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Celso R. Braida
(UFSC)
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Correia, A.; Rohden, L.; Savian, J.; Tourinho, C. Fenomenologia e hermenêutica. Coleção XVII Encontro
ANPOF: ANPOF, p. 273-290, 2017.
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porção em que a linguagem é o meio pelo qual e no qual algo pode se dar
como algo. Essa tese reitera obviamente um traço caracterizador do pen-
samento ocidental desde Parmênides e Heráclito, incluída aí a tradição
teológica judaico-cristã, a saber, a marca do logos-verbum pelo qual as coi-
sas vêm a ser e são enquanto são compreendidas e conhecidas. Isso não
impede, todavia, a sua incompreensibilidade. O entendimento cotidiano
e culto recusa essa equação com razões não menos óbvias. O problema é
visto como não estando no lado do ser, mas sim no lado da linguagem. O
que se deve entender por linguagem quando se diz “ser … é linguagem”?
Que traço é esse, a linguisticidade, que seria universal e absoluto por per-
passar a tudo e a todos? Precisa ela ser já algo, para então fazer depois a
mediação entre o pensar e o mundo-ser, como é a bola no jogo de futebol,
ou ela seria a própria mediação, como é o agarramento no judô?
A recusa do desvio fenomenológico da hermenêutica implica a
recusa de todo a priori no mais amplo sentido do termo, ou seja, no
sentido de possibilidade, e a afirmação apenas de esquemas prévios en-
quanto materiais e histórico-efetivos, sobretudo nas considerações so-
bre as línguas e linguagens. O ponto principal está na reconsideração do
conceito de atividade e ato (Tätigkeit, Aktivität; Tat, Thun) utilizado por
Schleiermacher, Humboldt e, sobretudo, por Nietzsche, enquanto esse
conceito é posto como base ontológica para se pensar a atividade lin-
guística. A metafísica da modernidade, ao menos na figura delineada no
período que vai do Discursos de Metafísica, de Leibniz, até Ser e Tempo,
de Heidegger, está pré-parada pelo princípio da primazia ontológica da
possibilidade sobre a efetividade sob um aspecto bem determinado, a
saber, o de que a possibilidade não é um feito dos falantes e agentes, mas
antes que o plano do possível é uma condição e o plano da atividade efe-
tiva é um plano condicionado. O esforço de reversão desse dogma tem
sido já exercitado por pensadores como Nietzsche (1992), Whitehead
(1978) e Deleuze (1988), entre outros, sob o nome de “destranscenden-
talização”, mas também, penso eu, é a principal lição de Schleiermacher
e Gadamer, constituindo assim ainda a tarefa do filósofo hermeneuta. O
desvio fenomenológico, enquanto uma retomada do princípio moderno,
isto é, da primazia das verdades de essência sobre as verdades de fato,
está localizado justamente na inversão da relação entre efetividade e
possibilidade.
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é ela mesma uma coisa feita e tem de ser performada a cada vez: foneti-
camente, graficamente, materialmente. O sentido, mas também a língua,
apresenta-se como coisa, como matéria que nos toca no plano do corpo e
do espaço.
Admitir que a experiência de sentido seja assim desligada e dis-
traída de qualquer anteparo prévio é sem dúvida conceder o máximo de
efetividade à própria experiência (BRAIDA, 2013, p. 100) e ao acontecer
da própria coisa (GADAMER, 2005, p. 625). Nem a experiência nem a coi-
sa se dão sob os conformes prévios de uma estrutura que não provém
delas mesmas e da ação em curso na qual elas tem consistência. O ato,
a atividade, é tudo e não há nada antes senão atos e atividades. O ato de
fala é performativo no sentido de que perfaz por sua própria execução,
isto é, por sua efetuação, sua própria possibilidade. Ao ser dita ou escrita
uma frase, então, se ela é efetiva como ato linguístico na ação em curso,
então sua efetividade perfaz sua possibilidade. E, assim, torna-se possível
falar e escrever desse modo, o que, antes de sua dicção ou inscrição, não
era nem possível nem impossível. Esse não ser possível nem impossível
a priori é a marca do artefactual e performativo. A ação ainda em curso
de escrever e ler em português brasileiro o que acontece, enquanto ação
que perfaz as próprias condições de sentido e assim também o sentido do
que acontece, como nas frases de Assis e Hilst, longe de ser uma ação de
“submissão”, que está “a serviço” do acontecimento e da tradição, embora
seja isso também, é uma atividade efetiva e performativa das estruturas
prévias pelas quais ela mesma tem sentido.
Referências
ASSIS, Machado de. Memorial de Aires. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977
[1908].
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LONGO, Giuseppe. “How Future Depends on the Past and on Rare Events in Sys-
tems of Life”, 2015.
_____. Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
_____. Hermeneutik und Kritik, hrsg. eing. Manfred Frank. Frankfurt: Suhrkamp,
1977.
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VAN VALIN, Robert Jr. Exploring the Syntax-Semantics Interface. Cambridge: Cam-
bridge University Press, 2005.
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