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Parte.1

FILOSOFIA DA PÓS-MODERNIDADE

(Jürgen Habermas e Jean-François Lyotard )

CONSIDERAÇÕES GERAIS

A Pós-modernidade é um tempo controverso, um conceito actual e complexo que provoca


reacções muito vivas em diversas disciplinas e nas ciências teóricas e políticas a ela associadas.
A pós-modernidade é uma questão em debate, na Antropologia, na Sociologia, na Geografia, na
Filosofia, nos estudos teológicos, na crítica literária e na economia, para mencionar apenas
algumas áreas.

Os analistas sociais neo-conservadores, os seguidores da teoria crítica, os marxistas clássicos e


não tão clássicos, os sociólogos da linha da escolha racional, parecem, por vezes, partilhar uma
causa comum, quando criticam a própria ideia da pós-modernidade. E há uma colecção
igualmente heterogénea de analistas e comentadores que abraçaram o termo. Que é que atraiu
tanta atenção, que é que precipitou uma aceitação tão ávida, provocando, simultaneamente,
tanta bílis e tanto escárnio, que é que agradou ou perturbou tantos que parecem tão seguros
das suas convicções?

Uma tal variedade de reacções à nebulosa noção de pós-modernidade não revelará certos
traços das próprias condições a que o termo se refere, de forma tentativa e não pouco
ambígua? É muito raro que as reacções às questões levantadas pelos controversos termos de
“pós-modernidade”, “pós-modernismo” e “pós-moderno” sejam sóbrias, medidas ou pensadas.
O que acontece mais frequentemente é a pós-modernidade ser apresentada como uma
condição a que se adere, se celebra e se promove, ou então, de forma igualmente problemática,
se precisa de criticar, menosprezar ou rejeitar (Lash, 1990: 2).

Pós-modernidade

O que é? O que foi? Quando foi? Estávamos lá? Divertidos? Confusos? Convencidos?
Desdenhosos? Encantados? Irritados? Ou, simplesmente, indiferentes? Para alguns, trata-se já
de saber o que foi a pós-modernidade. A resposta consiste no período intermédio entre a
segunda metade da década de 70 e o final da década de 80, quando a desilusão relativamente
às possibilidades de aplicação de uma estratégia política radical começou a instalar-se e parecia
que a reacção neo-conservadora e a política económica neo-liberal se tornavam
preponderantes. A Pós-modernidade já não é uma novidade, já não está na moda, é
simplesmente um aborrecimento, agora que toda a gente já a pratica.

A pós-modernidade como uma condição social, cultural e política contemporânea. A Pós-


modernidade como forma de vida, como forma de reflexão e de resposta à acumulação de
indícios sobre os limites e as limitações da modernidade. A pós-modernidade como forma de
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viver com as dúvidas, as incertezas e as ansiedades que parecem cada vez mais ser o corolário
da modernidade, o preço inescapável a pagar pelos ganhos, os lucros e os prazeres associados à
modernidade.

O conceito de Pós-modernidade veio acompanhado de avanços tecnológicos da era digital, da


expansão dos meios de comunicação, da indústria cultural, bem como do sistema capitalista.

Friedrich Jameson, marxista, crê que este período é 3ª etapa do capitalismo. O homem pós-
moderno em um universo imagético, repleto de signos e ícones privilegiados em detrimento dos
objectos.

É possível realizar uma síntese geral deste conceito tão amplo e ambíguo:

O pós-moderno contrasta com o moderno: a modernidade é caracterizada pela crença na


ciência, além da razão e do progresso como guias da humanidade. Estes princípios deixaram de
ser referências intelectuais, sociais, artísticas, a partir do momento que a realidade mostrou um
resultado decepcionante. O ideal da modernidade havia fracassado e assim se inicia uma nova
era, a pós-modernidade.

De forma resumida, as características desta etapa da humanidade são as seguintes: há um


desencanto social, em relação à religião, à política e a ciência.

A ideia da verdade e do progresso passou a ser questionada. A comunicação e o consumo são


factores essenciais para entender nossa civilização.

- as ideias tradicionais deixam de ser referências válidas e tendem a desmistificação de um todo.


O que importa é o imediato, o aqui e o agora presente.

- há um grande interesse pelo alternativo em qualquer uma das manifestações. O individual


substitui os projectos colectivos, onde se aprecia o culto ao corpo e aos livros de autoajuda.

A pós-modernidade é basicamente uma crítica à modernidade, de seus valores e princípios


como propostas alternativas apresenta novas: a subjectividade, a multiculturalismo e a
pluralidade.

O último conjunto de comentários implica que a pós-modernidade é uma condição


necessariamente inter-relacionada com a modernidade, que a pós-modernidade é como a
modernidade talvez em seu estado “nascente” ou que a pós-modernidade é uma modernidade
mais modesta, um sinal de que a modernidade acabou por reconhecer os seus limites e
limitações. Uma compreensão alternativa e radicalmente diferente, introduzida por Giddens
(1990), apresenta a pós-modernidade como uma forma de vida “para além da modernidade”.
Pós-modernidade como um possível futuro social, uma condição, uma forma de vida que tem
ainda de ser compreendida, uma forma alternativa de vida social que só pode emergir depois de
termos saldado as contas com a modernidade, depois de termos conseguido desembaraçar-nos
das espirais impiedosas do fluxo, do turbilhão e da perpétua agitação que parecem ser
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intrínsecas à modernidade como projecto de orientação do futuro incluem-se: a ordem pós-


escassez, a participação democrática multifacetada, a desmilitarização e a humanização da
tecnologia (Giddens, 1990: 164).

Nestas circunstâncias, a pós-modernidade representa um exemplo de reconstituição do


pensamento utópico (cf. Barry Smart in A Pós-Modernidade: 11-16)

Inversamente: há outros pensadores que criticam o pensamento pós-moderno, ao considerar


uma referência decepcionante; sem um projecto definido; incapaz de enfrentar os desafios da
humanidade, de guiar o pensamento e da criação artística.

Apresenta traços negativos criticáveis como: a banalização, o consumismo, a perda de


identidade, a própria globalização, a ausência de referências positivas válidas e, em definitivo, a
sensação de que o mundo está fragmentado e não há projectos estimulantes para orientar os
indivíduos e a humanidade em seu conjunto.

Diante dessa situação caótica, é lógico que aparecem algumas propostas religiosas, sociais e
políticas variadas, em certas ocasiões, pouco confiáveis.

Análise da Problemática do Conceito de Pós-modernidade

Em face da complexidade, contradições, muitos questionamentos, abrangência, indefinições,


ambivalências, pouco consenso, qual será o significado real do termo?

A Pós-modernidade é uma mudança de paradigma? Se for afirmativo, quais os critérios de


legitimação? - A Pós-modernidade é uma revolução? - A Pós modernidade é uma renovação? - A
Pós modernidade é uma ruptura? - A Pós modernidade é uma ideologia? - A Pós modernidade é
uma crise da modernidade? - A Pós modernidade é uma saída da modernidade?

- A Pós modernidade é um período de transição? - A Pós-modernidade acabou com os dogmas


do progresso e do Desenvolvimento? - O pós-moderno é mais moderno do que moderno?

- O pós-moderno é anti-moderno ou pré-moderno? - O pós-moderno é conservador? - A Pós-


modernidade existe? Ela tem legitimidade? - Onde e como a Pós-modernidade se situa na
História? - Porque tanto se fala, se discursa e se escreve sobre esse fenómeno?

As respostas divergem em conformidade do campo do saber: Antropologia, Sociologia, Filosofia,


Economia, Política, etc.

QUESTÃO BÁSICA DA FILOSOFIA DA PÓS-MODERNIDADE:

● Porque a Pós-Modernidade é uma questão filosófica? Ou ainda:

● Porque se levanta a questão da Pós-Modernidade?


(Compreender este assunto é perceber o que é o Novum na Pós-Modernidade em relação à Modernidade)

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“Não se entra em Filosofia sem problemas por resolver”

1. Mudanças que existiram com o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e


comunicação (TIC’s).

Estas mudanças levam o filósofo a questionar: Estamos numa sociedade de conhecimento ou de


comunicação? Será que o conhecimento é centro do homem? Será que transitamos da sociedade
capitalista (que se baseava na produção de bens materiais), para a sociedade de conhecimento?

A gestão de informação é que determina um papel fundamental e não necessariamente o


mundo do possuir bens materiais.

Os riscos já não são percebidos na sua forma material, mas argumentativas. A posição social
determinante é o domínio da argumentação. Ex: Ulrich Beck afirma: A noção de pobreza, do
subdesenvolvimento é determinada pela via argumentativa.

Marx afirma: “Transforma-se também a natureza do trabalho. O trabalho é mais subjectivo do


que objectivo. As pessoas mais trabalham em casa”.

2. Globalização da Informação e da Comunicação:

Filosoficamente, a globalização significa compressão do Tempo e do Espaço. Na modernidade,


houve a consciência das categorias do espaço e do tempo para o entendimento do conhecer
(ex: categoriais a priori de Kant).

O que sucede nos últimos 60 anos, isso vai mudando; o conhecimento é independentemente do
espaço e do tempo (o conhecimento não é necessariamente institucionalizado, nem requer
tempo/horário específico); as coisas quase que ocorrem simultaneamente.

“À medida que o espaço parece encolher numa aldeia global…os horizontes temporais se
reduzem a um ponto que só existe o presente ” (Harvey, 1992: 219)

Harvey foi quem mais desenvolveu este aspecto (cf Harvey: 185-277)

3.Aceleração da descoberta da Ciência e da Tecnologia (o desenvolvimento científico e


tecnológico)

Nos últimos 50 anos houve desenvolvimento de Tecnologia informática, a Biotecnologia, até


chegar a chamada Nova Ciência, para referir-se àquilo que é cunhado de ciência do caos; a
ciência moderna foi desenvolvida com o pressuposto básico da Busca da verdade, busca da
certeza, empírico-racional, causas-efeitos e determinismos.

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A Nova ciência (ciência do caos), na perspectiva filosófica representa:

- A crise da razão científica (racionalidade moderna).

- Época das incertezas; a crença na democracia, nas instituições e no governo decaíram.

- A nova ciência ao invés de determinismos e certezas, procura compreender o caos.

É o caos que determina a vida do homem; não há leis científicas.

- A nova ciência afirma ser o caos muito maior do que a ordem (não há leis naturais/sociais)

3. Mundialização da economia

A mundialização é fundamentalmente económica, num espaço global. Ela é um facto local com
implicação global.

Especificamente, na área económica, o fenómeno da mundialização teve como consequência a


globalização dos mercados. Esta ainda tem algumas causas próprias do meio económico, como
sejam a facilidade e a rapidez com que os capitais são movimentados, as necessidades de as
empresas obterem economias de escala e o incremento de processos de integração económica
(como a União Europeia, o NAFTA e o MERCOSUL), não sendo também indiferentes os avanços
nas negociações do GATT.

A mundialização é passagem de uma economia regulada e protegida em contextos nacionais,


para uma economia aberta e de concorrência num contexto internacional (global, mundial),
produtos universais.

A informação permite a mundialização. Uma informação com impacto económico. As


mensagens emitidas devem ter um impacto mundial. Ex: Família dos Rockefeller evoluíram
graças aos pombos-correios.

Saímos assim das sociedades nacionais (fenómeno que nasceu no século XVIII até à 2ª guerra
mundial) às sociedades mundiais ou informatizadas.

Vive-se hoje uma mundialização. É a informação que permite a mundialização.

Para o desenvolvimento da quarta resposta à questão “Porque a Pós-Modernidade é uma


questão filosófica”, aconselha-se a leitura da 3ª Etapa do capitalismo

Conselho de Leitura: As três etapas do Capitalismo

1ª Capitalismo comercial (mercantilismo/ pré-capitalismo/ internacionalização)…Liberal

2ª Capitalismo Industrial (ou Transnacionalização)


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3ª Capitalismo Financeiro (Monopolista-Financeiro ou globalização)….Neo-liberal

Alguns nomes de Pensadores do debate na Filosofia Pós-Moderna

Jürgen Habermas, Lyotard, Gianni Vattimo, Richard Rorty, Gilles Lipovetsky, Jean Baudrillard,
Ulrick Beck, Boaventura de Sousa Santos, Friedrich Jameson , Anthony Giddens, David Harvey,
Madalena Guasco Peixoto, Michel Foucault, Zygmunt Bauman, Enrique Dussel, Severino Elias
Ngoenha, estes dois últimos designados filósofos do hemisfério sul, entre outros que
influenciaram para o debate: Hegel, Friedrich Nietzsche, Wittgenstein, Martin Heidegger, John
Dewey, etc.

Será definível a História da Filosofia?


Para compreender que a modernidade é também problema filosófico

É legítimo e filosófico afirmar que em Filosofia, o passado, a tradição, a História é tudo, porque a
Filosofia não é uma construção arbitrária de um pensador isolado. É um somatório lento e
progressivo, de todas as civilizações e de todas as culturas, do que elas têm de mais apurado, de
mais escolhido e selecto, nos domínios do pensamento abstracto, e no campo de todas as
ciências e de todas as artes.

Em Filosofia, talvez ao revés do que se dá com outros estudos, temos de marchar sempre, com
os olhos voltados para o passado. O saudosismo, o passadismo aqui é uma imposição, saiba-o
quanto antes o estudante de primeiras letras filosóficas. É uma colaboração secular e universal.
Não importam os desvios e sinuosidades. Ligam-se os elos uns aos outros indefectivelmente, e
não há-de faltar um só para que se chegue, sob conhecimento de causa, ao termo de cadeia.

A obra de Hegel, intitulada História da Filosofia, é uma cabal demonstração do entrelaçamento


(entrosamento) dos sistemas entre si. Estes, se encadeiam e se entrosam com aqueles que os
antecederam, e isso logicamente, e também com os que se lhes seguem histórica e
metodicamente, do mesmo modo que, na Dialéctica, a antítese se articula com a tese para vir a
dar na síntese. História da Filosofia é história dos problemas filosóficos.

Afirma Umberto Padovani, que a História da Filosofia não passa de uma filosofia da Filosofia.
Mas entenda-se aqui, afirma ele, não se trata de uma sequência tumultuária e acidental de
opiniões em atrito permanente umas com as outras. Não. A História da Filosofia é um
envolvimento lógico e necessário da Filosofia enquanto tal. Os sistemas se concatenam na
ordem das determinações conceituais da realidade.

Toda a Filosofia é necessária, isto é, rigorosamente lógica. Qualquer sistema é um momento de


uma Totalidade, que se realiza eternamente...a ideia.

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A História da Filosofia, é tradição símbolo e memória, e é mais, é um património cultural


acumulado pelas gerações humanas naquilo que elas conseguiram produzir de mais apurado, de
mais geral, e de mais abstracto, incessantemente, através de todos os séculos da história.

É o próprio Hegel quem o está dizendo, ao definir a história da Filosofia como de herança se
tratasse, um legado cultural, que não é de ninguém, mas representa o esforço de todas as
gerações de intelectuais, no sentido de, com o auxílio de seus antepassados espirituais e sem
nunca perdê-los de vista, acrescer e aumentar o pensamento, acerca das mais altas questões
que sempre cruzaram a inteligência do ser racional através dos tempos.

A historicidade filosófica é um reviver, que é a um mesmo tempo renovação e conservação de


um acervo milenar, penosa e lentamente adquirido pela humanidade, nesse afã desesperado de
uma explicação satisfatória do seu destino e do seu significado no transcurso incessante dos
tempos desde as épocas imemoriais, muito embora a verdadeira filosofia se inicie na Grécia.

Síntese da História da Filosofia: Objectividade (Antiga e medieval), subjectividade (moderna) e


intersubjectividade (Contemporânea)

Esquema-Síntese da passagem do moderno ao pós-moderno

Modernidade Pós-Modernidade

Confiança nas legitimações fortes, absolutas, Desconfiança no saber totalizante das grandes
fundacionistas do saber, através de grandes narrativas: as legitimações fortes deixam lugar
narrativas, ou seja, visões sintéticas e às formas fracas (Vattimo) ou Instáveis
totalizantes (do tipo hegelianismo, marxismo, (Lyotard) de racionalidade, pois não há
etc). “Temos certeza de tudo”. fundamentos últimos do saber e do agir.
“Temos certeza de nada”

Confiança naquilo que é novo (= moderno, Negação de conceber a história em termos de


moda), considerado sempre melhor em superação e dissolvimento da ênfase do novo.
relação ao que precede (“Il faut être Ruptura da ideia de ruptura e
absolument modernes”). Esta ideia provem da consequentemente o fim da história: ou seja o
concepção da História em termos de fim do modo historicista de pensar a realidade
linearidade e superação. (post-histoire).

Concepção da humanidade e da história em Negação em conceber a História como


caminho rumo a uma emancipação, a um fundamento da acção histórica (como
progresso, a uma salvação. Os intelectuais totalidade significcante universal) e negação
conhecem os fins e os meios. do papel dos intelectuais. Desconfianças em
todas as “terapias salvíficas”.

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Confiança num único horizonte global, através Predilecção do paradigma da multiplicidade ao


das categorias de unidade e de totalidade, da totalidade, da pluralidade e da diferença,
classificação de hierarquias fortes, referindo ruptura, fragmentação, regionalização, do
tudo a um único centro. particular, ao do “reductio ad unum”. Isso
porque o mundo não é UM mas muitos
(Vattimo). “Ni roi, ni loi, ni Dieu”.

Confiança no homem como dono da natureza, Negação do homem como dono do ambiente e
exaltação das ciências com a identificação da da razão como razão técnico-científica.
razão como razão científica. Atenção ao ecologismo.

Razões para o início do debate filosófico pós-moderno pelo conceito de modernidade.

Será definível a Modernidade?

Tem se discutido muito, em anos recentes, a respeito do aparente fim da modernidade e da


exaustão de um certo número de ideias provenientes do iluminismo europeu. Esse debate foi
bastante alimentado pelo trabalho de influentes pensadores franceses como Foucault e Derrida.
Mas a crítica da Modernidade tem sido também desenvolvida por neo-conservadores, que
buscam nas formas tradicionais da cultura, uma alternativa para os aspectos negativos da vida
moderna.

Será então definível a Modernidade? Habermas em O Discurso filosófico da modernidade,


considera Hegel o primeiro filósofo a desenvolver um conceito preciso de modernidade. Hegel
começou por utilizar o conceito de modernidade em conceitos históricos como conceito epocal:
os novos tempos são os tempos modernos. Isso correspondia ao uso contemporâneo das línguas
inglesa e francesa das expressões modern times e temps modernes, designam por volta de 1800
os três séculos precedentes. (Habermas, 1998: 16)

A descoberta do Novo Mundo bem como o Renascimento e a Reforma- os três grandes


acontecimentos à volta de 1500- constituem a transição epocal entre a Idade Moderna e a
Idade Média. É também com estas expressões que Hegel, nas suas lições de Filosofia da História
define os limites do mundo germânico-cristão saído, por seu lado da sua antiguidade greco-
romana. A divisão ainda hoje usada (para designar as cadeiras de história, por exemplo), em
idade moderna, idade média e antiguidade, (ou seja história moderna, história medieval e
história antiga) só pode tomar forma depois que as expressões novos tempos ou tempos
modernos (mundo novo ou mundo moderno), perderam seu o significado meramente
cronológico, para passar a significar pelo contrário, uma época radicalmente nova.

Modernidade

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Nova forma de pensamento e de visão do mundo inaugurada pelo Renascimento que se


contrapõe à Escolástica e o espírito medieval.

Desenvolve-se nos Séculos XVI e XVII até ao Iluminismo do Séc. XVIII. Identifica-se com o
Racionalismo, o Criticismo, com as ideias de progresso e renovação, propagando a liberdade do
indivíduo do obscurantismo e da ignorância através da difusão da ciência e da cultura em geral.

Características Fundamentais do pensamento moderno

Enquanto o pensamento clássico resolve o problema metafísico-teológico dualisticamente, e o


pensamento cristão teisticamente, o pensamento moderno resolve-o imanentisticamente. Há
um desenvolvimento lógico do teísmo cristão ao imanentismo moderno. O valor do
pensamento moderno é representado pela ciência, pela história, e pelas suas técnicas
(mecânica e política). A ciência, a história e a técnicas modernas são perfeitamente
harmonizáveis e solidamente justificáveis com a metafísica tradicional. Merecem menção para
caracterização:

A primazia da razão. Não há modernidade sem racionalização, afirma A. Touraine.

A rejeição da Metafísica: A metafísica foi desde o pensamento grego e medieval rainha das
disciplinas filosóficas; rainha de todas as ciências; aquela que Aristóteles designou de Filosofia
primeira. O primeiro lugar é agora ocupado pelos problemas da epistemologia; metodologia;
tais são os casos de Bacon, Descartes, Kant, Leibniz.

Reina o antropocentrismo; laicização gradual da cultura (a cultura não é apenas o cultivo da


religião).

Autonomia: A autonomia filosófica em relação à Teologia. A Filosofia não mais fornece base
racional à Teologia. A Filosofia já não é ancilla da Teologia (serva da Teologia).

Não mais o teocentrismo nem autoritarismo eclesiástico.

O valor da ciência moderna não é teorético, especulativo, metafísico, mas empírico e técnico.
Tal era também o pensamento do grande fundador da ciência moderna, Galileu Galilei que
afirmava ser o objecto da ciência não as essências metafísicas das coisas, e sim os fenómenos
naturais, experimentalmente provados e matematicamente conexos.

O Pluralismo: Muitos sistemas filosóficos, muitos pensadores e muitas áreas do saber científico
e ético.

Leia também (Mondin II: 6-8).

O projecto da modernidade

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Formulado no século VIII pelos filósofos do Iluminismo consistiu em esforços que visavam a
desenvolver tanto a ciência objectiva, a moralidade universal e a lei, quanto a arte autónoma,
conforme sua lógica interna. Este projecto pretendia ao mesmo tempo liberar o potencial
cognitivo de cada um desses domínios no intuito de livrá-los de suas formas esotéricas. Os
filósofos iluministas almejavam valer-se deste acúmulo de cultura especializada para enriquecer
a vida quotidiana, ou seja para organizar racionalmente o quotidiano da vida social. Giddens já
afirmara o seguinte, na sua obra, O mundo na era da globalização:

Os filósofos do iluminismo serviram-se de um preceito simples mas aparentemente muito


poderoso: - quanto mais capazes formos de usar a razão para entendermos o mundo e para nos
entendermos a nós próprios, mais capazes seremos de moldar a História à nossa medida. Para
“controlarmos” o “futuro”, é necessário que nos libertemos dos hábitos e dos preconceitos do
passado (Giddens, 2000: 15).

Karl Marx, cujas ideias devem muito ao pensamento iluminista, expôs o conceito de forma
muito simples. Para fazermos a História, sustentava, temos de compreender a História. Graças a
esta noção, Marx e o marxismo tiveram uma influência tremenda no século XX.

Pensadores iluministas com a "forma mentis" de Condorcet ainda cultivavam a esperança


extravagante de que as artes e as ciências promoveriam não somente o domínio das forças
naturais, como também fariam progredir a compreensão do universo e da consciência
conduzindo inclusive ao progresso moral, à justiça das instituições e até mesmo à felicidade
humana. O século XX frustrou este optimismo. A diferenciação entre ciência, moralidade c arte
não só acabou por significar a autonomia das áreas tratadas pelo especialista, como também
levou-as a afastarem-se da hermenêutica da comunicação leiga. Este afastamento constitui-se
no problema que engendrou o empenho de negar a cultura dos especialistas. O problema
contudo não se dissipa: deveríamos tentar ater-nos às "intenções" do iluminismo, por frágeis
que sejam, ou deveríamos declarar causa perdida todo o projecto de modernidade?

Características das sociedades modernas

As sociedades modernas são caracterizadas por um certo: Individualismo; Consumismo;


Fragmentação do espaço-tempo; confiança exacerbada da razão (razão científica)

A PÓS-MODERNIDADE: UM DEBATE FILOSÓFICO

JÜRGEN HABERMAS

Jürgen Habermas, sociólogo e filósofo alemão, membro da Escola de Francoforte/Frankfurt


(escola filosófica de inspiração marxista a que pertencem Adorno, Horkheimer e Marcuse).

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Habermas e Karl-Otto Apel (segunda geração da escola de Frankfurt), assumem a herança da


Teoria crítica da primeira geração, mas atenuando o seu alcance fundamentalmente negativo e
revalorizando os recursos construtivos, afirmativos e até fundadores (Apel), da razão. Ambos
prolongam Kant, a filosofia das Luzes, tentando integrar o materialismo histórico (Marx), a
psicanálise (Freud), a Hermenêutica (Heidegger, Gadamer) e, sobretudo, a filosofia da
linguagem (Wittgenstein), num racionalismo renovado e complexo.

Sua tese foi publicada sob o título (traduzido: o espaço público no seio do qual se forma a
opinião pública). Trata simultaneamente da ciência política, da história, da sociologia e da
filosofia. Depois de ter sido assistente de Adorno, Habermas ensina primeiro em Heidelberga
(junto de Gadamer) e, depois, em Frankfurt, a partir de 1964. Como Marcuse, são os
movimentos estudantis esquerdistas dos anos sessenta que vão torná-lo célebre. As suas
exigências de racionalidade levam-no todavia a criticar os excessos e a falta de seriedade da
contestação, que se volta então contra ele.

Habermas tornar-se-á, durante os anos setenta, o alvo simultaneamente da esquerda e da


direita. Irá abandonar durante alguns anos a Universidade de Frankfurt para dirigir o Instituto
Max Plank de Pesquisa sobre as Condições de Existência do Mundo Científico e Técnico. Mais
ainda que Apel, Habermas prolonga e renova a inspiração da Teoria Crítica concentrando-se na
crítica das ideologias (especialmente filosóficas).

Em seguida consagrar-se-á a uma grande filosofia da comunicação considerada nas suas


dimensões epistemológicas e éticas. Vai assim importar-se, a partir dos anos oitenta, a noção de
uma nova ética dita “comunicacional” ou “processual”, ética “do discurso” ou ainda “da
discussão”, a que o nome de Apel está igualmente intimamente associado. (cf Hottois, 2003:
388).

É fundador da Teoria do agir comunicativo. Tenta desenvolver uma teoria global da acção
social, nos seus aspectos subjectivos, estruturais e evolutivos.

Habermas é considerado um dos maiores filósofos contemporâneos. O fio condutor do seu


pensamento é a ideia da razão crítica a serviço da emancipação do homem (influências do
iluminismo e do marxismo). Esta razão crítica não deve estar contra a razão técnico-económica,
mas deve redimensioná-la.

Grande aspiração de Habermas é conseguir uma união entre a teoria e a praxis (esta é a eterna
aspiração de todos os filósofos). Objectivo de Habermas é salvaguardar a racionalidade e assim
a possibilidade de chegar a uma verdade.

Habermas e o conceito de Modernidade

Habermas recorre a Hegel, como o primeiro filósofo que elevou a Modernidade ao estatuto de
problema filosófico no século XVIII. (Habermas, 1998: 27ss e 57)

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Para ele, Hegel foi o primeiro filósofo a desenvolver um conceito preciso da modernidade;
temos portanto de remontar a Hegel se quisermos compreender o que significa a relação
interna entre modernidade e racionalidade, tida como evidente até Max Weber e hoje posta em
questão. Temos de nos certificar do conceito hegeliano de modernidade para podermos avaliar
a razão daqueles que fazem as suas análises partindo de outras premissas. Não podemos no
entanto afastar a priori a suspeita de que o pensamento pós-moderno está meramente a
atribuir a si mesmo uma posição transcendente, quando na realidade permanece dependente
dos pressupostos, validados por Hegel, da auto-compreensão moderna.

Diz Habermas (1998: 16), não podemos excluir de antemão a hipótese de que o neo-
conservadorismo ou o anarquismo de inspiração estética estejam a tentar mais uma vez, em
nome de um adeus à modernidade, revoltar-se contra ela. Pode muito bem ser que eles estejam
pura e simplesmente a disfarçar sob a capa do pós-iluminismo a sua cumplicidade com uma
venerável tradição do contra-iluminismo.

Hegel: Modernidade como problema filosófico

Hegel, afirmara Habermas, é o primeiro a elevar à categoria de problema filosófico o processo


de separação da modernidade das sugestões normativas do passado que lhe são exteriores. É
certo que no quadro de uma crítica da tradição que integra experiências da Reforma e do
Renascimento e reage aos inícios das modernas ciências da Natureza, a Filosofia dos tempos
modernos desde o fim da Escolástica até Kant exprime também já a autocompreensão d
modernidade.

Mas é só no fim do século XVIII, que o problema da autocertificação da modernidade se torna


de tal modo premente que leva Hegel a tomar consciência desta questão como o problema
fundamental da sua Filosofia.

A inquietação causada pelo facto de a modernidade, na ausência de modelos, ser forçada a


encontrar o seu equilíbrio nas bipartições por ela provocadas, é considerada por Hegel a “fonte
da necessidade de Filosofia”. Ao mesmo tempo que a modernidade desperta para uma
consciência de si própria, nasce nela uma necessidade de autocertificação, que é compreendida
por Hegel como a necessidade de Filosofia.

Ele vê a Filosofia confrontada com a tarefa de traduzir em pensamento o seu próprio tempo
que, para Hegel, significa a época moderna. Hegel está convencido de que não pode de forma
alguma apreender o conceito que a Filosofia faz de si própria sem atender ao conceito filosófico
de modernidade.

Em primeiro lugar Hegel descobre o princípio dos tempos modernos: a subjectividade. Partindo
deste princípio, explica simultaneamente a superioridade do mundo moderno e a sua
vulnerabilidade à crise, a qual se revela no facto de o mundo ser um mundo do progresso e de
ser ao mesmo tempo o mundo do espírito alienado de si próprio. Para Hegel, os tempos

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modernos são caracterizados de uma forma geral por uma estrutura de auto-relação a que ele
chama de subjectividade.

Ele explica a subjectividade por meio de liberdade e reflexão. “o que dá grandiosidade à nossa
época é o reconhecimento da liberdade, a propriedade do espírito, o reconhecimento de que o
espírito estando em si está consigo”. A subjectividade para ele tem quatro conotações:

- Individualismo; Direito à crítica; Autonomia do agir e Filosofia idealista .

Máximas de Habermas na apologia à modernidade: - Já atingimos o último estádio da história;

- O futuro começou; Não podemos deitar o bebé juntamente com o balde e água suja

Críticas de Habermas aos teóricos Pós-Modernos

Os argumentos dos Pós-Modernos são insustentáveis; A Pós-Modernidade não conseguiu


esquivar-se da Modernidade. Ela é ainda Moderna.

Os Principais promotores da “aventura” para a “condição Pós-moderna” são os cientistas sociais


que defendendo as causas de uma sociedade culturalmente solidária e igualitária, exigem a
substituição ou superação da Modernidade, acusando-a de inoperância. “Não se pode lançar o
bebé, juntamente com o balde de água suja”.

Teoria do Agir Comunicativo: Novo Paradigma científico?

Em 1981 Habermas publica a sua obra-prima: Teoria do agir comunicativo, onde elabora uma
teoria pragmática de linguagem que visa uma relação entre a linguagem e o sujeito que a usa.
Trata-se de uma pragmática universal (ou formal) que procura as condições universais
necessárias que estão a monte de toda possível comunicação linguística orientada ao
entendimento: uma Teoria da competência comunicativa (= capacidade de usar sistemas
abstractos de regras que permitem a produção de discursos possíveis, compartilhados por
todos, ou seja: os pressupostos gerais do agir comunicativo).

Habermas faz um giro pragmático para fundamentar a Teoria do agir comunicativo: “nós
vivemos ainda na modernidade, mas uma modernidade tardia”. A razão ainda permanece como
princípio organizador; o que mudou é o princípio da razão instrumental, para uma razão
comunicativa.

Estas regras do agir comunicativo, ou seja, as regras comuns a todos os que querem comunicar
são quatro:

1.Compreensibilidade: precisa usar expressões compreensíveis aos interlocutores.

2.Verdade: o falante deve ter a pretensão de falara verdade, que possa ser partilhada pelo
ouvinte.

Isaque Ernesto Pombinho 2019 Pá gina 13


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1. Veracidade (ou sinceridade): o falante deve conseguir a confiança do ouvinte (coerência


do falante com aquilo que ele fala).

2. Pretensão de justeza: o falante deve usar expressões correctas em base a normas e


valores compartilhados pelo ouvinte.

Se faltar uma destas quatro regras, não é possível um “discurso racional” e consequentemente
não é possível nenhuma comunicação entre os interlocutores. Estas regras devem ser
antecipadas (antecipação ideal) enquanto prefiguração de um contexto de perfeita
racionalidade intersubjectiva.

Estas quatro regras do agir comunicativo não têm somente valência lógica, mas também ética
(por isso é chamada Ética do Discurso) e pressupõem 3 condições (éticas) para que haja um agir
comunicativo: os interlocutores devem ser sujeitos iguais, livres e capazes de raciocinar.

Dentro deste discurso comunicativo, Habermas distingue dois tipos de agir racional:

1.Agir instrumental, motivado por interesses técnico-estratégicos e finalizado ao sucesso.

2.Agir comunicativo, motivado por interesses hermenêuticos finalizado à recíproca


compreensão, ao entendimento.

Estas duas formas do agir se condicionam reciprocamente e definem assim dois níveis distintos
e complementares de sociedade:

3.Sociedade como sistema: agir técnico-instrumental, estratégico (busca do dinheiro e do


poder).

4.Sociedade como mundo da vida: agir comunicativo (busca dos valores compartilhados).

Este mundo da vida (que se articula em três componentes: cultura, sociedade, pessoa) é a base
para que haja um agir comunicativo. É necessário defender o mundo da vida das “colonizações”
tentadas pelo sistema, que provoca “distúrbios” no âmbito da reprodução cultural (perca de
sentido), na integração social (anomia) e da socialização (ruptura com a tradição).

Habermas se distancia do pessimismo da Escola de Francoforte em relação à modernidade: ele


confia no poder emancipatório da razão comunicativa e na capacidade da modernidade de
autocorrigir-se.

A defesa da razão crítica operada por Habermas, coincide com a defesa da modernidade e do
seu projecto emancipatório. A modernidade não está no fim, mas está ainda em construção
(modernidade incompleta).

Na sua obra Discurso filosófico da modernidade (1985) Habermas desafia as teorias do pós-
modernismo, mediante uma “re-narração” crítica da modernidade: recupera os valores do
iluminismo como a emancipação do intelecto da autoridade e da tradição.
Isaque Ernesto Pombinho 2019 Pá gina 14
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Habermas porém observa que a modernidade não conseguiu contrapor nada à capacidade
unificadora da religião (que o iluminismo aboliu): nem Hegel, nem Nietzsche conseguiram, mas
mesmo assim devemos salvar a modernidade e a razão, pena a recaída nas trevas.

Se Hegel faliu com a sua ideia de “Espírito Absoluto” e também Nietzsche com a sua “vontade
de potência”, Habermas propõe como solução (unificadora do saber e da racionalidade) a
Filosofia crítica da intersubjectividade racionalmente fundada (ou seja a Ética do discurso de tipo
universal-pragmático).

A Ética do Discurso tem estas características:

1. Cognitiva: os julgamentos morais não provêm de desejos ou decisões irracionais, mas da


razão comunicativa encarnada na linguagem. É possível distinguir juízos morais justos ou
injustos (contra o “cepticismo ético”).

2. Deontológica: defende o carácter vinculante dos princípios morais.

3. Formalista: não determina normas específicas mas só os princípios orientativos do agir


comunicativo.

4. Universalista (ou pós-convencional): a moral não é ponto de vista de uma determinada


cultura e época, mas vale para todos os seres racionais do mundo.

5. Pública (ou pós-kantiana): a moral não é algo de individual (como era para Kant), mas é
algo público, resultado de um “discurso público”, ou seja considera o que todos de
comum acordo reconhecem como norma universal.

Daí: Fala sobre os objectivos da ética do discurso: A busca de um Consenso universal (ideia de
universalidade).

Daqui seguem dois princípios:

1. Princípio de universalização: as normas devem satisfazer o interesse de todos.

2. Princípio do discurso: considerar válidas as normas que encontraram o consenso de


todos os que concorrem no discurso público.

A Ética do discurso está atenta não só aos princípios mas também às consequências do agir: por
isso é uma Ética de responsabilidade.

A Teoria do agir comunicativo se estrutura como uma teoria da racionalidade e de uma


interpretação da modernidade, ou seja como um estudo orgânico das componentes racionais.

Assim, a razão comunicativa revitaliza e completa o projecto inacabado da modernidade,


como saída para um paradigma de filosofia do sujeito esgotada.

Isaque Ernesto Pombinho 2019 Pá gina 15


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Como fundar a Ética em Habermas?

Habermas sustenta que não é possível fundar a ética sobre a metafísica ou a religião (como se
fazia antes): a moral pode ser só pós-metafísica e pós-religiosa (renúncia em fazer intervir Deus
na ética). Precisa ver qual tipo de razões garante à moral uma força suficiente de convicção.

Para Habermas só a Ética do discurso pode fazer isso.

A moral é autónoma, ou seja legitima-se em base a si mesma e aos próprios princípios.

Esta legitimidade está na razão comunicativa, com o seu princípio de universalidade: uma lei é
válida quando todos a aceitam.

Habermas critica o relativismo cultural (pelo qual cada cultura é uma totalidade fechada e os
princípios são julgados em base a culturas determinadas), porque de facto existe uma lógica
“inter-subjectiva” da argumentação que é trans-cultural (ou seja não se limita aos confins de
uma cultural particular).

Critica também o relativismo pós-moderno (Lyotard): mesmo porque existe uma multiplicidade
de jogos linguísticos, é necessário um “mínimo comum denominador” racionalmente fundado,
que permita um diálogo entre as culturas.

O mesmo cepticismo que quer contestar a Ética do Discurso, deve usar determinadas regras de
argumentação, ou seja deve pressupor válida a teoria contra a qual combate (e esta é uma
patente auto-contradição).

Os conteúdos morais (juízos éticos) não têm uma contingência emocional e subjectiva, mas têm
um conteúdo cognitivo (objectivo).

A ética do discurso relaciona a ética e o discurso. Usa regras de situação ideal de fala. São regras
de igualdade: chances iguais na fala e chances iguais na crítica; estas são chamadas condições
triviais.

Sobre o fim da filosofia, para Habermas a razão, mesmo que não exaure todo o saber (existem
saberes que não podemos demonstrar cientificamente), fica insubstituivelmente “guarda da
racionalidade”: consequentemente, a filosofia mantém a sua competência dentro do debate
público.

Tipos de conhecimento:

Para Habermas, todo o saber e conhecimento é movido por interesses. Ele distingue 3 tipos de
conhecimentos (saber):

1. Ciências empírico-analíticas (viradas à busca das leis). Aqui temos interesses técnicos
(Agir instrumental).

Isaque Ernesto Pombinho 2019 Pá gina 16


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2. Ciências histórico-hermenêuticas (viradas à compreensão do sentido). Aqui temos


interesses práticos, que visam um entendimento comunicativo entre patners (agir
comunicativo).
3. Ciências crítico-reflexivas (viradas à elaboração de uma teoria crítica do homem). Aqui
temos interesses emancipativos, que visam libertar os sujeitos de todos os
condicionamentos.

Em suma: se Hegel faliu com sua ideia de Espírito absoluto e também Nietzsche com a sua
“vontade de potência”; Habermas propõe como solução unificadora do saber e da
racionalidade, a Filosofia crítica da intersubjectividade racionalmente fundada, ou seja, a Ética
do Discurso.

JEAN FRANÇOIS LYOTARD E A PÓS-MODERNIDADE

Filósofo francês, estudante da Sorbonne no pós-guerra, parte para Argélia, onde ensina
Filosofia. Professor em França e EUA, da formação fenomenológica-marxista, passou pelo
Estruturalismo, para chegar ao pós-modernismo.

Na sua obra Peregrinações, afirma que “a luta contra a exploração e alienação se torna toda a
minha vida. Até ao ponto que…não faço e não sinto quase nada que não seja imediatamente
ligado à causa”.

Em 1979 publica a sua obra que o torna famoso internacionalmente: “La Condition post
moderne” (A condição pós-moderna). Esta obra sobre a reforma das universidades foi
comissionada pelo governo canadiano. Lyotard sustenta que o saber não é reduzível à ciência
nem ao conhecimento.

A ideia de pós-modernidade indica uma modificação ou mudança na(s) forma(s) como


experimentamos e nos relacionamos com o pensamento moderno, as condições modernas e as
formas de vida modernas, em resumo, a modernidade. Contudo, na medida em que a
modernidade se encontra, ela própria, continuamente em estado de fluxo, perpetuamente em
movimento, tendo um carácter processual, a ideia de uma condição de pós-modernidade deve,
por sua vez, ser situada em relação aos desenvolvimentos e transformações que têm vindo a
verificar-se nas formas de sociabilidade, na cultura e nas comunicações, na inovação
tecnológica, na produção económica e na vida política (Smart, 1992)

Saber não é só conhecimento fundado sobre enunciados denotativos (que se pode declará-los
verdadeiros ou falsos), mas também valorativos e prescritivos (saber viver e saber fazer).

O saber tradicional se baseia sobre as narrativas (contos baseados em jogos linguísticos auto-
referências, ou seja que têm em si mesmo as suas autorizações. Mas a ciência sempre
desprezou este tipo de saber, mesmo que ela é também narrativa auto-referencial, ou seja deve
recorrer a justificações extra-científicas).

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A modernidade de facto recorreu a algumas grandes narrações: ilusionística e idealística.

Na sociedade pós-industrial (triunfo da tecnociência capitalista, informatização e metrificação


do saber), assistimos ao declínio das grandes narrações unificantes da modernidade:
“Simplificando ao extremo, considera-se que o ‘o pós-moderno’ é a incredulidade em relação as
metanarrativas” (A condição pós-moderna: 12)

Esta incredulidade não é motivada pelo triunfo do capitalismo e tecnicismo, mas pela
deslegitimação ínsita nas grandes narrações: a ciência se encontra deslegitimada e a narração
iluminista não justifica os enunciados prescritivos e valutativos (nem tudo o que é justo ou
bonito ou real deve ser “racional”).

Não é possível um saber omni-compreensivo que legitime os vários sectores do conhecimento e


da linguagem.

As Metanarrativas, de que se trata em A condição Pós-moderna são aquelas que marcaram a


modernidade: emancipação progressiva da razão e da liberdade, emancipação progressiva ou
catastrófica do trabalho (fonte do valor alienado no capitalismo), enriquecimento da
humanidade inteira através dos progressos da ciência capitalista, e até, se considerado o
próprio cristianismo na modernidade (opondo-se neste caso, ao classicismo antigo), salvação
das criaturas através da conversão das almas à narrativa crística do amor mártir.

No rol das metanarrativas, Lyotard cita ainda a ciência moderna construída pelo iluminismo, que
apoiada em um discurso legitimador, visava atingir uma finalidade ética e política. A
racionalidade científica, o progresso económico, a emancipação dos sujeitos históricos, os
valores universais de verdade e de justiça. Tudo foi colocado em questionamento, por um
conjunto de forças, apoiado na produção e na tecnologia, que impactou profundamente os
modos de ser, pensar e viver do homem, sobretudo, nas sociedades mais desenvolvidas ou pós-
industriais.

Estas sociedades são marcadas pelo desenvolvimento económico atrelado ao desenvolvimento


tecnológico, que a partir das transformações científicas e artísticas, iniciadas no fim do século
XIX, culminaram no pós segunda Guerra Mundial, em um verdadeiro apogeu. Essa condição está
definida pela crise das narrativas, ou crise das metanarrativas de legitimação do saber.

A filosofia de Hegel totaliza todas estas narrativas, e neste sentido concentra em si a


modernidade especulativa. Estas narrativas não são mitos no sentido de fábulas (nem sequer a
narrativa cristã). É certo que, como os mitos, têm o fim de legitimar instituições e práticas
sociais e políticas, legislações, éticas, maneiras de pensar.

No discurso ocidental desde à antiguidade clássica, o que emprestava legitimidade à ciência era
seu carácter verdadeiro, justo, ético e político, enunciados típicos das grandes narrativas que
forma colocadas de lado pela pós-modernidade.

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Segue-se então a pergunta: “Onde pode residir a legitimidade, acabando as metanarrativas?”


(op cit: 13). O critério tecnológico não é pertinente para julgar sobre o que é verdadeiro ou
justo. O critério para Lyotard é o das micro-narrações e na legitimação por “paralogia”
(invenção de novos jogos linguísticos). Uma retomada dos jogos de linguagem de Ludwig
Wittgenstein, como método investigativo do problema de legitimidade do saber na era pós-
moderna.

Com a ideia das micro-narrações, Lyotard se coloca em contraste com a ideia de Habermas da
busca de um consenso universal obtido mediante um Diskurs: Lyotard sustenta que isso é
impossível, pois não existe uma “meta-linguagem” geral onde os interlocutores possam
encontrar um acorde sobre regras universalmente válidas, e contesta também que o fim seja o
consenso, pois para Lyotard o fim é a dissensão ou a paralogia (paralogia é um raciocínio não
válido, mas que aparentemente é válido: diferencia-se do sofisma enquanto não tem intenção
de enganar).

Em relação à pesquisa, Lyotard substitui a legitimação da ciência através das metanarrativas


pelo critério de performância e eficiência. Ele argumenta que o critério da performatividade
transformou a educação num processo de produção de profissionais e especialistas na
computação para competir no mercado internacional.

Mais que um consenso universal, Lyotard aceita um consenso local, momentâneo e sempre
sujeito à revisão. “Está-se então orientado para multiplicidades de meta-argumentações finitas,
isto é, argumentações que incidem sobre meta-prescritivos e que são limitadas no espaço-
tempo)”. (op cit: 131). A ideia de saber de Lyotard não é algo de unitário, estável, garantido,
mas é algo de flexível, local, mutável…conforme à livre actividade da mente humana.

Em 1983 Lyotard publica “Le différend” (O diferendo). Trata-se do aprofundamento da condição


pós-moderna do ponto de vista teórico (por isso é o seu livro mais “filosófico”). Lyotard volta a
negar a possibilidade de uma única metalinguagem que nivela as diferenças dos discursos.
Quando dois interlocutores não chegam a um consenso (o diferendo), é porque não há uma
metalinguagem, porque tudo no homem é frase: toda a obra de facto é um conjunto de frases,
sem intenção de desenvolver um discurso. Estas frases podem ser numeradas, mas sem
constituir um sentido. Esta é a tarefa atribuída à Filosofia: registar frases que chegam.

A ideia do “sujeito múltiplo, fragmentado e complexo” tem assim a ver com a condição pós
moderna de fim das metanarrativas, na ideia dos pós modernistas. Também é por isso que
Lyotardianos falam da vida social como um “jogo” de linguagem em que os discursos são tão
variados que nos é impossível encontrarmo-nos num lugar definitivamente.

O Pós-Modernismo nestes moldes insiste nos jogos das diferenças onde a multiplicidade, a
heterogeneidade e o pluralismo são elementos essenciais da forma de estar no mundo. Para
teorias de esquerda e discursos emanados da periferia esta conclusão é bem cómoda porque

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tem um efeito libertador do seu discurso: o centro já aparece como uma construção e ficção e,
portanto, não mais como uma realidade fixa e imutável.

Começa-se a questionar a sua legitimidade entanto que centro. O conceito do “outro” e da


“diferença” (Heterogeneidade) tornam-se úteis para compreender e explicar fenómenos como o
racismo. Procura-se desenvolver uma visão um tanto ou quanto utópica do “outro” que não é
(necessariamente) oposto. Mas o relativismo pós moderno pode ser despolitizante: colocar a
mulher como “o outro” mas ao mesmo tempo igual pode desprover ao movimento feminista de
conteúdos específicos na sua luta pela emancipação.

A vitória da Tecnociência capitalista sobre os outros candidatos à finalidade universal da história


humana é outra maneira de destruir o projecto moderno, dando ar de o realizar.

O domínio do sujeito sobre os objectos obtidos pelas ciências e pelas tecnologias


contemporâneas não se faz acompanhar nem por mais liberdade, nem por mais educação
pública, nem por mais riqueza melhor distribuída. Faz-se acompanhar por mais segurança nos
factos.

Por fim a obra Peregrinações é um texto autobiográfico que continua na ideia de integração,
anti-dogmatismo, típicos da filosofia.

Se o saber não tem mais em si o seu fim (formação da pessoa culta, emancipação humana…) e
deve servir para outra coisa, a sua transmissão subtrai-se à exclusiva responsabilidade dos
cientistas e dos estudantes.

Se no passado era claro para todos a que servia a ciência (progresso, emancipação, etc.) nesta
ela não está mais clara. Mas uma resposta é possível somente na ciência (via crítica-racional).
Em outras palavras, a ciência está “autocondenada” a não poder dizer o seu sentido pois este
está de fora de si (enunciado prescritivo, pois se baseia sobre regras) mas ela não pode
abandonar o seu âmbito crítico-racional, pois não seria mais ciência. Esta é mesmo a aporia do
pós-moderno segundo Lyotard.
BIBLIOGRAFIA

HABERMAS, J.: “Modernidade – um projecto inacabado”. In: ARANTES, O. & ARANTES, P.: Um ponto cego no projecto modernidade Jürgen Habermas. SP.
Brasiliense. 1992

HARVEY, David. Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1994

LYOTARD, Jean-François, A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.

__________, O Pós-Moderno Explicado às Crianças, Lisboa, Dom Quixote, 1999.

MARNOTO, Isabel. Didáctica da Filosofia 1, Lisboa 1989.


RORTY, Richard, A Filosofia do Novo Mundo em busca de mundos novos

RORTY, R. A Filosofia e o espelho da natureza. Tradução de Jorge Pires. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1988.

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