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Vinícius Renaud1
RESUMO: Em seu ensaio sobre a temática do “ceticismo” Impérios da crença: por que precisamos de mais
ceticismo e dúvida no século XXI?, Stuart Sim identifica uma espécie de “superceticismo” presente no
pensamento pós-moderno. Segundo o autor, ainda que não declaradamente filiados a uma tradição cética, seria
possível encontrar em pensadores contemporâneos, sobretudo pós-estruturalistas e desconstrutivistas, alguns
elementos que permitiriam dizer que suas filosofias constituíram-se a partir de algumas consequências do
ceticismo. Stuart Sim se mostra preocupado quanto a determinados “excessos” no superceticismo pós-moderno,
que poderiam levar a um tipo de niilismo. Com isso, surgem alguns questionamentos. Primeiramente, deveria se
definir o que é “niilismo”, e posteriormente se é um fenômeno de única expressão ou se existiriam versões ou
tipos diferentes. Posteriormente, poderia se questionar se o niilismo, necessariamente, traria problemas para o
ceticismo ou mesmo se haveria, invariavelmente, de incorrer em dogmatismo. Nesse sentido, se o autor diz que
esse tipo de pensamento é típico da pós-modernidade, mas ao mesmo tempo pode degringolar na forma de um
niilismo, acredita-se, aqui, que um bom autor para se abordar a temática seja o filósofo italiano Gianni Vattimo.
E por duas razões: primeiramente, porque o próprio autor atribui a si mesmo ser um pensador pós-moderno e ao
mesmo tempo niilista. A segunda razão é que o modo como o autor apresenta o niilismo não parece ser uma
forma temerária para um cético, pois a maneira como interpreta niilismo parece ter por objetivo também se
contrapor ao pensamento dogmático.
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Mestrando em Filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-
graduado (lato sensu) em Ética Filosófica (Faculdade São Bento-RJ) e em Filosofia Contemporânea (PUC-Rio).
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elementos que teriam ligação com certas vertentes céticas, ou mesmo poderiam ser
consideradas filosofias que construíram sua trajetória a partir de algumas consequências do
ceticismo.2 Segundo Sim (2010, p. 69):
Os autores que Sim toma como exemplo são Lyotard, Deleuze, Foucault, Baudrillard,
Derrida, entre outros. Segundo o autor, as bases do ceticismo desses pensadores viriam dos
escritos de Nietzsche e de alguns autores da Escola de Frankfurt. O “superceticismo” pós-
moderno, de acordo com Sim (id., ib., p. 70), seria comprometido com a pluralidade de
pensamento e o distanciamento em relação a modos de pensar que viriam a suprimir as
diferenças. O ceticismo, no pensamento pós-moderno, seria uma estratégia contra a
possibilidade de fundamentos absolutos de crença: “Quando cuidadosamente disposto o
superceticismo pós-moderno pode ser uma ferramenta valiosa no combate às asserções feitas
pelos diversos impérios da crença de estar em posse da verdade absoluta” (id., ib., p. 71).
No entanto, Sim frisa que determinados “excessos” no pensamento pós-moderno
poderiam levar ao niilismo. Ou seja, o autor aponta preocupado para uma certa consequência
desse “superceticismo” que ele parece temer, ou pelo menos adotar alguma prudência. Quanto
a esse ponto, observe-se o comentário de Bicca (2012, p. 223):
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Embora se reconheça que é superficial falar apenas em “ceticismo”, levando-se em conta as diferenciações
entre ceticismo pirrônico, acadêmico, moderno, por exemplo, “ceticismo”, aqui, será levado em conta, em linhas
gerais, segundo as definições de Bicca (2012, p. 125-126): “O ceticismo rejeita toda e qualquer tentativa de
afirmar-se um fundamento, sobre o qual alguma instituição ou forma de comportamento pudesse ser preferida a
outra, rejeitando portanto qualquer tentativa de estabelecer-se com autoridade um padrão ou modelo pelo qual se
fixaria como se deve responder ou reagir em situações difíceis”; e de Sim (2010, p. 15, 55): “O ceticismo na
filosofia é a posição que questiona a possibilidade de haver algum fundamento absoluto para as teorias da
verdade ou do conhecimento, ou para a crença [...] Eu veria o ceticismo antes como uma cura para a pretensão
filosófica, uma permanente crítica interna ao discurso filosófico, taticamente equipado para pensar o impensável,
e dizer o indizível, sobre todas as grandes narrativas, em franca oposição aos guardiães destas últimas [...] As
grandes narrativas, na filosofia como em todos os outros lugares, sempre se esforçarão por exibir aquela
aparência externa de autoridade incontestável, e é isso, acima de tudo, que o ceticismo está interessado em
desmanchar”.
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Os comentários desses dois autores acabaram por motivar a produção deste texto. Se
determinados “excessos” no superceticismo pós-moderno poderiam levar a um tipo de
niilismo, questões surgiriam. Primeiramente, deveria se definir o que é “niilismo”, e
posteriormente se é um fenômeno de única expressão ou se existiriam versões ou tipos
diferentes. Posteriormente, poderia se questionar se o niilismo, necessariamente, traria
problemas para o ceticismo ou mesmo se haveria, invariavelmente, de incorrer em
dogmatismo.
Outro ponto incentivador deste texto é a possibilidade de se referir menos
abstratamente a esse “superceticismo” que Sim faz menção, pois, se o autor diz que esse tipo
de pensamento é típico da pós-modernidade, mas ao mesmo tempo pode degringolar na forma
de um niilismo, acredita-se, aqui, que um bom autor para se abordar a temática seja o filósofo
italiano Gianni Vattimo. E por duas razões: primeiramente, porque o próprio autor atribui a si
mesmo ser um pensador pós-moderno e ao mesmo tempo niilista. A segunda razão é que o
modo como o autor apresenta o niilismo não parece ser uma forma temerária para um cético,
pois a maneira como interpreta niilismo parece ter por objetivo também se contrapor ao
pensamento dogmático. Se consegue totalmente escapar ao dogmatismo, não é a questão a ser
abordada aqui, pois não seria possível dar conta de todas as possibilidades de leitura do
dogmatismo3 para a tradição de estudos relacionados ao ceticismo. Por ora, limita-se a
apresentar um tipo de pensamento que seria uma exemplificação desse “superceticismo”
citado por Sim (já que uma exemplificação de pensamento autenticamente pós-moderno) e, ao
mesmo tempo, niilista que tem, por proposta, se opor ou se distanciar do dogmatismo.
Vattimo tem por objetivo conferir vigor e sustentação ao pensamento pós-moderno a
partir da concepção de “niilismo” de Nietzsche e da empreitada heideggeriana do “fim da
metafísica”, rejeitando, juntamente com esses autores, qualquer tipo de superação, evolução
ou perspectiva dialética (características do pensamento moderno e ainda metafísico), que
caminha sempre progressivamente, tentando recuperar o fundamento, ou a origem, “a
verdade”, utilizando-se para isso de métodos, sistemas que visem a um “esclarecimento”
gradual da humanidade, por meio de retornos à tradição, indicando em que ponto “erramos” e
que perspectiva devemos seguir, pela razão, para que encontremos o seguro caminho da
verdade (Vattimo, 2002a, p. VI). Para o autor italiano, a tarefa do filósofo da pós-
modernidade seria a de distanciar-se criticamente desse pensamento que busca o fundamento
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Para Stuart Sim, “dogmática” é toda atitude baseada em uma forte crença sem questionamentos. O modo como
o autor entende o dogmatismo pode ser acompanhado já na introdução de seu livro Impérios da crença: por que
precisamos de mais ceticismo e dúvida no século XXI? (p. 9-24). Para uma outra definição de “dogmatismo”, ver
Teoria do conhecimento, de Johanes Hessen, p. 29-31.
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“forte”, último das coisas, algo para que possibilite categorizar, de forma definitiva e
inequívoca, os objetos, o homem, o mundo por adequação a essa verdade descoberta. Mas a
postura de se afastar criticamente de um pensamento que busque o fundamento deve atentar
para o perigo de se instituir outro fundamento absoluto, o que seria uma mera substituição,
trocar uma verdade por outra – o que no fundo seria ainda estar preso ao pensamento
moderno, visto que só se consideraria um fundamento mais verídico que outro, mais eficiente
e correto no que diz respeito à adequação ideal (Vattimo, 2002a, p. VII).
Esse “evitar buscar um fundamento absoluto” Vattimo retira principalmente do modo
como interpreta a filosofia de heideggeriana acerca do ser. Segundo Heidegger, a tradição
filosófica ocidental sempre pensou o ser como sendo algo que possuiria uma identidade
estável, fixa, única, como sendo algo que sempre foi, imutável; tal postura para ele seria a não
distinção entre ser e ente, daí dizer que a metafísica não teria reconhecido a diferença
ontológica. Para Heidegger o ser seria um evento, um acontecimento, uma verdade que
aparece, surge, é desvelada, mas sempre parcialmente, sempre temporal, histórica – na
verdade, pensar o ser como evento e como algo que se desvela e se vela novamente é reservar
ao ser sempre modos de acontecimento diferentes, que sempre estarão ligados a um
determinado tempo histórico, será sempre uma abertura devedora da história como tradição
(linguística) mas ao mesmo tempo apontando para uma outra forma de vivenciar: “A
ontologia nada mais é que interpretação4 da nossa condição ou situação, já que o ser não é
nada fora do seu “evento”, que acontece no seu e nosso historicizar-se (id., ib., p. VIII).
O exercício que Vattimo propõe como possibilidade pós-moderna é um pensamento
que tenha por objetivo aprofundar a destruição da ontologia clássica realizada por Nietzsche e
Heidegger, chegando-se ao termo cunhado pelo autor italiano “debilitamento do ser”
(Vattimo, 2002a, p. 181-182; 2004, p. 33), que seria a perspectiva do ser não metafísico,
pensado de forma não platônica, livre das estruturas estáveis, dos fundamentos “fortes” –
considerando o devir como essência do ser, este não mais sendo compreendido como
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A “intepretação”, no sentido da filosofia de Vattimo, “é sempre um caminho, uma vez que não permite uma
interpretação definitiva do mundo e das coisas. Destarte interpretar implica sempre esbarrar na inexaurível
problemática da experiência humana que é finita” (Teixeira, 2005b, p. 97).
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Sobre o modo como Vattimo compreende “hermenêutica”: Os argumentos de que parte uma teoria
hermenêutica da verdade são já conhecidos: a constatação da secundariedade da verdade como correspondência,
e da necessidade de uma abertura prévia que torne possível qualquer verificação ou falsificação de proposições;
o reconhecimento (existencialístico, anteriormente nietzschiano e também por certas vertentes positivistas; e aí
penso em Spencer) da finitude – isto é, historicidade, eventualidade – da verdade primária: o sujeito não é
portador do a priori kantiano, porém herdeiro de uma linguagem hisrórico-finita que torna possível e condiciona
o seu acesso a si próprio e ao mundo. Estes passos, ligados na reflexão da hermenêutica moderna com a
problemática das ciências do espírito – já que é precisamente encontrando os limites na pretensa objetividade das
ciências experimentais e da sua concepção metódica da verdade que vem à luz a interpretatividade de toda
experiência do verdadeiro e, junto, a historicidade das aberturas dentro das quais todo verdadeiro pode dar-se –
parecem porém conduzir somente àquela que me parece ser a que se possa chamar de hermenêutica como
metateoria do jogo das interpretações” (Vattimo, 1999, p. 21).
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Teixeira (2005a, p. 7-8, 122) oferece uma boa compreensão do que seria o “pensamento fraco” na filosofia de
Vattimo: “Vattimo caracteriza o pensiero debole através de quatro idéias principais: a primeira diz respeito em
tomar a sério a idéia nietzschiana, e talvez marxista, do nexo existente entre evidência metafísica e relações de
domínio dentro e fora do sujeito; a segunda busca um “olhar amigo” e sem angústia para o mundo das
aparências, dos procedimentos discursivos e das formas simbólicas, vendo nessas o lugar de uma possível
experiência do ser; uma terceira diz respeito a anterior, chama a atenção para não cair na glorificação de
Deleuze, que equivaleria a voltar a um ontos on; por último, uma quarta idéia entende que a identificação de ser
e linguagem, que a hermenêutica toma de Heidegger, não como um modo de reencontro do ser originário e
verdadeiro, do qual esqueceu a metafísica, mas sim como uma via para encontrar o verdadeiro e novamente o ser
como “pegadas”, “recordo”, ser fragilizado [...] O pensiero debole possui uma ontologia de enfraquecimento do
ser, de desestabilização da substância. O ser debilitado converte-se, portanto, em evento e acontecimento,
efêmero, essência temporal. O pensiero debole caracteriza-se também pela falta de fundamento, próprio da
metafísica de qualquer espécie. Esta carência de fundamentação faz parte da Pós-modernidade em geral. O
niilismo nietzschiano e heideggeriano nega, sobretudo, realidades absolutas”. Ainda sobre essa questão, ver
Vattimo, 2006, p. 38-40.
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ser seu próprio legislador. Pode-se pensar a questão do niilismo a partir do que Nietzsche
entendia como acontecimento da “morte de Deus”, que seria, a partir da modernidade, a
derrocada valores supremos que até então norteavam a vida – a racionalização (científica e
tecnológica, consequências da “vontade de verdade”) da existência acabou por tornar obsoleta
a crença em um ser supremo, em um Deus (Vattimo, 2004, p. 21, 113). No entanto, com o
esfacelamento dos antigos arranjos da vida, os determinantes do “porquê”, “para quê”, o
homem se viu desamparado, sem ter de onde retirar os fundamentos para suas ações e as
justificativas para sua existência. A antiga crença no Deus cristão declina, e junto com ela o
sentido da vida. A consequência desse processo, segundo Nietzsche (2013, 9 [43] outono de
1887, p. 293-294), é o niilismo.
Conforme enfatiza Vattimo, para Nietzsche (id., ib., 9 [35] outono de 1887, p. 289-
290), o niilismo é ambíguo, há duas possibilidades de vivenciá-lo: niilismo (ativo) pode ser
experimentado como uma elevação do poder de criação, ao ponto dos valores até então
vigentes se mostrarem insuficientes para a manifestação criativa dessa força, daí a
necessidade de perecerem; niilismo (passivo) também pode ser sinal de um declínio do poder
do espírito, sinal de fraqueza, esgotamente das crenças até então em vigência e inabilidade de
lidar com o cenário de abandono decorrente.
O caráter negativo inerente ao niilismo como tal assume um viés positivo, na medida
em que possibilita a nova posição dos valores, baseada no reconhecimento da
vontade de poder, como marca fundamental de tudo o que existe. Ao conseguir abrir
caminho afirmativo, o niilismo supera sua limitação e se completa. Torna-se
niilismo clássico. É esse o niilismo que Nietzsche reivindica como seu, quando se
declara “o primeiro niilista perfeito da Europa, mas tendo já ultrapassado o niilismo
por tê-lo vivido dentro de si profundamente (Volpi, 1999, p. 62-63).
A obra de arte abre à sua maneira o ser do ente. Na obra, acontece esta abertura, a
saber, o desocultar, ou seja, a verdade do ente. Na obra de arte, a verdade do ente
pôs-se em obra na obra. A arte é o pôr-se-em-obra da verdade. Que é a própria
verdade para que, de tempos em tempos, aconteça como arte? Em que consiste este
pôr-se-em-obra? (id., ib., p. 30).
A obra expõe objetos que são reconhecidos porque se tem acesso ao mundo desses
objetos – utilizando a terminologia heideggeriana, a obra abre um mundo e produz a terra: “A
terra é, decerto, hic et nunc da obra a que toda nova interpretação sempre retorna e que
sempre suscita novas leituras, portanto novos ‘mundos’ possíveis” (Vattimo, 2002a, p. 53).
Na obra de arte é aberta a verdade do ente, em que todo ente é um determinado ente inserido
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em uma realidade histórica (e não metafísica, ideal), só que a essência desse ente, o ser do
ente, sempre acontece, aparece, historicamente, situado em um contexto, em um mundo.
Dessa forma, mais que experimentar apenas a verdade sobre aquele determinado ente,
vivenciamos a experiência do acontecimento universal da verdade, que sempre é temporal,
histórica, atrelada a um mundo e a uma terra.
novo, como uma espécie de núcleo nunca consumível pelas interpretações, nunca
esgotado nos significados (Vattimo, 2002a, p. 64).
Só na medida em que a linguagem nomeia pela primeira vez o ente é que um tal
nomear traz o ente à palavra e ao aparecer” (id., ib., p. 59).
A verdade não aconteceria apenas na arte, mas para Heidegger seria uma de suas
formas de aparição, em que seria possível a nós perceber ao que a verdade do ente estaria
atrelada, seria mais uma possibilidade de pensar de forma não metafísica, absoluta, o ente, e
pensar a partir de uma ontologia fraca, dando liberdade ao ser para a realização do projeto
niilista, para consumar o niilismo como niilismo positivo, criador, instaurador.
A modernidade seria ainda uma época de essência metafísica, pois embora desalojasse
Deus de seu trono para dar conta da realidade e fornecer explicações sobre fenômenos da
natureza, fazendo dos valores tradicionais ultrapassados por causa do desenvolvimento da
técnica, da racionalidade científica, mergulhou profundamente na fé no progresso, que
passaria a dar conta de nossos problemas pelo fato de ser um método de maior eficácia em
relação à descoberta da verdade ainda como adequação: “Os assim chamados conceitos
críticos da verdade, que, desde Descartes, partem da verdade como certeza, são apenas
variações da determinação da verdade como adequação” (Heidegger, 1977, p. 41).
É com o pensamento pós-metafísico surgido na pós-modernidade, que abandona os
valores supremos, que se tem a possibilidade de experenciar uma nova maneira de lidar com o
niilismo, sem uma substituição de uma metafísica por outra, consumando o niilismo, evitando
os efeitos do niilismo reativo, passivo, negativo, buscando uma saída positiva para o evento
da morte de Deus, dando ao homem a oportunidade de não mais buscar uma referência,
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qualquer instância que norteie sua vida, e sim dando-lhe a abertura de uma vida em que
estabeleça e crie seus próprios valores, não do nada, mas sim a partir do o trouxe até aqui,
partindo da tradição mas produzindo diferenças, rupturas, algo, de fato, novo.
No capítulo “Niilismo e pós-moderno em filosofia”, em O fim da modernidade:
niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna, Vattimo, apoiado em Nietzsche, indica-nos
o caminho de saída da modernidade, mas que aponta para um importante detalhe. Se a
modernidade se caracteriza pela época da superação constante, pela novidade que
rapidamente envelhece, pela substituição veloz de novidades, não é possível uma escapatória
que seja pela superação por uma etapa mais evoluída, por um processo mais adequado ao
desenvolvimento científico, pois nesse sentido ainda estaríamos sob seus parâmetros
(Vattimo, 2002a, p. 171).
A “saída” pós-moderna é não mais apostar na crença de descoberta da verdade,
quebrando a estrutura dela como adequação, não mais visando a métodos mais eficazes de
busca por essa estrutura imutável, pois com a morte de Deus, o fim dos valores superiores, é o
próprio fundamento de qualquer verdade que fica sob suspeita, toda fundamentação absoluta
já não é mais sustentável (id., ib., 173).
verdade absoluta, mas sim de aprender com os erros cometidos que se não se pode chegar ao
melhor, que pelo menos se evite o pior, relativizando e fragmentando as verdades
consolidadas, imutáveis, em prol do diverso e do novo, consumando o niilismo (Pecoraro,
2005, p. 133). Com o pensamento pós-moderno não metafísico, qualquer tentativa de
construção de consenso passa pela via do diálogo, pelo reconhecimento da diferença e pela
ausência de hierarquia e de privilégio na detenção de qualquer posição privilegiada de
verdade, recorre-se sempre à constituição histórica do conhecimento e à narrativa de
determinada verdade construída (Vattimo, 2004, p. 12).
É possível falar a partir da “contingência e historicidade do nosso existir” (id., ib., p.
13), pensando o homem como existente dentro de um mundo de significados e contextos,
compreendendo e relacionando-se de acordo com sua inserção no mundo, seu ser-no-mundo,
e o próprio ser compreendido como um evento, um acontecimento, situado historicamente, e
não mais de forma eterna, imutável, estática. O pensamento pós-moderno torna-se possível
com o advento do niilismo, a perda dos valores supremos, a morte de Deus e o fim da
metafísica, que representa um profundo ataque ao fundamento de cunho essencialista.
[...] o fim da metafísica, bem como a morte de Deus, é um evento que o pensamento
não deve registrar “objetivamente”, mas ao qual ele é chamado a dar uma resposta.
Um evento capaz de mudar a vida daqueles que recebem o seu anúncio e cuja
relevância, podemos afirmar, consiste justamente nessa mudança. O evento do “fim
da metafísica” tem, no pensamento de Heidegger, o mesmo sentido da morte de
Deus: aqui também é o Deus moral que é “überwunden”, superado, colocado de
lado. O que Heidegger chama de metafísica é, na verdade, a crença em uma ordem
objetiva do mundo que o pensamento deveria reconhecer para poder adequar tanto
suas descrições da realidade quanto suas escolhas morais (id., ib., p. 22).
O evento é o evento que acontece para nós hoje, aqui. Assim, o enfraquecimento do
ser, que se produz quando este se desvenda no salto como evento, é também,
inseparavelmente, um enfraquecimento, como sentido e fio condutor histórico, da
tradição dentro da qual saltamos. O retorno rememorado do ser é, igualmente, uma
filosofia da história guiada pela ideia do enfraquecimento: consumação das
estruturas fortes no plano teórico (desde a metafísica metanarrativa até as
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Sobre essa questão, afirma Teixeira (2005b, p. 56): “No que se refere à ‘superação’ da metafísica, a motivação,
em última análise, é de razão ética e não teórica. Tal desconfiança tem a ver com um modo de pensamento
segundo o qual se deve duvidar de uma estrutura estável do ser que rege o futuro e dá sentido ao conhecimento e
normas de conduta”.
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No entanto, com o fim dos valores superiores, com a morte de Deus, com o ocaso das
metanarrativas, processo oriundo da modernidade, o pensamento pós-moderno convive com a
ausência de fundamentação, o que pode gerar um problema: qual é o critério para qualquer
ação ou prática na contemporaneidade? Parece se chegar ao ponto muito recorrente nas
sociedades contemporâneas ocidentais, a crise pela perda dos valores – ensaia-se um cenário
de prevalecimento de um niilismo reativo, ou uma certa inabilidade de lidar com as
possibilidades oferecidas pelo niilismo, ou sua ainda não consumação, crescendo movimentos
de tentativa de retornos a teorias que buscam essências, identidades (a todo custo!), sejam elas
de cunho religioso e/ou político. Contra o fanatismo religioso, os movimentos neonazistas ou
de estirpe xenofóbica, o desafio que o niilismo consumado de Vattimo parece tomar para si é
oferecer resistência aos fundamentos enclausurantes, estáticos, violentos, apostando na
liberação (obtida com “a morte de Deus” e o niilismo) para criar, inventar novos valores, que
evitem o pior e não repitam a história manchada de sangue da modernidade – processos de
colonização violentos, escravidão, perseguições étnicas e religiosas, duas guerras mundias,
Guerra Fria – cabe a tentativa de outros caminhos, ainda porvir, que incluam as diferenças,
que tentem absorver o máximo de discursos para que se possa buscar uma política consensual,
que busquem princípios e metas universalizáveis, que abranjam toda a humanidade, não com
base em uma razão forte, opressora, verdadeira, mas sim uma “humana razoabilidade”
(Pecoraro, 2005, p. 27-29), “uma razão que não pretende fundar algo, mas somente tornar-se
razão da provisoriedade da humana conditio” (Teixeira, 2005b, p. 8).
O pensamento fraco de Gianni Vattimo, uma vez que não lida mais com a ideia de
fundamento forte, nem com uma concepção de verdade imutável, acaba por desferir um duro
golpe contra qualquer tipo de convicção, ou crença dogmática. Se o cético poderia, de fato, ter
crenças (Marcondes, 2008, p. 142, 148), crenças, se assim é possível dizer, “fracas”, não
dogmáticas, pode-se entender o filósofo italiano como autêntico representante do pensamento
pós-moderno de linhagem “superceticista”, para ficar nos termos de Stuart Sim. E parece que
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Sobre esse vivenciar de um niilismo não dogmático, fraco, porém consumado, ativo, diz Vattimo (2002b, p.
210): “O niilismo ativo se definiria como uma forma de vida que, por sua força e vitalidade, criaria sempre novas
interpretações que se enfrentam permanentemente e só alcançam precárias situações de equilíbrio, sem que a
referência a um critério ‘objetivo’ de validez seja possível em nenhum caso”.
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Nesse sentido, a conclusão de D´Agostini (2002, p. 396) parece acertada: “A reabilitação do niilismo
apresenta-se em Vattimo como uma circunstância decidida num plano ético-prático. O niilismo aparece antes de
tudo como ‘dissolução das razões com que se justifica e se alimenta a violência’, portanto a fabulização do
mundo e a morte de Deus são pré-condições da tolerância”. Ainda para ficar na questão da tolerância, e na
contextualização do pensamento de Vattimo como superceticista, que se observe o comentário de Marcondes
(2008, p. 144): “De um ponto de vista prático, a reflexão cética levaria o ser humano como a abandonar as
pretensões dogmáticas e, dessa forma, a tomar suas decisões de modo mais amadurecido, sem a precipitação e a
presunção do dogmático e, portanto, também de forma mais tranquila, aberta à reformulação de seus próprios
pressupostos e à tolerância quanto a posições divergentes”.
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Referências bibliográficas