Você está na página 1de 50

Projeto

PERGUNIE
E
RESPONDEREIVIOS
ON-LlNE

Apostolado Veritatis Splendor


com autorização de
Dom Estêvão Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAÇÃO
DA EDiÇÃO ON-LlNE
Diz 510 Pedro que devemos
eslar preparados para dar a razlo da
nossa esperança a todo aquele que no-Ia
pedir (1Pedro 3 ,15).
Esta necessidade de darmos
conta da nossa esperança e da nossa té
hoje é mais premente do que outrora.
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrárias à fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crença católica mediante um
aprofUndamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propõe aos seus lellores:
aborda qUBStOes da atualidade
controvertidas , elucidando-as do ponto de
vista cristão a fim de que as dúvidas se
............ . dissipem e a vivência católica se fortaleça
- -' ... no Brasil e no mundo. Queira Deus
abençoar este trabalho assim como a
equipe de Verllatls Splendor que se
encarrega do respectivo si1e.
Rio de Janeiro. 30 de Julho de 2003.
PW. E"v'oBeft8ncou~,OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convênio com d. Estevão Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta átes, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico • filosófica · Pergunte e
Responderemos·, que conta com mais de 40 anos de publlcaçao.
A d. Estevão Bettencourt agradecemos a confiaça
depositada em nosso trabalho. bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice
....
A ESTÓRIA DOS DOIS SAPOS 321

Que .entkSo 11m 1


AS TENT ACOES DE JESUS . . , .. . . . . .. ..... . . .. .. .. . . . . . .. , 323
Ainda I onda do exolcl_o :
O FILME "MADRE JOANA OOS ANJOS" 337

MI'. um "bel,·",r.,": :
"SABER ENVelHECER" . . .. .. . ... . ... . . .. . 348

A TERR" DE ISRAEL EM FOCO


IV. JERUSAlt:M : A "BEM·AVENTURADA PAI)(l.O" . .

RESENHA DE LIVROS .. • .. . • . 3"


COM APAOVAÇ10 ECLES1ASTlCA

•••
NO PRO.,MO NOMERO,
filosofia ainda vai. em nossol dias? Os BolistclS outrora e hole. -
QUGI é o IVleia de Cristo ? - E a morte do Cordaol Donié lon? - A
T.rra de luael em foco 151.

--- x
,PERGUNTE E RESPONDEREMOS.
Assinatura anual ... .. .......... ... .................... . . Cr$ 4000
Número avulso ele qualquer m~1 . . ............... .. . . . . . e I S 500
Vol urna encadem.dOl de 1958 e 1959 (pr.ço unlt.trlo) . . . Cr$ 35.00
lndlee Geral de 1957 • 1964 . . . . ..... . .. . .. ... ........ .... CrI 10.00

EDITORA LAUDES S. A.
RF.DACAO DF. PR ADMINlSmA<;:"o
caixa PMtat 2 . eae Rua 510 RafAel. 38. ZC·09
'000 20000 Rio de .JAnelro (GBI
20.000 Blo dI! Janeiro (OB) Tel!'.: 268-0081 " ZfJ8·27!)8

Na OB, A. Rua Real Grandeza 108, a Ir. Maria Rosa Porto


tem um dep&ito de PR e recebe pedidos da assinatura da
revista. Te1.: 2U-1822.
(" E:" T I~

A ESTÓRIA DOS DOIS SAP ~


-4$'/
Contam os holandeses que CE:rta vez durante a noite dois
sapos ca1ram dentro de um balde de leite. Apavorados pela
triste situação em que se viram, começaram a debater-se. ten-
tando desta fonna escapar â morte. Após certo tempo de tão
penosa experiência, um deles julgou inúteis os esforços que
fazia, e preferiU deslstir dos mesmos, entregando-se assim. à
triste sorte de perecer. O outro, porém, mais teimoso, resolveu
contlnuar a debater"'5e sobre a superficie do leite; não sabia
muito bem que resultado final teria, mas ao menos estava cons-
ciente de que, enquanto se mexesse, não seria tragado pelo
liquido. Ora aconteceu que, quando o dia. despontou, o leite,
assim batido, jã Se tornara manteiga. Desta forma o corajoso
batráquIo escapou de ser absorvido ou de morrer!

Esta estórla, fictícia como é, não deixa de ter seu rico


slgniflcado. Quem sabe se multos homens não se vêem, às vezes,
em sJtuação semelhante à dos dols sapos: ameaçados por grave
perigo para o qual não descobrem salda? ... J::: natural então
sentirem a tentação de renunciar à luta, que parece fadada à
esterilidade, e aceitar o fracasso como fatalidade. Em tal caso,
.(l paradigma do sapo persistente é verdadeira lição: ainda que
eu nio saiba como me sa.lvarei, dir-me-á o 'herói q,ue vale a
pena empregar os meios no momento viáveis. O segredo do
êxito está em crer no valor das pequenas coisas e perseverar
teimosamente no recurso às mesmas (desde que este não seja
.evidentemente absurdo) .
Esta lição vale não somente no setor dos afazares tempo-
rais. mas também no plano espirItual. E é precisamente para
"este que desejamos voltar a nossa atencão. Não raro a missão
de fazer o bem, dIsseminar a verdade e o amor de pan!cer in-
grata e vã ; ainda haverá auc1iência para os va10res de Deus,
do Evangelho e da vida cristã? Pouco importam estas "dúvidas,
para um cristão. Ele sabe que Deus não lhe pediu vitórias visi-
vels ou retumbantes, mas, sim, e tão somente, o empenho ge-
nero'iO de seus talentos e esCortOs na irradlaçáo da verdade e
"do amor. Conseqüentemente é o herói da estória que !lerve de
ponto dé rererênc1a; desempenhando diariamente a sua tarefa
no plano da santlticação pessoal como no seu setor de constru·
~o da Igreja e de um mundo renovado, o cristão está cem
de que não faz obra sua, mas a do Senhor; por conseguinte,
.Este se encarregará de dar o fruto múltiplo à fé e à perseve.
rança do dlsclpulo. Aliás, é curioso notar que três vezes no
- 321-
Evangelho Cristo assinala ,a hypomoué 1 <:orno condição e dima
indispensâvel para que alguém dê fruto múltipJo :
Lc 1,15: .. .. ....queles que de coraçlo nobre e bom ouvem e cono
seNlm a palavra, prodlJzam frutos na pae16nell",
Lc 21.1' : "Por '10". pecllncla Sllvlrels vossas vidas",

Mll0,22: " Aquele qlJe ~T$tverar (:;:; paclenter) ate o fim, s8r6 salvo",

Essa paciência não é mera passividade omissa. Ao con·


trArio, vem a ser heroismo, ... silencioso, sim, e humUde, mas
de importância vital tanto para quem pacienta, como para aque-
les Que cairiam e pereceriam se o cristão renunciasse à paciên·
cia evangélica. Todos nós precisamos daqueles que sabem
agüentar tirme e tenazmente. . . até o fim,
De resto, um escritor francês ateu em nossos dias 2 terá
dito que «o que mais lhe doia era ver que a maioria dos homens
não Chega ao fim do seu ideab, isto é, não realiza por completo
as suas potencialidades, não atinge a sua plena estatura inte·
rior ou espiritual; morre com personalidade não plenamente
desabrochada.
Sábia observação! E Quais as causas desse fenômeno de
não desabrochamento! Em vários casos, são independentes da
vontade do interessadoj mas em não poucos outros talvez se
l'eduzam a covardia, mesquinhez, falta de persistência e tena~
cidade,
Senhor, não nos aconteca ta1 d~sgra~ ! E , em vista disto,
dã·nos a graça de marcar cada um dos nossos dias com a ta~
reta padente e perseverante Que pedes de nós. Embora nos
possa parecer inuW, saberâs dar-lhe o fruto correspondente,
pois és o Grande Artlflce, que sempre soube fazer maravilhas
com material pobre e precário, mas Indefinidamente dlsponivel
c maIeâvel em tuas santas Mãos !
E. B.

1 Esta palavra '11"''1111 algnlfica "permllnecer debab:o .. . ", sul1enlln.do,


s uportando, Quom com ,"UI mio IUll18nl1l uma carga, fu trabalha penoso
e por ...eleS nlO reconheeldo. ma8 importanllsslmo. Assim ao crlstlo com·
pile suporlar a aç10 do Deus nele e na Igreje, sem JamaIs dlper : " Nlo
·egüento male I Desl.to I"
:I Albert Camua ou Y\ndr6 Glde, .egundo .... os consta, Poderia o bené-
\/010 leitor aJudar·no. s dirimir a dú vida?

-322 -
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XV _ Nf 177 - Setembro d. 197'"

Que sentido têm 1

as tenta~ões de Jesus
Em tini... : O epls6dlo daa lenlaçoe. de Jesus (M! 04,1-11: Me
1,12$: Le 4, '·'3) , lido por certas corranles de .studlosos como crlaçt.o
das anUgas comunidade' crl.liI d...lo$4' de dl.Ungulr do Ideal.meaallnlco
do. Judeu o autlntlco concolto de Messlu, ..• ou deseJOI8' do mostrar em
Jesus o modelo do erlslAo que dllNlI enfrenlar as tentaçlles do dem6nlo.
Neste caso. o relalo evangélico nAo corresponderl. 8 um latp} hlst6rico.

Todavia hl. argumentos para 18 dizer que a nar.raçlo daI 'enlaçO,.


se rafere 8 uma ocorr'l'ICla real, pala qual Jesua quis pauar no limiar da
sua vida pública li que Ele relatou oportunamente aos dlsclpulOll. a 11m da
dissIpar .1 concapç&et de MUlr.. pollllco li neclonall8ta por eln nutrida •.
Na verdade, • dllloH compreender que os primeiros cmltas tenhem forlado
um episódio em que I humildade de Jesus fossa tio loca Iluda quanto no
epIsódio das leola;Oes.
O lalo histórico, rel .. lado por Ja.us, 101 apresanlado pelos Evangelistas
com traços flcUclos : Jesus transportado pelo demônIo, montanha donde
se avislusam lodos o, rainos da terra. .. Nlo alo esaes pormenotM qui
Inlereuam, mas, sim, o contronlo que 08 evangelistat pennilem laur enlre
as tlnlaçOes de Israe l no deserto It as de Jesm .•. Este rol lIal ao Pai,
am oposlçlo ao anllgo pOYO, rebelde • Inconstante. Abriu assim _08 cr"-
tios a pel'lpectlva de prolongar o I"odo de Israel com a esperança da
vencer as lenteç81s da caminhada e ehega, devidamente l Casa do Pai,

• • •
ComentáTio : Uma das dificeis passagens do Evangelho é
a que se refere. às tentaCóes de Jesus oeorrldas no deserto logo
no inicio da vida pQbUca do Senhor e relatadas em Mt :4.1-l1 ;
Me 1,125 i Lc 4,1·13. Visto que o texto ~grado apresenta Jesus
sujeito às sugestões do demOnio com~ ~ pudesse cair em pe-
,cado. o episódio, p~ não poucos leitores. assume e indole de
fábula ou I1llto. Don.de as qu.es~ões: trata-s.e de· .(ato hlstórJ~ !
Em caso poslUvo, como en~nder o delTl6nio .tentad.o r e 8IiI aU~
~es de Jesus.·frénte às $tias 1.Dvectlv:as 1 . ;.
-323 -
4 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS, 177/1974

e o que procuraremos elucidar nas páginas seguintes, le-


vando em conta os estudos dos exegetas mais recentes. Examl~
naremos primeiramente a posJção dos que negam a autenticl~
dade histórica do ep[sód\o, atribulndo-o à fiCÇão ou à criativi-
dade imaginativa das comunldades cristãs do século L A seguir,
consideraremos a tese que a.f1rma a historirldade das tentações
de Jesus e exporemos o sentido que os respectivos relatos pos-
sam ter no quadro geral do Evangelho.
o assunto lã 101 abordado em PR 89/1967, pp. 199-208. Abaixo apre-
santaremos novos .nloques.

1. Tentações de Jesus: ficção?


Os autores que negam a realidade histórica das tentações
de Jesus, NCQrrent. a razões diversas para basear a sua posição.
Examinaremos as principais :

1 .1 . A flcçlo: fundamentol literários


a) Como se compreende, OS estudiosos que negam a rea-
lidade do demônio, recusam conseqUcntemente a hlstorictdade
do episódJo das tentações. Não nos deteremos Sobre essa sen-
tenca. pois fA abordamos a questão da realidade do demônio
em PR 166/1973, pp. 435-:450 ~ neste artigo são expostas as
razões pelas quais a fé cristã. baseada nas Escrituras Sagradas
e na Tradi(áo, afirma a realidade do demônio como anio de-
caldo, a quem Deus concede agir contra os homens para com-
provar-lhes a virtude.
Negar a realidade das tenta!:ÕeS porque nelas aparece o
demônio (como em relatos da mitologia aparece um Tentador
imaginãrio concebido pela fantasia popular), é atitude derivada
antes de preconceitos do qUe de conclusões cientificas e obj~
tlvas. O conceito de demônio na Biblia não pode ser equiparadO
ao do Ser Maligno das literaturas extra-biblicas; nestas a 1m-
piraçAo fUndamental é pollteista; os deuses ou semideuses lutam
entre si ou com os heróis humanos que se querem autoat"tnnar.
Ora no rclato evangélico das tentacÕês Jesus nada tem que o
assemelhe a um. guerreiro ou lutador humano que, em suas
conquistas, seria entravado por um semideus maligno; mas, ao
contrério, demonstra a pu e a superJoridade de esp1rlto que o
acompanharão até a morte. De resto, na parte f1nal deste artigo
consideraremos o profundo significado teológico das tentações
de Jesus.
-324 -
AS TENTACOES DE JESUS s
b) Não poucos autores apontam a IlDgnlar estrntma Df&.
.n\rla dos relatos das tentações como prova de que não sejam
históricos.
Dizem, por exemplo:
_ Os Evangelhos não apresentam outro caso de encontro
pessoal de Jesus com Satanás. Por conseguinte, o episódio de
Mt 4,l~11 não terá sIdo arquitetado pela fantasIa popular dos
primeiros cristãos? - A pr0p6sito, porém. pode-se dizer que
também São Paulo não aponta. outro arrebatamento ao ter-
ceiro céu além do que refere em 2 Cor 12,2-4; todavia nem
por Isto se poderá negar a veracldade do qUe o apóstolo refere
nessa passagem de suas cartas.
- Alguns autores observam que, no episOdIo das tenta-
ções, não hâ uma palavra original de Jesus, mas as três re&-
postas do Senhor ao demOnlo são tiradas das Escrituras sagra-
das (Deuteron6mio). Não quer isto dizer que os antigos cris--
tios, ao forjarem o episódio, tiveram o escrúpulo de atribuir
a Jesus palavras que Ele não havia proferido e, por isto. colo--
caram em seus lábios textos do Deuteron0m101- Em resposta,
dlga~se : não há absurdo em que as I'épUcas de Jesus tenham
consistido em citações bibllcas. O Senhor possivelmente quis
vencer Satanás com o recurso às Escrituras, seguindo assim a
praxe dos rabinos e mestres de Israel, que costumavam dirimir
dúvidas e controvérsias mediante o testemWlho das Escrituras.
Outras passagens do Evangelho nos mostram Jesus a utl~
lizar sabiamente os textos sagrados de Israel ; assim a res-
posta dada por Jesus aos enviados de João Batista faz ampla
alusão às profecIas de !salas (cf. Mt l1,4s) ; as palavras do
Senhor sobre o cálice. na ultima cela. fazem eco a :E:x 24.8
(cf. Me 14.24 e paralelos).
- Mais : não falta quem observe que o relato das tenta-
ções no Evangelho não é colocado nos lábios de Cristo. Não é
Jesus quem o refere; mas, ao contrá.r:lo, os Evangelistas falam
de Cristo na terceira pessoa. - Ora. à guisa de elucidação.
pode-se obseI'Var que, no caso de terem sido as tentações tatos
históricos, somente Jesus as podia narrar aos seus apóstolos.
Pois bem; Jesus não as terá narrado logo d~po1s que ocorr~
ram, mas bem mais tarde. ou seja, quando os dlsclpulos já colo-
eavam em Jesus as suas esperanças mess1An1cas e se admJra-
vam por verem que Ele não procedia segundo as concepções
(poIlticas e nacionalistas) que elES nutriam a respeito do Mes~
- 325-
6 (PERGUNTE E RESPONDEREMOS) 177 / 1974

alas. Ora, quando os EvangeUstas qulseram relatar essas tenta-


ções, colocaram-nas no &eu .respectivo contexto cronológico, Oll
seja, no inicio da vida pública de Jesus, e não no momento his-
tórico posterior em Que Jesus as referiu. Compreende-se então
que tenham tido que modificar o estilo da narração : O USO da
prim'e lra pessoa do slneular só se entenderia dentro das c1r-
runstinclas em que Jesus havia eontado o epIsódio: fora des-
sas clrc\mstAnclas, ou:seja, no contexto do inicio da vida públlca
de Cristo. os Evangelistas tinham que referir o eplsódio na
teroelra pessoa do singular.
Por conseguinte, o fato de que a narrativa das tentações
não é diretamente atribuida a Jesus não quer dizer que os res-
pectivos narradores não ousavam colocá-la nos lábios de Cristo
ou a tinham ,na conta de lenda.
c) Positivamente falando. os autores que negam a reaU"
dade das tentações, ju1gam que as primeiras comunidades crts~
lãs conceberam 'O relato das mesmas como uma ficção dldàt1ca
ou narrativa edlficante (hagga.dab, em hebraico) . A finalidade
dessa ficção seria
_ ou explicar que as expectativas messiânicas dos cristãos
nada tinham que ver com as relvindlcacães nacionalistas dos
judeus : o Cristianismo não concebia o Messias como um Rei
portador de fartura e dotado de prestigio e poder, ,
_ ou transmitir às gerações futuras urna narrativa de
resistência modelar à açlo do Maligno: procurassem os cristãos
imitar O Senhor, lutando energicamente contra as tentações
e o pecado!
Passamos agora a anallsar as dificuldades que outros exe-
getas apontam contra a tese da ficção.
'.
1 .2 . . .
A 1lc:çIo: objeÇ(5ea .
a) O Pé. Lagrange e outros autores mostram que não se
pode conceber o relato, das tentaç6es como produto da lmagi-
nacão popular. Com efeito, trata-se de um relato cuidadosa'.
mente construido; que supõe profunda reflexão teológica· e pene-
trante ccinípreensio' da inlssio de Jeswt Em conseqüência. deve
Ser atribuldo 'a ' wna ~ pe:tsoriàlldade" dotada de lúcido senso relI-
gtó<o··e de rio1áveHel4 póétl!!& (teiibam'Se 'ein ·v1sfIi··... ·lilgnlfl-
~vA:s- linágéilS -dar niítraÇlo) . Ora tais predJcados estavam
realmente associados em J~.'

-326 -
____________~AS~~TENT
~~A~C=OES~~D~E~JES~U~S~__________ ?

b) . Causa estranheza pensar que as comunidades cristãs


antigas tenham atribuído gratuitamente a Jesus urna aventura
como a das tentações. Os antigos cristãos, depois de Páscoa e
Penrecostes, eram multo mais lncllnados n exaltar a glória e a
transcendência de Jesus do que a sua possibilidade de ser ten-
tado ao mal : .As testemunhas do Cristo glorificado não podlam
Inventar essa história. das tentacões, em si assa:z escandalosas,
do 'Filho de Deus', (A. Nlsln, cHistolre de Jésus ~. Paris 1961, .
p. 139).
Os primeiros cristãos aguardavam ansiosamente o Filho
de Deus que aeVIB VU' dos oous II 'J.'es 1.101 e que JuJgana os
vivos e os mortos, inaugurando definitivamente um remo que
não teria fim j de todo o coracão asplI'avam a esse termo da
l'ust.6ria, eXCl8.nl8.Ildo: Mara.na t.ba, Senhor, vem! (cf. 1 Cor
16,22 : Apc 11,20). Nessa perspectiva, a história das tentaç6es
já não correspondia aos interesses imediatos dos pr1melrOS cris-
tãos; estes nao se preocupavam com as expectativas polltJcas
e terrestres que 05 Judeus nutriam em relaçao a.o MessIas; vol·
tavam·se muito mais para a a1ória do Senhor, vencedor da
morte, do que para a humllcla.de de Jesus peregrino na terra
· e sujeito a 8Otrer.
c) Mais ainda: as respostas que Jesus dá ao tentador
têm teor genérico e sóbrio: cO homem não vive só de pio . • •
Não tentarás o Senhor • • • Adorarás o Senhor teu Deusa. Se OS
primeiros cri$tãos tivessem torjado respostas a ser colocadas
artificialmente nos lábios de Jesus, teriam procui-ado na Escri~
tura dIzeres muito mais correspondentes à glória final do
Messias; entre outras, por · exeplplo, estariam a prop6s1.to as
palavras do SI 2, 8, dfrjgidas por Deus Pai ao Messias: cPede
·,a mim e eu te darei todas as na05eS pOr herança e os confins
da terra•. Donde se conc:lul Q.ue a. discrição .das respostas de
Jesus ao tentador, no EvaDge1ho, é Indicio de que tais palavras
provêm do próprio Cristo e nio dos pregadores ou escritores
do Inicio da era cristã.
Vê-se. pois, que não há razão para negar a autenticidade
· h1st6rica do episódio das tentações de Jesus. Pode--se dizer que
· Cristo passou realmente por tal certame contra o demônIo no
deserto, a sós, e contou o fato n seus d1sdpulos no momento
oportuno, de que adIante falaremos. Importa. agora saber se,
· na verdade, os EvanGelhos apresentam alguma ou algumas
· ocasiões plausíveis para que Jesus mesmo relatasse as tenta~
cães aos seus apóstolos•
.- 327-
B úJERGUNTE E RESPONDEREMOS> 177/1974

2. r.ntolõ., d. Jesus: realidade hist6rico


Podem-se ElSSlnalar três traços da vida púbHca de Jesus
que terão fornecido ensejo a que o Senhor alguma vez tfllasse
das suas tentações aos apóstolos: o pedido de sinais por parte
dos fariseus, as expectativas messiânicas dos disclpulos e o
papel do demlm10 no Evangelho.

2.1 • PedIdos da alnal1

Jesus se comportava sempre com grande autoridade mes-


mo dJante dos valores sagrados de Israel, de modo a s\u"Preen-
der os seus contemporâneos. Tenha-se em vista, por exemplo,
a conduta de Jesus em sâbado (Me 2,23-27; 3,1-6; Le 13,10-17),
o conceito de Jesus coneernen~ aos a1lmentos hnpuros (Me 7,15
par.), OS- confrontos entre a Lei de Mofsél; e a nova Lei (M:t
6;21-48). Jesus assim se mostrava Investido de mlsslio divina.
Os rpestres de Israel. impressionados com isso, pediam a Jesus
as credenciais que Justificassem a autoridade que Ele atribula
a Si mesmo (cf. Me 11,28) ; pediam-lhe um sinal proveniente
do céu, pedido este que os EvangeJ.istas classificam como .ten-
tação. (c/. Me 8,11; Mt 16,1; Lc 11, 16.29). O próprio Hero·
des, na hora da Paixão, espe"rava ver um sinal de Jesus (cf.
Lc 23,9), como também 09 sacerdotes e escribas aguardavam,
ao avistarem Jesus pregado na cruz (cf. Me 15.32; Mt '27,428;
Lc 23,35.37). To<1avia o Senhor recusou dar qualquer~ sinal ex-
traordinárIo da sua autoridade; o único sinal seria" a fidelidade
de Jesus à sua missão a ponto mesmo de morrer e ressusc1tar
(cf. 1>It 12,38-40 ; Lc 11, 290).

Ora essa constante rerusa de Jesus deve ter desconcertado


os dlsclpulos. Já que Jesus fazia milagres, por que os recusava
aos seus adversârios ! Saüsrazendo a estes, Ele teria evitado
problemas e embaraços 8 si e 80s seus dlsclpulos. :e de crer entACI
que Jesus tenha procurado explicar a SU8 atitude aos apóstolos:
a narracão das tentacÕeS projetaria luz na mente destes; com
efeito. tanto a primeira como a segunda tentacã.o sugerem a
Jesus faca um sinal, para Q.ue se evidencie que Ele é o FUho
de Deus ... As analogias entre as solicitações do Tentador no
deserto e as dos adversâIios de Jesus (farlseus, Herodes) du-
rante a sua vida pública são impressionantesj percebendcrBS,
os dise:pulos compreenderIam que pedir sinais era querer de-
turpar o plano de Deus, como Satanás tentara fazer no de-
serto ...
AS TENTACOES DE JESUS 9

2.2. AI expectaÜVII . . . .llnlcla doa dllCrpulol


Jesus avivou fortemente em seus discipulos as expectativas
messiânicas que, desde remotas épocas, animavam Israel. Essas
esperantas tlnham por termo um reinado poI:tlco e próspero
do Messias. que venceria e subjugarla os povos pagãos. São
estas expectativas que explicam o pedido dos filhos de Zebedeu
a Cristo : «Concede.nos que na tua glória nos sentemos um A-
tua direita e o outro à tua esquerda» (Mc 10,37) . Note-se tam·
bém : depois que Pedro, em cesaréia de Filipe, proclamou Jesus
como Messias, esse mesmo apóstolo se escandalizou ao ouvir
o Mestre falar de seus sofrimentos e sua morte; ao que Jesus
repUcou : cRetlra·te de rnlm, Satanás, pois os teus pensamentos
não são os de Deus. mas os dos homens~. (Me 8, 23) . Pedro
julgava a perspectiva dos sofrimentos incompatlvel com a
dignidade messiânica. que ele atribuira a Jesus: e Isto ... por·
que o conceito que Pedro tinha do Messias era precisamente
o conceito que o demOnio tentador sugeria : o Me!S1as não p0-
deria padecer • .. nem mesmo fomei deveria reinar sobre Israel
e os de..'1lals povos congregando 08 homens em torno de li me--
diante sinais prodigiOSOs. - A afinidade existente entre os
epl.s6d!os de Cesaréia de Filipe (Me 9,27·33) e as tentações no
lnicio do ministério pÚblico de Jesus dão a crer aos exegetas
que o incidente de Cesaréia foi a ocasião precisa para que Jesus
contasse aos seus discipulos a história das tentatões. Nar-
rando-as, o Senhor queria que os disc'pulos compreendessem
que as expectativas poUUcas e nacionalistas de 1sarel tinham
uma nota fortemente diabóllca.

2 .a . O papel do dem6nlo no Evangelho


A funclo Que o demônio desempenha no relato das ten·
tacões, corresponde ao papel que Jesus atribui ao demOnlo em
toclo o decorrer da sua. missão : «Agrade ou não, é preciso re-
eonhecer o fato: Jesus leva o demômo a sério: consldera·o
com'.) seu antagoniJta, cujas manobras Ele tem que suplantar
e vencer~, 1

Não raro Jesus apresentou sua obra como Juta contra


Satanás, o Prlnclpe deste mundo (cf. Jo 12,31; 14,31) . Os
exorcismos ou expulsões dê demônios dão testêmunho disso,
como explica o próprio Cristo: cSe é pelo dedo de Deus que
1 J. D\.Iponl, "L'orlgln. du r.clt des 'entaUon$ de J~bu.", em "Aevu.
Blbllqut" 73, Janv. 1;68. p. es.

-329-
10 cPERGUNTE E RFSPONDEREMO~ 117 /1974

expulso os demônJos, O Remo de Deus chegou a v6s~ .(~ 11; 20;


Mt 12,28). Em conseqüência de sua luta contra o demônio,
dWa Jesus: cEu via Satanás cair do céu como um relâmpago:a>
, (Le 10,18). Todavia, já venddo em principio, .Satanás procura
pôr obstácu1os à missão de Jesus através dos séculos, como
previu Jesus. Assim ele é o inlmlgo que semeia o j010 entre o
trigo (d. Mt 13,24·30) ; ele sacode os dlsclpulos de Jesus como
grãos dê trigo nwna peneira para lhes arrancar a fé (Le 22. 31);
o Apocalipse diz mesmo que Satanás se arremessa contra os
homens com furor, porque sabe que dispõe de pouco tempo
antes da consumaeão da sua derrota (cf. Apc 12,12) . . . . Ora
é esse mesmo adversário que aparece na história das tentacôes.
procurando impedir o golpe que Jesus lhe intliglrâ pelo cwnprl-
mento fiel do plano do Pai, ou seja, sugerindo 1l Jesus que se
tome um Messias prestigioso e dominador político. Vê-se assim
Que a tarefa desempenhada por Satanás na história das tenta-
ções é a mesma que Jesus lhe atribui habitualmente no decor.
rer da sua vida pública. Compreende-se ilmtão que Jesus tenha
.narrado o episódio das tentacões quando ju1gou oportuno elu-
'cfdnr problemas ou questões que surgiam durante o seu con-
vivia com os apóstolos.
Resta·nos agora tentar penetrar. no s!gn1flcado que toca
8 tal episódio no conjunto da mensagem evangélica.

3. Tentações de Jesus: slgnificado


DIstinguiremos roupagem llterârla e mensagem dQ texto
evangélico.

3.1. ArUncfos estlUsUcoI


A critica sadia admite, sem hesitacão, certos artificios'llte-
ririas nos relatos das tentaçóes :
Assim a meneio de um monte tão alto que dele se poderIam
avistar todos os reinos da terra (el. Mt 4,8), Q transporte de
Jesus por obra de Satanãs (cf. Mt 4,5 .8) . ..
Mais: a presenca· de Jesus em meio aos animais lerozes
no deserto, enquanto os anjos Lhe serviam (cf. Me 1,13), tam·
bém é tida como recurso estillstlco, que lembra a escatologia
ou a conswnaeão dos tempos tal como a descreve figurada·
men~ o piofeta Isa1as: ._ .. ' .... .. _. _ _ _
- 330 ·-
AS TENTAçOES DE JESUS u
"Entlo o lobo habltar6 com o cordeiro. e o leopardo deitar. .' 10
lado do cabrito; o novilhO e o leio comerlo Juntos, e um menino os ccm-
duzlri. •.. O leio comeré. palha com o boI. A crlançe de pello brincara aobra
a toca da serpente" (Is 11, 608).
Essa coabitação tranqUlla do homem com os animais anun·
cia. segundo I.sa1as, a renovacão da paz do paratso. Em Me 1,13,
por conseguinte, Jesus aparece COInO o segundo Adão: é o novo
homem, que traz em si a paz com Deus, a ponto de suplantar
a estranheza ou a hostilidade da natureza que o cerca; Cl'lsto
vei<l introduzir o gênero humano no estado de reconciliação
prevista para os últimos tempos. O serviço dos anjos nesse con-
texto tem o mesmo significado: paz com Deus é também fami-
liaridade com todos aqueles que servem a Deus.
Mais ainda: nada obriga a crer que o demônio tenha t0-
mado figura sensivel ou visivel na presença de Jesus para. dia-
logar com o Mestre. Basta admitir que o Maligno tenha inter-
pelado Jesus em um diéJogo meramente espiritual, semelhante
aos que podem ocorrer freqüentemente na vIda de tada homem
até hoje.
Deve-se Igualmente mencionar que o número 40 na Bíblia
ê multas vezes convencional: designa a duracão de uma gera-
cão ou um período longo cuja duração exata é desconhecida
(nas linguas persa e turca a centopéia, animal de cem pés, é
chamada equarentopéla.) . Tenham-se em vista os seguintes
dados :· Elias caminhou durante 40 dias e 40 noites até a mon-
tanha de Deus chamada Horeb (cf. 1 Rs 19,8) i Israel esteve
40 anos no deserto (cf. Núm 14,22·34): Moisés pennaneceu no
Sinal 40 dias e 40 noites (cf. :tx 24,18\; o dilúvio durou 40
dias e 40 noites (cf. Gén 7,4); a terra de Israel gozou de paz
durante 40 anos após a libertação realizada por alguns juizes
(cf. Jz 3.11 .30; 5.32; 8.28); Davi reinou 40 anos sobre todo
o povo de Israel (cf. 2 Sam 5,4) ... l!; à luz destes elementos
literários que se deve considerar o periodo de 40 dias em que
J'esus jejuou, confonne o Evangelho. O leitor eonc1ulrâ dai que
Jesus se entregou a jejum severo e prolongado; mas evltarâ
descer a pormenores, renunciando a .saber como se deu exata-
mente o jejum de Cristo. - Não tem propósito dizer que Jesus,
ao tenno de 40 dias. estava extenuado e alucinado pelo jejum
e. pontõ de lma.ginar a aparlçlo do demOnlo e o diáJogo das
tentações. Estas seriam mero produto da mente perturbada do
Senhor, vitima de excesalvo jejwn. Tal explicação é descabida
por três motivos :
a) não leva em. conta o esUlo do texto do Evangelho, que
hA de ier lido à luz ~ citadas passagens do Antigo TestamentO

=~l=.
12 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 111/1974

e entendJdo no sentido ls vezes vago ou convendonal que o


número 40 tem na Biblla ;
b) Jesw respondeu a Satanás com a tranqillUdade e su·
perforidade que um '8lucinado jamais poderia conceber;

c) ademaIs a alucinação e a doença mental são notas que


absolut8mente náo quadram na personalidade de Jesus, que,
como homem, sempre se mostrou extremamente sadio de corpo
e alma, dotado de constante bom senso e hlcidez de espírito,
inabalável em seu equll1brio; cr. PR 151/ 1972, pp. 31Cf-322;
152/ 1972, pp. 343-358; 153/ 1972, pp. 391-407.

3 .2 . A men••gem a par1tr do fundo da cena btbllco

Observemos agora a grande afinidade literátia. · existente


entre o relato evangélico das te-!1tacêes segundo Mateus e as
Escrituras do Antigo Testamento (principalmente o Deute-
ronômio) :
UI

",1 "Jelu" entlo foi levado pelo "O Senhor teu Coua ta ]8'0'00 para
E'plllto ao deserto para ..r tonta- pOr-le • prova" (OI 8,2).
do", " Ele te eondtu:lu duranto quareJ1ta
anOI no deserto, .. Ele 'a fez lorrar
e pa~"f lome" DI a,2.),
",2 "Depois de Jejuar quarenta "Mola6a neou lunto do Senhor qua-
dIa. e qualenta noU•• , teve lome". renta di.. e querenta nolle., sem
come r 11'10 o .em bober 'gua" (tlC
3.,28).
"DI,.. Mcls6s: 'Perm.nec:1 nI
monl.nha qUllenta dia e quaranta
nollel, te m comer pio • •em beber
agu." (DI UI).
..... "E.t' escrito: 'Nlo s6 de pIo "Nlo a6 de 11"0 vive o homem,
vIve o homem, mes do loda palavra m.a de loda palavra que 111 da boca
quo sal da boca de ceuI", de DOUI" (DI 8,3).
4 ,8 "c.r' on:lent 110. le uI anjo. "Dar' ordens 801 MUI anJoe a
• tou respeito; ellls te lev.,lo nlll teu re spello; eles te leva,lo nas
mb pala quo nlo 11m OI p61 am miot para que nlo 11r. oa pés em
a llluma pedra". elguma pedra" (SI 9O.11e).
4,7 "E,eté. .. erlto · tamWm; 'Nlo "Nlo tentartls o Senoor leu tI&uI"
'ent.,•• o Senhor teu Dllus", (OI 6,16). .
",a M", lobre um monle multo "Moi". subiu sobre a montanh ....
alto, donde lhe moalrou todos os a o Sanhor lhe mostrou a terta (de
relnoa da !erra". Cenal)" (OI 34,1).
AS TENT ACOES DE JESUS 13

".10 ""dorarAs ao Sanhor leu "e o Senhor teu OOUI que edor.·
Deus, e s6 a Elo servi"',", rés e a Ele só que urvirás" (OI
8,13).

" .'1 "Eb que se oproxlmarem ot "Como I 6gula ....,. sobre o MU


anjo. e Lhe .. rvlam". nlnho ·ou palra sobre o. filhote.....
lende .. a... paro o. recolher a
OS IlIva sobre as suaa penas robus·
tas. só o Senhor dirige Israel" (Ot
32.11s).

Refletindo sobre este quadro, pode-se dizer o seguinte:

3 .2 .1 . O Oxodo prolongado
O uso tão freqüente e constante do Deuteronômio no relato
evangél~ mostrA que o evangelista quis apresentar a tentação
de Jesus no deserto sobre o fundo de cena da tentação (ou
Pl'OVIlção) que Israel sofreu da parte de Deus no deserto. O
antJgo povo de Deus outrora foi submetido tà prova da. vida
dura em Arida região, a fim de passar do cativeiro do Egito
para a llberdade da Terra Prometida; Israel, porém, reca1cl·
trou: chegou a tentar reciprocamente a Deus. manifestando
88.udades da terra da servidão. Em suma. Israel foI um fUbo
Infiel e rebelde, como o repetem a. Le[ de Moisés (d. Dt 6,18;
17.2.7: 32-34; Núm 14,22), os salmos (et. SI 77,18-41; 8Q,11;
94,8; 95,6), os profetas (et. Jer 7,22; Ez 20,5: ls ·63, '10) e
06 autores do Novo Testamento (Hebr 3.16j Jud 5),
Ora Jesus no deserto quis assumir o papel do povo de
Israel, p.ara ser, dessa vez, o Filho obediente e humilde: aceitou
Integralmente a mlssAo que o Pai hav[a confiado a Ele como
homem, sem f:tentar:t o Pai. pedindo sinais O.U cedendo às
sugestões politlcas e nacionalistas de SatanAs.
O texto do Evan5t:elho. confhturado como estã, assemelha
Jesus também ti. MolsM. Com . efeito; como Molsês atravessou
o Mar Vermelho, entrou no deserto e se preparou pelo jejum
em atta montanha, para promulgar a Magna Carta de Israel,
assim também Jesus rerebeu o 'batismo' 1 , foi para o deserto e
Viveu, de ·certo modo, a eJQ>erlêncla do êxodo félta Dor Moisés
e Israel outrora.. Ele otHs principalmente passar pelas provas
a que foi submetido Israel, a fim de chancelar as faltas da C!e--
raçio do êxodo e obter para os homens a entrada na verdadeira
t J6 Slo .Paulo via na p ....gem do Mar Vermelho ·. um tIpo ou UrM.
Imagem do baIlamo; cf. 1 Cor 10, 15.

-333 -
14 orPERGUNTE E RESPONDEREMOS, lT1 /1974

terra de. llberdade, que ê a Jerus8lém celeste ou o Reino de


Deus consumado. O Evangelho assim quer cU:zer-nos que o
êxodo não se tennlnou com Moisés e o povo que atravessqu o
deserto. mas continua e se consuma com Cristo e com o povo
cristãe. - Assim a vitória de Jesus sobre Satanãs tem sentido
de cposlção e reparação em relacão à derrota sofrida por Israel

3 .2 .2 . A lIçlo moral
A1ém da intenção de apresentar uma c:teologla do êxodG e
da tenta~o" podemos descobrir no relato evangéllco também
uma finalidade parenétlca ou exortatória. Os Evangelista.s não
escreveram apenas para Instruir, mas também para encorajar
os leltores e oferecer-lhes wn modelo de <:onduta perfeIta. Com
efelto, na visAo de Mt e Le. a comunidade dos judeus do êxodo
vem a ser um ponto de referência para as eomunidades c:rIstãs.
Por eonsegulnte. os fatos ocorridos com aquela oonstituem de
certo modo uma admoesteçio para os fiéis er1stãos (cf. 1 Cor
lO, Vll) . Jesus mostrou que é possivel não cair nas atitudes
de ,pouca té. 1nsubordina~Ao e idolatria dos antigos pais, desde
que 8 cr1atura saiba ter paclêncla e tenacidade.
" ~","",f"
Jesus transformou também a Imagem do deserto: consi-
derado peles israelitas do êxodo como lugar de horror e vasta
solidão (cf. Dt 32,10), o deserto ficou sendo, após Cristo, o
lugar do encontro com Deus. transfonnado. de c.erto modo, em
novo paralso terrestre: as feras vêm a ser ai amigas dos
homens i e, se o tentador aparece no deserto, os fiéis de Deus
podem contar com o exemplo e a graça de Cristo . para su-
peré._Io.l
Procuremos agora tlumular, de tudo o que acaba. de ser
exposto. uma
4. Conclusão
Podece dizer que, mediante o relato das tentações, Jesus
quis incutir wna concepção teológica a respeito do Messias e de
sua obra. Terá. então referido, em meados da sua vida púbUca,
que, havendo-sa retirado para o deserto após o seu batismo,

1 Vtm I protl6tl~ .. !I.lm.. da carta .08 HebllluI:


"NJo temos um SIJMOo s.o.rdote que nlo poeu compadeoer-ee d ..
nDUla fraquem. Pelo cohlr',lo. Ele m.mo foi pruwclo em tudo, ' . nona
semelhança, excelo no. pecado" (Hebr 4,15). .

-33(-
AS TENTACOES DE JESUS 15

foI solicitado pelo tentador. Estava no limiar do seu mlnlstêrlo


sagrado j duas vias e duas perspectivas se lhe abriam ante
os olhos :

1) a fidelidade à vontade do Pai, que O enviara a este


·mundo para resgatar o gênero humano, vitima da desobediência
e da marte. Devia. pois, lazer-se obediente até a morte, renun-
ciando aos bens deste mundo, de que o primeiro Adão havia
abusado;

2) a possibilidade de adotar uma carreira fécll e agra.


dável, procurando impor-se como o Salvador politico de Israel;
não Lhe falte.rJam meios de fascinar o povo em seu favor. Na-
turÜJlente, esta segunda perspectiva equivalia a uma traição
aos designios do Pai ; correspondia exatamente ao que Satanãs
sempre procurou obter dos homens. O povo de Israel mais de
uma vez sucwnbira à tentacáo de Infidelidade para com Javé,
principalmente durante os quarenta anos de travessia do
deserto.

DIante do dilema, a santíssima vontade hwnana de Jesus


escolheu deliberadamente a obediência ao PaJ, abntçando a
renúncia, por mals penosa que fosse. Cristo não lmltaria a du-
reza de Israel, nem se poria a servIço de Satanás. Mais tarde,
no horto das Oliveiras Jesus de novo farIa tal opção.

Se queremos falar com sobriedade, evitando ponnenores


pouco seguros, devemos dizer que 101 Isto o que se deu ao cabo
dos quarenta dias de jejwn passados no deserto. Para transmi-
ti-lo aos apóstolos, Cristo terá usado uma linguagem Que. em-
bora seja pouco comwn entre nós. era muito familiar 2. eles,
pois recorria a Imagens, cenas concretas e nume1"QSU cltac6ea
b:bllcas.

o episódio assim põe em relevo o cpoI'Quê:t da Encarnação


do Filho de Deus; Ele se quis fazer homem a ponto de passar
pelas tentações que nós experimentamos. 8. fim de dar sentido
novo a tudo o que ê humano, até mesmo aos assaltos que o
MalIgno empreende contra nós. Jesus quis conferir aos homens.
para o futuro, o poder de vencer as tentaCôes. qUe tOOos devem
enfrentar no deserto desta vida ou desta peregrinaçAo terrestre;
as situac6es se repetem analogamente através dos séculos. De-
pois que Cristo passou pelas tentações e as suplantou, não hã
mais perigo de pecado que seja lnsuperâvel aos homens.

-335-
16 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS) 1'77 /1974

Em outros tennos: como a história de Israel tentado se


prolonga na de Cristo tentado, ela se continua outrossim na
vIda de todos os cristãos. Também estes são postos à prova.;
compete .lhes. a seu turno, triunfar, aproveitando as llçõel da
S. Escritura e do Filho de Deus. Saibam, pois, os cristãos re--
conhecer os perigos existentes nas concessões morbidamente
feitas ft. natureza (cobice de prestigIo, do portentoso e dos bens
temporaisl o sigam OS caminhos da fé, da ronúncla O da humil-
dade que Cristo trilhou. Assim evitarão as quedas do povo pfé..
-cristão, e torn.ar-se-ió os verdadeiros d1sdpulos de Cristo.
Tal é a mensagem que o epis6dlo das tentações de Jesu.
quer transmitir. Náo são os pormenores do texto que devem
deter a atenção dos leitores, mas, sim, o &eu ensinamento
teOlógico.

BlbllOgtafla :
J. Dupont, "Lu tanlsUOM dane lo d.ert (MI IV 1-11)", em "AMtm-
blées du Selgnaur" 28 (1Q82), pp. 37·53.
Idem. "L'o,lglne du ré.:l! das tenlatlons de J6.ul lU d_rt", em "Ae-
vua blbJlqu." 73 (1966), pp. 3G-78.
O. H. P. Thompson, "Called-Proved-obadient. A Swdy 00 te Bapllam
and Temptsllon. Narrativa. cf Mellhew and Luka", em "Jou,naJ cf Theologl-
cal Sludlal" 11 (1980), pp. '-12. .
J . H. Rlesenfeld, "La careci'" messlanlque de la IInlallon au d, •• rt",
em "La vanue du Messle". Aeçherches blbllquea VI. Bruges H162. pp. 5.1-&3.
C, Duquoc. ··lalenlaUon du Ch,lst", em "LumllHe ai \/Ie" 63, pp. 21-4'.
PR 89/ 1967, pp. 1~206.
AInda a on4a do exorcIsmo :

o filme "madre Joana dos anjos"

Em .Intal.: O filma "Madre Joana dos A.nJos" da Jarzr Kawalorowlcz


baula-sa sobra um episódio ree' ocorrido na Fiança entre 1632 a 1637. no
COnvento dls Urtullnas de Loodun. A. IrmA Superior.. chamada Madre Joana
dOi "1'110., começou a aanUr estranhos sintoma, Qua, cOf15Oante • mentlll-
dada da época, loram alribuldol • possasllo diabólica; OI mesmo.
menos passal8m a oeorrar lambAm nas oulrae 11mb da comunldada. - Jã
"/'10-
qUI O mal-estar persistia no convlnlo de Loud un, lpesar do$. numeroaos
,exorcismos 16 praUcados, " eutorldades ,ellglOl .. e elvl. enviaram para
" o Pa. Joio Joaé Surln, J"ulla 'arvorolO, m.. de ..Ode fraca. O alCar·
!:tot. aos poucos foi aendo Igualmenta contlfillado pala ··po.seulo diabO-
· Ilea", d. lort. que .m 1637 leve qua .er afutado da Loudun, Ilclndo su-
jello a cri••, doenllas ai" o fim da vida. Quanto' comunldad. da Uf$ullnu,
em breve voltlram 1 normalidade.

Evldanl.manla, lal cuo 1'110 11m que var com possesBlo dllb6Uca, mo
com histeria e lugastlon,menlo. Klwalarowlcz e:.plora o 'pI16dIo, da lorta
I!" lugorlr que o celibato a -li Clllldada 110 'ator81 de demonllmo ou a'l..
doa pelcopatol6glcos; I vldl rangIa.. , auln'l carlclturada, Juntlmenla
com Outloa vlloles caro. 10 CfI,lIanlsmo.
O clnealla .ngana-se nl lua manelr. de encarar I vide consagrade I
Deus. Esta também li vida de amor a Deu, e ao próximo em termos nobrtl
• dlgnillcantal. O lenómano da Loudun se d.yla ... clrcunll"nclu próprlle
da época; nJo Ifatl o valor da vida rellglOll, qua é a se""almpre uma
daa mels aut6ntlcas expressOe. do Evangell'lo, desde qua vivida com IId.11-
dada. larvor.

• • •
Camentárlo: Voltou ao cartaz dos cinemas no Brasil o
· filme polonês «Madre Joana dos Anjos_ de Jerzy Kawalerowicz
(producão Kadr). Vem fazer eco, do seu modo, ao romance e
ao tllme cO Exorcista~. de que trata PR 173/ 1974, pp. 195-205.
· Na verdade, os assuntos atinentes à possessão diabóUca e ao
exorcismo estão muito em loco desde 1973.
O fUme .Madre Joana dos Anjos_, embora 'date de l.961'é
e seja relativamente pobre em cenários e variedades, impres-
sfona o púbUco. pois trata de tema emocionante 8prest!ntado
r.om esmero e finura.
-337 -
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS, 171/1974

Já que o enredo alude a um fato histórico, vamos, antes


do mals, reoordar tal episódio. Depois disto, poderemos mala
adequadamente analisar o filme cMadre Joana dos Anjos. e
seu significado.
O assunto jã foi abordado em PR TI/1963, pp. 419427,
quando o fUme foi pela primeira vez apresentado no BI'6SII.
Retomamos o tema, procurando atender ao interesse do público
renovado pela u eprise" do filme e pela perspectiva da próxima
exibição de cO Exorcista> no cinema.

1. O fundo d. cena hlst6rlca


Em Loudun (região de Poltle,..) na Franca, 101 fwldado
em 1626 um mosteiro de 11 Religiosas Ursu1inas. Pouco depois,
ou seja, em 1632. a Superiora da comunidade, Madre Joana dos
Anjos, (no século, Jeanne de Belcler) caiu vitima de fenômenos
físicos e psíquicos muito estranhos, que ela e seus contempor&.·
neos logo interpretaram como sinais de poSsessão diabólica. Em
breve, toda as Rellgiosas da casa começaram a manifestar os
mesmos sintomas, como se estivessem igualmente possessas do
demônio : tinham visões, idéJas fIXas, contavam histórias aSSUlJ-o
tadoras. etc. Em suas crises, uma delas (que as outras, a seguir,
imitaram) asseverou que o culpado de toda a tragédia era (I
Cônego Urbano Grandier ..• Dwa~se que este havia desenca·
deada os poderes Infernais para dentro do mosteiro, lan~ando
por cima dos muros da clausura um ramalhete de rosas •..
O capelão da comunidade, C~nego MIgnon, juntamente com
dois sacerdotes da região, iniciou aos 11 de outubro de 1&32
uma série de exorcismos púbUcos em presença de médicos e
autoridades, sem, porém, lograr êxito algum.
Multo solene era então o Ritual dos exorcismos : faz(am~se
no recinto de uma igreja ou de um salão franqueado, após haver
sido anunciados publicamente. As Religiosas possessas e seus
exorcistas enb'avam processionabnente sob os olhares de cen·
tenQS de espectadores; a duraClo média de cada sessli.G era de
seis a sete horas. Esse aparatoso cerimonial, por mais estranbo
ou desproposItado que nos pareça. se entende bem dentro da
mentalidade do sée. XVII! em concebido a fim de edificar OI
bons e converter os maus. De fato, o exorcista. libertando um
possesso, mostraria ao póbUco a eficácia da ora~ão da S. Igreja
e poria em evidência a realidade do mundo invisível, pl'OV()o
-338 _
cMADRE JOANA DOS ANJOS" 19

ca.ndo assim as almas a aderir de todo o coração à S. Igreja. Esse


ponto de vista foi comprovado pela experiência. pois na ver--
dade bom número de :Incrédulos e herejes se convertiam nas
diversas cidades em que os exorcismos eram praticados (uma
das conversões mais famosas foi a de F1or1mond de Rémond,
autor de uma cHlstolre de I'hérésle,,) j em suma, o públlco se
Impressionava profundamente e \'OItava para Deus ao ver e
ouvir os tenOmenos maravilhosos que se verificavam por oca·
sião dos exorcismos.
Jã que o mal nlo cedia em Loudun, o arcebispo metropo.-
litano de Bordéus, D. HenrIque de Sourdls, mandou proceder a
exato inquérito sobre o caso, ficando, em conclusão, apurado
que ai não se tratava de possessão diabólica, mas unicamente
de histerismo coletivo. Em conseqüência, foram suspensos os
exorcismos e estipuladas severas penas para quem ousasse inter-
ferir na situação. Sem demora, a vida no mosteiro das UrsulI·
nas se acalmou, voltando tudo à nonnalldade.
Aconteceu, porém, que em 1633 passou por Loudun um
mWtar, conselheiro do rei Luis xm e homem de confiança do
prlmeJro·mln1stro R!cheUeu: Jean-Martin de Laubardemont.
Pw;eram·no a par da situação; ... em breve Laubardemont re-
cebeu de Riehel1eu a rnLssão de mover processo contra Grandier,
acusado de haver provocado a «possessão:. da comunidade. Lau-
bardernont deu então tnIclo aos !nterrogatórios a respeito de
Granàler e, como oficial do reI absolutista, mandou recomeçar
os exorcismos contra os demônios, que cpocllam estar latentes
nas Religiosas .• • "
eis, porém. que os exorcismos se tomaram ocasião para
que os cdemônioS:. vol~ à atividade, acometendo dessa vez
não só as Religiosas, mas também a1gumas donzelas da cidade.
Já Que a lamentável b1tuação tomava tal vulto, o governo
francês mais ainda se empenhou por debelá-Ia; foi proferIda
a condenação li. morte sobre Grandler, o qual sofreu a execução
aos 23 de agosto de 1633, embora as duas RelIgiosas que mo-.
viam a. acusação se tivessem retratado. Não obstante, contl.
nuavaro as terrive1s crises na comunidade. A fim de lhes fazer
frente. as autoridades civls e rellgiosas apelaram para a Com-
panhla ele Jesus, cujos padres gozavam ele gran<le fama: con-
aegulram fosse enviado para Loudun, em dezembro de 1634.
wn jovem sacerdote jesuita (de 34 anos de idade), o Pe. J.oão
1~ S~. S . J.., multo fervoroso e en~~ mas de saúd~

-339-
20 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS, 117/1974

fraca; jã outrora, mais de uma vez, fora abalado em seu ~


tema nervoso. O novo capelão da casa \U'Sulina deveria aplicar
os exorcismos e procurar aliviar a sorte das Religiosas. Toda-
via, após algum. tempo de convivência com a comunidade, o
Pe. Surln se deu também ele por contagiado pela possessão dia-
bólica; o fervoroso exorcista teve que ser, por sua vez, subme-
tido a exorcismos. Finalmente, em 1637 fol afastado de Loudun,
ficando para o resto da vida sujeito a terríveis manltestatões
patológicas.
Rlchelleu, vendo asslm que todos os esrorços até então
haviam sido frustrados, resolveu suspendê--los; os exorcistas
se retiraram de Loudun, e - coisa maravilhosa! - as Reli-
giosas recuperaram a sua serenidade!
Pergunta-se agora: como julgar o caso histórIco de
Loudun ?
O episódIo é, sem dúvida, multo complexo, dando margem
a l>'RriadOs pareceres dos historiadores. Hoje em dia, com os
progressos da psicologia, ju1ga-se que a comunidade ursullna .e
o Pe. Surln roram simplesmente vitimas de estados neuróticos,
histéricos, etc. Os tenOmenos averiguados se expllcam suficien-
temente por desequllibrlo pslcolOglco das pessoas envolvidas.
Há motivos para se reconhecer o fundo patológico das perso-
nalidades de Madre Joana dos Anjos e do Pe. Surln.

2. O filmo
1. No clnerna Kawalerowicz explora os fatos baseando-se
nc.o romance que a respeito dos mesmos escreveu Jaroslaw
Iwaldewicz. Começa por mostrar a chegada do Pe. Surln. pie--
doso e austero, ao convento de Loudun. a fim de proceder a
exorcismos sobre Madre Joana dOs Anjos. Aos poucos, o padre
ê vitima de seu zelo e de seus nervos: desejando realmente
Ubertar Madre Joana das intestacães do Maligno, ele se orerece
ao demônio como presa, em troca da Religiosa. Em conseqüên-
cia, Surin vai-se sentindo aos poucos, e oada vez mais, cpos-
sesso_ ; o filme tenn1na em uma cena na qual o Padre manda
dizer a Madre Joana dos Anjos que ele aceitou ser vitima do
demônio para poder salvA-la do Maligno e ajudá-la a ser·santa.
Kawalerowlcz acrescentou ao episódio histórico alguns to.-
piOO6 destinados a tornar mais expressiva a tese do fUme.
Tenha-&e e.m vista, por exemplo, a figura da Rellgtosa que fugia

-340 -
(MADRE JOANA DOS ANJOS. 21

do convento e da qual faJaremos adiante. Como quer que seja,


o enredo do fllme é 5Ombrl0, pesado, pouco variado .•. ; sallen.
tam-se, porém. belas peças de canto sacro entoadas pejas Reli-
giosas de Loudun quando náo padecem crises de possessão
diabólica.
2. Perguntamo-nos! qual terá sido a tese que Kawale-
r~cz tencionou comunicar ao públloo mediante o seu fllme ?
- O au'klr declarou expUcltamente em 1961 ser ateu e
materialista. Abordou, pois, um assunto de fundo relIgioso sem
ter senso reUgfoso. Em tais condições, um cineasta arrisca~sp.
a desfigurar o tema apresentado.
Na verdade, foi o que se deu.
Não há dúvida, as Religiosas de Loudun e o Pe. Surlo f0-
ram vitimas de sugestão e histeria. Deve-se reconhecer, com os
bons oomentadores do episódio, que não foram infestados pelo
demônio, como julgavam. Ora., na base deste fato, o filme de
Kawalerowlcz insinua que, de modo geral, a repressão do sexo·
no celibato ou na virgindade leva a tais transtornos pslcopato-
lógicos. Os tnsUntos sexuais coibidos se vingariam do sujeito
que os recalca, Jevando-o a procurar compensatôet em outros
tipos de satisfação. Esta tese é particularmente transmitida por
um dos traços mais característicos do enredo do fIlme (traço
QUe não correspande à realidade histórica, mas que Kawale-
rowicz lhe acrescentou para realçar melhor 11. sua tese) : hA
DO convento de Lol1dun uma única Religiosa enão possessa».
Ma5 precisamente essa Irmã sai do convento, freqUenta o al·
bergue, convive com homens e, finalmente, se entrega a mo
nobre. que a seduz; as demais Irmãs, que ficarll no convento
e não têm tais relações, sAo cpossessaS:t ou mentalmente des-
viadas. A própria Madre Joana dos Anjos, em um diálogo com
O Pe. SuM, afinna nio ter vacacã.o para orar e levar uma
vida· oculta, recolhJda no convento; já que não se casou, no
convento ela tem que .ser ou 1J8J1ta. (para tornar-se objeto do
louvor e da admiração dos fiéls crlstios) 0\1 possessa. (o Que li.
torna. interessante para os exorcistas e o grande público, que
com ela se ocupam).; por .consegulnte, segundo KawalerowiCZt
a vaidade, o orgulho .e a repressão sexual estariam· na raiz doS
fenômenos apIVSentados por Madre Joana dos .Anjos, como tam-
bém na··ralz das expressões da. mistiea crlstã...
Outro. traço do nimé, qQe bem exprime a mentall~de de
~walerowk:z, desta vez no tocante .à .RelJ&lio, é o diAlogo que

-341-
22 .PERGUNTE E RESPONDEREMOS) 177 11974

ocorre entre o Pe. Surln (que ;fã começa a apresentar sintomas


de transtorno mental) e um rabino da cidade próxima: o rabino
sugere concepções estranhas ou ant1rreUgiosas, dizendo que
Satanás te.rt criado o mundo, visto que este ê tão mau; a per·
seguição aos judeus seria recente testemunho do demonismo
da história; os anjos teriam Udo relações sexuais com mulhe.
res ... No fim. O rabino Sê Irrita como se estivesse também
possesso. cNada sei. nada sel b. é a conclusão a que chegam
o padre e o rabino. - A confusio rel1g:1osa e o ceticlsmo são
assim sugerIdos.
Em suma, as expressões da !~. mesmo aquelas que sempre
foram tldas como as mais belas e heróicas (a vida sacerdotál
e a vida virginal). são apresentadas como antinaturals e como
desvJos . da personalidade; 8. disciplina religiosa. a oração e a
penitência são fortemente marcadas eom nota. pejorativa. O
ornar sensual seria o dlnamo de toda a ativIdade humana;
Quando ele não se exerce livremente, provoca histeria e estados
patológicos. que 05 ilomens religiosos, em sua Jgnorância OQ
Infantllldade, chamam cpossesslo diabOllca~... Eis o que In·
slnua o filme.
Passemos agora 1 abordagem das questões suscitadas pelo
enredo de cMadre Joana dos Anjos~.

3. Refletindo à margem do filme ...


Consideraremos três pontos sugerIdos pelo desenrolar da
obra de Kawalerowicz.

3 .1 . VId. ",Uglosa
A vida consagrada a Deus pelos votos rel1gosos, especlal.
mente pejo de castidade. está longe de ser a expressão de um
estado de ânlmo patológico ou frustrado. Quando genuinamente
abraçada e vivida. a prof.issão reUgfosa conventual é. antes, a
expressAD do mnor - O valor mais nobre da er1atura huntana -
a Deus e ao próxlmo. O mesmo amor que no casamento leva
os cônjuges c:r1stios & se darem um aQ outro para .que ambos
cheguem juntos a Crlsto, pode levar ~ criatura a, procurar, dJre.
tamente ~sto e os valores eternos. sem passar ~a vi~ con·
jugal. :t o autêntJoo amor - e tio somente o autêntico' amor -
qqe Inspira tanto o consórclo matrimonial como a · consagraçlo

-342-
eMADRE JOANA DOS ANJOS~ 23

da virgindade e do celibato a Deus. A gra:a de. viver a vida una


ou ind1vfsa oonsagrada ao Senhor é Imensa, pois antecipa, de
tão perto quanto posslvel na terra, o que se dari por toda a
eternidade, quando Deus serA. o. grande Resposta a todas as
aspirações de suas criaturas. Quem corresponde fielmente a
esse dom de Deus. usutruJ de lndlzivel felicidade. Contudo nJn·
guém pode arrogar a si o dom do celiqato ou da virglndade j
este tem sua 1nJclatlva exclusIva em. Deus. Quem se encerra
(ou é encerrado pelos parentes) em um convento sem ter o
chamado do Senhor, arrisca-se a desfigurar ou perder a sua
personalidade. Infeli%mente. não era raro acontecer isto na
Idade Média e nos inicias da Idade Moderna. quando as fam'llas
nobres consideravam os mosteiros e conventos como eabr;gos:t
ou (refúgios honestos~ para fUhos ou parentes que não tivessem
a posslbmdade de fazer carreira no mundo; coag'am·nos então
a entrar no claustro _ o que redundava em desastres de jndole
psJcopatológlca e moral.

Devem·se. atlAs, levar em conta algumas clrcunstAnclas


próprias da vIda. claustral de outrora. MuItos nobres, movidos
peja boa intenção de favorecer a vida monástica, fundavam
mosteiros em seus territórios ou faz1am ve.ntajosas doações aos
eenOblos jA existentes. Conseqüentemente. julgavam ter um
quase direito de intervIr na vIda desses cen6blos a titulo de
tutores ou mesmo proprietárIos. Disto resultaram abusos. Ce~ ,
tas famllJas nobres passaram a. considerar «seus. mosteiros
como instituições que deviam servir aos Interesses da respectiva
linhagem: os pais eoloeavam seus filhos e filhas nas casas reli·
glosas (ainda que nlo tivessem vocação), e controlavam o re-
av.tamento da comWlidade. excluindo candidatos ou candida·
tas que nAo lhes Interessusem. Tendo uma vez estabelecido
seus filhos no mosteiro, os gepltores tratavam de os promover,
dlreta ou Indiretamente, aos cargos superiores, de modo que
ea&eS monges e monjas se tornavam por vezes prestigiosos admi·
nlstradores de vultosos bens, gozando de carréira invejá.vel. re-
Monados com os grandes do mundo. . . - Esses abusos não
podIam ,deixar de acarretar notAvel detrimento para o fervor
dos m~ : prátlcu mundanas, modas, luxo e outros males
eacandaloeos foram a cxmaeqUêncla das Intervenções dos nobres
rios mostelros em épocas pBssadas.. AInda que as autor,1dades
eclesIAst1c8s se eptpenhassem (como de fato se empenharam)
por colblr ta1i ' abusos e salvaguardar a fiel observância das
Regras rel1gt08u. as fam1J.1as nobres de certo modo conspira·
Vam entre 'si Para neut.rallzar'as intervenções dos bispos. .
-343-
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS, 171/1974

Voltando agora '80 caso de Loudun, podemos admitir que


uma ou outra das Religiosas de Loudun no século XVII tenha
sido vitima dos abusos das f&núUas vIz1nhas em relação ao
mosteJro citado.

C'Omo quer que seja, os casos escabrosos registrados na


história dos mostelros e dos conventos atrav& dos séculos nada
significam contra o valor da vida reUgiosa consagrada como
tal. O ideal Que a Lnsp1ra, continua, e continuará. li ser dos
mais sublimes que se possam conceber na terra, pois é o ideal
da vida de amor entregue diretamente ao Supremo Bem, DeuS.
e ao pr6ximo.

3 ,2 . O Canego Orandl.r

O Pc. Urbano Grand1er no filme é tido como o pai de dali


filhos naturais; vêem-se outrossim os restos da fogueira em
que ardeu, condenado à morte após o lnquérito reallzado. pelo
oficIal do rei de França Jean·Mar1e Laubardemont.
Na verdade, Grandler nio foi um sacerdote de vida exem~
pIar. Todavia 0$ historiadores julgam que não teve culpa. no
surto do estado de «possessão diabóllca, no convento de Lou·
dun. A sua condenação. dramaticamente representada no fUme
pela lenha restante da fogueira que o queimou vivo, dev(HJl! ao
poder régio de França. Este, inspirado por Idéias gallcanas,
que concediam ao rei o controle da vida da. IgrejBt tinha grande
ingerência em assuntos ecleslAstIcos i chegava a condenar •
morte por motivos reUglosos (condenação que. segundo oS pro--
cessos da época, ainda era executada pelo fogo). Não se POdem
justificar as falJlas que homens da Igreja e do Estado tenham
cometido por ocuIão de tais proeessos, mas é preciso lembrar
que, no Estado absolutista francês dos séc. XVll/XV'lU,. os
assuntos ecJeslé..sticos dependiam por vezes-mais do Dtado do
que da Igreja. .

O grau de lnJerêncla do Estado francês no ·que .~ ~


peito à possessão diabólica e aoS exorcismos ê llustt:ado p~la
:;:egulnte passagem de Henri Brémont na sua famosa obra· «~
toire du sentiment rellgieux en France: dêPoIs .la fin des,-guetTel
de ReUglon jusqu'à nos lOu.... V, 193;l, p. 185 :
. "A mllorl. dos axorctllas eram taeer(h:i. multo recómend.t.vela ··\ante
por /lUa ciência como por .ua vlr1ude .~ . . , '. .

-344:-
cMADRE' JOANA DOS ANJOS:. 25

Os 8xorc:ls1u "'avem ao serviço 8 ... ordenl do E&lado, o qUII IUbo


tralra H autoridade. . .plrlllJll. (eclttlll!.Ucu) o reconhecimento das cau·
.., dletx)llcu. Eram IlmplOl f1Jnclon4rIOl, cemo nossos médicos legl.la.
hoJe, Havt., porém, um. diferença: gar.kl'lenle slo o, m6dlcos leg!!lls que
ImpOem l lus!k;. civil as concluSO•• das suas Investlgaçoes. ao pulO que
OUlrora erlm .. exorel,ta. que acellavam docilmente as Idélu do Estado a
respallo doa damOnlol e doe maio. emplrlco. de lO!! reconhecer I lU' p,e-
.ençL ACMJ poUCOl. Plavl. lido ellablleclda. em lugar dOI prlnclplol elemeno
'-re. di f. ctlall I do Direito CanOnlee, uma demonologia lalga, mal.
absurda ainda do qUI Wrbara (Ie passiva!). ,. Assim, por exemplo, o cons-
tante menllra-o (Sltlnu) de qUI no, lal8M os Llvr.)S SanlO8 e to<la a Tra·
dlçlo. tomar8-38, aOI 011'10. deu•• eatrenho. tribunais, uma teslemunl'la di
primeira catagorta. Intimado a nomear o Iulor do mateflclo QUI pesava s0-
bre •. • Joana dOi AnJo., baltava que o demOnlo disseRa Urbano GrandI.r.
par. qUI !lcasse claro o cuo" , Graodl!!r I8rla queimado aam demora, O
Jlsulll O'Avttgny di... cem a lua Ironia habituai: 'Orendlar 101 condenado
medlanta o testemunho conalante a uniforme do pai d, mentir,' ",

Este trecho de B~mont contribui para Introduzir' o leJtor


na mentalldade da época. O Estado dos l'êis Luis xm e Luis XIV
jUlgava.se tutor e árbitro dos interesses religiosos do povo fran·
cls; atrlbula, portanto, a si mesmo a última palavra nos epl.só--
dias de possessão dJabóllca, como se fosse cómpetente para
tanto. Não faltaram vozes de bJspos e Papas que reagiram con~
tra tal ingerência civil em assuntos religiosos. TodavIa s6 com
o pusar do tempo é que a Igreja conseguiu lIbert,ar..se de tal
controle régio, Tenha~se presente que também em Portugal e
no Brasil os reis t bnperadores respectivamente gozavam de
Poder sobre asSuntos ecleslAstlcos, mediante a chamada dei do
padroadc. : uma Bula papal devia ser sancionada pelo monarca
em Portugal e no Bru.sll ; case o fo!!e, teria vigor de lei de
Estadc ; caso, porém, não o fosse, a sua execução era vetada
aos bispos e clérigos.

3 .3 . A e.l.tlnel. do dem6nlo

A exJstêncla do demônio é atestada pelas Escrituras Sagra-


das e pelo constante testemunho da Tradição cristã. O S, Padre
Paulo VI nos Ultimo! tempos tem-na reaflnnado insistente-
mente em vista da oplnlio, assaz esparsa hoje, de estudiosos
que a negam. _ Note-se que os cr1têrlos para afIrmar ou negar
e. exlstêncla do demOnlo não 65.0 os da filosofia ou do puro
racloclnlo, nem são os da experiêncIa concreta, mas são unJca.~
mente OS da tê ; o aSsunto pertence estritamente ao setor da
fé; ora esta é suflclentemente explIcIta (máxime através do
rna,gtstério da Igreja) ' para que o crlstão fiel compreenda. que

-345-
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS, 177/1974

não pode negar a ex1stêncla do demOnlo sem derrogar a uma.


proposição da Palavra de Deus revelada.
Verdade j§ que o demônio hoje em dia não costuma manl-
testar-se por sinais erlraordlnârlos; parece, antes, provocar
realizações de maI!c1a tão requintadas que. a justo titulo, aio
ditas .satânicas> ou cdlab6Iieas~. Assim o satanismo em nossos
dias se exprime no ateismo mIlitante, que pretende desafiar a
Deus; na lavagem de crânio, em que a inteligência do homem
se esmera por destruir a personalidade do seu semelhante; na
mentira e na deturpação da verdade postas a servJço de inte-
resses ideológicos. econômicos ou partidários; nos campos de
concentração. na perda de serl90 do pecado e da dlstinçio entre
o bem e o mal . . . Em suma, há certas fonnas de comporta-
mento humano em qUe os mais nobres valores do homem são
aplicados à mais desconcertante degradacão ou ao hom1cidio
e à mentira. .. Jesus não disse que Satanás é «homicida desde
o principio e pai da mentira.? Cf. Jo 8, 44. - Quanto à poo-
sessão diabólica, ela pode ocorrer, mas não é de .crer que se
dê com facilidade. Vejam-se a propósito as reflexões tecidas
em torno do livro .0 Exorcista:. em PR 173/1974, pp. 195-205.
assim como o artigo reterente ao assunto em PR 174/1974,
pp. 246·174.
As concepções populares tendem. hoje como outrora, 8
exagerar a importância da acão de Satanâs, de tal modo que
fé e crendice se m15turam nesse setor, com preJuizo para a
autêntica doutrina da fé. - SatanAs não é um segundo Deus
ou um Dew mau. :€ criatura do único Deus, que tol dotada de
Inteligência e valores, mas abusou dos d<lns do Criador, lIlsur-
gind~se soberbamente; o Senhor lhe permite tentar atualmente
os homenS para acrisolar a fé e o amor dos mesmo!. Contudo
a inf1u~ncla do demônio é limitada pelos designlos de Deus;
estâ englobada dentro do plano harmonioso que o CrIador tra-
çou a respeito do mundo e dos homens. Ademais o Senhor nlo
permite seja alguém tentado acima de suas forças e dã sempre
a graça necessá.ria para que os homens possam vencer as teD-
uções (cf. 1 Cor 10,13). Quem pennanece fie! a Deus, nada
tem 8. recear da parte do demônio.

No século xvn estas verdades não eram negadas, mas,


em v1rtude da mentalldade da época, os er1stãos cedlam facll-
mente à tendêncla a interpretar ·todos os fenOmenos estranhos
por influência do demOnl~. ~ tendência. os sugestlõnava de
D:l~ q\l~ j~gavam :ver ~ôp1os ond~ ~ y.efdade.nA,? .'?s ~v.~

-348-
cMADRE JOANA DOS ANJOS.

Hoje o cristão tem mais meios para dIstlnguir fenômenos natu·


a recusar a possibilidade e a realidade destes últimos. _
raJs e fenOmenos pretematurais; isto, porém, não o deve levar
...--,
-.. :t com. estas reflexões que conclu:mos a apreciação do fUme
«Madre Joana dos Anjos). e das questões que ele su..~ta. Possa
o público ter suficiente espírito crítico para discernir o que a
pelicula tem de interessanteJ e o que ela apresenta de tenden-
cioso e carIcatura! 1.

--x--
o QUE O FILJIO PENSA DO PAI

Aos '1 aDOI:


PAPAI é grande. Sabe tudo!
Aos 14 aDOI:
Parece que papai se engana em certas coisas que diz •.•
~ 20 anos:
Papai estâ um pouco atrasado em suas teorias.
Não 510 desta época •.•
408 · 25 anos:
O «coroa. não sabe nada . . .
Aos 85 anos:
Com a minha experIência,. meu pai seria hoje millonãrJo.
Aos 4lS &DOS:

Não sei se consulto o «velho». Talvez me pudesse acon·


&clhor • .•

Aos M anos:
Que pena papai ter morrldo ! A verdade é Que ele tinha
idéias notáveis !

Aos GO anos:
, Pobre papal! Era wn sAbIa ~
Como lastimo tê-lo compreendido tão tarde! •.•

-347 -
Mais um "best..seller":

"saber envelhecer /I

Em .Intes. : o livro de Alfone Oeecken "Saber envelhecer" anall.a


o problema da velhice, que nlo raro le aenla ••queckfa ti antregua 6; aoll-
dlo. Nessas clrcunslanclas, O avanço em Idade cau.. preoeupaç6e., I' nlo
mOlmo angusUa e complexoa. O problama • Il nlo mais cruciante qUll110
mal., I medicina hoje em dia consegue debeler moléstias a perigos morlals
oolrora Insuper'vels.
Em vle'e dIsto. IA. Daeekan traça pls.1aI de SOlUÇa0. Aceitem 0$ an-
clAos a S1l1 condlçlo própria na IOchtdade, a lembrem-•• de que elÚatam
trê .. llpos d. Idada :
- a Idade cronol6glca. qua ",aulla da conlagem dI> nOmaro da InOl
vividos pela p'lIoa;
- • Idade biológica, QUI aa ba..ta nu condlç6es de aaOcla ou dn-
ga.la rl.lco do .uJ.lto ;
- a Idada Pllcológlca, que se mede ",Ia coragem e .. boas dls~
slçOel d. lnlmo com que a p'NO•• nfrenta .. altuaç6es ela IUI vida.
Alguém pode N r valho do ponlo d. vlltl cronol60leo ou biológIco.
conservar a .ua Juventud. pt,lcológlcl. Milton, 8 •• thOWln, Goethe, Mlg~'
Angelo, Aembrandt, Ad.nlu.r, Churdtlll • outroa deram provaa IM ~I'&O'"
dln6rlo v/;or d, Animo, mHmO em Idlde .avanliada ou com a a.ode .• •
guiada.
Importa, poIs, 101 anelloa ~ •• deIxar wneer por condlclonam.nlos
negativos ou paulmlalas. mas. 80 conlrirkl, encarar a vida coneclentes de
qua podem e devem procurar .ar QI1II. a08 ...... semelhantH; .. exparlên·
clu qua elH acumularam, conl.ram-lhaa um. sabedoria, qua a Unlvlraldade
nlo dt • que pode ser proveUou: .at )owna, caso 08 mal....Iho. a
rem comunicar 1 nova garaçta ..m ~antlm.nto nem InveJa.
qu."
Tal allWda s.rena e otimista • corroborada pera mensagem crl.tI. Um
anello que tenha fê, lar6 d, eua .... lhlc. a oc"11o da creecer na ·fé'; ...
beri que p.rtlclpa mal. Intlmam.nt. da Palxlo d . Crlato, q.... foi a ~n­
çlo da humanidade. Oltlarl para o flnaJ da lua e xIstOncl. na terra com
paz • conllança. anl~oZlndo mal. Intensam.nte OI valores elemoe doa
qu.1I o ancllo, por .ua Ide da, 8.11 mala parto. A ."alholce poda '.r a mah
bela fase da vida d. alguém, desM que eua pessoa ducubra que é •
111$8 mais prenhe de .tttnldldo,

• • •
Comentárlo: JA em PR 171}1974, 4' capa, apreSentamoa
sumariamente o Uvro de .Alfons Deecken: cSaber envelhecer_,

-348 -
..sABER ENVELHECER~ 29

PetrópoUs 1973. Visto, porém, que esse eSf'..rlto de 80 pp.


(130x ·l80 mm) merece mais detida atençâ{>, abaixo explana-
remos mais amplamente o seu conteúdo. O livro deve-se a um
sacerdote missionário Que passou várIos anos na ÁSia (Japão,
Vietnã ... ), possui densa bagagem psicológica e cultural, assim
cómo esmerado senso teológico. O seu escrito dedIcado aos an-
dtas tomou-se best-seUer nllS Estados Unidos da América e
,já. foI traduzido para seis línguas,

Examinaremos, a seguir, os principais tópicos do livro


cSaber envelhecer:., cientes de que interessa não somente às
pessoas idosas, mas ao públiCO em geral, pois todos os dJas a
pessoa humana vai awnentando a sua idade cronológica i cabe-
· -lhe, pois, encarar a idade anciA. como algo de Datural e até
mesmo multo positivo.

1. O problema da Idade
o autor começa por mencionar o fato de que no Japão,
onde ele passou vArios anos, existe profundo respeito pela ge-
raÇão anciã i pais e avós são cercados da estima e dos cuidados
que a tradição religiosa local sempre lhes assinalou. Diz wn
· sábio neo-confuclano : cA piedade fmal distingue o homem das
~ves e dos brutos».
OUtra, porém. ê a mentalidade reinante no Ocidente. A
· nossa civilização tem cultivado de modo crescente os valores
da independência e da. autonomia do individuo, negligenciando
os da solidariedade e comunidade. :t: o que faz que Os velbos
se sintam especlalmente entregues ao isolamento e à solldlo.
O fato de saber que tal é freqUentemente o clima em que COSo-
tuma decorrer a veJhlce, suscita em multas pessoas uma crise
prematura de sen1l1dade. Não é raro Quererem ocultar a Idade
rea.i. Que têm; 1á se têm fabricado até mesmo cosméticos para
homens. a fim de que não transpareça o seu número de anos.
·Outros assumem atitudes de fuventude que absolutamente nlo
condizem com a sua faixa etâria. Outros ainda se apegam cio-
samente a posicôes sociais ou a tarefas profissionnis que carac--
terizaram Os seus anos de maior produtividade e projeção, e
não aceitam facilmente a necessidade de ceder o lugar à gera-
ção mais jovem.
Esta situa~o merece particular a.tencão quando se con-
sidera que o número de pessoaa idosas em nossa sociedade ê

-349 ~
30 cPERGUNI'E E RESPONDEREMOS~ lTI/1974

crescente, dado que os recursos mêdicos conseguem debelar


moléstias graves e prolongar a duração da v:ida• .Assim em
1850 apenas 2.5 % da população norte-americana tlnha mais
de 65 anos de Idade. Hoje 10~, ou seja. vinte milhões de ame-
ricanos se encontram nessas condiçóes.
Em particular, trés são as expressões mais marcanteS da
crise que acomete a idade anelA. : 1) ressentimento e inveja;
2) fuga; 3) egoísmo_

1 .1 . R....ntlmanto e Inveja

A experiência de ser marginalizado no trabalho e na vida


pública, ao passo que os jovens vão assumindo os postos de
mfluência ou liderança, pode facilmente suscitar a inveja de
um ancião em relação à geração Jovem. Este perigo de inve:Ja
(raro na China e no Japão,onde as tracUções - Da medida em
que o comuhismo as guarda - levam a honrar e dJgnlticar os
velhos) é particularmente sério no Ocidente, onde a experiência
que os anciãos têm é postergada em favor da ciência recém-
-adquirida pelos jovens nas escolas donde saem. Embora .se com-
preenda a necessidade de dar vez a quem estA mais quallllcado
para o trabalho, verifica-se que se \ta! abrindo cada vez mais
a distância entre as gerações. <tOs jovens não sentem necessi-
dade dos velhos, e os velhos vão perdendo a et:lnflança em ai
próprios, .. Sentem mesmo, às vezes, uma alegria malsã diante
das derrotas da geração :fovem . .. lEu bem tinha dito !'~ (p. 16).

1 ,2 , A... fug.... da velhice

Desde que a pessoa se sinta «aposentada~ na vida, tende


a fechar se em si mesma, lembrando nostalgicamente o passado,
quando tudo era tão melhor! .As imagens do passado são faeU-
mente engrandecldas e embelezadas - o que transparece em
expressões como cQuando eu era moço, não se fazia isso • •• ~
ou «Naquele tempo havl ~ amigos verdadeiros, . . ~ Muitas vezes
tais observações são verídIcas e oportunas; mas é preciso que
a pessoa se acautele contra a tentação de idealizar romantica-
mente os anos passados. Essa tentação poderia. levar o sujeito
a escapar dos desafios do presente. Assim como hoje em dia se
fala de jovens cdesl1gados~ (porque recusam viver 'd entro da
civilização ntullJ), também se poderia d :zer que, entre os velhos,
hâ muitos desligados (que recusam viver o presente e fogem
vara o pais das suas Intennfnâveis reminiscências).
-350 .-
31
1.3. Egolsmo
Vendo que poslCóes, projeção, saúde e outras cvantagens,
lhes escapam, os anciãos tendem a se concentrar egoistlca.
mente em sI mesmos, dando demasiado valor a ninharias: co-
mIda. bebida, poltrona, jornal, programas de rádio ou televi4
sào. .. Esse egoismo pode--se exprimir também no desejo de
domlnacão ou na t~tatlva de exert!er tirania sobre 8 famtlta
e o ambiente. Em tais circunstâncias, o individuo se apega co-
movedoramente a tudo o que ele possa ter nas mãos, sem per-
ceber talvez que, com isto, ele 5e até. desfigurando. Com efeito.
um tal papel é particulannente trâglco quando desempenhado
por alguêm qUe encheu a sua v1da de serviços ao próximo e
ajudou a muitos e muitos dos seus semelhantes; tal pessoa re-
baixa-se quando passa a exercer o pape) de tirano dentro do
pequeno clrculo famillar: esse homem talvez: se tenha feito a
partir do nada, talvez haja sacrUieado seus esforços e seus bens
em favor da mulher e dos filhos; todavia no fim da vida pro-
cura dominar caprichosamente a (amUla, repetindChlhe Inúme-
ras vezes que foi um grande esposo e um grande pai, o qual
deu ,tudo, mas nio recebe a devida gratidão ~
Sumariamente exposto o problema, v-ejarnos as pistas de
solução que A. Deeclc:e'B apresenta.

2. Como envelhecer dignamente


São sete os principais tópicos que se podem depreender das
interessanus considerações que o autor do livro tece em torno
da autêntica maneira de envelhecer.

2 .1 . Personalidade pr6prla
1. Uma das mais Interessantes descobertas aa gerontolo-
gia atual é que cada pessoa tem, na realldade. três tipos de
idade: '
- a Idade cronológica, detenn1nBda peJo número de anOl
que lá viveu :
- a ldad. bloI6g1ea, determinada pclas condições de saúde
ou desgaste do .seu flslco ;
- • Idade pslcológlca, avaliada pelas atitudes que ti. pes.-
soa assume dtante dos altos e baixos da existência.
32 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS) lT1/1974

Ora nem o primeIro nem o segundo tipo de Idade decidem


forçosamente o tipo de personalidade de alguém. 1.: muito im-
portante, pois, que quem começa a envelhecer evite as concep-
ções pessimistas ou fatalistas que a idade cronológica. marcada
pelo calendário. lhe poderia sugerir.
Também é muito importante observar que as pessoas p0-
dem biologicamente env~lh~r muito depressa pelo fato de
pensarem quase obsesslyamente na velhice; em conseqüência,
vio-se sentindo cansatl8.St doentes, achacada.s, inutl.Uzadas,
quando poderiam também sentir outras disposições. Aaslm a
experj~ncia ensina que há pessoas biologicamente envelhecidas
com quarenta anos de Idade, ao passo que outras, com oitenta
anos, conservam muito do vigor da juventude. :e declslva, pols,
a maneIra como a pessoa encara a vida; ela se poderá. conse~
var jovem a despeito do seu número de anos e do seu e!:tado
flslco, se mantiver sempre uma atitude de coragem, esperanca
e otlmIsmo perante as tarefas que a vida lhe vai impondo; a
juventude psicológica assim concebida e alimentada permitir-
-lhe'" realizar na velhice e na doença obras que obviamente
parecem exclusivas da idade juvenil ou madura. Assim a1guêm
pode ser velho segundo o calendãrlo, mas jovem em suas aU-
"tudes psJco16glcas. Tenham-se em vista. os seguintes casos :
John MUton - talvez com Shakespeare o maior poeta In-
glê3 - escreveu cO Paraiso Perdido», obra poética gigantesca.
durante os vinte últimos anru de sua vida, quando estava com-
pletamente cego!
Ludwig von Beethoven, considerado por muItos como o
maior compositor da hlst6r:1a da música, foi ainda mais inacre-
ditável ; f!Ontinuou compondo até o fim da ~da, embora durante
05 Ultimos Quhue anos estivesse totalmente surdo !

Imaginemos de que tesouros de arte teria sido prIvada a


clv1l.lzaçfi.o mundJal se esses dois homens tivessem permitido
que as suas limitações flSlcas detenninasSem a sua idade psi-
cológica !
2. Vê-se, pois, que o primeiro passo a ser dado "pele pes.o
soa que avança em anos, é o de aceitar com simplicidade e
Animo a nova etapa de viela. que se vai configurando. Quem a
aceita, dA provas de tranqUiUda.de e autocontrole: "em caso
contrâlio, torna-se mais e mais agitado, cheio eJe queixas e
absorvido em 8SSW1tos triviais.
33

Assim COI antigos gregos já sabiam que, embora 09 dese-


jos e as aptidões flslcas d.imlnuam com a Idade, novos horizon-
tes se abrem no campo dos valores espirituais. No lnlcio da
"Polltela' de Platão, o velho Céfalo saúda Sócrates e lhe comu-
nica o seu novo interesse pelas discussões sérlas sobre o prcr
blema básico da vida. 'Por mim', diz ele, 'A. medida qUe as sat1J-
faç6es do corpo diminuem, nesta mesma proporção cresce meu
interesse pelo.s alegrias dos boll< diálogo.. (p. 36).

o simples fato de serem cronologicamente Idosas não de-


veria fazer que as pessoas desistissem de planejar novas reall·
zacÕeS • O exemplo de tantos homens famosos Que flzeram gran-
des colsas no entardecer da vIela, deveria servir de estímulo
para que todos se empenhassem em permanecer jovens quanto
à idade p51co16gtca. Com efeito, leve-se em conta que nume-
rosas obras literárias, artísticas e cientificas de grande valor
foram concluldas em Idade avançada de seus autores.

Assim o dramaturgo grego Sófocles tinha 80 anos quando


.escreveu cltd1po, O tirano,.. Goethe tinha mais de 80 anos
quando terminou o seu cFausto>. Daniel Defoe, depois de se
ter dec:Ucado a várias atividades. redigiu cRoblnson Crusoe.
COn1 a idade de 59 anos; nos anos seguintes, escreveu se1s outras
novelas. Io'ran~ls Mauriac. expllcandl) a origem de sua última
obra, declara :
"No meu 80' anlvtordrlo, au di ... a mim mesmo: Ji que pareço ter
ainda um longo caminho, por que nlo eaerever outra novela 1"
Escreveu então a sua derradeira obra, que se tomou besto
-aeDer na França : cMontalverne:», publicada em 1969, quando
o autor tinha. 83 anos.
Miguel Angelo tinha 70 anos quando tennlnou a cüpola.
de Slo Pedro. Rembrandt e Monet pintaram alguns dos seus
melhores quadros no fim da vida.
Verdl, Haydn e Haendel compuseram música Imortal com
mais de 70 anos.
Albert Elnsteln e Albert Schwelt:zer tiveram poder crJador
até mesmo em sua. Idade avançada.
No cámpo da poUttc~ Konrad Adenauer, por exemplo, fol"
'eleito Chanceler da. Alemanha aos 63 anos de idade. quando

-353-
34 cPERCUNfE E RESPONDEREMOS. 177/1974

O seu pais safa do tremendo abalo da guerra de 1939-4.5. Nessa


idade, em que geralmente se pensa na aposentadoria, Adenauer
co:neçou nova e extraordinârl.a carreira, vindo a tomar-se um
dos maJs bem sucedidos lideres polltioos da história contempo.-
rânea. ReeJeito repetidamente, ficou em exerclclo durante qua·
torze anos. deixando a Chancelaria com 71 anos de idade!
_ Gladstone tomou-se primeiro-ministro da Ing]a.terra com 84
anos! Tenha·se em vista outrossim Churchm, Gandlú, de GauDe,
Golda Meier, que, apesar da idade, marcaram decisivamente os
rumos políticos de suas respectivas nações !

2 .2 . DesprendlmentD e sabedDrla
No apogeu da vida.. a pessoa está, em geraI, tão envolvida
em afazeres cliârios e preocupações que dlficUmente consegue
emergir e considerar o mundo com superioridade e desprendi·
mcnw. l!'.: parte Integrante de um todo ou roda de engrenagem.
Com o passar dos decênios, porém, pode ir conquistando uma
atitude de desapego e recuo em relação ao seu ambiente e des-
cortinar nOVOS horizontes; apura·se a sua capacidade de &
cernimento do sentido de tudo: vida, amor, mundo, tempo, eter.-
nldade ... Quem adquire tal clarividência - que também se
chama «sabedoria. - poderá tomar-se conselheiro da geração
nova, 'a qual jé. não terá que recear a dureza de ambições ego1s-
tas e subjetivas do conselheiro. Particlparã, de novo modo, da
construção da sociedade.
A sabedoria da idade avançada dUere da Inteligência pers--
picaz ou da capacidade de Informação que alguém possa ter.
Não pode zer aprendlda nos lívros nem ser adquirida nas ~
las, mas derIva-se do amadurecimento progressivo de uma per-
sonaUdade no decorrer de longos anos de vida.

2 .3_ Solldlo enrlqu.clda


A perspectiva de soUdão ê, multas vezes, fantasma assus.-
tador para quem se aproxima da velhice. Os filhos se casam e
querem viver a sua vida; as visitas dos mesmOS é dos amigos
aos cvelhos. se tornam cada vez mais espaçadas. O receio de
ser importuno impede o ancião de sair dos seus hâbltos para
procurar novos conhecidos •..
Pois bem_ oCOs ancilos não se deverlam resignar tão faell·
men~ à solidão ... Servir o próxlmo é, .QWlSe sem'pre,. ~ melho~
cSABER~ 35

melo de vencer a própria solidão e deixar de pensar nos sofri.


mentos pessoais. (p. 25). Procurem contato,. ou por telefone
ou de viva VGZ, com outras pessoas, sejam elas da mesma idade.
sej&m mais jovens. Aos da mesma Idade, o ancião pode levar
reconforto, quebrando o lsolamento em que se achem. Aos mais
jovens pode comurucur um pouco da sua experiÊncia (o que não
quer d12.er, Se tOme doutrinador onlciente). cUm ancião .. . que
tenta estes diversos meios de servir aos outros, demonstrando-
..lhes afe tuoso interesse, poderá ter que passar muitos dias
so:dDho, mas nunca em solidão. (p. 25) .
Mais: a e:t.:periência do cestar s ó» pode abrir o coração do
homem e torná·lo mals consciente da presença de Deus, que
fala. no sUênciG; caso isto se dê, o cestar só» torna·se uma
bênção: o homem é então levado a procurar um relacionamento
mais peSSOal com Deus, que na verdade nunca o deixa só. Ele
o diz através do Profeta Isaías : cPorventura pode wna mulher
·esquecer-se do seu menino de peito e não ter compalxAo do
fruto de suas entranhas? Pois, ainda que ela se esquecesse
dele, eu não me esqueceria de tb (Is 49. 15).

2 .4. Conlrlçlo e raneaclmento


A velhice induz as pessoas a recordar com certa insistência
o seu passado: tendem a fazer o lnventário das glórias e derro-
tas antigas, dos feitos e omissões de outrora ... Muitas vezes
tornam·se subitamente conscientes do abismo que existe entre
os Ideais da sua juventude e as realIzações da sua existência :
a frustração e o desapontamento podem então apoderar--se dos
·sentlmentos do ancião. Mais ainda ! a cGnsciência do egoismo
e da culpa facilmente suscita remOl"'SOS e abatimento em quem
· assIm examina · a sua vida passada.
Ora, em vez de ceder à tentação de depressão, é necessárIo
que o anciã o reaja à luz da. fé e da esperança cristã. :Na ver·
dade, todG homem é pecador i todavia a tomada de C<lnsciêncla
· desta realidade, se de wn lado é dolorosa, doutro lado suscita
110 crlstão .grande confiança e viva esprança. O arrependi .
mento cristão está longe de ser a:Jgo de doentio ou estérU ; muito
[la contrário, é ato de coragem, porque ato de tirar as mAsearas
e reconhecer n verdade diante de Deus e das pessoas a quem
·.compete. O Senhor aceita. tal atitude e responde-lhe dando ao
· homem arrependido a graça de wn recomeço. A sadia contrição
.do cristão, acompanhadll do firme desejo de aproveitar a nova

.- 355-
36 ePERCUNTE E RESPONDEREMOS~ 177/1974

chance que o Senhor oferece, vem a ser principio de autêntica


alegria, segundo db; o próprio CriSto no Evangelho: eVosse.
tristeza se transformari em alegria... e ninguém vos tirar,
essa alegria» (Jo 16. 20..22).

2.5. CompenHçlo. plenitude


A psicologia ensina que. quando deterndnada pessoa sotre
alguma limitação fIslea (muWação corp6rea (lU moléstia cr6-
nlca). é multas vezes estimulada a descobrir talentos ou ener~
gias latentes nela mesma, que tal pessoa doravante explorari
com grande afinco e sucesso. Assim uma. jovem não agraciada.
com beleza física pode tomar Isto como um desafio, de modo
que procurará suprir a deficiência distlnguindo-se nos estudos
ou nos esportes.
A mesma elel de compensação. se aplica à vellUce. Expe.
rlmentando as deficiências da idade, a pessoa pode encarar o
fato como um desafio, avivando em si forças interiores e poder
criativo. Há mesmo potenciais ocultos no homem que só come-
cam a desabrochar e evoluir quando as energias corporals co-
me-;am a diminuir. Dlz1a com muito acerto Goethe, o grande
poeta alemão: eNa mocidade, o homem vive através do corpo,
e na velhice vive coob'a, o corpo~. Consciente disto, um geron-
tólogo recentemente aflnnou que dar aos adolescentes sólida
fonnação e levâ·los à maturidade psicolÓgica seria contribuição
mais vâllda para. aliviar o problema da velhice do que fundar
clubes de pessoas Idosas. Para muitos, o V8%I.o que subitamente
experimentam no momento da aposentadoria. já existia desde
multo; estava apenas encoberto por atividade desassossegada.
Dal cUzer-se que nWlca. é tarde demais para começar a desen-
volver as regiões inexploradas dn própria personnlldade, mesmo
quando já. se tem idade.

2 .6. Perceber o M"lIdo da. ~.8.

o desabrochamento de novas epergias na idade anciã con-


tribui para que os velhos tomem conscléncia do sentido sempre
vâl1do e positivo da sua. vida na terra.
Um dos maiores tonnentos das pessoas de idade avançada
consiste em crerem que a sua vIda carece de sentido. de modo
que sio mera 8Qbrecarga para os outros. Ora, quando alguém.
não vê mais objetivo nem sentido na vida, é tentado ao sulcldtCl.

-356 -
·SABER ENVELKECER~ 87

Estat'stlcas recentes dio a ver que o número de sulddlos


entre pessoas idosas é assaz elevado. Assim na Franoa averi-
güou-se que a proporção de suieidios entre pessoas de menos
de 55 anos é de 51 por 100.000 j na faixa de mais de 55 anos.
ê de 158 por 100.000. Um levantamento recente na Alemanha
mÓStra que o número de sulcldios das mulheres que contam
50/55 anos é duas vezes maior do que entre as q1Je têm 30/ 35
anos. E, como explica ironicamente um C!omentador, as tentatl-
vu de suiddio das pessoas idosas sâo quase sempre bem su-
cedidas !. .. A Inglaterra e os Estados Unidos registram o
mesmo fenômeno: a média de suicidios sobe com a Jdade. Na
Inglaterra, a proporção de suJcldlos entre os 40 e 59 anos é
três vezes maior do que entre os jovens, e cinco vezes maior
depois dos 60 anos. Nos Estados Unidos a porcentagem de sul-
c:dios de homens entre os 45 e 65 anos é de 30 pOr 100.000 i
cresce depois dos 65 e, de 1970 para cá, contam-se em média
60 _ sobre 100.000 que põem fim à própria vida.

. O combate a este mal consiste em fazer que as pessoas,


principalmente 05 anciãos, tomem consciência cada vez ma1I
lúcida do sentido da vida.

Na verdade, esta tem sempre seu significado. Para que al-


guém descubra e viva o sentido da vida, requerem-se algumas
atitudes. que assim se podem recensear:

_ no plane meramente humano, aceite a sua idade e u


circunstâncias que 8 marcam; guarde paz, serenidade, pro-
curando dar o que possa dar - principalmente na Unha dos
valores morais - aos seus semelhantes:

- é, porém, à luz da mensagem cristã que o anciio encon-


tra os motivos mais pujantes para afhmar o sentido da vida.
Qualquer tipo de sofrimento, aceito por amor a Cristo, asaoda
o criatão ao Cristo padecente e dá. valor eorredentor aos seus
padecimentos e dores. São palavras de São Paulo: cSe somes
atribulados, é para a vossa salvacão» (2 Cor 1,6) ou ainda :
cAlegro-me nos sofrimentos suportados em vosso favor, e com·
pleto em minha carne o que falta. aos sofrimentos de Cristo em
prol do seu corpo, que é a Isreja, (Coll,24).

A participação mais intima na Paixão de Cristo faz que o


cristio amadurece. e se aprofunde em sua fé. Considere a insta·
bllldade que a idade avançada proporclon~ como um convite
-357 -
39 .PERGUNTE E RESPONDEREMOS~ 111/1974

do Senhor para que encontre mais e mais em Deus aquilo que


as criaturas não lhe podem dar. Toda experiência de escurIdão
e arid~ naturais pode ter repercussão altamente positiva na
vJda de fé de um cr1sti.o; dA ensejo a nova tomada de cana·
ciência da opção feita pOl" esse cristão quando aderiu a Cristo;
renovando então o seu S1m com galhardia, a pessoa se apro-
xima mais e mais daquele grande termo do qual diz São Paulo:
eO olho não viu, o ouvido não ouviu, nem jamais passou peJo
pensamento do homem. o que Deus preparou para aqueles que
o amamit (1 Cor 2,9) .'
.Parece que Deus freqüentemente oferece ao cristão, noa
últimos dias d&. sua. vida. li. oportwUdade de crescer na. tti he--
roica e no amor» (p. 56).
,~ Quem nutre tais conviccÕes e delas vive, jamais dirá que
sua existência na terra _ mesmo envelhecida - não tem slgnI~
ficado. Francois Mauriac. o grande e9CI'ltor eatólico Que morreu
em 1970 aos 84 anos de Idade, escreveu pouco antes de falecer:
.Creio hoje, como acreditava em Criança, que a vida tem sen·
tido, direção, valor;. . . que nenhwn sofrbnento esté. perdido,
que cada lágrima. cada gota de sangue é bnportante. que o
segredo do mundo pode ser encontrado na palavra de São Joio:
· 'Deus é amor'».

2.7. "Vou pera o Pai" (Jo 18,18)


O amadurecimento progressivo tia fé através dos anOs e
da velhice corporal ocasiona wn autêntico rejuvenescimento Jn..
terior ou faz que o crlstlo tome consciência cada vez mais ló~
cida de que a sua verdadeira vida nlo tem rim. mas, ao con·
· triria, s6 conhece desabrochamento em vista da plenitude. A
· chamada emortep não é morte, mas é consumação. ~ aflr-
mação é Uustrada pelo. dize.... das páginas f1naIa de A.
_Deecken, que assim eçreve:
"Aceitar o fato Inevitável da morte que se aproxima, ,
· um dos deveres que a pessoa Idosa tem que encarar. ~ b
..vezes impressionante ver como alguns anclAos podem ser Ima-
turos quando se. trata da realidade fundamental da morte.

lembro·me de um homem de 70 anos, tão atemorizado 8


· essa Idéia que fugia da sala cada vez que a palavra 'morte'
era mencionada. Um dIa eu lhe dei a bela carta que MOlart

-358_
.SABER ENVELHECER, 39

escreveu sobre a morte, com 31 an05. O velho me contou depois


que havia ficado envergonhado de sua atitude e desejava mo-
dificá·la ao ver como contrastava com a maneira amadurecida
pela qual Mozart, com a metade da sua idade, falava da morte
próxima. Cuatro an08 antes de · morrer, Mozart escreveu a
seu pai :

'Já que a morte (para Sêr claro) é o verdadoiro fim e Obje-


tivo de nossa vida,' resolvi nos meus últimos anos conhecer
esta verdadeira amiga do homem 110 bem que não somente
nAo - trazia mais terror para mim, mas antes conforto e paz
de esplrlto. Agradeço a Deus por me 1er dado a feliz oportuni-
dade de conhecer a morte como a chave da nossa verdadeira
felicidade.
Nunca vou para 8 cama Bem a Idéia de que, embora Jo-
vem, eu talvez nAo esteja vivo amanhl. E nenhum homem que
me 'conhece pbderá dizer Que no convfvlo social eu sou me-
lancólico ou triste. Por esla felicidade, agrade~o cada dia a
meU Criador e de todo o coração desejo a mesma felicidade
8 todos: os Irmlos' (4 de a~rll de 1787).
Sentindo que a vida chegava ao fim, Mozart alcançou.
com a idade de 31 anos, uma atitude madura e até mesmo
alegre em face asmorta : atitude que muitos necessitam de
chegar. aos setenta ~nos para atingIr" CP. n).
O testemunho de Mozart pode servir de paradigma a toda
crlatúra hwnana. A existência na terra e a vida eterna no
céu devem sei vistas em estreita continuidade. Quem ass:im
procede, pode dlzer que a velliice, por mais árida que pareça,
traz as suas corisOlaç6es e alêgrias próprias e inefáveis. pois é
a fase da nossa passagem na terra que mais perto estA da I!tet-
nidade. Deve ser ma1s prenhe dos valores defln1t1vos e mB1l
e
Ubefta de Uusões amarras - o que não pOde deixar dE7 ser
imensa fonte de jUbDo e paz! De rêsto, o Senl'lor sempre acom-
panha o seu disclpulo com a graça correspondente à situação
em que se ~veja : quem sabe disto, ttansforma qualquer tipo de
Solidão e qu"alquer aparinclà~de ' morte em antegozo ainda mais
lúcido dos bens eternOs, .. : ' bens- eternos que sempre errt.a.o pre-
sentes I!m nosso' tempo. mas dos quais o rebulico da vida agi-
tada ·e a luta dos' ahos de grande ' atividade nem sempre pennf~
tem que tomemos a devida consciência !

-359 -
a terra de Israel em foco
IV. JelUsal6m: a "bem-enntvrada palxlo"

Interrompemos a nossa crOnJca em agosto pp., pois as


páginas da revista. já não a comportavam. Todavia, em esplrlto
revel"ente e santamente curioso, prosseguimos neste número a
nossa vi~m·peregrlnação através de JerusaJém, que deixamos
no Getsêmani ou Horto das Oliveiras.

Preso no Horto. Jesus foi levado à Casa de Caifâs (cf.


Mt 26,57), onde os maiorais dos judew; o interrogaram e onde
Pedro renegou o Mestre. Encontra-se hoje em dia, não longe
do Cenáculo e da piscina de SUoé, a Igreja de São Pedro In GaI1I.
can.tu (ao canto do galo), que, segundo uma tese - aliãs. dis-
cutida -, designaria o lugar onde se deram tais acontecimen-
tos da Paixão do Senhor. Nos fundamentos dessa igreja encon·
tra-se uma gruta, que, conforme alguns, terá sido a prisão onde
J esus passou o resto da noite de quinta-feira santa, após o in-
terrogatório de C41fãs ~ outra gruta nas proximIdades repre-
sentarIa o lugar em que Pedro se retirou para derramar amar-
gas lágrimas depOis da terceira renegaçáo. Tais lugares são
venerados desde remota antigüidade; recentemente (1931), ai
se terminou a construoão da Igreja que hoje se pode visitar
sob a gula dos Padres AsslUlcionistas franceses. As capelas
subterrâneas desse templo põem o visitante êm conte.to com
rocha viva e com vestigios de peregrinos que lá deIxaram cru-
zes e desenhos nas paredes durante séculos, julgando estar
acompanhando Jesus nas tristes horas de quinta para sexta-
-feira santa. O fato é que, autênticas ou não, tais grutas incl.
tam ainda 'hoje o cristão a meditar atentamente sobre o que
se terâ passado no Intimo do Senhor Jesus traido por Judas,
renegado por Pedro e entregue aos adversários !

Na manhã de sexta·feira santa, Jesus roi enviado a Pllatos


pelos sacerdotes e anellas do povo. O governador romano acha-
va-se então na Fortale2a Antônia.. . Antôola, porque recons-
troteia por If!erodes o Grande, que lhe "dera o nome de seu
grande e.migo Marco Antônio. Sobre o local dessa fortaleza
ergue--se hoje um conjunto de monumentos crIstãos, perten-
-360-
A TERRA DE ISRAEL EM FOCO 41

centes parte aos Franciscanos, parte às Religiosas de Sion:


àqueles tocam a capela da Flagelação, a da Condenacão e da
Imposição da Cruz e o grande Convento da Flagelação, onde
fWlclona famosa Escola BlbUca. As Irmãs cabe a basJlica do
Ecoe HomD, com o chamado Ltthostrotos ou tribw18lde Pllatos.
- Este é um dos lupres mais impressl-onantes de Jerusalém,
pois lá se fizeram escavacóes meticulosas e bem orientadas que
puseram li. tona vestigios IndubltAvels e eloqüentes das cenas
ocorridas na manhl da primeira sexta-feira santa.
, . .•. Ê multosJgnificativa a blstórla recente desse monumento:
em 1842 converteu-se ao Catolicismo um judeu de Estrasburgo
(França) chamado Marle-Alphonse Ratisbonne ; o impulso à
conversão foi-lhe dado par uma aparIção da Virgem 5S. na
igreja de Sant'Andrea delle Fratte em Roma. Juntamente com
um seu Innl0, também judeu convertido, TModore Ratisbonne,
foi ordenado sacerdote. Ambos propuseram-se fundar uma Con-
gregação Religiosa, com ramos masculino e feminIno, que se
destinarIa li. conversão dos 1udeus, sob a tutela de Nossa Se-
nhora de Sion. - O Pe. Marle-Alphonse, desejoso de fundar
uma escola trancesa em Jerusalém, fei em 1855 procurar nesta
cIdade wn lugar que lembrasse vivamente a Paixão de Cristo.
Encontrou então o arro dito do Ecoe Homo, junto 8.0 qual se
acreditava que Jesus fora por PUatos apresentado ao povo com
as palavras: cEls o homem. (cf. Jo 19, 5 e o contexto respec-
tivo) . Em 1857 conseguiu comprar os lugares próxlmos e. esse
arco e doou-os às Irmãs de Slon. A construção do convento e
da escola se realizou sem grande demora. Dada, porém, a
importância arqueológica do lugar. empreenderam-se ai pes.
QUlsas em duas ocasiões (1931-33 e 1934-37) sob a direção do
Padre V1ncen't O . P. e de Mêre M.. Godeleine de Sion. Assbn
foi descoberta a esplanada do Llthostl'otos, r-ertencente à for-
Weza Antlmia: mede 44 m 50 em de leste a oeste, e cerca de
54 m 20 em de norte 8 sul ; as 18ges que recobrem essa super-
fície datam do tempo de Cristo j são sulcadas por pequenos
canais, que deviam impedir os cavalos de escorregar. Sobre as
pedras do solo estão talhados os desenhos de jogos usuais entre
os soldados romanos que guardaram e escarneceram Jesus;
entre esses jogos, ainda se distingue muito bem O jogo do rei,
derivado dos lestivaJs chamados Saturnalia em latim. Esse Joco
consistia em se escother um réu a quem se atribuiriam ironi-
camente as honras de rei j os folgazões o revestiam de manto
e insignias da realeza, delxavam·lhe a liberdade para satls!azer
aos seus caprIchos; fInalmente sentenciavam-lhe a morte e tra-
tavam-no como condenado. - Ora é evidente que tal logo fol
-361-
42 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS~ 177/1974

aplicado a .Thsus, como referem os Evangelhos (cf. Mt 27, 27-31;


Me 15, 16-20)" .. e aplicado no Utbostrotos, cujas lages são
agora visIvels ao público. Sobre as ~des que cercam essa es-
planada (hoje subterrlnea) vêem-se placas de mármore ou
pedra votivas; l direita. a maioria é de judeus convertidos;
das outras, grande parte foi colocada por milltares durante a
Segunda Guerra Mundial.

Do Convento Franciscano da Flagelação sal todas as sex-


tas-felras às 15 h 8 peregrinação da VIa Sacra ou Via Dolo-
rosa, recoroando com : cantos e preces as estações que J~
pe;rconoeu quando carregou a cruz até o Calvário. Esse exer-
ciclo. ao qual comparecem peregrinos 'de vários grupos Ungills-
tjcos. princlpabnente na Quaresma e no verão, 'Oferece ao visl-
qmte a ocasião de contemplar o mistério da cPaixáo gloriosa.
de Cristo. Sim; . . . ~loriosa. porque ponto de convergência dos
povos de todos os continentes. ... gloriosa, porque nela se cum-
priu O que disse Jesus pouco antes de padecer:, cChegou a hora
de ser glQ..rificado o Filho do Homem. Em verdade, em ver-
dade vos dJgo : Se o &do de trigo, caindo na terra, não morrer,
ficará só; mas, se morrer, darâ multo fruto. (Jo 12, 238).

o ltinerãr10 da Via Dolorosa é cUscutido. Na verdade, o


caminho palmilhado por Jesus fol recoberto por novos estrados
de pavimentação da cidade de Jerusalém, COmo quer que seja.
os sinais e as capelas hoje colocados a.o longo da Via Dolorosa
são: sutidentes para excitar no peregrino a atitude de oração
que é o pr1nclpal em todo ato de peregrinação.

Por hoje deixarno-nos ficar aqui, com uma observação:


Estas cr6nlcas referentes à TeITa Santa não devem cons·
titulr 'mera ilustração acadêmica. Possam. elas suscitar em mui·
tos. leitores o desejo , de visItar, ou voltar a visitar, um dia o
pais dos Patriarcas e do Senhor Jesus! Quem volta de lá, não
pode deixar de trazer em seu COração um pouco do céu azul e
sorridente que recobre quase permanentemente aquela terra ...
E céu azul quer dizer Paz, Confiança e Amor. que derivam de
mais estreito contato com o Evangelho e com o próprio Deus !
bfíiviO Bettenoonrt 0.8.B .
..' ' .-. ' "'

-362 -
resenha de livros
o Mundo da Sibila, por Jose! Schalbert. Traduçlo do P•. Frederico
Oall1ur, - Ed. Vales, PalrÓj:lolls 1974, l!5D x 230 mm, .243 pp.
Saudamo. com prazer •• ta nova adlçlo - ampliada li atualizada -
de um livro que saiu pala prima Ir. vez Im traduçlo braallelr. no ."0 de
1962. Além da tratar daa . queIIO" de InUoduçlo Geral na Blblla (lnaplraçlo,
CAnon, História do 'ax10 li prlnclplos da Hermen6utica), Seharbert apresenta
uma vlslo geral da origem I do cantaudo da cada um d03 livro. blbllcot
- o qUI 6 novo em relaçAo • adlçlo 11I1IIrlor .. toma a obra de grande
utilidade. Mllrlce especial relel'ncl. o aqulllbrlo de pensamento qUI carac-
ler!za a abordagem d•• mais dallcadas quest6es no livro dll 5ch.rbert: I
noçAo de Insplraçlo. por exemplo (hoJe em dia tio discutida), • Ipresen-
tada .. luz dos novos conhecimento. quo temo. aobro a paulaUna lormaçlo
do. livros IIgrados; este. aupllem longas fase. de Iranaml!.Sio meramente
oral da Palavra de Deus. Isto, porém, nlllo Impo<le ~ue a redaçlo deffnlllva
dessas Iradlç~es lenha sido lella "sob a Inllulncla dlrela, 80brenalural e
carllmétlca do Etplrlto Sanlo, am virtude da qual o. homens, conservando
a liberdade de selaçAo dos .~sunlos o dos meios de expressA0 lIIerirla,
asaenlaram por escrfto o que Ela quis 10110 registrado" Cpp. 132:a). Sanen-
tomos tamWm o resumo de história da SIIlvaçlo, em qua le Inserem os
dlvOfllO' Ilvroa sagredo. (pp. 21-92); , lúcido e suficientemente Informatlyo.
Em apênalce ao livro, O aulor acrescentou oportuno ®cuMant4rlo:
o taxto de Constltutçlo "Oel Verbum" do Concilio do Vaticano li, um
quadro e uma alnopta apresenlando a. camadas lII~trlhlll do Pentateuco
eas fontes J, E, P anlrelecldu em GAn, b-, levo Núm) a oulr05 lexlo. an-
Ugo$. Ao lradutor dev.mQs uma blbllog,alla br85l1elra rela,-ente às Sagrada.
Escrlluras: assim o laltor Intereando em aprolundar-1le no estudo encontrar'
o 'lalêlogo do. livros publicado. no Bfasll (e em Portugal) aobre o assunto.
Numar0S85 gravuras anUgas e medlevels IIj.1stram (I obra. Em suma,
era necess4rlo lal estudo, deltlnado aos amblanles de cultura media.
Como ler (J Novo Tnl.manlo, por Aoderlck A. F. MacKeru:le, Tr.duçao
do originai. 11'1911•. Colaçlo "Deus laia hoje" n9 1, sob a dlre,lo de Frei
Gilberto aOfgulno e Ana Flora Anderson. Ed. Paullnas 1974, 125 • 180 mm,
85 pp.
No seu tllulo originai, 81la livro Ó uma 1r'llroduçlo (lntroducllon) 110
Novo Testamanto. Redigida em lermos concl$OS, reconaUlul o "mblante
pollllco $' religIoso em que nascau 4 Igreja, e percorre as dlvernl c~lIego­
rias de escrito. do Novo T8Itl!.mento, apresentando os autores reapeclivot.
8S clrcun$lAnelas de Origem e o conle6do de ceda um, ApOa cada capitulo,
encontram·s. algumas parguntas destinadas a favorecer a revislo a " dis-
-cussao do assunto. O teor do livro • SÓlido a claro; dlrlgo-.e a quem
c esaJo uma primeira lnlclaçlo nos escritos do Novo raslamenlo. O valor
dessa obra depre8nde·~e do lalo mesmo de que em poucos meses J' conla
duas edlç~ee braslle1ru. Na capa, os nomes de frei Gorgulho a Ana Flora
figuram nlo como la fossem os auloras, mas apenes f'Or l e rem os raspan-
dvols da coleçAo. Sugerlrl.mos a Ireduç80 exata do lIIulo l"lntroduçlo ... '"
para um livro quo merece sinceros apleusos.
o novo povo do DeuI, por Joseph Ral:rlnger. Tr.duçlo do origInai
alemao por Clamente Raphu' Mahl. - Ed. Paullllas, SAo Paulo 1974,
160 • 230 mm, 3eO pp.
Retzlnger , dtsclpulo do lamolo teólogo alemto Karl Aahner S. J.
O .ou novo livro ago" apresentado ~ português é uma Ecleslologla ou

-363 -
44. cPERCUNTE E RESPONDEREMOS, 177/1974

um tratado da Igreja, rico em ded08 blbllÇQ, e elaboraç08a leoI6g1c15. O


autor se mostra, em ludo, Ilal arauto do pensamento da Tradfçlo e do
Maglslérlo da IgreJ., o que nlo 4 fAcl1 quando lanl0 se d/scul. o assunlo
em termos liberais a pessoais (tenhemose em vista os livros de H.m KQnlll.
R.alng.r lu. eco a R.hnar, Congar, De Lubec, Ura von eallhasar, E. P..
lerson, le610'lil~ de valor, auumlndo uma aUtude de res peito e reverlncla
para com I Igreja. No locanla 80 prlm.do da Pedro, o aulor 88 dalo6m
long.mante aobrw o. documanlot da Tradlçlo a dos Conclllos; reconh~
as lunçOes ". coleglalldade doa e lspos e, por consegulnle, das ConlerA""
clas Nacionais de Bispos: ....Im asboçe:-sa ao lellor ·uma sadia Im.gem
da Igreja pós.çoncmar, Esfa 11m tamb6m eUls asp/raçOes ecum6nlcaa •
deseja o dl"~ com a Raform. prot•• tante, como mostra o capo VIII da
obra. ~pru .allenlar da modo especial a IV Parte do livro Intitulada "A
Igreja. o mundo nlO'Crlltlo", em <lU. o autor aborda com bom senso
e IIdalldadl *' ,. o axlom. "For. da Igreja nlo há salvaçl.o"; e otimIsta,
sem, porém, c.lr no relatlvllmo. Ratzlnger exalla .nt.Ucam.nte o papel d.
mlnlo ou da evangel/taçlo do mundo - funçlo esta a Que os cri.tlos
n80 podam renunciar .pthr do novo enfoque hoje dado àa rellglõos nlo-
.-crlslh.
Apen•• regIstramos a Indola densa da certas rellexCes do autor, que
ti auttnUco expoenle Cio pensamenlo a do aslllo .Iemlas. Como quer que
seja. o livro merece ser bem rec.bldo 8 atentamenle estudado por quem
nlo se queira arrIscar • f.lar leviana ou s uperficialmente da Santa Mie
Igreja.
Humanllmol e anll-humenllmo. em conHlIo. Inlroduç'1o t Anlropologla
FROI6llca, por Padro dal1e Nogant. - Editor. Herder, Slo Paulo 1973,
140 x 210 mm, 292 pp.
O aulor é sacardota Jesul1., profeuor da Universidade em Salvador
(BAl. o texto do Il'Iro acIma tave origem em aulu dadu a unlveralhtrlo •.
ExpÔft o penllmenlo do homem 80bre o homem <humanismo) desda a epoc:a
grega pr6-erlsll .te os notaos dlu: palSa, !,ols, em f8ylsla o humanismo
greco-rom.no, o crl.llo, o renasçenUsta (Pane 1); a ..gulr, delem-se nO$
skuloa XIX e XX, conslder.ndo Hegel, Feuerbach, K.rl M.rx, Klerk8gaard,
Sar1ra. Heldegg.r, Nletz:acha, Tellhatd de Chardin (Parte 11). Ne parte fi-
nal (1111, do livro $60 estud.doe oe .nt!-humanlsmos lIJos611co (8 fenomeno-
logia, o nlOposltMsmo, o estruturalismo), o cientifico (Jacquea MonodJ,
o contestatarlo (Mareu.. ). S.gu...... um capftulo final sobre a contrlbulçlo
brasileira 80 humanismo, onde o acolhimento ti aprasenlado como carac-
terfsllca do brasileiro.
~ nol.velmente rico (denlro dOI limitas de um só volume) o leque
ele atlludn flIos6f1eu a,...II.adas paIo .ulor a doeumenladas com a cltaçOo
de talltOl do. pensadores em foco. No fim do livro, anconlr...e uma IlIte
blbUogrjllca d. livros brasileira. atln.ntea ao humanismo.
Para quem desej. Ir\lelar-ae am correntes de pensam enio dlllcels e
compleX83 como a60 os vAtloe exlstenclallsmoll, o estruturalismo e me.mo
o pr6prlo m.rxlsmo, o livro 6 Instrumento precioso : conclslo, cl.reza e
documenlaclo recomendam-no ao público esludloso. Um etpeclmen da
orlonl8çlo dada pelo autor A. auu raftaxOe• • a frase: "Um avanço tal
(como o contemporeneo) no reconh.clmento dos direito. da pessoa humana
nem • comp.rtvtll em Importincl. e.plrltual com o primeiro pa8SO dado
pelo hom.m lobre I Lua" (p. 40). Ou ainda, rofarlndo-ae i\ maneira como
• pa.. ne Igreja de Cristo encara o papel do homem sobre e terra, dl:r. o
aulor: "Os marxlst•• mal. crlllco. e Inteligentes chegam mesmo a con-
Intar a M.rx e e lenin de que a rallgllo •• ja '6plo do POYO'" (p. 41).

- 364-
Para orl.r'llaçlo doll Int.resudo., nolamos aqui que. Editora H.rder
.. trlNformou em Edltorl Ped.gólllca e Unlverslt6rJa lida., com sede •
Praça D. Jod Gaspar, 108-3' .obreloJ. n' 15, ca;u postal 75011, 01047
51(1 Paulo ISP). Tem represenlante no Alo de Janeiro à Ay, Rio Branco, 9,
..tM 178/ 180 (GB).
O o.spart'r, p.lo Pe. Paulo Milton de L.cerdo. Coleçlo "J uventude
• Crescimento na Fé" - t . - Ed. Paullnall, Slo Paulo 1974, 110 li 160 mm,
232 pp.
O Pe. Lacerda tem-s. dedicado, lunlamente com o Pe. 2ezlnho, ao
apostOlado enlre os Jovens, .rmuenlndo, no decorrar ae olto anos, Jê
nctAyel experler\Cla am sator complexo e deUcado como ·esse. Nota q\Ol
uma des principais dificuldades encontr.das por quem deseja ,.aUur p ....
lOtai de juventude, • • faUI di pistas para começer o lrabel.~ ou para
prclsegulr apÓl OI prlmelros pasaoe, O aulor, com 1$111 l1yro, contribui
plr. a >loluçlo de laia problemas, procurando moatrar como . bordar os
loyens pela primeira vez, como Inlcli-Ios no caminho da vida, lem forçar
etapI' e um eaquece r as asplraçOes mais urgentes da Juventude.
O autor começa propondo algunl prlnclplos: os Jovena 'crellcerlo
na " .. .aubarmos acompanhA-los na 8Voluçao paulallna de suas 1~las
li se epllcarmos. no contato cem elos. algurnu técnicas fi Instrumentos da
lra~lho .eoaquadot • aua c;ornpreetlslo fi maturidade. Na legunda 'pana
do Ilno, 8JO onutlcladot e expostos alguns meios concretos, Ilextvels e
bem testados da promover os jovens na lê : lemanas de ju~enlude, acam-
pamantos, dia dos namorad03, cursos de formaçao, cursos dI) penlonetl-
dade, Felre Intemaclon.1 EstudanU! do Livro .. .
O Pe. Lacerda .aba manter-se em tudo A IIUure de auténllco pastdr,
que vlaa tio somante a transmlllr a doulrlna de Cristo e as autênticas pars-
pecUvas da IgreJa. um publico sequioso de verdade, mllS essaz: balejado
por idéias hetaroglneas ; aem fazer concesslo a estas, o Pe. Lacerda lO.
nos aprclenl. como \Im plonelto dlQno d. crédito no setor de pal loral da
JUY8ntude, Suas observllÇ6e. e augest!)es podem dar multo bona frutos.
E.• .
Caro leitor,
Em Junho pp., lançamos aOI nOllol amIgos a lug_stlo
d. ,e mudar o Utulo da nossa revllta para ··CONFRONTO".
flc.ando " PERGUNTE E RESPONDEREMOS" como IUbtftulo.
Eua mudança de nome nlo IlgnlRcarla em abloluto lU..
,.çlo da orl.nlaçlo e do programa do nosso PR i também
nHo ..ria conce .. io .. volubllld.de e ao capriChO. mas de-
ver-I ..la exclu.lv..... nt. a razões funclonals : um titulo mais
breve facilitaria a publlcldad. da r.vl.ta e equlpar'·la-I., 80b
• • t • •Ipecto, il revistas que ·vemo. circular amplamente no
Bralll.
Somos gratoa a todos quantos sa manlf••taram a.' hoje
.obre • troca do nom. de " PERGUNTE E RESPONDEREMOS".
Pre.taram-no. grande servi90, porque, além do ••u Sim ou
Nlo, multa. vez •• no. transmitIram Impressõe•• suga.tõe.
vallo.ca, .
Nlo 'endo ainda decidido colla alguma, resolvemos
aguardar novo. pronunciamentos dOI nOIlOI leitor••• amigai
sobre a propolla de mudança. Teremos assim a oc.,llo de
um Intercamblo ml ls amplo e profundo com o pObllco, que ,
multo no. pode ajudar a realizar o nosso -program. d. servir I
Cam an.eclpadot agradecimento.,
A Rodaçlo do PR
VIDA SINGULAR

EIS AQUI UM HOMEM QUE NASCEU NUMA OBSCURA


ALDEIA, FILHO DE SIMPLES CAMPONESA.
CRESCEU EM OUTRA HUMILDE ALDEIA.
TRABALHOU COMO UM MODESTO CARPINTEIRO AT~
OS TRINTA ANOS.
FOI SOMENTE DURANTE OS TR~S ANOS SEGUINTES
QUE PREGOU A SUA MENSAGEM.
NUNCA ESCREVEU UM LIVRO.
NUNCA EXERCEU QUALQUER CARGO.
NUNCA TEVE UM LAR.
NUNCA CONSTITUIU FAM iLlA.
NUNCA FREQUENTOU UMA UNIVERSIDADE.
NUNCA AS PLANTAS DOS SEUS P~S PISARAM UMA
GRANDE CIDADE.
NUNCA SE DISTANCIOU MAIS DE 300 KM DO POVOADO
ONDE NASCEU.
NUNCA FEZ ALGUMA COISA QUE PUDESSE APAREN-
TAR GRANDEZA.
SUAS CREDENCIAIS ERAM A SUA PROPRIA PERSONA-
LIDADE.
NADA TEVE EM COMUM COM ESTe MUNDO , EXCETO
o SIMPLES PODER DA SUA SINGULAR HUMANIDADE.
QUANDO SE FEZ CONHECER, O iMPElO DA OPINIÃO
POPULAR SE VOLTOU CONTRA ELE.
OS SEUS AM IGOS O NEGARAM E ABANDONARAM.
UM DELES O TRAIU E O VENDEU AOS SEUS INIMIGOS.
FOI CONDENADO MEDIANTE A FARSA DE UM JUiZO
SIMULADO.
FOI CRAVADO EM UMA CRUZ ENTRE DOIS LADROES.
ENQUANTO MORRIA, OS SEUS EXECUTORES TIRAVAM
SORTE SOBRE A ONICA PROPRIEDADE QUE TINHA NA
TERRA : SUA TONICA.
AO MORRER. FOI ENTERRADO EM UMA TUMBA EM-
PReSTADA POR PIEDADE DE UM AMIGO.
DEZENOVE LONGOS S~CULOS SAO PASSADOS E HOJE
ELE é A PERSONAUOADE ceNTRAL DA RAÇA HUMANA E
UDER DA CIVILIZAÇÃO MODERNA.
TODOS OS EXéRCITOS OESTE MUNDO, TODAS AS FRO-
TAS aUE JA SE CONSTRUIRAM, TODOS OS PARLAMENTOS
aUE JA SE REUNIRAM, ASSIM COMO TODOS OS REIS QUE
JA REINARAM, POSTOS TODOS JUNTOS, NAO INFLUIRAM
TI\O PODEROSAMENTE NA VIDA DA HUMANIDADE COMO
O FEZ ESTA VIDA SINGULAR: J E S US C R I 8TO.

Você também pode gostar