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SAULO CONDE FERNANDES

ESQUECE QUE É MACUMBA: A MACUMBA NOS ESCRITOS


ACADÊMICOS E A DIVERSIDADE DAS RELIGIÕES AFRO-
BRASILEIRAS

DOURADOS 2015
SAULO CONDE FERNANDES

ESQUECE QUE É MACUMBA: A MACUMBA NOS ESCRITOS


ACADÊMICOS E A DIVERSIDADE DAS RELIGIÕES AFRO-
BRASILEIRAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Antropologia da Faculdade de Ciências Humanas da
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) como
parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em
Antropologia.
Área de concentração: Etnicidade, Diversidade e
Fronteiras.

Orientador: Prof. Dr. Mario Teixeira de Sá Junior.

DOURADOS 2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).

F363e Fernandes, Saulo Conde.


Esquece que é macumba : a macumba nos escritos
acadêmicos e a diversidade das religiões afro-brasileiras. /
Saulo Conde Fernandes. Dourados, MS : UFGD, 2015.
119f.

Orientador: Prof. Dr. Mario Teixeira de Sá Junior.


Dissertação (Mestrado em Antropologia) Universidade
Federal da Grande Dourados.

1. Macumba. 2. Religiões afro-brasileiras. 3. Escritos


acadêmicos. I. Título.

CDD 299.6

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central – UFGD.

©Todos os direitos reservados. Permitido a publicação parcial desde que citada a fonte.
SAULO CONDE FERNANDES

ESQUECE QUE É MACUMBA: A MACUMBA NOS ESCRITOS


ACADÊMICOS E A DIVERSIDADE DAS RELIGIÕES AFRO-
BRASILEIRAS

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA PPGANT/UFGD

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA:

Presidente e orientador:
Dr. Mario Teixeira de Sá Junior

2º Examinador:
Dra. Graziele Acçolini

3º Examinador:
Dr. Eudes Fernando Leite
Ao povo-de-santo!
AGRADECIMENTOS

Se eu fosse agradecer de modo genuíno, teria que fazer uma lista com toda minha
Família, os irmãos de sangue e os de alma. São as pessoas que amo, que me inspiram a viver e
ser feliz. Mas seria inviável, são muitas pessoas! Meu coração é grande, transborda de amor e
amizade... Por isso, os agradecimentos serão pontuais.
Agradeço aos meus pais, que além de me darem muito amor e carinho, me
proporcionaram uma boa educação, e sempre me apoiaram nos estudos.
Aos meus colegas da turma de 2013 do PPGAnt, pelas trocas, e aos professores deste
programa, pelos ensinamentos.
Aos meus companheiros de república, em especial Greciane Oliveira e João Brasil,
pela cumplicidade e camaradagem.
Aos professores Eudes Leite e Graziele Acçolini, que compuseram a banca de
qualificação e defesa, por todas as críticas, dicas e sugestões.
Ao professor Mario Teixeira de Sá Junior, por compartilhar comigo seus livros, suas
idéias, sua experiência; e pela orientação serena, mas muito eficaz. Mais que orientador, um
amigo!
Aos pais, mães e filhos-de-santo com quem travei contato, em especial aqueles que fiz
amizade.
Por fim, agradeço aos deuses, por abrirem este caminho em minha vida!
Axé!
RESUMO

O termo macumba possui vários significados, e acabou por contrair uma carga
extremamente pejorativa. No entanto, a macumba é uma tradição religiosa tão antiga quanto o
candomblé, que dentre rupturas e continuidades, se mantém ativa no território brasileiro,
tendo adotado, no decorrer do séc. XX, o nome de umbanda. A presente pesquisa pretende
analisar a relação que os pesquisadores acadêmicos mantiveram com a macumba em seus
escritos. Num primeiro momento a análise se volta aos pesquisadores clássicos , de Nina
Rodrigues a Roger Bastide, perpassando por alguns autores que escreveram na primeira
metade do século XX. Observa-se, entre estes pesquisadores, a valorização do modelo de
culto nagô em detrimento das outras formas de culto, tidas como degeneradas, em especial a
macumba. Num segundo momento busquei delimitar alguns autores (começando por Bastide
e perpassando por alguns autores cuja maioria foi por ele influenciada) que escreveram entre
as décadas de 1960, 1970 e 1980, e que se propuseram a estudar a umbanda, suas origens, e
suas características. Aqui percebe-se que, para estes autores, a macumba deu origem à
umbanda, mas as duas não são a mesma religião, ficando implícito que, com o advento da
umbanda, a macumba deixou de existir. Num terceiro momento, busquei descrever os sinais
diacríticos da macumba, dialogando com alguns autores contemporâneos. Após demonstrar
que a macumba acabou por ser relacionada com a quimbanda, as entidades da esquerda (os
exus e pombagiras), e com as situações de demanda (categoria nativa que designa uma disputa
simbólica), apresento seus personagens, as entidades espirituais (caboclos, pretos-velhos, exus
e pombagiras, baianos, boiadeiros, marinheiros, ciganos, Zés Pelintras). Por fim, indico os
caminhos teóricos-metodológicos por quais passaram alguns estudiosos que se debruçaram
acerca da diversidade/multiplicidade das religiões afro-brasileiras, e proponho um novo
esquema interpretativo. Mesmo que alicerçado em trabalho de campo que venho realizando
em diversos terreiros da cidade Campo Grande-MS, a presente pesquisa se configura mais
como um caso de Antropologia Histórica (aquela que, como bem ressaltou Lilia M. Schwarcz,
se debruça sobre fontes documentais), ou mesmo, como um ensaio epistemológico.

Palavras-chave: Macumba. Religiões afro-brasileiras. Escritos acadêmicos.


ABSTRACT

The term macumba (Brazilian voodoo) has several meanings, but it ended up getting
an extremely pejorative one. However, macumba is a religious tradition as old as
Candomblé, which among ruptures and continuities, remains active in the Brazilian territory.
It adopted the name of Umbanda during the 20th century. This research aims to analyze the
relationship that academic researchers had with macumba in his writings. Initially the
analysis turns to the 'classics' researchers, from Nina Rodrigues to Roger Bastide, passing by
some authors who published in the first half of the twentieth century. It is observed among
these researchers, the appreciation of the nagô cult model to the detriment of other forms of
worship, regarded as degenerate, especially macumba . In a second moment I tried to
delineate some authors (starting with Bastide and passing by some authors whose majority
was influenced by) who wrote between the 1960s, 1970s and 1980s, and who proposed to
study the Umbanda, their origins and their characteristics. Here we can realize that, for these
authors, macumba originated Umbanda, but they are not the same religion, it is implied that
with the advent of Umbanda, macumba ceased to exist. The third part of the research
consists of describing the diacritics of macumba , dialoguing with some contemporary
authors. After showing that macumba ended ip being related to quimbanda , the entities
of the left side (the exus and pombagiras) and with situations of demand (native category that
designs a simbolic disputs), I present its characters, the spiritual entities (caboclos, pretos-
velhos, exus e pombagiras, baianos, boiadeiros, marinheiros, ciganos, Zés Pelintras). To
conclude, I indicate the theorical methodological paths were some of the experts passed,
people who studied hard the about multiplicity and diversity of the African-Brazilian
religions. Then I propose a new interpretative scheme. Even though grounded in fieldwork I
have accomplished visiting many religious places in the city of Campo Grande-MS, this
research is shaped more like a case of Historical Anthropology (one that, as Lilia M.
Schwarcz said, focuses on documentary sources) or even as a epistemological essay.

Keywords: Macumba. Brazilian voodoo. Academic writings.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Continuum das religiões afro-brasileiras ..............................................................94


Figura 2 Platôs/complexos principais do rizomático campo religioso afro-brasileiro ......103
SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ............................................................................................. 08

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10

I. DEGENERADA, DEGRADADA: A MACUMBA PELOS


PESQUISADORES “CLÁSSICOS” (1900-1960) ............................................ 19
1.1. Raimundo Nina Rodrigues .............................................................................. 19
1.2. João do Rio ...................................................................................................... 23
1.3. Manuel Querino ............................................................................................... 24
1.4. Arthur Ramos ................................................................................................... 26
1.5. Edison Carneiro ................................................................................................ 31
1.6. Ruth Landes ...................................................................................................... 35
1.7. Roger Bastide .................................................................................................... 39
Considerações parciais ............................................................................................. 43

II. DE DEGENERADA À DESAPARECIDA: O “NASCIMENTO” DA


UMBANDA E A “EXTINÇÃO” DA MACUMBA ........................................... 47
2.1. Roger Bastide .................................................................................................... 47
2.2. Maria Helena Concone ...................................................................................... 51
2.3. Diana Brown ..................................................................................................... 55
2.4. Renato Ortiz ...................................................................................................... 59
2.5. Patrícia Birman ................................................................................................. 63
2.6. José Magnani .................................................................................................... 66
2.7. Lísias Negrão .................................................................................................... 68
2.8. Zélio de Moraes e o mito fundador umbandista ............................................... 72
Considerações parciais ............................................................................................. 77

III. O LUGAR DA MACUMBA NO CAMPO RELIGIOSO AFRO-


BRASILEIRO ........................................................................................................... 79
3.1. Sinais diacríticos da macumba ............................................................................. 79
3.1.1. Linha da esquerda, quimbanda, demanda, feitiçaria, linha cruzada ................. 79
3.1.2. Antigos e novos personagens da macumba ...................................................... 86
3.2. A diversidade/multiplicidade das religiões afro-brasileiras ................................ 91
Considerações parciais ............................................................................................... 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 106

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 109


INTRODUÇÃO

A presente dissertação de mestrado junto ao PPGAnt/UFGD Programa de Pós-graduação


em Antropologia da Universidade Federal da Grande Dourados, tem sua gênese no ano de 2009,
quando li o primeiro livro acadêmico sobre a umbanda (MAGNANI, 1991). Até então eu tinha ido
algumas vezes em um terreiro (casa de culto) de umbanda perto de minha casa, e aquele contato me
deixara um tanto quanto intrigado. A forma como aquelas pessoas praticavam a sua espiritualidade
era bem diferente de tudo que eu havia vivenciado. Eu me encontrava na metade do curso de
História na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e precisava decidir por uma temática de
pesquisa. Escolher a umbanda já era uma possibilidade, e após a leitura do livro, decidi que
pesquisaria esta religião.

Não tardou para que meu interesse e curiosidade, aliados a uma ajudinha do sobrenatural ,
me levassem à pioneira da umbanda na cidade de Campo Grande-MS cidade onde nasci e resido
, assim como a outros terreiros. Após configurar uma rede de entrevistados, escrevi sobre a origem
da religião umbandista em Campo Grande, a partir do método da História Oral (FERNANDES,
2011; 2014). A aproximação com o aparato teórico-metodológico da Antropologia foi inevitável
neste processo. No decorrer da pesquisa, iniciei um contato com o Prof. Dr. Mario Teixeira de Sá
Junior, que desde aquele momento se mostrou muito generoso e abriu sua biblioteca para mim.
Iniciamos uma parceria, que com o passar do tempo se transformou em amizade. Posso dizer que
ele é meu orientador desde a faculdade e minha entrada no PPGAnt foi um empreendimento que
construímos juntos.

Quando ingressei no PPGAnt, no início de 2013, minha proposta era pesquisar um terreiro
de umbanda situado na periferia de Campo Grande, advogando a hipótese de que a macumba é uma
religião ativa no campo religioso afro-brasileiro. A partir de um estudo de caso buscaria debater
questões mais amplas, pertinentes ao campo religioso afro-brasileiro. No entanto, aprofundando as
leituras e debatendo com o orientador, a pesquisa tomou outro rumo. Juntos (eu e Mario) chegamos
à conclusão de que não adiantaria uma etnografia de um terreiro de macumba sem uma discussão
teórica que a situasse enquanto religião. Mudamos a estratégia e o objetivo: não mais uma
etnografia de um terreiro, mas agora um apanhado histórico da relação dos intelectuais acadêmicos
com a macumba.

Hipóteses e objetivos
No decorrer deste trabalho parto da premissa de que a macumba é uma tradição religiosa tão
antiga quanto o candomblé data de pelo menos o século XIX e, não diferente deste, se mantém

10
atualmente ativa no campo religioso (afro) brasileiro, disputando seu espaço no mercado religioso
(BERGER, 1985), mas agora com o nome de umbanda.
Em meados do século XX, alguns indivíduos de classe média se autoproclamaram
praticantes de uma religião que teria sido denominada de espiritismo de umbanda, se organizaram
em federações e passaram a publicar diferentes codificações para este novo culto, uma literatura
doutrinária de inspiração kardecista e esotérica. Os criadores desta nova religião, imbuídos de um
ideal eugênico herdado de uma corrente de intelectuais brasileiros do início do século XX (SÁ
JUNIOR, 2004a), se apropriaram dos rituais da macumba, depuraram desta os elementos que
consideravam não civilizados , como a prática do sacrifício, o uso do álcool e do atabaque, e
iniciaram um processo de legitimação perante a sociedade mais ampla, apostando num discurso de
considerar a umbanda como uma religião genuinamente brasileira. 1 Ao criarem a umbanda pura ou
branca também criaram outra forma de religiosidade, que foi relegada ao domínio do mal: a
quimbanda.2 Para eles, esta seria a prática da magia negra, e o papel da umbanda seria justamente
anular os malefícios causados pelos quimbandeiros.
Se as primeiras federações rogavam uma proposta kardecista pra umbanda, negando sua
herança africana, já no início da década de 1950 surge uma federação, liderada por Tancredo da
Silva Pinto3, que busca justamente valorizar tal herança africana. Foi neste momento que a
macumba passou a se autodenominar oficialmente de umbanda. Afinal o nome umbanda já tinha
alcançado legitimidade perante a sociedade mais ampla, enquanto que o termo macumba sempre foi
relacionado a algo pejorativo. Prova disso é que ainda hoje muitos setores da umbanda e candomblé
empreendem movimentos visando se desvincular deste nome.4 Neste sentido, a macumba preferiu
se denominar de umbanda, mas não adotou as premissas do espiritismo de umbanda, continuou
sendo macumba. Muitos líderes federativos aceitaram a macumba, adotaram o discurso da

1
Podemos ver no prólogo à apresentação das resoluções do I Congresso Nacional de Umbanda de 1941: Os adeptos
deste culto consideram-no genuinamente brasileiro, de vez que ele representa essa simbiose característica de nossa
própria formação étnica: o sincretismo resultante dos cultos afro-aborígene-cristão. (Apud NEGRÃO, 1996, p. 147).
2
Adiante veremos que a quimbanda é a própria macumba.
3
Sacerdote e líder federativo, escreveu dezenas de livros. Era defensor ferrenho da africanidade da umbanda.
4
Há um quadro que circula frequentemente na rede social Facebook através da página de um tradicional terreiro
baiano denominado Casa de Oxumaré (https://www.facebook.com/casadeoxumare?fref=ts), com o seguinte conteúdo:
SAIBA DIFERENCIAR. CANDOMBLÉ: Religião africana trazida ao Brasil pelos africanos durante o período
escravocrata. Segue as leis da Natureza, que tem como divindade os Orixás, estes que cuidam e equilibram as energias
da nossa existência. UMBANDA: Religião brasileira criada através da mistura dos cultos africanos e do catolicismo.
Segue os princípios da fraternidade e da caridade sob as leis da Natureza e do Plano Espiritual. MACUMBA: Apesar do
termo ser amplamente utilizado para se referir pejorativamente às religiões de descendência africana, MACUMBA nada
mais é do que uma árvore africana e também um instrumento musical utilizado em rituais afro-brasileiros.

11
diversidade, e alargaram o nome das federações (por exemplo, Federação de Umbanda e Cultos
Afro-Ameríndios).5
Neste complexo campo religioso que é o afro-brasileiro, onde algumas formas de culto
angariam poder simbólico (BOURDIEU, 2012) em detrimento de outras, a macumba sempre foi
estigmatizada. Veremos que os pesquisadores porta-vozes do candomblé baiano (nagô/ioruba)
condenaram a macumba e os cultos bantos em geral6, tratando-a como degeneração. Também
veremos que os inventores do espiritismo de umbanda (também chamado de umbanda branca,
cristã, pura, tradicional), buscaram extrair da macumba seu passado negro, tratando-a como uma
seita deturpada. Nos dois casos advogam uma pureza, em detrimento do misturado, degenerado,
deturpado: no primeiro caso, os defensores do candomblé baiano, sejam os sacerdotes e
sacerdotisas, ou os intelectuais que aderiram às suas premissas, defendem a pureza nagô em
oposição aos cultos misturados; no segundo, a umbanda seria uma modalidade espiritismo, cuja
pureza se dá através da eliminação da incivilidade das deturpadas seitas negras . A frica foi
exaltada no nagocentrismo e negada na kardecização da umbanda.
A perspectiva diacrônica é o ponto central do presente trabalho. Busquei perceber as
transformações pelas quais passou a macumba, a partir dos trabalhos acadêmicos. Minha intenção
foi uma análise que tivesse início em Nina Rodrigues, na virada do século XIX para o XX, e
chegasse a textos publicados recentemente. Como bem afirmou Lilia M. Schwarcz, [...] o que se
pode dizer é que há uma antropologia interessada na transformação histórica [...]. (2005, p. 129).
Esta autora, num texto acerca da relação entre história e antropologia (2005), apresenta a sua forma
de fazer antropologia: ela analisa objetos históricos, isto é, relações humanas em tempos passados, a
partir da perspectiva antropológica. Para ela, isto seria uma antropologia da história.7 Neste sentido,
a presente pesquisa se configura como tal, haja vista que se trata de uma análise antropológica (de
uma parcela) da história das pesquisas sobre religiões afro-brasileiras. Este trabalho perpassa pelo
campo da História das Ideias (CARDOSO&VAINFAS, 1997), pois versa sobre obras acadêmicas e
pesquisadores. Contudo, é o caráter etnográfico que busco.

5
A primeira federação umbandista, fundada em 1939, possuía vívida influência espírita e sua nomenclatura era
Federação Espírita de Umbanda.
6
Bantos e iorubas (nagôs) são etnias que vieram ao território brasileiro durante a colonização. Essas etnias deram
origem a formas de religiosidade peculiares. Dos nagôs herdamos algumas modalidades de candomblé, em especial as
nações ketu e jeje. Dos bantos, herdamos o candomblé angola e a macumba, entre outros cultos. O candomblé é
dividido em nações: nagô, ketu, efon, ijexá, nagô-vodum, jeje, angola, congo, caboclo. Para uma discussão mais
aprofundada acerca das nações de candomblé, ver Costa Lima (1976).
7
O afamado historiador Marc Bloch seria quem inaugurou uma antropologia histórica, com a publicação de Os reis
taumaturgos em 1924 (BLOCH, 1993), onde reconstruiu uma espécie de história do milagre (SCHWARCZ, 2005, p.
130-131).

12
Mariza Peirano traz uma discussão essencial para a questão da história da antropologia e da
antropologia da antropologia. Ela distingue duas formas de se engendrar a história da antropologia:

[...] a primeira é a história da disciplina, no estilo propriamente


historiográfico que Stocking consagrou entre nós (e que inclui, como um
subtipo, a antropologia da antropologia). A segunda é a história teórica, uma
história interna à prática da antropologia que indica a orientação e as
questões centrais da disciplina, os refinamentos pelos quais passou e, não
menos, os insights que, não tendo sido devidamente apreciados na época em
que foram divulgados, inspiram a renovação de perguntas tanto empíricas
quanto teóricas. (2004, p. 104)

A história da disciplina é aquela em que a preocupação recai sobre o contexto ( In this


context ) em que o pesquisador analisado estava inserido. Já a história teórica pode até levar em
consideração o contexto, mas isto não é de forma alguma primordial, e sim apenas detalhes.

A história teórica trata assim do exame dos problemas que se tornaram


pertinentes e merecedores de investigação, e dos diálogos que antropólogos
empreenderam e que constituem um repertório aberto e continuamente
renovado de novas perguntas ou formulações. O movimento final é
espiralado e dinâmico, em que questões prévias adquirem nova vida,
afastando-se de uma ideia linear ou progressiva. (Idem, p. 108).

Peirano afirma que, em qualquer circunstância, estas duas abordagens podem até estar
relacionadas, mas não se confundem (Ibidem, p. 115). Creio que conciliar as duas em um mesmo
trabalho é uma proposta interessante, e este é o intento na presente pesquisa. Tentei desvendar
algumas questões relacionadas ao contexto em que cada pesquisador aqui analisado estava inserido,
e depositei considerável importância nisto; por outro lado, dedico a grande maioria das páginas
desta dissertação à análise das questões teórico-metodológicas presentes nas obras dos autores que
investiguei.

No primeiro capítulo estabeleço um recorte que vai de 1900, ano em que Nina Rodrigues
publica em francês sua obra principal (RODRIGUES, 1935), até 1960, ano em que Bastide publica
sua tese de doutorado, também em francês (BASTIDE, 1971). Os autores analisados foram estes, na
seguinte ordem: Raimundo Nina Rodrigues, João do Rio8, Manuel Querino, Arthur Ramos, Édison
Carneiro, Ruth Landes, Roger Bastide. A questão que perpassa os escritos de todos estes autores é a
valorização do modelo de culto nagô (nagocentrismo) em detrimento das outras religiosidades afro-

8
João do Rio era jornalista, diferentemente dos outros autores, que eram etnógrafos, folcloristas, cientistas sociais etc.
No entanto, como veremos, ele publicou artigos em uma mesma revista que Nina Rodrigues, num momento em que os
campos científicos ainda não estavam bem definidos em território brasileiro. Por este motivo, nem Nina Rodrigues pode
ser chamado de cientista social, todavia, como veremos, a Nina é dado o posto de primeiro etnógrafo a pesquisar
religiões afro-brasileiras.

13
brasileiras, em especial a macumba e os cultos bantos. Mostrarei o quão importante é o contexto: o
nagocentrismo está relacionado à filiação dos pesquisadores aos terreiros de candomblé nagô da
Bahia. Como veremos, as categorias nativas as ideias dos sacerdotes e sacerdotisas do candomblé
nagô foram transformadas em categorias analíticas por estes pesquisadores, e assim foi criado o
mito da supremacia nagô.

No segundo capítulo, apresento pesquisadores que escreveram quando as ciências sociais já


estavam bem estabelecidas no país, a partir das décadas de 1960 e 1970. Os autores analisados são:
Roger Bastide, que é o elo de ligação entre os dois grupos de pesquisadores; Maria Helena
Concone, Diana Brown e Renato Ortiz, que escreveram na década de 1970; Patrícia Birman, José
Magnani e Lísias Negrão que escreveram nas década de 1980 e 1990.9 O que vem à tona na análise
é que estes autores explicam a umbanda como uma religião nascida no século XX e desconhecem a
macumba como sendo a própria umbanda. Diferente dos defensores do candomblé nagô, os
pesquisadores analisados no segundo capítulo não se filiaram à religião. No entanto, interpretaram a
umbanda a partir dos escritos doutrinários, o que fez com que a macumba fosse esquecida com o
advento da religião umbandista. Neste sentido, apresento uma visão crítica do mito fundador
umbandista, advogando a tese de que a umbanda nascida em 1908 com Zélio Fernandino de
Moraes, conforme narra o mito, é apenas uma das formas de se praticar a umbanda, e não abarca
esta religião em sua totalidade.
No terceiro capítulo, busco demonstrar os sinais diacríticos da macumba/umbanda, a partir
da interlocução com textos mais recentes. Os principais símbolos da macumba são as entidades, os
chamados guias espirituais . São os personagens desta religião, as representações simbólicas da
herança histórica: caboclos, pretos-velhos, exus e pombagiras, erês, baianos, malandros, ciganos,
boiadeiros, marinheiros. Mostro que para se diferenciar um terreiro de umbanda-macumba de um
terreiro de umbanda kardecizada é preciso mensurar a presença de algumas características
marcantes: quimbanda, demanda, feitiçaria. Exponho uma discussão acerca da
diversidade/multiplicidade das religiões afro-brasileiras, dialogando com uma ampla gama de
autores, e apresento algumas considerações sobre o caráter rizomático deste campo religioso,
forjando um novo quadro interpretativo. Veremos que a macumba é hoje chamada de quimbanda,
linha cruzada, umbanda traçada, umbanda africana, umbanda omolocô, entre outros nomes.

9
Me refiro aos escritos sobre a umbanda, haja vista que muitos destes autores ainda estão vivos e publicando, sobre
variadas temáticas.

14
Arsenal teórico-metodológico
Em A invenção da cultura, Roy Wagner escreve:
[...] a consciência da cultura gera uma importante qualificação dos objetivos
e do ponto de vista do antropólogo como cientista: ele precisa renunciar à
clássica pretensão racionalista de objetividade absoluta em favor de uma
objetividade relativa, baseada nas características de sua própria cultura. É
evidente que um pesquisador deve ser tão imparcial quanto possível, na
medida em que esteja consciente de seus pressupostos; mas frequentemente
assumimos os pressupostos mais básicos de nossa cultura como tão certos
que nem nos apercebemos deles. A objetividade relativa pode ser alcançada
descobrindo quais são essas tendências, as maneiras pelas quais nossa
cultura nos permite compreender uma outra e as limitações que isso impõe a
tal compreensão. A objetividade "absoluta" exigiria que o antropólogo não
tivesse nenhum viés e portanto nenhuma cultura. (2010a, p. 28)

Para se alcançar a objetividade relativa de que fala o autor norte-americano, é preciso que o
antropólogo tenha noção de que está contido na cultura ocidental, em cujo seio a Antropologia foi
criada, e que isto o limita na compreensão de outros universos de entendimento. Um texto
antropológico é sempre uma versão de uma ciência ocidental sobre outras culturas, mas o contexto
atual, no qual os indivíduos podem assumir múltiplas culturas e identidades, permite ao antropólogo
fazer parte da cultura que ele próprio estuda. No caso das religiões afro-brasileiras é muito comum
antropólogos que se tornaram sacerdotes ou adeptos, em especial aqueles que pesquisaram o
candomblé.10 Este não foi exatamente o caso aqui. Eu não me filiei em nenhum dos terreiros
pesquisados, não me tornei filho-de-santo, e por isso me privei de conhecer de forma profunda todo
um universo de símbolos que somente um iniciado tem contato. Mas eu vivenciei as religiões afro-
brasileiras no íntimo dos terreiros, fiz amizades, me afeiçoei com o meio afro-brasileiro, e mesmo
não me tornando um adepto, me considero umbandista, candomblecista, macumbeiro. 11 Como o
próprio Wagner diz: Ao experienciar uma nova cultura, o pesquisador identifica novas
potencialidades e possibilidades de se viver a vida, e pode efetivamente passar ele próprio por uma
mudança de personalidade. (2010a, p. 30).
O trabalho de campo que venho realizando de forma muito prazerosa e instigante, o
convívio nos terreiros, a adoção da postura do aprendiz (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2006) sempre
que estive na presença de algum pai, mãe ou filho-de-santo, proporcionou muitos insights que de
outra forma não aconteceria. Com isso pretendo salientar que, mesmo sendo este um trabalho de

10
A obra O antropólogo e sua magia, de Vagner Silva (2006), traz elucidantes questões sobre a relação dos
pesquisadores com os cultos afro-brasileiros.
11
Sou adepto do Santo Daime, uma religião que dialoga de forma abundante com a umbanda, e com certeza isto
contribuiu para que eu possa ter tido literalmente experiências nativas, como o transe de incorporação. De todo modo,
enquanto que no Santo Daime assumo a identidade do pesquisador-nativo, nas umbandas e candomblés eu sempre
investi na identidade do pesquisador, do curioso, daquele que tem interesse em saber mais sobre a religião, mas nunca
do adepto.

15
cunho teórico, uma análise de textos, a experiência etnográfica foi essencial. Com bem salientou
Luiz Eduardo Soares, [...] antes de cada proposição científica, constitui o sujeito que a enuncia, o
objeto que ela concebe e a natureza particular de sua inter-relação [...]. (1994, p. 12). Acredito que
o trabalho de campo e as relações que estabeleci com o universo pesquisado moldaram minhas
interpretações.
Alinhando-me a Clifford Geertz, creio que a hermenêutica envolve o trabalho
antropológico12. Não se trata de [...] uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma
ciência interpretativa, à procura do significado. (GEERTZ, 2008, p. 4). Qualquer ação pode ter
diversos significados; o que um antropólogo faz é buscar perceber, interpretar e descrever
densamente , isto é, ele aponta as interpretações das categorias culturais que apreendeu (Idem, p.
5). E toda interpretação antropológica é de segunda e terceira mão, pois somente o nativo faz a
interpretação em primeira mão, pois é a sua cultura, e muitas vezes os próprios nativos fazem
interpretação de segunda mão (Ibidem, p. 11). Conforme sustenta Roy Wagner, [...] também o
nativo é um antropólogo , com sua própria hipótese de pesquisa sobre seu modo de vida.
(2010b, p. 255). O que faz o antropólogo é explicar explicações (GEERTZ, 2008, p. 7). Se os textos
antropológicos são interpretações, tratam-se portanto de ficções: [...] ficções no sentido de que são
algo construído , algo modelado o sentido original de fictio não que sejam falsas, não-fatuais
ou apenas experimentos de pensamento. (Idem, p. 11).
Outra contribuição metodológica de valor inestimável foi proposta pelo historiador italiano
Carlo Ginzburg no ensaio Sinais: raízes de uma paradigma indiciário (1990). O autor discorre
sobre um saber do tipo venatório. O que caracteriza esse saber é a capacidade de, a partir de dados
aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável
diretamente. (1990, p. 152). Ele perpassa pelo método de crítica de arte engendrado pelo italiano
Giovanni Morelli, pelos artifícios do detetive Sherlock Holmes (presente na literatura de Arthur
Conan Doyle), e pelo método psicanalítico inventado por Freud, associando-os. Segundo Morelli,
para se descobrir se uma obra de arte é ou não verdadeira, [...] é necessário examinar os
pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados pelas características da escola a que o
pintor pertencia: os lóbulos das orelhas, as unhas, as formas dos dedos das mãos e dos pés.
(GINZBURG, 1990, p. 144). O detetive é comparável ao conhecedor de arte, pois [...] descobre o
autor do crime (do quadro) baseado em indícios imperceptíveis para a maioria. (Idem, p. 145). Já
Freud foi diretamente influenciado por Morelli, se interessando pela leitura de seus textos antes da

12
Não só o trabalho antropológico, mas a vida humana, como afirma Luiz Eduardo Soares: O aporte da ciência para a
hermenêutica não passa de um apoio lateral, justamente porque interpretar não é uma ação especializada de um
investigador treinado, mas o modo mesmo de ser do ser que nós somos: seres humanos, produtores e captadores de
significação, realizadores e detectadores de valor, criaturas de linguagem. (1994, p. 13-14).

16
cristalização do método da psicanálise (Ibidem, p. 148-149). Nos três casos, pistas talvez
infinitesimais permitem captar uma realidade mais profunda, de outra forma inatingível. Pistas:
mais precisamente, sintomas (no caso de Freud), indícios (no caso de Sherlock Holmes), signos
pictóricos (no caso de Morelli). (Ibidem, p. 150).
Esse tipo de conhecimento (indiciário, venatório) está muito relacionado com a semiótica
utilizada pelos médicos, e [...] como o do médico, o conhecimento histórico é indireto, indiciário,
conjetural. (Ibidem, p. 156-157). [...] as ciências humanas acabaram por assumir sempre mais [...]
o paradigma indiciário da semiótica. (Ibidem, p. 171). Neste sentido, a Antropologia, em especial
aquela arquitetada por Geertz, adotou também, pelo menos parcialmente, este paradigma: A
análise cultural é [...] uma adivinhação dos significados, uma avaliação das conjeturas, um traçar de
conclusões explanatórias a partir das melhores conjeturas [...]. (GEERTZ, 2008, p. 14). O
antropólogo norte-americano afirma ainda que, ao se comprometer com o conceito semiótico da
cultura e uma abordagem interpretativa, as afirmativas etnográficas são essencialmente
contestáveis , haja vista que são interpretações (Idem, p. 20).
Ao dialogar com este paradigma, o pesquisador (re)constrói narrativas a partir da análise de
indícios, de pormenores, e propõe conjeturas. Para tanto, é preciso que se desenvolva alguns
atributos: Ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pôr em
prática regras preexistentes. Nesse tipo de conhecimento entram em jogo [...] elementos
imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição. (GINZBURG, 1990, p. 179). Geertz afirma que o
uso de intuição e alquimia levam a abordagem semiótica da cultura ao descrédito (2008, p. 21). Mas
Ginzburg ressalta o uso da intuição baixa , que é discernimento, sagacidade, e não de intuição
mística ou intuição supra-sensível (1990, p. 179). Dessa forma, considero que a intuição deve sim
ser utilizada, mas uma intuição treinada, direcionada; por isso a importância do arsenal teórico-
metodológico.

Questões da escrita
É preciso esclarecer algumas questões quanto ao modo de escrita e estrutura textual: 1) o uso
extensivo de citações no corpo do texto foi uma estratégia, haja vista que este é um trabalho que
analisa outros trabalhos, então laborar com citações se mostrou primordial; 2) usei letra minúscula
para me referir a toda e qualquer religião mencionada; os nomes das religiões só aparecem com
letra maiúscula quando constam em alguma citação; 3) vários textos demasiado relevantes para a
presente pesquisa não puderam ser encontrados, o que resultou em diversas lacunas que não
puderam ser supridas, assim como foi preciso recorrer ao apud quando necessário; 4) abri mão de

17
um glossário no fim do texto, pois as explicações necessárias para termos êmicos foram feitas em
notas de rodapé ou entre parênteses no corpo do texto.

18
CAPÍTULO I

DEGENERADA, DEGRADADA: A MACUMBA PELOS PESQUISADORES


“CLÁSSICOS” (1900-1960)

Neste capítulo percorro o caminho da produção acadêmica sobre as religiões afro-brasileiras


de 1900 a 1960, começando com Nina Rodrigues, perpassando por João do Rio, Manuel Querino,
Arthur Ramos, Edison Carneiro, Ruth Landes, até chegar em Roger Bastide, todos eles, com
exceção de João do Rio que era jornalista, considerados autores clássicos na produção
bibliográfica das ciências sociais e do folclore sobre religiões afro-brasileiras. A datação escolhida,
1900 a 1960, é porque tomo como marco inicial a publicação em francês de O animismo fetichista
dos negros bahianos de Nina Rodrigues, e fechamento a publicação, também em francês, de As
religiões africanas no Brasil de Roger Bastide. Como veremos, os escritos destes autores contém
uma peculiaridade: o fio de Ariadne que liga todos estes textos é justamente a exaltação do
candomblé nagô em especial os três famosos terreiros baianos: Engenho Velho, Gantois e Axé
Opô Afonjá em detrimento da macumba tida como degenerada, degradada, desagregada. 13 Por
fim, gostaria de deixar claro que não tive a pretensão de esgotar os textos desses pesquisadores, nem
reunir todos os autores que trataram desta temática, mas sim apenas trazer alguns elementos para o
debate; e, como qualquer outro trabalho acadêmico, este apresenta diversas lacunas que não
puderam ser supridas.

1.1 Raimundo Nina Rodrigues


Na obra Os africanos no Brasil, do maranhense Nina Rodrigues14, aparece como epígrafe
uma citação do jurista e crítico literário Silvio Romero15 (1988 [1933], p. XV):
É uma vergonha para a ciência do Brasil que nada tenhamos consagrado de
nossos trabalhos ao estudo das línguas e das religiões africanas. Quando
vemos homens, como Bleek, refugiarem-se dezenas e dezenas de anos nos
centros da África somente para estudar uma língua e coligir uns mitos, nós
que temos o material em casa, que temos a África em nossas cozinhas, como
a América em nossas selvas, e a Europa em nossos salões, nada havemos
produzido neste sentido! É uma desgraça. Bem como os portugueses
estanciaram dois séculos na Índia e nada ali descobriram de extraordinário

13
Em alguns autores não é a macumba especificamente que será desvalorizada, mas os cultos de matriz banto de uma
forma geral, que, para as intenções do presente trabalho, podem ser considerados equivalentes à macumba.
14
Podemos encontrar abordagens variadas sobre a vida e obra de Nina Rodrigues em Corrêa (1998; 2006), Ferreti
(1995; 1999), Silva (1993; 1995; 2002; 2009), Schwarcz (1993; 2009), Ribeiro (1995), Andrade&Serafim (2009),
Serafim (2009), Oliveira (2010), Santos (2006), entre outros.
15
Nascido em 1851 e morto em 1914, Silvio Romero ocupou diversos ofícios, entre eles, de político. Foi também
estudioso das culturas afro-brasileiras, no campo da literatura.

19
para a ciência, deixando aos ingleses a glória da revelação do sânscrito e dos
livros bramínicos, tal nós vamos levianamente deixando morrer os nossos
negros da Costa como inúteis, e iremos deixar a outros o estudo de tantos
dialetos africanos, que se falam em nossas senzalas! O negro não é só
máquina econômica; ele é antes de tudo, e malgrado sua ignorância, um
objeto de ciência. Apressem-se os especialistas, visto que os pobres
moçambiques, benguelas, monjolos, congos, cabindas, caçangas... vão
morrendo. O melhor ensejo, pode-se dizer, está passado com a benéfica
extinção do tráfico. Apressem-se, porém, senão terão de perdê-lo de todo.

Esse apelo de Silvio Romero foi atendido, primeiramente, pelo médico-legista Raimundo
Nina Rodrigues (1862-1906). Este é considerado o fundador dos estudos das religiões afro-
brasileiras e, como nos mostra Mariza Corrêa (1998), deu origem a uma Escola de pensamento na
Antropologia brasileira. Nina Rodrigues atuou na Faculdade de Medicina da Bahia, em uma área de
estudos praticamente inexistente no Brasil: a medicina legal e a antropologia criminal. Nesta época,
o país vivia uma intensa crise, no qual uma Monarquia escravista havia acabado de se tornar
República abolicionista, e muitas mudanças não só políticas, mas também sócio-culturais estavam
acontecendo. Neste ambiente inseguro e conflituoso, esperava-se dos cientistas explicações e
pareceres para o problema brasileiro . O médico maranhense estudou os negros a partir dos
condicionantes biológicos, tentando provar que negros e mestiços tinham mais tendência à
criminalidade. Para ele, a inferioridade racial dos negros e a miscigenação (fator de degeneração das
raças), deveriam ser enfrentados pela medicina e a nova ordem jurídica, política e econômica do
Brasil (SILVA, 2002, p. 87; 2009, p. 57).
Fruto de sua época, Nina Rodrigues possuía uma perspectiva racista, considerava negros e
mestiços como seres inferiores. Mas é preciso levar em consideração o contexto em que ele estava
inserido. Segundo Lilia M. Schwarcz,
[...] o médico não poderia estar a par dos usos contemporâneos do conceito
de cultura na Alemanha [...]. Também, com certeza, desconhecia (até por
motivos óbvios e temporais) a noção de relatividade cultural, cujo bastião era
a Antropologia culturalista, que surgia nessa época com a figura de Franz
Boas. Ao contrário, o médico se apoiava em bibliografia de ponta e, na sua
época, acima de suspeitas científicas. (2009, p. 50).

Pertinente, neste sentido, a opinião de Mariza Corrêa: Ao procurar o racista em Nina


Rodrigues, encontrei um intelectual genuinamente preocupado com as contradições em que o
colocavam suas informações teóricas quando comparadas com suas observações empíricas. (1998,
p. 76). Ainda segundo a autora: O racismo de Nina Rodrigues, tantas vezes chamado a
desqualificar suas pesquisas empíricas, era partilhado por quase todos os intelectuais importantes de
sua geração [...]. (Idem, p. 56). Mas o que é indubitável é que [...] Nina Rodrigues parece ter
levado às últimas conseq ências os supostos científicos de seu tempo. (Ibidem, p. 67).

20
De qualquer forma, num contexto onde a religiosidade afro-brasileira era sequer considerada
passível de observação, ainda mais pela ciência, Nina Rodrigues freqüentou terreiros, travou
contatos íntimos com adeptos do candomblé, e publicou textos que, mesmo com conteúdo racista,
tratava o fenômeno religioso afro-brasileiro como um dado psicológico positivo (SILVA, 2009, p.
59). Lamartine Lima afirma que, devido a suas pesquisas sobre o negro, Nina Rodrigues era
chamado de negreiro , sofreu restrições por parte de outros professores das faculdades da Bahia, e
chegou a ter o abastecimento d água de seu gabinete cessado propositadamente (Apud SILVA,
2009, p. 61). Como afirma Vagner Silva,
[...] pela primeira vez, é realizada, no Brasil, uma pesquisa de campo no
âmbito dos cultos de origem africana, que levou em consideração a
convivência cotidiana e freqüência às festas e aos rituais realizados pelos
fiéis. Nina Rodrigues freqüentava os terreiros, conhecia seus participantes na
condição privilegiada de médico, a quem muitas intimidades são reveladas,
tendo acesso ao próprio corpo dos observados, que iam também a seu
consultório, tendo angariado confiabilidade suficiente para adentrar os
espaços mais restritos dos terreiros da época. Esse padrão de pesquisa de
campo se repetiria nos trabalhos que se seguiram, embora com finalidades e
conclusões distintas das desse primeiro autor. (2002, p. 88)

A importância da atuação acadêmica de Nina Rodrigues fica clara nesta citação de Thomas
Skidmore (1976, p. 74):
O primeiro estudo etnográfico sério e respeitável do afro brasileiro por um
brasileiro não proveio dos museus, mas de um professor de medicina
originário de prestigiosa faculdade da Bahia. No começo da década de 90,
Nina Rodrigues, jovem doutor mulato, conquistara uma cátedra ali. Pelo fim
da década, já se distinguia como pioneiro em dois campos: etnologia afro-
brasileira e medicina-legal. Nenhum até a época de suas investigações
iniciais era reconhecido como campo de pesquisa, mas seus esforços
contribuíram para lançar-lhes as bases de estudo no Brasil. Embora tenha
morrido cedo em 1906, com a idade de quarenta e quatro anos, já havia
publicado inúmeros relatórios científicos e fundara a Revista Médico
Legal. Já havia estreitado contatos com outros pesquisadores do exterior e
era membro de grupos como a médico Legal Society of New York e a
Societé Médico-Psychologique de Paris. Quando morreu, já se havia tornado
figura altamente acatada e respeitada nos círculos científicos brasileiros.16

Duas obras de Nina Rodrigues versam sobre religiões afro-brasileiras. Trata-se de O


animismo fetichista dos negros bahianos e Os africanos no Brasil. O primeiro é uma junção de
vários artigos publicados entre 1896 e 1897 na Revista Brazileira; o livro foi publicado em 1900,
em francês, e somente em 1935, por iniciativa de seu discípulo Arthur Ramos, foi publicado uma
edição em português. O segundo também é uma compilação de artigos, e quando a edição estava

16
Reconhecido não só dentro do Brasil. A título de exemplo do reconhecimento internacional de Nina Rodrigues,
Marcel Mauss depositou elogios à obra L' Animisme Fétichsite des nêgres de Bahia na resenha que publicou no
L’Année Sociologique em 1901 (FERRETI, 1995, p. 41).

21
bem adiantada, Nina Rodrigues morre em Paris em 1906; pouco tempo depois, Oscar Freire, seu
discípulo, morreu inesperadamente quando trabalhava no livro; somente em 1933, com a
colaboração da viúva Nina Rodrigues, Homero Pires dá cabo à empreitada e publica a obra17.
Em momento algum Nina Rodrigues cita a macumba, nosso interesse aqui; o que ele faz, em
especial no O animismo fetichista dos negros bahianos (1935), é uma descrição detalhada do
candomblé nagô na Bahia. No entanto, em Os africanos no Brasil, ele reproduz a descrição da seita
da cabula, feita por D. João Correia Nery: a cabula teria aproximações com o espiritismo e
maçonaria, assim como misturaria também o catolicismo; o chefe da sessão seria o embanda, que
seria secundado pelo cambône, e a reunião seria chamada de engira (RODRIGUES, 1988, p. 255-
260). Como pode-se perceber, a seita da cabula têm aproximações com a macumba/umbanda,
sobretudo etimologicamente: embanda, cambône, engira, por exemplo. O padre e teólogo Valdeli
Carvalho da Costa, estudioso das religiões afro-brasileiras, escreveu artigo cuja finalidade era
analisar as aproximações presentes entre a cabula e as atuais macumbas, e acaba por concluir que
há mais que uma continuidade histórica: a própria cabula teria se metamorfoseado na macumba
(COSTA, 1987). Cacciatore afirma que a cabula deu origem a Linha das Almas, que seria uma
espécie de segmento ritualístico dentro da religião umbandista (1977, p. 75). Bastide também faz

22
capítulo. Ele foi ogã20 do terreiro do Gantois (SILVA, 2009, p. 63; SEEBER-TEGETHOFF, 2007,
p. 124; CAPONE, 2004, p. 20), e teve como principal informante Martiniano do Bonfim
(CAPONE, 2004, p. 296), conhecido sacerdote e voraz defensor da pureza nagô . A dúvida que se
instaura: ao interpretar o candomblé nagô como superior às demais religiões afro-brasileiras, estaria
Nina Rodrigues apenas reproduzindo a visão de seus informantes?

1.2 João do Rio


João do Rio21 é o pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto,
escritor e jornalista carioca, nascido em 1881 e falecido em 1921. Na verdade este era apenas um de
seus vários pseudônimos, aquele que o tornou famoso. O livro As religiões do Rio é uma junção de
várias reportagens/crônicas escritas pelo autor nos primeiros anos do século XX. A obra de João do
Rio, publicada no fim de 1904, teve a primeira edição quase esgotada em 10 dias. Vendeu 8 mil
exemplares em 6 anos. Foi um verdadeiro best-seller, numa época em que o público leitor e
comprador de livros era bem reduzido (FARIAS, 2010, p. 258-259). Sua obra foi muito bem aceita,
em especial pelos cientistas e pela alta sociedade, no entanto era repudiada pelos personagens
descritos no livro, afinal, depois da publicação, aumentou o cerco da polícia contra vários dos
feiticeiros citados (Idem, p. 260-261).
A importância que a obra de João do Rio assume aqui, no presente trabalho, está relacionada
com a proximidade com um texto etnográfico que suas crônicas possuem. João do Rio realiza uma
observação participante , convive com os nativos (ele mesmo afirma que viveu três meses no
meio dos feiticeiros), elege alguns informantes locais (por exemplo, o negro Antônio , que parece
ser um dos informantes principais quando trata de cultos afro-brasileiros)22. Com auxílio destes
personagens, João do Rio conheceu pessoas e lugares que, na condição de outsider isto é, ele não
fazia parte daqueles ambientes e comunidades onde pesquisou ele não conheceria sozinho. Além
disso, tais informantes concedem a seus escritos uma certa verossimilhança do relato, por serem
possuidores de um saber local . Sua descrição da chegada a campo, no caso os centros religiosos,
assumem um tom de notas etnográficas feitas por antropólogos (O DONNELL, 2008, p. 103-109;
FARIAS, 2010, p. 250). Tanto é que sua obra teve seu valor antropológico reconhecido, ainda na

20
Cargo ritual reservado a homens que não entram em transe, auxiliam no andamento do ritual e atuam como protetores
do terreiro.
21
Sobre a vida e obra de João do Rio, conferir Farias (2010), O Donnell (2008), Gomes (1996), Magalhães Junior
(1978), Rodrigues (1996), entre outros.
22
Antônio conhece muito bem N. S. das Dores, está familiarizado com os orixalás da África, mas só respeita o papel-
moeda e o vinho do Pôrto. Graças a êsses dois poderosos agentes, gozei da intimidade de Antônio [...]. (RIO, 1951, p.
13).

23
primeira década do século XX, pela Comissão de História do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (FARIAS, 2010, p. 259).
João do Rio estava em total concordância com os valores de sua época: depositava crença na
superioridade dos brancos civilizados em relação às raças inferiores . É bem provável que Nina
Rodrigues e João do Rio tenham tido contato com as obras um do outro, já que em 1904 eles
publicaram artigos na mesma edição da revista Kosmos (FARIAS, 2010, p. 261). De todo modo,
João do Rio compartilhava do ideal eugênico de Nina Rodrigues. Aos descrever os candomblés23,
João do Rio exibe um tom extremamente pejorativo; fica explícita a aversão que ele nutre pelos
feiticeiros . Não parece haver, em sua opinião, alguma hierarquia entre nagôs e bantos. Mas nas
palavras do negro Antônio, seu principal informante, tal hierarquização é clara:
Há as dos negros cambindas. Também essa gente é ordinária, copia os
processos dos outros e está de tal forma ignorante que até as cantigas das
suas festas têm pedaços em português. [...] Para os cambindas serve para
santo qualquer pedra, os paralelepípedos, as lascas das pedreiras e êsses
pretos sem vergonha adoram a flor do girassol que simboliza a lua... [...] As
filhas-de-santo macumbas ou cambindas chegam a ter uma porção de santos
de cada vez, manifestando-se na sua cabeça. [...] Por negro cambinda é que
se compreende que africano foi escravo de branco. Cambinda é burro e sem
vergonha. (RIO, 1951, p. 26-27).

João do Rio declara: Positivamente Antônio achava muito inferiores os cambindas . Nesse
sentido, é pertinente a assertiva de Vagner Silva:
Fica evidente nas palavras de Antonio que a diferenciação entre o rito nagô e
o rito banto resulta de um processo de construção de contrastes que se dá
internamente no campo das religiões afro-brasileiras, no qual uma tradição
tenta se impor às outras a partir de valores selecionados (como pureza
original), e legitimar a dominação de um grupo sobre os outros. (1995, p. 42)

1.3 Manuel Querino


Manuel Querino24 (1851-1923) nasceu em Santo Amaro, no Recôncavo baiano, e ficou órfão
com apenas quatro anos de idade.25 Ainda menino foi entregue a um tutor, que investiu na sua
formação, inserindo-o no universo dos livros e ensinando-lhe, também, o ofício da pintura
(GLEDHILL, 2008, p. 46). É recrutado à força durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), mas
escapa por saber ler e escrever, residindo por um tempo no Rio de Janeiro (GUIMARÃES, 2004b,
p. 10). Posteriormente se dedica à política, tornando-se abolicionista e republicano (GLEDHILL,

23
João do Rio descreve ritos de candomblé nagô. Isso pode servir como prova, ou ao menos indício, de que o
candomblé existia também no Rio de Janeiro, desde pelo menos o fim do século XIX, e que não teve suas origens
apenas na Bahia; Roberto Conduru (2010), em artigo recente, defende esta hipótese.
24
Sobre a vida e obra de Manuel Querino, conferir Leal (2004; 2006; 2007), Gledhill (2008; 2010), Guimarães (2004),
Nunes (2007), Freire (2010), entre outros.
25
É provável que seus pais, negros libertos, tenham morrido na epidemia de cólera que assolou a região de Santo
Amaro em 1855 (GLEDHILL, 2008, p. 45).

24
2008; GUIMARÃES, 2004b; LEAL, 2004); se dedicou também a estudos históricos, etnológicos e
folclóricos da cultura africana e afro-brasileira, na condição de homem negro descendente de ex-
escravos.
Manuel Querino nunca foi reconhecido como homem de ciência ou cientista , mas
apenas como autodidata, curioso ou jornalista, afinal, eram estes os lugares reservados para os
intelectuais negros até os anos de 1940, e mesmo assim era necessário muito jogo de cintura para
obter tal inserção sem subalternidade ou apadrinhamento excessivo 26 (GUIMARÃES, 2004b, p. 8).
Ao redigir a introdução da obra de Querino, Pinto de Aguiar afirma que foram superadas [...] as
suas conclusões, oriundas de um espírito de curioso autodidata, sem formação científica, e sem
intuição metodológica [...]. (QUERINO, 1955, p. 5). Ora, fica claro nesta citação o olhar
depreciativo de Pinto de Aguiar em relação a Querino. Mas, a meu ver, estas considerações se
configuram em injustiça, haja vista que Querino publicou muitos artigos, em especial na Revista do
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, em variadas temáticas, como por exemplo na área de
história da arte, conforme demonstra trabalhos recentes (FREIRE, 2010; NUNES, 2007).
Sendo negro, Querino (contemporâneo de Nina Rodrigues) não pesquisou as populações
africanas e afro-brasileiras na mesma perspectiva racista do médico-legista maranhense. Ao
contrário, como bem demonstra Sabrina Gledhill (2008), Manuel Querino pode ser considerado um
pioneiro no combate ao racismo científico . De fato, no início do texto A raça africana e seus
costumes na Bahia, Querino se refere a Nina Rodrigues como malogrado professor (1955, p. 19).
Mas o intrigante é que mesmo que Manuel Querino não compartilhasse com Nina Rodrigues o ideal
eugênico e racista, num aspecto, em especial, seus pensamentos se aproximavam: a suposta
superioridade dos nagôs em relação aos bantos. Na realidade, não detectei nenhum momento em
que Querino de fato afirme esta superioridade, no entanto, em sua obra ele descreve largamente o
culto nagô, em especial o terreiro do Gantois, enquanto que dedica apenas pouco mais de duas
páginas à descrição do candomblé de caboclo, trecho que, de tão reduzido, transcrevo na íntegra:
Os nossos indígenas, na simplicidade da sua existência errante, admitiam
grande número de superstições, que eram os seus feitiços: uma aranha
dissecada, fragmentos de sapo, produtos minerais trazidos ao pescoço, como
amuletos, ou pendurados à entrada da taba, para desfazer ou destruir a
surpresa do inimigo. A catequese dos missionários proporcionou-lhes
orientação diferente, baseada nos fastos do Catolicismo. De fato, o selvícola
aceitou com agrado manifesto a nova doutrina, principalmente pelo efeito ou
sedução da música. Da convivência íntima com o africano, nas aldeias, ou
nos engenhos, originou-se, por assim dizer, a celebração de um novo rito
intermediário, incutindo-lhes no espírito idéas novas. Da fusão dos
elementos supersticiosos do europeu, do africano e do selvícola originou-se

26
Edison Carneiro, também negro, passou por problemas semelhantes aos de Querino ao tentar ser reconhecido como
pesquisador (GUIMARÃES, 2004b, p. 8).

25
o feiticismo conhecido pelo nome de “Candomblé de Cabôclo”, bastante
arraigado entre as classes inferiores desta capital. É crença entre os
sacerdotes e praticantes da seita, que são dirigidos por três entidades: Jesus
Cristo, S. João Evangelista e S. João Batista, tendo Jesus Cristo o nome
particular de Cabôclo Bom. Adoram com grande respeito o símbolo da Cruz;
ao mesmo tempo que acreditam nas revelações dos ciganos quanto ao
presente e ao futuro. A iniciação dos postulantes para a seita é efetuada numa
choupana, na mata virgem, por espaço de trinta dias. Os encantos chegam á
cabeça das mulheres, conforme o rito africano, notando-se que o preparo das
ervas difere na quantidade e na qualidade, pois são empregadas, apenas, duas
e entre estas distingue-se o arbusto silvestre denominado Juréma. O
cabôclo tem quizila como o africano, mas os castigos divergem para pior.
Quem está com o santo corteja-ás pessoas presentes segurando-lhes as mãos,
dá dois saltos perpendiculares, abraça-as de um lado e do outro, faz-lhes
algumas determinações, dá-lhes conselhos e retira-se. Na época precisa é
necessário festejar o santo, mandando celebrar uma missa. De volta do
templo rezam o ofício de Nossa Senhora: isto feito, iniciam a função. As
dansas são executadas num ritmo um pouco diferente do africano. Os
instrumentos são os mesmos, divergindo, porém, os toques de tabaques e os
movimentos de braços e cabeças. Ha, no entanto, tribos africanas, em que os
cânticos e movimentos coreográficos são inferiores aos dos cabôclos. Nas
festas, as refeições constam de peixe ou de aves e animais de caça: as ervas
são de estimável valor. As abóboras cosidas com a casca, de mistura com
feijão e mel de abelhas constituem os manjares preferidos. As bebidas
alcoólicas costumam adicionar certa quantidade do mesmo mel, assim como
entrecasca de jurêma. O azeite de dendê ou de cheiro não é admitido no
condimento das iguarias. (QUERINO, 1955, p. 117-119)

Os dados são poucos e esparsos, o que oferecem poucas vias de análises. Mas a falta de
informação sobre os candomblés de caboclo e cultos bantos se traduz em um dado: isto seria um
indício (GINZBURG, 1990) da pouca importância depositada por Manuel Querino aos cultos
bantos. Nesse sentido, ele se assemelha a Nina Rodrigues. Ambos tiveram como informante o já
citado babalaô27 Martiniano do Bonfim (GUIMARÃES, 2004b, p. 8). Não pude confirmar se ele foi
ogã do Gantois28, mas foi lá que realizou sua pesquisa mais sistemática. De todo modo, Manuel
Querino, mesmo que de forma não tão contundente, acabou reproduzindo o mito da superioridade
nagô.

1.4 Arthur Ramos


Arthur Ramos29 (1903-1949) é um personagem de suma importância nos estudos afro-
brasileiros, tendo escrito várias obras sobre o negro no Novo Mundo, assim como na história das

27
Sacerdote de Ifá, o orixá da adivinhação, oráculo. Conferir Cacciatore (1977).
28
Capone afirma que Querino era ligado ao terreiro do Gantois (2004, p. 226), mas não deixa claro se era na posição de
ogã.
29
Sobre a vida e obra de Arthur Ramos, conferir Campos (2002), Barros (2000), Azeredo (1986), Ferreira (2007),
Guimarães (2004a), Ferreti (1995), Silva (1993; 1995; 2002), Corrêa (1998), Albuquerque (2009), Santos (2006), entre
outros.

26
ciências sociais no Brasil, tendo em vista que ele lutou pela implementação da Antropologia como
disciplina acadêmica no país, foi o primeiro professor de Antropologia na Universidade do Brasil, e
fundou e dirigiu a Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia. Assim como Nina Rodrigues,
de quem se auto-proclamou discípulo, o alagoano Arthur Ramos era também médico-legista.
Formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, onde entrou em contato com a obra de seu mestre.
Interessante notar que seus escritos estão totalmente influenciados pela psicologia social e
psicanálise antes de entrar em contato com a antropologia culturalista norte-americana 30
, em
especial a figura do africanista Melville Herskovits31. Em 1935, Ramos e Herskovits começam a se
corresponder por cartas, estreitando contatos científicos. Neste momento, Herskovits era um
antropólogo reconhecido internacionalmente, enquanto que Ramos era médico, autodidata em
psicologia social e psicanálise, mesmo que já reconhecido nacionalmente (GUIMARÃES, 2004a, p.
171-172). Nesse sentido, é significativa a fala de Gilberto Freyre que havia sido orientado por
Franz Boas em seu doutorado, o que evidencia sua proximidade com o aparato da antropologia
norte-americana sobre as ciências sociais no início dos anos de 1930:
Artur Ramos nunca me perdoou a crítica aos seus excessos psicanalíticos
de então, de algum modo corrigidos pouco tempo depois não só pelos
excessos marxistas como pela sua iniciação data dessa época nos estudos
de sociologia e antropologia em língua inglesa. Mas a verdade [...] é que
desde esse atrito comigo e da sua iniciação nas bibliografias de clássicos e
modernos de antropologia social e de sociologia em língua inglesa que lhe
forneci, deu ao seu ensino e ao seu estudo de psicologia social amplitude tal
que se libertou do sectarismo psicanalítico da sua mocidade. E, assim liberto,
é que se tornou antropólogo social. (Apud SILVA, 2002, p. 90)32

De 1935 em diante, Ramos foi se familiarizando cada vez mais com a Antropologia norte-
americana, e foi-se intensificando o contato com Herskovits. Houve momentos nas
correspondências, como bem demonstrou Guimarães (2004a, p. 174), que Herskovits fez o papel
de professor , o que demonstrava a desigualdade de conhecimentos científicos entre ambos, no
entanto, Herskovits sempre manteve uma postura de igualdade, pois ambos eram autoridades no

30
A escola culturalista da antropologia norte-americana teve início com Franz Boas, e alguns alunos, como Margaret
Mead e Ruth Benedict, no decorrer da primeira metade do século XX. Os membros desta corrente de pensamento se
utilizaram dos métodos comparativos, aproximaram a antropologia da psicologia ao correlacionar cultura e
personalidade, e buscavam identificar os estilos de cultura ( ethos ).
31
Melville Jean Herskovits (1895-1963) estudou em Chicago e Columbia, os dois principais polos da antropologia norte
americana, e foi orientado por Franz Boas. Se tornou especialista das culturas africanas e foi professor da Northwestern
University. Em 1936, Herskovits, juntamente com Robert Redfield e Ralph Linton, publicam o Memorando para o
estudo da aculturação , na qual postulam o conceito de aculturação: quando há contato permanente entre grupos
culturais, consequentemente ocorre alterações nos padrões culturais de um ou ambos os grupos. Esse arsenal teórico-
metodológico sobressaiu-se por muito tempo na antropologia brasileira.
32
Silva (2002) faz menção às disputas ocorridas entre Freyre e Ramos. Todavia, Ramos adotou a idéia de democracia
racial , derivada da noção de democracia étnica de Freyre (GUIMAR ES, 2004a, p. 187).

27
estudo sobre o negro. Ramos foi a porta de entrada para Herskovits pesquisar sobre as culturas
negras no Brasil, e Herskovits abriu as portas para Ramos dar cursos nos EUA e ser reconhecido
internacionalmente (Idem, p. 172). O africanista norte-americano inclusive usou de sua influência
para conseguir financiamento para Arthur Ramos ir aos EUA (Ibidem, p. 178). Para Guimarães
(2004a, p. 184), a ida de Arthur Ramos aos EUA o fez o mais importante antropólogo brasileiro do
período, assim como o transformou num dos líderes internacionais da luta anti-racista e pró-
democrática.
Arthur Ramos publicou vários livros sobre os negros: O negro brasileiro, em 1934; O folk-
lore negro do Brasil, em 1935; As culturas negras no Novo Mundo, em 1937; O negro na
civilização brasileira, em 1939; A aculturação negra no Brasil, em 1942; entre outros. A obra que
ele mais oferece elementos sobre a macumba é O negro brasileiro, quando Ramos não tinha ainda
se tornado via de fato um antropólogo, e isto fica claro pelo teor de suas análises. Seguindo o rastro
de Nina Rodrigues, Ramos que, como ele mesmo afirma (2001, p. 62), foi iniciado como ogã no
Gantois sustenta a superioridade dos sudaneses (iorubás): temos, [...] de um lado, a riqueza de
contribuições lingüísticas de origem banto [...] (Idem, p. 85), no entanto, os [...] povos de língua
banto [...] possuem uma mitologia paupérrima. (Ibdem, p. 87).33 O mito, iniciado por Nina
Rodrigues, da pureza africana presente no candomblé baiano se fortalece com Arthur Ramos:
E ainda hoje na Bahia, em certos terreiros que guardam a tradição nagô,
como o do Gantois, onde centralizei as minhas pesquisas, se podem
perfeitamente destacar os elementos básicos do fetichismo iorubano,
devidamente expurgados de todo o sincretismo. (Ibdem, p. 38)

Já os cultos deturpados os sincréticos que não possuem a pureza podem até existir
na Bahia, mas tem seu ápice na macumba carioca. O sincretismo não pode ser coisa boa, como
pode-se observar ao se referir aos cultos bantos: É grande a variedade das formas do ritual. O
sincretismo prossegue na sua obra avassaladora. (Ibidem, p. 112). Ou quando demonstra que
macumba não significa apenas a religião, mas também as práticas mágicas (principalmente o
despacho): Hoje, há macumba para todos os efeitos. A obra do sincretismo não conhece mais
limitações. A macumba invadiu todas as esferas. (Ibidem, p. 144). Invadiu todas as esferas?
Provavelmente agindo inconscientemente, o pesquisador está demonstrando o poder da macumba
na época. Ramos admite que não se pode deter a avalanche do sincretismo , e engendra a seguinte
esquematização, em ordem crescente de sincretismo (Ibidem, p. 138):

33
Em estudo posterior, Ramos afirma que [...] convém insistir que a mítica bantu, ao contrário da dos povos sudaneses,
é paupérrima e pouca influência desempenhou no Brasil. Apenas identificamos, nas macumbas, certas entidades que
foram logo englobadas pelos orixás gege-iorubanos, como já demonstramos no estudo sobre o sincretismo religioso de
O negro brasileiro. (2007, p. 17).

28
1.º jeje-nagô
2.º jeje-nagô-muçulmi
3.º jeje-nagô-banto
4.º jeje-nagô-muçulmi-banto
5.º jeje-nagô-muçulmi-banto-caboclo
6.º jeje-nagô-muçulmi-banto-caboclo-espírita
7.º jeje-nagô-muçulmi-banto-caboclo-espírita-católico
As macumbas seriam este último modo de sincretismo, e Ramos sustenta, em vários
momentos de seu texto, a fusão com o espiritismo ou a forte influência do mesmo nas macumbas.
[...] o fetichismo de procedência banto se fundiu tão intimamente com as práticas do espiritismo,
no Brasil. Em algumas macumbas cariocas, as sacerdotisas do culto são mesmo chamadas de
médiuns [...] e o ritual é o processo clássico da evocação dos espíritos. (Ibidem, p. 93). As
macumbas chamam-se de preferência centros , por influência do espiritismo, sendo que as de
maior influência espírita tomam o nome de linhas brancas . 34
(Ibidem, p. 110). O etnógrafo insiste
na influência do espiritismo, cometendo indevidas generalizações:
Também as práticas espíritas foram assimiladas nas macumbas e
candomblés. Aliás, já vimos que na própria África o ritual banto tem muito
de espiritismo, com as cerimônias de evocação dos mortos, etc. No Brasil,
muitos pais de terreiro si intitulam espíritos e os filhos de santo, médiuns.
Estas sessões espíritas nos candomblés vêm de muito tempo e na Bahia,
Nina Rodrigues já havia observado curioso sincretismo do fetichismo negro
com práticas católicas e espíritas. Nas macumbas do Rio de Janeiro, o grão
sacerdote espírita também se intitula pai da mesa, pois é ele quem prepara a
mesa para a invocação aos espíritos. Há uma profusão desses centros ou
tendas espírito-fetichistas. As filhas de santo – médiuns devem ter os
aparelhos (corpos) purificados e aptos a receberem os espíritos. Estes
intitulam-se protetores da obrigação, são guias do espaço , conselheiros,
espíritos familiares, como nas macumbas de procedência banto, espíritos de
índios nos candomblés de caboclo, ou outros santos africanos e católicos. Os
centros espíritos-fetichistas espalham-se por vários recantos da capital do
Brasil e Estados arrastando verdadeira legião de crentes não só entre negros
e mestiços, como entre a própria população branca. Os pais e mães de
terreiro ultrapassaram as suas funções e tornaram-se conselheiros, videntes,
cartomantes, etc., junto a quem acorre toda a coorte dos desenganados e
infelizes a pedir conselhos e soluções para os múltiplos problemas amorosos
e econômicos da sua vida. (Ibidem, p. 134-135)

Percebe-se que Arthur Ramos entrou em contato com o diversificado campo religioso afro-
brasileiro do Rio de janeiro no segundo quartel do séc. XX e textualizou seu material etnográfico
cometendo diversas generalizações, totalmente influenciado pelo nagocentrismo , isto é, pela
34
Ramos, sem perceber, está se referindo ao espiritismo de umbanda, ou umbanda branca. Interessante notar que ele
não cita em momento algum o nome de Zélio de Moraes, o suposto criador da umbanda branca. Isto porque ele escreve
no momento em que a Federação Espírita de Umbanda, encabeçada por Zélio, sequer tinha sido fundada.

29
valorização do candomblé nagô da Bahia, em detrimento dos outros cultos de origem afro-
brasileira, em especial a macumba. Nas macumbas cariocas [...] o ritual é de uma extrema
simplicidade, em paralelo com a complexidade da liturgia jeje-nagô. Os terreiros também são
toscos e simples, sem aquela teoria de corredores e compartimentos dos terreiros jeje-iorubanos.
(Ibidem, p. 103) Nas macumbas do Rio, os fenômenos de possessão raramente têm aquele aspecto
forte, que caracteriza o estado de santo dos candomblés jeje-nagôs. (Ibidem, p. 109).
O autor trata também, timidamente, dos termos umbanda e quimbanda. Ambas as palavras
podem designar o próprio sacerdote35, no entanto, também aparecem como a própria religião:
Linha de Umbanda , dizem ainda os negros e mestiços cariocas, no sentido de prática religiosa,
embora outros me afirmassem que Umbanda era uma nação e alguns, um espírito poderoso da
nação de Umbanda. (Ibdem, p. 98) Em outro momento ele fala em [...] linha de umbanda e de
quimbanda [...] (Ibdem, p. 105), entre tantas outras linhas . Com bem observou Vagner Silva,
A dificuldade de etnografar e classificar ritos em constantes transformações
e de fronteiras tão tênues, como deveriam ser a macumba, a umbanda e o
candomblé da época em que Arthur Ramos desenvolveu suas pesquisas,
somada à falta de uma perspectiva mais crítica com relação ao material
discursivo que coletou e que, como vimos, possui uma série de afirmações
ideológicas de sujeitos social e religiosamente localizados e comprometidos
com práticas muitas vezes concorrentes, fizeram com que o texto desse autor
tornasse clássicas certas tipologias de culto, associando mitologia banto,
sincretismo, degeneração ritual e magia à influência do meio social branco e
ao processo de urbanização no qual se depararam os negros instalados nas
grandes cidades sob os padrões culturais do capitalismo industrial. (1995, p.
43)

Ramos se atentou para a diversidade, conforme pudemos ver acima na sua esquematização
do sincretismo, ou quando menciona a existências de muitas linhas . No entanto, o autor acaba por
cometer diversas generalizações. Não há dúvida que sua obra constitui um grande avanço em
relação ao seu mestre Nina Rodrigues, haja vista que mudou-se do paradigma da raça para o de
cultura. Mas como bem observou Dantas (1988), há muitos resquícios evolucionistas na escrita de
Ramos. O nagocentrismo iniciado com Nina Rodrigues se mantém firmemente em Arthur Ramos. E
é na obra deste que a macumba começa a se tornar o símbolo da degeneração, para atingir seu auge
em Roger Bastide. O interessante é que Ramos um especialista nas populações negras e militante
anti-racista isenta os negros, em alguns momentos de seu texto, dos aspectos pejorativos da
macumba:

35
Sobre o culto banto em Angola: O grão-sacerdote chama-se quimbanda (ki-mbanda), ao mesmo tempo médico,
adivinho e feiticeiro. (RAMOS, 2001, p. 96). O grão-sacerdote embanda ou umbanda é o evocador dos espíritos e
dirige as cerimônias. (Idem, p. 103). O historiador Mário Sá Junior (2004b) escreveu sobre as transformações do
significado de kimbanda/quimbanda.

30
Hoje, no Rio, a macumba está comercializada. O que é mais,
internacionalizada. E o negro quase nenhuma interferência tem nisto. Os
mais célebres pais de santo do Rio são mulatos ou brancos. E as casas de
negócio, de macumba , do Rio e de Niterói estão nas mãos de portugueses.
(RAMOS, 2001, p. 150)

1.5 Edison Carneiro


Edison Carneiro36 (1912-1972), nascido na capital baiana, foi um grande folclorista,
etnógrafo, pesquisador, ensaísta, assim como atuou em dezenas de cargos nas mais diversas
instituições públicas e privadas, participou de comissões e foi membro de conselhos, sempre
lutando democraticamente a favor da cultura negra, conforme relata Ênio Silveira na introdução do
livro do pesquisador soteropolitano (CARNEIRO, 1981, p. 7-10). Carneiro realizou e publicou
muitas pesquisas, assim como auxiliou pesquisadores estrangeiros, como por exemplo Ruth Landes
e Donald Pierson37 (LANDES, 2002; ABREU, 2000; CORRÊA, 2000; CARNEIRO, 1981;
NASCIMENTO, 2011), e foi um ator político perante o povo de santo38 baiano, haja vista que ele
organizou o II Congresso Afro-Brasileiro, que aconteceu em Salvador em 1937, e também foi um
articulador na criação da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia, que teria sido um resultado
político do Congresso (CORRÊA, 2002, p. 12; NASCIMENTO, 2011, p. 23).
Edison Carneiro acabou ficando conhecido como folclorista, mas muitas vezes ele adotou
uma postura de cientista social, [...] buscando em seus livros adotar uma linguagem pretensamente
mais objetiva e neutra, valorizando o controle e a busca de coerência nos fatos narrados.
(NASCIMENTO, 2008, p. 4). Na realidade, o autor [...] não foi um intelectual facilmente
classificável a partir de nenhuma identidade disciplinar [...]. (Idem, 2011, p. 22). Ana Carolina
Nascimento (2008; 2011) demonstra que Carneiro oscilou entre a pretensa objetividade do cientista
social e a inata subjetividade do folclorista, assim como transitou por diversos universos:
intelectuais, instituições acadêmicas, jornalismo, candomblés, capoeiras, sambas e batuques.
Sua proximidade com os candomblés é enérgica. Sua relação com o campo oscila entre
diferentes graus de intensidade: ora elabora uma relação distanciada, ora se identifica, levando a
questionar em que medida ele é e não é personagem do universo de que está tratando.
(NASCIMENTO, 2011, p. 25). Carneiro foi feito ogã no Gantois (LANDES, 2002, p. 75), circulava
entre vários terreiros e tinha muitos amigos entre os adeptos do candomblé. Foi secretário da União
36
Para obter informações sobre Edison Carneiro, conferir Silva (1993; 1995), Nascimento (2008; 2011), Abreu (2000),
Corrêa (2000; 2002), Andreson (2013), Matory (2008), entre outros.
37
A antropóloga norte-americana Ruth Landes, que fez pesquisas sobre o candomblé baiano no fim da década de 1930,
ao citar seus constantes tutores no Brasil, coloca Edison Carneiro primeiramente (LANDES, 2002, p. 33). Abreu
(2000) e Corrêa (2000) descrevem satisfatoriamente o auxílio vigoroso que Carneiro deu a Landes. Já Donald Pierson é,
para Edison Carneiro, (...) companheiro de incursões pelos candomblés afro-bantos da Bahia (...) . (CARNEIRO,
1981, p. 122).
38
Essa expressão equivale ao conjunto de adeptos do candomblé/umbanda/macumba.

31
das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia (Idem, p. 62), e sua atuação junto a este órgão foi o trabalho de
campo no qual ele se baseia para sua obra posterior, publicada em 1948 (CARNEIRO, 1978).
Carneiro foi partidário das ideias de Nina Rodrigues e mais diretamente de Arthur Ramos 39.
A peculiaridade de sua obra foi a tentativa de se olhar com simpatia para os cultos bantos; seu livro
Negros Bantos [...] somente procura conseguir um lugar ao sol para o negro banto da Bahia.
(CARNEIRO, 1981, p. 122). Logo no início de Candomblés da Bahia, Carneiro escreve:
À meia-noite, numa cerimônia de macumba carioca e paulista, todos os
crentes são possuídos por Êxu uma prática que constitui um verdadeiro
absurdo para os fregueses dos candomblés da Bahia. [...] Que o pessoal das
macumbas do Rio de Janeiro se apresente uniformizado, e não com
vestimentas características de cada divindade, [...] não será porque esses
cultos são diversos entre si? (1978, p. 16).

Dá a entender que Carneiro quer atestar a diversidade, colocando as diferentes modalidades


de culto em pé de igualdade; mas em todo o decorrer do livro ele certifica a suposta superioridade
nagô. O candomblé da Bahia se constitui como uma espécie de elite , o modelo de culto que teria
sido o foco de irradiação para outras regiões (1978, p. 19-21). Ele descreve tal modelo de
candomblé baiano abordando de forma geral, mas quando cita um caso em específico, é quase
sempre um dos três mais famosos terreiros (Gantois, Engenho Velho, Axé Opô Afonjá), com
poucas exceções. O autor baiano parece admirar os sacerdotes e sacerdotisas nagôs, mas não os de
outras modalidades:
Em contraste com esta força interior que emana naturalmente das mães
nagôs e jêjes, os pais de Angola, do Congo ou caboclos são quase todos
improvisados, feitos por si mesmos, aprendendo uma cantiga aqui e outra
ali , como dizem os chefes nagôs e jêjes. Vários desses pais jamais sofreram
o processo de feitura do santo. São pais sem treino, espontâneos, distantes da
orgânica tradição africana os clandestinos do desprezo nagô. [...] São esses
pais que mais têm concorrido para a desmoralização dos candomblés,
entregando-se à prática do curandeirismo e da feitiçaria por dinheiro. Os
casos de curandeirismo e de feitiçaria nos candomblés nagôs e jêjes são raros
[...]. (1978, p. 106)

Na contra capa de seu livro publicado em 1937, escrita por Ênio Silveira em edição
publicada postumamente (CARNEIRO, 1981), lê-se jeje-nagô grupo étnico de cultura mais
adiantada . Mesmo que pesquisando mais a fundo entre os bantos em comparação com os
antecessores, Carneiro não os poupou de algumas injustiças. O etnógrafo baiano pontuou sua
opinião, de forma veemente, sobre os candomblés de caboclo, forma religiosa que seria o
correspondente baiano da macumba carioca:
39
Como disse Arthur Ramos: As minhas pesquisas sobre os candomblés e macumbas de origem banto foram
continuadas por Edison Carneiro e Reginaldo Guimarães, na Bahia [...] . (2001, p. 112). Nos textos de Edison Carneiro,
fica explícita a utilização dos pressupostos evolucionistas de Nina Rodrigues e culturalistas de Arthur Ramos.

32
Estes candomblés de caboclo são formas religiosas em decomposição.
Parecerá paradoxal, mas a verdade é que esses candomblés, aceitando a
intromissão de vários elementos estranhos, embora de fundo igualmente
mágico, em vez de se revitalizarem, vão se degradando, perdendo a sua
precária independência. Muito provável será, portanto, a afirmação de que
esses candomblés só se mantenham à custa, à sombra dos candomblés jeje-
nagôs, aproveitando a sua mítica, o seu ritual fetichista. Nada mais. Até
mesmo as largas facilidades que se permitem os negros bantos enormemente,
para a difusão do charlatanismo. Por isso tudo, torna-se provável que esses
candomblés de caboclo estejam sobre o caminho do desaparecimento,
principalmente se se resolverem como tem acontecido, em cópias servis
das sessões espíritas... (1981, p. 136)

A sustentação de Carneiro é de que o candomblé de caboclo estava se deturpando em


benefício do espiritismo:
O espiritismo, principalmente o chamado baixo espiritismo, também
contribuiu, e grandemente, para a obra do sincretismo, melhor, para a obra
de aclimação das religiões negras ao meio social do Brasil. Na Bahia, essa
influência está patente, antes de tudo, nas sessões de caboclo, deturpação dos
candomblés propriamente caboclos em benefício da doutrina de Allan
Kardec. O ritual dessas sessões em nada se diferencia do das sessões
espíritas se, nelas, não houvesse maior colorido e maior movimento, os
negros, de tanga e cocar, dançando ao redor da sala e entoando cânticos por
todos os aspectos interessantíssimos. (1981, p. 194)

Pois bem, vamos à análise: sessões espíritas ao molde da doutrina de Allan Kardec com
negros, de tanga e cocar, dançando ao redor da sala e entoando cânticos ? Tudo indica que
Carneiro não conseguiu (ou não quis) perceber as especificidades de religiões bem diferenciadas,
cujas semelhanças se fazem na presença de espíritos de mortos atuando sobre a vida dos adeptos.
O candomblé banto e espiritismo kardecista são religiosidades bastante diferenciadas, e mesmo que
alguns aspectos simbólicos permeiem entre elas, isso não significa que esses cultos percam as suas
especificidades. A descrição que Carneiro faz dos candomblés de caboclo é muito semelhante do
que é a macumba carioca. Mas o autor crê encarecidamente que o espiritismo será o responsável
pelo fim dos candomblés bantos: O espiritismo, influindo sobre os candomblés afro-bantos,
produziu as atuais sessões de caboclo da Bahia, último degrau na escala dos candomblés, espécie de
ponte para a adesão completa do negro banto ao chamado baixo espiritismo. (1981, p. 235).
Ana Nascimento apresenta uma interessante interpretação, levando em consideração as
condições de realização da pesquisa (CLIFFORD, 2011) no caso, as de Carneiro. Segundo a
pesquisadora (2008, p.7), Carneiro adota uma postura de reverência em relação a Arthur Ramos,
seja porque é Ramos quem viabiliza a publicações dos trabalhos de Carneiro, seja porque Carneiro
precise que Ramos interceda junto ao governador da Bahia na ocasião da organização da União das
Seitas Brasileiras para conseguir seu apoio. Ramos se torna uma espécie de proteção para

33
Carneiro, e a dependência de Carneiro é sobretudo financeira, haja vista que ele publicou antes do
planejado para receber o adiantamento pelos direitos autorais. Soma o fato de que Carneiro
dependia do auxílio de Ramos para entrar em contato com a bibliografia vigente na época. Como
retratou Corrêa (2000, p. 247), era [...] o jovem mulato baiano procurando o apoio do professor de
medicina, branco, já consagrado.
Por ser discípulo de Arthur Ramos, Carneiro estava influenciado, quando publicou suas duas
primeiras obras, pela teoria da aculturação, que pressupõe que há perdas quando culturas entram em
contatos; as culturas dominantes se impõem perante às mais fracas . Carneiro quer acreditar que
o contato com o espiritismo acabará com essa tradição religiosa que é o candomblé de caboclo (ou
macumba), transformando-a em baixo-espiritismo. Sua posição é clara: Os nagôs são
conservadores, tradicionalistas, um pouco mais do que os jêjes, os Angolas e os Congos são
liberais; os caboclos são gente sem tradição, de espírito aberto a todas as influências. (1978, p. 82).
Como bem ressaltou Vagner Silva,
O esforço de Edison Carneiro para descrever e reabilitar a mitologia banto,
realizado através de um estilo sóbrio e leve que caracteriza seus textos,
elaborados como se fossem crônicas ou notícias de um observador atento,
parece, contudo, incidir nos mesmos enganos e preconceitos de seus
predecessores [...] por acreditar na superioridade do modelo ritual nagô
apoiado na pureza e fidelidade deste culto às suas origens africanas, em
contrapartida com o modelo inconsistente e já deturpado dos bantos.
(1995, p. 63)

É importante dizer que Edison Carneiro foi um grande etnógrafo, fez um trabalho de campo
muito mais amplo que os outros pesquisadores desta corrente, e estava posicionado numa
encruzilhada de identidades: o jornalista que se apresenta para a elite baiana, o antropólogo inserido
entre intelectuais nos congressos, o mediador que promove festas e apresentações para estudiosos e
leva estrangeiros aos terreiros, secretário da instituição política que se filiam os terreiros, e ainda o
jovem mulato que frequenta festas não religiosas nos terreiros e se relaciona intimamente com o
povo de santo (NASCIMENTO, 2011, p. 33). Seus escritos, apesar de sustentarem o nagocentrismo,
oferecem uma bela etnografia. Sobre a macumba e a umbanda, o autor apresenta alguns raciocínios
breves, porém relevantes, em Candomblés da Bahia.
Ao se referir à macumba, o autor percebe alguns aspectos do movimento engendrado pelo
criadores do espiritismo de umbanda, como a não aceitação do nome macumba, e a dicotomia
umbanda-magia branca/quimbanda-magia negra: Nem todos os crentes se satisfazem com esta
designação tradicional e os cultos mais modernos, tocados de espiritismo, já se intitulam de
Umbanda, em contraste com Quimbanda, ou seja, macumba. Esta seria a magia negra, a Umbanda
a magia branca. (1978, p. 21-22). Mas o interessante é que ele já interpreta a quimbanda como

34
sendo a própria macumba, assertiva que estará presente nos pesquisadores subsequentes. Na mesma
obra, Carneiro distingue macumba de umbanda, sob o pretexto de diferença de classe social:
[...] a macumba propriamente dita, com possessão pela divindade induzida
pelos atabaques, na forma em que se verifica em todo o País, e a Umbanda,
penetrada de espiritismo, com o transe religioso a obedecer, preferentemente
mas sem exclusividade, a outros modelos. A distinção entre ambos os tipos
segue, aparentemente, a linha de classe a macumba satisfaz as
necessidades religiosas dos pobres, a Umbanda as dos ricos. (1978, p. 29-30)

1.6 Ruth Landes


Ruth Landes40 (1908-1991) foi uma antropóloga norte-americana que pesquisou o
candomblé baiano nos últimos anos da década de 1930. Ela nasceu em Nova York, filha de
imigrantes judeus; seu pai era um alfaiate que viera da Rússia, e foi um dos fundadores de um
importante sindicato norte-americano, tendo criado Landes num ambiente que incluía intelectuais
judeus e negros (CORRÊA, 2002, p. 10). Landes pesquisou, por influência de Ruth Benedict,
populações indígenas, e publicou sobre os ojibwa do Canadá; depois de defender o doutorado, ainda
recolheu, antes de vir ao Brasil, material etnográfico entre indígenas do território estadunidense que
resultou em outras publicações (Idem, ibidem). Em 1938, Ruth Landes chega à cidade de Salvador
com o intuito de comparar as relações sociais entre EUA e Brasil (ANDRESON, 2013, p. 236).
Mark Healey argumenta que a cultura patriarcal da Bahia impôs restrições à livre circulação
de Landes uma mulher branca não podia sair à noite para visitar os candomblés (sua presença no
hotel já era motivo de suspeita) , e, além disso, ela tinha conhecimento limitado da língua
portuguesa. Essas condições fizeram com que sua intenção de realizar a pesquisa de forma
autônoma fracassasse. Somente após conhecer Edison Carneiro, que acabou por se tornar seu
protetor 41
, é que sua pesquisa se tornou viável (HEALEY, 1996, p. 177-178). Edison Carneiro
[...] era uma espécie de passaporte para a livre circulação de Ruth Landes [...] . (ABREU, 2000, p.
9). Segundo a própria Ruth Landes, Edison Carneiro [...] para os negros era a melhor garantia
possível de que eu não era uma espiã da classe alta, nem uma simples enxerida [...]. (2002, p. 50).
Mais que uma intensa interlocução e parceria entre Carneiro e Landes, correspondências trocadas
entre ambos mostram que eles tiveram um relacionamento amoroso (ANDRESON, 2013, p. 248).
Se a ideia inicial era a comparação das relações raciais entre os dois países, ao chegar no
campo , a pesquisa tomou outros rumos. Landes acabou por pesquisar os candomblés baianos, e
produziu uma obra fascinante que, mesmo dentro dos seus limites, pode ser considerada de
vanguarda dentro da antropologia, mas recebeu duras críticas na época e acabou por levar Landes a

40
Sobre a vida de obra de Ruth Landes, conferir Abreu (2000; 2003), Healey (1996), Andreson (2013), Matory (2008),
Corrêa (2000; 2002), Fry (2002), entre outros.
41
A própria Ruth Landes aponta Edison Carneiro como seu protetor (2002, p. 51).

35
um ostracismo acadêmico 42
. Escrito na contramão das tendências científicas vigentes no período,
o livro de Landes A cidade das mulheres43 está configurado em estilo ensaístico, numa narrativa
em primeira pessoa, sendo Landes um personagem da trama (ABREU, 2000, p. 1-2). A autora
focalizou nos indivíduos, ao invés de considerar a cultura a partir do coletivo, como sua abordagem
antropológica (ANDRESON, 2013, p. 244). Na obra, Landes (re)constrói sua passagem pelo Brasil,
um capítulo importante de sua trajetória como antropóloga (ABREU, 2000, p. 6), numa interessante
e agradável narrativa. Como bem objeta Healey:
Ela ofereceu descrições detalhadas do processo hesitante pelo qual fez
amigos e contatos, recolheu informações e construiu um argumento. Ela
recusou-se resolutamente a apagar suas pegadas e compor uma interpretação
acabada da vida afro-baiana, como outros pensadores antes e depois dela
fariam [...]. (1996, p. 197).

Sally Cole, a biógrafa de Ruth Landes, sugere na introdução da edição americana de A


cidade das mulheres, que muitas das características da escrita de Landes estão incorporadas naquilo
que antropólogos contemporâneos chamam de antropologia nova ou experimental (Apud
HEALEY, 1996, p. 196). Isto é, podemos dizer que a obra de Landes, publicada na década de 1940,
possui muitas características da antropologia que James Clifford (2011) denominou de pós-
moderna , por isto é possível situar a obra de Landes como de vanguarda. Mas na época seu estilo
metodológico soou como não científico: Melville Herskovits, em uma resenha feita meses após a
publicação do livro, afirmou que os pesquisadores de campo tem que se esforçar para obter
imparcialidade, contrariando diretamente a metodologia de Landes, a qual promove ligações
pessoais e individuais no processo de pesquisar (ANDRESON, 2013, p. 253). O próprio Edison
Carneiro, que sempre defendeu Landes44, confessou para ela em carta, que esperava um livro em
molde científico (Idem, p. 251).
O fato é que Carneiro guiou o rumo da pesquisa de Landes, e como observa Corrêa (2002,
p. 12), esta [...] optou por seguir a interpretação dos nativos em sua narrativa sobre a vida cotidiana
deles. Landes compartilhou com Edison Carneiro, com o babalaô Martiniano do Bonfim, e com

42
Corrêa (2000; 2002) acredita que o relacionamento de Landes com um negro em Fisk, onde esteve antes de vir ao
Brasil, e depois com Edison Carneiro, teria lhe custado caro, fazendo com que Arthur Ramos e Melville Herskovits
tivessem posições muito negativas em relação ao trabalho de Landes. Sally Cole observa também que Margaret Mead
achava a personalidade de Landes irritante e não concordava com suas referências teóricas para a análise da cultura
(Apud CORRÊA, 2002, p. 19).
43
O livro foi publicado nos EUA em 1947 e no Brasil somente em 1967. A edição brasileira mais recente (2002) tem
como anexo três artigos de Landes, dois deles publicados em 1940 ( Matriarcado cultual e homossexualidade
masculina e O culto fetichista no Brasil ), e um em 1953 ( Escravidão negra e status feminino ).
44
Quinze anos após a morte de Arthur Ramos, Carneiro publicou um texto chamado Uma falseta de Artur Ramos , no
qual defende o trabalho de Landes e afirma que sua intenção é reparar uma injustiça que veio do orgulho e vaidade de
Ramos, que mesmo sendo considerado uma autoridade nas pesquisas sobre religiões e culturas dos negros, seu contato
com o candomblé foi superficial (CARNEIRO, 1964).

36
algumas mães de santo do candomblé nagô, de duas premissas: 1) da suposta superioridade e pureza
dos nagôs e 2) do matriarcado presente no candomblé nagô. A autora, apostando no pressuposto de
que somente as mulheres possuíam afeição ao sacerdócio, apontou uma tendência da
homossexualidade masculina nos candomblés, em especial os candomblés de caboclo, tido como
não tradicionais. Melville Herskovits, e em especial Arthur Ramos, criticaram duramente tal
raciocínio de Ruth Landes45.
O trabalho de Landes tem algumas peculiaridades que a distanciam das obras do período.
Segundo Maggie, [...] em A cidade das mulheres a África é de pouquíssima importância. O
candomblé deriva o seu sentido do contexto sociocultural da Bahia. Mesmo sem citar Herskovits,
Landes efetivamente se posiciona contrária às teses difusionistas deste autor [...] (2001, p. 160).
No entanto, vários autores concordam que Landes reproduziu o mito da pureza nagô em
detrimento de outras modalidades, em especial o candomblé de caboclo. Landes contribuiu com
sua voz para uma tradição que privilegiava a nação Nagô/Queto com base na sua alegada pureza
Africana e, por isso, a sua autenticidade única. (MATORY, 2008, p. 111). Seus artigos [...]
elaboram a degradação da tradição do caboclo em contraste com o prestígio do nagô.
(ANDRESON, 2013, p. 249). A dicotomia ioruba/banto, tradicional/degenerado, religião/feitiçaria,
está presente em Landes, não só quando ela desqualifica, de certa forma, os cultos caboclos, mas
também quando ela escreve sobre os cultos do Rio de Janeiro no artigo The Ethos of the Negro in
the New World ; segundo Landes, na Bahia os templos eram beneficentes , alegres e
praticavam a religião, enquanto que no Rio eram terroristas e praticavam feitiçaria ; ela chega a
afirmar que os negros do Rio são maus enquanto que os da Bahia são bons 46
(HEALEY, 1996,
p. 187). No artigo Matriarcado cultual e homossexualidade masculina, Ruth Landes escreve sobre
o culto caboclo:
O rompimento mais importante se produziu há cerca de uma geração,
quando a mãe nagô, chamada Silvana, instalou o culto caboclo. Naquela
região caboclo significa a mistura de sangue índio e branco; Silvana se
apossou do termo porque alegava ter visões dos antigos índios brasileiros.
[...] Provavelmente tinha duas ou três fontes de inspiração: uma, a prática

45
Em A aculturação negra no Brasil, Ramos escreve: Não há homossexualismo ritual ou religioso entre os negros do
Brasil. O que A. observou foram alguns indivíduos homossexuais, na Bahia, que, por coincidência, tinham encargos
religiosos. Mas isso é um fenômeno puramente individual, e nada tem que ver com as práticas religiosas; não há
significação ritual ou cultural. Eu mesmo conheço alguns pais-de-santo homossexuais, como são homossexuais alguns
negros, mulatos e caboclos, que nada têm que ver com o culto. Os casos isolados que A. observou não têm, pois,
significado étnico nem cultural; não estão ligados a nenhuma tradição africana. (Apud FRY, 2002, p. 26). Já
Herskovits, na resenha que fez do livro de Landes, ressaltou apenas que há muitos sacerdotes que não têm nenhuma
tendência à inversão (Idem, ibidem).
46
No fim do livro A cidade das mulheres Landes escreve sobre a macumba, apontando uma decepção: Édison veio
para o Rio [...], tendo conseguido emprego num jornal; e , nas suas horas de lazer, fomos a cerimônias rituais que se
chamam macumbas. Os templos era dirigidos por homens e pareciam frios e espalhafatosos. Sentíamos saudade da
simpatia e fortaleza de ânimo das mães. (2002, p. 315).

37
banto de cultuar os espectros dos ancestrais e antigos donos de terras; outra,
o romântico interesse brasileiro na história dos índios, ensinada a todos os
escolares e especialmente interessante para os mulatos, que preferem dizer-
se caboclos ; e, terceira, a ubiq idade do espiritismo europeu e das
sessões que invocam guias indígenas. As idéias cismáticas de Silvana,
de êxito imediato devido ao seu prestígio de filha nagô, deram em resultado,
hoje, dezenas de casas de culto caboclo na Bahia. Os deuses nagô ainda são
os principais no ritual caboclo e somente depois que são cultuados se
invocam os novos seres sobrenaturais. Os cultos caboclos relaxaram
grandemente as restrições que cercam as mães. Uma mãe nagô deve passar,
pelo menos, sete anos de estrênuo treinamento, antes que suas colegas
sancionem sua ascensão ao cargo; em regra, passa muitos anos mais. Há
também a tendência a que a mulher herde o cargo de uma parenta ou amiga
íntima a quem serviu como assistente. As mães caboclas, porém, sustentam o
direito de funcionar sem haver prestado serviços anteriormente, e muitas
vezes sem terem sido feitas . Fazem da fraqueza uma virtude, alegando que
nenhum intermediário humano lhes pôs as mãos em confirmação, mas
somente os próprios caboclos. Treinam noviças de modo vago, exigindo
apenas sete dias de reclusão, impondo alguns tabus durante o resto do ano, e
assim por diante. Comparecem a cerimônias de outras casas de culto muito
mais frequentemente do que as sacerdotisas nagô, que na verdade são
advertidas contra tal perambulagem, e acredita-se que o façam para colher
elementos de conhecimento ritual. Em geral a sua atitude é hostil e
carrancuda [...]. (2002, p. 325)

A semelhança com a macumba, na descrição que Landes faz do culto caboclo, é latente,
como pode-se perceber, por exemplo, quando corrobora as inspirações presentes nesta modalidade
religiosa: bantos, índios/caboclos, espiritismo. O teor pejorativo que Landes dedica ao culto
caboclo, em contraste com o culto nagô espécie de guardião da tradição, também fica explícito.
Ela afirma que o afastamento mais radical da tradição nagô é que os homens podem tornar-se chefes
do culto caboclo, mas a maioria destes pais e filhos são homossexuais passivos (Idem, p. 326). É
significativa, nesse sentido, uma fala de Edison Carneiro sobre os homens homossexuais que se
tornam sacerdotes ao lado das mulheres , presente na etnografia de Landes:
Mas isso não pode acontecer nos grandes templos ioruba [...]. Acontece com
freqüência em grupos de culto sem tradição, chamados de caboclo, que vêm
proliferando por toda parte. [...] Caboclo refere-se aos índios do Brasil e
esses cultos veneram espíritos indígenas que acrescentam ao rol das
divindades africanas. Segundo os altos padrões da tradição ioruba, os
caboclos são blasfemos porque são ignorantes e indisciplinados, porque
inventaram novos deuses à vontade e porque admitem homens aos
mistérios... (2002, p. 77).

Os cultos de caboclo são, sem dúvida, vistos pejorativamente pelas mães nagôs, por
Carneiro e por Landes. E esses cultos são diferentes do candomblé da nação Angola, pois os
caboclos são tratados distintamente da modalidade Angola, na fala de Carneiro presente no texto de

38
Landes (2002, p. 78), ou na interpretação da própria Landes no artigo O culto fetichista no Brasil
(2002, p. 343). Não é possível afirmar se o culto caboclo corresponde à macumba, mas as
semelhanças são muitas. De todo modo, o que é possível afirmar é que o mito da pureza e
superioridade nagô, em detrimento dos cultos caboclos sem tradição , se encontra presente na
obra de Ruth Landes.

1.7 Roger Bastide


Roger Bastide47 (1898-1974) é um autor de vasta e complexa obra, que se apoiou em
diversificado aparato teórico. Permaneceu como professor da USP de 1938 a 1954, tendo vindo ao
Brasil para substituir Claude Lévi-Strauss, e depois desse período morando em terras brasileiras,
ainda voltaria para cá em diversas oportunidades. Apenas três anos após o seu falecimento, duas
teses foram defendidas em Paris sobre ele; segundo C. Ravelet (que defendeu sua tese sobre Bastide
em 1977), o total da obra do pesquisador francês é avaliado em 1335 textos (FERRETI, 1995, p.
53). Conforme afirma Fernanda Peixoto cuja tese de doutorado versa sobre a obra de Bastide e
seus diálogos em território brasileiro a produção deste possui um caráter multifacetado, do ponto
de vista temático, teórico e metodológico (2000, p. 15). O sociólogo francês defende o princípio
dos refletores convergentes , que consiste em lançar vários feixes de luz sobre o objeto que se
pretende compreender, de modo a captá-lo de vários ângulos e em movimento (Idem, p. 20).
Poderíamos dizer que Bastide exercitou a interdisciplinariedade num momento em que tal postura
não era praticada como nos dias de hoje. (Ibidem, p. 202).
A introdução da sua obra de maior abrangência As religiões africanas no Brasil:
contribuição a uma sociologia das interpenetrações de civilizações, publicada inicialmente em
1960 na França48 é talvez o melhor exemplo a demonstrar o amplo e diversificado aparato teórico
no qual se apóia. Ao construir seu itinerário teórico-metodológico, Bastide perpassa por muitos
autores, seja para criticar e se distanciar, seja para se alinhar. Ele inicia pela Sociologia Clássica,
com Durkheim, Marx e Weber, se alinhando ao primeiro. Depois traz a Sociologia Religiosa de
Max Scheler, mas se afasta dela. Chega em Lévy-Bruhl, de quem aproveita vários conceitos ao
longo de sua obra. Ao adentrar no que ele chama de Etnologia, cita vários autores, como Radcliffe-
Brown, Raymond Firth, Lévi-Strauss, Maurice Leenhardt, Marcel Griaule, entre outros, buscando
se alinhar à tradição francesa da antropologia. Adiante chega na sociologia em profundidade de

47
A produção acadêmica sobre a vida e obra de Roger Bastide é muito ampla, então apresento aqui apenas os poucos
textos que mapeei para a presente pesquisa: Silva (1991; 1993; 1995; 2002), Ferreti (1995), Peixoto (2000), Nucci
(2006), Verger (1993), Borges (2002).
48
As religiões africanas no Brasil e O candomblé da Bahia são suas duas teses, a principal e a complementar, segundo
o modelo francês da época (PEIXOTO, 2000, p. 122).

39
G. Gurvitch, e vai então citando uma série de autores tantos que seria inviável listar todos aqui,
até chegar à Antropologia e Sociologia norte-americana e nos estudiosos nacionais sobre religiões
afro-brasileiras, correntes acadêmicas com quem muito vai dialogar. Critica a perspectiva
funcionalista, apostando veemente na análise sociológica para solução das questões que pretende
responder. E no fim da introdução afirma: Nossa tese é uma tese de Sociologia, mas que se
fundamenta numa longa observação etnográfica de vários anos. (1971, p. 42).
Ferreti (1995, p. 54) explana que em vários trabalhos Roger Bastide critica e procura
ultrapassar o conceito de aculturação, no entanto, pode-se perceber a presença desse conceito em
seu pensamento nas suas obras principais.49 Vagner Silva argumenta que é [...] difícil sustentar
continuidades teóricas que unissem Bastide aos seus principais predecessores nos estudos das
religiões afro-brasileiras [...] seja pela sua extrema capacidade de manipular dados provenientes das
mais variadas fontes [...] ou de produzir sínteses teóricas originais [...] (1995, p. 45); contudo, o
pesquisador francês compartilhou dos pressupostos da Escola Nina Rodrigues . Bastide se iniciou
no candomblé em 1959, em sua segunda viagem ao Nordeste, e adquire literalmente a incorporação
do outro (PEIXOTO, 2000, p. 79), mas esse outro se trata do candomblé nagô apenas, pois a
dicotomia pureza nagô e macumba degradada chega ao auge nos seus escritos50. Define o culto
nagô como o modelo oficial; o título de sua obra etnográfica é no singular: O Candomblé da Bahia:
rito nagô (1978). Mas sobre as macumbas, sua visão é demasiado pejorativa, como podemos
perceber neste trecho cujo autor escreve inspirado em Durkheim:
O candomblé era e permanece um meio de contrôle social, um instrumento
de solidariedade e de comunhão; a macumba resulta no parasitismo social,
na exploração desavergonhada da credulidade das classes baixas ou no
afrouxamento das tendências imorais, desde o estupro, até, freqüentemente,
o assassinato. (1971, p. 414)

O primeiro texto que Bastide publicou sobre a macumba data de 1946 (BASTIDE, 1973b).
Trata-se de A macumba paulista, onde o autor se apóia em documentos diversos e variados: 1)
publicações do Arquivo do Estado; 2) coleções de velhos jornais paulistas; 3) prontuários policiais;
4) coleções de jornais da atualidade; 5) um certo número de investigações pessoais (1973b, p. 193).
Mas, guiando-me pelos indícios (GINZBURG, 1990), creio que estas investigações pessoais de
que fala o pesquisador aqui analisado foram poucas ou quase nada, haja vista que ele parece
assumir a interpretação dos jornais, e se engana em muitos aspectos sobre a macumba, associando-a
sempre à magia-negra. Num certo momento, quando associa macumba e criminalidade, afirma:

49
Em 1972, Juana Elbein dos Santos defendia tese na Sorbonne orientada por Bastide, e ainda compartilhava do
conceito de aculturação, como pode-se ver na introdução da obra (SANTOS, 2001, p. 14).
50
Realmente Bastide teve uma experiência etnográfica apenas no candomblé nagô, e nas macumbas ele praticamente
não realizou trabalho de campo, e muitas das críticas atuais dirigidas a ele se pautam nesse ponto.

40
Tudo o que se pode admitir é que o uso da magia negra intensifica as paixões, perturba o sistema
nervoso e torna, assim, o indivíduo mais permeável aos instintos sanguinários. 51
(1973b, p. 235).
Após citar vários casos de crimes envolvendo macumbeiros , exemplos tirados de jornais e
prontuários policiais, sugere:
A macumba ou a superstição limitam-se, pois, a demolir o frágil edifício da
razão, a desprender os instintos primários e preparar, desse modo, a atividade
criminosa; a despertar os instintos sanguinários e também os instintos
lúbricos. Aliás, frequentemente uma franja de sexualidade envolve essas
poças ensangüentadas de que acabamos de falar. O macumbeiro também
pode aproveitar de seu poder, de seu prestígio para dominar a mulher.
(1973b, p. 238).

Tratando a macumba paulista não como etnógrafo, mas como sociólogo, conforme afirma no
início do texto (1973b, p. 194), arrisca um esboço histórico, e depois propõe os mais variados
gráficos em sua análise. O autor sustenta, baseado na dicotomia durkheimiana de religião/magia,
que em São Paulo não há formas organizadas dos cultos, mas somente formas individualizadas:
Mas, se existem as formas organizadas do culto, tipo C0055>3<0052005600B4>3<000F0003>-

41
substituísse. Mas a macumba não desapareceu completamente: apenas
passou da forma coletiva para a forma individual, ao mesmo tempo se
degradando de religião em magia. (1971, p. 411-412).

É evidente que Roger Bastide exaltou o candomblé de procedência nagô em detrimento dos
outros, em especial a macumba. Mas não podemos esquecer que com o passar dos anos, muitas
vezes os pesquisadores mudam de opinião acerca de seus próprios pressupostos; nesse sentido, é
significativa a fala de Fernanda Peixoto (2000, p. 128-129):
É possível localizar um progressivo afastamento de Bastide em relação à
busca de africanismos em solo brasileiro (e americano) a partir da década de
70 e portanto um progressivo afastamento da tradição africanista local, até
do ponto de vista temático. Em seus últimos ensaios, ele é cada vez mais
insistente em relação à necessidade de melhores análises do sincretismo
religioso. Impressionado pelo sucesso crescente da umbanda no Brasil, por
exemplo, ele alerta sociólogos e antropólogos para a importância dessa
religião, chamando-os a saírem da condenação ao fenômeno e passarem à
sua análise.

Talvez pelo fato de que estes últimos textos de Bastide estejam todos em francês que os
pesquisadores não se sensibilizaram para a mudança de postura do mesmo, mas o que chega para a
grande maioria dos pesquisadores são os escritos analisados no presente trabalho, isto é, mesmo que
injustamente pois ele reconsiderou sua opinião posteriormente, é como defensor do culto nagô e
algoz da macumba que conhecemos a obra de Bastide no Brasil. Fernanda Peixoto, advogando a
favor do francês, afirma que seus críticos sempre fazem um recorte na sua vasta obra, a uma
determinada fase de seus estudos (2000, p. 129). Reconhecendo a contribuição de Bastide, Ferreti
considera: Ele escrevia bem e escrevia muito, daí deriva em parte a enorme influência que exerce
até hoje no estudo das religiões afro-americanas. Além de informações elaboradas, apresenta
reflexões teóricas importantes. [...]. Não podemos entretanto concordar com tudo o que escreveu.
(1995, p. 62).

Considerações parciais
Percorrido este capítulo, pode-se afirmar que o termo nagocentrismo (ou nagocracia)
designa, grosso modo, uma construção ideológica engendrada pelos adeptos e pelos intelectuais,
que elege o culto nagô (jeje-nagô, ioruba) como aquele que se configura como puro ,
tradicional , enquanto que os cultos de matriz banto (macumba, candomblé de caboclo, baixo-
espiritismo) são tidos como não tradicionais, impuros, degenerados. A dicotomia magia-religião é
aqui reafirmada: o culto nagô é religião, os outros são simplesmente manifestação de magia. O
conjunto de autores aqui analisado é bem diversificado quanto às posturas teórico-metodológicas,

43
histórias de vida, circunstâncias de pesquisa etc, mas nos escritos de todos encontramos assertivas
que corroboram com a consolidação da pureza e tradicionalidade nagô. A falta de rigor científico no
trabalho de campo e a adesão ideológica a um segmento de culto definem as obras destes
intelectuais.
A dissertação de mestrado de Yvonne Maggie, defendida em 1974 (MAGGIE, 2001),
inaugura, como ela própria afirma, um rompimento com esta geração [...] que buscava nas origens
das religiões trazidas pelos escravos a explicação do presente. (2001, p. 7). O trabalho de Maggie
serviu de inspiração para trabalhos posteriores que aprofundaram o questionamento da pureza nagô
(DANTAS, 1988; FRY, 1982; BIRMAN, 1997; CAPONE, 2004). A obra mais significativa nesta
desconstrução do nagocentrismo é a dissertação de mestrado de Beatriz Góis Dantas, defendida em
1982 (DANTAS, 1988). Esta autora compara os traços do discurso de pureza nagô na cidade de
Laranjeiras, Sergipe, com aqueles traços do nagocentrismo presente nas obras dos autores
consagrados como Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Roger Bastide, e percebe que a tradição nagô é
certificada de formas bastante diferentes em ambos os lugares. A intenção de Dantas foi demonstrar
que a pureza nagô não é mais que uma construção ideológica.
É relevante apontar que esta geração que surge após a década de 1970, que Banaggia (2008)
denomina de afro-brasilianistas, está contida noutro contexto, de multiplicação dos programas de
pós-graduação no Brasil. O rigor científico da observação participante, conforme sublinha Birman
(1997, p. 84), avivam os trabalhos destes pesquisadores que, embebidos do estrutural-
funcionalismo, apostam num profissionalismo antropológico (Idem, p. 86). Também são estes
pesquisadores que, numa resposta ao nagocentrismo, passam a pesquisar e publicar sobre os cultos
sincréticos, em especial a umbanda. O combate ferrenho aos ideais nagocentristas marcam muitas
obras publicadas desde a década de 1970. No entanto, seria um erro considerarmos que num
primeiro momento só houveram defensores do culto nagô e, num segundo momento, antagonistas
desta modalidade. Em 1942, Herskovits já advogava a favor dos bantos:
Difícil é aceitar a resposta usualmente dada que a mitologia e a
organização social dos povos bantos, sendo mais fracas , menos
elaboradas e menos adiantadas do que as dos sudaneses, suas tradições
cederam em face dos modos de vida e crenças destes últimos, mais
estreitamente unificadas e de melhor funcionamento. Dentro da área do
Congo acham-se algumas das mais complexas culturas da África; e nenhuma
indicação existe de que tivessem sido construídas com um material tão fraco
que, por si mesmas, houvessem de curvar-se ante o contato com os sistemas
da África Ocidental (Apud CAPONE, 2004, p. 237-238).

Da mesma forma, paralelamente ao trabalho pioneiro de Maggie, Juana Elbein dos Santos
defendeu sua tese de doutorado em 1972 levando a nagocracia ao ápice, e sua obra (SANTOS,

44
2001) se transformou em manual para os praticantes do candomblé nagô (SILVA, 1995; 1991). O
nagocentrismo entre os intelectuais nunca acabou, ainda hoje arrebanha adeptos, e são muitos. 52 É
comum também uma mudança de postura com o passar dos anos: o próprio Bastide, no fim de sua
vida, reconhece a importância das pesquisas sobre cultos sincréticos; Ordep Serra, que pesquisou o
candomblé angola no mestrado (SERRA, 1979) e criticou os defensores do culto nagô, parece ter
mudado de lado com o passar dos anos, após se tornar ogã no Engenho Velho, e chegou a afirmar
que o combate ao nagocentrismo se tornou um tedioso lugar-comum53 (1995, p. 31); Marco Aurélio
Luz, que rejeitou intensamente o nagocentrismo na década de 1970 (LUZ&LAPASSADE, 1972),
adotou outro posicionamento, se aproximando do culto nagô nas suas obras posteriores (LUZ, 1983;
1992; 1993).
A questão central quando se trata do nagocentrismo é mensurar em que medida os
intelectuais influenciaram ou foram influenciados pelos sacerdotes neste processo. Dantas (1988)
alega que os intelectuais transformaram as categorias nativas em categorias analíticas e assim
criaram a ortodoxia nagô, mas como infere Ordep Serra, a autora parece ter superestimado a
influência dos intelectuais (1995, p. 45). Dantas aparenta sugerir que foram os intelectuais quem
ensinaram a tradição nagô aos sacerdotes (SERRA, 1995, p. 58-59), mas esta premissa é refutada
por Serra (1995), Capone (2004) e Banaggia (2008). O mais provável é que houve uma espécie de
evangelização dos cientistas pelo segmento de culto nagô (CAPONE, 2004, p. 30).
Nina Rodrigues foi feito ogã no Gantois e teve como principal informante o babalaô
Martiniano do Bonfim. João do Rio não se filiou os terreiros, ao contrário, os via sempre de forma
pejorativa, mas sua obra é significativa, pois mostra que de dentro do universo afro-brasileiro (na
visão do próprio negro Antonio, seu principal informante) é reiterada a nagocracia. Manuel Querino
teve Martiniano como informante e talvez tenha sido ogã no Gantois. Arthur Ramos foi feito ogã no
Gantois, como ele próprio afirma. Edison Carneiro foi feito ogã em mais que um terreiro, teve
contato íntimo com as ialorixás baianas e com Martiniano, e não raramente adotava a visão de
mundo do povo-de-santo. Ruth Landes parece ter interpretado o candomblé a partir do ponto de
vista de Edison Carneiro e das ialorixás baianas. Roger Bastide se iniciou no candomblé, foi feito
ogã e foi Obá de Xangô cargo ritual do Ilê Axé Opô Afonjá (CAPONE, 2004).

52
Vagner Silva (1999, p. 156) argumenta que a atual reafricanização do candomblé é uma forma de perpetuação da
nagocracia. Mas, como nos mostra Previtalli (2010), a reafricanização também ocorre na nação angola, de origem
banto.
53
Capone (2004) acredita veemente que Serra mudou de lado , no entanto este autor nunca deixou de pesquisar as
culturas de origem banto, tendo coordenado vários projetos de pesquisa sobre cultura, religião e língua banto (angola).
Ele próprio afirma que se arrisca a ser partidário do imperialismo nagô, mas reconhece que não há fundamento algum
na superioridade cultural dos sudaneses (nagôs/iorubás) sobre os bantos (1995, p. 31).

45
Com efeito, o nagocentrismo é algo surgido e autenticado dentro do próprio campo religioso
afro-brasileiro: os intelectuais apenas reproduziram o que já acreditavam e praticavam os sacerdotes
e adeptos do segmento de culto nagô (SERRA, 1995; SILVA, 1995). Para corroborar esta hipótese,
podemos nos atentar para a obra de João do Rio: seu informante, o negro Antonio, é quem atesta o
nagocentrismo menosprezando os negros cambindas (de origem banto), já nos primeiros anos do
século XX. Serra afirma que não há [...] qualquer prova da participação dos intelectuais nessa
difusão do rito nagô pelo território nacional. (1995, p. 125). Neste sentido, grandes personagens do
culto nagô, como a ialorixá Mãe Aninha e o babalaô Martiniano do Bonfim, foram muito mais
influentes na construção e difusão do nagocentrismo que os cientistas.
Ordep Serra, advogando a favor do culto nagô, relativiza a questão da pureza, tão condenada
pelos afro-brasilianistas: [...] essa ideologia assume contornos variados, pois existe uma pureza
ketu, outra jeje, outra congo, outra angola, outra ijexá... Há, até mesmo, uma mística do Caboclo
puro . (1995, p. 61). De fato, como bem salientou Capone, [...] os médiuns sempre afirmam
pertencer ao culto considerado mais puro. (2004, p. 23). Portanto, a categoria pureza advém dos
próprios sacerdotes e adeptos. De todo modo, na visão do conjunto de pesquisadores analisados
neste capítulo (de Nina a Bastide), o candomblé nagô seria possuidor da pureza africana, enquanto
que os cultos bantos (em especial a macumba) seriam impuros, degenerados, degradados.

46
CAPÍTULO II

DE DEGENERADA À DESAPARECIDA: O “NASCIMENTO” DA UMBANDA E A


“EXTINÇÃO” DA MACUMBA

A partir do segundo quartel do século XX houve a tentativa, por parte de alguns sacerdotes-
escritores próximos ritualmente da macumba mas ligados ideologicamente ao kardecismo, da
criação de uma religião genuinamente brasileira resultante de nossa própria formação étnica
que seria a umbanda. Buscaram inclusive uma origem com data marcada: para muitos, a umbanda
nasceu em 15 de novembro de 1908 através da anunciação do Caboclo das Sete Encruzilhadas
incorporado no médium Zélio Fernandino de Moraes a própria vida de Zélio seria o mito fundador
da religião. O aspecto mais relevante neste decurso foi o apetite destes intelectuais umbandistas em
depurar a macumba, para gerar uma religião branca e pura .
Adiante descrevo e analiso esse processo que Sá Junior (2004a) chamou de criação da alva
nação umbandista, mas antes dedico a atenção aos escritos dos pesquisadores da geração
subsequente daquela analisada no primeiro capítulo. Começo por Roger Bastide, que é o elo de
ligação entre as duas gerações; depois perpasso por Maria Helena Concone, Diana Brown, Renato
Ortiz, Patrícia Birman, José Guilherme Magnani e Lísias Nogueira Negrão. Todos estes autores,
com exceção de Brown e Birman, estão em algum grau influenciados por Bastide. O itinerário será
analisar a interpretação destes autores sobre a umbanda.

2.1 Roger Bastide


Uma contextualização mais completa sobre o pesquisador francês foi feita no capítulo
anterior. Mas um dado importante sobre sua trajetória, que convém ressaltar novamente, consiste na
atenção que Bastide parece dar à umbanda no fim de sua vida, conforme demonstrou Peixoto (2000,
p. 129). Em 1974, afirma:
[...] a antropologia cultural não pode permanecer hipnotizada pelo mundo do
candomblé, ou pela sua fidelidade à cultura ancestral. As religiões afro-
brasileiras são religiões vivas que para sobreviver adaptaram-se às novas
estruturas sócio-econômicas brasileiras e a outras metamorfoses, dando
origem a novas formas: primeiro a macumba e, acima de tudo, o espiritismo
de umbanda. (Apud PEIXOTO, 2000, p. 129).

O que ele denomina de espiritismo de umbanda parece ter despertado sua simpatia, pois
ele não emprega críticas à umbanda da mesma forma que fez com a macumba; o tom cruel dedicado
à macumba se transforma em um tom favorável à umbanda. Se ele parecia compartilhar com a

47
polícia e os jornais da época a repulsa pelos macumbeiros , o mesmo não acontece em relação aos
intelectuais umbandistas. Ao contrário, Bastide se alinha ao pensamento destes intelectuais;
interpreta o nascimento de uma religião para fazer menção ao título do capítulo de As religiões
africanas no Brasil que ele dedica à umbanda a partir dos escritos dos sacerdotes-escritores. O
contato etnográfico de Bastide com as religiões afro-brasileiras se deu apenas por meio do
candomblé baiano; sobre a macumba e a umbanda suas interpretações se deram através apenas de
documentos escritos (livros, jornais, prontuários policiais).
O que fica explícito no decorrer de seu texto (1971) é que ele está interessado no problema
do negro no Brasil.54 Convém lembrar que durante a década de 1950, Bastide, juntamente com
Florestan Fernandes, esteve envolvido na pesquisa sobre relações raciais patrocinada pela Unesco
(PEIXOTO, 2000, p. 157). Para ele, a umbanda corresponderia ao negro em ascensão social55:
Ora, o sucesso dessa nova seita, a primeira no Rio, em seguida nos outros
Estados do Brasil Minas, Rio Grande do Sul, São Paulo, Recife , prova
que ela correspondia à nova mentalidade do negro mais evoluído, em
ascensão social, que compreendia que a macumba o rebaixava aos olhares
dos brancos, mas que entretanto não queria abandonar completamente a
tradição africana. Umbanda é uma valorização da macumba através do
espiritismo. (1971, p. 439)

O caráter pejorativo da macumba é por ele reafirmado sempre que dela fala: o negro em
ascensão social não poderia mais estar vinculado à macumba um culto degradado, que o rebaixava
perantes os brancos , mas sim ao espiritismo uma religião branca, cientificizada, vinda da
Europa; e a umbanda seria uma forma espírita de se praticar a macumba, por aqueles negros que
não queriam abandonar completamente a tradição africana. A origem espírita da umbanda é por ele
aqui postulada (a própria nomenclatura que ele utiliza espiritismo de umbanda, a mesma que os
intelectuais-sacerdotes já indica a origem espírita), e será seguida pelos pesquisadores posteriores.
É claro que Bastide não poderá destacar a macumba neste processo: em primeiro lugar, ele trata a
macumba de modo depreciativo (culto degradado, degenerado, desagregado); em segundo lugar, ele
está interpretando em consonância com os intelectuais umbandistas, que acreditavam ser a umbanda
uma forma de espiritismo.
Tanto está influenciado pelos intelectuais da umbanda que o pesquisador francês,
reproduzindo o discurso dos mesmos, afirma que houve

54
Ele se funda, em vários momentos, em assertivas étnicas, como podemos observar neste trecho: A entrada do branco
funcionário, comerciante ou industrial em Umbanda, assume então, aos olhos do negro, a significação de uma
inversão de valores: o caboclo não é mais o selvagem, nem o africano escravo submisso a todos os caprichos dos
brancos; tornaram-se deuses da nova religião, e o senhor de outrora agora baixa humildemente a cabeça diante deles.
(1971, p. 464).
55
No entanto, é preciso lembrar que os inventores do espiritismo de umbanda foram, em sua maioria, indivíduos
brancos e de classe média.

48
[...] a cisão da macumba do Rio em duas: o espiritismo de Umbanda, que
conservará apenas os elementos civilizados, e a magia de Quimbanda, que se
ligará às forças demoníacas. Essa cisão permitiu valorizar a tradição
ancestral, esvaziando-a de tudo quanto revolta o homem da atualidade.
(1971, p. 444).

Este é exatamente o discurso dos intelectuais umbandistas que organizaram o Primeiro


Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, ocorrido em 1941 no Rio de Janeiro, assim como
daqueles que publicaram entre as décadas de 1940 e 1950, cujas obras Bastide leu. Não só leu como
reproduziu esse discurso em suas interpretações...
Os espíritos, filhos da Luz, emanam fluidos bons dos quais o ritual de
Umbanda nos consente beneficiar; fluidos que nos ajudam a subir
moralmente e nos inspiram o amor do próximo; os fluidos maus, ao
contrário, nos fazem soçobrar na criminalidade ou na sensualidade, atraem-
nos para baixo, para a terra de onde emanam. Daí, a separação da magia
negra, que serve aos Exus (Quimbanda) para lançar a perturbação entre os
nossos inimigos, e a magia branca (Umbanda), que só se utiliza de forças
bem-fazejas. Ou, mais exatamente, esta última bem pode recorrer aos Exus,
mas somente tendo em vista desfazer os sortilégios ou expulsá-los antes de
qualquer cerimônia na tenda. (1971, p. 454)

Sobre a origem da religião, escreve:


Se é difícil seguir historicamente os primeiros momentos de Umbanda, é
igualmente difícil descrevê-los. Pois estamos em presença de uma religião a
pique de fazer-se; ainda não cristalizada, organizada, multiplicando-se numa
infinidade de subseitas, cada uma com seu ritual e mitologia próprios.
Algumas, mais próximas da macumba pelo espaço deixado aos instrumentos
de música africana e à dança, outras mais próximas do espiritismo, outras,
enfim, tendendo para a magia ou a astrologia. É porque, além disso, a fim de
remediar essa anarquia de formas e de crenças, que [...] em 1941 um
Congresso se reuniu no Rio, tendo em vista uniformizar o ritual e
sistematizar a dogmática. Mesmo assim, a heterogeneidade se mantém
bastante grande para tornar impossível apresentar-se a Umbanda de maneira
clara e precisa. (1971, p. 440).

Bastide crê que a umbanda está nascendo com o movimento dos intelectuais; ele não
percebeu, devido à ausência do trabalho de campo, que a umbanda dos escritos doutrinários não
compreendia a totalidade dos terreiros de umbanda. Ele não pôde perceber que a macumba é
umbanda também, pois para ele a macumba sequer tinha status de religião. No entanto ele se
atentou para a multiplicidade e plasticidade da religião ( multiplicando-se numa infinidade de
subseitas ), o que é inegável. Interessante notar que quando afirma estar algumas mais próximas da
macumba, outras do espiritismo, outras tendendo à astrologia, ele está argumentando de forma
semelhante àquela proposta posteriormente por Cândido Procópio Camargo (1961) com a ideia de

49
continuum56 na umbanda. Camargo afirma, em nota de rodapé (1961, p. 34), não ter utilizado a obra
Les Religions Africaines du Brésil (que só foi publicada em português no ano de 1971) porque só
chegou às suas mãos quando finalizada a pesquisa; porém creio que ele, mesmo que sem ter lido a
obra de Bastide durante a confecção de seu livro, estava influenciado pelo pesquisador francês ao
cunhar a teoria do continuum religioso, uma vez que já havia tido um contato mais estreito entre
ambos na USP.
Bastide presume uma origem espírita para a umbanda ( valorização da macumba através do
espiritismo ), por isso espiritismo de umbanda , mas afirma que ela se encontra numa [...]
confusão entre o espiritismo e a macumba. [...] Uma dentre as duas correntes acabará por vencer,
corrente esta que será ora o espiritismo, ora a macumba africana, mas a macumba elevada à altura
de uma requintada teogonia. (1971, p. 449). Isto pode ser considerado como indício de que a
umbanda e a macumba podem também ser julgadas como a mesma religião, o que podemos
empreender também neste trecho:
O próprio sucesso dessa nova religião tem levado médiuns sem suficiente
preparo ou exploradores da credulidade pública a montar novas tendas (é
assim que se designam os santuários), utilizando-se de certos elementos da
macumba e misturando-os, sem tentar harmonizá-los com os dogmas
espíritas. (1971, p. 440)

Tendas que se utilizam de elementos da macumba sem harmonizá-los aos dogmas espíritas?
Ora, terreiros de macumba! Bastide pretende encontrar espiritismo em todas as umbandas, mas
como isto não é possível, ele acaba por lançar mão de argumentos como este acima. Em A
macumba paulista, transcreve um trecho escrito por Jorge Stamato:
Em São Paulo, há uns três ou quatro anos, assisti a uma macumba... em
Pinheiros... Apesar da nomenclatura simbólica usada pelos participantes da
cerimônia ser civilizada, espírita , a macumba se mostrava em tudo, desde o
sacrifício inicial do galo (não era preto) até às defumações de incenso, de
tabaco (em forma de charutos fumados pelo pai) e as invocações cabalísticas
[...]. (1973b, p. 198-199).

Infelizmente Bastide não indica em que ano o artigo de Stamato foi publicado. Mas, de
qualquer modo, aqui estamos diante de um rico dado que corrobora a tese de que muitas macumbas
se apropriaram da nomenclatura espiritismo de umbanda , mas continuaram sendo macumbas. O
erudito francês, pensando através de hipóteses étnicas, ainda discorre sobre o baixo espiritismo ,
que seria um estrato do espiritismo na qual o mestiço índio e o descendente de escravos poderiam se
igualar ao branco.

56
No próximo capítulo abordarei a ideia de continuum quando tratar da multiplicidade das religiões afro-brasileiras.

50
O baixo espiritismo distingue duas espécies de linhas . Designam-se, com
isso, as correntes vindas dos mortos a linha índia e a linha africana
segundo sejam as sessões separadas, consagradas à descida dos espíritos dos
índios ou à dos negros; segundo uns e outros se encarnem durante a mesma
sessão, sem que contudo o façam simultaneamente. O ritual divide em dois
as manifestações mediúnicas; os africanos são em geral chamados após a
partida dos espíritos dos caboclos. (1971, p. 435)

Espíritos de índios e negros, caboclos e africanos? Não seria o baixo espiritismo a própria
macumba? O que fica evidente, nos escritos bastiadianos, é que, diferentemente da macumba, o
espiritismo de umbanda ganha status de religião. Bastide sabe que está interpretando a partir dos
escritores umbandistas, ele os cita meticulosamente nas rodas de rodapé. Mas creio que é
justamente devido a essa falta de contato com o cotidiano vivido dos macumbeiros/umbandistas que
o estudo do pesquisador francês apresenta sérios equívocos. De qualquer forma, estes aspectos de
sua produção não invalidam o peso de sua obra. Há de se levar em consideração a abrangência que
ele se propôs, ao escrever sobre diversas religiões africanas no Brasil, e publicar uma obra de 567
páginas. Se houveram equívocos, houveram também muitos acertos. É, sem dúvida, um dos autores
mais importantes e conhecidos no que toca às pesquisas das religiões afro-brasileiras, influenciou
toda uma geração de pesquisadores, e mesmo sofrendo severas críticas, ainda se mantém atualmente
como leitura obrigatória pra qualquer estudante que se destina a adentrar no universo do campo
religioso afro-brasileiro.

2.2 Maria Helena Concone


Maria Helena Villas Boas Concone possui graduação em Ciências Sociais, e especialização,
doutorado e pós-doutorado em Antropologia pela PUC-SP. Sua tese de doutoramento (Umbanda,
uma religião brasileira), defendida em 1973, só foi publicada em 1987.57 É um trabalho demasiado
significativo para a análise que estou engendrando, haja vista que a autora parece realizar uma
interpretação da umbanda que vai ao encontro dos escritos dos intelectuais umbandistas. O próprio
título sugere isto: uma religião brasileira. A influência de Bastide é um aspecto pertinente de sua
obra. Já no início do livro Concone admite a influência do pesquisador francês:
A minha dívida intelectual para com o pensamento de Bastide, autor que
independentemente das críticas lhe possam ser feitas, antecipou muitas

57
No prefácio da obra, João Baptista Borges Pereira explana sobre as dificuldades de publicação de pesquisas
científicas, num contexto onde editoras comerciais nem sempre se interessam, e conclama as agências de financiamento
em incluir como parte integrante do projeto de pesquisa a publicação da mesma. Afinal, diz ele, pesquisa feita e não
publicada é pesquisa ainda não realizada . Já no início do livro, Concone (1987, p. 19) afirma não ter realizado a
revisão cabal , não tendo feito, portanto, nenhuma mudança substancial no corpo do texto ao publicar mais de uma
década depois de escrito. Interessante notar que ela inicia o livro com uma sessão intitulada Reapresentação: dez anos
depois, na qual pontua alguns aspectos teóricos relevantes que não estão contidos na obra e que ela optou por não
atualizar.

51
colocações de estudiosos contemporâneos além de colocar numerosas
questões em debate, é mais que evidente. [...] sempre me impressionou a
paixão que ele colocava seja na análise dos Candomblés bahianos, seja nos
trabalhos relativos a questão racial. (1987, p. 18)

Por estar seguindo os passos de Bastide58, Concone escorrega na ideia de pureza, como
pode-se observar neste trecho: Como diz bem Bastide, os candomblés, batuques, xangôs, tambores
das minas, as formas mais puras de culto afro-brasileiro [...]. (1987, p. 51). Mas ela escreve no
prefácio intitulado Reapresentação: dez anos depois que há discussões e inovações recentes, em
especial o debate sobre a pureza, que não foram incorporadas ao texto. Afirma: Esta é uma
discussão mais recente, para a qual não estava suficientemente sensibilizada no momento (1987, p.
20). Por ter terminado a pesquisa em 1972 e defendido no ano seguinte, a autora também ressalta:
[...] não pude me beneficiar das discussões levadas a efeito nos interessantes trabalhos de D.
Brown e R. Ortiz, sobejamente conhecidos. (1987, p. 19).
A obra de Concone, mesmo publicada tardiamente, não deixa de ser pioneira, considerando
a data de confecção do trabalho. Foi a primeira pesquisa dedicada exclusivamente à umbanda.
Muitos aspectos desenvolvidos por pesquisadores posteriores, foi por ela ao menos mencionado;
por exemplo, a questão dos processos de embranquecimento e empretecimento , discutidos
principalmente por Ortiz (1999) e Negrão (1996), foi sugerido anteriormente por Concone como
movimentos de branqueamento / arianização e negritude (1987, p. 26; p. 150). Mas como estes
dois autores, ela também está fortemente influenciada por Bastide. Alicerçada no pesquisador
francês, sustenta:
[...] de fato a Umbanda se apresenta como resultado da ascensão de parcela
da população tradicionalmente ligada à Macumba, que encontrou no desejo
de ascender ou na concretização de uma ascensão realizada, a necessidade de
depurar qualquer vinculação com um grupo e uma cultura
tradicionalmente estigmatizados. (Idem, p. 55)

Adiante afirma:
Procuramos ver a Umbanda como uma religião em processo de formação e
mais, como respondendo a aspirações ascensionais de parte da população.
Nesse sentido o material contido nas publicações umbandistas é
extremamente rico. O desejo de ascensão social se manifesta pela tentativa
de incorporar um tipo de discurso que se imagina ser o do grupo dominante,
ou socialmente valorizado. (Ibidem, p. 133)

Se para Bastide a umbanda é uma religião a pique de fazer-se (1971, p. 440), para
Concone a umbanda [...] é uma religião em processo de formalização e organização (1987, p. 75).

58
Ela também utiliza como referência, porém mais ligeiramente, Édison Carneiro e Arthur Ramos (1987, p. 43-44).

52
E essa religião em formação seria fruto de uma parcela da população que, ao desejar a ascensão
social, depuraria a macumba, se vinculando ao espiritismo. Mas a autora afirma isso pautada nos
intelectuais umbandistas: [...] na literatura umbandista encontramos obras que, com mais ou menos
ênfase, marcam a ruptura com os cultos negros propriamente ditos, vinculando a Umbanda aos
quadros do espiritismo [...]. [...] nos parece que os atuais umbandistas [...] puderam encontrar [...]
no Kardecismo um elemento de apoio bastante conveniente [...] mais ao gosto ocidental . (1987,
p. 56). A impressão que se fica é que a pesquisadora entende a umbanda como aquela dos livros
doutrinários.
A título de exemplo, podemos citar a maneira como Concone descreveu a diversidade da
religião umbandista. Primeiramente ela se pauta em um periódico ( Tribuna Umbandista ) e
demonstra que não havia consenso entre os colaboradores do jornal com relação à proximidade da
umbanda com o candomblé (1987, p. 66-69). Num segundo momento, ela se dedica a exibir várias
formas de manifestação da umbanda, mas ressalva (1987, p. 73-74):
Vamos aceitar e expor aqui uma caracterização proposta por Cavalcanti
Bandeira (em entrevista por nós realizada com ele no início de novembro de
1972), praticante e líder umbandista. Segundo Bandeira, a sua proposta não
esgota a realidade, mas tem sem dúvida a vantagem de permitir uma
primeira sistematização. Acrescente-se a esta, a vantagem adicional da
sugestão que partiu de alguém de dentro da própria Umbanda.

A autora reproduz, então, o quadro fornecido por Bandeira (1987, p. 74):


1) Umbanda espiritista , de mesa . Fase intermediária entre a Umbanda e o espiritismo de
Kardec. É a forma mais despida , que mais insiste na necessidade de desligar a Umbanda
de influências primitivistas .
2) Umbanda ritualista ou de salão . As características marcantes seria o uso da roupa branca
e das palmas. Esta linha insiste na influência indígena como maior responsável pela origem
e formação da Umbanda.
3) Umbanda ritmada , de terreiros . Nesta linha faz-se o uso do atabaque. Haveria aqui um
pouco de africanismos e obrigações de Candomblé.
4) Umbanda ritmada e ritualizada . Nesta linha se pratica um ritual próximo do Candomblé.
Esta forma seria o Umbandomblé ; também o culto Omolocô se encaixa nesta categoria.
Concone preferiu aderir à sistematização proposta por um intelectual umbandista do que
frequentar e analisar diferentes terreiros. Nesse sentido, considero justo afirmar que a tese desta
pesquisadora está muito mais alicerçada nas obras doutrinárias do que em trabalho de campo
propriamente dito. Abusando do método indiciário de Ginzburg (1990), que propõe
possibilidades através da análise dos indícios ou sinais, eu diria que o texto antropológico de

53
Concone foi engendrado, pelo menos boa parte dele, dialogicamente com Cavalvanti Bandeira,
como se este fosse o representante da cultura estudada (CLIFFORD, 2011, p. 44). De fato, em
vários momentos do texto, em especial aquele acima transcrito, ela reproduz as interpretações de
Bandeira. Sem contar que, nos agradecimentos, dos poucos citados, consta Dr. Cavalcanti Bandeira
ao lado de Pai Walter do terreiro Sociedade Espírita Africana Urabatan de Xangô. Se Bandeira não
é o único representante da umbanda, ao menos é, para Concone, um dos principais, senão o
principal.
Mas, contraditoriamente, a autora critica os escritos doutrinários:
Existe uma diferença algo nítida entre as formulações verbais veiculados
pelos pais de santo durante sessões públicas e a palavra escrita, que se
esforça mais em aparentar uma coerência e uma sofisticação difíceis de
manter. De longe, as formulações dos chefes de terreiro são mais simplistas,
porque menos comprometidas com uma necessidade de acertar todos os
pontos, mas muito mais consistentes. (1987, p. 150).

Analisando as obras dos intelectuais umbandistas, a autora percebe a umbanda como [...]
fundamentalmente brasileira e mesmo algumas vezes extremamente nacionalista ufanista. (Idem,
p. 150). É a religião brasileira por excelência dizem eles. (Ibidem, p. 136). Para ela, então, a
umbanda não é uma religião afro-brasileira, mas sim brasileira, como sugere o título de seu livro.
Mas Concone faz questão de esclarecer: [...] embora estejamos entendendo [...] a Umbanda como
formulação brasileira [...] não estamos negando seu substrato de origem africana. (Ibidem, p. 56).
Por ser uma religião semi-marginalizada é que existiria a tentativa de depurar a umbanda
dos aspectos considerados primitivos (Ibidem, p. 136), tão presentes na macumba, como uso de
bebidas, sacrifícios, despachos em encruzilhadas. E sobre tais aspectos (elementos da macumba ou
quimbanda), também não há consenso:
No conflito de ideologias, na tentativa de depurar a Umbanda da
negritude , entra em jogo entre outras coisas, o problema das relações entre
a Umbanda e a Quimbanda. Há umbandistas que aceitam naturalmente a
Quimbanda, seja ela interpretada como o lado mágico da religião, seja como
formando com a umbanda uma oposição, que faz com que as duas formem
um só corpo. As duas metades opostas e necessárias a vida, a luta do Bem e
do Mal . [...] Há, entretanto, e não são poucos, os umbandistas que negam
terminantemente qualquer relação entre a Umbanda e a Quimbanda,
considerando um verdadeiro absurdo que a segunda seja praticada por
umbandistas. (1987, p. 134-135).

A autora demonstra a diversidade presente na umbanda, mas tropeça em considerar que estas
imprecisões e variações doutrinárias se explicam por ser esta uma religião recente, e que serão
resolvidas com o tempo, apesar de que ela mesma admite que dificilmente uma formalização mais

54
elaborada conseguirá abranger a Umbanda como geralmente é praticada nos terreiros (1987, p. 135-
136).
Apesar das críticas mencionadas, sua obra é demasiado relevante. Há algo que a
pesquisadora brilhantemente se atentou que corrobora um dos aspectos da hipótese central do
presente trabalho, quando menciona o [...] fato de formas de culto inicialmente chamados por
outros nomes específicos dentro do contexto afro-brasileiro , haverem adotado, eles mesmos, a
denominação de Umbanda. (1987, p. 66). A hipótese que julgo mais segura é de que a macumba
adotou o nome de espiritismo de umbanda, provavelmente por conveniência, mesmo continuando
sendo macumba. Concone também observou este processo: [...] a Macumba do Sul, parece
definitivamente transformada (pelo menos no que se refere à denominação) em Umbanda. (1987,
p. 61-62). A meu ver, a macumba se transformou em umbanda, enquanto denominação formal, mas
com certeza a macumba não se transformou, enquanto tradição religiosa, na umbanda linha
branca postulada nos livros doutrinários. Disse a autora que macumba é um nome muito pejorativo
(1987, p. 73). Concordo, e creio que talvez por isso é que a macumba se apropriou do nome
umbanda. Mas a nomenclatura macumba persiste em figurar no cotidiano dos adeptos, como
podemos ver num depoimento colhido por Concone (1987, p. 73):
Lá, (na cidade do Rio) o termo Macumba é muito usado. Todo mundo diz:
vou a uma Macumba. É a forma popular, o apelido popular da Umbanda.
(grifo da autora).

2.3 Diana Brown


Diana Brown possui doutorado em Antropologia pela Columbia University. Atualmente é
professora titular no Bard College em New York, tendo sido professora visitante em algumas
universidades fora dos EUA, entre elas a UNICAMP, em Campinas-SP. Defendeu seu doutorado
em 1974 com a tese Politics of an urban religious, que versa sobre a origem da umbanda no Rio de
Janeiro. Em 1977 publicou o artigo O papel histórico da classe média da Umbanda, na revista
Religião e Sociedade, que se tornou referência para os pesquisadores posteriores. 59 Seu texto mais
famoso aqui no Brasil, com o qual trabalharei no presente trabalho, foi publicado na coletânea
Umbanda e Política, organizada pelo ISER (Instituto de Estudos da Religião), situado no Rio de
Janeiro (BROWN, 1985). Seus textos em língua portuguesa são oriundos de sua tese de doutorado.
Brown discutiu a fundação e a expansão da Umbanda no Rio durante o período de 1925 a
1970 (1985, p. 9). A autora não considera a constituição da umbanda como um processo demasiado
amplo e caótico, com origens na época colonial. Ao contrário, a umbanda teria tido origem muito
mais recente:

59
Lamentavelmente, não foi possível entrar em contato com este texto.

55
Considero que a fundação da Umbanda ocorreu no Rio de Janeiro em
meados da década de 1920, por iniciativa de um grupo de kardecistas de
classe média que começaram a incorporar tradições afro-brasileiras em suas
práticas religiosas. (Idem, p. 9)

A premissa de que a umbanda teria nascido nas primeiras décadas do séc. XX por um grupo
de kardecistas dissidentes se perpetuou depois do trabalho de Brown publicado na década de 1970.
Podemos considerar que ela e Bastide são, para os outros pesquisadores aqui analisados, as grandes
referências. Brown relacionou a origem da umbanda à figura de Zélio de Moraes:
Eu relacionei os primórdios da Umbanda, mais especificamente as atividades
de uma pessoa em particular, Zélio de Moraes, que no relato de sua doença,
de sua posterior cura, e da revelação de sua missão especial para fundar uma
nova religião chamada Umbanda fornece aquilo que considero como um
mito de origem da Umbanda [...]. Não posso estar totalmente certa de que
Zélio foi o fundador da Umbanda, ou mesmo que a Umbanda tenha tido um
único fundador, muito embora o centro de Zélio e aqueles fundados por seus
companheiros tenham sido os primeiros que encontrei em todo o Brasil que
se identificavam conscientemente como praticantes da Umbanda. (Ibidem, p.
10).

Ela admite não poder estar totalmente certa de quem seria o fundador da umbanda ou se esta
teria apenas um único fundador, mas fica explícito de que a autora acredita que a umbanda nasceu
com Zélio de Moraes e seus seguidores. A meu ver, a pesquisadora norte-americana parece ter se
equivocado quando interpretou, assumindo ela mesma o discurso dos intelectuais ligados a Zélio, de
que existia apenas uma verdadeira umbanda, que ela denominou de Umbanda Pura (Ibidem, p.
12). Para ela, a umbanda seria esta religião criada por tais [...] kardecistas insatisfeitos, que
empreenderam visitas a diversos centros de macumba localizados nas favelas dos arredores do Rio
e de Niterói (Ibidem, p. 11), e que depuraram da macumba os repugnantes rituais africanos
(Ibidem, ibidem). Os centros de umbanda que se originaram da tenda fundada por Zélio de Moraes
[...] formam o núcleo da maior, melhor conhecida e mais bem dotada rede de centros de Umbanda
do Rio. (Ibidem, ibidem). Creio que Brown está influenciada pelos umbandistas ligados a Zélio,
assim como os pesquisadores clássicos analisados no primeiro capítulo estavam influenciados
pelos pais e mães de santo nagô. Como bem ressaltou Giumbelli (2002, p. 187), a pesquisadora
norte-americana realizou pesquisa no Brasil no final da década de 1960, e apresentou uma versão
baseada em entrevista com o próprio Zélio de Moraes.60
[...] os anos anteriores a 1945 compreendem uma fase inicial durante a qual a
Umbanda parece ter ficado limitada principalmente a um pequeno grupo no
Rio. A se julgar pelo Congresso de Umbanda, principal marco de referência

60
Giumbelli (2002, p. 188) afirma que, além de Zélio, Cavalcanti Bandeira também seria um dos principais informantes
de Brown; Bandeira é um dos principais divulgadores da fundação da umbanda por Zélio, a partir de um livro que
publica em 1970 (Idem, p. 195).

56
nessa fase inicial, durante este período a Umbanda permaneceu confinada
sobretudo dentro do círculo dos seus fundadores originais. Somente
umbandistas locais e seus convidados assistiram ao Congresso. (BROWN,
1985, p. 17)

Ela aparenta restringir a umbanda a estes poucos adeptos criadores da umbanda tida como
linha branca (que ela chama de Pura ). Mas tenho convicção de que, enquanto esses umbandistas
locais e seus convidados assistiam ao Congresso, milhares de terreiros de macumba e umbanda
realizavam seus trabalhos e rituais, não só no Rio, mas em muitas partes do Brasil. No entanto, a
autora cultivou a convicção de que, depois de 1945, [...] a Umbanda agora começava a exercer
uma influência homogeneizante sobre muitas tradições religiosas regionais, transformando aquilo
que as distinguia e moldando-as na direção de uma cultura religiosa nacional afro-brasileira.
(Idem, p. 18). A umbanda Pura , segundo ela, se sobressaiu neste processo.
Federações com mais recursos, que advogavam a causa da Umbanda Pura do
setor médio, estavam preocupadas sobretudo em promover esta forma
particular de ritual. Embora tendessem a aceitar como membro qualquer
centro que se definisse como praticante de Umbanda, posteriormente
procuravam impor seus próprios padrões de prática ritual sobre esses
centros. Algumas federações chegavam mesmo a organizar visitas
periódicas, de surpresa, para checar o tipo de cerimônia que lá se realizava.
Eu mesma fui ocasionalmente confundida com um inspetor de uma das
federações. (Ibidem, p. 22)

Se a umbanda Pura se destacou neste processo, com certeza ela não garantiu sua
exclusividade enquanto umbanda. Outras federações, que defendiam uma forma de umbanda de
orientação africana (macumba?), passaram a ganhar força no cenário nacional. A principal delas,
surgida em 1952, foi aquela liderada por Tancredo da Silva Pinto, que se tornou, nas palavras da
autora, o lendário Tatá de Umbanda (o Papa da Umbanda ). Por ocasião da minha primeira
pesquisa em 1966, fiquei surpresa com a sua fama e popularidade nas favelas de toda a cidade.
(Ibidem, p. 23). O Segundo Congresso Nacional de Umbanda61 ocorreu em 1961, no Rio de Janeiro,
e nele participaram milhares de umbandistas. Neste momento, passaram a surgir alianças entre
terreiros e federações que praticavam umbandas bem diferentes.
Essas alianças levaram à formação de uma religião claramente pluriclassista,
e reuniram dois setores sociais distintos que praticavam formas de Umbanda
extremamente contrastantes. Nesse sentido, elas provocaram um grau maior
de tolerância mútua da Umbanda enquanto religião heterodoxa. Os líderes da
federação expandiram naquele momento as fronteiras rituais da Umbanda, e
passaram de uma insistência estreita na Umbanda Pura para uma posição de
heterodoxia ritual. Eles passaram a se referir à Umbanda como consistindo
de diversas seitas, todas elas expressões igualmente válidas de Umbanda.

61
Interessante notar que, na denominação deste segundo congresso, não foi usada mais a expressão espiritismo de
umbanda, e sim apenas umbanda.

57
Algumas federações chegaram mesmo a redefinir seus títulos para algo como
Federação Espírita de Umbanda e Seitas Afro-Brasileiras . (1985, p. 28)

Esse movimento de que fala a citação acima demonstra bem a força da macumba na luta por
seu espaço. As federações e os grupos intelectualizados cedem à macumba, provavelmente porque
esta possui importância e força dentro do campo religioso afro-brasileiro. A macumba se aceita
chamar de umbanda, e a umbanda aceita a macumba em suas federações.
Brown reconheceu a diversidade da umbanda, ou ao menos que a umbanda comporta em seu
seio várias tradições religiosas afro-brasileiras. Mas a impressão que se fica é que a autora considera
a umbanda Pura como religião, enquanto que as outras formas de umbanda estariam mais
próximas de seitas exóticas. É o que podemos depreender deste longo e significativo trecho:
A grandiosa celebração do Quarto Centenário da fundação da cidade do Rio
de Janeiro, em 1965, fornece um exemplo perfeito deste tratamento
paternalista, folclórico, conferido à Umbanda na vida pública secular
brasileira. O secretário de Turismo conseguiu aprovar um projeto
concedendo uma noite inteira (dos quatro dias de celebração) devotada à
herança religiosa afro-brasileira. Aqueles encarregados de organizar essa
parte da programação, no entanto, eram estudiosos de folclore do Rio.
Embora os participantes convidados fossem membros de centros de
Umbanda locais, a noite foi intitulada Você sabe o que é a macumba? , ao
invés de Umbanda. Além disso, foram apresentados terreiros no estilo mais
africano, executando danças com elaborados e altamente coloridos
vestimentos, reminiscentes do candomblé, o que reforçava o exotismo desses
grupos e reduzia seu significado religioso. O antiquado e depreciativo uso do
termo macumba e a orientação folclórica do programa, como um todo,
enraiveceram os líderes que defendiam a Umbanda Pura, e eles recusaram o
convite para participar do evento. (1985, p. 39)

Algumas reflexões emergem da análise deste fragmento. Creio que o termo macumba foi
usado no lugar de umbanda, porque a umbanda é macumba; mesmo que o termo seja depreciativo, a
macumba continua a ser a tradição religiosa afro-brasileira mais célebre do Rio de Janeiro. Percebe-
se que, para a autora, os centros de umbanda Pura se constituiriam em religião, enquanto os
centros africanizados refletiriam o exotismo... Considerável notar também que Brown utiliza letra
maiúscula quando escreve umbanda e minúscula quando escreve candomblé; podemos interpretar
como um sinal (GINZBURG, 1990) de que a umbanda é mais importante que as outras religiões
afro-brasileiras, que ela identifica como seitas e não como religião. Mas a umbanda cara à
pesquisadora norte-americana é, com certeza, a Pura , a modalidade que ela entende como
religião. A macumba e as outras modalidades de umbanda não possuem, para Brown insigne

58
antropóloga62, mas que cometeu alguns equívocos ao assumir o discurso dos intelectuais
umbandistas , o mesmo valor que a umbanda fundada por Zélio de Moraes.

2.4 Renato Ortiz


Renato José Pinto Ortiz possui graduação em Sociologia pela Universite de Paris VIII,
mestrado em Sociologia e doutorado em Sociologia/Antropologia, ambos pela École des Hautes
Études en Sciences Sociales. Seu orientador no mestrado foi o brilhante pensador francês Edgar
Morin, e no doutorado Roger Bastide, de quem Ortiz foi discípulo. O pesquisador possui sete pós-
doutorados, tendo realizado cinco nos EUA e dois na França. É professor da UNICAMP
(Universidade Estadual de Campinas). Sua produção acadêmica é extensa, tendo publicados mais de
duas dezenas de livros, sobre variadas temáticas, em português e espanhol. Seu livro, que foi aqui
analisado, se tornou bem conhecido no campo das pesquisas sobre religiões afro-brasileiras,
principalmente por ser, antes de tudo, emblemático, a começar pelo título: A morte branca do
feiticeiro negro. Esta obra é uma tradução remanejada de sua tese de doutorado defendida em 1975.
Em Ortiz encontramos o ápice da interpretação da umbanda a partir dos intelectuais
umbandistas. A morte do feiticeiro negro é branca porque a umbanda é resultado [...] de um duplo
movimento: primeiro, o embranquecimento das tradições afro-brasileiras; segundo, o
empretecimento de certas práticas espíritas e kardecistas (1999, p. 33), mas os umbandistas, na
busca por legitimidade social, possuem expressivamente e isso ele diz reproduzindo Roger
Bastide é uma vontade de embranquecimento (Idem, p. 166). O autor afirma ter realizado
trabalho de campo no Brasil durante aproximadamente um ano (Ibidem, p. 11), contudo, ao ler sua
obra, a sensação imediata é de que não houve espaço para etnografia, e sua pesquisa se restringiu,
quase que totalmente, aos escritos doutrinários. Porém é necessário reconhecer o alto nível teórico
de seu trabalho, assim como reconhecer que se trata de uma obra também pioneira, haja vista que
quando escreveu a tese ele não poderia ter entrado em contato com a obra de Concone (que só
publicou no fim da década de 1980), nem de Brown, que havia acabado de defender sua tese. Ele
chega a citar um artigo da antropóloga americana datado de 1976, que ele inclui quando publicou a
primeira edição do livro em língua portuguesa no ano de 1978.
Ortiz está influenciado por Bastide (seu orientador, não esqueçamos); o francês é sua
referência principal em todo o decorrer do livro.63 O discípulo reproduz os escritos de seu mestre.

62
Reconheço a competência de Brown enquanto antropóloga, todavia é importante assinalar que ela utiliza, mesmo que
brevemente (1985, p. 12), o termo aculturado, sem aspas, na metade da década de 1980 (data de publicação do livro),
quando o conceito já estava considerado ultrapassado pela grande maioria dos antropólogos brasileiros.
63
Ortiz também cita os pesquisadores clássicos (inclusive Nina Rodrigues) como referência, sem quaisquer ressalvas
críticas.

59
Por exemplo: a macumba é a desagregação da memória coletiva negra64 (1999, p. 29); o candomblé
representa o movimento de resistência perante a desagregação da memória coletiva negra (Idem, p.
47); Salvador e Recife são os locais onde há sobrevivências dos cultos africanos (Ibidem, p. 26). Se
para Bastide a umbanda está a pique de fazer-se (1971, p. 440), para Ortiz a umbanda é uma
religião que se encontra ainda não cristalizada65 (1999, p. 184). Quando fala em embranquecimento,
o autor afirma estar se referindo ao sentido utilizado por seu orientador em As religiões africanas no
Brasil: [...] para subir individualmente na estrutura social, o negro não tem alternativa, ele precisa
aceitar os valores impostos pelo mundo branco; ele vai pois recusar tudo aquilo que tem uma forte
conotação negra, isto é, afro-brasileira. (1999, p. 33).
A partir de um ramo da macumba, prática negra e ilegítima, assiste-se à emergência e ao
reconhecimento social de uma nova religião que se desenvolve hoje através de toda nação
brasileira. (ORTIZ, 1999, p. 15). Não nos encontramos mais na presença de um sincretismo afro-
brasileiro, mas diante de uma síntese brasileira, de uma religião endógena. (Idem, p. 17). Não
estamos, pois, mais em presença de um culto afro-brasileiro, mas diante de uma religião brasileira
que traz em suas veias o sangue negro do escravo que se tornou proletário. (Ibidem, p. 33). A
umbanda teria nascido nos anos 1930, fruto de transformações sociais por qual passava o país. E,
diferentemente de Brown, Ortiz não reconhece a origem da umbanda na figura de Zélio de
Moraes66:
A Umbanda não é uma religião do tipo messiânico, que tem uma origem
bem determinada na pessoa do messias, pelo contrário, ela é fruto das
mudanças sociais que se efetuam numa direção determinada. Ela exprime
assim, através de seu universo religioso, esse movimento de consolidação de
uma sociedade urbano-industrial. (1999, p. 32)

O autor afirma (1999, p. 48) que, no início, não havia uma vontade deliberada de se formar
uma nova religião. Os processos de embranquecimento e empretecimento resultam das próprias
transformações sociais. É somente após o aparecimento de práticas mais ou menos semelhantes,
mas tendo o mesmo sentido ideológico, que a religião se preocupa em se organizar. (Idem,
ibidem). [...] apesar da existência de contradições doutrinárias e organizacionais, a Umbanda se

64
Ele também retoma aquela conceituação feita por Arthur Ramos e afirma que a macumba é gegê-nagô-muçulmi-
banto-cabocla-espírita-católica (1999, p. 116).
65
Existe alguma religião, ou qualquer outra manifestação cultural, que se encontra cristalizada? A tendência
contemporânea entre os pesquisadores é afirmar a intrínseca dinamicidade das manifestações culturais (BHABHA,
1998; CANCLINI, 2006).
66
No único momento de seu texto que Ortiz menciona o centro de Zélio, escreve: Um outro centro espírita, a Tenda
Espírita Nossa Senhora da Piedade, fundada em 1908 em São Gonçalo, Estado do Rio, e que também praticava o
kardecismo, em torno de 1930, volta-se para a Umbanda. (1999, p. 42). Nota-se que a data de fundação do centro
identificada pelo pesquisador é a mesma presente no mito fundador, isto porque as informações colhidas por ele sobre
este centro foram retiradas da obra doutrinária de Cavalcanti Bandeira (Idem, ibidem).

60
consolida como uma realidade; sua meta atual é a de ser reconhecida plenamente pelo Estado e pela
sociedade brasileira. (Ibidem, p. 45). Para se lançar no mercado religioso (no sentido colocado
por Peter Berger67), a umbanda necessita se homogeneizar; essa tentativa de padronização está
presente desde a origem, [...] domina as preocupações dos participantes do congresso de 1941,
permanecendo ainda hoje um ideal a ser atingido. 68
(Ibidem, p. 183). O mesmo equívoco presente
nos autores anteriormente analisados, e que se encontrará nos autores adiante analisados: Ortiz
interpreta a umbanda uma religião intrinsecamente diversa, de amplo contexto de formação a
partir daquela presente nos livros doutrinários, que Brown denominou de Pura , e que eu preferiria
designar como linha branca.
Para compreender a religião umbandista, Ortiz se utilizou dos conceitos que caracterizam o
fenômeno da aculturação: reinterpretação, adaptação, fusão. No entanto, ele ressalta que a escola
culturalista perde credibilidade por considerar a cultura como uma entidade autônoma; aparece
como fundamental o conceito de situação colonial , de Georges Balandier, para situar os grupos
culturais dentro de uma perspectiva histórico-social delimitada (1999, p. 12-15; 113-114). A
umbanda, se situando a meio caminho entre os cultos afro-brasileiros e o espiritismo (Idem, p. 77),
seria resultado de um processo de fusão: A Umbanda se distancia assim tanto do kardecismo
quanto das tradições afro-brasileiras, atestando a formação de um sistema religioso inteiramente
novo. (Ibidem, 113). Para se pensar o exu, uma divindade africana que se tornou o espírito
diabólico das umbandas e macumbas, Ortiz se utiliza do conceito de reinterpretação, invocando,
entre outros, Melville Herskovits e Roger Bastide (Ibidem, p. 125-129).
Como em Bastide, Ortiz também discorre sobre a divisão dicotômica entre umbanda e
quimbanda. Dentro do universo religioso dos umbandistas, a umbanda se torna a prática do bem, e a
quimbanda a prática do mal (1999, p. 87). Os exus se tornariam divindades ambivalentes que
realizam tanto o bem quanto o mal, e esta ambivalência lhes conferem o poder de interligar os dois
compartimentos religiosos69 (Idem, p. 138). O autor relaciona a quimbanda à macumba:
[...] a divisão magia branca/magia negra não tem nenhum caráter científico,
pelo contrário, ela é toda ideológica, e reflete os valores de uma determinada
moral que quer se diferenciar de outra a qualquer preço. Na realidade não
existe nenhum terreiro especializado exclusivamente no ramo maléfico da
magia negra, o que existe são certas tendas que, realizando trabalhos de
caridade, desenvolvem ao mesmo tempo atividades conotadas como

67
Este conceito está em Berger (1985), obra publicada no Brasil, no entanto, quando da confecção de seu trabalho,
Ortiz se utilizou de outra edição, em francês, publicada em 1971.
68
É preciso deixar claro que o autor faz uma ressalva, apoiando-se numa premissa marxista: A realidade é porém bem
mais complexa, e o processo de racionalização se desenvolve num ritmo desigual segundo a diferença de classe.
(ORTIZ, 1999, p. 183). Contudo, ele afirma que [...] a codificação e unificação religiosa permanece um ideal constante
para as diferentes tendências. (Idem, p. 184).
69
Como veremos mais detalhadamente adiante, os exus foram divididos em batizados (aqueles que trabalham na
umbanda) e os pagãos (aqueles que trabalham na quimbanda).

61
demoníacas. [...] na verdade a Quimbanda não tem uma existência concreta,
ela é uma realidade simbólica criada pelo universo religioso. As categorias
umbandistas são frutos de um pensamento ideológico; por isso devemos
tentar compreender a macumba fora do contexto moral que opõe bem e mal.
[...] A principal diferença que se estabelece entre Umbanda e macumba é a
ruptura entre a submissão dos exus às entidades de luz. Se, na Umbanda, Exu
trabalha sob as ordens dos caboclos e pretos-velhos, na macumba, ele é o
dono de sua cabeça, não devendo obediência a ninguém. [...] Nenhum
macumbeiro tomou como projeto sistematizar num conjunto coerente as
práticas que ele realiza; são sempre os escritores umbandistas que falam da
Quimbanda em termos de unidade que se opõe à Umbanda. [...] A
Quimbanda nada mais é do que a macumba vista através do olho
moralizador dos umbandistas e integrada numa teoria mais geral da
evolução. (Ibidem, p. 145-146).

Há de se admitir que Ortiz apontou algumas conclusões interessantes neste trecho: a divisão
entre bem e mal é puramente ideológica; de uma forma geral nenhum terreiro se denomina como
especializado em quimbanda, ela existe em paralelo com a umbanda; a quimbanda é uma realidade
simbólica criada pelos umbandistas, servindo, quase sempre, como uma categoria de acusação; e
principalmente: a quimbanda nada mais é que a própria macumba70. Também podemos afirmar que,
na umbanda linha branca, os exus estão submetidos aos caboclos e pretos-velhos, enquanto que na
umbanda-macumba, os exus desfrutam de uma maior liberdade de ação. Contudo, havemos de
convir que o pesquisador, mesmo que sutilmente, aprecia a umbanda em detrimento da macumba.
Trabalhando novamente com o método indiciário de Ginzburg (1990), creio que Ortiz subestimou a
capacidade dos macumbeiros quando afirmou que nenhum deles tomou como projeto sistematizar
seu próprio culto. Podemos observar também que, quando se refere à macumba, ele utiliza letra
minúscula. Para ele, [...] enquanto a Umbanda significa a integração na sociedade brasileira, a
macumba denota a marginalidade no seio desta mesma sociedade. Não é por acaso que ela floresce,
sobretudo no Rio de Janeiro, junto às favelas cariocas. (1999, p. 147). [...] a Umbanda, através da
teoria da evolução, caminha para a integração social, enquanto a macumba, relegada à loucura dos
Exus-Pagãos, se conforma a uma posição marginal dentro da sociedade. (Idem, p. 148-149). O
mesmo olhar pejorativo em relação à macumba, presente desde os pesquisadores clássicos, se
mantém, e mais: se perpetua.
Outro aspecto suscetível de crítica diz respeito à discussão que Ortiz engendra sobre o papel
do livro e da escrita, comparando a umbanda ao candomblé. Para ele, o candomblé seria
incompatível com a linguagem escrita (Ibidem, p. 177):
O mundo dos candomblés é um universo de mitos, gestos e ritos que se
transmitem através da vivência, de geração em geração. A introdução da
linguagem escrita torna-se assim incompatível com seus princípios

70
No próximo capítulo demonstrarei a relação presente entre quimbanda e macumba.

62
religiosos, pois o universo afro-brasileiro se fundamenta sobre o reforço e a
transmissão do axé.

Esta premissa não cabe, pois como demonstrou Vagner Silva, os adeptos do candomblé leem
textos etnográficos/acadêmicos em especial Bastide (1978), Verger (1981) e Santos (2001)
(SILVA, 1995, p. 250-261), assim como registram anotações nos seus cadernos de fundamentos
(Idem, p. 247-249). A afirmação de Ortiz se compõe como uma generalização carente de um efetivo
trabalho de campo. Mas ao se referir à umbanda, o autor sustenta que
[...] um novo tipo de saber, que se fundamenta na palavra escrita, se instaura.
[...] A simples leitura de um livro pode muitas vezes levar à resolução dos
problemas de doença, de desemprego, de infelicidade; basta seguir
corretamente as receitas mágicas fornecidas. [...] o pai-de-santo não é um
simples sacerdote, ele se transforma em escritor. (1999, p. 179)

Só através da leitura dos livros doutrinários a padronização triunfaria:


[...] o livro age como fator de padronização, ele difunde ideias e preceitos
que, sem a linguagem escrita, se confinaria ao círculo estreito de certos
intelectuais religiosos. Os dirigentes insistem portanto que os fiéis leiam,
pois só desta forma o movimento de codificação poderá obter êxito. É claro
que existe uma assimetria da leitura segundo as classes sociais, sendo a
cultura livresca mais difundida nos terreiros mais ocidentalizados. Por outro
lado, não é menos verdade que existe um problema de aceitação do livro
umbandista pelas camadas mais pobres; isto se deve sobretudo a dois fatores:
ao fato de que muitos adeptos são ainda semialfabetizados, e à existência de
uma certa resistência ao saber livresco que se opõe ao saber ditado
diretamente pela boca do espírito. (Idem, p. 175-176)

Ortiz parece acreditar, em consonância com os intelectuais umbandistas, na padronização de

63
discriminado na sociedade, buscavam se desvincular da macumba mantendo-se como um segmento
espírita (1985a, p. 89).
A pesquisadora notavelmente se atenta para o fato de que, enquanto a intelectualidade
dominante (os pesquisadores clássicos aqui analisados no primeiro capítulo) consideravam como
dignos os cultos afro que se conservaram puros e alheios à influência da cultura branca, para os
intelectuais umbandistas era exatamente o contrário: quanto mais se embranquecesse os cultos
mais legítima se tornaria a religião (Idem, p. 87).
O espiritismo, neste contexto, adquire um valor simétrico inverso ao papel
que desempenhava como critério discriminador dos cultos africanos a
presença de elementos espíritas contaminava os cultos africanos,
para a elite intelectual dominante, ao passo que limpava para os
intelectuais umbandistas e regenerava a herança africana tão
duramente atacada. (Ibidem, p. 89).

A citação acima se faz demasiado pertinente: enquanto que para os pesquisadores


clássicos o espiritismo deturpava a pureza dos cultos africanos, para os criadores da umbanda
Pura ou linha branca o espiritismo depurava a macumba (tida como antro da feitiçaria ).
Digamos que Birman oscila entre interessantes insights e alguns pequenos equívocos, que no caso
dela, a influência veio de Brown e não de Bastide. Por exemplo, após transcrever um trecho contido
numa obra do intelectual umbandista Alves de Oliveira, cujo conteúdo era condizente com a
umbanda linha branca, a autora afirma (Ibidem, p. 90):
A tentativa de criar um espaço religioso que pudesse ser discriminado da
macumba, levou estes primeiros umbandistas a promover através da
Federação um modelo de Umbanda tal qual o mencionado no exemplo
acima. Nesta federação havia uma prática normativa que tentava conter nos
limites considerados aceitáveis a presença dos espíritos primitivos . A
forma mais eficaz de fazê-lo foi só reconhecer como umbanda os centros que
da mesma maneira distinguiam os sinais de um comportamento condizente à
condição cristã e espírita da umbanda.

Ao afirmar primeiros umbandistas , ela deixa a entender que Zélio e seus companheiros
são os criadores da umbanda. Mas nesta mesma citação também já fica subentendido que existiam
outras umbandas , por isso mesmo a Federação agia de forma a reconhecer como umbanda
somente aquelas próximas do seu ideal kardecista. A umbanda já se formou dentro da diversidade;
Zélio e seus companheiros criaram apenas uma modalidade e não a umbanda em sua totalidade.
Esta é a crítica que julgo pertinente a todos os pesquisadores analisados neste capítulo. Mas, mesmo
que Birman se contradiga em alguns momentos, no geral ela reconhece alguns aspectos essenciais,
como a diversidade/multiplicidade.

65
A multiplicidade é intrínseca à umbanda e por isso [...] retira das federações a possibilidade
de exercerem qualquer autoridade sobre seus filiados que a qualquer momento podem trocar de
federação. (Ibidem, p. 96). A solução encontrada pelos dirigentes umbandistas, segundo a autora, é
cultivar uma certa tolerância a respeito da definição do que é umbanda. A elasticidade do termo
umbanda passou a ser parte necessária à sobrevivência das federações. (Ibidem, p. 97). Houve o
momento em que todas as formas de umbanda, inclusive a macumba, passaram a serem aceitas
pelas federações sob o título de umbanda. A própria Birman afirma (1985b, p. 90) que é muito
comum terreiros praticarem umbanda e candomblé ao mesmo tempo; a umbanda mais praticada,
que se dissemina sem controle , é esta misturada, que não dá importância alguma à pureza, seja
moral ou ritual. E enquanto as camadas médias geralmente veem o múltiplo como defeito, as
camadas populares não consideram a multiplicidade como depreciativa (Idem, p. 86). Concordo,
pela minha experiência etnográfica (visitação em mais de uma dezena de terreiros na cidade de
Campo Grande-MS), que a umbanda mais praticada é aquela misturada, longe do ideal da linha
branca; mas não posso concordar com esta divisão social, haja vista que muitos terreiros de
candomblé, assim como de macumba, são frequentados por integrantes das classes médias e até
alta.

2.6 José Magnani


José Guilherme Cantor Magnani possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Paraná, mestrado em Sociologia pela Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales
(Chile), e doutorado e livre-docência em Antropologia pela Universidade de São Paulo. Leciona na
USP desde 1983 e é coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana desta universidade. É um
importante pesquisador na área antropológica, se destacando em várias temáticas que se encaixam
na Antropologia Urbana. É autor e co-organizador de alguns livros, assim como de uma série de
artigos. Sua obra aqui analisada (MAGNANI, 1991) acabou por se tornar a leitura inicial de muitos
estudantes que se propõem a pesquisar a umbanda.
Já no inicio do texto, Magnani afirma sua postura antropológica: O antropólogo [...] não
julga, mas descreve e analisa; não procura anular as diferenças ou reduzi-las a uma origem comum,
mas busca entendê-las, estabelecendo relações. (1991, p. 10). E adiante sustenta, advogando a
favor da umbanda e demarcando sua distância aos pesquisadores clássicos, assim como dos
intelectuais umbandistas:
A umbanda certamente não é uma espécie de degeneração de antigos cultos
africanos ou do espiritismo kardecista. É, sim, o resultado de um processo de
reelaboração, em determinada conjuntura histórica [...], de ritos, mitos e

66
símbolos que, no interior de uma nova estrutura, adquirem novos
significados. (Idem, p. 13)

Mas a distância aos pesquisadores clássicos não é tão extensa. O autor cita Bastide em
alguns momentos (MAGNANI, p. 14; 22; 32; 39; 55), reproduz questões colocados por este autor
sem citá-lo (Idem, p. 15), assim como perpetua o nagocentrismo, quando afirma que os sudaneses
preservaram sua complexa mitologia, enquanto que as nações bantos, ao contrário, foram mais
permeáveis ao influxo de outros cultos (Ibidem, p. 17). A exaltação dos nagôs está explícita e não
implícita: Os nagôs (queto e ijexá) foram, entre outros, os que mais bem conservaram sua próprias
religiões, chegando até a impor deuses e práticas a outras nações. (Ibidem, p. 16). Arthur Ramos
também é citado por ele: a nação banto seria a cabula, que se misturou com vários outros cultos e
deu origem à macumba, descrita como o sincretismo jeje, nagô, muçulmano, banto, caboclo,
espírita e católico (Ibidem, p. 21). E o que seria a macumba para Magnani?
A primitiva macumba, [...] menos do que um culto organizado era um
agregado fluido de elementos do candomblé, cabula, tradições indígenas,
catolicismo popular, espiritismo, práticas mágicas, sem o suporte de uma
mitologia ou doutrina capaz de integrar seus vários pedaços. (Ibidem, p. 22)

O tom pejorativo, presente nos primeiros pesquisadores, persiste: primitiva, não era um culto
organizado mas sim um agregado fluido de vários cultos, sem suporte ou doutrina... Magnani
também não enxergou a macumba enquanto uma tradição religiosa equiparável ao candomblé, e tão
diversa quanto este. E é da macumba que
[...] surgirá a umbanda, na década de 1920, no Rio de Janeiro. Elementos de
classe média (profissionais liberais, militares, funcionários públicos)
egressos do espiritismo kardecista, voltam-se para esses cultos, apropriando-
se de seus ritos, impondo-lhes uma nova estrutura e juntando-os no interior
de um novo discurso. Dão início, enfim, a seu processo de
institucionalização. (Ibidem, p. 22-23).

A mesma premissa o surgimento da umbanda nas primeiras décadas do século XX no Rio


de Janeiro , perpassa pelos pesquisadores e se perpetua. Adiante o autor escreve que o candomblé
é um [...] verdadeiro estaqueamento de valores africanos no Brasil , segundo as palavras de
Bastide [...] (Ibidem, p. 39), enquanto a umbanda surge e desenvolve em centros urbanos e
industrializados, não podendo mais se exigir dos adeptos [...] os longos períodos de iniciação, a
observância de tabus e prescrições alimentares, a frequência cotidiana aos locais de culto. Este
deixa de ser o núcleo de uma comunidade e passa a funcionar em determinados dias e períodos
[...]. (Idem, ibidem). Esta abordagem se inicia com Bastide, perpassa por Ortiz, e é repetida por
Magnani. A umbanda seria

67
[...] resultado de um duplo movimento: de um lado, apropria-se de elementos
já existentes no seio de cultos, ritos e valores religiosos populares que
constituíam a macumba e o baixo-espiritismo, bem como o candomblé; e
outro, submete-os a um processo de depuração, reinterpretando-os dentro da
lógica do kardecismo. [...] A umbanda é, portanto, um novo culto, que se
diferencia de suas matrizes originais. (Ibidem, p. 29).

O autor não assinala, mas está reproduzindo Renato Ortiz, que foi uma das suas referências
principais ao escrever este livro. Já questões pertinentes como o caráter múltiplo e diverso da
umbanda e as dificuldades da institucionalização é reafirmada por ele: Nos terreiros de umbanda,
especialmente nos menos institucionalizados, os símbolos estão em contínua interação com o
cotiadiano dos adeptos, o que dificulta as tentativas de uniformização e codificação rígidas.
(Ibidem, p. 32). A umbanda seria então, uma espécie de bricolagem, no sentido proposto por Claude
Lévi-Strauss (1989), e apesar do esforço sistematizador dos teóricos e dirigentes que tentaram
depurar a influência africana todas as matrizes culturais que formaram a umbanda continuam
presentes (MAGNANI, 1991, p. 42).
Não se poderia falar em síntese umbandista, tanto doutrinária quanto ritual, pois há vários
arranjos; muitas são as umbandas: [...] não há uma umbanda oficial , com relação à qual as
mudanças constituiriam deturpações; na realidade, cada terreiro dispõe e combina, à sua maneira,
elementos de uma rica e variada tradição religiosa [...] . (Idem, p. 43). Se foi possível realizar
críticas a este autor, também é possível tecer elogios: concordo plenamente com Magnani no
sentido acima delineado.
Para finalizar, e a polêmica quimbanda?
A quimbanda é o que restou da antiga macumba, depois da depuração
umbandista. Nela se realizam os trabalhos mais pesados, que utilizam
cabelos, unhas e ossos humanos, vísceras de animais, terra de cemitério etc.
São poucos os terreiros que se dedicam exclusivamente a esses ritos; em
geral coexistem com as práticas umbandistas, classificadas na direita, nos
terreiros mais populares. (Ibidem, p. 35).

Parece que Magnani segue o discurso êmico nesta afirmação. Quais são as fontes que
atestam o uso de ossos humanos nos rituais de quimbanda? Será que, neste trecho, o autor não está
reproduzindo o que diz a literatura doutrinária?

2.7 Lísias Negrão


Lísias Nogueira Negrão possui graduação e especialização em Ciências Sociais, doutorado
em Sociologia, e livre-docência em Sociologia-Antropologia, todos pela Universidade de São
Paulo. Leciona na USP desde 1970. É um destacado pesquisador sobre o campo religioso brasileiro,

68
em especial as temáticas do catolicismo popular e as religiões afro-brasileiras. Seus textos aqui
analisados são sua tese de livre-docência, defendida em 1993, publicada em forma de livro
(NEGRÃO, 1996), e um artigo derivado da mesma (Idem, 1994). Seu livro se constitui em uma
obra de grande porte, da qual compartilho de muitos pressupostos nela contidos. No entanto, alguns
aspectos, centrais nos estudos sobre a umbanda, presentes nos escritos dos pesquisadores anteriores,
continuam presentes no trabalho de Negrão.
O autor se relaciona de forma ambígua com seus predecessores na Sociologia em São Paulo
(Roger Bastide, Cândido Procópio Camargo, Renato Ortiz). Ao mesmo tempo em que estes são
suas referências, ele também apresenta acentuadas críticas, por exemplo neste trecho, em que se
refere ao trabalhos dos três:
Partindo das características mais gerais, expressas pelo movimento
federativo em sua busca de legitimação, deixaram em segundo plano a
Umbanda vivida na realidade cotidiana dos terreiros, mais próxima da vida
real das populações periféricas antes preocupadas com seus problemas
imediatos do que com o bom nome público ou a respeitabilidade do culto.
No presente estudo propomo-nos a levar em consideração ambas as formas
da Umbanda, a das federações e a dos terreiros, em suas especificidades,
convergências e oposições, compondo um quadro mais amplo e mais
atualizado do que o realizado até então. (1996, p. 25-26)

Em diversos momentos de seu texto ele afirma ter ultrapassado a perspectiva de seus
predecessores. Roger Bastide estava equivocado em alguns pontos pois [...] o caráter
paradigmático atribuído por ele ao Candomblé fechou-lhe os olhos para nela [macumba] ver mais
do que simples magia corrompida e afim à marginalidade [...]. (NEGR O, 1996, p. 28, grifo meu).
Ele se atentou para o nagocentrismo presente em Roger Bastide, adotando uma postura crítica neste
quesito. Mas, contraditoriamente, em certo momento de sua obra, escreve sobre [...] a
predominância dos Candomblés de Angola em São Paulo, mais complacentes em relação à
Umbanda, e a pequena incidência de Candomblés Queto, mais tradicionalistas. (1996, p. 315). O
candomblé da nação queto (nagô) seria mais tradicional que a nação angola? Perpetuado o
nagocentrismo, alguns poucos resquícios podem ser encontrados em seu trabalho.72

72
Conforme argumenta Previtalli (2010), a tendência atual da nação angola é um sincretismo na contramão; eu mesmo
já ouvi de uma filha-de-santo de candomblé queto que esta modalidade é mais adaptável à vida urbana do que a angola.
Portanto se o quesito para se medir o grau de tradicionalismo é a proximidade com a cultura cristã, a opinião de
Negrão não seria válida. De toda forma, qualquer categorização entre mais e menos tradicional perpassa,
necessariamente, por julgamento de valor, escapando assim, da perspectiva científica.

69
Em relação a Cândido Camargo, Negrão argumenta que a teoria do continuum é o grande
mérito daquele, mas teria que ter alguns aspectos redefinidos.73 Já sobre Renato Ortiz, o autor tece
intensos elogios seguidos de críticas pertinentes:
De todos os estudos sociológicos que focalizaram exclusivamente a
Umbanda, A Morte Branca do Feiticeiro Negro, de Renato Ortiz, é, sem
dúvida, o mais abrangente e relevante. Com sólida base empírica e segura
orientação teórica, aprofunda as análises de seu mestre Roger Bastide, de
cujas ideias da superioridade religiosa do Candomblé não partilha, mas de
quem herdou a preocupação quase exclusiva com o discurso dos intelectuais
e líderes da Umbanda como legítimo representante de seu universo mítico e
ideológico. De fato, toda sua análise dos mitos e ritos da religião, bem como
a de sua legitimação e integração crescentes foram fundadas nas concepções
de Matta e Silva, Cavalcanti Bandeira, Oliveira Magno, Lourenço Braga,
Aluísio Fontenelle, entre outros conhecidos autores umbandistas. São
análises perspicazes e instigantes mas que não podem ser, acreditamos,
extrapoladas para o conjunto da Umbanda, construídas que foram sobre
sistematizações e racionalizações na maioria das vezes marcadamente
pessoais e que não atingem senão um pequeno grupo de letrados. Conforme
demonstraremos, o cotidiano da Umbanda nada ou muito pouco tem a ver
com elas. [...] Cremos que Ortiz, ao tentar superar as insuficiências do
culturalismo e afirmar a precedência do social, resvalou para um
estruturalismo reducionista do fenômeno estudado. (1996, p. 29-30)

Negrão afirma ter realizado vasto trabalho de campo74, e seu avanço em relação aos
predecessores encontra-se justamente no fato de que ele observou o cotidiano dos terreiros .
Nosso estudo, tendo-se baseado não apenas no discurso e na vivência das federações e seus líderes,
mas também na dos pais-de-santo e no cotidiano dos terreiros, forma um quadro bem mais
complexo do que o esboçado por Ortiz. (Idem, p. 32). Talvez por serem colegas do campo da
Sociologia em São Paulo (um da USP, outro da UNICAMP), contemporâneos, foi necessário ceder
elogios, mas Negrão dedica boas páginas de sua extensa introdução engendrando críticas a Ortiz.
Quanto ao suporte teórico, a influência é a mesma em ambos os pesquisadores: Émile Durkheim,
Max Weber, Georges Gurvitch, Pierre Bourdieu.
A crença de que a umbanda surgiu nas primeiras décadas do século XX também foi
reproduzida e perpetuada por Negrão: A padronização inicial de seus ritos e seus prenúncios de

73
Como veremos no próximo capítulo, Negrão é um dos que repensam a teoria do continuum indo além da
esquematização proposta por Camargo.
74
Levantamos dados tanto objetivos quanto opinativos, trabalhados também quantitativa, mas sobretudo
qualitativamente, por meio de entrevistas com líderes de federações e pais-de-santo. Entrevistamos dez daqueles, alguns
deles por duas, três e até mesmo quatro vezes subsequentes, em anos diversos. Realizamos aproximadamente 130
entrevistas com estes últimos, 87 deles de forma mais homogênea, isto é, obedecendo a um roteiro, em data mais
recente (1991), que serviram de base para a análise dos terreiros realizada neste trabalho. Todas elas gravadas e
transcritas, compondo um volume de mais de 3000 páginas. Ainda foram observadas ao menos uma sessão as
chamadas giras em 32 terreiros visitados, registradas em caderno de campo. Seis terreiros, escolhidos em função de
suas características julgadas típicas de casos que nos interessavam, foram acompanhados em todas as suas atividades ao
longo do segundo semestre de 1991. (NEGR O, 1996, p. 17-18).

70
institucionalização datam da década de 20, quando kardecistas de classe média, atraídos pelos
espíritos de caboclos e pretos-velhos que se incorporavam nos terreiros de macumba do Rio de
Janeiro, neles adentraram e assumiram sua liderança. (1994, p. 113). Em seu livro, ele denomina
os criadores da umbanda de agentes de ideologização do mítico, e prefere destacar a década de 30
para o início da religião (1996, p. 146). Cita o Primeiro Congresso Nacional de Umbanda75 e
sustenta (Idem, p. 147):
[...] naquele momento mais remoto, em que a Umbanda carecia
completamente de legitimação, reprimida pelos aparelhos judiciário e
policial do Estado, a necessidade de traição à sua herança negra era
imperativa. Criaram os intelectuais umbandistas da época uma Umbanda
branca ou pura [...].

As mesmas questões presentes nos pesquisadores analisados neste capítulo encontram-se no


trabalho de Negrão: a depuração consistiu em fugir das práticas da macumba identificadas com a
magia-negra (1996, p. 149); a primeira tenda de umbanda do Brasil seria a de Zélio de Moraes
(Idem, p. 155), ou este seria o suposto fundador da umbanda76 (Ibidem, p. 162); algumas federações
assumiram o papel de fiscalizadores, assemelhando-se à atividade policial (Ibidem, p. 159). A
origem kardecista da umbanda é por ele reafirmada; tal influência se teria feito não somente através
do movimento federativo, haja vista que muitos pais-de-santo, isolados das federações e sem ser por
elas atingidos, tiveram sua formação espírita inicial nas mesas brancas (Ibidem, p. 309). O autor
realiza uma longa análise de periódicos, desde a gestação da umbanda até a contemporaneidade, e
alega a dicotomia encontrada, nas primeiras décadas do século XX, entre o alto e baixo espiritismo
(leia-se kardecismo e macumba/umbanda, respectivamente):
Tínhamos, portanto, de um lado uma religião-ciência , o alto e verdadeiro
Espiritismo. De outro, a magia-superstição do baixo e falso
Espiritismo. Um reunindo adeptos bem de fortuna e instruídos,
outro adotado por pobres e ignorantes. Um legítimo e protegido pelo
Estado, outro ilegítimo e que era, ou deveria ser, por ele reprimido.
Um que congregava brancos cultivados da mais alta sociedade ,
outro dirigido por pretos boçais e mulatos pernósticos
exploradores de uma plebe multirracial sem qualificação. (Ibidem, p.
59)

Os terreiros de umbanda, segundo Negrão, teriam se travestidos de centros espíritas, por ser
conveniente perante as circunstâncias do momento (décadas de 1920, 30 e 40):

75
Curiosamente, ele não utiliza o verdadeiro nome do evento, que foi Primeiro Congresso Brasileiro de Espiritismo de
Umbanda.
76
Negrão dedica pouca atenção ao papel de Zélio de Moraes, sendo raros os momentos em que este é citado.

71
[...] àquela época as chamadas macumbas só poderiam registrar-se nas
delegacias de polícia, o que lhes era contraproducente, por torna-los ainda
mais vulneráveis. O que em realidade ocorreu é que tais terreiros de
Umbanda, cuja identidade pudemos perceber somente por meio de detidos
exames em seus estatutos e atas de fundação, travestiram-se de espíritas para
obterem os registros em cartório que lhes asseguraria o caráter de
organização religiosa legalizada. (Ibidem, p. 74)

Ora, e a macumba nisso tudo? Interessante notar que Negrão não decreta definitivamente sua
extinção, no entanto, reserva um lugar mínimo pra ela na sua obra. Num certo momento ele fala em
[...] antiga Macumba, atualmente referida como Quimbanda [...] (Ibidem, p. 29); depois ele se
refere à macumba novamente quando vai descrever os exus. E aqui ele deixa entender que a
macumba ainda existe, mas agora sob a nomenclatura de quimbanda: terreiros onde os exus
realizam práticas maléficas, onde não são doutrinados, bebem, fumam, rosnam, comem caco de
vidro, etc, é onde a macumba sobrevive. Mas esta parece não ser muito importante para o
pesquisador, pois num livro de 374 páginas, este termo (macumba) aparece em alguns poucos
momentos específicos, visto que seu objeto é a umbanda. Mas umbanda não é macumba? Creio que
sim, pelo menos algumas modalidades de umbanda.
Um grande mérito do trabalho de Negrão está ligado ao fato de que se constitui como uma
pesquisa histórica, antropológica e sociológica. Esta interdisciplinaridade fez com que este livro
seja uma obra complexa, apesar de que equívocos perpetuados entre os pesquisadores acabaram
sendo também reproduzidos por ele. Para finalizar, considero importante pontuar o que o autor
considerou acerca do livro na religião umbandista. Concordo com o autor quando diz que são
poucos os terreiros em que livros exercem alguma importância ou influência no culto (Ibidem, p.
327). Alguns terreiros compartilham da literatura kardecista, ou da umbandista propriamente dito,
mas no geral as sistematizações e racionalizações se limitam às obras do intelectuais umbandistas,
que são lidas somente por alguns poucos pais-de-santo, geralmente ligados às federações (Ibidem,
p. 332).

2.8 Zélio de Moraes e o mito fundador umbandista


Eis uma resumida e padronizada versão do mito fundador umbandista, encontrada de forma
semelhante em diversas obras de autores umbandistas e páginas da internet:
Zélio Fernandino de Moraes nasceu em 1891, no município de São Gonçalo,
Rio de janeiro. Aos 17 anos, quando se preparava para ingressar nas Forças
Armadas, começou a falar de uma forma estranha, em tom manso e sotaque
diferente, semelhante a um senhor de bastante idade. A família desconfiou
que era algum tipo de distúrbio mental, e o encaminhou a um tio psiquiatra.
No entanto, não foi encontrado os sintomas de Zélio em nenhuma literatura
médica, até que seu tio sugeriu à família que o encaminhasse a um padre,

72
para que fosse feito um ritual de exorcismo. Procuraram, então, um padre da
família, que após fazer o tal ritual de exorcismo não conseguiu nenhum
resultado. De repente, Zélio foi acometido por uma estranha paralisia, a qual
os médicos não conseguiram encontrar a cura. Até que, num ato
surpreendente, ele levantou do leito e afirmou: amanhã estarei curado . Ao
ser levado pela mãe a uma curandeira, Zélio ouviu que tinha o dom da
mediunidade, e que deveria trabalhar pela caridade. Seu pai, apesar de não
freqüentar nenhum centro espírita, era um leitor assíduo das obras de Allan
Kardec e adepto do espiritismo. Foi quando, no dia 15 de novembro de 1908,
por sugestão de um amigo de seu pai, Zélio foi levado à Federação Espírita
de Niterói. Lá chegando, foi convidado a sentar-se na mesa. Logo em
seguida, contrariando as normas do culto realizado, Zélio levantou-se e disse
que ali faltava uma flor. Foi até o jardim, apanhou uma rosa branca e
colocou-a no centro da mesa na qual se realizava o trabalho. Iniciou-se,
então, uma estranha confusão no local, ele e outros médiuns começaram a
apresentar incorporações de caboclos e preto-velhos. Ao ser advertido, a
entidade incorporada no rapaz perguntou por qual motivo as mensagens de
pretos e índios eram repelidas. O médium vidente perguntou por que a
entidade falava como um índio, de cultura claramente atrasada, já que estava
enxergando vestes jesuítas e uma aura de luz. Ele responde: Se julgam
atrasados espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã estarei na casa
deste aparelho, para dar início a um culto em que estes pretos e índios
poderão dar a sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o Plano
espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes,
simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados
e desencarnados. E se querem saber meu nome que seja este: Caboclo das
Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim .
Afirmou também que tinha sido um padre jesuíta em Portugal, por isto o
vidente enxergava as vestes jesuítas, mas na última encarnação este tinha
vivido com um caboclo brasileiro. No outro dia, na casa de Zélio, sob os
olhares de membros da Federação Espírita de Niterói, parentes, amigos, e
uma multidão de curiosos, o Caboclo das Sete Encruzilhadas desceu e
usou as seguintes palavras: Aqui inicia-se um novo culto em que os
espíritos de pretos africanos, que haviam sido escravos e que ao desencarnar
não encontram campo de ação nos remanescentes das seitas negras, já
deturpadas e dirigidas quase que exclusivamente para os trabalhos de
feitiçaria, e os índios nativos da nossa terra, poderão trabalhar em benefício
dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo ou posição
social. A prática da caridade no sentido do amor fraterno, será a
característica principal deste culto, que tem base no Evangelho de Jesus e
como mestre supremo Cristo . A entidade também disse que os participantes
deveriam estar vestidos de branco e o atendimento a todos seria gratuito.
Disse também que estava nascendo uma nova religião e que se chamaria
Umbanda. Neste mesmo dia, Zélio incorporou um preto-velho chamado Pai
Antônio, que em poucas palavras, mostrou sabedoria e humildade. Foi
também Pai Antônio que solicitou os primeiros elementos de trabalho da
religião: o tabaco e uma guia. No outro dia formou verdadeira romaria em
frente a casa da família Moraes. Cegos, paralíticos e médiuns que eram
dados como loucos foram curados. A partir destes fatos redescobriu-se a
Corrente Astral de Umbanda, na atualidade.77

77
Consultei a dissertação de mestrado de José Henrique Motta de Oliveira (2007a) para engendrar essa versão resumida
do mito de origem da umbanda; há várias versões do presente mito, cujos detalhes algumas vezes diferem, mas há uma
estrutura que se mantém em todas.

73
Segundo Mircea Eliade (1972), o mito sempre conta a narrativa de uma criação , de uma
realidade que passou a existir, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais; o mito só é mito se
manter-se vivo, se for se perpetuando e se reproduzindo pelas gerações. Essa estrutura está presente
em todos os mitos, e não é diferente com o mito de origem da umbanda: graças ao Caboclo das Sete
Encruzilhadas (um Ente Sobrenatural), a umbanda passou a existir em território brasileiro; e com o
passar do tempo, este mito vem sendo cada vez mais difundido: já é vasta a literatura umbandista
que o reproduz, assim como é comum terreiros (cuja ritualística se apresenta dentro do que
poderíamos denominar como umbanda linha branca) apresentarem quadros com a foto de Zélio de
Moraes nas paredes, ou mesmo membros afirmarem que praticam a mesma forma de umbanda que
Zélio praticou.78 Mas também é necessário ressaltar que tal mito, assim como as obras umbandistas,
pouco influem na vida da grande maioria dos adeptos.
Já Marilena Chauí afirma que o mito, no sentido antropológico, possui uma narrativa que
[...] é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para
serem resolvidos no nível da realidade. (2000, p. 9). Mas de quais tensões, conflitos e contradições
estamos falando? Ora, a macumba e o candomblé, enquanto tradições religiosas, estão presentes no
cenário religioso desde pelo menos a segunda metade do século XIX. No entanto, como bem
mostrou Schwarcz (1993), no contexto de virada de século, o negro e o mestiço e todas as suas
manifestações culturais eram tidos como inferiores. A macumba era visto como baixo-espiritismo,
como coisa de negros ; a contradição a ser resolvida é justamente esta: os criadores da umbanda
linha branca se apropriaram dos elementos da macumba (em especial dos espíritos de caboclos e
pretos-velhos), mas ao mesmo tempo negaram os atrasados valores africanos. A solução teria sido
transformar a macumba em uma modalidade de espiritismo.
Ao se debruçar sobre o mito fundador da umbanda, em artigo recente, Sá Junior escreve
(2012, p. 12):
O mito analisado está, boa parte do tempo, dialogando com campos externos
ao da Umbanda. Mais do que falar de si, o mito define a Umbanda pelo
outro. Mas do que aquilo que ela é se apresenta como aquilo que ela não é.
E, sobre isso, ele busca dizer que ela não é de origem humilde ou negra, não
é doente, não é demoníaca e não é baixo espiritismo. A invenção do mito da
Umbanda está associado a outra invenção; a da nação brasileira. Para ser
identificado como parte dessa história, os intelectuais umbandistas foram
forjando o seu passado mítico sob a égide do passado brasileiro, que surge
no Império e se fortalece no alvorecer da República. Fazer parte dessa
história é afirmar os valores estruturais do discurso oficial civilização,
progresso, evolução e negar os que ligam a Macumba a um passado
associado às culturas negras, vistas como bárbaras, atrasadas e não

78
O mito angariou tanta importância que [...] foi realizado um grande evento de comemoração pelos 100 anos de
umbanda intitulado 1º Congresso Brasileiro de Umbanda do Século XXI, nos dias 14 a 16 de novembro de 2008 em São
Paulo [...] . (RHODE, 2009, p. 5).

74
evoluídas. Mais do que uma preocupação em explicar a lógica interna da
macumba do século XIX e início do XX, os intelectuais umbandistas se
preocuparam em livrar-se das acusações que lhes eram incutidas no processo
de invenção da alva nação Brasil, ressignificando elementos da Macumba,
se afastando de sua matriz negra. (grifos do autor)

Em sua dissertação de mestrado (SÁ JUNIOR, 2004a), o historiador explana acerca da


construção do que ele denominou de alva nação Brasil: os cientistas brasileiros da virada do século
XIX ao XX, imbuídos de um ideal eugênico, promoveram a valorização do embranquecimento
(racial, social, cultural) da nação. A inspiração teórica foi importada da Europa; o eurocentrismo 79 é
o pilar principal deste processo. Acompanhando os expoentes do cenário intelectual brasileiro, os
intelectuais-sacerdotes umbandistas, a partir das décadas de 1930/40, engendraram a alva nação
umbandista: esta seria a própria depuração da macumba na criação da umbanda. Seguindo as
propostas eugenistas, de embranquecimento racial, caberia aos intelectuais desses grupos
praticantes, adequá-las aos seus propósitos. Era preciso embranquecer a macumba; extrair dela o
que de negro houvesse. Seria preciso inventar a Umbanda. Essa seria adjetivada de branca ou pura.
(SÁ JUNIOR, 2004a, p. 60).
Podemos considerar que o mito de origem da umbanda corresponde a apenas uma das
modalidades deste diversificado culto a linha branca , e não à umbanda em sua totalidade. Mas,
de todo modo, Zélio de Moraes foi um umbandista atuante no campo religioso que estava inserido,
tendo sido, ao que tudo indica, um dos organizadores do Primeiro Congresso Brasileiro de
Espiritismo de Umbanda, de 194180. A vida de um dos criadores da umbanda branca-pura-cristã se
torna o mito de fundação de uma religião muito mais abrangente.
Alguns autores (SÁ JUNIOR, 2012; GIUMBELLI, 2002; OLIVEIRA, 2007b) já salientaram
a respeito das inconsistências históricas presentes no mito. Por exemplo: a data de fundação da
umbanda, que seria 15 ou 16 de novembro de 1908. Nos relatos do mito, Zélio teria tido a
incorporação do Caboclo das Sete Encruzilhadas no dia 15 e teria fundado a umbanda no dia
seguinte (16). Na narração apresentada pelo intelectual-sacerdote Saraceni (2003), ambas as datas
seriam 15 de novembro. Sá Junior se interroga: Teria ocorrido um erro gráfico, uma confusão do
autor ou um ato falho, como nos diria o velho Freud? (2012, p. 6). E adiante explica o simbolismo
do equívoco :
O dia quinze de novembro tem, na história republicana brasileira, uma
importância extremada. É nesse dia que ocorre a proclamação da república
no Brasil. E, a cada ano, essa data é relembrada nas escolas, em cerimônias
produzidas pelo governo e outros tipos de eventos. É, por demais
79
Sobre o conceito de eurocentrismo, ver Quijano (2005).
80
Apesar de que, segundo Giumbelli (2002, p. 192), registros mostram que Zélio não integrou a primeira diretoria da
Federação Espírita de Umbanda, fundada em 1939.

75
significativo, que o mito de fundação da alva nação umbandista, tenha a
mesma data. Isso coloca a fundação da Umbanda associada ao nascimento da
República. Essa associação está contida em obras dos intelectuais
umbandistas. (Idem, p. 11)

De fato, o dia 15 de novembro teria sido escolhido como Dia Nacional da Umbanda durante
o III Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, em 1973 (OLIVEIRA, 2007b, p. 179). Em
entrevista concedida ao intelectual-sacerdote Francisco Rivas Neto, em 1990, a filha de Zélio
Zélia de Moraes Lacerda afirma que o Caboclo das Sete Encruzilhadas desceu em seu pai no dia 8
de novembro, e que o dia 16 de novembro marcaria o Dia da Umbanda, escolhido em assembleia
(RIVAS, 2013). Não há como conferir a precisão da informação prestada pela filha de Zélio, ao
mesmo tempo que fica claro que há um equívoco em sua fala, pois o Dia Nacional da Umbanda é
dia 15 de novembro e não dia 16; de todo modo, a probabilidade maior é que a manifestação do
Caboclo das Sete Encruzilhadas não tenha acontecido nos dias 15 ou 16 de novembro, e que este
detalhe do mito tenha sido inventado tardiamente.81
Concordo com Giumbelli quando afirma que a menção a Zélio como fundador da umbanda é
uma construção tardia:
[...] a maioria das referências é contemporânea ou posterior à morte de Zélio,
que ocorreu em 1975, aos 84 anos de idade; e aponta para um interesse pela
fundação e pela origem de uma religião exatamente quando a
dispersão doutrinária e ritual e a divisão institucional parecem se impor de
modo inexorável. (2002, p. 189)

Somente a partir do fim da década de 1960, graças sobretudo ao intelectual umbandista


Cavalcanti Bandeira que alcançou fama no campo umbandista com um livro que publicou em
1970 , que Zélio teria sido alçado à posição de fundador da umbanda (Idem, p. 195).
Não creio que Zélio tenha fundado a umbanda, nem que esta tenha tido algum fundador.
Como bem ressaltou Giumbelli, ao discorrer sobre a origem da umbanda: [...] não faz muito
sentido procurar por prioridades e fundadores em um processo que em boa medida ocorreu, por
assim dizer, rizomaticamente, sem direção única e sem controle centralizado [...]. (2002, p. 209).
Oliveira propõe uma interpretação diferente para o ostracismo vivido por Zélio de Moraes:
este teria a humildade como a maior virtude; era tímido e modesto, não sendo afeito à fama e
ostentação pública. Ao mesmo tempo, não seria conveniente para a cúpula umbandista exaltar
Zélio como fundador.

81
Oliveira apontou outras inconsistências do mito, por exemplo, o nome do presidente da Federação Espírita presente
no mito não é o mesmo que consta nos registros (2007b, p. 180). Uma outra confusão seria em relação à religião dos
pais de Zélio: Oliveira (2007b, p. 181) afirma que a família de Zélio era tradicionalmente católica, segundo sua própria
filha Zilméia de Moraes Cunha; mas na entrevista cedida a Franscisco Rivas Neto (RIVAS, 2013, p. 126), Zélia de
Moraes Lacerda afirma que seu avô era espírita.

76
Acredito, portanto, que não era interesse da cúpula umbandista fazer grandes
reverências ao médium Zelio de Moraes, pois, como deixa claro Bourdieu,
representaria um risco à legitimidade da própria instituição, uma vez que a
legitimidade religiosa poderia se deslocar da Igreja instituída para o profeta.
Em contrapartida à subordinação de Zélio ao poder da hierarquia
eclesiástica, lhe foram concedidos em vida pequenos reconhecimentos pelos
serviços prestados a Umbanda [...]. A partir do momento que a direção da
Piedade é transferida para as filhas do médium (Zélia e Zilméia de Moraes) e
ele parte para um exílio voluntário na Região Serrana do Rio de Janeiro,
vindo a falecer alguns anos depois, abre-se espaço para a cúpula umbandista
reconhecer a manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas como
fundadora da religião e Zélio de Moraes como seu pioneiro. (OLIVEIRA,
2007b, p. 186).

Segundo este historiador, Zélio tinha consciência de sua posição de fundador, mas devido à
sua humildade, ao perfil de sua personalidade, nunca arvorou-se como Papa da umbanda nem
almejou cargos (Idem, p. 187). Não concordo com a posição de Oliveira, e tenho convicção que
nossas perspectivas são antagônicas. No trecho abaixo, o autor explicita bem sua opinião:
O que procurei enfatizar neste artigo foi que a manifestação daquele caboclo
marcou o rompimento entre aquilo que era compreendido como baixo-
espiritismo com o que se convencionou chamar de Espiritismo de
Umbanda na obra dos intelectuais da nova religião. Para mim, a divisão é
clara: o que havia antes era uma seita, fruto de um ritual heterogêneo,
praticada por segmentos subalternos da sociedade; o que passou a existir
depois foi uma religião que se apropriou da filosofia Kardecista e de dogmas
cristãos, sendo professada por elementos da classe média em ascensão.
(Idem, ibidem)

O olhar pejorativo para a macumba, enquanto tradição religiosa, se mantém em Oliveira, e


mais: este pesquisador assume ideologicamente a umbanda linha branca como a verdadeira
umbanda. Isso fica explícito em seu texto. Por exemplo, quando ele cita o rompimento de Trancredo
da Silva Pinto com a Federação Espírita de Umbanda, afirma que Tancredo teria rompido também
com a própria umbanda, quando criou o culto Omolocô (Ibidem, p. 186). Ora, somente a
modalidade criada pelos intelectuais umbandistas pode ser considerada como umbanda? Claro que
não. O caso de Oliveira é mais um exemplo de equívocos decorrentes da adoção ideológica de
categorias nativas feitas por pesquisadores acadêmicos.

Considerações parciais
No decorrer deste capítulo vimos que existe uma interpretação dominante sobre o universo
umbandista, que perpassa os trabalhos de todos os pesquisadores aqui analisados: a umbanda teria
nascido nas primeiras décadas do século XX a partir de indivíduos de classe média egressos do
kardecismo. A macumba foi esquecida; no máximo, relacionada à quimbanda. Isto está posto, de

77
modos diferenciados, em Roger Bastide, Maria Helena Concone, Renato Ortiz, Diana Brown,
Patrícia Birman, José Magnani, Lísias Negrão, e outros autores que, devido à dimensão deste
trabalho, não puderam adentrar à análise que me proponho. Não questiono que as obras destes
pesquisadores não possuem méritos; ao contrário, são textos demasiado interessantes, com
discussões pertinentes, todos relevantes no que toca aos estudos das religiões afro-brasileiras. No
entanto, ao interpretar o advento da umbanda a partir da literatura doutrinária, estes autores não se
sensibilizaram para o fato de que a religião surgida no início do século XX era apenas uma das
modalidades de umbanda. Neste sentido, Bruno Faria Rhode perpetra uma crítica digna de nota:
A meu ver, a ideia de que a umbanda teria nascido naquele movimento de
base kardecista no início do século XX deixa de levar em consideração o
processo de constituição longo e complexo de um universo religioso que se
insere no ainda mais amplo universo cultural afro-brasileiro. Afinal, diversas
variações de cultos da época e também de hoje, e que são compreendidos
atualmente como pertencentes ao complexo umbandista, mantém
semelhanças ritualísticas e culturais profundas em relação aos exemplos de
formas de religiosidade sincrética presentes no Brasil desde o século XVII.
Mesmo que a institucionalização e a nacionalização da umbanda tenham se
dado sobretudo na primeira metade do século XX pela ação dos tais grupos
de classe média oriundos do kardecismo, as características rituais, os
elementos materiais e simbólicos, as memórias e o imaginário do universo
umbandista não podem ter sua constituição reduzida a este período, mas
antes o contrário: possivelmente a maioria destes elementos já vinha se
moldando há muito tempo. (2009, p. 7).

Os sacerdotes-intelectuais umbandistas foram responsáveis pela institucionalização da


umbanda perante a sociedade mais ampla, quando criaram a Federação Espírita de Umbanda e
organizaram o Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda. Embebidos do ideal
eugênico e do positivismo kardecista, intentaram depurar a macumba um culto de origem afro-
brasileira e assim criaram uma modalidade religiosa: o espiritismo de umbanda, umbanda branca,
umbanda pura etc. Mas a umbanda vem se moldando há muito mais tempo, se levarmos em
consideração que a própria macumba que existe desde pelo menos meados do século XIX é uma
das formas de umbanda. A religião brasileira nascida em 1908, como diz o mito fundador, não
abarca a umbanda em sua totalidade, uma religião inerentemente diversa em sua composição. E a
macumba, mesmo tendo adotado oficialmente o nome de umbanda no decorrer do século XX, não
se tornou espiritismo de umbanda, continuou sendo macumba.

78
CAPÍTULO III

O LUGAR DA MACUMBA NO CAMPO RELIGIOSO AFRO-BRASILEIRO

A macumba, como vimos, foi estigmatizada pelos pesquisadores clássicos, e relegada ao


desaparecimento por toda uma leva de pesquisadores mais contemporâneos. No entanto, nem
sempre ela foi encarada de modo pejorativo. Mario de Andrade, por exemplo, apresenta uma
descrição da macumba no caso a macumba da tia Ciata82 no romance Macunaíma, publicado em
1928, num tom muito menos depreciativo do que aquelas descrições aviltantes presentes em Arthur
Ramos, e especialmente Roger Bastide. Nas pesquisas de Mario de Andrade sobre música de
feitiçaria no Brasil (ANDRADE, 1983), a macumba aparece em pé de igualdade com o candomblé
e outras religiões afro-brasileiras.
Neste capítulo o objetivo é situar a macumba no campo religioso afro-brasileiro dialogando
com intelectuais acadêmicos contemporâneos. Num primeiro momento, busco delinear os sinais
diacríticos da macumba, e para tanto descrevo brevemente o que é quimbanda, linha da esquerda,
demanda, feitiçaria, linha cruzada, assim como apresento os antigos e novos personagens desta
religião (caboclos, pretos-velhos, erês, exus, pombagiras, baianos, boiadeiros, marinheiros, ciganos,
malandros). O propósito é demonstrar como se reconhece e classifica um terreiro como sendo de
macumba. Num segundo momento, me dedico a explanar acerca da inerente
diversidade/multiplicidade das religiões afro-brasileiras, perpassando pelas teorias utilizadas neste
campo de estudo, e apresentando um novo esquema interpretativo.

3.1 Sinais diacríticos da macumba


3.1.1 Linha da esquerda, quimbanda, demanda, feitiçaria, linha cruzada
Dentre o complexo campo religioso afro-brasileiro, onde algumas formas de religiosidade se
sobrepõem sobre as outras, a macumba foi a mais estigmatizada. Tanto é que qualquer religião afro-
brasileira, morada dos demônios para os neo-pentecostais, é resumida no nome de macumba,
onde exu é o demônio83. Para a sociedade mais ampla, a macumba sempre foi vista de uma forma
pejorativa. Provavelmente por isso que esta religião, no decorrer do século XX, assume o nome de
82
Tia Ciata (Hilária Batista de Almeida) foi mãe-de-santo e cozinheira. Foi iniciada no candomblé em Salvador, e
depois migrou para o Rio de Janeiro, ainda no século XIX. Ela é citada por João do Rio como exploradora (1951, p. 36),
ou como negra fula e presunçosa (Idem, p. 45). Seu culto é descrito por Mario de Andrade como macumba, no entanto,
conforme explicita Roberto Moura (1995), ela era praticante do candomblé nagô. Todavia, existe candomblé nagô puro,
sem a presença dos espíritos da macumba? Creio que não.
83
Sobre a relação dos cultos afro-brasileiros e neopentecostalismo, ver Silva (2012; 2007; 2005), Prandi (2001), Filho
(2006), entre outros. Silva (2012) desenvolve uma interessante abordagem ao considerar que paralelamente ao processo
de demonização do orixá exu, ocorre também a exuzição do demônio cristão.

79
umbanda; afinal, quem quer se auto-intitular macumbeiro se este termo carrega essa carga tão
negativa? Mas no íntimo do terreiro e isso afirmo não só corroborado por diversos trabalhos
acadêmicos, mas também através de observações em várias localidades , os umbandistas e
candomblecistas ainda chamam a si mesmos e aos outros de macumbeiros, ainda chamam o próprio
culto de macumba. Mesmo se tornando umbanda, a macumba nunca deixou de existir.
Mas quais seriam os critérios para se reconhecer um terreiro de macumba? O sinal diacrítico
principal da macumba é a ênfase na linha da esquerda . Esta seria uma categoria êmica para
designar os polêmicos espíritos de exus e pombagiras84, cujo território ritual é a quimbanda, a
religião que agrega, em seu cotidiano a demanda e a feitiçaria. Antes de propor classificações, é
preciso apresentar as significações de quimbanda, demanda e feitiçaria. Vamos por partes, seguindo
os passos dos pesquisadores acadêmicos.
Para Talita Teixeira (2005), a quimbanda seria uma religião afro-brasileira que enfatiza o
culto aos exus e pombagiras, e esta religião pode ser coadjuvante ou não de outras religiões afro-
brasileiras no mesmo terreiro (no caso rio-grandense, a umbanda ou o batuque), mas quase sempre
se encontra em paralelo com a umbanda (p. 9-10). Já Monique Augras, ao tratar dessa modalidade
de culto, onde exus e pombagiras têm seu espaço, utiliza o termo umbanda-quimbanda (2009, p.
16). Para Stefania Capone, umbanda e quimbanda seriam duas religiões unidas num mesmo
universo: [...] os dois cultos são tidos como inimigos irreconciliáveis, mas, na realidade, vivem em
simbiose. (2004, p. 100). A quimbanda seria, para Capone, a herdeira da velha macumba 85 e
garante a persistência desta através das suas práticas mágicas (Idem, p. 102). A quimbanda teria
como características o fato de se utilizar da magia negra, de usar técnica específica para obter
efeitos mágicos particularmente fortes, ter eficiência mágica superior à umbanda e ao kardecismo
(Ibidem, p. 100). Mas a quimbanda, como bem ressalta Capone, é mais uma categoria de acusação
que um antagonismo da umbanda:
É evidente que nenhum centro se dirá centro de quimbanda em razão de sua
associação com a magia negra, ainda que praticamente todos os centros de
umbanda pratiquem rituais de quimbanda durante sessões especiais. Essa
ambivalência seria devida à necessidade de desfazer os trabalhos maléficos
da quimbanda que obrigam os umbandistas a apelar para espíritos mais
poderosos, os quimbandeiros. A quimbanda, na verdade, é mais uma
categoria de acusação que um culto completamente oposto à umbanda.
(2004, p. 100)

84
Adiante dedicarei uma explanação detalhada da figura de exu (e pomba-gira, seu correspondente feminino), que é um
orixá iorubano e, ao mesmo tempo, é o espírito diabólico da quimbanda, assim como o espírito guardião na umbanda
branca. Neste item falarei destas entidades apenas pontualmente, para corroborar alguns raciocínios.
85
Capone se alinha, nesta afirmação, a Magnani, que escreveu que a quimbanda é o que restou da antiga macumba
(MAGNANI, 1991, p. 35).

80
Como indica Sá Junior, para os adeptos da umbanda branca, a macumba seria identificada
com a quimbanda, mas ninguém se autodefine como quimbandeiro, nem mesmo como macumbeiro:
Uma categoria nativa utilizada pelos adeptos dos modelos da Umbanda para
identificar uma casa de macumba é identificá-la com o nome de quimbanda.
Nessas casas a figura do exu alcança seu maior grau de projeção, superando
as outras personagens tradicionais como os caboclos, os preto-velhos e as
crianças. Não é comum uma casa religiosa se identificar como de quimbanda
como, da mesma forma, não é comum se identificar como de macumba. Isso
se deve mais a um processo histórico em que a cultura negra de uma forma
geral, e a religião, de forma específica, sofreram preconceitos e ataques de
diversos setores da sociedade que procuravam apagar a mancha negra ,
esquecer o período escravista da sociedade brasileira. (2013, p. 117).

Os termos quimbanda e macumba carregam um fardo pejorativo, por isto ninguém se


autointula nesta nomenclatura, a não ser no âmbito privado. E esta carga depreciativa está
relacionada à presença da feitiçaria. Para fomentar a discussão, indispensável transcrever o que
consta no Dicionário de Cultos Afro-brasileiros sobre o vocábulo quimbanda:
Linha ritual da Umbanda que pratica a magia negra. Essa linha é assim
chamada pelos umbandistas da linha branca , pois os praticantes se dizem
apenas umbandistas. A Quimbanda, influenciada mais diretamente pelos
negros bantos cabindas, benguelas, congos, angolas, moçambiques etc.
chegados dos portos africanos ao Rio de Janeiro, não fugiu ao sincretismo.
Cultua os mesmos orixás e entidades que a Umbanda branca , mas trabalha
principalmente com Exus que são considerados espíritos desencarnados,
havendo entre eles os exus em evolução e os quiumbas. Mediante
encomenda realizam feitiços ou contrafeitiços, visando favorecer ou
prejudicar determinadas pessoas. Geralmente os terreiros de Quimbanda,
chamada Macumba pelos leigos, têm as mesmas características dos da linha
de Umbanda . [...] As giras de Exu são frequentes (na linha de Umbanda
são raras), realizadas comumente a partir da meia-noite de 6ª feira. Exus e
Pombagiras diversos baixam dançam, fumam charutos ou cigarrilhas,
bebem aguardente (marafo), dizem gentilezas ou palavrões aos assistentes e
dão consultas sobre saúde ou problemas pessoais. A cortina do gongá fica
fechada. A Quimbanda cultua muito Omulu, orixá ligado à terra e à morte,
considerando-o Rei do Cemitério . No cemitério é feita uma parte da
iniciação de muitos quimbandeiros, devendo o iniciando deitar algumas
horas sobre um túmulo, entre velas e cânticos do Pai ou Mãe-de-santo e
iniciados do terreiro, tendo de cumprir, antes e depois, diversas obrigações.
As roupas são, em geral, as mesmas da linha de Umbanda , havendo,
porém, muito uso do vermelho e do preto, cores de Exu e Omulu. São muito
usados os trabalhos com pólvora, pós e ervas mágicos, dentes e unhas,
cabelos (animais e humanos), galos e galinhas pretos (que são, às vezes,
estraçalhados entre os dentes do iniciado ( cavalo ou aparelho )
incorporado com um exu, sendo empregado também o envultamento86. Os
despachos são colocados em encruzilhadas em cruz (macho) ou em T
(fêmea), com velas, flores e fitas vermelhas, pipocas, milho etc. e animais de
duas ou quatro patas, de penas ou pelo pretos ou vermelhos, em alguidares
de barro, não sendo, porém, negativos todos os despachos de rua. A

86
Envultamento seria uma espécie de trabalho de magia negra (CACCIATORE, 1977, p. 115-116).

81
Quimbanda possui, também, sete Linhas, diferentes das de Umbanda [...]. Há
Caboclos e Pretos Velhos que incorporam na Quimbanda, dando consultas,
em giras separadas das dos exus. Os terreiros quase sempre são pobres,
localizados em morros ou locais afastados. (CACCIATORE, 1977, p. 230-
231).

Nesta citação avistamos o quão próximo da feitiçaria e magia negra se encontra a


quimbanda, por isto mesmo que a quimbanda é também uma categoria de acusação (quimbandeiro é
sempre o outro ). Interessante notar que a figura do feiticeiro é obscura, haja vista que se confunde
entre o pai/mãe-de-santo que se dedica a rituais tidos como maléficos e os próprios exus e
pombagiras, designados pelo povo-de-santo como grandes feiticeiros.87 De qualquer forma, sempre
que há trabalhos dedicados a fins escusos, a linha da esquerda está envolvida. É muito comum,
em rituais da quimbanda, exus e pombagiras afirmarem aos consulentes que fazem o mal desde que
paguem (com bebidas, cigarros e sacrifício de animais). Como bem ressaltou Brumana e Martínez
(1991, p. 346-349), desde os trabalhos clássicos sobre feitiçaria, em especial o de Evans-Pritchard
(1978), o feiticeiro é sempre um indivíduo longe das vistas do pesquisador, mas no caso em
questão, que envolve o campo religioso afro-brasileiro, o feiticeiro é um agente com nome,
sobrenome e endereço conhecido, e mesmo que evite uma publicidade excessiva, suas atividades
são abertas o suficiente para que o pesquisador possa presenciá-las. Não há dificuldades em
encontrar um terreiro onde os exus, incorporados em seus burros88, executam práticas de feitiçaria.
A mola propulsora da feitiçaria é a situação de demanda89.
Esta seria a expressão simbólica de conflitos reais: uma pessoa demanda,
isto é, utiliza do serviço dos orixás para prejudicar de alguma forma seus
desafetos ou aqueles que a estejam obstaculizando na vida real. Essa
intervenção dos orixás é sempre entendida pelos demandantes como uma
resposta à ação mágica precedente que lhes esteja criando embaraços. Pais-
de-santo e clientes raramente, talvez mesmo nunca, reconhecem ter sido a
iniciativa da demanda, normalmente provocada pela inveja, ciúme ou
despeito dos outros. (NEGRÃO, 1996, p. 358)

A demanda seria o ato mágico na tentativa de se prejudicar outrem ou, mais comumente
no discurso nativo, a utilização dos orixás e entidades para se defender das investidas alheias, ou
seja, vencer demanda :
O termo demanda , utilizado pelos umbandistas, significa, de maneira não
muito explícita, os males que uma pessoa envia para outra através de

87
De qualquer maneira, supõe-se que não são os agentes e sim seus Orixás os possuidores das fórmulas místicas mais
eficazes. (BRUMANA&MART NEZ, 1991, p. 365).
88
Burros são os termos utilizados pelos Exus para designar o médium em quem incorporam (CACCIATORE, 1977, p.
71). As outras entidades chamam os médiuns de cavalos. Importante ressaltar que médium é um termo oriundo do
kardecismo, mas que se popularizou entre as umbandas, macumbas e candomblés.
89
O trabalho clássico de Yvonne Maggie (2001) apresenta uma bela etnografia de um terreiro que durou apenas alguns
meses, tendo acabado devido a situações de demanda.

82
trabalhos maléficos ou outros expedientes escusos. Os umbandistas utilizam
frequentemente a expressão vencer demanda , que significa o esforço
desenvolvido pelas entidades espirituais caboclos, pretos-velhos e exus
no sentido de vencer as conseqüências nefastas que essas forças provocam
na vida do consulente. (MONTERO, 1985, p. 231-232)

A demanda é [...] a guerra mística na qual dois contendores humanos se confrontam


utilizando ferramentas espirituais [...]. (BRUMANA&MART NEZ, 1991, p. 358). Qualquer
pessoa é alvo possível de uma demanda. No entanto, nem todas são obrigatoriamente vítimas dela.
(Idem, p. 363). Dentre os motivos causadores de uma situação que envolva a demanda, a inveja se
sobressai (Ibidem, p. 362). No universo da quimbanda, a prática da feitiçaria a partir de uma
situação de demanda, é praticamente habitual. Vejamos, a título de exemplo, um depoimento acerca
de uma entrega realizada para o Exu Formiga:
Então a gente pega aquela pimenta vermelha, pega o nome do filho da puta e
amarra no rabo da pimenta. Aí pega um bife, enrola lá e faz a entrega, lá pro
formigueiro. [...] Enfia no buraco do formigueiro, formiga cobre logo... fica
lá, cobre a lata, enfia pinga dentro, enfia vela do lado da lata lá... cada
formigão, aqueles cabeçudos, sabe? Então, conforme as formigas estão
mexendo aquilo ali, estão mexendo na pessoa. (Apud
BRUMANA&MARTÍNEZ, 1991, p. 364).

A demanda pode acontecer, também, entre dois médiuns de um mesmo terreiro, como bem
exemplificou Yvonne Maggie:
A demanda era uma guerra de orixá, mas tal guerra estabelecia-se a partir
dos homens. Um médium que tinha uma desavença ou uma questão com
outro médium mobilizava seus orixás através de trabalhos, a fim de que estes
causassem algum mal a seu oponente. O médium atacado mobilizava então
seus orixás para defendê-lo. Assim estabelecia-se a guerra entre os orixás de
cada um dos dois médiuns. Cada qual tentando desmanchar, anular os
trabalhos feitos pelos orixás oponentes. Um desses orixás vencia, e o
vencedor era o orixá mais forte, aquele que conseguira proteger melhor seu
cavalo. (2001, p. 45).

A quimbanda, a modalidade religiosa que comporta a feitiçaria e a demanda, pode ser vista
como a contracultura negra no Brasil (LUZ & LAPASSADE, 1972, p. xxiii), onde [...] o exu é a
subversão completa ao regime cristão de representação do sagrado. (ANJOS, 2006, p. 87).
Durante as giras de Exu, que são as mais concorridas no culto umbandista,
durante as sessões de Quimbanda, fecham-se os altares onde estão os orixás
brancos e o Exu passa a ser dono da gira, rei do terreiro. Por um momento,
Exu representa a bagunça [...] representa a licenciosidade, a sexualidade. A
dança e o teatro simbolizam os desejos de libertação sexual e social.
Enquanto os orixás e Oxalá propõem a lei e a caridade, Exu propõe a
diluição das regras e da ordem e a entrega total aos desejos emocionais e à
sexualidade (numa forma simbólica). (LUZ & LAPASSADE, 1972, p. 59-
60).

83
Uma gira de exu ocasiona, ao menos temporariamente, a dissolução das hierarquias:
A hierarquia praticamente se dissolve num ambiente onde normalmente o

84
de restrição ética, onde todos os pedidos, vontades e demandas de devotos e
clientes podem ser atendidos, sem exceção, conforme o ideal da magia. (...)
Esse território que a Umbanda chamou de Quimbanda, para demarcar
fronteiras que a ela interessava defender para manter sua imagem de religião
do bem, passou a ser o domínio de Exu, agora sim definitivamente
transfigurado no diabo, aquele que tudo pode, inclusive fazer o mal.
(PRANDI, 2001, p. 53)

A maioria dos estudos acadêmicos escritos após a década de 1960 apontam para o mesmo
sentido: a umbanda e quimbanda (religiões antagônicas nos escritos doutrinários, mas que vivem
em simbiose na prática ritual) surgiram nas primeiras décadas do século XX92, e a macumba
desaparece. Inversamente a esta corrente, me alinho ao pensamento de Mario Sá Junior quando diz
que é necessário se desvincular do vício de abordagem que coloca a macumba como um estágio
passado da atual umbanda, sendo necessário afirmar sua existência com toda a dinâmica pela qual
as religiões passam, de modo a perceber suas especificidades (2013, p. 135). Levando em
consideração esta premissa de Sá Junior, aponto para o seguinte entendimento: a macumba é uma
tradição religiosa tão antiga quanto o candomblé, e se mantém ativa na atualidade nos terreiros que
misturam rituais de umbanda, quimbanda e, muitas vezes, de candomblé.
Neste sentido, o trabalho de José Anjos é significativo, pois o autor considera como linha
cruzada aqueles terreiros que unificam à linha dos caboclos e orixás, também a linha dos exus
(2006, p. 34). O pesquisador inclusive se refere, em certo momento de seu texto, à linha cruzada
pelo termo macumba (Idem, p. 60). Norton Corrêa também se dedica, no seu trabalho sobre o
Batuque, a definir a linha cruzada:
Sua característica principal é reunir, no mesmo templo, mas ocupando
divisões espaciais separadas, e cultuadas em momentos também separados,
entidades da Umbanda e do Batuque, acrescentando ainda a parte dos exus
da própria Linha-Cruzada, de possível inspiração na Macumba do Rio de
Janeiro. (2006, p. 61).

É considerável também a categoria traçado, conforme relata Yvonne Maggie na sua


fascinante etnografia: Embora o nome do terreiro fosse Tenda Espírita Caboclo Serra Negra, o
grupo dizia que o terreiro era traçado , umbanda com candomblé. Alguns usavam o termo
macumba para definir sua religião estou na macumba . (2001, p. 22).
Como pode-se captar, estas categorias que indicam mistura (linha cruzada, umbanda
traçada) estão profundamente relacionadas com a macumba. Os terreiros ditos misturados (linha
cruzada) são numericamente dominantes (CORRÊA, 2006, p. 61; ANJOS, 2006, p. 60), no entanto,

92
Na visão mítica da literatura doutrinária, embebida de certa eugenia, a umbanda seria uma religião muito antiga, que
passou por muitos reinos, impérios e culturas, e teria chego atualmente ao território brasileiro. Já a quimbanda era fruto
da primitiva prática da feitiçaria realizada pelos escravos.

85
mesmo que os adeptos tenham consciência disso, no campo do discurso esta questão se
problematiza, e a ideia de misturado se torna uma categoria de acusação. Como bem ressaltou
Stefania Capone:
Os membros dos terreiros, sejam de candomblé ou de umbanda, têm uma
percepção bem clara da imbricação das práticas rituais. Todavia, ainda que a
maioria dos terreiros seja lugar de encontro de diferentes experiências
religiosas, o misturado será sempre o outro, o vizinho ou o concorrente.
(2004, p. 122)

Voltemos à pergunta inicial: como se reconhece um terreiro de macumba? A fórmula é


simples: umbanda com quimbanda e tradições afro-brasileiras é macumba, mesmo que nomeada
como umbanda traçada, linha cruzada, umbanda omolokô, umbanda africana, umbanda popular.
Umbanda sem quimbanda é umbanda kardecizada: umbanda branca, umbanda pura, umbanda
cristã, umbanda esotérica. Se a quimbanda é o fator definidor de um terreiro de macumba, isto não
quer dizer que um terreiro de macumba tenha apenas trabalhos com a linha da esquerda ; caboclos
e pretos velhos são também personagens da macumba. E num período um pouco mais recente,
outras entidades (representações simbólicas) foram concebidas.

3.1.2 Antigos e novos personagens da macumba


A característica principal da umbanda/macumba é a presença dos guias ou entidades, seres
espirituais que seriam reprentações simbólicas da herança histórica, isto é, representariam
estereótipos de tipos sociais brasileiros.93 Nas giras (como são chamadas as sessões umbandistas),
tais entidades incorporam nos médiuns (estado de transe, possessão) e realizam diferentes gêneros
de trabalhos, que variam de acordo com a categoria do espírito, as circunstâncias e necessidades, e a
natureza da casa de culto. Nos terreiros de umbanda branca de influência cristã e kardecista , as
entidades geralmente são mais comportadas, sustentam um discurso de evolução espiritual e
caridade, e a vestimenta é simples (geralmente roupa branca). Já na umbanda-macumba, a
performance dos guias espirituais acontece de forma mais escrachada, num ambiente de liberdade e
certa dose de amoralidade; o discurso da caridade se dá de forma superficial, e a dubiedade, em
especial dos exus, é acentuada; a indumentária é diversificada e complexa, se comparada com a
umbanda kardecizada.
Tradicionalmente são quatro categorias de espíritos, os antigos personagens da macumba:

93
Na umbanda/macumba, as entidades são espíritos de mortos, que se enquadram em categorias genéricas (arquétipos,
estereótipos). Mas no universo afro-brasileiro, em especial nas regiões Norte e Nordeste do país, é muito comum a
presença dos encantados, que seriam seres animados por forças sobrenaturais advindas da natureza, não sendo, portanto,
espíritos de mortos. Alguns textos sobre encantados pode ser encontrada na coletânea organizada por Reginaldo Prandi
(2004).

86
 Caboclos: Lísias Negrão enumera quatro características destas entidades, embasado nos
depoimentos colhidos em sua pesquisa de campo: 1) representam espíritos de índios, aqueles
da mata virgem , talvez até anteriores à colonização; 2) são espíritos bons, só fazem o bem;
3) são espíritos curadores, pois viveram nas matas e conheceram os segredos das ervas, com
as quais ajudam as pessoas que chegam enfermas aos terreiros; 4) geralmente os Caboclos
são espíritos de chefes, onde ressalta-se o espírito de guerreiro. (1996, p. 204-211). Podem
usar adereços, como cocares, que [...] os fazem parecer-se mais com os índios norte-
americanos dos filmes de faroeste que com os brasileiros. (BRUMANA & MARTÍNEZ,
1991, p. 239). Na umbanda-macumba, podem beber cerveja, mas normalmente bebem
apenas água e fumam charutos nos trabalhos. Sua postura é sisuda, e nas suas consultas não
há espaço para assuntos que não sejam sérios.
 Pretos-velhos: Representam espíritos de negros escravizados. Os Pretos Velhos são calmos,
pacíficos, meigos mesmo. Tranquilizam seus clientes, apaziguando seu ânimo contra os
desafetos, benzendo-os e abençoando-os. (NEGR O, 1996, p. 213). São moralizados,
humildes, sua bondade é inquestionável (Idem, p. 215). Falam em voz baixa, e caminham
curvados, com extrema dificuldade, apoiando-se em suas bengalas. Sentam em troncos ou
bancos de madeira, fumam cachimbo e tomam café, mas podem também tomar bebidas
alcoólicas. Podem usar chapéu de palha ou lenços.
 Erês/Crianças: São bem comuns nos candomblés, seja nagô ou angola, assim como outras
nações (SERRA, 1979). São os porta-vozes dos orixás, haja vista que estes não falam, então
deixam com eles seus recados (NEGRÃO, 1996, p. 237). Eles estão relacionados a São
Cosme e Damião e ao orixá Ibeji. O estilo de incorporação é bastante caótico: pulam,
dançam, brincam, brigam. Usam chupetas, bonecos, brinquedos de todo tipo. Comem doces
variados, pipoca, pão; bebem refrigerantes. Falam com voz esganiçada e numa meia-
língua. (BRUMANA&MART NEZ, 1991, p. 242). Apesar das giras dos erês estarem
sempre envoltas de festividade e alegria, são tidos como sérios e eficazes trabalhadores
(NEGRÃO, 1996, 236).
 Exus/pombagiras: Esta é a categoria de espíritos da umbanda tida como a mais intrigante, e
são muitas as pesquisas acadêmicas que versam sobre eles. Exu, inicialmente um orixá,
passa por um tortuoso processo de transformação até chegar ao polêmico espírito da
umbanda/macumba (cf. CAPONE, 2004; PRANDI, 2001). Èsù-Elégbéra, na cultura iorubá,
ou Legba, da etinia fon do Benin, é uma figura múltipla e contraditória. Ele é o grande
comunicador, o mediador entre homens e deuses, o mensageiro; é o restaurador da ordem no
mundo, mas implantando a desordem e a possibilidade de mudança; paradoxalmente, ele

87
reordena o mundo provocando o caos, ilude para revelar, mente para afirmar a verdade. Tem
temperamento irascível, violento e esperto. É o senhor da magia. Tem um falo
desproporcional, está ligado à reprodução, à potencialidade, à energia transbordante, ao sexo
como força criadora. Também é responsável pelo adultério e por toda relação sexual ilícita.
(CAPONE, 2004, p. 54-59). O processo de cristianização dos orixás, no maniqueísmo bem-
mal, acabou por reservar o lugar do diabo ao polêmico Èsù ou Legba (PRANDI, 2001, p.
51). Por este motivo, esse orixá foi de certa forma negado: fazer o santo pra exu, ou ser
possuído pelo mesmo, era visto como erro. No caso de uma pessoa cujo dono da cabeça
era Exu, a iniciação teria sido feita a Ogum, outro orixá considerado seu irmão [...].
(CAPONE, 2004, p. 68). Os primeiros pesquisadores interpretaram o ritual do padê
(despacho de exu) como uma maneira de afastar exu identificado com o diabo do espaço
sagrado (Idem, p. 76). Mas já em 1948 Edison Carneiro esclarecia que o verbo despachar era
mantido no sentido de enviar ou mandar, pois exu é o mensageiro (CARNEIRO, 1978, p.
69). Uma característica de exu no candomblé é sua variação em exu-orixá e exu do orixá ou
exu-escravo. Ou seja, cada orixá tem o seu exu-escravo, que é seu servidor; a possessão por
esta categoria é cuidadosamente evitada (CAPONE, 2004, p. 63-65). Na macumba, o exu é
personificado no diabo: a iconografia revela um homem com chifres, tridentes e pés de
bode. As vestimentas geralmente são capas pretas ou vermelhas. O exu é tido como o
espírito das trevas . Bebe, fuma, fala palavrões, realiza qualquer tipo de trabalho. É o
compadre, aquele que faz o bem e o mal, basta pedir e pagar com bebidas, cigarros,
sacrifício animal.94 Seu correspondente feminino, a pombagira, é a estereotipia da prostituta,
da mulher de conduta moral condenável (NEGRÃO, 1996, p. 223). Pombagira é
especialista notória em casos de amor, e tem poder de propiciar qualquer tipo de união
amorosa e sexual. (PRANDI, 2001, p. 56). A pombagira [...] desafia a ordem patriarcal da
sociedade brasileira por meio da não aceitação da subordinação da mulher aos papéis
domésticos tradicionais de esposa e mãe. (SILVA, 2012, p. 1100). Sendo mulher da rua
e não da casa , no estereótipo da prostituta, ela [...] questiona o lar, a família, a
maternidade e o casamento como as únicas possibilidades de ação da mulher e de expressão
do feminino. (Idem, ibidem). Os Exus estão mais próximos das fraquezas humanas e as
aceitam sem constrangimentos. Quando há um pedido equívoco do ponto de vista moral a
fazer, ou quando há que demandar, são os guias apropriados. (NEGR O, 1996, p. 232).
Para a duvidosa moralidade quimbandista, tudo leva ao bem, e mesmo aquilo que os outros

94
Como diz a letra de um cântico ritual, bem frequente nas giras: Exu que tem duas cabeças, ele faz sua gira com fé,
uma é Satanás do inferno, E a outra é Jesus de Nazaré.

88
chamam de mal pode ser usado para o bem do devoto e do cliente, os fins justificando os
meios. (PRANDI, 2001, p. 54). [...] tudo aquilo que os caboclos, pretos-velhos e outros
guias do chamado panteão da direita se recusam a fazer, por razões morais, Exu faz sem
pestanejar. (Idem, p. 53). O exu incorpora com o corpo contorcido, e as mãos para trás
como se fossem garras. A pombagira faz movimentos sinuosos, como se fossem provocação
sexual para os homens. Eles bebem aguardente e fumam cigarros, elas bebem champanhe e
fumam cigarros de luxo. (BRUMANA & MARTÍNEZ, 1991, p. 243). Enquanto que os exus
da macumba são donos de si mesmos, não obedecendo a nenhuma hierarquia, nas umbandas
kardecizadas os exus e pombagiras são domesticados , obedecendo aos espíritos de luz
(caboclos e pretos-velhos). (CAPONE, 2004, p. 101). A macumba (quimbanda) é o território
do exu pagão os marginais da espiritualidade ; a umbanda (leia-se branca), dos exus e
pombagiras batizados , que estão no processo de evolução .

Devido às características dos exus acima expostas, seu papel no culto foi coibido, limitado.
Nas umbandas de influência kardecista, o exu quase desaparece, seus rituais são mais raros, e sua
atuação controlada. Na umbanda-macumba, os rituais com eles são frequentes, e não há a presença
da ótica evolucionista do kardecismo. De todo modo, conforme argumenta Sá Junior (2013, p. 125),
devido à vinculação dos exus com a figura do diabo, os praticantes do candomblé fortaleceram o
aspecto mitológico do exu como orixá, os neopentecostais o transformaram na causa de todos os
males, o inimigo demoníaco a ser combatido, e nas umbandas houve uma consequente diminuição
das sessões com estas entidades. A estratégia foi justamente a criação, num período mais recente95,
de novos personagens que, menos estigmatizados, vieram a compor, pelo menos parcialmente, o
lugar do exu, mantendo a dubiedade, fazendo também o papel do compadre que resolve seus
problemas, daquele que tem a eficácia mágica perante a demanda. Nas macumbas, estas entidades
estariam mais próximos dos exus e pombagiras, dividindo com eles as giras ou os substituindo; nas
umbandas kardecizadas, são mais relacionados aos guias da direita. 96 (FERNANDES & SÁ
JUNIOR, 2014). São eles: baianos, boiadeiros, marinheiros, ciganos, Zés Pelintras.
 Baianos: Os baianos são associados aos cangaceiros (SÁ JUNIOR, 2013, p. 133).
Incorporam como homens e mulheres levemente cambaleantes por causa da bebida, com a

95
Brumana e Martínez afirmam que a criação destes personagens provavelmente se deu após a migração dos anos 1960
para as grandes cidades brasileiras (1991, p. 257). Negrão sustenta que a categoria dos baianos surgiu na umbanda a
partir da década de 1950 (1996, p. 203).
96
Souza (2004) apresenta dois tipos de baianos, um de um terreiro de periferia e outro de classe média. O primeiro seria
próximo da macumba, e o segundo da umbanda kardecizada. No segundo, o baiano era comedido, não bebia, dava
conselhos moralizados, não fazia estardalhaço, era a versão light do baiano; no primeiro, o baiano muito se aproxima
do exu, bebia e fumava, tratava de assuntos profanos, extremamente gozadores, era a versão cabra da peste do baiano.

89
mão na cintura, risadas, brincadeiras e danças. Falam forte e claro, com sotaque nordestino
[...]. (BRUMANA & MART NEZ, 1991, p. 241). [...] o Baiano é a alegria e, mais do que
isso, o deboche. Sempre com seus chapéus típicos, brincalhões e zombeteiros, provocam as
mulheres, de quem gostam especialmente, e bebem batida de coco. (NEGR O, 1996, p.
216). Ele, mantendo a dubiedade de exu, trabalha nas duas linhas esquerda e direita, como
podemos ver das palavras de uma filha-de-santo: Baiano é encrenqueiro. Quando é pra
xingar ele xinga mesmo. Trabalha mais na direita, mas às vezes também na esquerda.
Depende do grau de evolução, do estudo do guia. (Apud SOUZA, 2004, p. 309). Ou num
depoimento colhido por Negrão: Ele trabalha na direita e, quando precisa de alguma coisa,
ele vira na esquerda. (1996, p. 218). O baiano [...] é considerado especialista em curas, ou
na resolução de conflitos amorosos, ou ainda na solução de demandas. (Idem, ibidem).
Quebram os cocos para responderem às demandas contra as feitiçarias feitas para
prejudicar seus filhos ou, para abrir os caminhos daqueles que vivenciam problemas de
ordens mais variadas. (S JUNIOR, 2013, p. 132). Como pode-se ver, muito próximo do
exu.
 Boiadeiros: São tidos como similares aos caboclos. Em alguns terreiros são conhecidos
como caboclos boiadeiros. Bebem cerveja e fumam charuto. (BRUMANA &
MART NEZ, 1991, p. 242). Em geral são guias sérios, que se caracterizam por seus gritos
de aboio e gesticulação de quem está utilizando o laço, [...] dedica-se a desmanchar
trabalhos realizados contra os clientes [...]. (NEGR O, 1996, p. 237). Confundido muitas
vezes com o caboclo, o boiadeiro se aproxima do exu pela importância dada à bebida e,
principalmente, pela eficácia mágica nos trabalhos que envolvem a demanda.
 Marinheiros: Uma das características destes, também conhecidos como marujos, seria a
bebedeira acentuada (BRUMANA & MART NEZ, 1991, p. 241). São alcoólatras e
mulherengos. Descem já bêbados, recebem seus chapéus característicos e continuam a
beber. Alguns interpretam seu andar gingado e oscilante como decorrente do tombo do
navio , outros, do efeito do álcool. (NEGR O, 1996, p. 239). São considerados excelentes
curadores, e nas operações espirituais tratam inclusive casos de alcoolismo. (Idem, p.
241). Uma fala de uma praticante, contida na obra de Negrão, é significativa para
demonstrar a semelhança dos marinheiros com os exus: Ele serve tanto para descarregar o
astral, como para quebrar demanda. (Idem, ibidem). Os marinheiros não possuem giras
próprias, misturando-se na maioria das vezes aos baianos ou aos exus.
 Ciganos: Os ciganos estão muito interligados aos exus pois seu correspondente feminino
geralmente se encaixa na categoria de pombagira (o exu feminino): são as famosas

90
pombagiras ciganas. Os ciganos não possuem giras próprias; habitam as giras dos exus, haja
vista que o cigano é quase um exu, está muito próximo deste nos aspectos rituais. Muitas
vezes acontecem consultas particulares, com leitura de cartas de tarô, realizadas pelas
ciganas. Bebem destilados finos (uísque, conhaque), fumam cigarros especiais, falam
espanhol antigo (uma mistura de português com palavras do italiano e espanhol com
sotaque mexicano). (BRUMANA & MARTÍNEZ, 1991, p. 242). Os adeptos consideram
que a maioria destes guias são de esquerda, assim como os exus (NEGR O, 1996, p.
247). Resolvem problemas amorosos e de infidelidade, problemas econômicos, quebram as
demandas.
 Zé Pelintra: Esse é o personagem que mais se aproxima do exu, pois ele próprio é um exu,
segundo um informante, porque não tem o mesmo nível de iluminação de uma entidade de
luz, mas não é um exu da pesada assim como, por exemplo, um Exu Caveira. (Apud
AUGRAS, 1997, p. 46). Na umbanda-quimbanda, ele assume o papel de trickster (Idem, p.
44). Mesmo sendo considerados exus, em alguns casos podem se aproximar dos baianos
(NEGRÃO, 1996, p. 246). Augras busca casos de Zés Pelintra não relacionados com o exu,
como é o caso quando ele aparece como Mestre da Jurema, de cachimbo e chapéu de palha
(1997, p. 45). Mas de catimbó e jurema, a autora diz desconhecer; conhece mesmo é Zé
pelintra como exu (Idem, p. 46).

Todas estas entidades são características da macumba. São todas elas próximas dos exus,
quando não confundidas com o mesmo, quando é o caso dos ciganos e dos Zés Pelintras. Todas
estas lidam com os mesmos problemas trazidos pelos consulentes/clientes antes pertencentes ao
território dos exus e pombagiras. Foram criadas, ao que tudo indica, para substituir as entidades
mais estigmatizadas (linha da esquerda). Estatisticamente as sessões com os exus decresceram
enquanto que dos novos personagens, em especial dos baianos, aumentou de forma exorbitante.
Mas de forma alguma o culto ao exus foi erradicado. Seu papel, para os macumbeiros,
quimbandeiros, umbandistas, candomblecistas, continua sendo primordial.

3.2 A diversidade/multiplicidade das religiões afro-brasileiras


Quando nos referimos ao termo religiões afro-brasileiras , ou mesmo cultos afro-
brasileiros 97
, é necessário que se considere no plural. Ao se explorar a literatura especializada

97
É preciso destacar que não viso alcançar somente os pares da Academia como público leitor, mas acredito
especialmente no povo-de-santo como potenciais leitores. Por isso prefiro utilizar o termo religiões afro-brasileiras ,
até como uma posição política, isto é, para alçar estas diversas modalidades religiosas ao mesmo status de toda e

91
entramos em contato com uma imensa gama de variedades religiosas, por exemplo: macumba,
umbanda, quimbanda, candomblé, candomblé de caboclo, xangô, batuque, tambor de mina, cabula,
xambá, terecô, catimbó, jurema, pajelança etc. A maioria das religiões acima citadas são específicas
de algumas regiões do país, com exceção dos quatro primeiros, que se encontram em todo território
brasileiro. Interessante notar que muitas destas modalidades religiosas se entrecruzam e cada uma
delas dispõe de bastante diversidade em seu próprio interior. Para aprofundar a análise, apresentarei
um breve itinerário de como os pesquisadores das ciências sociais trataram a
diversidade/multiplicidade das religiões afro-brasileiras.
Os primeiros estudiosos do tema, os pesquisadores clássicos analisados no primeiro capítulo,
se atentaram para esta diversidade, mas não a julgaram importante de ser estudada, haja vista que,
depois de escolhido o culto verdadeiro (leia-se candomblé nagô), as outras formas seriam
degenerescências. Nesta primeira fase das pesquisas sobre religiões afro-brasileiras, muito se foi
falado sobre sincretismo, mas pouco foi o esforço para se descrever e analisar a multiplicidade
destas religiões. Apesar do candomblé apresentar uma inerente diversidade, sendo dividido em
múltiplas nações (onde cada nação seria uma modalidade: nagô, ketu, efon, ijexá, nagô-vodum, jeje,
angola, congo, caboclo)98, foi a partir da umbanda que foram e vem sendo cunhadas e adaptadas
teorias para se pensar a diversidade/multiplicidade destas religiões.99
Em um trabalho pioneiro, publicado em 1961, Cândido Procópio Ferreira de Camargo se
propõe a apresentar uma interpretação sociológica do kardecismo e umbanda. Seu mérito maior foi
adaptar a teoria do continuum, advinda da escola culturalista norte-americana (continuum folk-
urbano)100, às religiões mediúnicas no caso, o kardecismo e a umbanda. Sobre esta última, o autor
escreveu: (...) a Umbanda é aspiração religiosa em busca de forma. Realmente, o que se vê em São
Paulo, são cambiantes variados de organizações religiosas, sem unidade doutrinária e ritualística.
(1961, p. 33). Sua teoria é de que há, entre as religiões mediúnicas , (...) um continuum
religioso que abarca desde as formas mais africanistas da Umbanda até o Kardecismo mais

qualquer outra religião. A meu ver, a consolidação do termo religiões ao se tratar do afro-brasileiro pode ser uma
maneira de se combater o preconceito que esta herança cultural carrega.
98
Para aprofundar o conceito de nações de candomblé, ver Costa Lima (1976). Existem casos em que o terreiro realiza
rituais em mais de uma nação, e também é comum casas de culto que mudam a modalidade do ritual caso o pai-de-santo
fizer a troca das águas (CAPONE, 2004, p. 131). Em pesquisa anterior (FERNANDES, 2014), eu apresento uma
breve etnografia de um terreiro cujos dirigentes foram iniciados na nação angola, e depois de muitos anos, foram
refeitos na nação ketu. Em direção oposta ao nagocentrismo, neste terreiro a nação angola é considerada mais
tradicional que a nação ketu.
99
Uma exceção do primeiro período foi Arthur Ramos, que apresentou um elaborado quadro do sincretismo, que consta
na análise que apresentei sobre ele no primeiro capítulo. Bastide, brilhante e dedicado pesquisador, também menciona
muitas religiosidades afro-brasileiras, em especial na obra As Religiões Africanas no Brasil.
100
O conceito de continuum folk-urbano foi criado por Robert Redfield a partir de suas pesquisas no México. Redfield
acreditava que havia variações contínuas entre sociedades do tipo folk (pequenas, isoladas) e sociedades urbanas,
podendo aumentar e diminuir de um pólo para o outro (OLIVEN, 2010). Bastide (1971) também utilizou o conceito de
continuum, porém não no mesmo sentido que Camargo (1961).

92
ortodoxo . (Idem, p. XII) Pode-se afirmar que há inúmeras modalidades combinatórias em que se
expressa o continuum algumas mais ligadas à Umbanda, outras mais próximas ao Kardecismo,
formando um elo entre os extremos . (Idem, p. 15). Conforme explanei no capítulo anterior, esta
abordagem de Camargo apresenta muitas semelhanças com os escritos de Bastide.
Renato Ortiz critica Camargo argumentando que só porque kardecismo e umbanda [...] são
religiões mediúnicas não devemos confundi-las dentro de um mesmo continuum religioso; o
catolicismo e o protestantismo são religiões bíblicas, mas nem por isso assimilamos um ao outro.
(1999, p. 96). No entanto o autor reconhece a eficácia do conceito para a compreensão dos ritos
umbandistas, e propõe um novo arranjo, onde o continuum abarcaria somente a umbanda:
Para apreender a complexidade deste ritual, o consideraremos como um
gradiente religioso entre dois pólos: o mais ocidentalizado e o menos
ocidentalizado. Estes dois conceitos se referem às diferentes posições que
pode ocupar a prática religiosa dentro da sociedade brasileira. O pólo menos
ocidentalizado se encontra mais próximo das práticas afro-brasileiras,
enquanto o mais ocidentalizado tende a se distanciar. [...] vamos encontrar
assim, no pólo mais ocidentalizado, uma maior integração com a ideologia
dominante; no pólo menos ocidentalizado esta integração se realiza de
maneira menos pronunciada. Trata-se porém nos dois casos de integração, e
uma ruptura se processa em relação ao candomblé que se desenvolve
justamente no sentido de uma resistência cultural.101 (1999, p. 97).

Fernando Brumana e Elda Martínez não citam literalmente o continuum, mas também
propõem uma divisão em dois pólos. No entanto, eles alargam o gradiente por considerarem que a
umbanda [...] existe em meio a uma realidade religiosa mais vasta, extremamente rica e complexa;
os diferentes cultos que nela se encontram não são realidades autônomas, fechadas, mas estreita e
fortemente ligadas entre si. (1991, p. 49). Os pólos seriam definidos, então, através da existência
da feitiçaria (candomblé e umbanda) e o combate à crença na feitiçaria (catolicismo e
protestantismo). A feitiçaria seria o elo que ligaria todas estas religiões presentes no território
brasileiro.
Temos dois pólos: um, de religiões que combatem o feiticeiro, encerrando-o
às vezes em suas próprias fileiras; outro, das que combatem a crença nele.
No meio, uma, o Espiritismo, que pretende ignorá-lo ao mesmo tempo que
marginalmente se oferece para remediar suas sequelas. (Idem, p. 70).

Lísias Negrão reconhece a eficácia do conceito de continuum afirmando que este foi o
grande mérito do trabalho de Camargo, todavia ele pontua alguns ajustes. Enquanto que para
Camargo um pólo seria o kardecismo ortodoxo e o outro as formas mais africanistas da umbanda,
para Negrão um pólo seria o kardecismo e o outro pólo seria [...] constituído pela antiga Macumba,

101
Como vimos no capítulo anterior, Bastide foi a principal influência de Ortiz, por isto este último tende a considerar o
candomblé como uma resistência cultural .

93
atualmente referida como Quimbanda isto nos anos mais remotos de realização do estudo. Ou,
então, o próprio Candomblé, em anos mais recentes. (NEGR O, 1996, p. 29). Para Negrão, a
umbanda sempre teria ao menos alguns elementos do pólo que ela estaria mais distanciada (Idem,
idem). Já José Magnani considera [...] dois pólos extremos os terreiros mais próximos das
tradições afro-indígenas e, de outro, os centros influenciados pelo kardecismo [...]. (1991, p. 48).
O conceito foi melhor elaborado pela antropóloga italiana Stefania Capone. Ela apresenta
um interessante quadro no qual aglutina as mais diversas modalidades de cultos afro-brasileiros, em
uma linha horizontal na seguinte ordem: kardecismo, umbanda branca, umbanda africana, omolocô,
umbandomblé, candomblé banto, candomblé nagô, candomblé reafricanizado; a macumba e a
quimbanda aparecem em uma categoria denominada construção das identidades religiosas por
contraste , enquanto que a Igreja Católica e as Igrejas Pentecostais aparecem nas categorias
relações de inclusão e relação de exclusão . Os pólos do continuum proposto por Capone seria,
então, o kardecismo de um lado, e o candomblé reafricanizado, de outro; as religiões presentes neste
continuum são várias, e estão especificadas; fora do continuum há outras que mantém relações com
aquelas. Abaixo, o quadro proposto por Capone sobre o campo religioso afro-brasileiro:
Figura 1 Continuum das religiões afro-brasileiras.

Fonte: Capone (2004, p. 99).

94
Trabalhos mais recentes buscam outras alternativas teóricas para a compreensão do
fenômeno, trocando o conceito de sincretismo pelo arsenal teórico da corrente pós-colonial
(NOGUEIRA, 2009; ENGLER, 2011). Leo Carrer Nogueira repassa alguns conceitos presentes nos
estudos pós-coloniais: o de hibridismo, conforme proposto pelo indiano Homi K. Bhabha (1998), o
de hibridação, proposto pelo argentino Nestor Canclini (2006), o de crioulização, proposto pelo
francês Édouard Glissant (2005), entre outros. Nogueira opta pelo conceito de
hibridismo/hibridação, de Bhabha/Canclini, por [...] remeter a uma dinamicidade maior dos
processos culturais e religiosos. (2009, p. 33). Além disso, como veremos adiante, Nogueira foi um
dos pesquisadores que dialogou com a teoria do rizoma.
Steven Engler, em artigo recente que discute a umbanda e a globalização/glocalização,
perpassa pelos conceitos de hibridismo de raízes e hibridismo de caminhos102, para então propor o
conceito de hibridismo da refração:
O conceito do hibridismo da refração refere a uma relação homóloga entre
um conjunto de distinções sociais em uma determinada sociedade e a
repetição, elisão, ou inversão destas mesmas distinções dentro de um
sistema de crenças e práticas religiosas daquela sociedade. A Umbanda é
uma religião moderna que engloba, reflete, atravessa, e enfim reforça
distinções sociais importantes da sociedade brasileira. É um caso importante
do hibridismo da refração porque a sua origem, trajetória, e posição são tão
intimamente atadas com questões de raça e classe no Brasil, e porque ela
reflete essas tensões na sua elaboração doutrinal, formas rituais, e
institucionalização. (2011, p. 24).

O autor conclui que, à medida que a umbanda reflete o hibridismo da refração, ela se
configura não como uma religião afro-brasileira, mas sim como uma tradição híbrida brasileira
(Idem, p. 34). Ressalta também que este conceito poderia ser usado na análise de outras tradições
religiosas presentes em território brasileiro (Ibidem, p. 25). Interessante notar que, mesmo sem
pronunciar, ele se utiliza, de certa forma, do conceito de continuum, quando discorre sobre o [...]
complexo espectro de formas doutrinais e rituais, entre terreiros mais parecidos com os do
candomblé e centros que têm mais a ver com aqueles do kardecismo. (Ibidem, p. 30).
Ordep Serra reserva o termo ecletismo para a espécie de doutrina que possui
expressamente o propósito de realizar a síntese de várias doutrinas; este ecletismo estaria bem
presente na umbanda (1995, p. 14). Mas o autor, ogã de famoso terreiro baiano de candomblé e tido

102
O hibridismo de raízes... depende um sincretismo simples de dois totais anteriores para fazer um terceiro inteiro e
novo. Neste modo teleológico, as origens e a pertinência são supremas, e os essencialismos exclusivos podem ser
facilmente reproduzidos. O hibridismo de caminhos... depende de movimentos diaspóricos imprevisíveis, cria redes
complexas instáveis que não são redutíveis a progressões teleológicas, mas que se movem para cá e para lá
irregularmente no tempo e no espaço. Neste modo, os caminhos e o movimento são supremos e o exclusivismo dá lugar
às identidades mais inclusivas baseadas, por exemplo, na percepção de interesses e metas comuns, e não nas origens
comuns. (WADE Apud ENGLER, 2011, p. 21).

95
como defensor do nagocentrismo, não inclui o candomblé neste modelo de ecletismo. Segundo
Serra, os adeptos do candomblé insistem na singularidade da sua religião, mesmo aceitando a
pertinência e o valor das outras religiões (Idem, p. 15).
Reconheço a importância e eficácia destes conceitos mas, a meu ver, a teoria do rizoma,
postulada por Giles Deleuze e Félix Guatarri (2011), é a mais apropriada para se pensar a umbanda
e as religiões afro-brasileiras de uma forma geral, o que é corroborado por trabalhos publicados
recentemente (ANJOS, 2006; NOGUEIRA, 2009).
[...] diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto
qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete
necessariamente a traços de mesma natureza; ele põe em jogo regimes de
signos muito diferentes, inclusive estados de não signos. O rizoma [...] não
tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e
transborda. Ele constitui multiplicidades lineares a n dimensões, sem sujeito
nem objeto [...]. Uma tal multiplicidade não varia suas dimensões sem mudar
de natureza nela mesma e se metamorfosear. Oposto a uma estrutura, que se
define por um conjunto de pontos e posições, por correlações binárias entre
estes pontos e relações biunívocas entre estas posições, o rizoma é feito
somente de linhas: linhas de segmentaridade, de estratificação, como
dimensões, mas também linha de fuga ou de desterritorialização como
dimensão máxima segundo a qual, em seguindo-a, a multiplicidade se
metamorfoseia, mudando de natureza. [...] o rizoma se refere a um mapa que
deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível,
modificável, com múltiplas entradas e saída, com suas linhas de fuga. [...]
Contra os sistemas centrados (e mesmo policentrados), de comunicação
hierárquica e ligações preestabelecidas, o rizoma é um sistema acentrado não
hierárquico e não significante, [...] unicamente definido por uma circulação
de estados. (DELEUZE&GUATTARI, 2011, p. 43).

O rizoma, termo advindo da Botânica, se metamorfoseou em modelo epistemológico da


Filosofia através dos pensadores franceses Deleuze e Guattari, e pode ser usado como forma de
abordagem para se analisar uma infinidade de temáticas. O rizoma é um sistema acentrado, que não
pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo (Idem, p. 29). Difere do modelo
arborescente, não há posições, somente linhas (Ibidem, p. 24), e uma das principais características
do rizoma é ter sempre múltiplas entradas (Ibidem, p. 30). Aqui as multiplicidades são planas, não
se deixam sobrecodificar (Ibidem, p. 24-25), e [...] qualquer ponto de um rizoma pode ser
conectado a qualquer outro e deve sê-lo. (Ibidem, p. 22). O rizoma é um imenso mapa, sem centro,
sem árvores, galhos ou raízes, com múltiplas possibilidades de conexão.
José Anjos se refere à lógica rizomática em oposição ao pensamento arborescente que
caracteriza a definição de sincretismo (2006, p. 21). O autor apresenta a noção de encruzilhada:
A ideologia da democracia racial fecundou toda uma imagem do Brasil
como país do sincretismo, da miscigenação racial. Para essa ideologia, a
imagem do cruzamento das diferenças está mais próximo de certo modelo
biológico, em que espécies diferentes se mesclam numa resultante que seria

96
a síntese mulata. A religiosidade afro-brasileira tem um outro modelo para o
encontro das diferenças que é rizomático: a encruzilhada como ponto de
encontro de diferentes caminhos que não se fundem numa unidade, mas
seguem como pluralidades. (Idem, ibidem).

José Anjos, ao adentrar no território da linha cruzada, percebeu que em muitos terreiros
pode haver várias modalidades coexistindo. Da nação Jeje emanam divindades, batidas, pontos de
vista diferentes da nação Cambinda, mas ambos podem ser conjugados num mesmo terreiro em
momentos diferentes. (Ibidem, p. 119). Na cidade de Campo Grande, capital de Mato Grosso do
Sul, onde resido e realizo visitas sistemáticas a vários terreiros, entrei em contato com várias casas
que realizavam trabalhos de candomblé, umbanda e quimbanda, em dias diferenciados. Nestes
terreiros, as diferenças religiosas coexistem. Como bem observou Anjos,
[...] a lógica rizomática da religiosidade afro-brasileira, ao invés de
dissolver as diferenças, conecta o diferente ao diferente deixando as
diferenças subsistirem como tais. Um caboclo permanece diferenciado de um
orixá mesmo se cultuados no mesmo terreiro e sob o mesmo nome próprio
(como, por exemplo, ogum). (2006, p. 22).

Para o historiador Leo Carrer Nogueira, que recentemente dissertou sobre a formação da
umbanda na cidade de Goiânia, a ideia de rizoma permite enxergar [...] estas religiões como
sistemas abertos, múltiplos, ambíguos, que podem buscar elementos em diversas influências
religiosas para compor o quadro de suas práticas diárias (2009, p. 43). Nesse sentido, o campo
religioso afro-brasileiro é um [...] quadro onde várias linhas se entrelaçam, podendo dar origem a
inúmeras combinações diferentes, dependendo da matriz religiosa que se utiliza, mas mantendo as
características principais que a definem (Idem, p. 42).
Nogueira se utilizou da teoria do rizoma pra forjar a teoria do rizoma umbandista ,
buscando a superação do conceito de continuum:
Trata-se de um rizoma umbandista, uma infinidade de influências, um
arquipélago com várias ilhas, onde cada terreiro, centro ou tenda de
Umbanda pode ir buscar suas influências. Trata-se de um sistema aberto
não fechado como o continuum o era cujos diversos elementos são
utilizados, misturados, ressignificados e reelaborados para dar forma ao culto
religioso umbandista, e que todos juntos dão origem a uma religião
absolutamente complexa e diversificada. (Idem, 43)

Mesmo admitindo que a teoria do rizoma se apresenta como um arsenal teórico-


metodológico-epistemológico mais amplo e capacitado para se buscar a compreensão das religiões
afro-brasileiras, não posso deixar de mencionar a importância que o conceito de continuum
conquistou nos estudos sociais sobre o universo afro-brasileiro, e também reconheço sua eficácia
enquanto ferramenta teórico-metodológica, haja vista que uma divisão em várias religiões dentro de

97
um continuum (mediúnico, de possessão, afro-brasileiro, espírita etc são várias as possibilidades,
desde que se delimite dois pólos), semelhante à que Capone (2004) fez, é interessante para
simplificar e tornar didático o entendimento sobre este complexo campo religioso que é o afro-
brasileiro.
Gustavo Chiesa, em artigo recente sobre um estudo de caso (a trajetória de Pai Valdo, pai-
de-santo de umbanda), dá ênfase ao [...] papel da criatividade, da subjetividade e da experiência na
elaboração de uma cosmologia e uma estrutura religiosa singular. (2012, p. 207). Sua proposta é
[...] pensar a religião nos termos de uma experiência e narrativa pessoal em movimento e não
como um sistema fechado de ideias e valores previamente estruturado. (Idem, Ibidem). O autor
entende a umbanda como uma religião em movimento: É movimento no sentido de estar em
constante processo de transformação através da criação de novos terreiros, da fusão ou segmentação
de terreiros antigos, do surgimento de novos pais e mães-de-santo, da mistura com diferentes
formas religiosas. (Idem, p. 208).
A grande variedade de elementos culturais advindos de várias matrizes religiosas existentes
no campo simbólico, mitológico e ritualístico, dá oportunidade ao sacerdote religioso um
indivíduo num contexto de identidade cultural múltipla e fragmentada na pós-modernidade
(HALL, 2006, p. 46) estabelecer um itinerário religioso que seguirá seus próprios gostos e
vontades, que será fruto de sua própria vivência e criatividade. Como bem ressaltou Patrícia
Birman, [...] não há limites na capacidade do umbandista de combinar, modificar, absorver práticas
religiosas existentes dentro e fora desse campo fluido denominado afro-brasileiro (1983, p. 27).
Isto não quer dizer que qualquer pessoa poderá ler meia dúzia de livros e montar um terreiro. Como
dizem os pais e filhos de santo, há que se ter o axé , isto é, há que se contar com uma bagagem
espiritual, adquirida com iniciações e vivências. As religiões afro-brasileiras são religiões
iniciáticas103.
Desde que esteja em sintonia com certos códigos inerentes ao campo religioso afro-
brasileiro, o sacerdote tem liberdade de ação e criação em suas atividades religiosas, na qual dialoga
com um amplo e dinâmico arsenal simbólico. Neste sentido, digamos que nas religiões afro-
brasileiras, em especial na macumba/umbanda, as estruturas performativas sobressaem-se sobre as
estruturas prescritivas (SAHLINS, 2011, p. 12-15), isto é, os atores valorizam as mudanças ao invés
de obedecer fielmente a modelos anteriormente prescritos. Não há uma padronização nem na
ritualística nem na mitologia: há diversas formas de se praticar e vivenciar tais cultos. Não há,

103
No caso das nações de candomblé que utilizam ritualmente (especialmente nos cânticos) formas de linguagem de
origem africana, a dificuldade é ainda maior, devido ao entrave linguístico. Não é tarefa simples montar e dirigir um
terreiro de qualquer modalidade, e neste caso, talvez seja ainda mais dificultoso.

98
também, uma centralização institucional: mesmo que seja interessante para o chefe do terreiro ser
filiado a alguma federação, é possível tocar os trabalhos não estando filiado a nenhuma.
Marcio Goldman antropólogo cuja dissertação pelo Museu Nacional trata sobre o
candomblé (1984) utilizando brilhantemente os mecanismos contra o Estado , pressupostos de
Pierre Clastres, para se analisar as religiões afro-brasileiras, escreveu:
As origens históricas e o devir das religiões de matriz africana podem,
talvez, explicar a inexistência de algo como uma doutrina, bem como seu
caráter institucionalmente descentralizado, espaço de uma variabilidade e de
uma criatividade que só podem embelezar o culto, afastando-o dos códigos
monótonos das grandes religiões. De toda forma, o fato é que cada terreiro é
autônomo e de que não há poder que sobrecodifique o conjunto por eles
formado o que, evidentemente, limita o poder de cada chefe de terreiro
nos faz sonhar, mais uma vez, com as hipóteses clastrianas. Claro que
também existe uma tendência federalizante , como a batizou Michel Agier
(...), mas, além do fato de que ela parece operar sobretudo na esfera das
relações com o Estado, as próprias federações tem o costume de se
subdividirem continuamente. (2009, p. 5)

A confecção do itinerário ritual geralmente acaba por obedecer à idiossincrasia de cada pai
ou mãe-de-santo, por isso são muitos os arranjos que se constituem neste campo religioso. A partir
de um amplo arsenal ritualístico e teológico, o sacerdote engendra sua própria forma de praticar a
religião. A coexistência das diferentes linhas religiosas (umbanda, quimbanda, candomblé) acontece
geralmente mantendo-se as diferenças, as especificidades, no entanto, muitas vezes o amálgama
efetua-se literalmente na fundição de duas ou mais religiões. Para pontuar este aspecto, apresento
dois exemplos etnográficos:
a) Fui convidado por um jovem babalorixá para uma festa dedicada à pombagira de sua mãe.
Ainda não conhecia o terreiro, mas sabia se tratar de uma casa de candomblé de nação ketu,
denominada Ilè Dara Agan Oyá Asé Elegbara Omodè – Instituto Sócio Cultural de Matriz
Africana. Chegamos cedo, e no início da cerimônia, todos membros da casa portavam
roupas típicas do candomblé, os cânticos eram em língua iorubá, os atabaques (instrumentos
musicais de percussão) eram tocados com oguidavis104, como é feito na nação ketu. Em
pouco menos de uma hora, os oguidavis foram deixados de lado, e passaram a entoar
cantigas da nação angola. Alguns discursos eram pronunciados em pequenos intervalos, e
certo momento disse pai Lucas de Odé, dirigente do terreiro: Quem disser que não tem um
pézinho na angola está mentindo; pelo menos aqui em Campo Grande. Até aqui, o ritual
acontecia com uma roda de candomblé, bem ordenada. Algum tempo depois, começaram a

104
Varetas de goiabeira, tamarindeiro ou cipó duro, de 25 a 30 cm, com que são batidos os atabaques nos rituais keto,
ijexá e jeje, embora as duas últimas batam alguns ritmos com as mãos, da mesma forma que o angola e o candomblé de
caboclo. (CACCIATORE, 1977, p. 197).

99
cantar em português, cânticos característicos da umbanda-macumba, a animação dos
membros da casa e dos assistentes aumentaram, de repente a mãe-de-santo incorporou sua
pombagira, e então os seus filhos-de-santo passaram a incorporar seus guias (exus e
pombagiras), um a um. Entraram todos, assessorados pelas equedes (responsáveis por
prestar assistência às entidades no ritual), num espaço privado do local. As entidades foram
vestidas: as pombagiras com pomposos vestidos, os exus com roupas, capas e chapéus
pretos. Depois disso, não houve mais uma roda com dança típica do candomblé. As
entidades bebiam, fumavam e dançavam de forma não controlada, sem nenhuma espécie de
ordenamento; pouco a pouco os convidados de outros terreiros passaram a incorporar seus
exus e pombagiras. As pessoas da assistência que não entraram em transe foram servidos de
cerveja e uma apetitosa janta. Enquanto pessoas comiam na parte externa do salão, lá dentro
espíritos (as entidades) e humanos (os membros que não entram em transe e outras pessoas
que assistiam ao ritual) bebiam, fumavam cigarros, cantavam e dançavam. Este clima de
boêmia perdurou no decorrer da noite, e muito antes que acabasse o ritual, eu fui embora,
satisfeito com a saborosa comida e com muitas reflexões após algumas horas de atenta
observação.
b) Outro caso significativo aconteceu numa casa de umbanda e candomblé que descrevi
brevemente em trabalho anterior (FERNANDES, 2014). Esta localidade começou apenas
como umbanda e anexou o candomblé angola após a feitura da mãe-de-santo. Com o tempo,
mudou de angola para ketu. O neto da ialorixá atual dirigente pois ela se encontra em
idade bastante avançada não tem receio de explicitar que pratica a umbanda por caridade
mas aprecia mesmo o candomblé. Nem todos os médiuns do terreiro são iniciados no
candomblé, mas fica bem claro para todos que frequentam que a umbanda é a porta de
entrada para novos adeptos, mas a iniciação no candomblé é o ápice da experiência
religiosa. Como bem ressaltou Capone: A umbanda é considerada por muitos médiuns uma
via de acesso ao candomblé, uma espécie de preparação para atingir um nível superior.
(2004, p. 27). Fui a uma festa de erês em outubro de 2014, e depois de incorporarem as
entidades os médiuns entraram nos recintos privados, foram vestidos com os ornamentos
específicos (roupas de crianças), e voltaram dançando em círculo, como é no xirê (festa) de
candomblé, enquanto que os ogãs e o pai-de-santo cantavam em iorubá. Depois de um certo
momento é que os erês foram para o chão, brincar e fazer traquinagens, como é típico na
umbanda; os ogãs também cantaram alguns poucos pontos cantados (cânticos rituais) em
português, característicos da religião umbandista, no entanto predominou, durante toda a
cerimônia, cânticos em iorubá. Interpretei estas alterações como uma africanização, ou

100
melhor, uma candombledização de um ritual outrora mais próximo da tradição umbandista
naquele terreiro (FERNANDES, 2014, p. 76-77).

Duas tendências contemporâneas vem ganhando força na conjuntura afro-brasileira: a


umbandização e a africanização. O conceito de umbandização foi cunhado por Yoshiaki Furuya
(1994), que pesquisou no contexto da região amazônica. O autor denomina de umbandização
ativa o crescimento dos grupos que se autodefinem como umbandistas; e umbandização passiva
a penetração da influência da umbanda até mesmo nos grupos que não se definem como
umbandistas (1994, p. 17). Ao que tudo indica, o processo de umbandização ocorre em todo o
Brasil. Hoje em dia, terreiros de candomblé sem os exus e pombagiras da umbanda, sobretudo os
de origem mais recente, se contam nos dedos. (PRANDI, 2001, p. 57). A meu ver, a umbandização
demonstra a robustez da tradição da macumba, tendo em consideração que a umbanda-macumba é
muito mais numerosa que a umbanda branca.

A africanização (ou reafricanização) do candomblé, mesmo sendo também bricolagem,


invenção de tradições (PRANDI, 1999, p. 106), vai de encontro com a umbandização, haja vista que
pretende se desvincular das influências não africanas (católicas, espíritas, indígenas etc); a
africanização é um embate contra o sincretismo, é uma negação deste. Os sacerdotes que buscam a
reafricanização empreendem viagens à África, seja para participação em congressos e eventos, ou
para dar obrigações e tomar cargos em templos da Nigéria ou Benin; participam de cursos de
línguas iorubá; lêem livros, especialmente os acadêmicos (geralmente etnografias) sobre religiões
afro-brasileiras e africanas; africanizar-se é intelectualizar-se (PRANDI, 1999; SILVA, 1999;
1995). Se a umbandização atesta a expressividade da macumba, a africanização assegura o fulgor
do nagocentrismo/nagocracia, como podemos constatar nas palavras de Vagner Silva:

[...] pode-se dizer que a reafricanização em alguns casos, se me permitem o


uso de neologismos, é sinônimo de descatolização (retirada de práticas
católicas do candomblé), e em outros é sobretudo, além da descatolização,
uma radicalização da nagocracia em direção a uma desbantualização
(incluindo uma descaboclização, isto é, uma retirada do panteão das
entidades bantos e dos caboclos). Prevalece aqui uma iorubanização seja nos
moldes brasileiros ou nos africanos. Muitos sacerdotes adeptos deste último
processo procuram evitar, inclusive, a utilização do termo candomblé para
definir a sua religião, preferem chamá-la de tradição dos orixás. (1999, p.
156)

Percorridos estes caminhos, temos que o caráter rizomático do campo religioso afro-
brasileiro é mais que perceptível: podemos dizer indubitável. A diversidade/multiplicidade é
inerente às religiões afro-brasileiras. Visando didatizar o entendimento acerca deste cenário

101
rizomático desta grande teia sem tronco principal, sem começo nem fim que é o campo religioso
afro-brasileiro, apresento uma breve e incompleta esquematização.

Deleuze e Guattari denominam de [...] platô toda multiplicidade conectável com outras
hastes subterrâneas superficiais de maneira a formar e estender um rizoma. (2011, p. 44). Equiparo
o termo platô ao termo complexo : um conjunto, sem delimitação precisa, de manifestações
múltiplas que se conectam a outros conjuntos, formando assim um rizoma, que seria um agregado
de vários platôs/complexos. Neste sentido, pensando o campo religioso afro-brasileiro, considero
que cada platô/complexo comportaria algumas modalidades que apresentam muitas semelhanças.
Seriam três os principais:
a) Platô/Complexo da macumba. Abrange as seguintes denominações: quimbanda, linha
cruzada, umbanda traçada, umbandomblé, umbanda africana, umbanda popular, umbanda
omolocô. Todas estas modalidades seriam oriundas da macumba como tradição religiosa,
mesmo que dialogando intensamente com o candomblé. Aqui a herança afro-brasileira é
geralmente valorizada de forma mais ou menos isonômica em relação às outras matrizes
(indígena e católica).

b) Platô/Complexo da umbanda kardecizada. Abrange as seguintes denominações: espiritismo


de umbanda, umbanda branca, umbanda tradicional, umbanda pura, umbanda cristã,
umbanda esotérica. Essas modalidades dialogam com a macumba, pois emprestam desta
alguns sinais diacríticos, como por exemplo as entidades, mas a matriz de formação é
espírita. Corresponde ao movimento engendrado por Zélio de Moraes e seus companheiros,
aos fundadores da primeira Federação Espírita de Umbanda (1939), a toda uma literatura
doutrinária de cunho esotérico. Aqui a herança afro-brasileira é, na maioria das vezes,
diminuída ou mesmo negada.

c) Platô/Complexo do candomblé. Abrange as seguintes denominações: nação nagô, nação


ketu, nação jeje, nação ijexá, nação efon, nação angola, nação congo, candomblé de caboclo,
candomblé africanizado. Aqui a herança afro-brasileira é mais requisitada, valorizada, que
outras matrizes culturais.

102
Figura 2 Platôs/Complexos principais do rizomático campo religioso afro-brasileiro

Fonte: Quadro engendrado pelo autor.

103
Uma problemática relevante em relação a este quadro é que algumas modalidades poderiam
estar inclusas em dois platôs/complexos diferentes, como é o caso do candomblé de caboclo e do
umbandomblé: o candomblé de caboclo é comparável à macumba se não for a própria macumba
com outro nome , pois é de origem banto, e ocorre incorporação de entidades (caboclos e exus, por
exemplo)105; já num terreiro de umbandomblé pode ocorrer trabalhos de alguma nação de
candomblé em paralelo com trabalhos de umbanda-macumba. Neste sentido, optei por inserir estas
duas modalidades em um ponto de intersecção entre o platô/complexo do candomblé e o da
macumba. Esta estratégia não soluciona o problema, pois como vimos no decorrer deste trabalho,
na prática ritual tudo ocorre de uma forma mais fluida, as diferentes modalidades se entrecruzam;
são poucos os terreiros de candomblé que não aglutinam os rituais da umbanda.

Há relações de inclusão e exclusão de elementos entre as modalidades religiosas dentro de


cada platô/complexo, e entre eles próprios. Por exemplo, o platô/complexo da umbanda kardecizada
mantém relações de inclusão em relação ao da macumba, pois dela empresta seus principais
símbolos, mas ao mesmo tempo mantém diversas relações de exclusão. Do mesmo modo, o
platô/complexo do candomblé, em especial as nações nagô e ketu e o candomblé africanizado,
mantém severas relações de exclusão com os outros dois platôs/complexos, todavia, na prática,
mantém relações de inclusão, emprestando muitos elementos ritualísticos.106

O aspecto principal que decorre desta esquematização é sua incompletude: não abrange o
campo religioso afro-brasileiro em sua totalidade, pois mensurá-lo seria tarefa impossível, devido à
sua natureza rizomática. Outras variantes, não menos importante mas cuja abrangência é apenas
regional (xangô, batuque, tambor de mina, jurema, encantaria etc) não foram incluídos no quadro
proposto, mas estão fortemente presentes neste campo religioso. Como estamos falando de rizoma,
não podemos pensar em totalidade. Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre
no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança,
unicamente aliança. (DELEUZE&GUATTARI, 2011, p. 48). Neste sentido, serão sempre
múltiplas conectividades potenciais. Os platôs/complexos apresentados no quadro acima podem se
conectar a muitos outros: espírita, ayahuasqueiro, nova era, neopentecostal etc.

105
Sobre a presença dos exus da umbanda no candomblé de caboclo, ver Caroso&Rodrigues (2004).
106
Creio que a conexão se faça de forma muito mais acentuada entre o platô/complexo do candomblé com o da
macumba, no entanto, como demonstrou Capone (2004), até as mães-de-santo dos tradicionais candomblés baianos
apresentam alguma influência espírita.

104
Considerações parciais

Neste capítulo, foram demonstrados os sinais diacríticos da macumba: sua relação com a
quimbanda, com a linha da esquerda , com a demanda e feitiçaria; seus personagens, advindos do
mundo espiritual: as singulares entidades, representações simbólicas da herança histórica brasileira.
Foram mencionadas outras nomenclaturas a ela relacionadas, em especial a linha cruzada. Foi
afirmado que um terreiro de macumba é aquele em que se mistura rituais de umbanda, quimbanda e,
muitas vezes, candomblé.

Perpassamos as teorias utilizadas por antropólogos, sociólogos e historiadores acerca da


inerente diversidade/multiplicidade das religiões afro-brasileiras. Foram apontadas, de modo
conciso, as teorias do continuum religioso, o arsenal teórico da corrente pós-colonial em especial
o hibridismo em suas variações , o ecletismo, até chegar ao modelo
teórico/metodológico/epistemológico do rizoma, ao qual me alinho. Foram indicadas ainda duas
tendências atuais: a umbandização e a africanização. Uma das lacunas do presente trabalho é a
ausência de discussão acerca do termo sincretismo, tão usual ao se falar de religiões afro-brasileiras;
mas toda pesquisa é um caminho a ser percorrido, permeado por escolhas que incluem certos temas
e objetos e excluem outros.

Vimos também que cada sacerdote que dirige uma casa de culto acaba por moldá-la a seu
gosto, a partir de sua própria vivência. Alguns são mais performáticos, se permitem mais à
imaginação e capacidade de criação quando se vêem na empreitada de inventar tradições; outros são
mais prescritivos, obedecem mais fielmente a modelos já estabelecidos (SAHLINS, 2011). Mas
todos são, em certa medida, performáticos e prescritivos: prescritivos porque o sacerdote sempre
modela seu itinerário ritual a partir de um ou mais arranjos que teve contato previamente no
decorrer de sua carreira religiosa; performáticos porque mesmo que o sacerdote se esforce em
seguir rigorosamente a tradição da qual faz parte, muitos detalhes advindos de sua própria
personalidade, de seus gostos e preferências, estarão presentes em seu terreiro. De todo modo, é
muito comum os adeptos afirmarem que não são eles que escolhem, mas sim as entidades e
divindades quem ditam as regras e determinam os aspectos que permeiam os rituais.

Há uma infinidade de possibilidades para o pai ou mãe-de-santo engendrar seu próprio


formato de se praticar a religião. As religiões afro-brasileiras são religiões em movimento, para
fazer menção à assertiva de Chiesa (2012). As denominações religiosas são muitas; diferentes
religiões coexistem num mesmo terreiro, na maioria das vezes mantendo as diferenças, mas também
ocorrem espécies de fusões. Múltiplas são as possibilidades de construção do itinerário ritual neste
cenário rizomático.

105
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegou momento de retomar as questões que pontuaram este roteiro acerca do universo
afro-brasileiro. Quais foram as tranformações por qual passou a macumba no decorrer do século
XX nos escritos de etnógrafos, antropólogos, sociólogos e historiadores? Quais são os mecanismos
inclusos na perpetuação de uma forma de culto em detrimento de outras? Em que medida os
pesquisadores acadêmicos e os sacerdotes influem nas invenções e/ou manutenção de tradições?
Como se procede a fluidez das formas ritualísticas e teológicas neste diversificado campo religioso
que é o afro-brasileiro? Quais são os sinais diacríticos da macumba?

Vimos que a macumba e os cultos bantos em geral foram julgados de modo pejorativo por
toda uma geração de pesquisadores (de Nina a Bastide). A adesão destes às casas religiosas que
pesquisaram, principalmente na figura do ogã, fez com que assumissem as categorias nativas
(advindas dos sacerdotes) e transformassem em categorias analíticas, e assim foi decretado que os
cultos de origem banto seriam degenerados, enquanto que os de origem nagô/iorubá teriam
conservado a tradicionalidade e pureza africana. Mas que pureza é esta? Existe tal pureza?
A meu ver, este processo se constitui em uma iniquidade em relação à cultura banto por
parte dos pesquisadores107, assim como em um grande equívoco. Edison Carneiro assinalara, no fim
da década de 1940, acerca da presença dos caboclos no Gantois e Engenho Velho (1978, p. 54).
Segundo Ordep Serra, os três famosos terreiros baianos mantém boas relações com candomblés de
matriz banto (1995, p. 62). Mãe Menininha se orgulhava de conhecer os ritos de várias nações, e se
fosse preciso, não hesitava em iniciar filhos em outras nações, mesmo sem deixar de ser nagô
pura (Idem, p. 63). Muitas iniciadas nos terreiros tradicionais recebem e festejam os caboclos nas
casas em que são ialorixás (Ibidem, p. 22-23). Na maioria dos terreiros ketu, os caboclos também
são cultuados (Ibidem, p. 109). O autor ainda afirma que o primeiro candomblé na Bahia teria sido
de matriz banto. Depois houve um surto jeje-nagô, e a criação do candomblé congo ou candomblé
angola é uma resposta a este surto (Ibidem, p. 38).
Pergunto-me: estes pormenores não indicam a força da macumba? Se nunca houve um
candomblé puro africano, se sempre houve caboclos assim como exus e outras entidades nesta
religião, então da mesma forma que a macumba foi influenciada pelo candomblé, em especial na
aglutinação dos orixás em substituição aos inquices (deuses) bantos, o candomblé também foi
influenciado pela macumba, ao agregar tais entidades.

107
É trivial que os adeptos assumam ideologicamente sua religião como pura, ou como a mais tradicional. Mas dos
pesquisadores espera-se que alcancem a objetividade relativa de que fala Wagner (2010a).

106
A questão da pureza está presente na valorização do candomblé nagô, ao passo que também
está relacionada à criação da umbanda branca/pura . Com o advento do espiritismo de umbanda e
a literatura doutrinária, intentou-se alcançar a pureza com a depuração dos elementos mais
africanizados. Inventaram a umbanda, mas a umbanda branca/pura/cristã; trabalhos com caboclos,
preto-velhos e exus, que caracterizam o culto umbandista, já existia muito antes de 1908 data que
marca, para os adeptos das modalidades de umbanda kardecizada, o nascimento da religião. Como
já dito, a macumba já existia antes de 1908, e nunca deixou de existir. Apesar dos esforços dos
teóricos da umbanda (branca), a quimbanda garante a persistência da macumba, na continuidade de
suas práticas mágicas. (CAPONE, 2004, p. 102).
Toda uma geração de pesquisadores pós-1970 interpretou a religião umbandista a partir da
premissa que a macumba deu origem a umbanda e acabou sendo extinta (visão presente na literatura
doutrinária). Podemos dizer que, mesmo que eles não tenham aderido ideologicamente ao culto
como o grupo anterior, aqui também as categorias nativas acabaram por se tornar, ao menos
parcialmente, categorias analíticas. Neste sentido, a afirmação de Sá Junior (2013, p. 135) de que é
preciso desvincular-nos deste vício de abordagem, é demasiado contundente.
É inegável que os criadores da umbanda branca foram atores sociais demasiado importantes
no processo de legitimação da religião perante a sociedade mais ampla e as esferas estatais.
Todavia, não se pode diminuir o papel da macumba neste processo. A umbanda-macumba também
se institucionalizou e foi capaz de criar uma literatura doutrinária, em especial através da figura de
Tancredo da Silva Pinto (divulgador da umbanda africana).
Dentre rupturas e continuidades, mantendo antigas tradições e (re)inventando novas, se
hibridizando com outras, a macumba se manteve ativa como religião. Foi estigmatizada e/ou
relegada ao esquecimento por toda uma geração de pesquisadores, assim como contraiu significados
pejorativos perante a sociedade mais ampla, e por isso adotou o nome de umbanda no decorrer do
século XX, mas manteve-se sendo macumba, conservando suas características principais.
Sá Junior exprime a não utilização do termo macumba em alguns contextos:
[...] é bastante clara a seletividade no uso das duas nomenclaturas. A
expressão macumba pressupõe uma intimidade entre os que falam enquanto
o uso de Umbanda ou Espírita funcionam mais como um elemento para ser
lidado com pessoas externas aos cultos, ou quando se faz necessária uma
apresentação mais formal de sua religião. Perguntas como Qual a sua
religião raramente encontraram respostas do tipo Sou macumbeiro . Esse
uso cabe em determinados discursos e não são pertinentes em outros. (2013,
p. 118).

Quem se autodenomina macumbeiro se o termo está relacionado à feitiçaria, magia negra


etc? Porém, como podemos ver na citação acima, no íntimo do terreiro os termos macumba e

107
macumbeiro são utilizados pelos adeptos.108 Mesmo sendo estigmatizada por muitos setores, a
umbanda-macumba é a modalidade mais numerosa. Os terreiros traçados (misturados), que
denotam a macumba, são a maioria.

A macumba é festa, é boemia. A macumba é o jeitinho brasileiro. A linha da esquerda


como são designados os exus e as pombagiras se compõe como elemento principal para se definir
um terreiro de macumba. O exu é o malandro, é corruptível, ele faz o que se pede sem qualquer tipo
de fidelidade a quem está pedindo. Como me disse o exu Veludo, incorporado em pai Rubens, em
um terreiro de umbanda-macumba na periferia de Campo Grande-MS: o exu ganha um bode pra
fazer um trabalho, depois vem outro e dá outro bode pro exu desfazer o trabalho, daí o exu fica com
dois bodes . Os exus são os agentes da feitiçaria, aqueles que fazem magia de forma amoral. Mas
nunca houve quem admitisse, seja na umbanda ou no candomblé, trabalhar para o mal por meio de
Exu. (PRANDI, 2001, p. 56). De orixá no candomblé, o compadre na macumba, e o espírito
guardião na umbanda kardecizada, exu se transformou no demônio das igrejas neopentecostais.
Como ressaltou brilhantemente Vagner Silva: Se, por um lado, houve uma demonização do Exu
africano, por outro, houve uma exuzação do diabo bíblico introduzindo o relativismo africano no
maniqueísmo cristão do bem e do mal. (2012, p. 1092).
As religiões afro-brasileiras são múltiplas, plurais. Muitas são as designações, muitas são as
tradições. Este campo religioso forma um grande rizoma, unindo vários platôs-complexos.
Conforme já foi dito, algumas modalidades fazem menção à macumba: quimbanda, linha cruzada,
umbanda traçada, umbandomblé, umbanda omolocô, umbanda africana, umbanda popular. A
robustez da macumba pode ser vista também na influência que ela exerce nos candomblés e nas
umbandas kardecizadas. Advogando a favor da macumba e propondo algumas novas abordagens,
minha pretensão neste trabalho foi fomentar o debate sobre religiões afro-brasileiras, visando
amenizar a dimensão pejorativa que cerca a macumba, e assim contribuindo para o combate ao
preconceito e ignorância.

108
Maggie (2001) e Brumana&Martínez (1991) também apontam no sentido de que no âmbito interno dos terreiros os
termos macumba e macumbeiro são usados pelos adeptos.

108
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Autorizo a reprodução deste trabalho.

Dourados, 16 de abril de 2015.

__________________________________________
Saulo Conde Fernandes

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