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FACULDADE DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ITEPA FACULDADES

Bioética

Relatório da aula do dia 19 de agosto de 2019


Acadêmico: Leonardo Fávero

No início desta aula, foi retomada a atividade Pensando através de tirinhas e dado
início ao conteúdo: introdução de alguns conceitos; visões antropológicas (o que é o ser humano
relacionado ao conceito de vida [humana e do todo]); situações de atentado contra a vida
humana e dos outros seres vivos.

Pensando através de tirinhas:


Calvin: A tirinha pode apresentar que a ignorância permite o comodismo, o
relativismo, o eximir-se do compromisso [bio]ético. É possível relacionar com o Evangelho que
foi proclamado na oração: o jovem tem até conhecimento da Lei e dos mandamentos, mas não
coloca em prática o compromisso que o saber implica.
Robô que não quer ser desligado: A tirinha pode expressar uma comoção pelo
eletrônico e a desumanização do humano. O professor Andrei Lodéa partilhou de uma tentativa
de lidar com o uso de celulares em sala de aula, através de um desafio de ficar sem acessar as
redes sociais por um tempo x. Ainda sobre isso, foi sugerido o documentário Privacidade
hackeada, sobre como as informações privadas das pessoas são captadas pelas empresas de
informação e negociadas sem autorização. O acadêmico Pablo de Lima destacou que uma
possível leitura é que são as pessoas que são programadas pela tecnologia. O acadêmico Diego
Isotton destacou que o sujeito não consegue dar-se conta das próprias contradições. Leonardo
Boff, disse o professor, em uma de suas obras, reflete sobre a necessidade do re-ligar.
Cosplay de Iron Man: pode-se refletir sobre o ato de assumir o ser de outro, expresso
no fantasiar-se, pintar-se, vestir-se, como é o cosplay,
Mafalda: está por trás o consumismo: as empresas sabem dos gostos e facilitam o
pedido. Pode-se relacionar com o documentário A história das coisas. E mais, a produção de
necessidades e de questionamentos.
Dilo: pode-se refletir sobre o uso desenfreado e a exploração.
Snoopy: pode expressar sobre o não pensar naquilo que se pede ou naquilo que se
exige. Diego refletiu que, às vezes, as coisas ficam tão mecânicas que nem se sabe de onde elas
vêm. O professor refletiu desde os extremos que são agravados pela ação humana no globo.
De modo geral, sobre as tirinhas, há de se considerar, diz o acadêmico Joelmar de
Souza, que não conseguimos perceber o todo, que existem outros fatores também. O mesmo
vale à discussão bioética, por exemplo, das posturas favoráveis ou contrárias ao aborto, que
desconsideram o complexo do real.
Tendo concluído esta atividade, passou-se ao conteúdo da aula deste dia, sobre alguns
fundamentos da bioética. O ponto de partida é a pergunta: o que é bioética? E inspirado pelo
livro Cem anos de solidão, de Garcia Marques, se pode considerar que antes de conhecer o que
uma coisa é, o ser humano aponta para ela com o dedo. Isso não basta, é necessário constituir
um conceito que expresse o que a coisa é e o que dela se entende. E assim é com a bioética.
A Enciclopédia de Bioética define o termo bioética como “um neologismo derivado
das palavras gregas bios, que significa vida, e ethike, que significa ética. Pode-se defini-la como
o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais
– das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas
num contexto interdisciplinar”1.
A UNESCO, na Elaboração da Declaração sobre Normas Universais de Bioética,
alargou a definição, e integrou ao conceito a biosfera. Essa definição assim é feita: “O termo
bioética diz respeito ao campo de estudo sistemático, plural e interdisciplinar, envolvendo
questões morais teóricas e práticas, levantadas pela medicina e ciências da vida, enquanto
aplicadas aos seres humanos e à relação destes com a biosfera”.
O caminho percorrido até chegar a estas definições ou compreensões foi um tanto
longo. O conceito bioética surgiu em dois lugares: em Madison/Wisconsin e em Washington.
Potter, pesquisador na área de oncologia em Wisconsin, fez uso do termo no contexto histórico
no qual a ciência era sinal de verdade e tinha a missão de incidir sobre a natureza através da
razão. Ele tentou compreender os conflitos entre ordem e desordem no mundo afetado pelas
ciências biológicas. Diz ele: “O objetivo desta disciplina, como eu vejo, seria ajudar a
humanidade em direção a uma participação racional, mas cautelosa, no processo de evolução
biológica e cultural. [...] Escolho ‘bio’ para representar o conhecimento biológico, a ciência dos
sistemas viventes, e ‘ética’ para representar o conhecimento dos sistemas de valores humanos”2.

1
2
PESSINI, Léo. Problemas atuais de bioética. São Paulo: Loyola, p. 18.
Faltava, contudo, um nome para esta disciplina. Uma construção cronológica do seu
surgimento e alguns conflitos ou escândalos que alimentam a discussão pode ser esta:
Em 1927, Fritz Jahr, teólogo alemão, empregou, pela primeira vez, o termo bioética
em seu clássico artigo na revista Kosmos, intitulado Bioética: uma revisão do relacionamento
ético dos humanos em relação aos animais e plantas. Por isso, é considerado como o precursor
da bioética mundial. Segundo ele, era imperativo que se “respeite cada ser vivo como princípio
e fim em si, e se possível trate-o como tal”. Expressa-se aí a compreensão de que a vida é um
valor intrínseco.
Em torno de 1969, Daniel Callahan criou um centro de estudo chamado de The
Hastings Center, cujo objetivo era discutir temas públicos. Um destes temas é qual a função do
bioeticista, considerando a necessidade de dominar os conceitos; as metodologias de ação (por
exemplo, com que critérios dispensar os tratamentos?); os procedimentos para tomadas de
decisão (linha casuística [cada caso é um caso], beneficência [não importa tanto o que o paciente
deseja, mas o benefício que lhe cabe]. Em síntese: conhecer os conceitos, critérios e estratégias
que lhe deem condições de orientar a ação a ser tomada.
Em 1970, Potter aplicou o termo no livro Bioética: uma ponte para o futuro, que
buscava a discutir uma visão mais humanista, e menos tecnicista, das ciências da saúde.
Em 1971, André Hellegers criou o Instituto Kennedy como resposta a uma pesquisa
realizada com homens negros infectados com sífilis, cujo objetivo era avaliar o avanço da
doença. Este experimento durou cerca de 30 anos e nunca tentou curar a doença, mas avaliar
seu avanço na pessoa infectada.
Em 1979, Beauchamp e Childress, publicaram Princípios de ética biomédica. Nele
estão os elementos e princípios fundantes da bioética, um por viés utilitarista, e outro,
deontológico.
Agora que se falou de princípios, é preciso considerar o seguinte: as bases do
paradigma principialista está em dois fatos de fundamental importância – o Relatório Belmont
e a obra Princípios de ética biomédica, recém mencionado.
O Relatório Belmont é uma resposta à pressão pública diante de alguns escândalos nas
pesquisas em seres humanos (em 1963, no Hospital Israelita de doenças crônicas de New York,
no qual foram injetas células cancerosas vivas em idosos doentes; entre os anos 1950 e 1970,
no hospital estatal de Willowbrook, no qual hepatite viral foi injetada em crianças com retardo
mental; e em 1972, quando se descobriu que desde os anos 40, no Estado do Alabama, foram
deixados sem tratamento quatrocentos negros sifilíticos para pesquisar a história natural da
doença, que foi feita referência anteriormente).
Esse Relatório é de fundamental importância porque tinha o objetivo de “levar a cabo
uma pesquisa e um estudo completo que identificassem os princípios éticos básicos que
deveriam nortear a experimentação em seres humanos nas ciências do comportamento e na
biomedicina”3. Nele, foram identificados três princípios: o respeito pelas pessoas, ou
autonomia, a beneficência e a justiça.
O respeito pela pessoa, ou autonomia, é entendido num sentido bem concreto: é a
capacidade de atuar com conhecimento de causa e sem coação externa. É o indivíduo capaz de
deliberar sobre seus objetivos pessoais e agir sob a orientação dessa deliberação. Aqueles que
não são capazes disso, devem ser protegidos. A beneficência vai muito além da ideia clássica
que a associa à caridade. Significa, em síntese, duas obrigações: não causar dano; e maximizar
os benefícios e minimizar os possíveis riscos. A justiça diz respeito à imparcialidade na
distribuição dos riscos e benefícios, de modo que os iguais devem ser tratados igualmente. O
Relatório, na compreensão de Pessini, deixa um tanto não claro essa questão.
De todo modo, estes três princípios foram retrabalhados por Beauchamp e Childress,
e se tornaram quatro. Estão presentes na obra Princípios de ética biomédica. Os princípios da
autonomia e da justiça permanecem, e a beneficência se desdobra em dois: beneficência e não
maledicência.
Outra obra magna nessa discussão é a Enciclopédia de Bioética, referida no início, que
tem três edições: 1978, 1994 e 2004.
Vê-se, então, que toda essa discussão se deu quase que exclusivamente nos Estados
Unidos. Essa discussão no Brasil é mais recente: em 1996, foi publicada a Resolução 196 do
Conselho Nacional de Saúde (CNS), sobre a Pesquisa com seres humanos; em 1997, a Instrução
Normativa 9, da CTNBio/1997 – Biossegurança; em 2012, a atual Resolução 460 do CNS; e
em 2016, a Resolução 510, sobre a Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. Estas normativas
têm a função de regular as pesquisas, os critérios e os riscos (físicos ou psicológicos) que se
pode ter, as metodologias e etc.
Ainda assim, permanecem dificuldades e desafios para aplicar os conceitos da bioética.
Por exemplo, mais de 40% das moradias no Brasil ainda não tem acesso ao saneamento básico.
Outra discussão é sobre as políticas públicas, que são fortemente marcadas pelo contexto socio-
político-econômico local. E isso incide diretamente sobre a fundamentação da bioética, de
modo que a reflexão estadunidense difere da brasileira na medida em que as preocupações sobre
aquilo que incide sobre a vida são diferentes.

3
Ibidem, p. 44.
A reflexão de Pessini busca também afirmar que a discussão e reflexão sobre a bioética
não é ideológica e nem propriedade de alguns grupos, sejam eles religiosos, políticos, ou de
uma ou outra área do saber. À base da investigação está como se correlacionam as diversas
posições, estas sim ideológicas, e convicções e como elas convergem em acordo. Um exemplo
para isso é a doação de órgãos, que mesmo que o paciente manifeste o desejo de ser doador, a
decisão final cabe aos seus familiares. Mas a questão não é tão simples. Como reagir diante da
possibilidade da venda de órgãos, da constituição de bancos de órgãos disponíveis à
comercialização?
Pessini sustenta que existem contribuições da teologia moral e da filosofia moral, cada
uma com seu método próprio. Isso implica no “tratamento” do paciente como pessoa e não
como um órgão, um simples número ou como um consumidor do serviço de saúde. Tanto a
teologia moral, quanto a filosofia moral, muito têm a contribuir no processo de humanização
das técnicas e dos procedimentos, mas também dos conhecimentos que deles decorrem ou que
lhes dão sustento.
Tudo isso não se restringe aos bioeticistas, mas também aos leigos. São situações que
dizem respeito a todos. Mesmo a bioética não é um conjunto de códigos ou orientações e é
difícil transitar entre os princípios, por exemplo, fazer o bem pode incorrer em malefícios, para
uns ou para outros. Os códigos ajudam a orientar, mas não são determinações a serem seguidas
“matematicamente”. Em situações complexas, como a necessidade de acesso a um tratamento
que não está disponível para todos, quais critérios são válidos: o maior bem para todos, ou
outros?
Mas há avanços. A Bioética é uma disciplina que é um movimento social. Apesar de
a tecnologia ser uma corrente um tanto irrefreável, ela pode ser humanizada, minimizando os
impactos. Além disso, em bioética não se pode haver uma única voz válida. Quando em rumo
à superficialidade da argumentação e da compreensão, é preciso recuperar a profundidade e
criticidade reflexivas.
Inicia-se, assim, a discussão sobre as visões antropológicas:
Quais verdades aceitamos para nós? Por um viés bioético, surgem diversos caminhos
para pensarmos sobre isso: quem somos nós?, de que nós falamos?, que é o homem? Há, de
modo geral, um esquecimento do humano, e a pergunta sobre quem o humano é ganha mais
importância ainda. A questão remete ao iluminismo e ao antropocentrismo. Mas será essa a
única visão? Alguns conceitos nos ajudam a compreender o ser humano: Pathos – emoções e
paixões; Ethos – traços e modos de comportamento; Daemon – voz da consciência/espírito;
Eros – força vital dos humanos; [eu diria ainda Politikon – vida social]. Tudo isso parece ter
sido reduzido ao Logos, à razão ou racionalidade. Existem diversas teorias que tentam
responder a essa questão e fazer o resgate do humano, ora pelo viés teocêntrico que tem Deus
como fim moral, ora antropocêntrico, com as ciências que colocam o homem como fim moral.
O fechamento no subjetivismo nestas questões, assim como o relativismo, obscurece
a investigação. É preciso identificar um conjunto de normas morais que discutam estas
questões. A teologia católica identifica, na tradição bíblica do Gênesis, o conceito de imago dei.
Nas teorias antropocêntricas, é a razão que assegura a centralidade do humano. E isso também
coloca o homem em perspectiva materialista e mecanicista. Outra ainda é a leitura da filosofia
behaviorista, que investiga os comportamentos humanos.

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