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Análise Epistemológica das Obras de Igor Ansoff, Michael Porter e Henry Mintzberg
Autoria: Juliane Ines Di Francesco Kich, Maurício Fernandes Pereira

RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo compreender os fundamentos epistemológicos que estão por
trás da produção acadêmica em planejamento estratégico, com base nas obras de três
principais autores da área: Igor Ansoff, Michael Porter e Henry Mintzberg. Para tanto, se
realizou uma pesquisa bibliográfica, de caráter qualitativo. A análise das obras permitiu
verificar que os estudos sobre planejamento estratégico são mais facilmente entendidos sob as
premissas do paradigma dominante da filosofia cartesiana, que separa a mente e a matéria.
Porém, ainda há espaço para buscar outras bases para a análise do Planejamento Estratégico,
livrando-se mais das amarras ortodoxas, como iniciou Mintzberg.
Palavras-chave: Epistemologia, Ansoff, Porter, Mintzberg.

1 INTRODUÇÃO

O conceito de epistemologia é empregado de forma flexível e serve para designar quer


uma teoria geral do conhecimento, quer estudos mais restritos, interrogando-se sobre a gênese
da estrutura das ciências; constituindo assim um caráter de disciplina interdisciplinar
(JAPIASSU, 1991).
O estudo epistemológico também se direciona para a Ciência da Administração.
Embora tenha começado tarde na Administração, em relação às outras ciências, somente a
partir da década de 80, este fato não minimiza sua importância reflexiva para o estudo das
organizações.
Dada a importância da reflexão epistemológica acerca da construção dos saberes em
Administração, esta pesquisa tem por objetivo compreender os fundamentos epistemológicos
que estão por trás da produção acadêmica em planejamento estratégico, com base nas obras de
três principais autores da área: Igor Ansoff, Michael Porter e Henry Mintzberg.
O processo de planejamento estratégico pode ser considerado a principal função da
administração (ROBBINS, 1978) quando é capaz de gerar vantagem competitiva em um
mundo em constante modificação, onde decisões têm de ser tomadas sobre pressão, no meio
dos processos de mudança, diante de situações como: concorrentes que se fundem, novas
tecnologias inseridas, governos que criam novas normas para os setores, entre outros
(KAPLAN e BEINHOCKER, 2003).
São muitos os estudos que demonstram que o Planejamento Estratégico é uma
ferramenta gerencial muito utilizada pelas empresas. Em especial, a empresa de consultoria
Bain & Company, desde 1993 estuda o assunto e, a cada pesquisa divulga os resultados,
através do documento “Ferramentas de Gestão” (Rigby, Bilodeau, 2012). Em sua última
divulgação, a empresa fez um estudo com 1230 executivos globais – de diferentes indústrias,
países e portes de empresa – para saber quais ferramentas têm sido mais importantes para seus
negócios e quais têm sido suas prioridades. O estudo aponta que em 2010, 65% dos
entrevistados afirmaram terem utilizado a ferramenta Planejamento Estratégico e 86%
pretendiam ainda usá-la em 2011, o que representa um crescimento de 21% no uso da
ferramenta. Os pesquisadores ainda apresentaram que o Planejamento Estratégico possui a
maior taxa de satisfação entre as ferramentas utilizadas pelos entrevistados.
Clegg (2004) destaca que o Planejamento Estratégico consiste em um ponto
obrigatório de ligação entre o mundo interior das organizações hermeticamente fechadas e o
mundo exterior dos ambientes nos quais tudo o mais se opera.


 
 

O presente artigo está divido em quatro partes. A primeira conta com esta introdução
ao assunto. Na segunda serão descritas as principais correntes epistemológicas que servirão
como a base da análise deste estudo. Na terceira parte são apresentados os procedimentos
metodológicos da pesquisa. Para na quarta parte ser apresentada a análise em si, uma relação
entre o exposto pelos autores em estudo – Ansoff, Mintzberg e Porter - com as idéias das
correntes epistemológicas apresentadas, buscando decodificar quais delas estão presentes nos
estudos de cada um deles, quais são as principais idéias epistemológicas que eles trazem, e se
em algum momento estas idéias acabam se cruzando. Por fim, são apresentadas as conclusões
que forem possíveis constatar com a análise do estudo. Contudo, buscar-se-á compreender os
fundamentos epistemológicos que estão por trás da produção acadêmica em planejamento
estratégico.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fim de elucidar o tema em questão, vale apresentar brevemente as correntes


epistemológicas que servirão como base para a análise desta pesquisa; são elas: empirismo,
racionalismo cartesiano, criticismo, utilitarismo, positivismo, funcionalismo, teoria geral dos
sistemas, dialética e complexidade.

2.1 Bases da Ciência na Modernidade: Empirismo, Racionalismo Cartesiano e


Criticismo

Os séculos XV e XVI foram cenário de transformações na sociedade, e base para a


ciência que se conhece em direção ao sistema-mundo que observamos atualmente.
O empirismo tem em Francis Bacon seu maior expoente, um autor que expressou a
inquietação do Renascimento, e via como papel da ciência descobrir a essência de todos os
fenômenos da natureza. Para Bacon (1979), a natureza consiste em um assunto que jamais
será exaurido para o conhecimento, quem ousar declarar o contrário estará infligindo um dano
tanto à filosofia quanto às ciências, uma vez que fazendo valer de sua opinião, concorrem para
interromper e extinguir as investigações.
De acordo com Bacon (1979) nenhum saber é absolutamente seguro e os
pesquisadores devem sempre perseverar nos seus propósitos e não se afastarem da procura
dos segredos da natureza. Um de seus aforismos assim se apresenta “a melhor demonstração,
é de longe a experiência” (BACON, 1979, p.38).
Bacon (1979) também destaca a importância de habituar-se a complexidade das coisas
e eliminar com serenidade, e paciência, os hábitos já profundamente arraigados na mente,
para então iniciar o pleno domínio de si mesmo e fazer uso dele.
Já Descartes (1979), como representante do racionalismo cartesiano, defendia o
humanismo filosófico, tendo o homem como centro de tudo. O autor destaca que os
indivíduos não possuem seus juízos tão puros e sólidos como seriam se tivessem o uso inteiro
de sua razão desde o nascimento. Da mesma forma, é na ciência dos livros onde as opiniões
de diversas pessoas não se acham tão próximas da verdade quanto o raciocínio de um homem
de bom senso pode efetuar naturalmente com respeito às coisas que lhe apresentam
(DESCARTES, 1979).
Sob esta análise, Descartes (1979) decide reformar seus próprios pensamentos e
construir um terreno só seu. Para tanto, o autor usou a Lógica, entre as partes da filosofia, e a
análise dos geômetras, entre as partes da Matemática.
Da Lógica, o autor utilizou quatro preceitos: jamais acolher alguma coisa como
verdadeira se não fosse conhecida como tal; dividir cada uma das dificuldades que fossem

 
 

examinadas em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias; conduzir por ordem
seus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis; e fazer em toda parte
enumerações tão completas e revisões tão gerais que tivesse a certeza de nada omitir. Da
álgebra utilizou os suportes que serviram para tornar o seu conhecimento mais fácil, para
poder aplicar suas proposições tão melhor a todos os outros objetos que conviessem.
A semelhança de Bacon e Descartes no forte apego ao método que possuíam não é
pura coincidência, pois ambos viveram na época da dominação da Igreja e possuíam o desejo
implícito de livrar-se dela, embora caminhassem em sentidos opostos.
Com Kant, século XVII, surgiu o criticismo, quando o conhecimento já havia sido
institucionalizado, através das escolas e universidades.
O criticismo tem origem no empirismo e no racionalismo, e se tornou o centro da
filosofia contemporânea idealista e positivista. O criticismo se constitui em uma investigação
preliminar sobre as possibilidades da razão, e faz uma crítica radical da metafísica
(PADOVANI e CASTAGNOLA, 1984).
Autores como Kant advogam que além do mundo da experiência, há também um
mundo de coisas incognoscíveis; e além do imperativo categórico da vontade humana existem
os postulados da razão prática (PADOVANI e CASTAGNOLA, 1984).
Por fim, uma das principais críticas ao criticismo de Kant, de acordo com Padovani e
Castagnola (1984) foi feita por Leonel França, o qual destaca as contradições da teoria,
acreditando haver um falso conceito de ciência, uma vez que esta deixou de ser conhecimento
da natureza, para ser uma construção subjetiva, dependente da estrutura do espírito.

2.2 O Utilitarismo e Positivismo

Uma corrente filosófica é definida em função dos princípios que por ela são
considerados básicos (SCHLICK e CARNAP, 1980). No caso da corrente do positivismo -
que tomou força na segunda metade do século XIX, surgindo como uma reação ao idealismo
da época e exigindo maior respeito para e experiência e os dados positivos - os principais
princípios e características são: o utilitarismo; a fonte única de conhecimento e critério de
verdade é a experiência; somente a ciência baseada na demonstração rigorosa e no recurso aos
fatos observáveis pode fazer avançar o conhecimento; o sentido de qualquer proposição se
encerra absolutamente no fato de sua verificação no dado; utilizam a indução como método;
seus representantes veem os problemas filosóficos como “pseudoproblemas” ou “enigmas”, e
não reconhecem a metafísica, consideram-na desprovida de sentido. (PADOVANI e
CASTAGNOLA, 1990; DORTIER, 2000; SCHLICK e CARNAP, 1980; POPPER, 1980).
A base empírica é essencial para a demarcação científica; o critério da verificação
passou a ser o mais válido, sendo a base empírica essencial para a demarcação científica, uma
vez que uma hipótese torna-se tese após ser verificada, realizada pela observação empírica.
Para Demo (1985) parece caber à preocupação empírica uma missão histórica: chamar a
atenção para os limites da avalanche teórica e colocar como ponto importante da preocupação
metodológica a idéia de produção científica controlável pela intersubjetividade.
Ademias, no seio do positivismo decorrem as concepções do princípio da utilidade, o
qual advoga que gênero humano está sob o domínio de dois senhores soberanos: a dor e o
prazer, vinculados a norma que distingue o que é certo do que é errado. Ele tem por objetivo
construir o edifício da felicidade através da razão e da lei, é o princípio que aprova ou
desaprova qualquer ação, segundo a tendência que tem a aumentar ou diminuir a felicidade
das pessoas cujo interesse está em jogo (BENTHAM, 1979).

2.3 O Funcionalismo


 
 

O funcionalismo é apresentado por Radcliffe-Brown (1973) de forma sistemática e


clara, trazendo o conceito de função aplicado a sociedades humanas através da analogia entre
vida social e vida orgânica. Radcliffe-Brown (1973) define função como uma instituição
social, é a correspondência entre ela e as necessidades da organização social. Já Malinoski
(1970) define o conceito de função como uma contribuição para com a textura social mais
fechada, para uma distribuição de serviços e bens mais ampla e penetrante.
Para Radcliffe-Brown (1973) a vida do organismo é concebida com o funcionamento
de sua estrutura. Dessa forma o organismo não é em si a estrutura, mas sim um acúmulo de
unidades dispostas numa estrutura, isto é, uma serie de relações; o organismo tem uma
estrutura, e esta deve ser definida como uma série de relações entre as entidades.
No que diz respeito à presença do funcionalismo na abordagem antropológica,
Malinowsi (1970) advoga que ele ocupa-se da compreensão clara da natureza dos fenômenos
culturais, antes que estes sejam submetidos a manipulações especulativas posteriores.
Radcliffe-Brown (1973) também afirma que a função da cultura como um todo é unir os seres
humanos individuais em estruturas mais ou menos instáveis.
Durkheim (1978) é outro autor funcionalista que merece destaque, segundo ele em
toda a sociedade há um grupo determinado de fenômenos que se distinguem por
características distintas dos estudados pelas outras ciências da natureza, os chamados fatos
sociais, como: sistema monetário, instrumentos de crédito, práticas seguidas da profissão; os
quais funcionam independentemente do uso que deles se faça.
Desse modo, Durkheim (1978) advoga que um fato social reconhece-se pelo seu poder
de coação externa que exerce ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos; e a presença
desse poder reconhece-se, por sua vez, pela existência de uma sanção determinada ou pela
resistência que o fato opõe a qualquer iniciativa individual que tenda a violentá-la.
Para os antropólogos funcionalistas, de acordo com Evans-Pritchard (1972), não é
necessário saber a história, basta um estudo conduzido segundo os métodos experimentais das
Ciências Naturais. No entanto, Evans-Pritchard (1972) afirma não encontrar nenhuma razão
válida para considerar um sistema social como um sistema da mesma espécie do sistema
orgânico ou inorgânico, afirmando estes serem tipos de sistema totalmente diferentes.

2.4 A Teoria Geral dos Sistemas

A partir do caminho iniciado pelo funcionalismo surgiu uma nova perspectiva capaz
de servir de base para a convergência dos conhecimentos: o chamado enfoque sistêmico, que
tem sido empregado nas ciências físicas, biológicas e sociais como um quadro de referência
amplo, e também pode funcionar como estrutura capaz de propiciar à moderna teoria da
organização a unificação do que ela carece (ROSENZWEIG e KAST, 1980). O sistemismo
trouxe uma renovação metodológica importante ao tentar enquadrar o dinamismo da
sociedade como um fenômeno relevante (DEMO, 1985).
Demo (1985) assim caracteriza um sistema: a complexidade dos seus elementos
componentes apresenta algum nível de inter-relação; cada elemento se relaciona pelo menos
com alguns outros; a inter-relação não se articula em um ambiente de caos (conceito de
estabilidade); persistência temporal (conceito de tempo de estabilidade); o elemento de
estabilidade persistente fornece a base para a idéia vulgar de que o sistema tenderia a voltar ao
equilíbrio, sempre que o perde por injunções do meio ambiente. Ainda, um sistema possui
auto-regulação (fenômeno cibernético).
A retroalimentação do sistema é o que o faz sistêmico, ele ainda tem o input (tudo que
entra), realiza a conversão (o caminho entre o que entra e o que sai), o output (a resposta já
elaborada), e feedback (retroalimentação). A capacidade de conversão é diretamente
responsável pela sobrevivência (DEMO, 1985).

 
 

Quanto à estrutura do sistema, Demo (1985) afirma que toda estrutura pressupõe um
sistema, ou seja, ela oferece um caráter de sistema.
Ademais, para o sistemismo o todo é maior que a soma de todas as partes, ou seja, o
todo não significa a adição numérica da partes, mas sim a sua agregação não organizada,
Assim sendo, o próprio sistema só pode ser explicado como uma globalidade (DEMO,1985;
ROSENZWEIG e KAST, 1980).
Para Demo (1985), nas ciências sociais a administração pública e de empresas que
maior tirou proveito desta metodologia, uma vez que a análise do sistema é capaz de indigitar
e mensurar relativamente a capacidade interna de resolução de tarefas e planejamentos, de
adaptação e as novas exigências do meio, de busca da maior eficiência, dentro do esquema:
entrada-saída-feedback.

2.5 A Dialética

A filosofia da contradição teve precursores filósofos como Heráclito, os representantes


do Neoplatonismo e Dionísio, os quais inventaram a tríade: tese-antítese-tese. No entanto, foi
Hegel que explorou esta tríade a fundo, adaptou-a como explicação única do real e a
qualificou como processo dialético (FOULQUIÉ, 1978).
A dialética hegeliana tem por filosofia que é preciso ter uma idéia para compreender a
sua dialética, e esta é em si mesma pura determinação, sendo que só se determina
exteriorizando-se na natureza. Assim, todo real é ordem do pensamento, o qual supõe ao
mesmo tempo identidade e contradição. Entretanto, é preciso considerar a contradição como
mais profunda e mais essencial, pois só quando uma coisa tem uma contradição nela própria,
ela se move, tem uma impulsão e uma atividade (FOULQUIÉ, 1978).
Marx, e seu discípulo Engels, também estudaram a dialética a apresentando de modo
menos filosófico, como uma concepção explicativa da história e caracterizada pelo
materialismo dialético, onde a matéria consiste em uma realidade passiva e inerte que só se
transforma sob a ação das forças que sobre ela atuam: ela é essencialmente dinamismo e
movimento (FOULQUIÉ, 1978).
Para Gurvitch (1987), a dialética é o abalo de toda estabilização aparente na realidade
social. Assim como em qualquer conhecimento, ela combate a estabilidade artificial, tanto no
real quanto no conceitual.
Enquanto método, a dialética diz respeito ao fato de que o método é sempre negação,
porque nega as leis da lógica formal à medida que estas não estão compreendidas em um
conjunto que as supere, pois, do ponto de vista dialético, nenhum elemento é idêntico a si
mesmo (GURVITCH, 1987).
No que tange a lógica dialética, esta é definida por Lefebvre (1983) como lógica
concreta ou lógica do conteúdo, uma vez que o conteúdo é feito da interação de elementos
opostos, como o sujeito e o objeto, o que vai de encontro à lógica clássica, caracterizada como
sem conteúdo.

2.6 A Teoria da Complexidade

A idéia de complexidade reapareceu marginalmente a partir da cibernética e da teoria


da informação, contrariando a visão determinista do mundo que reinou durante dois séculos
como dogma absoluto, na ciência clássica, no seio de uma visão experimentalista (MORIN,
1986, 1996).
Para Morin (1996) a complexidade é tudo aquilo que não é simples, ou seja, é tudo o
que é contraditório, incerto, ambíguo; ela traduz-se sempre para um observador em incerteza;
trabalha com o vago de forma também imprecisa; e utiliza uma lógica generativa.

 
 

Morin (1996) apresenta o tetragrama (ordem-desordem-interação-organização) para


conceber que a ordem do universo se auto-produz ao mesmo tempo que esse universo se
autoproduz, através das interações díeicas que produzem organização, mas também desordem.
Morin (1996) defende que o existente é capaz de utilizar o aparecimento de uma desordem
para ordená-la de maneira nova, complexa (DESCAMPS, 1991). No entanto vale destacar
aqui o paradoxo de toda auto-organização: quanto mais autônomo, mais dependente de seu
ambiente será o sistema, o que leva a definição de auto-eco-organização.
Prigogine e Stengers (1997) também explicam o surgimento de ordens provenientes de
desordens, advogando a necessidade de considerar a estabilidade como um caso raro,
particular, e não mais conceber a probabilidade como a pior das hipóteses. Para as autoras, a
ciência se afirma hoje como ciência humana, feita de homens para homens.
Morin (1996) também destaca que a ciência não se interessa apenas pelos fenômenos,
mas também pelo que está escondido por trás deles. Da mesma forma, Serres faz da impureza
o eixo do conhecimento, as percepções acontecem sobre o fundo de uma multiplicidade de
pequenas percepções inconscientes (DESCAMPS, 1991). Assim sendo, uma vez que é
abandonada a visão ingênua de que a teoria é o reflexo do real, dá-se conta de que ela é um
sistema de ideias, o qual obedece a princípios de reunião, que soa os princípios lógicos, e por
trás deles há princípios ainda ocultos, como o paradigma (MORIN, 1996).
No que tange a utilidade da epistemologia complexa, Morin (1996) acredita que ela
faz tomar consciência dos limites do conhecimento; e permite detectar melhor os fenômenos
de esclerose ou de degenerescência que afeta os processos dos nossos pensamentos.

Contudo, com base no exposto é possível observar que nenhuma doutrina científica e
filosófica não é mais que uma fase da história do pensamento na tentativa de explicar o
mundo. Ao passo que o avanço dos métodos de estudos científicos se mostram baseados em
seus antecessores, é possível constatar que nenhuma das correntes epistemológicas
apresentadas constitui a verdade definitiva e absoluta.
Denota-se que o atual campo científico sofreu influência de grandes cientistas do
século passado, uma vez que as idéias matemáticas, que presidem á observação e á
experimentação, ainda hoje fornecem á ciência um instrumento de análise, e auxiliam na
lógica da investigação. Porém, ao se tratar das Ciências Sociais, este racionalismo mecanicista
apresenta alguns obstáculos, citados por Santos (1988): as ciências sociais não dispõem de
teorias explicativas que lhes permitam abstrair do real para depois buscar nele; não se pode
estabelecer leis universais para os fenômenos sociais; essa ciência não pode produzir
previsões fiáveis a ação humana é radicalmente subjetiva, e não objetiva.
Dessa forma, também pode-se dizer que a visão determinista do mundo, que reinou
como dogma absoluto por quase dois séculos, perdeu suas forças com as novas descobertas,
principalmente a termodinâmica, e passou a considerar o movimento, as contradições, e a unir
o objeto ao sujeito. Ademais, a ciência da natureza e a social estão se mostrando cada vez
mais interdependentes.

3 METODOLOGIA DA PESQUISA

Para receber o qualitativo de científica, a pesquisa deve contar com método próprio e
técnicas específicas (RUDIO, 1993).
Sendo assim, esta pesquisa se caracteriza como bibliográfica qualitativa, e utiliza o
método levantamento de fontes secundárias, como livros e artigos.
Segundo Gil (1994), a pesquisa bibliográfica desenvolve-se a partir de material já
elaborado, sobretudo aquele já consolidado em livros e artigos científicos. Para Costa e Costa

 
 

(2001), na pesquisa qualitativa valorizam-se a experiência e a sensibilidade do pesquisador,


que coleta informações e analisa atenciosamente cada caso em separado, tentando estabelecer
um panorama da situação.
Para alcançar o objetivo desta pesquisa, ou seja, compreender os fundamentos
epistemológicos que estão por trás da produção acadêmica em planejamento estratégico,
inicialmente buscou-se os princípios das principais correntes epistemológicas, sejam elas:
empirismo, racionalismo, criticismo, utilitarismo, positivismo, funcionalismo, sistemismo,
dialética e complexidade.
Na sequência foram selecionados três dos principais autores na área de estratégia: Igor
Ansoff, Michael Porter e Henry Mintzberg e feita uma leitura das mesmas. Para então, sob o
olhar dos princípios que guiam as correntes epistemológicas estudadas, analisar a presença
das mesmas nas obras dos autores selecionados.

4 ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA DAS OBRAS DE ANSOFF, PORTER E


MINTZBERG

Aqui é apresentada a análise epistemológica do conteúdo das obras dos autores da área
da estratégia: Igor Ansoff, Michael Porter, e Henry Mintzberg.
Vale destacar que os autores não esclarecem, em suas obras estudadas neste trabalho,
quais os métodos metodológicos que utilizam e sob que correntes epistemológicas
desenvolvem suas teorias. Entretanto esta pesquisa busca identificar algumas correntes
apresentadas na obra dos autores, com base nas perspectivas do empirismo, racionalismo,
criticismo, utilitarismo, positivismo, funcionalismo, sistemismo, dialética e complexidade.

4.1 Análise epistemológica das obras de Ansoff

Igor Ansoff é conhecido como o pai da gestão estratégica, devido as suas relevantes
contribuições para a área. O autor contribuiu com o planejamento através da obra
clássica Estratégia Corporativa, publicada em 1965. Criou a Matriz Ansoff de planejamento
estratégico, baseado na expansão e diversificação empresariais através de uma seqüência de
decisões.
Com base na leitura de suas obras, percebe-se que Ansoff possui uma pequena base
empirista e racionalista. Embora o autor não deixe claro os métodos utilizados pra a formação
de sua teoria, percebe-se que ela esta baseada em determinados aspectos da realidade
organizacional, principalmente nos momentos em que o autor cita os problemas que a
experiência inicial do planejamento estratégico enfrentou nas empresas, tais como: a
“paralisia pela análise”; a resistência organizacional à introdução do planejamento estratégico
na empresa; e a expulsão do Planejamento Estratégico da empresa assim que o
temporariamente vigoroso apoio da alta administração ao planejamento é retirado ou
diminuído.
Ao tratar da resistência de cada indivíduo á mudança que a introdução do
planejamento estratégico causa, Ansoff também parece se basear em fatos empíricos,
resultantes de suas experienciais pessoais e observações.
Pode-se também verificar que o trabalho de Ansoff é criticista, pelo fato de envolver o
seu juízo de sensibilidade, ou seja, um exercício racional puro, no sentido da crítica da razão
pura de Kant.
A perspectiva positivista que se caracteriza por considerar como fonte única de
conhecimentos e critérios de verdade a experiência, por se preocupar em matematizar os


 
 

conhecimentos e por encadear os fatos em causas e efeitos, também se mostra presente nas
obras de Ansoff.
A definição de estratégia de Ansoff (1990, p.95): “um dos vários conjuntos de regras
de decisão para orientar o comportamento de uma organização”, demonstra esta relação de
causa e efeito positivista, onde o “conjunto de regras de decisão” terá como efeito a
orientação do “comportamento de uma organização”. Outro momento em que esta relação se
apresenta é quando Ansoff (1990) apresenta que as mudanças significativas na orientação
estratégica de uma empresa causam resistência organizacional.
A preocupação em matematizar, da corrente positivista, pode ser identificada na obra
de Ansoff (1972) através de uma das suas principais contribuições à gestão, a criação do
modelo ou Matriz Ansoff de planejamento estratégico, baseada na expansão e diversificação
empresariais através de uma sequência de decisões. Este é um modelo utilizado para
determinar oportunidades de crescimento de unidades de negócio de uma organização, que
enquadra duas dimensões da empresa (produtos e mercados), e através destas, a organização
analisa qual a melhor estratégia para ela, entre as quatro possíveis de serem formadas:
penetração de mercado, desenvolvimento de mercado, desenvolvimento de produtos e
diversificação.
Para Demo (1985), parece caber a preocupação empírica positivista uma missão
histórica: chamar a atenção para os limites da avalanche teórica e colocar como ponto
importante da preocupação metodológica a idéia de produção científica controlável pela
intersubjetividade.
A perspectiva funcionalista também é encontrada nas obras de Ansoff, dando ao
planejamento estratégico a função de orientar o comportamento da organização.
Assim, a teoria funcionalista aborda seu objeto a partir do funcionamento da sociedade
onde a estabilidade e o equilíbrio do sistema é conseguido por meio de suas relações. Através
da perspectiva funcionalista, Ansoff entende o planejamento estratégico como uma função
desempenhada pela empresa para o atendimento de uma necessidade: a compreensão do seu
ambiente externo para melhor guiar e reorientar a empresa, na medida em que esta se adapta a
novos desafios, ameaças e oportunidades.
Ainda, a concepção das organizações que se desprende dos estudos funcionalistas é
uma concepção “a-histórica” da organização, as análises funcionalistas estão mais voltadas
para o presente do que para a incorporação do passado, e Ansoff destaca isto quando afirma
que as estratégias de um planejamento estratégico devem ser elaboradas tendo-se em
consideração as exigências do ambiente futuro.
A perspectiva sistêmica, por sua vez, aparece como uma das mais presentes nas obras
de Ansoff. O autor foi o primeiro a falar sobre Planejamento Estratégico a partir de uma
abordagem sistêmica, em uma apresentação de um congresso em 1957.
Ansoff demonstra como principal característica sistêmica da organização, a sua
interrelação com o ambiente que a cerca. O autor acredita que o interessante das empresas
pela estratégia se dá devido ao reconhecimento cada vez maior de que o ambiente externo da
empresa foi se tornando cada vez mais mutável e descontínuo em relação ao passado. Dessa
forma, apenas os objetivos, isoladamente, passaram a não serem mais suficientes como regras
de decisão, surgindo a necessidade da criação de estratégias para guiar e reorientar a empresa.
Aqui se verifica que a empresa faz parte de um sistema maior que a influencia, a sociedade;
uma forte característica do sistemismo.
A abordagem sistêmica também argumenta que a empresa afeta o meio no qual atua.
Da mesma forma Ansoff (1990) advoga que quando a organização se encontra “fora de
sintonia” com o ambiente, uma possível explicação talvez seja a falta de agressividade de seu
comportamento em relação a ele, surgindo então a necessidade de tornar-se mais agressiva,
seja para alcançar o concorrente, ou alinhar-se as áreas de oportunidade mais promissoras.

 
 

Outra característica sistêmica, abordada pelo autor, é a necessidade de mudança do


sistema, para que ele possa continuar a existir, denominada “superação” pela Teoria Geral dos
Siatemas. Ansoff (1990) argumenta que quando a organização não está em sintonia com o
ambiente, a sua posição estratégica no ambiente precisa ser alterada, levando em consideração
não apenas o Planejamento Estratégico, mas também outros de seus fatores internos, como a
necessidade possivelmente mais importante de alteração da cultura interna e de suas
potencialidades, de um modo que a prepare para viver num novo tipo de ambiente, criando
assim a necessidade de uma nova metodologia que reformule deliberadamente a estratégia e
as potencialidades da empresa.
Possível também destacar em Ansoff outra característica da abordagem sistêmica: a
sua preocupação com os valores que asseguram a integração, uma vez que o autor apresenta a
resistência à mudança causada pela introdução do Planejamento Estratégico devido ao
afastamento descontínuo em relação a comportamento, cultura e estrutura de poder
(ANSOFF, 1990).
O conceito de equifinidade, da abordagem sistêmica, também é utilizado por Ansoff
(1990), uma vez que o autor afirma haver várias formas de se atingir uma meta, e a escolha de
qual seguir dependerá do tipo de administrador que estiver no comando, visto que os
administradores não são iguais; assim dependerá de sua personalidade e de sua flexibilidade
pessoal, de suas convicções, de sua disposição de defenderem a si mesmos, de seu anseio de
poder, e de sua predisposição para aprender a mudar.
A perspectiva dialética parece abordada por Ansoff quando ele traz a tona as
contradições inerentes ao processo de implantação do Planejamento Estratégico, devido a
resistência que alguns membros da organização podem apresentar.
As questões de poder e autoridade, de dominação e influência, os conflitos inerentes
ao conceito, objetos de estudo da dialética, são apresentados por Ansoff (1990) quando este
aborda o medo dos indivíduos quando são chamados a assumir riscos com os quais não estão
familiarizados; uma vez que sentem que a mudança pode torná-los dispensáveis, se sentem
incompetentes para ter bom desempenho no novo papel definido pela mudança; dessa forma
sentindo sua posição de poder ameaçada, o que acaba por gerar os conflitos dentro da
organização. Percebe-se aqui também que Ansoff se volta mais ao processo do que a
estrutura, outra característica da dialética.

4.2 Análise epistemológica das obras de Porter

Michael Porter ministra aulas na Harvard Business School, e possui interesse nas áreas
de Administração e Economia. O autor já publicou diversos livros sobre estratégia e
competitividade, é muito respeitado na área em que atua, é considerado guru da administração
e maior autoridade mundial em estratégia competitiva.
Nas obras de Porter racionalismo cartesiano se mostra bem presente, uma vez que o
autor separa a mente da matéria (corpo), como faziam os cartesianos. No estudo de suas
obras, fica clara a separação que Porter faz entre estratégia e operação, onde se tem a mente
planejadora (administração) e o corpo planejado (organização).
A rede de causas e efeitos que Porter discorre de forma linear, também é característica
do pensamento racional cartesiano, sendo esta também uma característica da perspectiva
positivista, presente nas obras do autor.
Porter (2002) coloca que a estratégia ao fixar limites (causa) acelera o crescimento da
organização (efeito). Da mesma forma, Porter (1999) afirma que com a eficácia operacional e
a estratégia (causa) as empresas terão desempenho superior perante seus concorrentes (efeito).
Também ao citar a fronteira da produtividade, o autor utiliza esta relação, uma vez que


 
 

quando as empresas criam programas de gestão de qualidade total (causa), ela aumentam a
satisfação dos clientes e atingem melhores práticas (efeitos).
Além disso, a corrente positivista prega que o critério da verificação passou a ser o
mais válido, uma vez que uma hipótese torna-se verdade após ser verificada, realizada pela
observação empírica. Pode-se dizer que os conceitos de eficácia operacional e posicionamento
estratégico de Porter aqui se encaixam; pois Porter (1999) define eficácia operacional como o
desempenho das atividades melhor que os rivais, diz respeito a quaisquer práticas pela qual a
empresa utilize melhor o insumo; e o posicionamento estratégico consiste em desempenhar
atividades diferentes dos rivais, ou então a mesma atividade, mas de forma diferente; ou seja,
a empresa tem que ser melhor empiricamente, sem subjetividade.
A perspectiva funcionalista é aquela que aborda seu objeto a partir do funcionamento
da sociedade, onde a estabilidade e o equilíbrio do sistema é conseguido por meio de suas
relações. Ela define o conceito de função como uma contribuição para com a textura social
mais fechada, para uma distribuição de serviços e bens mais ampla e penetrante. Sob esta
perspectiva o fato social é reconhecido pelo seu poder de coação externa que exerce ou é
suscetível de exercer sobre os indivíduos.
Desse modo, Porter se mostra também funcionalista ao definir que o lema da estratégia
competitiva, é ser diferente, é optar por um conjunto diferente de atividades que criem um
valor único para o cliente (PORTER, 1999), ou seja, age em função do gosto do cliente, o que
pode ser interpretado como uma abordagem em função do funcionamento da sociedade, logo
funcionalista.
Porter (1999) também se mostra funcionalista ao advogar que as opções excludentes,
presentes no momento de definição do posicionamento estratégico da empresa, limitam a
coordenação e o controle interno, pois ao optar por uma maneira e não de outra, os gerentes
estão evidenciando as prioridades da empresa, estão disponibilizando um referencial para seus
funcionários agirem em situações cotidianas. Com isso, o autor em questão vai ao encontro de
Durkheim (1978) que salienta o poder de coação que age sob is indivíduos.
O funcionalismo prega que em uma organização as atividades de certas pessoas são
sistematicamente planejadas por outras (as quais por conseqüência tem autoridades sobre elas)
a fim de realizar determinados objetivos, do mesmo modo que Porter acreditar que no
Planejamento estratégico cabe a gerência desenvolver a estratégia e supervisionar que os
outros a façam acontecer, em um “sistema cooperativo”.
A teoria sistêmica que advoga que o todo é maior que a soma de todas as partes, ou
seja, o todo não significa a adição numérica das partes, mas sim a sua agregação não
organizada, também se apresenta em Porter logo na sua definição do termo estratégia: “... é a
criação de compatibilidade entre as atividades da empresa. Seu êxito depende do bom
desempenho de muitas atividades – e não apenas de umas poucas – e da integração entre elas”
(PORTER, 1999).
Ademais, a perspectiva sistêmica defende que a empresa é afetada pelo ambiente em
que atua, sentença essa também exposta por Porter. No que tange o seu conceito de eficácia
operacional, Porter (1999) defende a sua importância, mas destaca que apenas com ela é
difícil para a empresa possa alcançar êxito prolongado, visto que suas práticas são facilmente
imitadas pelos rivais e há uma rápida proliferação de práticas melhores, ou seja, há influência
do ambiente externo, onde os rivais emulam uns aos outros, acabando por criar uma
competitividade de soma zero.
Assim sendo, o autor discute sobre as influências do Estado sobre a empresa. Porter
(2002) realiza uma discussão sobre estratégia, focando a situação de empresas dos países
latino-americanos, as quais têm dificuldade de lidar com a globalização e não conseguem
abordar como deveriam os princípios da estratégia, por não se encontrarem em um ambiente
adequado; aqui se denota a importância que o autor designa ao ambiente. Da mesma forma,
10 
 
 

quando expõe que as empresas além de continuarem progredindo na economia


macroeconômica, também devem prestar atenção a microeconomia, pelo fato de seu ambiente
possuir características particulares.
Ainda dentro da abordagem sistêmica, o seu conceito de equifinidade, o qual
estabelece que há várias formas de atingir uma meta, se encontra em Porter, quando o autor
cita três fontes distintas para a criação do posicionamento estratégico da empresa:
posicionamento baseado na variedade, nas necessidades e no acesso.

4.3 Análise epistemológica das obras de Mintzberg

Henry Mintzberg é um autor muito produtivo, escrevendo sobre estratégia de Gerência


e de Negócios já publicou mais de 140 artigos e treze livros no seu nome. O autor
é considerado um dos maiores especialistas mundiais em estratégia, e um dos que critica o
modo tradicional de fazer estratégia com “a mente separada das mãos”.
Dando início a análise epistemológica sobre as obras do autor, aqui em estudo, pode-
se constatar a presença de algumas perspectivas epistemológicas.
A primeira delas é a positivista, que se caracteriza, entre outras coisas, por encadear
causas e efeitos. Mintzberg assim o faz ao tratar das estratégias deliberadas e emergentes,
considerando a importância das duas, mas salientando os seus efeitos na organização. Para o
autor, a estratégia emergente (causa) é importante ao passo que favorece a aprendizagem e
impede o controle (efeito), enquanto uma estratégia puramente deliberada (causa) bloqueia a
aprendizagem e favorece o controle (efeito).
Vale destacar que Mintzberg, contrário ao racionalismo cartesiano, não separa a mente
da matéria (corpo). Segundo o autor o segredo de uma arte e da criação da estratégia consiste
na conexão íntima entre pensamento e ação. Muitos autores descrevem o processo de
formulação estratégica como deliberado, onde primeiro se pensa, para depois agir. Mas para
Mintzberg (1998), a ação pode estimular o pensamento, fazendo surgir um novo padrão, uma
nova estratégia. Deste modo, Mintzberg (1998) destaca a importância dos gerentes de não
separarem o trabalho da mente do trabalho das mãos, pois desta forma interrompem a
realimentação vital entre os dois, visto que ações podem simplesmente se transformar em
padrões, quando estes forem reconhecidos.
O paradigmo crítico, contrário ao funcionalista, traz uma perspectiva histórica, uma
vez que defende que as organizações assim como os seres humanos têm uma história. Neste
sentido, Mintzberg (1998) acredita que para formular uma estratégia os executivos devem
conhecer profundamente as capacidades da organização e situar-se entre suas experiências
passadas - o que funcionou e o que deu errado - e suas perspectivas para o futuro. Aqui, o
autor critica os autores que utilizam a perspectiva funcionalista (a-histórica), afirmando que a
estratégia é um termo que as pessoas definem de um jeito e usam de outro, visto que as
definições estão em torno de um guia de referência para comportamentos futuros (a-histórico),
enquanto que estas mesmas pessoas ao responderem quais as estratégias dos concorrentes ou
as suas próprias, elas dirão que têm coerência com o comportamento passado, ou seja, há um
padrão de ação ao longo do tempo.
A perspectiva funcionalista pouco aparece nas obras aqui estudadas de Mintzberg.
Podem-se encontrar poucas características, como a coordenação funcional, uma vez que o
autor define a estratégia também como uma fonte de coerência interna, ao passo que permite a
concentração de esforços, oferecendo uma coordenação para a empresa, embora assim corre-
se o risco de não mais olhar em volta, formando um pensamento “da casa”.
Uma vez que o paradigma funcionalista privilegia a estabilidade, Mintzberg não se
encaixe nele, o autor até mesmo critica a visão convencional de gerenciamento estratégico,
por este defender a idéia de que toda mudança deve ser contínua, ao mesmo tempo em que
11 
 
 

define a essência do conceito estratégico baseado na estabilidade e não na mudança


(MINTZBERG, 2001).
Já, a perspectiva sistêmica, por sua vez, aparece nos trabalhos do autor aqui analisado
epistemologicamente, principalmente sua premissa de que o todo é maior que a soma de todas
as partes. Esta abordagem está clara em Mintzberg, pois o autor declara que não há um jeito
certo ou errado de se fazer estratégia, e que todas as abordagens (as diferentes escolas de
pensamento, os 5P’s) se complementam. Ainda, Mintzberg (2002) advoga que os
profissionais que possuem a responsabilidade final precisam ver seus negócios como um todo,
“lidar com animal inteiro”, segundo a analogia do elefante. Mintzberg, Lampel e Ahlstrand
(2002) afirmam que os maiores fracassos da área de administração foram produzidos por
executivos obcecados por uma única abordagem.
A perspectiva dialética se mostra nos estudos de Mintzberg, quando ele trata das
contradições do Planejamento Estratégico, e aborda as organizações com elementos não
estáticos, inertes, mas sim permeadas por contradições, oposições, conflitos, crises, e rupturas.
Para Mintzberg, a visão convencional de gerenciamento estratégico é contraditória ao
passo que defende a idéia de que toda mudança deve ser contínua, ao mesmo tempo em que
define a essência do conceito estratégico baseado na estabilidade e não na mudança. Para o
autor, o que está visão convencional não consegue abordar corretamente é quando promover
uma mudança, reconciliando as forças dela com as forças da estabilidade, ainda mantendo
eficiências operacionais e adaptando-se a ligação externa com o ambiente em mutação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho estabeleceu como objetivo analisar epistemologicamente as obras


de três dos principais autores da área de planejamento estratégico: Igor Ansoff, Michael
Porter e Henry Mintzberg. Para tanto, utilizou-se de publicações de tais autores, as quais
foram analisadas com bases nas principais correntes epistemológicas: empirismo,
racionalismo cartesiano, criticismo, utilitarismo, positivismo, funcionalismo, sistemismo,
dialética e complexidade.
A análise realizada permite observar que enquanto a administração clássica,
representada por precursores como Taylor e Fayol, se voltava para a parte interna das
organizações, o ambiente externo passava a influenciar cada vez mais a vidas destas, o que
ficou ainda mais evidente coma Segunda Guerra Mundial, onde a produtividade não
significava mais o sucesso de determinada empresa. Com isso, surgiram os estudos do
Planejamento Estratégico, que inicialmente, com Ansoff, consistia apenas em uma análise
racional das oportunidades, ameaças, pontos fortes e fracos de uma organização, que era a
base para a elaboração de uma estratégia que conseguisse uma compatibilização positiva
dessas variáveis com os objetivos da organização. Mas com o desenvolvimento de mais
estudos sobre a ferramenta, novas variáveis passaram a ser incluídas.
Com o desenvolvimento desta pesquisa foi possível constatar, com base nas
publicações dos três autores em questão, que o os estudos sobre planejamento estratégico são
mais facilmente entendidos sob as premissas do paradigma dominante, da filosofia cartesiana,
que separa a mente e a matéria.
No que tange a análise epistemológica dos autores em estudo, embora nenhum deles
explicite sua corrente, pode- inferir sintetizadamente que: o racionalismo cartesiano se mostra
presente em Ansoff e Porter, principalmente neste último; enquanto que Mintzberg se mostra
contrário a ele. O positivismo foi possível encontrar em todos os autores, principalmente a sua
característica de relacionar causa-efeito. O funcionalismo também apresenta características
em todos os autores, os quais veem o Planejamento Estratégico como uma determinada
12 
 
 

função, que contribui para a “cooperação” na organização; entretanto o “a-historicismo” –


outra característica do funcionalismo - é abordado apenas por Ansoff e Porter. O sistemismo
se mostrou a corrente mais fortemente presente nos três autores, principalmente no que tange
a inter-relação da organização com o ambiente. A dialética se apresenta em Ansoff e
Mintzberg, que tratam das contradições do Planejamento estratégico, e dos conflitos inerentes
a ele.
Contudo, percebe-se que em uma obra é comum encontrar traços de várias correntes
de pensamento, no entanto há predominância que aporta à filiação a um ou outro paradigma.
Neste sentido, pode-se aferir que Ansoff tem em suas obras a presença forte da Teoria
Geral dos Sistemas, não por acaso que foi o primeiro a falar sobre Planejamento Estratégico a
partir de uma abordagem sistêmica, em 1957. Porter parece ser guiado pelo racionalismo
cartesiano, devido à presença da divisão entre corpo e matéria em seus estudos. Já Mintzberg,
se demonstra mais ligado pela dialética, uma vez que destaca várias vezes as contradições do
conceito aqui em estudo e de sua prática.
Desse modo, tem-se que a teoria geral dos sistemas é a perspectiva epistemológica
mais presente nos estudos sobre Planejamento Estratégico, uma vez que a relação da empresa
com o meio em que atua é a base do desenvolvimento de um Planejamento Estratégico. Como
expõe Demo (1985), o sistemismo trouxe uma renovação metodológica importante ao tentar
enquadrar o dinamismo da sociedade como um fenômeno relevante.
O funcionalismo também deixou forte herança ao Planejamento Estratégico, a noção
de planejar “olhando para frente”, pensando no futuro, ou seja, sua característica “a-
histórica”, veio da perspectiva funcionalista.
Por fim, este tipo de análise contribui para o melhor entendimento da ferramenta em
estudo – Planejamento Estratégico - enquanto parte das ciências administrativas. Verifica-se
que ainda há espaço de buscar outras bases para a análise do Planejamento Estratégico,
livrando-se mais das amarras ortodoxas, como iniciou Mintzberg. A não identificação da
complexidade, enquanto perspectiva epistemológica demonstra, entre outros fatores, a
necessidade de estudar de forma mais profunda, as relações que permeiam o funcionamento
de um plano estratégico nas organizações, os conflitos e interesses que cercam o tema, de
forma mais flexível e menos calculista, indo além do óbvio e destacando as relações dialéticas
causadas pelo processo, sem deixar de lado os sujeitos que constituem a organização.

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