de um adulto ê preciso mais gente
e mais autoridade.

É assim também com uma Congregação religiosa: ela cresce em maturidade, em


experiência e em número.

30
Adriano langa ofm A Igreja Local

Crescendo numericamente a Congregação alarga as suas fronteiras ou melhor, ela


exige o alargamento das fronteiras: De uma só casa, a casa Mãe, o Instituto espalha-se por
toda uma Diocese e por outras Dioceses e, ainda, por outros países.

[42]. Este estender-se, este espalhar-se pelo mundo põe questões de comando,
problema de direcção e orientação e a coisa tornasse complicada.

Na verdade, se a Congregação está dispersa em várias Dioceses e, sobretudo, se estas


Dioceses pertencem a diferentes países qual é o Bispo que será "mais responsável" pela
Congregação? Certamente a resposta fácil e imediata seria: o "mais responsável" será o Bispo
da Diocese onde a Congregação nasceu e tem a sua direcção geral. Isto traduzido na prática
verificar-se-ia que seria uma simplificação irrealista duma realidade que e complexa: na
prática acabaria não funcionando e afectaria a vida da própria Congregação, em primeiro
lugar.

Vejamos, por exemplo, o que sucede com uma criança que fica com um tio, ou outro
parente, longe dos pais. Podemos dizer que a criança está sob a autoridade do tio com quem
vive e está com ele mais tempo: Mas na realidade a coisa não é tão simples e clara como isso:
ocasiões e circunstâncias há em que o tio não se sente com autoridade para tomar certas
decisões. Mas também os verdadeiros pais ficam ultrapassados pela evolução da criança que
a vêem raramente. Assim distante não se sente autorizados para tomar certas decisões e
ajuizá-las. Aqui a criança experimenta ser de ninguém!

Falando de uma Congregação religiosa, diremos que é por razões semelhantes que ela
pode passar a depender directamente da Santa Sé.

O que queríamos dizer com clareza ê que não existe uma Congregação que nasce para
ser eternamente "diocesana", tal não seria normal, como não seria normal alguém não querer
crescer e ser responsável do [43] seu destino. O crescer é uma das condições normais de um
indivíduo, mesmo se esse crescimento arraste problemas e exigências consigo.

Numa Congregação, uma das conseqüências do seu crescimento é deixar de ser


"diocesana".

Quando uma Congregação é regida pelo Bispo de uma Diocese recebe, em Direito
Canônico, o nome de Congregação de Direito Diocesano, e quando passa a ser regida pela
Santa Sé chama-se Congregação de Direito Pontifício.

Assim, uma Congregação é de Direito Diocesano quando está dependente do Bispo


diocesano (de uma Diocese) e é de Direito Pontifício quando depende da Santa Sé.

Agora que já sabemos, vamos deixar as expressões de "Congregação diocesana" e a


de "Congregação não-diocesana" que temos vindo usando nesta nossa reflexão; mas se
empregarmos a expressão de "Congregação diocesana" já sabemos o que ela significa.

Mas esperamos ser correctamente entendidos sobre esta questão: Não estamos a dizer
que uma Congregação DEVE ser de direito pontifício nem que ela DEVE permanecer sempre
31
Adriano langa ofm A Igreja Local

de direito diocesano. Não estamos a dizer que e melhor, se isto ou aquilo. Não estamos a
dizer que uma Congregação de direito pontifício é uma super - Congregação nem que uma
Congregação de direito diocesano é uma infra- Congregação, uma "Congregazinha"! Quem
nos interpretasse assim estaria a caricaturar grosseiramente o nosso pensamento.

Uma Congregação religiosa, seja ela de que direito for, ê uma família religiosa, onde
pessoas consagram as suas vidas na procura de Jesus Cristo para o seguirem e testemunhá-lo
desta maneira. Uma Congregação religiosa será pequena ou grande (importante ou não-
importante) conforme a sua fidelidade a Jesus Cristo e ao carisma do Fundador.

[44]. É bom irmo-nos formando e informando, se queremos evitar, no amanhã, uma


confusão confrangedora e formidável, em nós e nas pessoas.

21. Iniciativa,
Mas a quem cabe a iniciativa para uma Congregação de direi to diocesano passar para
o direito pontifício? Qual= quer das partes pode tomar a iniciativa: A Congregação pode
tomar a iniciativa de sugerir; pode ser o Bispo a tomar iniciativa; pode ser a Santa Sê que
aconselha. Seja donde vier a idéia, o que se quer é que ela seja obra de Espírito Santo e seja
recebida como tal pelas outras partes.

Na verdade, esta passagem pode ser ou pode estar carregada de emoção e com a
emoção podemos ter e ver "maravilhas"... E como o que se passa na emancipação de um
indivíduo da tutela paterna.

22. A razão de ser.


Serão necessárias as Congregações de direito diocesano e serão elas importantes? Eis
uma pergunta que tem alguma coisa a ver com a estupidez. Mas é por causa disso mesmo:
pomo-la para que não a oiçamos e não cruzemos com ela por este nosso mundo, Esta pergunta
equivale a estas outras: É necessário um indivíduo nascer criança? É necessário que um
indivíduo passe pelas fases da adolescência e da juventude?

Mas a segunda parte da pergunta pode interessar.

As Congregações de direito diocesano são importantes. Não tanto para ou porque o


Bispo tenha irmãs ou irmãos ã sua disposição porque todos os religiosos devem estar
disponíveis à Igreja diocesana em que vivem. Aliás está "disposição" pode tornar-se um
problema grave para uma Congregação de direito diocesano, se [45] ela for afirmada e
repetida irrefletidamente.

Não vão as irmãs ou irmãos "diocesanos" sentirem-se como simples força de trabalho
ou sentirem-se mão barata da Dioceses. Seria o fim. As palavras são como balas de uma
caçadeira de cartuz ou como balas perdidas: elas podem fazer vítimas lã onde não pensamos
nem vemos quando disparamo-las.

As Congregações de direito diocesano não são armas de combate, nas mãos das
Dioceses, para combater as Congregações de direito pontifício. Não são, também, adversárias

32
Adriano langa ofm A Igreja Local

concorrentes a combater pelas Congregações de direito pontifício. Num caso e no outro não
seriamos evangélicos. No primeiro caso, faltaria às Congregações de direito diocesano uma
verdadeira base e uma verdadeira razão da sua existência. Estariam assentes numa base
movediça como a areia do deserto ou do mar. Combate-las seria obra diabólica, que só as
trevas podem inspirar tal combate e seria lutar contra o Espírito. Para nós, a importância está
em:

a) Estas Congregações são lugares onde homens e mulheres podem testemunhar Jesus
Cristo, a quem se consagram livremente. Todo um instituto religioso deve ser assim.

b) Identificando uma Congregação de direito diocesano, com uma Congregação local,


no lugar do seu nascimento, ela é um lugar de enculturação da Vida Consagrada. Na
verdade, o surgimento de uma congregação local é uma excelente oportunidade que
permite que a vida religiosa seja vivida segundo os valores do contexto sociocultural
que é o seu. Esta é uma justificação de certo peso, lá onde já existem tantas
Congregações!

[46] Fundar uma Congregação no nosso contexto sociocultural é apostar na


enculturação da Vida Consagrada, muito recomendada pela Igreja. Com efeito, as
Congregações nascidas noutros mundos e culturas estão a patinar com e na enculturação. O
facto do desenraizamento das novas gerações promete que seguramente esta patinagem vai
continuar nestas Congregações vindas daqueles mundos.

É verdade que este problema põe-se para todas as Congregações mas há uma
diferença:

Nas Congregações nascidas fora daqui há o peso do passado, que constitui outro
obstáculo ao processo... os franciscanos nasceram em Assis, Itália, Europa, por tanto e só 600
anos depois é que chegaram nestas paragens da África. Então eu, franciscano de hoje e daqui
devo enfrentar toda aquela carga secular e isto significa que o franciscanismo que me é
oferecido foi concebido e estruturado a partir dos valores culturais não-africanos...

Além de que não é fácil inovar e reformar uma mentalidade, com as suas estruturas.
Mas para as jovens Congregações locais não há aquele peso da tradição do Ocidente e
secular. Estas Congregações são terrenos férteis, relativamente. Será que os Fundadores tem
isto bem vivo no seu espírito? Será que aquelas que vão para estas novas Congregações estão
conscientes deste imperativo? O que é e como vai a enculturação nestas fundações?

Uma das novidades, específicas, seria na enculturação. Doutro modo, seríeis "mais”
'uma Congregação. Nessa altura alguma Congregação poderá estar a mais, semi interesse.

33
Adriano langa ofm A Igreja Local

[47]

4. A FIGURA DO MISSIONARIO
23. O missionario.
Outra figura humana muito visível nesta Igreja local é a do missionário. Na reflexão
a fazer sobre esta figura a compreensão da mesma (a sua definição) é importante: o que é,
afinal, o missionário? Existe uma grande quantidade de textos escritos pelo Magistério da
Igreja e por outras estruturas eclesiais e por pessoas singulares. Por exemplo, o Concílio de
Vaticano II diz assim sobre o assunto:

“ Embora a todo o discípulo de Cristo incumba a obrigação de difundir


a fé conforme as suas possibilidades, Cristo Senhor chama sempre
dentre os discípulos os que Ele quer para estar com Ele e os envia a
evangelizar os povos. Enviados pela legitima autoridade, partem,
movidos pela fé e obediência, para junto dos que estão longe de
Cristo”.9

Portanto, todo o cristão é missionário, mas há alguns escolhidos por Deus, a quem
Ele deu, como tarefa especial e principal o deixar (sair) a própria terra para ir anunciar o
Evangelho noutras terras. É a estes a quem nos referimos quando falamos de missionários.
Sobre este assunto não faltam confusões e discussões. Sabendo disto a própria Igreja, diz,
pela boca de João Paulo II:

''A proposito disso, impõe-se uma reflexão profunda, sobretudo para os


próprios missionários, que devido as alterações no contexto da missão
podem ser induzidos a não compreender já o sentido da sua vocação,
a não saberem já aquilo que a Igreja espera especificamente deles”10

Estamos, por tanto. Diante alguma coisa de muito séria e que pode ter resultados
negativos dentro de uma Igreja Local, resultados negativos que não favorecem a ninguém:
nem á Igreja Local (aos nativos), nem ao próprio missionário (estrangeiro).

O missionário estrangeiro deve ser sempre missionário, [48] apesar das mudanças
possíveis no campo sócio-político. Aqui não se muda de estatuto como se muda de
nacionalidade. Muitos anos passados em missão e relevantes serviços aí prestados, só devem
servir para glória de Deus e junto de Deus e, aqui na terra, tornar o missionário mais querido
diante de uma Igreja que ele ajudou a nascer e que deve ajudar a crescer.

24. A tarefa do missionário.


Qual é, então, a tarefa especifica, a função específica do missionário estrangeiro? João
Paulo II volta a lembrar, citando o Ad Gentes:

9
Joao paulo II – Renroris Missio – n° 65
10
Ib , n° 65

34
Adriano langa ofm A Igreja Local

"Fundar comunidades cristas, desenvolver igrejas até a sua completa


maturação”.11

Eis, em poucas palavras, a função específica do missionário estrangeiro, dentro de


uma Igreja Local. Uma grande tarefa, complicada, porque ela exige não só o carisma
(vocação missionária) mas também porque exige ainda um outro carisma de saber sofrer e
saber morrer. Uma função que exige muita pedagogia e muita sensibilidade ao missionário
estrangeiro, principalmente na fase do desenvolvimento. Aqui, o missionário é como um pai
segundo a carne perante o seu filho: Diante deste, o pai (ou a mãe) deve saber tomar a
distância e ir-se apagando, à medida em que o filho vai tomando conta si mesmo. Aí, o
missionário deve lembrar-se e repetir com João Baptista, dizendo:

"É necessário que ele cresça e que eu diminua”

Ora, o tomar esta atitude é tomar uma cruz, porque tal significa muita ascese
(sacrifício) porque, voltando ao exemplo do pai e filho, este último não fará as coisas como
as faria ou fazia. Ver e viver esta diferença possível exige muita fé e paciência. Exige um
esvaziamento que não se encontra sempre quando se procura! ...

E QUE MAIS?

[49] O missionário estrangeiro desempenha outro papel dentro de uma Igreja Local:
Ele confere a esta Igreja a dimensão universal e a ajuda para não se fechar sobre si mesma,
num narcisismo estéril (narcisismo é considerar -se a si mesmo até se encher de vaidade). O
missionário estrangeiro é uma interpelação à Igreja Local, devido à sua diferença. Isto é
válido tanto para o missionário leigo como para o sacerdote, bispo, etc.

Mas o missionário só exercerá bem e realmente esta sua função se aceitar uma certa
e não menos dolorosa solidão: Aceitar ser e viver como um estranho-simpático diante dos
seus hospedeiros-simpáticos; sentir-se em casa, sendo-se hóspede. Existe aqui uma situação
dialética (contradição aparente): ser da casa sem ser da casa. Aceitar e conseguir viver esta
tensão, dentro de um equilíbrio são é uma vitória, mas é também uma condição de fidelidade
do missionário à sua vocação. Recusar levanta problemas de identidade e significa que se
está exposto a muitos incidentes, muitas vezes mesquinhos ou sem razão.

Importa também observar que esta situação do missionário estrangeiro não o dispensa
das exigências da enculturação. Não entraremos nesta questão, por causa de tempo e espaço.
Talvez nos baste citar de novo o Papa:

"Os missionários provenientes das outras Igrejas e países, devem


inserir-se no mundo sociocultural daqueles a quem são enviados,
superando os condicionalismos do próprio ambiente de origem. Assim
torna-se necessário aprender a língua da região onde trabalham,

11
Ib. n° 48

35
Adriano langa ofm A Igreja Local

conhecer as expressões mais significativas da sua cultura, descobrindo


os seus valores por experiência directa. Eles só poderão levar aos
povos de maneira crível e frutuosa o conhecimento do mistério
escondido (cfr. Rm. 16,25-27; Ef. 3, 5), através daquela aprendizagem.
Não se trata, per certo, de renegar a própria identidade [50] cultura1,
mas de compreender, estimar, promover e evangelizar a do ambiente
em que actuam...”12

Estas palavras do Papa resumem clara e sabiamente o discurso que tentaríamos fazer
sobre este assunto tão actual em terras de missão. É caso para dizermos: Quem tem ouvidos
oiça!.

12
Ib.53

36
Adriano langa ofm A Igreja Local

[51]

5. O EVANGELHEO NO CONTEXTO SOCIO-CULTURAL


A Igreja é missionária desde da sua origem. Do seu Senhor e Fundador, Jesus Cristo,
ela recebeu, clara e expressamente, a missão de evangelizar (cfr Mt.28,19). Evangelizar é
anunciar a Boa Nova da salvação à qual todos os homens são convidados. Isto significa que
evangelizar é oferecer e comunicar a Vida a quem receber o anúncio em causa.

Por outro lado, verifica-se que neste acto de evangelizar a Igreja encontra a sua
renovação e crescimento: mais e novos membros vêm juntar-se no seu seio. Assim, na acção
evangelizadora encontram-se a Igreja e o Mundo e neste encontro h~ um dar e receber
recíproco: a Igreja, através da sua mediação, oferece ao Mundo a fé em Deus e a Vida eterna
que desta fé resulta e o mando, recebendo a fé oferece novos membros à comunidade
evangelizadora (=Igreja).

A Mensagem cristã, uma proposta de


um modo de vida a Igreja, um corpo vivo, vão
encontrar-se com o Homem, outra realidade
viva. Portanto, Vida com vida se encontram e
o encontro se torna complicado: Com este
encontro o Evangelho e a Igreja querem
levantar a sua tenda no Homem e entre os
homens (sociedades humanas). Agora a
questão que se coloca é: Que condições o
Homem e uma sociedade concreta põem ao
Evangelho e à Igreja? Quando é que podemos
dizer que o Evangelho e a Igreja chegaram e
estão definitiva ou minimamente
estabelecidos numa sociedade concreta? ~ esta
pergunta que vamos tentar responder neste capítulo e o texto do Ad Gentes, o mesmo que
nos serviu de base no capítulo anterior, continuar~ a servir-nos de base.

[52] 25. "Enraizava já na viva social"


Um dos sinais de que a Igreja está implantada num determinado contexto social, numa
determinada terra, é que ela se manifeste na vida dessa mesma sociedade. Isto acontece
quando o ser cristão não significa, apenas, o ir à igreja para rezar. Na verdade, o ser cristão
não deve ser uma questão de culto. A vivência do Evangelho deve trazer conseqüências
visíveis na vida e nas atitudes individuais e colectivas, conseqüências práticas e visíveis, em
todos os níveis da existência humana.

37
Adriano langa ofm A Igreja Local

Isto não tem nada a ver com a hegemonia (domínio) de um grupo de indivíduos, a
pretexto de serem cristãos pura e simplesmente. Não é uma questão do poder e de influência
demagógica (à força). Trata-se de se viver e agir em conformidade com aquilo que se
acredita, como valor supremo - o Evangelho, norma das atitudes.

As instituições sociais de um povo sem fé não são iguais às de um outro povo que
acredita em Deus, por exemplo: a maneira de ver a família, a educação, a economia, a
política, a justiça social, a moral e outras coisas. Breve, o Evangelho deve ser "sal" e
"fermento", numa sociedade que o aceitou e o vive a sério. Este é o sinal de que o mesmo
(Evangelho) penetrou e produz impacto num contexto social.13

26. "Adaptação a cultura local”


Aqui trata-se do problema da inculturacão. Uma referência explicita à questão. A
enculturação é uma condição das mais decisivas na implantação da Igreja e qualquer contexto
sociocultural, ainda que seja um simples reajustamento entre a mensagem e a uma cultura
(característica do que se passa na Europa). Um reajustamento que e uma necessidade em
qualquer par temas sobretudo nos países da velha cristandade como se disse.

[53]. No entanto a enculturação exige muito do que aquilo que fazemos ou podemos
fazer na Liturgia. A enculturação não é uma questão da Liturgia. Não é uma questão de culto.
A enculturação deve atingir toda a vida das pessoas que vivem debaixo do sol numa
determinada terra e acreditam em Jesus Cristo.

Será que o que faziam os nossos pais e avós quando uma criança nascia é tu~ contrário
ao Evangelho? E os nomes tradicionais das pessoas serão contrários ao Evangelho? A
maneira como educavam as crianças e jovens; a iniciação dos adolescentes e jovens; a
maneira tradicional de encaminhar os jovens para o casamento; a forma tradicional de
celebrar a morte; os princípios sobre os quais assentava a família; tudo aquilo será contrário
ao Evangelho? A enculturação procura responder a estas perguntas, porque ela consiste em
rever tudo isto, sob a luz do Evangelho, para tirar aquilo que é, realmente contrário ao
Evangelho e conservar aquilo que e positivo e útil.

Isto exige que se distinga bem e muito bem entre o cristianizar para converter e o
colonizar/civilizar, que muito se confundem nos nossos espíritos. Cristianizar e converter são
assuntos relacionados com Cristo e com o seu Evangelho; civilizar e colonizar é o negócio
de copiarmos ou não as atitudes dos outros povos e utilizar ou não as suas técnicas (os seus
instrumentos). Cristo não entra nesta confusão. Ele não se importa se cobres a tua nudez com

13
Vaticano II –Ad gentes- n° 37

38
Adriano langa ofm A Igreja Local

casca de árvore ou com um tecido de terrylene, lã, seda ou outra coisa. Aqui Ele respeita a
tua escolha, menos a escolha de andares nú!

27. A seriedade da questão.


Pondo uma semente de abacate num copo de água, passado algum tempo teremos um
abacateiro. Mas enquanto a planta estiver no copo não teremos nem frutos nem sombra, nem
flores.

Podemos transferir a plantazinha do copo para um [54] vaso com terra. Aí a planta
vai desenvolver-se um pouco mais, mas não a ponto de termos sombra flores nem frutos, a
menos que a arvore dê cabo do vaso e ir para a terra maciça e al lançar raízes numa perfeita
e sólida aliança entre as duas: arvore e terra.

Assim tem sido a Igreja ou as Igrejas dos países extra europeus: Têm sido Igreja num
copo de água ou em vasos, porque divorciadas da sua realidade cultural e espera-se que elas
singrem! Muitas vezes escangalha-se o vaso para se poder chegar à "terra" e poder-se viver
e então, ouve-se com muita freqüência: Aquela família tão practicante e comprometida;
aquele animador tão comprometido, aquela menina ou rapaz acreditam na feitiçaria, nos
espíritos, consultam curandeiros, vão às seitas, etc,

A Igreja só está implantada "quando... já radicada na vida social e confirmada de


algum modo com a cultura local...”. Quando sair do copo e do vaso e fixar-se na terra firme,
concreta e própria.

28. A questão da unidade.


A enculturação levanta problemas embaraçantes de unidade da fé e da Igreja, tendo
em conta que; una só fé numa Igreja universal e una. Paulo parece não deixar espaço quando
diz:

"Não há mais grego nem judeu, nem circunciso nem


incircunciso, nem bárbaro, nem cita, nem escravo nem livre,
mas Cristo, que é tudo em todos”.14

Este versículo aparece dentro da exortação de Paul? Aos cristãos de Colosso, para
que deixem as obras, mas, inspiradas muitas vezes pela sua cultura, para que se identifiquem
com Cristo, nosso modelo.

14
Col. 3,11.

39
Adriano langa ofm A Igreja Local

Tudo certo. Mas isto que o Apóstolo diz aqui não anula o princípio nem nega a
necessidade da enculturação. Isto e tão verdade que em muitas outras passagens encontramos
e vemos o mesmo Apóstolo a bater-se decididamente [55] a favor dos seus gentios e contra
seus irmãos, Apóstolos como ele. Gentios esses que deviam viver segundo a cultura deles,
desde que tal não fira a essência do Evangelho.15 Para apenas citar algumas dessas passagens.

De resto e como se tem dito repetidamente que unidade não é uniformísmo. Não é
fazer todos a mesma coei da mesma maneira. Trata-se, sim e como se sabe, de unidade na
diversidade.

29. O equilíbrio necessário


No entanto, esta reivindicação cultural exige muita maturidade e muito equilíbrio. O
cristão que se engajar neste processo (um engajamento que é indispensável!) deve exercer
uma vigilância cerrada a si mesmo e contra possíveis forças estranhas que queiram aproveitá-
lo para seus interesses, interesses estes que não têm nada a ver com a fé em Jesus Cristo, mas
até pelo contrário. Foi sempre assim ao longo da História da Igreja: os grandes inimigos da
Igreja utilizaram gente da Igreja e o movimento cultural foi sempre recuperado e utilizado
para fins egoístas e particulares, até em prejuízo da própria Igreja, como se disse.

A identidade cultural não significa um fechamento face aos outros, diferentes de nós.
Neste processo é processo ter em conta dois momentos distintos, mas inseparáveis:

1° Tomada de consciência da própria identidade cultural e a aceitação da mesma por


uma pessoa concreta ou por um povo concreto, por forma a não sentir nenhum
complexo.

2° Abertura para os outros, com a finalidade e busca de intercâmbio e enriquecimento,


com a certeza de que o outro tem muito de bom, capaz de me aperfeiçoar e completar.

15
cfr. Act. 10, 1ss; 11, 1ss; 15, 1ss

40
Adriano langa ofm A Igreja Local

A ausência de um destes momentos é uma anomalia compossíveis conseqüências


graves.

41
Adriano langa ofm A Igreja Local

[56]

6. UMA IGREJA MINISTERIAL


O homem é um ser organizado. Isto é-lhe exigido pelo seu próprio equilíbrio e
subsistência. Por falta de ordem o homem pode desagregar-se psíquica e fisicamente e pode
chegar a desaparecer.

Esta necessidade de organização acentua-se mais quando se trata de viver e agir


colectivamente. Onde há dois ou mais indivíduos é preciso que haja o primeiro e o Último:
é preciso que haja distribuição de serviços, pois, não basta a boa vontade para que nada fique
entregue a ninguém e ficar sem ser feito, só porque ninguém se lembrou de fazê-lo.

A Igreja não escapa a estas leis da natureza. Apesar de ela ser obra do Espírito Sant~
e da graça de Deus, ela é também obra do homem e, por isso, ela também partilha das
limitações do homem seu componente e autor. Para não sossobrar debaixo dessas limitações
ela necessita de organização: Pessoas ou grupos de pessoas para velar pelos diversos aspectos
da sua vida. Ela exige certas instituições para poder existir e agir com eficácia. Algumas
dessas 1nstituçoes são tão importantes que sem elas não se pode dizer que a Igreja está
implantada num determinado lugar, num determinado povo.

Este capítulo procura refletir sobre esta exigência de organização. É o mesmo texto
do documento Ad Gentes que vai orientar-nos nesta reflexão.

30. Instituições
Comecemos por entender esta palavra "instituições" (que no singular é "instituição".
Esta palavra vem desta outra de "instituir”, que quer dizer estabelecer ou dar origem. Sendo
assim, "instituição” é alguma coisa que foi estabelecido por alguém ou por uma
colectividade, com poder reconhecido para decidir e realizar.

[57]. Alguns exemplos de instituições:

a) O presidente de um país. Uma sociedade decide que deve haver alguém para exercer
determinadas tarefas atribuídas a uma personalidade designada por este nome -
Presidente.

b) A Polícia. Uma sociedade achou necessário e deu origem a uma organização que vele
pela ordem pública

c) A Escola. A sociedade decidiu criar uma organização para educar e instruir as suas
crianças, colectivamente,

42
Adriano langa ofm A Igreja Local

Visto isto, importa precisar o que é uma instituição:

 É representada (incarnada) por pessoas singulares (um presidente) ou


colectivas (escola, porque são várias pessoas a exercer a tarefa de educar e
instruir).

 Não são as pessoas nem as coisas materiais em si mesmas. A verdade


instituição é invisível (vêem-se as coisas e as tarefas) As pessoas e as coisas
passam, mas a instituição em si permanece ou pode permanecer:

 Um presidente de um país representa e torna visível e eficaz a


presidência. Esta é a verdadeira instituição.

 Os professores e os edifícios de uma escola representam e tornam


eficaz a escola, que consiste em educar. O acto de educar e instruir é
que é a verdadeira instituição.
Na Igreja:
A Igreja possui também as suas instituições, que lhe permitem actuar:

Uma diocese; uma paróquia; um bispo; um vigário de uma diocese: uma secretaria;
um pároco de uma paróquia; um centro de formação de agentes de pastoral: um seminário;
uma congregação religiosa; os serviços da Cáritas, são exemplos de instituições eclesiais (da
Igreja).

31. 0s ministérios.
Para os cristãos de Moçambique o assunto sobre os ministérios não é uma novidade,
a não ser para os cristãos do culto e do relógio (os cristãos que o ser cristão significa apenas
e só o ir à missa e mal está começa também eles começam a contar os minutos, e quando
passam de 45 perdem a devoção e a paciência) para estes, os ministérios serão sempre urna
novidade mal vinda e nunca aceite nem o falar deles, pois, para eles, tudo aquilo é uma
confusão e maçada. Mas deixemo-los.

A Primeira Assembléia Nacional de Pastoral, realizada na Beira, em 1977, constitui


um marco, um ponto de referência importante e foi uma nova página que se abriu na Igreja
de Moçambique. E uma das particularidades foi a opção pelos ministérios, condição que
tornou possível a realização das outras opções, por exemplo, a opção pelas pequenas
Comunidades cristãs. Desde então até hoje, fez-se uma caminhada na linha dos ministérios,
uma caminhada que importa rever e consolidar, que é a preocupação desta II Assembléia
Nacional de Pastoral.

43
Adriano langa ofm A Igreja Local

As tarefas a realizar são múltiplas e urgentes, porque podemos perder a "humidade"


do solo para "semear" e "plantar".

Falar de ministérios é falar do envolvimento das forças vivas da Igreja: Bispos,


Religiosos, Sacerdotes e Leigos. Neste movimento o que constitui novidade, uma novidade
aparente, é a figura do Leigo. Novidade aparente porque quando olhamos para a História da
Igreja descobrimos o Leigo empenhado na construção da Igreja nesse passado.

A propósito deste envolvimento do Leigo queremos dizer duas coisas:

[59] 32. Cada um no seu legar: o Leigo também


O envolvimento dos Leigos nas actividades da Igreja é um dever e um direito. Ainda
pode estar na cabeça de alguns de que o envolvimento dos Leigos é apenas uma questão de
"tapar buracos" face à escassez de sacerdotes e religiosos (as).

Ora o que sabemos, e é verdade, é que nasceram primeiro as comunidades antes dos
padres e irmãs (comunidades apostólicas e primitivas) e que eram assistidas e geridas por
Leigos. Foram aquelas comunidades que "geraram" Padres e Religiosos.

Sendo assim, se se pode falar em "tapar buracos" estes tapa-buracos seriam os


sacerdotes e religiosos. Uma coisa se pode perguntar: Teriam sido os Padres e os Religiosos
que expulsaram os Leigos dos lugares da responsabilidade na Igreja ou teriam sido os
próprios Leigos que se evadiram e fugiram de mil e uma formas, deixando os clérigos e os
religiosos com tudo na mão? Seria muito interessante consultar a História sobre este assunto,
mas, por agora cortemos directo dizendo: Tudo foi verdade, isto é, houve essa "usurpação"
por parte dos eclesiásticos e houve essa fuga dos leigos. Houve tudo isto.

33. Um momento decisivo.


O Concílio do Vaticano II, essa grande assembléia do Papa com toda a Hierarquia
católica (de todo o mundo) foi uma revisão da vida da Igreja e descobrindo muitos desvios,
decretou o regresso às origens e chamou a cada um para assumir as responsabilidades
próprias do seu estado: Bispos no seu lugar; Sacerdotes no seu lugar; Religiosos no seu lugar;
Leigos no seu lugar. -

O momento actual da Igreja Universal e Local (falando de nós mesmos) é decisivo,


particularmente decisivo para os Leigos, já que é um grupo que esteve "fora" e es tá
regressando para reencontrar o seu lugar e o seu papel na Igreja. O momento é decisivo
porque ou a coisa avança ou temos um falhanço. Se acontecer tal falhanço - significaria que
teríamos que esperar mais, não sei quantos anos ou séculos, para reanimar e reabilitar os
espíritos [60] desiludidos e adormecidos. O êxito vai depender muito mais da forma como os
próprios leigos se derem ao trabalho: fé firme competência e honestidade. Doutro modo será
44
Adriano langa ofm A Igreja Local

a própria comunidade cristã a dizer ao bispo, ao sacerdote e ao religioso (a) e para a angústia
destes:

 Não vemos bem a fé do nosso animador nem compreendemos 8S suas atitudes...


 Não vemos bem o trabalho do responsável deste ou daquele sector ...
 Por isso, fora com este animador e com o responsável deste ou daquele sector, porque
aquele é incompetente, demagógico, aquele outro é casmurro, e mais aquele outro
ainda porque esbanja os bens da comunidade. Fora! Fora com eles!!... E seria o fim.
Porque significaria que bispos; sacerdotes e religiosos estariam, ne novo, sozinhos na
Igreja e está, mais uma vez, truncada!

Em Moçambique levamos já 15 anos de experiência de uma Igreja ministerial. É


importante uma avaliação séria objectiva e corajosa. Doutro modo poderemos ser
surpreendendo-os com a casa a cair sobre nós porque podre e roída de muchém...

34. As instituições
Neste campo é donde se vê de uma forma patente a nossa fragilidade. Na verdade,
não basta ter boas e luminosas idéias e bons planos, mas sem meios para os concretizar. As
instituições têm a tarefa de executar tudo o que a comunidade dos fiéis se propõe realizar
para o seu bem e possibilitar a vida de fé dessa comunidade.

Quantos dos nossos Bispos têm um secretário em termos, um Vigário da Diocese, um


chanceler? Ter estas pessoas não é nenhum luxo, mas sim elas são a condição e sinal de uma
Igreja viva e activa.

[61] Das nossas Dioceses qual tem um tribunal eclesiásticomo a funcionar? Muitos
casos estão a "apodrecer" prejudicando gravemente os inocentes neles implicado~! Qual
delas tem um Secretariado de Pastoral a funcionar em pleno? Onde estão os Centros para a
Formação dos a: gentes pastorais; para a formação de leigos, para poderem intervir no
domínio social e profissional? Onde estão os Centros de investigação pastoral? Por isso temos
de aceitar materiais importados, que não têm em conta a nossa realidade concreta social e
eclesial. Já estamos habituados a eles e somos peritos em "adaptar". Se isto fosse verdade
sentir-me-ia menos preocupado e mais tranqüilo, mas ...

Quantos Seminários temos e quem toma conta deles e aí dá a formação ideal e


necessária?

Estas são as instituições necessárias para fazer "expandir a vida do Povo de Deus.
Que tal? Boas idéias e planos excelente, mas sem meios para realizá-lo equivalem a muito
vinho novo, mas sem odres ... tudo vai por terra abaixo!...

45
Adriano langa ofm A Igreja Local

CONCLUSÁO

Para terminar a nossa reflexão sintetizemos dizendo que parece ter ficado claro que
uma Igreja assenta sobre quatro colunas:

A primeiras é a coluna humana: para que se possa de uma Igreja local implantada,
autêntica, viva e é preciso que ela seja constituída e servida por local, nativa; gente
diversificada em ministérios.

A segunda coluna é a coluna sacio-cultural: Uma Igreja Local não deve ser uma ilha,
um gueto em relação à Sociedade da qua ela faz parte. Quer dizer que a Igreja não deve ser
nem pode ser santa à custa de se i solar em relação à vida social. A Igreja será Igreja quando
ela fôr sal e fermento da Sociedade onde ela procurar lançar raízes. Ela deve ter uma “cor"
através da qual ela possa ser identificada e distinguida entre as demais Igrejas Locais.

[62] Ela deve ter uma fisionomia particular "herdada" da sua sociedade e da cultura
desta última, naquilo que tem de positivo.

A quarta coluna diz-nos que uma Igreja Local, para ela ser promotora e expressão da
vida abundante que está em si mesma, ela deve ser activa e para ser assim activa ela deve ser
assumida pelos seus próprios membros, gerindo essa vida, o que significa o exercício de
ministérios diversificados.

A quarta e última coluna fala-nos da necessidade de autonomia em termos de


instituições e econômicos e infra-estruturas materiais.

A inexistência destas ou mesmo a sua fraqueza debilita uma Igreja Local ou pode
negar a sua existência; e implantação. Devido à nossa real situação, não falta quem se
interroga sobre se realmente existe uma Igreja Local em Moçambique e, portanto, que seria
mais correcto falar em implantação ou constituição da Igreja Local do que falar da sua
consolidação, pois, consolida-se o que existe.

As quatro colunas são campos onde se apresentam desafios práticos para torná-las
realidades concretas, só assim mereceremos o nome de Igreja Local.

Viu-se também que a pessoa do missionário estrangeiro, encontra neste quadro um


lugar e uma função específica: Ele deve ser um catalisador positivo, aquele que encoraja o
crescimento e a consciencialização desta Igreja e conferire-la a dimensão universal.

46
Adriano langa ofm A Igreja Local

BIBLIOGRAFIA

 SINODO AFRICANO – A Igreja na África e sua função evangelizadora para o ano


2000: "Vocês serão minhas testemunhas" (He 1, 8) – 1994 - Lineamento (em inglês) –
http://bit.ly/2KYh8Uo Acessado o 19-08-2019
 VATICANO II – Decreto AD GENTES sobre a atividade missionária da Igreja -
http://bit.ly/2ZnCDak Acessado o 19-08-2019
 S..S. JOAO PAULO II –
o Discurso aos Bispos de Moçambique – 1998 n° 1-2
o Discurso aos sacerdotes e religiosos de Moçambique – 1988
o Carta encíclica REDEMPTORIS MISSIO sobre a validade permanente do
mandato missionário - http://bit.ly/2Lg1J23 Acessado o 19-08-2019
 MOSMANS G – L’Eglise à l’heur d’ Afrique – Tournai, Casterman 1961
 HENRY, A. M. – Esquisse d’une théologie de la mission – Paris 1995
 S.S. PIO XI – Encíclica Rerum Ecclesia - sobre ação missionária – 1926 (em italiano)
http://bit.ly/2L5PJzJ Acessado o 19-08-2019
 GELMI, Joseph – I Papi –Da Pietro a Giovanni Paolo II - Rizzoli, Milano, Milano
(1986)
 Tomas de CELANO – Vida de Sao Francisco de Assis (Em Portugues do Brasil) – Ed
Vozes 2018.

DA COLECÇÃO EVANGELHO E CULTURA


(do mesmo autor)

N° 00 “A enculturação e a vida consagrada”.


N° 01 “ O Lobolo”
N° 02 “A partilha e a vida consagrada”
(em preparação)
N° 03 “O nome na tradição africana”
N° 4 “A Igreja local”

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Adriano langa ofm A Igreja Local

[63] I N D I C E

IN'I'RODUÇAO ................................................................................................................... 6

1. PESSUPOSTOS PARA UMA IGREJA LOCAL .......................................................... 8


1. Os fieis leigos. ................................................................................................................. 9
2. A representatividade...................................................................................................... 10
3. A Promessa.................................................................................................................... 11
4. Um pouco da Historia ................................................................................................... 11
5. Sem juízo. ...................................................................................................................... 12
6. Inserção e representatividade. ....................................................................................... 12
7. Os Religiosos e Bispo. .................................................................................................. 13
a) Os Religiosos. ........................................................................................................... 13
[16] b) Os Bispo. .......................................................................................................... 13
8. Os Sacerdotes. ............................................................................................................... 13
8.1. Os Sacramentos. .................................................................................................... 14
8.2. Sacerdote e a fisionomia de uma Igreja / Comunidade. ........................................ 14
8 .3. É também questão da eficácia. ............................................................................. 15

2. DIOCESANOS E RELIGIOSOS .................................................................................. 16


09. O clero diocesano e o religioso. .................................................................................. 16
9.1 – Sacerdotes diocesanos ......................................................................................... 17
9.1.1. Olhando um pouco de perto. .......................................................................... 18
[26] 9.1.2. A visão actualizada do sacerdote diocesano. .............................................. 20
9.3. Uma actitude que é de rever. ................................................................................. 21
9.4. Necessidade e importância da formação. .............................................................. 22
[30] 10. O Sacerdote religioso. ......................................................................................... 23
11. A problemática vocacional. ......................................................................................... 23
12. Vicissitudes históricas. ................................................................................................ 24
13. Diocesano ou religioso. Qual é o melhor? .................................................................. 25

3. SOBRE AS RELIGIOSAS............................................................................................. 27
14. Distinguir o que é difícil de distinguir. ....................................................................... 27

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Adriano langa ofm A Igreja Local

15. Antes de tudo............................................................................................................... 27


16. E o nome? .................................................................................................................... 28
17. Procurando a luz. ......................................................................................................... 28
18. Ilustrando um pouco. ................................................................................................... 30
19. Feita para crescer......................................................................................................... 30
20. Quando o crescimento acontece. ................................................................................. 30
21. Iniciativa, ..................................................................................................................... 32
22. A razão de ser. ............................................................................................................. 32

4. A FIGURA DO MISSIONARIO ................................................................................... 34


23. O missionario. ............................................................................................................. 34
24. A tarefa do missionário. .............................................................................................. 34

5. O EVANGELHEO NO CONTEXTO SOCIO-CULTURAL ..................................... 37


25. "Enraizava já na viva social" ....................................................................................... 37
26. "Adaptação a cultura local” ......................................................................................... 38
27. A seriedade da questão. ............................................................................................... 39
28. A questão da unidade. ................................................................................................. 39
29. O equilíbrio necessário ................................................................................................ 40

6. UMA IGREJA MINISTERIAL .................................................................................... 42


30. Instituições .................................................................................................................. 42
31. 0s ministérios. ............................................................................................................. 43
32. Cada um no seu legar: o Leigo também ...................................................................... 44
33. Um momento decisivo. ............................................................................................... 44
34. As instituições ............................................................................................................. 45

CONCLUSÁO..................................................................................................................... 46

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 47

I N D I C E ........................................................................................................................... 48

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