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Parte.1
FILOSOFIA DA PÓS-MODERNIDADE
CONSIDERAÇÕES GERAIS
Uma tal variedade de reacções à nebulosa noção de pós-modernidade não revelará certos
traços das próprias condições a que o termo se refere, de forma tentativa e não pouco
ambígua? É muito raro que as reacções às questões levantadas pelos controversos termos de
“pós-modernidade”, “pós-modernismo” e “pós-moderno” sejam sóbrias, medidas ou pensadas.
O que acontece mais frequentemente é a pós-modernidade ser apresentada como uma
condição a que se adere, se celebra e se promove, ou então, de forma igualmente problemática,
se precisa de criticar, menosprezar ou rejeitar (Lash, 1990: 2).
Pós-modernidade
O que é? O que foi? Quando foi? Estávamos lá? Divertidos? Confusos? Convencidos?
Desdenhosos? Encantados? Irritados? Ou, simplesmente, indiferentes? Para alguns, trata-se já
de saber o que foi a pós-modernidade. A resposta consiste no período intermédio entre a
segunda metade da década de 70 e o final da década de 80, quando a desilusão relativamente
às possibilidades de aplicação de uma estratégia política radical começou a instalar-se e parecia
que a reacção neo-conservadora e a política económica neo-liberal se tornavam
preponderantes. A Pós-modernidade já não é uma novidade, já não está na moda, é
simplesmente um aborrecimento, agora que toda a gente já a pratica.
viver com as dúvidas, as incertezas e as ansiedades que parecem cada vez mais ser o corolário
da modernidade, o preço inescapável a pagar pelos ganhos, os lucros e os prazeres associados à
modernidade.
Friedrich Jameson, marxista, crê que este período é 3ª etapa do capitalismo. O homem pós-
moderno em um universo imagético, repleto de signos e ícones privilegiados em detrimento dos
objectos.
É possível realizar uma síntese geral deste conceito tão amplo e ambíguo:
Diante dessa situação caótica, é lógico que aparecem algumas propostas religiosas, sociais e
políticas variadas, em certas ocasiões, pouco confiáveis.
Os riscos já não são percebidos na sua forma material, mas argumentativas. A posição social
determinante é o domínio da argumentação. Ex: Ulrich Beck afirma: A noção de pobreza, do
subdesenvolvimento é determinada pela via argumentativa.
O que sucede nos últimos 60 anos, isso vai mudando; o conhecimento é independentemente do
espaço e do tempo (o conhecimento não é necessariamente institucionalizado, nem requer
tempo/horário específico); as coisas quase que ocorrem simultaneamente.
“À medida que o espaço parece encolher numa aldeia global…os horizontes temporais se
reduzem a um ponto que só existe o presente ” (Harvey, 1992: 219)
Harvey foi quem mais desenvolveu este aspecto (cf Harvey: 185-277)
- A nova ciência afirma ser o caos muito maior do que a ordem (não há leis naturais/sociais)
3. Mundialização da economia
A mundialização é fundamentalmente económica, num espaço global. Ela é um facto local com
implicação global.
Saímos assim das sociedades nacionais (fenómeno que nasceu no século XVIII até à 2ª guerra
mundial) às sociedades mundiais ou informatizadas.
Jürgen Habermas, Lyotard, Gianni Vattimo, Richard Rorty, Gilles Lipovetsky, Jean Baudrillard,
Ulrick Beck, Boaventura de Sousa Santos, Friedrich Jameson , Anthony Giddens, David Harvey,
Madalena Guasco Peixoto, Michel Foucault, Zygmunt Bauman, Enrique Dussel, Severino Elias
Ngoenha, estes dois últimos designados filósofos do hemisfério sul, entre outros que
influenciaram para o debate: Hegel, Friedrich Nietzsche, Wittgenstein, Martin Heidegger, John
Dewey, etc.
É legítimo e filosófico afirmar que em Filosofia, o passado, a tradição, a História é tudo, porque a
Filosofia não é uma construção arbitrária de um pensador isolado. É um somatório lento e
progressivo, de todas as civilizações e de todas as culturas, do que elas têm de mais apurado, de
mais escolhido e selecto, nos domínios do pensamento abstracto, e no campo de todas as
ciências e de todas as artes.
Em Filosofia, talvez ao revés do que se dá com outros estudos, temos de marchar sempre, com
os olhos voltados para o passado. O saudosismo, o passadismo aqui é uma imposição, saiba-o
quanto antes o estudante de primeiras letras filosóficas. É uma colaboração secular e universal.
Não importam os desvios e sinuosidades. Ligam-se os elos uns aos outros indefectivelmente, e
não há-de faltar um só para que se chegue, sob conhecimento de causa, ao termo de cadeia.
Afirma Umberto Padovani, que a História da Filosofia não passa de uma filosofia da Filosofia.
Mas entenda-se aqui, afirma ele, não se trata de uma sequência tumultuária e acidental de
opiniões em atrito permanente umas com as outras. Não. A História da Filosofia é um
envolvimento lógico e necessário da Filosofia enquanto tal. Os sistemas se concatenam na
ordem das determinações conceituais da realidade.
É o próprio Hegel quem o está dizendo, ao definir a história da Filosofia como de herança se
tratasse, um legado cultural, que não é de ninguém, mas representa o esforço de todas as
gerações de intelectuais, no sentido de, com o auxílio de seus antepassados espirituais e sem
nunca perdê-los de vista, acrescer e aumentar o pensamento, acerca das mais altas questões
que sempre cruzaram a inteligência do ser racional através dos tempos.
Modernidade Pós-Modernidade
Confiança nas legitimações fortes, absolutas, Desconfiança no saber totalizante das grandes
fundacionistas do saber, através de grandes narrativas: as legitimações fortes deixam lugar
narrativas, ou seja, visões sintéticas e às formas fracas (Vattimo) ou Instáveis
totalizantes (do tipo hegelianismo, marxismo, (Lyotard) de racionalidade, pois não há
etc). “Temos certeza de tudo”. fundamentos últimos do saber e do agir.
“Temos certeza de nada”
Confiança no homem como dono da natureza, Negação do homem como dono do ambiente e
exaltação das ciências com a identificação da da razão como razão técnico-científica.
razão como razão científica. Atenção ao ecologismo.
Modernidade
Desenvolve-se nos Séculos XVI e XVII até ao Iluminismo do Séc. XVIII. Identifica-se com o
Racionalismo, o Criticismo, com as ideias de progresso e renovação, propagando a liberdade do
indivíduo do obscurantismo e da ignorância através da difusão da ciência e da cultura em geral.
A rejeição da Metafísica: A metafísica foi desde o pensamento grego e medieval rainha das
disciplinas filosóficas; rainha de todas as ciências; aquela que Aristóteles designou de Filosofia
primeira. O primeiro lugar é agora ocupado pelos problemas da epistemologia; metodologia;
tais são os casos de Bacon, Descartes, Kant, Leibniz.
Autonomia: A autonomia filosófica em relação à Teologia. A Filosofia não mais fornece base
racional à Teologia. A Filosofia já não é ancilla da Teologia (serva da Teologia).
O valor da ciência moderna não é teorético, especulativo, metafísico, mas empírico e técnico.
Tal era também o pensamento do grande fundador da ciência moderna, Galileu Galilei que
afirmava ser o objecto da ciência não as essências metafísicas das coisas, e sim os fenómenos
naturais, experimentalmente provados e matematicamente conexos.
O Pluralismo: Muitos sistemas filosóficos, muitos pensadores e muitas áreas do saber científico
e ético.
O projecto da modernidade
Formulado no século VIII pelos filósofos do Iluminismo consistiu em esforços que visavam a
desenvolver tanto a ciência objectiva, a moralidade universal e a lei, quanto a arte autónoma,
conforme sua lógica interna. Este projecto pretendia ao mesmo tempo liberar o potencial
cognitivo de cada um desses domínios no intuito de livrá-los de suas formas esotéricas. Os
filósofos iluministas almejavam valer-se deste acúmulo de cultura especializada para enriquecer
a vida quotidiana, ou seja para organizar racionalmente o quotidiano da vida social. Giddens já
afirmara o seguinte, na sua obra, O mundo na era da globalização:
Karl Marx, cujas ideias devem muito ao pensamento iluminista, expôs o conceito de forma
muito simples. Para fazermos a História, sustentava, temos de compreender a História. Graças a
esta noção, Marx e o marxismo tiveram uma influência tremenda no século XX.
JÜRGEN HABERMAS
Sua tese foi publicada sob o título (traduzido: o espaço público no seio do qual se forma a
opinião pública). Trata simultaneamente da ciência política, da história, da sociologia e da
filosofia. Depois de ter sido assistente de Adorno, Habermas ensina primeiro em Heidelberga
(junto de Gadamer) e, depois, em Frankfurt, a partir de 1964. Como Marcuse, são os
movimentos estudantis esquerdistas dos anos sessenta que vão torná-lo célebre. As suas
exigências de racionalidade levam-no todavia a criticar os excessos e a falta de seriedade da
contestação, que se volta então contra ele.
É fundador da Teoria do agir comunicativo. Tenta desenvolver uma teoria global da acção
social, nos seus aspectos subjectivos, estruturais e evolutivos.
Grande aspiração de Habermas é conseguir uma união entre a teoria e a praxis (esta é a eterna
aspiração de todos os filósofos). Objectivo de Habermas é salvaguardar a racionalidade e assim
a possibilidade de chegar a uma verdade.
Habermas recorre a Hegel, como o primeiro filósofo que elevou a Modernidade ao estatuto de
problema filosófico no século XVIII. (Habermas, 1998: 27ss e 57)
Para ele, Hegel foi o primeiro filósofo a desenvolver um conceito preciso da modernidade;
temos portanto de remontar a Hegel se quisermos compreender o que significa a relação
interna entre modernidade e racionalidade, tida como evidente até Max Weber e hoje posta em
questão. Temos de nos certificar do conceito hegeliano de modernidade para podermos avaliar
a razão daqueles que fazem as suas análises partindo de outras premissas. Não podemos no
entanto afastar a priori a suspeita de que o pensamento pós-moderno está meramente a
atribuir a si mesmo uma posição transcendente, quando na realidade permanece dependente
dos pressupostos, validados por Hegel, da auto-compreensão moderna.
Diz Habermas (1998: 16), não podemos excluir de antemão a hipótese de que o neo-
conservadorismo ou o anarquismo de inspiração estética estejam a tentar mais uma vez, em
nome de um adeus à modernidade, revoltar-se contra ela. Pode muito bem ser que eles estejam
pura e simplesmente a disfarçar sob a capa do pós-iluminismo a sua cumplicidade com uma
venerável tradição do contra-iluminismo.
Ele vê a Filosofia confrontada com a tarefa de traduzir em pensamento o seu próprio tempo
que, para Hegel, significa a época moderna. Hegel está convencido de que não pode de forma
alguma apreender o conceito que a Filosofia faz de si própria sem atender ao conceito filosófico
de modernidade.
Em primeiro lugar Hegel descobre o princípio dos tempos modernos: a subjectividade. Partindo
deste princípio, explica simultaneamente a superioridade do mundo moderno e a sua
vulnerabilidade à crise, a qual se revela no facto de o mundo ser um mundo do progresso e de
ser ao mesmo tempo o mundo do espírito alienado de si próprio. Para Hegel, os tempos
modernos são caracterizados de uma forma geral por uma estrutura de auto-relação a que ele
chama de subjectividade.
Ele explica a subjectividade por meio de liberdade e reflexão. “o que dá grandiosidade à nossa
época é o reconhecimento da liberdade, a propriedade do espírito, o reconhecimento de que o
espírito estando em si está consigo”. A subjectividade para ele tem quatro conotações:
- O futuro começou; Não podemos deitar o bebé juntamente com o balde e água suja
Em 1981 Habermas publica a sua obra-prima: Teoria do agir comunicativo, onde elabora uma
teoria pragmática de linguagem que visa uma relação entre a linguagem e o sujeito que a usa.
Trata-se de uma pragmática universal (ou formal) que procura as condições universais
necessárias que estão a monte de toda possível comunicação linguística orientada ao
entendimento: uma Teoria da competência comunicativa (= capacidade de usar sistemas
abstractos de regras que permitem a produção de discursos possíveis, compartilhados por
todos, ou seja: os pressupostos gerais do agir comunicativo).
Habermas faz um giro pragmático para fundamentar a Teoria do agir comunicativo: “nós
vivemos ainda na modernidade, mas uma modernidade tardia”. A razão ainda permanece como
princípio organizador; o que mudou é o princípio da razão instrumental, para uma razão
comunicativa.
Estas regras do agir comunicativo, ou seja, as regras comuns a todos os que querem comunicar
são quatro:
2.Verdade: o falante deve ter a pretensão de falara verdade, que possa ser partilhada pelo
ouvinte.
Se faltar uma destas quatro regras, não é possível um “discurso racional” e consequentemente
não é possível nenhuma comunicação entre os interlocutores. Estas regras devem ser
antecipadas (antecipação ideal) enquanto prefiguração de um contexto de perfeita
racionalidade intersubjectiva.
Estas quatro regras do agir comunicativo não têm somente valência lógica, mas também ética
(por isso é chamada Ética do Discurso) e pressupõem 3 condições (éticas) para que haja um agir
comunicativo: os interlocutores devem ser sujeitos iguais, livres e capazes de raciocinar.
Dentro deste discurso comunicativo, Habermas distingue dois tipos de agir racional:
Estas duas formas do agir se condicionam reciprocamente e definem assim dois níveis distintos
e complementares de sociedade:
4.Sociedade como mundo da vida: agir comunicativo (busca dos valores compartilhados).
Este mundo da vida (que se articula em três componentes: cultura, sociedade, pessoa) é a base
para que haja um agir comunicativo. É necessário defender o mundo da vida das “colonizações”
tentadas pelo sistema, que provoca “distúrbios” no âmbito da reprodução cultural (perca de
sentido), na integração social (anomia) e da socialização (ruptura com a tradição).
A defesa da razão crítica operada por Habermas, coincide com a defesa da modernidade e do
seu projecto emancipatório. A modernidade não está no fim, mas está ainda em construção
(modernidade incompleta).
Na sua obra Discurso filosófico da modernidade (1985) Habermas desafia as teorias do pós-
modernismo, mediante uma “re-narração” crítica da modernidade: recupera os valores do
iluminismo como a emancipação do intelecto da autoridade e da tradição.
Isaque Ernesto Pombinho 2019 Pá gina 14
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Habermas porém observa que a modernidade não conseguiu contrapor nada à capacidade
unificadora da religião (que o iluminismo aboliu): nem Hegel, nem Nietzsche conseguiram, mas
mesmo assim devemos salvar a modernidade e a razão, pena a recaída nas trevas.
Se Hegel faliu com a sua ideia de “Espírito Absoluto” e também Nietzsche com a sua “vontade
de potência”, Habermas propõe como solução (unificadora do saber e da racionalidade) a
Filosofia crítica da intersubjectividade racionalmente fundada (ou seja a Ética do discurso de tipo
universal-pragmático).
5. Pública (ou pós-kantiana): a moral não é algo de individual (como era para Kant), mas é
algo público, resultado de um “discurso público”, ou seja considera o que todos de
comum acordo reconhecem como norma universal.
Daí: Fala sobre os objectivos da ética do discurso: A busca de um Consenso universal (ideia de
universalidade).
A Ética do discurso está atenta não só aos princípios mas também às consequências do agir: por
isso é uma Ética de responsabilidade.
Habermas sustenta que não é possível fundar a ética sobre a metafísica ou a religião (como se
fazia antes): a moral pode ser só pós-metafísica e pós-religiosa (renúncia em fazer intervir Deus
na ética). Precisa ver qual tipo de razões garante à moral uma força suficiente de convicção.
Esta legitimidade está na razão comunicativa, com o seu princípio de universalidade: uma lei é
válida quando todos a aceitam.
Habermas critica o relativismo cultural (pelo qual cada cultura é uma totalidade fechada e os
princípios são julgados em base a culturas determinadas), porque de facto existe uma lógica
“inter-subjectiva” da argumentação que é trans-cultural (ou seja não se limita aos confins de
uma cultural particular).
Critica também o relativismo pós-moderno (Lyotard): mesmo porque existe uma multiplicidade
de jogos linguísticos, é necessário um “mínimo comum denominador” racionalmente fundado,
que permita um diálogo entre as culturas.
O mesmo cepticismo que quer contestar a Ética do Discurso, deve usar determinadas regras de
argumentação, ou seja deve pressupor válida a teoria contra a qual combate (e esta é uma
patente auto-contradição).
Os conteúdos morais (juízos éticos) não têm uma contingência emocional e subjectiva, mas têm
um conteúdo cognitivo (objectivo).
A ética do discurso relaciona a ética e o discurso. Usa regras de situação ideal de fala. São regras
de igualdade: chances iguais na fala e chances iguais na crítica; estas são chamadas condições
triviais.
Sobre o fim da filosofia, para Habermas a razão, mesmo que não exaure todo o saber (existem
saberes que não podemos demonstrar cientificamente), fica insubstituivelmente “guarda da
racionalidade”: consequentemente, a filosofia mantém a sua competência dentro do debate
público.
Tipos de conhecimento:
Para Habermas, todo o saber e conhecimento é movido por interesses. Ele distingue 3 tipos de
conhecimentos (saber):
1. Ciências empírico-analíticas (viradas à busca das leis). Aqui temos interesses técnicos
(Agir instrumental).
Em suma: se Hegel faliu com sua ideia de Espírito absoluto e também Nietzsche com a sua
“vontade de potência”; Habermas propõe como solução unificadora do saber e da
racionalidade, a Filosofia crítica da intersubjectividade racionalmente fundada, ou seja, a Ética
do Discurso.
Filósofo francês, estudante da Sorbonne no pós-guerra, parte para Argélia, onde ensina
Filosofia. Professor em França e EUA, da formação fenomenológica-marxista, passou pelo
Estruturalismo, para chegar ao pós-modernismo.
Na sua obra Peregrinações, afirma que “a luta contra a exploração e alienação se torna toda a
minha vida. Até ao ponto que…não faço e não sinto quase nada que não seja imediatamente
ligado à causa”.
Em 1979 publica a sua obra que o torna famoso internacionalmente: “La Condition post
moderne” (A condição pós-moderna). Esta obra sobre a reforma das universidades foi
comissionada pelo governo canadiano. Lyotard sustenta que o saber não é reduzível à ciência
nem ao conhecimento.
Saber não é só conhecimento fundado sobre enunciados denotativos (que se pode declará-los
verdadeiros ou falsos), mas também valorativos e prescritivos (saber viver e saber fazer).
O saber tradicional se baseia sobre as narrativas (contos baseados em jogos linguísticos auto-
referências, ou seja que têm em si mesmo as suas autorizações. Mas a ciência sempre
desprezou este tipo de saber, mesmo que ela é também narrativa auto-referencial, ou seja deve
recorrer a justificações extra-científicas).
Esta incredulidade não é motivada pelo triunfo do capitalismo e tecnicismo, mas pela
deslegitimação ínsita nas grandes narrações: a ciência se encontra deslegitimada e a narração
iluminista não justifica os enunciados prescritivos e valutativos (nem tudo o que é justo ou
bonito ou real deve ser “racional”).
No rol das metanarrativas, Lyotard cita ainda a ciência moderna construída pelo iluminismo, que
apoiada em um discurso legitimador, visava atingir uma finalidade ética e política. A
racionalidade científica, o progresso económico, a emancipação dos sujeitos históricos, os
valores universais de verdade e de justiça. Tudo foi colocado em questionamento, por um
conjunto de forças, apoiado na produção e na tecnologia, que impactou profundamente os
modos de ser, pensar e viver do homem, sobretudo, nas sociedades mais desenvolvidas ou pós-
industriais.
No discurso ocidental desde à antiguidade clássica, o que emprestava legitimidade à ciência era
seu carácter verdadeiro, justo, ético e político, enunciados típicos das grandes narrativas que
forma colocadas de lado pela pós-modernidade.
Com a ideia das micro-narrações, Lyotard se coloca em contraste com a ideia de Habermas da
busca de um consenso universal obtido mediante um Diskurs: Lyotard sustenta que isso é
impossível, pois não existe uma “meta-linguagem” geral onde os interlocutores possam
encontrar um acorde sobre regras universalmente válidas, e contesta também que o fim seja o
consenso, pois para Lyotard o fim é a dissensão ou a paralogia (paralogia é um raciocínio não
válido, mas que aparentemente é válido: diferencia-se do sofisma enquanto não tem intenção
de enganar).
Mais que um consenso universal, Lyotard aceita um consenso local, momentâneo e sempre
sujeito à revisão. “Está-se então orientado para multiplicidades de meta-argumentações finitas,
isto é, argumentações que incidem sobre meta-prescritivos e que são limitadas no espaço-
tempo)”. (op cit: 131). A ideia de saber de Lyotard não é algo de unitário, estável, garantido,
mas é algo de flexível, local, mutável…conforme à livre actividade da mente humana.
A ideia do “sujeito múltiplo, fragmentado e complexo” tem assim a ver com a condição pós
moderna de fim das metanarrativas, na ideia dos pós modernistas. Também é por isso que
Lyotardianos falam da vida social como um “jogo” de linguagem em que os discursos são tão
variados que nos é impossível encontrarmo-nos num lugar definitivamente.
O Pós-Modernismo nestes moldes insiste nos jogos das diferenças onde a multiplicidade, a
heterogeneidade e o pluralismo são elementos essenciais da forma de estar no mundo. Para
teorias de esquerda e discursos emanados da periferia esta conclusão é bem cómoda porque
tem um efeito libertador do seu discurso: o centro já aparece como uma construção e ficção e,
portanto, não mais como uma realidade fixa e imutável.
Por fim a obra Peregrinações é um texto autobiográfico que continua na ideia de integração,
anti-dogmatismo, típicos da filosofia.
Se o saber não tem mais em si o seu fim (formação da pessoa culta, emancipação humana…) e
deve servir para outra coisa, a sua transmissão subtrai-se à exclusiva responsabilidade dos
cientistas e dos estudantes.
Se no passado era claro para todos a que servia a ciência (progresso, emancipação, etc.) nesta
ela não está mais clara. Mas uma resposta é possível somente na ciência (via crítica-racional).
Em outras palavras, a ciência está “autocondenada” a não poder dizer o seu sentido pois este
está de fora de si (enunciado prescritivo, pois se baseia sobre regras) mas ela não pode
abandonar o seu âmbito crítico-racional, pois não seria mais ciência. Esta é mesmo a aporia do
pós-moderno segundo Lyotard.
BIBLIOGRAFIA
HABERMAS, J.: “Modernidade – um projecto inacabado”. In: ARANTES, O. & ARANTES, P.: Um ponto cego no projecto modernidade Jürgen Habermas. SP.
Brasiliense. 1992
HARVEY, David. Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1994
RORTY, R. A Filosofia e o espelho da natureza. Tradução de Jorge Pires. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1988.