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A Relação entre Valores Pessoais e Organizacionais Comparados aos Princípios do Cooperativismo 67

A Relação entre Valores Pessoais e Organizacionais


Comparados aos Princípios do Cooperativismo1

The Relationship between Personal and Organizational Values Compared to


the Principles of Cooperativism

Islania Andrade de Lira Delfino*+2, Aline Grams Land* & Walmir Rufino da Silva*
*
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil
+
Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, Brasil

Resumo
O estudo da estrutura de valores define a natureza das crenças e dos princípios dominantes e o modelo
motivacional característico de uma organização. Este estudo teve como objetivo investigar a relação entre valores
pessoais e organizacionais percebidos pelos empregados de uma cooperativa em comparação com os princípios do
cooperativismo. Nesse sentido, como fundamento teórico, os temas valores individuais, valores organizacionais, a
integração entre eles e valores em cooperativas foram abordados, visando a nortear uma pesquisa quantitativa por
meio de um estudo de caso descritivo. A coleta dos dados foi realizada junto aos empregados de uma organização
cooperativa, utilizando-se como instrumentos de coleta o Inventário de Perfis de Valores Organizacionais (IPVO) e
o Questionário de Perfis de Valores (QPV). Os resultados apontaram que os valores dos empregados estão mais
alinhados aos princípios internacionais do cooperativismo do que os valores organizacionais.
Palavras-chave: Valores Pessoais, Valores Organizacionais, Valores em Cooperativas

Abstract
The study of the structure of values defines the nature of the dominant beliefs and principles and the typical
motivational model of an organization. This study aimed to investigate the relationship between personal and
organizational values perceived by the employees of a cooperative compared to the principles of cooperativism. In
this sense, as a theoretical framework, the themes of individual values, organizational values, the integration between
them, and values in cooperatives were approached in order to guide a quantitative research by means of a
descriptive case study. The data collection was conducted among employees of a cooperative organization, using as
collection instruments the Inventory of Organizational Values Profiles (IPVO) and the Value Profile Questionnaire
(QPV). The results showed that the values of the employees are more aligned with the international principles of
cooperativism than the organizational values.
Key words: Personal Values, Organizational Values, Values in Cooperatives.

1 Apoio: CNPQ
2 Contato: islania_adm@hotmail.com

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Ao longo da história, encontramos diferentes e sucesso financeiro (Barret, 2000; Tamayo, 2005).
tipos de sociedades – agrária, industrial e pós- O sucesso de uma empresa depende do
industrial –, cada uma com suas características estabelecimento e continuidade de relacionamentos
peculiares. O recurso essencial na sociedade agrária mutuamente benéficos com seus trabalhadores
foi a terra, na sociedade industrial a maquinaria e (Munford, 2006).
na sociedade pós-industrial o conhecimento. Pela percepção dos valores como um elemento
Percebe-se que na sociedade pós-industrial o valor importante para análise e entendimento
intrínseco de uma organização reside organizacional, justifica-se a importância deste
principalmente em seus ativos intangíveis, que estudo. A realização em uma cooperativa reforça
constituem a verdadeira riqueza da organização e sua relevância pelos princípios particulares que
proporcionam a base fundamental do sucesso norteiam esse tipo específico de organização.
organizacional. Quase sempre, esses ativos Também há uma lacuna no que diz respeito a
dependem das pessoas. estudos que relacionem valores pessoais e
O tema central deste estudo é a teoria dos organizacionais. Apesar de existirem instrumentos
valores, que, no âmbito organizacional, significa a validados para a mensuração tanto de valores
possibilidade de alinhamento estratégico entre pessoais como organizacionais, existem poucos
empregados e empresa. As questões que nortearam estudos empíricos com o objetivo de estudar a
esta pesquisa foram: qual a relação entre os valores relação existente entre tais valores e o efeito dessa
pessoais e organizacionais em uma cooperativa? Esses relação sobre as empresas.
valores estão alinhados com os princípios internacionais do
cooperativismo? Sendo assim, o objetivo geral deste Fundamentação Teórica
estudo é investigar a relação entre valores pessoais Valores Individuais
e organizacionais percebidos pelos empregados de Valores individuais estão relacionados às
uma cooperativa em comparação com os suposições intrínsecas do indivíduo. O estudo dos
princípios do cooperativismo. valores humanos não é tema novo na literatura.
Segundo Tamayo e Paschoal (2003), a Segundo Ros (2006), origina-se na obra de William
complexidade do trabalho nas organizações, suas Thomas e Florian Znaniecki intitulada The Polish
múltiplas e variadas demandas e a competitividade Peasant, de 1918, na qual são relacionados aspectos
no mundo dos negócios afloram a necessidade de étnicos e culturais de imigrantes poloneses nos
se valorizarem os empregados e de criarem Estados Unidos no início do século XX com a
condições favoráveis para maximizarem seu cultura e as normas sociais do grupo americano.
desempenho e satisfação no trabalho. A função Segundo Ros (2006), esse estudo já aponta para os
dos valores no processo motivacional é valores humanos quando os autores partem da
fundamental, pois representam alvos que a pessoa premissa de que cada ação, individual ou grupal, é
quer atingir na vida, e a melhor forma de valorizar resultado da forma de lidar com circunstâncias
o funcionário é oferecer oportunidades para que, externas ao meio, regulada por normas sociais e
por meio do seu trabalho, ele possa atingir suas combinada a anseios pessoais.
metas pessoais, visto que o trabalho é uma Ent0retanto, Ros (2006) afirma que foi com as
estratégia de realização pessoal. Para que isso pesquisas realizadas a partir dos anos 1970 que a
ocorra, é necessária a congruência entre os valores noção de valor ganhou força na psicologia social e
organizacionais e pessoais. que uma teoria de valor propriamente dita foi
Para Tamayo (2005), “o paralelismo entre desenvolvida entre 1980 e 1990 com os trabalhos
valores pessoais e organizacionais refere-se a metas de Shalom Schwartz.
comuns, perseguidas tanto pelo trabalhador, Valores têm sido o tópico dos mais
quanto pela organização e cuja obtenção constitui investigados em estudos organizacionais (Ferreira,
tanto a base da felicidade da pessoa como do Fernandes, & Silva, 2009). Com o
sucesso da empresa” (p. 162). Muitas evidências desenvolvimento da teoria dos valores, considera-
sugerem a existência de forte ligação entre o se que eles possuem cinco características principais
alinhamento de valores, efetividade organizacional (Schwartz, 2005a):

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1- são crenças, pois despertam sentimentos Luckman, 1985).


positivos e negativos; Valores podem ser considerados estruturas
2- são construtos motivacionais, pois se abstratas que envolvem crenças que o indivíduo
referem a objetivos desejáveis que as pessoas tem acerca de maneiras desejáveis de
fazem esforço para alcançar; comportamento (Schwartz, 2005a), limitando,
3- transcendem situações e ações específicas, assim, sua capacidade de ação e escolha
pois possuem natureza abstrata; (Vasconcelos & Crubellate, 2004; Berger &
4- guiam a avaliação de ações, políticas, pessoas Luckman, 1985). Isso condiz com o pensamento
e eventos; e de Tamayo (2000) quanto ao entendimento de que
5- são ordenados pela importância relativa aos os valores têm sua origem nas necessidades básicas
demais por sua característica hierárquica. do homem e nas demandas sociais, sendo
Dessa forma, Schwartz (2005a) afirma que os relativamente estáveis, mas não imutáveis ao longo
valores possuem características comuns, sendo que da vida. Fatores intrínsecos e extrínsecos ao
a distinção entre os valores está na motivação ambiente organizacional podem ocasionar
expressa por cada um deles. mudanças na hierarquia de valores do indivíduo
Gouveia (2003), ao investigar pesquisas sobre o com o tempo (Rodrigues & Teixeira, 2008).
tema, identificou duas funções dos valores que são Schwartz (1992), por meio de revisão teórica e
relativamente consensuais: (1) os valores são um empírica de seus estudos, propôs uma estrutura de
tipo de orientação, pois guiam as ações, e (2) são valores humanos apontada na literatura como
um tipo de motivador, pois expressam as muito próxima de ser universal. O autor
necessidades humanas. desenvolveu o Schwartz Values Survey (SVS) ou
Segundo Tamayo (2000), para dar conta da Inventário de Valores de Schwartz (IVS). Trata-se
realidade, o indivíduo deve reconhecer suas de um instrumento para avaliar valores, composto
necessidades – biológicas, do organismo; sociais, por 61 itens e adequado para utilização com
relativas às interações interpessoais; e sujeitos de nível de escolaridade a partir do
socioinstitucionais, referentes à sobrevivência e segundo grau. Schwartz realizou testes empíricos
bem-estar nos grupos – e planejar, criar ou em 67 países de todos os continentes e identificou
aprender respostas apropriadas à sua satisfação, dez motivações presentes em praticamente todos
mas de forma aceitável para o resto do grupo. os países participantes (sugerindo a quase
Assim, surgem os valores que orientam o universalidade dessa teoria). As dez motivações são
comportamento do indivíduo (Tamayo, 2000; apresentadas na Figura 1 juntamente com suas
Vasconcelos & Crubellate, 2004; Berger & metas específicas.

Figura 1 – Motivações do empregado e metas motivacionais segundo Tamayo (2003)

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A estrutura circular de Schwartz (Figura 2) situacionais, e não de conceitos simplesmente.


demonstra as relações entre os tipos motivacionais.
Os valores que expressam metas e interesses Valores Organizacioanais
individuais (autodeterminação, estimulação, Valores organizacionais podem ser
hedonismo, realização e poder social) ocupam considerados como o reflexo dos valores
áreas contíguas opostas em relação aos tipos individuais considerados em conjunto. Qualquer
motivacionais que expressam metas e interesses grupo reflete valores e crenças originais de alguém
coletivos (benevolência, tradição e conformidade). (Oliveira & Tamayo, 2004; Shein, 2009). Esses
Os tipos motivacionais que expressam metas e indivíduos, depois vistos como líderes, têm
interesses tanto coletivos como individuais suposições próprias sobre certo e errado e podem
(segurança e universalismo) são opostos e situam- influenciar o grupo na resolução de problemas
se nas fronteiras dessas duas áreas. Os tipos de (Shein, 2009). Somente depois que o grupo assume
valores situados em posições adjacentes são mais ações conjuntas e o resultado dessas ações valida a
compatíveis, mas, à medida que a distância entre ideia do líder é que se forma uma base
um motivo e outro aumenta, os valores tendem a compartilhada.
ser menos compatíveis, e, estando em posições De acordo com Katz e Kahn (1978), os
opostas, indicam grande conflito (Schwartz, componentes principais que constituem uma
2005b). organização são papéis, normas e valores, que
Tamayo e Paschoal (2003) indicam que a definem e orientam o funcionamento da empresa.
procura simultânea de metas pertencentes a áreas Na medida em que os papéis diferenciam funções
adjacentes é aceitável, pois satisfazem interesses e cargos exercidos pelos indivíduos, as normas são
afins, enquanto a busca por metas pertencentes a expectativas transformadas em exigências, e os
motivações opostas pode ser conflitante, pois valores são “as justificações e aspirações
focam interesses desiguais. Apesar dos valores ideológicas mais generalizadas” (Katz & Kahn,
comuns entre os indivíduos de um grupo, sua 1978, p. 54). A interação social entre os membros
importância relativa difere, pois as pessoas têm da organização condicionam a origem dos valores
prioridades ou hierarquia de valores diferentes. organizacionais (Macêdo, Pereira, Rossi, & Vieira,
Pode-se verificar essa hierarquia por meio do 2005).
Inventário de Valores de Schwartz (IVS). Os valores de uma organização podem ser
O Portrait Values Questionnaire (PVQ) ou vistos como um dos aspectos centrais de sua
Questionário de Perfis de Valores (QVP) é cultura (Tamayo, Mendes, & Paz, 2000; Shein,
composto por 40 itens e foi criado a partir do IVS 2009), contribuindo para a formação de uma
para possibilitar a aplicação em amostras de baixa identidade (Katz & Kahn, 1978; Vasconcelos &
escolaridade (Schwartz, 2005b), facilitando a Crubellate, 2004; Ferreira, Fernandes & Silva,
identificação dos valores por meio de exemplos 2009).

Figura 2 – Estrutura teórica da relação entre valores segundo Schwartz (2005b).

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Tamayo e Gondin (1996) definem valores organizacionais. Para Oliveira e Tamayo (2004), os
organizacionais como princípios ou crenças, valores organizacionais são originados dos valores
organizados hierarquicamente, que orientam a vida pessoais, pois são introduzidos por pessoas (seja o
da empresa e estão a serviço de interesses fundador, os gestores ou os próprios
individuais, coletivos ou mistos e destacam quatro trabalhadores). Logo, os valores organizacionais
aspectos dessa definição. O primeiro é o cognitivo, são uma transferência de princípios e metas do
pois valores são crenças (relacionadas à produção, indivíduo para a organização.
qualidade, relações entre pessoas, respeito à O IPVO criado por Oliveira e Tamayo (2004) é
autoridade gerencial etc.) existentes na empresa. O composto por 48 itens, que configuram oito
segundo é o motivacional, visto que os valores fatores de valores organizacionais que são descritos
expressam interesses e desejos de alguém. O na Figura 3.
terceiro é a função dos valores, que é orientar a vida da A estrutura axiológica de uma empresa pode ser
empresa e guiar o comportamento dos seus descrita como um sistema relativamente estável de
membros. E, por último, a hierarquia dos valores, já valores (Tamayo et al., 2000; Macêdo et al., 2005),
que esses implicam necessariamente uma sendo que essa estrutura define a natureza das
preferência entre o importante e o secundário. crenças e princípios dominantes na organização e o
Assim como as pessoas precisam reconhecer as tipo de motivação característico da mesma.
suas necessidades para dar conta da realidade, as Tamayo et al. (2000) afirmam que a percepção que
organizações (e seus membros) também precisam os empregados têm dos valores organizacionais
reconhecê-las e criar respostas apropriadas para a determina seu comportamento e possivelmente o
sua satisfação. Segundo Tamayo, Mendes e Paz seu comprometimento, ou seja, essa percepção
(2000), a fonte dos valores organizacionais é resultará na elaboração de um modelo mental que
formada por exigências da organização e seus guiará o seu comportamento, bem como a sua
indivíduos. Essas exigências abrangem desde conduta em diversas situações no ambiente
necessidades biológicas dos indivíduos até as corporativo.
necessidades referentes à sobrevivência e bem estar
da própria organização. Valores Individuais e Valores Organizacionais
O Inventário de Perfis de Valores Os valores orientam as metas da organização,
Organizacionais (IPVO) (Oliveira & Tamayo, que influem nas ações dos trabalhadores e,
2004) baseia-se na teoria de valores humanos de consequentemente, nas ações organizacionais
Schwartz, considerando que existe similaridade (Macêdo et al., 2005). Nesse sentido, é consensual
motivacional entre valores pessoais e que a relação entre valores individuais e

Figura 3 – Fatores do IPVO segundo Oliveira e Tamayo (2004)

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organizacionais deve ser considerada. Tamayo (1999), ao contrário das abordagens


Para Tamayo et al. (2000), existem duas clássicas citadas, defende o estudo dos valores
abordagens tradicionais que têm sido usadas para organizacionais a partir da percepção dos
identificar e avaliar os valores organizacionais. A empregados dos valores existentes e praticados na
primeira estuda os valores a partir de documentos empresa. No Brasil, ao contrário do que
oficiais da empresa (relatórios anuais, comumente acontece no exterior, não se utiliza o
pronunciamentos sobre missão, visão e princípios), mesmo instrumento para medir valores pessoais e
mas o principal inconveniente dessa abordagem é organizacionais, pois há instrumentos específicos.
que muitas vezes existem diferenças entre os Dentre os instrumentos usados no Brasil, destaca-
valores estabelecidos no papel e os praticados na se a Escala de Valores Organizacionais (EVO), de
organização. Tamayo e Gondim (1996); o Inventário de Valores
A segunda consiste em utilizar a média dos Organizacionais (IVO), de Tamayo et al. (2000); e o
valores pessoais dos membros da organização para Inventário de Perfis de Valores Organizacionais
estimar os valores organizacionais. O maior (IPVO), de Oliveira e Tamayo (2004).
inconveniente dessa abordagem é que Considerando a visão de Oliveira e Tamayo
frequentemente existem diferenças entre os valores (2004), existe a possibilidade de comparação entre
pessoais e os organizacionais, e os resultados os valores pessoais apresentados no Inventário de
obtidos não expressam adequadamente os valores Valores de Schwartz e os valores organizacionais
da organização. dispostos no IPVO, estando a percepção dos
Segundo Oliveira e Tamayo (2004), a maioria autores relacionada ao fato de que os dois
dos estudos publicados no exterior sugere a questionários baseiam-se no modelo das
verificação dos valores pessoais e organizacionais motivações humanas.
por meio de um único instrumento, respondido A Figura 4 apresenta a interligação entre os
duas vezes pelo indivíduo, na primeira vez fatores do Questionário de Valores Pessoais
avaliando seus valores pessoais e na segunda, os (QVP) e do Inventário de Perfis de Valores
valores organizacionais. Porém, esses autores Organizacionais (IPVO). A comparação baseou-se
acreditam que a utilização do mesmo instrumento na descrição da Figura 1 das metas motivacionais
não é confiável à medida que as pessoas podem ter do QVP feita por Tamayo (2003) e na descrição da
dificuldade de diferenciar valores pessoais dos Figura 3 dos fatores do IPVO, por Oliveira e
organizacionais devido ao viés cognitivo. Tamayo (2004).

Figura 4 – Correspondência entre os fatores do IVPO e do QVP

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Os fatores representativos dos valores pessoais da cooperativa, criação de reservas e apoio a outras
e dos valores organizacionais foram atividades aprovadas pelos membros.
correlacionados a partir do modelo proposto por 4. Autonomia e independência - são organizações
Oliveira e Tamayo (2004) e acrescentou-se o fator autônomas, de ajuda mútua, que, ao fazerem
Segurança, que emerge entre os identificados no acordos com outras organizações, incluindo
QVT, mas não é citado por esses autores como instituições públicas, ou recorrerem a capital
relacionado a nenhum fator organizacional. Dessa externo, devem fazê-lo em condições que
forma, o fator dos valores pessoais denominado assegurem o controle democrático pelos seus
Segurança (integridade pessoal e das pessoas membros e mantenham a autonomia da
íntimas, segurança no trabalho, harmonia e cooperativa.
estabilidade da sociedade e organização em que 5. Educação, formação e informação - promovem
trabalha) foi aqui correlacionado ao fator educação e formação dos seus membros,
organizacional Tradição (valores relativos à representantes eleitos e trabalhadores, de forma
preservação e respeito aos costumes e práticas que estes possam contribuir para o
consagradas pela organização que prefere manter desenvolvimento da cooperativa. Informam o
sua forma de funcionamento). público em geral, principalmente os jovens e os
líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens
Valores em Cooperativas da cooperação.
Segundo a Aliança Cooperativa Internacional 6. Intercooperação - servem de forma mais
(2010), a cooperativa é uma associação autônoma eficaz aos seus membros e dão mais força ao
de pessoas unidas voluntariamente para satisfazer movimento cooperativo, trabalhando em conjunto
necessidades econômicas, sociais e/ou culturais em por meio de estruturas locais, regionais, nacionais e
comum por meio de uma empresa coletiva e internacionais.
democraticamente controlada. As cooperativas 7. Interesse pela comunidade - as cooperativas
baseiam-se nos valores de autoajuda, trabalham para o desenvolvimento sustentado das
autorresponsabilidade, democracia, igualdade, suas comunidades por meio de políticas aprovadas
equidade e solidariedade. Os princípios pelos membros.
cooperativos são diretrizes por meio das quais as Diante das especificidades das sociedades
cooperativas colocam seus valores em prática, cooperativas e de acordo com suas diretrizes
sendo eles: norteadoras, observa-se que o estudo dos valores
1. Adesão voluntária e livre - são organizações pessoais e organizacionais que a envolvem possui
voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a aspectos interessantes a serem analisados. Macêdo
utilizarem os seus serviços e assumirem as et al. (2005) identificaram, em estudo que analisava
responsabilidades como membros sem valores pessoais e organizacionais em organizações
discriminações de sexo, sociais, raciais, políticas e públicas, privadas e cooperativas, que nessas
religiosas. últimas o valor individual da conservação e os
2. Gestão democrática - são organizações organizacionais de domínio, autonomia, harmonia
democráticas, controladas por membros que e igualitarismo se sobressaem. Em compensação,
participam ativamente da formulação de políticas e congruente com seus princípios, nas cooperativas
tomada de decisões. o valor organizacional relacionado à hierarquia não
3. Participação econômica dos membros - os é tão considerado quanto nos outros tipos de
membros contribuem equitativamente para o organizações pesquisadas.
capital das suas cooperativas e controlam-no Cabe, assim, verificar quais os valores
democraticamente. Parte desse capital é, identificados nas cooperativas, bem como a relação
normalmente, propriedade comum da cooperativa. destes com os valores dos seus empregados,
Os membros recebem, se houver, uma comparando-os, ainda, com os princípios
remuneração limitada ao capital integralizado idealizados do cooperativismo. A seção a seguir
como condição de sua adesão e destinam os identifica os aspectos metodológicos deste estudo,
excedentes a outras finalidades: desenvolvimento incluindo todos os procedimentos utilizados na

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etapa de análise. empregados em relação aos valores que eles


percebem na cooperativa.
Aspectos Metodológicos Ambos os instrumentos possuem uma
Apoiando-se no conjunto de postulados sequência de questões afirmativas (QVP: 40
teóricos apresentados, este trabalho teve por questões; IPVO: 48 questões) seguidas de uma
objetivo investigar a relação entre valores pessoais escala que vai de 6 (se parece muito comigo ou
e organizacionais percebidos pelos empregados de com minha organização) a 1 (não se parece nada
uma cooperativa em comparação com os comigo ou com minha organização). No QVP, são
princípios do cooperativismo. O estudo descritas pessoas de forma resumida, sendo que o
caracteriza-se como de abordagem quantitativa, respondente deve responder à pergunta: “Quanto
sendo utilizado o estudo de caso descritivo como essa pessoa se parece com você?”. Já no IPVO, são
estratégia de pesquisa (Lakatos, 1991). Quanto aos descritas organizações e o respondente deve
procedimentos técnicos, foram adotados: pesquisa responder à pergunta: “Quanto esta organização
bibliográfica e levantamento de dados. aqui descrita se parece com aquela na qual você
O estudo foi realizado em um ambiente trabalha?”
natural, sem interferência e/ou preparação. A O QVP foi validado no Brasil por Tamayo e
unidade de análise é individual, pois as variáveis Porto (2009) em uma amostra de 614 estudantes
(valores pessoais e organizacionais) necessitam de dos ensinos fundamental, médio e superior, sendo
análise no nível individual para se avaliar o objetivo que foram encontradas sete das dez regiões
proposto. Os valores organizacionais foram previstas na teoria de valores pessoais:
considerados no nível individual, já que se referem Universalismo/Benevolência (questões 3, 8, 12, 18,
à percepção do funcionário. Os dados foram 19, 23, 27, 29 e 40), Conformidade (questões 7, 16,
coletados uma única vez, o que a caracteriza como 28, 33 e 36), Tradição (questões 9, 25, 20 e 38),
uma pesquisa transversal (Roesch, 1999). Segurança (questões 14, 21, 31 e 35),
A empresa pesquisada foi escolhida para a Poder/Realização (questões 2, 4, 13, 17, 24, 32 e
realização deste estudo por ser uma cooperativa e, 39), Autodeterminação/Hedonismo (questões 10,
assim, além de investigar a relação entre os valores 11, 22, 26 e 34) e Estimulação (questões 6, 15, 30).
pessoais e organizacionais, buscou-se investigar a Rangel et al. (2007) verificaram que duas questões
relação destes com os princípios do não foram enquadradas em qualquer das regiões
cooperativismo, tornando o estudo mais previstas. São elas: (1) “Pensar em novas ideias e
abrangente. Trata-se de uma cooperativa médica. ser criativa é importante para ela. Ela gosta de
O questionário foi aplicado junto a 58 empregados fazer coisas de maneira própria e original” e (5) “É
de um total de 180. Estes não são cooperados, mas importante para ela viver em um ambiente seguro.
empregados formais contratados pela organização Ela evita qualquer coisa que possa colocar sua
para a realização de atividades de apoio aos clientes segurança em perigo”. Esses autores basearam-se
e cooperados. nos tipos motivacionais de Schwartz (1992) e
classificaram essas duas questões, respectivamente,
Instrumentos de Coleta e Análise dos Dados nos fatores Estimulação e Segurança. O mesmo
Com o intuito de avaliar os valores pessoais dos procedimento foi adotado na presente pesquisa.
empregados, utilizou-se o Questionário de Perfis O IPVO foi validado por Oliveira e Tamayo
de Valores (QVP), que contêm 40 afirmações (2004) em uma amostra de 833 empregados de
sobre valores próprios. Para avaliar os valores organizações privadas e públicas, tendo seus itens
organizacionais, foi usado o Inventário de Perfis de de valores obtido coeficientes de precisão que
Valores Organizacionais (IPVO), que é composto variam entre 0,75 e 0,87 considerados satisfatórios
por 48 itens, configurando oito fatores de valores pelos métodos estatísticos. Por ambos serem
organizacionais: realização, conformidade, instrumentos validados, será feito uso dos fatores
domínio, bem-estar, tradição, prestígio obtidos nos estudos mencionados.
organizacional, autonomia e preocupação com a Por opção dos dirigentes da cooperativa, foram
coletividade. Assim, avaliou-se a percepção dos entregues 178 questionários ao gerente de recursos

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humanos, que os distribuiu aos empregados, significativa (em um nível de significância de 0,05)
solicitando a participação na pesquisa de forma entre as médias dos fatores e o gênero. A última
voluntária. Foi estabelecido um prazo de uma etapa compreendeu a análise da frequência dos
semana para que os empregados devolvessem os fatores agrupados nas dimensões Abertura à
questionários. Assim, foram recebidos 58 Mudança, Autotranscedência, Conservação e
questionários, apresentando uma taxa de retorno Autopromoção, bem como a relação entre os
de 32,6%. princípios cooperativos e essas dimensões.
Quanto à caracterização da amostra, destaca-se
que o tempo médio na empresa é 69,8 meses, Apresentação, Análise e Interpretação dos
51,7% têm idade entre 26 e 35 anos, 24,1% entre Dados
36 e 45 anos, 20,8% acima de 45 anos e 3,4% entre Esta seção apresenta a etapa de análise dos
18 e 25 anos. Com relação ao gênero, a maioria é dados da pesquisa. Os coeficientes Alpha
do sexo masculino (69,2%) enquanto 30,8% do encontrados para cada um dos fatores de ambas as
sexo feminino, sendo também maioria os escalas são demonstrados na Tabela 1. Na mesma
empregados que possuem terceiro grau completo Tabela, também se apresentam os índices
(47,4%); 35,1% têm pós-graduação e 17,5% têm encontrados na ocasião da validação dessas escalas
segundo grau completo. para efeito de comparação. Percebe-se que, em
Os dados foram tratados com a utilização geral, os coeficientes Alpha encontrados nesta
do software estatístico Statistical Package for Social pesquisa são parecidos com aqueles encontrados
Science (SPSS). Foram tomadas as médias dos nas pesquisas de validação dos instrumentos
fatores definidos pela teoria (tipos motivacionais). utilizados, com exceção, no caso do QVP, dos
Inicialmente, foi verificada a confiabilidade dos fatores Segurança e Estimulação, em que os
fatores da escala IPVO e QVP pelo coeficiente valores encontrados nesta pesquisa são superiores
Alpha de Cronbach. Em seguida, foi calculada a aos de Tamayo e Porto (2009). Provavelmente,
média dos fatores, considerando-se as médias das essa diferença se deu devido ao fato de, no estudo
respostas de cada item pertencente a determinado de Tamayo e Porto (2009), os itens 1 e 5 terem
fator. Verificou-se, pela utilização do teste sido excluídos dos fatores e, neste estudo,
ANOVA, se há diferença entre as médias dos conforme Rangel et al. (2007), terem sido incluídos,
fatores em um nível de significância de 0,05 em respectivamente, nos fatores Estimulação e
relação a tempo de empresa, idade e titulação. Por Segurança.
meio do teste T foi verificado se há diferença

Tabela 1 – Coeficiente α Fatores de IPVO e QVP encontrados na pesquisa e na validação


α desta α pesquisa α desta α pesquisa
Fatores QVP Fatores IPVO
pesquisa validação pesquisa validação
Universalismo/Benevolência 0,7651 0,78 Domínio 0,7930 0,80
Hedonismo/Autodeterminação 0,6649 0,68 Prestígio organizacional 0,7893 0,81
Segurança 0,7143 0,54 Realização 0,7125 0,80
Conformidade 0,5937 0,59 Conformidade 0,7980 0,75
Estimulação 0,6849 0,50 Preocupação com a 0,8164 0,86
coletividade
Poder/Realização 0,7748 0,77 Autonomia 0,8501 0,87
Tradição 0,3287 0,47 Tradição 0,7754 0,75
Bem-estar do 0,8602 0,87
empregado

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Na Tabela 2, são apresentadas as médias para à idade, tempo na empresa e titulação demonstrou
cada um dos fatores do QVP e IPVO encontradas não haver diferença significativa a 0,05 de ambos
nesta pesquisa. Na identificação da hierarquia de os fatores referentes a valores pessoais
valores, quando calculadas as médias de cada fator, relacionados ao tempo na empresa e titulação. No
observa-se que os empregados prezam mais os entanto, verificou-se diferença significativa entre os
valores pessoais relacionados a Universalismo e fatores organizacionais Bem-estar, Autonomia e
Benevolência, que apresentam a maior média das Coletividade. Quanto ao fator Bem-estar dos
respostas (5,1146), e não valorizam tanto os empregados, há uma diferença significativa na
valores pessoais relacionados a Poder e Realização, percepção dos valores organizacionais entre os
que obteve a menor média entre os respondentes respondentes com idade acima de 45 anos, com
(3,7445). média de 4,4583 e idade entre 36 e 45 anos, com
Quanto aos valores predominantes na média de 3,0226 (p=1,4358), e aqueles com idade
organização identificados pelos empregados, entre 26 e 35 anos, com média de 2,8499
percebe-se que a maioria vê como valores mais (p=1,6084). Também se percebe que há diferença
latentes na organização os relacionados ao significativa na percepção do valor Autonomia
Prestígio organizacional, apresentando a maior Organizacional quanto à idade. Novamente, os
média das respostas (5,2339). Enquanto isso, o respondentes com idade acima de 45 anos
Bem-estar do empregado é visto como o valor apresentaram média superior (5,749) àqueles com
com o qual a organização menos se preocupa. idade entre 36 e 45 anos (média 4,2916 p=1,4573)
De acordo com Silva (2007), a atenção aos e àqueles com idade entre 26 e 35 anos (média
interesses e ao bem estar dos empregados constitui 4,4036 p=1,3454). Com relação ao fator
uma das questões mais desafiadoras à gestão de Coletividade, também se percebe que os
organizações contemporâneas, destacando que os respondentes com idade acima de 45 anos
estudos apontam o bem-estar no ambiente de apresentaram média superior (5,2024 p=0,8501)
trabalho como um dos fatores que impactam o àqueles com idade entre 26 e 35 anos.
nível de satisfação dos empregados. Assim, Não se encontrou diferença significativa
percebe-se que os valores pessoais que os entre as médias dos fatores pessoais
empregados identificaram como mais importantes relacionadas ao gênero. Quanto aos valores
condizem mais com os princípios internacionais do organizacionais, o único fator que apresentou
cooperativismo do que os identificados por esses
diferença quanto ao gênero com 0,05 de
mesmos empregados quando da avaliação dos
significância, foi o fator Domínio. A média do
valores percebidos na organização.
O teste ANOVA para diferença de médias
sexo feminino (5,18) é significativamente
entre fatores organizacionais e pessoais em relação superior (p=0,21) à média do sexo masculino
(4,65).
Tabela 2 – Média dos fatores das escalas QVP e IPVO
Desvio Desvio
Fatores QVP Média Fatores IPVO Média
Padrão Padrão
Universalismo/Benevolência 5,1146 0,571 Prestígio organizacional 5,2339 0,736
Segurança 4,8241 0,814 Conformidade 5,0936 0,640
Hedonismo/Autodeterminação 4,7573 0,714 Domínio 4,9214 0,803
Conformidade 4,5862 0,732 Autonomia 4,6755 1,071
Estimulação 4,2290 0,915 Preocupação com a 4,5886 0,828
coletividade
Tradição 3,9655 0,800 Tradição 4,3900 0,963
Poder/Realização 3,7445 0,984 Realização 4,3327 0,940
Bem-estar do empregado 3,2726 1,1

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A Relação entre Valores Pessoais e Organizacionais Comparados aos Princípios do Cooperativismo 77

Na Figura 5, é apresentada a estrutura teórica Autonomia e Independência, Adesão Voluntária e


da relação entre valores pessoais de acordo com Livre, Educação, Formação e Informação foram
os achados de Tamayo e Porto (2009), em que agrupados e alocados à esquerda da linha
Universalismo e Benevolência formam um fator, perpendicular na Figura 3, estando em
assim como Hedonismo e Autodireção, e conformidade com as dimensões Abertura à
Realização e Poder. Nos valores que representam Mudança e Autopromoção. Já os princípios
metas individuais, foi acrescentada a letra (I); nos Intercooperação, Interesse pela comunidade,
coletivos, a letra (C); e nos que representam tanto Gestão democrática e Participação econômica dos
metas individuais como coletivas, foi acrescentada membros foram agrupados e alocados à direita da
a letra (M = misto). Analisando-se a Figura 5, linha perpendicular na Figura 5, estando em
percebe-se que os valores à direita da linha conformidade com as dimensões
perpendicular que cruza a esfera Autotranscendência e Conservação.
(Autotranscendência e Conservação) expressam Na Figura 6, é apresentada a estrutura teórica
metas e interesses coletivos ou mistos, enquanto da relação entre valores organizacionais de
aqueles que estão à esquerda da linha perpendicular acordo com os achados de Oliveira e Tamayo
(Abertura à mudança e Autopromoção) expressam (2004).
metas e interesses individuais. As Figuras 7 e 8 demonstram os resultados da
Os princípios cooperativos delineados pela pesquisa de acordo com as dimensões Abertura à
Aliança Cooperativa Internacional (2010) foram Mudança, Autopromoção, Autotranscêndencia e
analisados em comparação com as motivações Conservação em relação aos valores pessoais e
constantes da Figura 1. Assim, os princípios organizacionais, respectivamente.

Figura 5 – Estrutura teórica da relação entre valores adaptada ao QVP

Figura 6 – Estrutura teórica da relação entre valores organizacionais adaptada ao IPVO

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Figura 7 – Representatividade de Valores Pessoais por Figura 8 – Representatividade de Valores


Dimensão Organizacionais por Dimensão

Quanto aos valores pessoais, percebe-se que cooperativos Autonomia e Independência, Adesão
as dimensões Autotranscendência e Conservação, Voluntária e Livre e Educação, Formação e
que expressam metas e interesses coletivos ou Informação, representam 59,01%. Ou seja, na
mistos e estão relacionadas aos princípios visão dos empregados, os valores priorizados pela
cooperativos Intercooperação, Interesse pela organização expressam metas e interesses
comunidade, Gestão democrática e Participação individuais. A dimensão com maior
econômica dos membros, representam 63,02% dos representatividade é a Autopromoção, que diz
valores pessoais priorizados pelos empregados respeito à Realização – valorizar a competência e o
(28,26% e 34,76%, respectivamente). Destaca-se a sucesso dos trabalhadores; Domínio – obter
dimensão Conservação que, individualmente, lucros, ser competitiva e dominar o mercado; e
representa a maior parte dos valores priorizados Prestígio – ser reconhecida e admirada por todos,
pela amostra. Assim, percebe-se que os oferecer produtos e serviços satisfatórios para os
empregados dessa empresa priorizam valores clientes (Oliveira & Tamayo, 2004). Esse resultado
como Segurança – integridade pessoal e de pessoas também corrobora o estudo de Macêdo et al.
íntimas, segurança no trabalho, harmonia e (2005), que encontrou a maior pontuação de
estabilidade da sociedade e da organização em que valores organizacionais no valor Domínio.
trabalham; Conformidade – controlar impulsos, Percebe-se, de acordo com os resultados
tendências e comportamentos nocivos para os apresentados nas Figuras 7 e 8, que os valores
outros e que transgridem normas e expectativas da pessoais e organizacionais são incongruentes, já
sociedade e da organização; e Tradição – respeitar que os valores pessoais priorizados pelos
e aceitar idéias e costumes tradicionais da empregados dizem respeito a metas e interesses
sociedade e da empresa (Tamayo, 2003). Esse coletivos e mistos enquanto que os priorizados
resultado corrobora o resultado do estudo de pela organização (de acordo com a visão dos
Macêdo et al. (2005), realizado com dirigentes de empregados) dizem respeito a interesses e metas
cooperativas, que também encontrou a maior individuais. Verificou-se ainda que os princípios
pontuação na dimensão Conservação para valores cooperativos buscam o equilíbrio entre interesses e
pessoais. metas individuais e coletivos/mistos. Logo, o
Quanto aos valores organizacionais, percebe- esperado seria que em uma cooperativa tanto os
se que as dimensões Abertura à mudança e valores pessoais como organizacionais
Autopromoção, que expressam metas e interesses priorizassem esse equilíbrio, o que não ocorreu
individuais e estão relacionados aos princípios neste estudo.

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A Relação entre Valores Pessoais e Organizacionais Comparados aos Princípios do Cooperativismo 79

Considerações Finais resultados obtidos correspondem à amostra da


Quanto à identificação da média hierárquica de organização pesquisada, sugerindo-se, assim, que o
valores individuais, os empregados estão mais tipo de pesquisa aqui realizada também seja
voltados ao Benevolismo e ao Universalismo e não aplicado em outras cooperativas. Sugere-se, ainda,
se preocupam tanto com Poder e Realização. No que em futuras pesquisas, verifiquem-se também
entanto, na percepção deles sobre os valores os valores pessoais dos cooperados, tendo em vista
organizacionais, a cooperativa preocupa-se mais que neste estudo a pesquisa sobre valores pessoais
com o Prestígio organizacional e menos com o foi realizada apenas com os empregados da
Bem-estar dos empregados. Apesar de essa visão cooperativa.
divergir de acordo com a faixa etária, pois
empregados com mais de 45 anos acreditam que o Referências
bem-estar é um dos valores com que a organização Aliança Coopertativa Internacional. (2010) What is a co-
se preocupa, aqueles com idade entre 26 e 35 anos op? Retrieved February 4, 2010, from
http://www.ica.coop/al-ica/
são os que menos acreditam nisso, ressaltando-se
aqui que esses últimos representam mais da metade Barret, R. (2000). Libertando a Alma da Empresa: Como
dos participantes da pesquisa. Sendo assim, esse é transformar a organização numa entidade viva. São Paulo:
Cultrix.
um fator importante a ser considerado pela
empresa. Berger, P. L. & Luckmann, T. (1985). A construção social
Respondendo a uma das questões desta da realidade (12a ed.). Petrópolis: Vozes.
pesquisa, os resultados da análise conjunta entre os Ferreira, M. C., Fernandes, H. A., & Silva, A. P. C.
valores individuais e organizacionais junto à (2009, Maio/Junho). Valores organizacionais: um
balanço da produção nacional do período de 2000 a
amostra pesquisada indicaram ainda a incoerência
2008 nas áreas de Administração e Psicologia. Revista de
entre os valores pessoais e organizacionais. Os Administração Mackenzie, 10(3), 84-100.
valores pessoais primados pelos empregados estão
Gouveia, V. V. (2003). A natureza motivacional dos
voltados a metas e interesses coletivos e mistos, valores humanos: evidências acerca de uma nova
enquanto os valores percebidos por eles com tipologia. Estudos de Psicologia, 8, 431-443.
relação à organização orientam-se a interesses e
Katz, D. & Kahn, R. L. (1978). Psicologia social das
metas individuais. organizações. São Paulo: Atlas.
Constatou-se, por último, que os valores
individuais estão mais alinhados com os princípios Lakatos, E. M. (1991). Fundamentos da Metodologia
Científica (3a ed.). São Paulo: Atlas.
do cooperativismo, pela busca entre os interesses e
metas individuais e coletivo-mistos, do que os Macêdo, K. B., Pereira, C., Rossi, E. Z., & Vieira, M. A.
valores organizacionais da organização estudada. (2005). Valores individuais e organizacionais: estudo
com dirigentes de organizações pública, privada e
Os resultados deste estudo contribuem cooperativa em Goiás. Cadernos de Psicologia Social do
significativamente para o estudo sobre valores ao Trabalho, 8, 29-42.
realizar uma verificação empírica, obtendo
Munford, E. (2006). The story of socio-technical design:
resultados condizentes à conjectura de reflections on its successes failures and potential.
compatibilidade e divergência entre os valores Information System Journal, 16(4), 317-342.
organizacionais e individuais. Esta pesquisa
Oliveira, A. F. & Tamayo, A. (2004, Abril/Junho).
também contribuiu para a aferição comparativa Inventário de perfis de valores organizacionais. Revista
entre os princípios cooperativos e os valores de Administração da USP, 39(2).
individuais e organizacionais percebidos, Rangel, C. L. C., Freitas, C. A, Silva, D. M. O., Pantani,
possibilitando à organização orientar-se quanto à D. S., Ramos, R. E., & Teixeira, M. L. M. (2007).
projeção de futuros delineamentos. Paralelismo entre Valores Pessoais e Organizacionais:
No entanto, algumas limitações devem ser um estudo comparativo entre empresas. Revista Jovens
Pesquisadores, ano IV(7), 168-183.
consideradas no desenvolvimento de futuras
pesquisas, como a extensão e a forma de Rodrigues, M. & Teixeira, M. L. M. (2008). Os valores
distribuição do questionário, bem como o tamanho mudam ao longo da carreira? Um estudo sobre a
mudança percebida na hierarquia dos valores do
da amostra. É necessário salientar que os

▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 3 (1), 2010, 67-80


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