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Análise comparativa de redes solidárias de reciclagem no Brasil e no Japão:

Cultura, Comprometimento e Governança.

Resumo
O objetivo é analisar e comparar os processos de reciclagem na perspectiva de redes no
Brasil e no Japão. A proposição orientadora é que cultura, comprometimento e
governança diferenciam estas redes. Dados secundários indicam que no Japão há cultura
de reciclagem e todo cidadão participa separando o material reciclável a ser descartado
por tipo de resíduo, com descarte semanal nos postos de coletas distribuídos conforme a
densidade demográfica. A rede de coleta envolve a prefeitura, empresas contratadas,
comunidade voluntária e comprometida com a manutenção, fiscalização dos postos e
não existem intermediários. O material coletado é integralmente vendido para fora do
Japão. No Brasil não há cultura sobre o reciclável, poucos cidadãos separam os
resíduos. A coleta é feita com pouco ou nenhum comprometimento dos agentes,
especialmente sobre horários e cuidados no manejo, e as cooperativas de material
reciclável não tem recursos e pessoas suficientes para as tarefas de coleta, separação,
armazenagem e comercialização dos resíduos sólidos. O funcionamento da rede é
diferente em cada cidade, com intermediários, oportunismo e assimetrias de interesses.
Os dados sustentam a proposição que a tarefa exige cultura da população,
comprometimento dos agentes e governança que torne a rede funcional.

1. Introdução
O formato de redes aparece cada vez com mais frequência nos negócios,
políticas públicas e ações sociais (Castells, 1999; Nohria e Eccles, 1992).
As redes são, basicamente, grupos de organizações que agem em conjunto para
atingirem um objetivo comum; a partir de problemas comuns. Em redes de negócios, a
cooperação coloca-se acima da competição. Em redes de políticas públicas, a hierarquia
dá lugar à democracia na implantação de planos.
Para um conjunto de organizações ser considerada uma rede é preciso que se
encontrem determinadas características, que a tornem distinta de formatos hierárquicos,
onde o poder é centralizado; ou de formatos de mercado, onde a competição é a regra do
relacionamento. De uma maneira geral, as organizações devem se comprometer nos
trabalhos conjuntos; criar um sistema de regras para essas ações coletivas; promoverem
partilha de informações e materiais; e conseguirem resolver problemas que
isoladamente cada qual não conseguiria.
De um modo mais específico, é esperado que no formato em rede estejam
presente as características de:
(a) Relações de interdependência. Cada ator tem um recurso que o outro necessita, de tal
forma que as trocas favoreçam os dois lados e o próprio grupo, na realização dos
processos.
(b) Complexidade de tarefa. Significa que a especialização leva ao trabalho conjunto. A
complexidade pode se apresentar como sincronismo (tarefas simultâneas), ou temporais
(eventos numa sequência). Em qualquer caso, a falha de uma parte significa a falha da
tarefa toda.
(c) Complexidade de inovação. Significa que as tarefas necessitam de adaptações e
inovações e que com vários atores a solução ocorre mais facilmente.
(d) Existência de problemas comuns que unam os envolvidos e os movam em busca de
objetivos coletivos.
(e) Consciência de ação coletiva em contraponto à ação isolada. Significa a mudança do
paradigma do empreendedor solitário para o paradigma do grupo.
(f) Existência de regras (a governança), especialmente as regras criadas pelo próprio
grupo. Entre as regras básicas estão as regras de inclusão e exclusão; de partilha; de
representação e de controle. O objetivo da governança é controlar o comportamento
oportunista e criar as condições de um trabalho coletivo sem resistências, atrasos,
conflitos e desvios.
(g) Relações predominantes de confiança, comprometimento e cooperação no grupo,
construtos fundamentais para a configuração de redes. Cada rede se organiza de uma
forma distinta, conforme a presença dessas características e conforme o contexto social
de hábitos, rotinas, valores e ética da sociedade em que a rede está inserida.
Quando se considera o campo de material reciclável, surgem objetivos múltiplos,
tais como objetivos de sustentabilidade, objetivos políticos (de políticas públicas
ambientais), objetivos sociais/solidários (inclusão de pessoas desfavorecidas) e
objetivos comerciais (o reciclável como produto de venda).
Considerando essa multiplicidade de objetivos e as diferenças de contexto, o
artigo busca investigar as diferenças das redes de material reciclável em São Paulo, no
Brasil e na cidade de Tóquio, no Japão.
A proposição orientadora é que existem diferenças fundamentais e que elas
ocorrem basicamente por diferença do contexto, especialmente nas rotinas, hábitos,
valores e ética das duas regiões; no comprometimento e na governança dos atores
envolvidos.
Dados iniciais de fontes secundárias indicam que no Brasil existem redes de
material reciclável com apoio do governo, com componente solidário e de inclusão
social e que no Japão não existem essas redes, já que a população separa todo o
material, coloca em caçambas espalhadas pela cidade e a prefeitura recolhe, sem
necessidade de outras organizações intermediárias.

2. Teoria de base
O conceito de redes não é convergente na produção acadêmica e ele pode ser
agrupado em três grandes perspectivas: racional, econômica e social, todas dentro do
guarda-chuva da afirmativa da sociedade em rede.
A ideia da sociedade em rede é apresentada por Castells (1999), afirmando que
os segmentos sociais contemporâneos estão organizados em rede, difundidos
mundialmente, permitindo a conexão entre todos. Essas conexões são adaptadas
conforme as circunstâncias e os meios de interação da rede, ou seja, a rede adapta-se às
necessidades locais, podendo se alterar, enrijecer ou flexibilizar suas normas, estruturas,
ou sua própria cultura para sustentar os elos entre os atores. Cultura e configuração da
rede, portanto, estão associadas.
A abordagem racional se baseia nos arranjos cooperativos, afirmando que as
redes nascem e existem para a solução das dependências de recursos e da posição
competitiva das organizações. Autores como Grandori e Soda (1995), Provan e Kenis
(2008) e Ebers e Jarillo (1997) abordam o conceito em seus estudos.
O paradigma econômico tem como principal autor Williamson (1985), que
afirma que o formato de redes proporciona solução para os custos transacionais, através
da criação de contratos explícitos que parametrizam os acordos.
A perspectiva social define as redes como teias sociais de relacionamento, que
direcionam e influenciam as ações técnicas e comerciais. As categorias principais de
relações são a confiança, a cooperação, o comprometimento e o poder (DiMaggio e
Powell, 1983; Granovetter, 1985; Gulati, 1998). O projeto aceita e utiliza a abordagem
social como matriz para a análise e compreensão das redes investigadas.
2.1 Teoria Social de Redes
A abordagem social de redes inclui vários autores e conceitos. Para o presente
estudo seguem-se as afirmativas de Granovetter (1985), Zaheer (1995), Gulati (1998), e
DiMaggio e Powell (1983) sobre as relações sociais serem a base da união entre os
atores, formando uma matriz relacional que direciona as ações, decisões, processos e
comportamentos dos atores da rede. Um dos processos originados por essa teia
relacional é a construção gradativa das regras de um grupo.
Para Granovetter (1985) a categoria central dessa teia relacional é o
comprometimento, entendido como a disposição de cada ator em valorizar e considerar
os objetivos coletivos e agir em função do grupo, evitando comportamentos
oportunistas.
A abordagem social, portanto, tem como princípio orientador as relações sociais,
a construção de uma teia social que influencia os processos na rede e o comportamento
dos atores. A partir dessa teia social surge a governança que estabelece mecanismos de
controle e incentivos para as ações coletivas.

2.2 Conceito de Comprometimento


Para Granovetter (1985) o comprometimento consiste na ação de um ator em
valorizar e considerar as expectativas e a confiança dos outros atores sobre seu
comportamento. Nesse sentido, pode-se relacionar o comprometimento com a
consciência da ação coletiva afirmada por Nohria e Eccles (1992).
Nessa mesma linha de entendimento, Morgan e Hunt (1994) descrevem que o
comprometimento é uma troca entre parceiros que acreditam que uma boa relação com
o outro é tão importante que justifica os esforços despendidos para mantê-la. Para os
autores, o comprometimento é um dos principais fatores que assegura o sucesso de uma
rede, pois ele cria as condições necessárias de cooperação e impede os comportamentos
oportunistas.
Em relação aos aspectos comportamentais, Morgan e Hunt (1994); White e
Schneider (2000) afirmam que o comprometimento desenvolve nos atores da rede
características de coesão de grupo como trabalho em conjunto; alcance de metas,
aceitação de normas, vontade de manter o relacionamento. Das expressões acima, duas
delas, aceitação de normas e vontade de manter o relacionamento, estão diretamente
relacionadas a manifestações do comprometimento, sendo utilizadas neste trabalho.
Já para Ring e Van de Ven (1994), o comprometimento faz com que exista maior
engajamento entre os atores. O compromisso firmado entre os atores pode ocorrer
através de um contrato, seja ele formalizado, ou apenas assumindo práticas de ajuda ao
grupo, sendo conduzido de forma psicológica entre os atores da rede. O
comprometimento se retroalimenta com a reciprocidade de confiança e
comprometimento dos parceiros.
Neste trabalho utiliza-se a noção de comprometimento como atitudes e
comportamentos dirigidos para ações coletivas, no sentido de ajudar o outro que
mostrou seus problemas e solicitou ajuda; e também como a disposição de não se
aproveitar dos outros, ou dos recursos, para ganhos individuais que prejudiquem o
grupo.

2.3 Conceitos de governança


A revisão bibliográfica realizada indica pluralidade de conceitos sobre
governança. As grandes linhas conceituais afirmam que a governança pode ser estrutura
de coordenação; formas de gestão das redes; formas de solução de conflitos causados
por diferenças. Também existem linhas que separam a governança em formal e
informal.
A governança entendida como estrutura de coordenação significa e implica num
conjunto de mecanismos regulatórios que auxilia a tomada de decisões dos atores,
sempre colocando os objetivos coletivos em primeiro plano e buscando reduzir as ações
e decisões particulares (Roth et al., 2012). Por seu caráter de formalidade e de regras já
estabelecidas, essa linha conceitual não é adotada neste trabalho.
A perspectiva da governança como gestão afirma serem as ações realizadas por
um indivíduo ou equipe, para a garantia do cumprimento dos acordos, do controle dos
conflitos e dos incentivos pessoais direcionados para a obtenção dos resultados
almejados pela rede (Provan e Kenis, 2009).
A valorização da busca dos resultados é um ponto aceito neste trabalho, mas a
perspectiva da gestão não tem foco na construção da dinâmica do grupo e sim nas
formas de controlar, ou alterar essa dinâmica. Por esse motivo, o atual trabalho cita a
governança no sentido de gestão, mas não segue suas afirmativas na integralidade.
Outra perspectiva define a governança como construção das formas de ação
coletiva, sejam controles, incentivos, estrutura, papéis dos atores, solução dos
problemas e conflitos. A exigência de ação coletiva obriga os atores a um
relacionamento de trocas e acordos, onde entram fatores econômicos (como custos
dessas ações coletivas), racionais (como ganhos coletivos e ganhos individuais) e
sociais (como comprometimento versus oportunismo).
Theurl (2005) descreve a governança como uma sistemática de funcionamento
do arranjo cooperativo, processos decisórios, níveis de autonomia, formas de solucionar
conflitos, mecanismos de controle e de participação nas decisões que regulam as
atividades da rede. Conforme Jones; Hesterly; Borgatti (1997) a governança é a
coordenação de partes autônomas, através de processos e estruturas relacionais que
sustentam a integração das ligações, inseridas em ambientes incertos e/ou de alta
competitividade. Jones et al. (1997) propõem um modelo para essa definição,
explicitando o surgimento das regras criadas pelo grupo. A governança como construção
coletiva é uma abordagem adotada neste trabalho porque une as relações sociais com a
governança.
As definições apresentadas nos parágrafos anteriores não são estanques, havendo
interfaces. Por exemplo, Bryson et al. (2006); Thomson, Perry (2006); Schereiner et al.
(2009) afirmam que a governança processual tem elementos formais e informais.
Autores frequentemente citados como Williamson (1985) e Grandori (2006) também
afirmam a interface entre a abordagem de formas de controle e a abordagem de
construção social dos mecanismos. Sobre essa construção social, os ajustes são
realizados conforme surgem os problemas e as incertezas, ou seja, são construídos de
forma relacional, por isso recebendo o nome de governança relacional.
A partir dos conceitos de governança como mecanismo construído e da
necessidade de ajustes dos contratos formais, o presente trabalho aceita e utiliza o
conceito de governança relacional como construção social do próprio grupo de
organizações da rede, que faz ajustes contínuos dos mecanismos, conforme surgem os
problemas, incertezas, oportunidades no ambiente organizacional e conflitos de
interesses entre os atores.

2.4 Conceito de governança relacional


A governança relacional pode ser entendida como as formas de interações,
negociação, decisão, acordos, implantação e controle de regras que nascem na dinâmica
de um grupo, diferente de normas, práticas e regras que são implantadas no grupo.
A governança, portanto, coordena as relações entre os atores da rede e pode ser
estabelecida de maneira formal, através de leis, regulamentos ou contratos; ou de
maneira informal, mediante controle social. Segundo Grandori e Soda (1995), a
existência de documentos com regras para a ação coletiva é uma característica da
governança formal. Já na governança informal as características são a presença de
incentivos e controles por pressões sociais. Para Provan e Kenis (2008) a formalização
das relações refere-se às regras e regulamentos predefinidos para as diversas
contingências. As regras podem ser explícitas ou implícitas, devendo gerar restrições ao
comportamento para a proteção dos recursos e incentivo das ações coletivas.
Williamson (1985) afirma que para resolver os conflitos entre os atores da rede,
é mais vantajosa a solução através de acordos internos, realizando ajustes de regras,
definidas pelos próprios atores. O conjunto de ações, criação, alteração e adaptação das
regras realizada pelo grupo de atores da rede de negócio são denominada governança
relacional.
Então, se a governança é definida como sistema de controle e incentivo dos
comportamentos, dos processos e das relações sociais, ela também pode surgir dessas
próprias relações sociais. A governança relacional, portanto, é formada pela dinâmica do
grupo e proporciona o equilíbrio e o ajuste necessário para a coesão da rede, o que
dificilmente pode ser obtido através de contratos formais. Para Grandori (2006),
governança relacional é uma perspectiva do contrato relacional criada pelo grupo, criada
a partir da matriz relacional.
Na visão de Zaheer (1995), a governança relacional é baseada em componentes
sociais, em grande parte no comprometimento e na confiança entre os atores, buscando
resolver os problemas do grupo, como conflitos de interesses e imprevisibilidades de
demanda. A valorização do comprometimento também é afirmada em Jones et al.
(1997), considerando que sua presença melhora o desempenho das tarefas.
Buscando compreender as formas de acordos realizados entre as empresas, o
funcionamento, as falhas e sucessos, Sorensen e Torfing (2007) afirmam que tais
parcerias são espaços sociais complexos, com diferentes interesses, o que exige a
criação de regras, normas, rotinas e contratos. Segundo os autores esses mecanismos de
ação coletiva devem surgir do próprio grupo, conforme os atores se comprometem com
as tarefas.
Milagres (2016) propõe um modelo de governança colaborativa, que ocorre pela
junção da governança processual, governança contratual e governança relacional,
baseado em diversos elementos apresentados por diferentes autores. Ainda segundo
Milagres (2016) a governança relacional é formada por um conjunto de elementos que
trabalha com intangíveis, sendo eles (1) identidade da rede – formada por elementos
simbólicos e cognitivos; (2) contratos psicológicos – entendidos como expectativas e
suposições não escritas; (3) visão coletiva – objetivos a serem alcançados; (4)
sentimento de justiça, pertencimento e acolhimento; e (5) criação de ambiente seguro -
recursos, informações e conhecimentos compartilhados. Alguns deles, tais como
identidade da rede, visão coletiva e sentimento de pertencer fazem parte do que aqui se
denominou de cultura da rede.
Os parágrafos anteriores indicam a sustentação teórica da proposição do artigo:
Relações de comprometimento estão associadas à cultura (hábitos, valores, normas),
criando um campo relacional que origina as regras do grupo (governança relacional).
Como são construções sociais, cada rede deve apresentar características distintas desse
conjunto, mesmo que estejam envolvidas na mesma tarefa, por exemplo, de reciclagem
de resíduos sólidos.

2.5 Conceito de economia solidária e sua manifestação no formato em rede.


Alguns princípios da economia solidária têm suas raízes históricas fincadas
ainda no início do século XIX através do pensamento dos socialistas utópicos e,
principalmente, nas ideias de Robert Owen, o primeiro a usar a expressão cooperativa
com uma conotação mais comunista e não, associativa, como é mais comumente usada
na atualidade (Zwick, 2016). Desde então, diversas manifestações destes princípios têm
sido registradas em todo o mundo e se reforça no período pós-guerra, na segunda
metade do século XX, quando se verifica um rápido desenvolvimento dos países
capitalistas seguido da crise econômica dos anos 1970 e 1980. Em consequência disso,
uma significativa redução na demanda por empregos implicou na busca de alternativas
que culminaram na organização de coletivos de diversos segmentos sociais no formato
de empreendimentos econômicos, que mais tarde seriam denominados Economia
Solidária (Santos, 2013).
No início da década de 1990, após anos seguidos de desajustes na economia e
alta inflação, também era grave o problema do desemprego no Brasil e, seguindo
tendência mundial, a força de trabalho excluída do mercado faz surgir e crescer por todo
o País organizações produtivas baseadas no compartilhamento coletivo de bens (Silva,
2015). O fenômeno passa a atrair a atenção de pesquisadores, organismos não
governamentais e de políticas públicas, ganhando status institucional através da criação
de incubadoras e centrais de cooperativas e, no início dos anos 2000, da criação pelo
governo federal da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES).
A história no Japão é diferente, pois após a 2ª guerra mundial o País cresceu
economicamente, tornando-se em 1968 o segundo maior PIB do mundo, alcançado com
o desenvolvimento da indústria de químicos pesados. Dessa forma a poluição industrial
tornou-se um enorme problema, levando a sociedade a se preocupar com o meio
ambiente. A partir da metade da década dos anos 1960 teve início os esforços para
melhorar a qualidade das águas dos rios que pioravam com o despejo de resíduos
industriais, com a iniciativa das próprias indústrias em aperfeiçoar os processos
produtivos e implantar instalações de tratamento de resíduos industriais, nascendo assim
uma consciência da população, das indústrias e do governo quanto ao crescente
aumento da poluição.
Na década de 1970 e 1980, com a crise mundial, o Japão não sofreu com a crise
de desemprego como aqui no Brasil, mas é neste cenário que verificam o resultado dos
esforços empregados na despoluição ao constatar, que a qualidade da água melhora a
ponto de se tornar seguro para pesca. Com o sucesso desta grande operação e o
crescimento do lixo e a falta de espaço para o descarte, tem início o processo para a
seleção do material a ser descartado, a definição dos postos de coleta e a mobilização e
engajamento dos moradores dos bairros, indústrias e governo. As duas crises de
petróleo, porém, tiveram grande impacto na sua economia, levando a população e
principalmente as indústrias a dar importância na economia de energia, chegando a
conciliar crescimento econômico com redução de consumo de energia e criando padrões
de produtos de menor consumo de energia.
Para se ter ideia desta dimensão, a economia japonesa é hoje o dobro da
verificada em 1973, o volume de produção é 1,5 vezes maior, porém o consumo de
energia da indústria é 0,9 vezes menor do que em 1973.
No ano de 2000 é definida a lei de base do estabelecimento de uma sociedade
dos Ciclos Materiais Completa, que através de sua estrutura possibilita a pratica dos 3Rs
(Reduzir, Reutilizar e Reciclar), além de outras seis peças legislativas referente aos
“ciclos materiais” serem aprovados ou sofrerem emendas. Em 2001 é aprovada a lei que
passa a regulamentar a reciclagem de eletrônicos, que até então eram descartados nos
aterros, levando os fabricantes a formarem cooperativas para a coleta de seus produtos
após o uso, visando diminuir custos do processo.
Brasil e Japão, portanto, seguiram rotas distintas. Para a situação brasileiras,
conforme Singer (1998) a economia solidária é uma solução real à exclusão social
promovida pelo capitalismo e ressalta o valor assumido pela democracia e igualdade nos
empreendimentos solidários que estimulam a autogestão. Assim, ele define a economia
solidária como um modo de produção baseado na propriedade coletiva ou de associação
do capital assegurando liberdades individuais (Singer, 2002). Entretanto, para Laville
(2006) não se trata de se substituir o capitalismo e, sim, uma tentativa de se conciliar o
mercado e entidades governamentais com as formas não monetárias de interação
baseadas na reciprocidade e solidariedade de agentes autônomos que oferecem seus
produtos e serviços.
França Filho e Laville (2004) compartilham com Singer (2002) a ideia de se
tratar de outra economia, porém salientam a sua natureza cooperativista e associativa
emanada do povo e os empreendimentos solidários assumem diferentes formas pelo
mundo como em cooperativas, bancos populares e clubes de troca, dentre outras. Gaiger
(2009), na mesma linha, introduz o conceito de empreendimento econômico solidário se
referindo às variadas modalidades de organizações econômicas que têm origem na livre
associação de trabalhadores propulsionada e viabilizada pela cooperação e constata a
sua manifestação nos setores produtivos, comerciais, de prestação de serviços e de
crédito.
Por fim, buscando uma convergência conceitual dos diversos autores aqui
citados, definem-se os empreendimentos de economia solidária como organizações que
objetivam não somente resultados econômicos, mas também sociais, políticos e
culturais, por meio de relações solidárias e democráticas e são encontrados nas mais
variadas formas, como em cooperativas, associações, empresas recuperadas, clubes de
troca, finanças solidárias, entidades de apoio ou redes solidárias (Pinheiro, 2016).

Tabela 1 - Resumindo a fundamentação teórica


Teoria Resumo
Abordagem social de redes Embeddedness (Granovetter, 1985), aspectos sociais alicerçam as
relações da rede Zaheer (1995), Gulati (1998) e DiMaggio e Powell
(1983).
Economia solidária Economia solidária não objetiva somente resultados econômicos, mas
também sociais, políticos e culturais, por meio de relações solidárias,
democráticas e equitativas (Pinheiro, 2016).
Comprometimento Troca entre atores de uma rede que justifica esforços despendidos
Morgan e Hunt (1994).
Governança Coordenação de partes autónomas, através das partes por meio de
estruturas sociais. Jones; Hesterly; Borgatti (1997).
Campo organizacional Rede complexa formada por várias organizações que mantêm relação de
interdependência e que compartilham valores e os mesmos processos
simbólicos, sendo regulados pelo mesmo processo Scott (1994, p.71).
As organizações que atuam no mesmo "espaço" são influenciadas uma
pelas outras, sendo assim estas organizações tem uma tendência
isomórfica devido as pressões do campo, ou seja, suas estruturas e
processos se tornam similares, DiMaggio e Powell (1991) .
Fonte: Autores, 2017

As redes de economia solidária integram não somente empreendimentos


solidários de produção, comércio, serviços ou consumo, mas também diferentes tipos de
organizações sociais que podem criar, ou reorganizar empresas, ou cadeias produtivas. A
sua operação se concentra em atender demandas sociais, criando oportunidades de
trabalho, melhorando o acesso à educação, cultura e consumo e, de uma maneira geral,
promovendo a qualidade de vida das comunidades inseridas (Mance, 2005).
Algumas dessas práticas tem se revelado como sucessos e são elencadas por
Mance (2005) que as apresenta através dos grupos de produção comunitária, ou
cooperativas, sistemas locais de trocas (moedas sociais), autogestão de empresas pelos
trabalhadores, comércio solidário e comércio justo podendo chegar ao nível
internacional, organizações de certificação de produtos e serviços alinhados com a
economia solidária, grupos de aquisição solidária, financiamento solidário através de
organizações criadas para esse fim, empresas que compartilham lucros para a auto
sustentação, remuneração justa e divulgação da cultura e também, a difusão de
softwares livres e tecnologias livres e sustentáveis.
Considerando o fundamento teórico e a linha de pesquisas atuais sobre o tema,
construiu-se a proposição orientadora, sobre a diferença de contexto, comprometimento
e governança entre redes de material reciclável de uma região do Brasil e uma região do
Japão.

3. Metodologia
A pesquisa é de natureza descritiva (Gil, 2008) buscando retratar o mais
fielmente possível as características de determinadas populações ou fenômenos. A
abordagem de investigação é qualitativa (Minayo, 2001), investigando variáveis de tais
motivos: aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço amplo
de relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser mensurados por
métricas.
Para buscar a resposta da proposição foram coletados dados secundários das
seguintes fontes: (a) pessoal técnico no Brasil, que auxilia na gerência de redes de
material reciclável; (b) pessoal técnico do Japão, que participa da organização e coleta
de material reciclável; (c) Sites do governo brasileiro, sobre como deve operar uma
cooperativa de material reciclável; (d) Consulta em matérias de jornais e revistas
digitais sobre o tema, comparando sistemas de reciclagem nos países.
Sobre os textos realizou-se uma análise de conteúdo, conforme a técnica de
análise de conteúdo de Bardin (2011). Conforme essa técnica, nos discursos deve-se
buscar as convergências e também se buscam as divergências, que servem de
parâmetros de comparação.
Assim, por um lado construíram-se as convergências dos discursos
exclusivamente brasileiros, ou japoneses, para que cada um ficasse caracterizado; e
buscaram-se as divergências no comparativo entre as regiões consideradas.
O material reciclável que foi investigado é o originado no uso doméstico. O
material reciclável industrial não foi considerado.

4. Apresentação e análise dos dados


A questão dos resíduos sólidos é regulamentada pelas legislações brasileira e
japonesa, com amplitude tal a abranger os pontos críticos e fundamentais ao bom
funcionamento dos sistemas de gestão e operação de coleta e destinação de resíduos
sólidos.
No Brasil o governo federal sancionou várias leis e atualizou outras existentes
com o intuito de conscientizar a sociedade e regular a questão do processo de
reciclagem de resíduos. Uma importante atualização ocorreu na lei nº 9605 de 12 de
fevereiro de 1998. Após 21 anos tramitando foi aprovada em 2 de agosto de 2010, a lei
nº 12305/2010, instituindo a política nacional de Resíduos Sólidos.
Nesta nova lei consta a responsabilidade compartilhada entre o poder público, os
fabricantes e toda a sociedade para com o tratamento e disposição ecologicamente
correta de tais resíduos e pelo ciclo de vida do produto, que termina no pós-consumo e
está fundamentado no princípio do poluidor-pagador. Esta lei trata da disposição e
tratamento dos resíduos sólidos e entre outros temas, alternativas para a manutenção do
equilíbrio ambiental: gestão integrada dos resíduos sólidos (Art. 3º, lei 12305/2010-XI),
a responsabilidade compartilhada (Art. 3º, lei 12305/2010-XVII), a logística reversa
(Art. 3º, lei 12305/2010-XII), coleta seletiva e o incentivo para a associação de
cooperativas de catadores.
Cabe ressaltar o artigo 225-CF/88, que versa sobre o direito do ambiente
ecologicamente correto, “Todos tem o direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defender e preservá-lo para o presente e futuras gerações”.
Por outro lado, no Japão, em 1970 é aprovada a lei de Gestão de Resíduos
(Waste Management Law), com as seguintes definições: classificação de resíduos e os
padrões para tratamento, política nacional e programas regionais e municipais de gestão
de resíduos, disposições sobre tratamento dos resíduos municipais pelo município,
autorização de transporte e instalação de tratamento.
Em 2001 é aprovada a lei para regulamentar a reciclagem de eletrônicos que até
então eram despejados em aterros. Com a lei aprovada os fabricantes de eletrônicos do
Japão formaram cooperativas de reciclagem passando a coletar e reciclar máquinas de
lavar, televisores, condicionador de ar, refrigeradores e computadores.
Como se verá nos parágrafos seguintes, no entanto, entre a lei e a realidade
brasileiras a distância é bem grande, diferentemente do que ocorre no Japão.

4.1 Sobre a convergência das redes no Brasil


No Brasil as redes de material reciclável são constituídas basicamente pelas
cooperativas, por um agente organizador (como a Reciponto), por órgãos do governo,
por Ongs, por instituições religiosas e por grandes organizações (como Petrobras) que
dão apoio financeiro e de equipamentos. Essas redes legitimadas pelo governo atendem
a uma função social importante, já que os critérios de contratação se voltam exatamente
para aquelas pessoas desfavorecidas, ex-presidiário, ex-drogado, ou catadores de rua, ou
pessoas sem teto. Essas pessoas são treinadas para trabalhar na cooperativa, fazendo a
separação do material. Algumas cooperativas, como a Rede Paulista, se organizam a
ponto de também fazerem a coleta, mas isso é mais raro.
Para a venda do produto, as cooperativas recebem treinamento sobre
comercialização, geralmente oferecidos por professores de universidades, ou técnicos de
Ongs.
O conjunto de mecanismos da governança, portanto, visa à coesão do grupo para
atingirem objetivos sociais e comerciais. Os dados indicam que o comprometimento, no
sentido de agir coletivamente a ajudar os outros, é pouco desenvolvido no nível da rede
(das cooperativas e das outras organizações), sendo mais frequente na sub-rede dos
atores das cooperativas.
No contexto organizacional existem outros agentes como o antigo ferro velho,
que também coletam o material e vendem por preços baixos. As organizações terceiras
contratadas pelo governo para fazer toda a coleta da cidade realizam sua tarefa sem
nenhum interesse ou apoio às cooperativas e não tem comprometimento, simplesmente
enviando o material para onde lhe sugerem. Ocorre, com alguma frequência, que
caminhões com material reciclável levem o produto para depósitos comuns, conhecidos
como lixões, porque não havia outra orientação, ou destino. Segundo dados nas
entrevistas técnicas, 80% do material reciclável não são aproveitados.
Os consumidores têm papel passivo nessa rede, com alguns poucos bairros e
condomínios que fazem a separação antecipada do reciclável. Além disso, a sociedade
tem pouca cultura de sustentabilidade e limpeza, pois as ruas apresentam muito material
jogado no chão, a maioria sendo reciclável.
Resumindo sobre as redes no Brasil, afirma-se que não há cultura sobre o
reciclável; não há um campo organizacional de pressão para essas ações de
sustentabilidade; a coleta é feita sem o comprometimento dos agentes (prefeitura e
empresas terceiras) e as cooperativas de material reciclável não tem recursos e pessoas
suficientes para realizar a tarefa de coleta, separação, organização e comercialização do
material reciclado. A governança é estabelecida de tal forma a privilegiar a inclusão
social; o que leva a diferenças de dinâmica em cada rede, em cada cidade.

4.2 Sobre a convergência das redes no Japão


No contexto histórico o Japão inicia o processo para se tornar um país com
vocação para a sustentabilidade nas décadas de 1950 e 1960, fazendo um grande esforço
para superar os problemas de poluição, avançando na década de 1970 mesmo com a
crise do petróleo, conseguindo um equilíbrio entre o crescimento econômico e a
preservação ambiental através de desenvolvimento de tecnologia verde, mantendo-se
competitiva globalmente.
O Japão vive na década de 1960 um rápido crescimento de sua economia, com
aumento da produção e do consumo e consequentemente dos resíduos em massa.
Devido à limitação geográfica o lixo passa a ser um grande problema, principalmente os
descartáveis. Atualmente a maioria dos japoneses é consciente da importância de reduzir
o lixo e da forma que ele será descartado. Porém esta mudança de mentalidade ocorreu
de forma gradual, através de sistema de coleta seletiva de lixo introduzida pelos
municípios.
Nos parágrafos seguintes mostra-se que entre as leis, sua aplicação, a realidade e
a distância é curta, existindo cultura e comprometimento sobre a reciclagem.
No Japão há cultura de reciclagem e todo cidadão participa separando por tipo
de resíduo com descarte semanal nos postos de coletas distribuídos conforme a
densidade demográfica e coletada pela rede, envolvendo, prefeitura, empresas
contratadas, comunidade voluntária e comprometida com a manutenção, fiscalização
dos postos sem intermediários.
Em Tóquio, capital japonesa, desfazer-se do lixo adequadamente é lei e é
considerada uma das cidades mais limpas do mundo. O lixo é considerado como
problema de todo cidadão e deve ser separado para ser coletado. O sistema de coleta de
resíduo varia de região para região e os materiais podem estar divididos em até dez
categorias (de tampinhas até eletrodomésticos), sendo limitados em até 30 centímetros;
os maiores que esta medida são recolhido por serviço especial. Considerado uma
referência mundial em 2010 no campo da reciclagem, quando setenta e sete por cento
(77%) dos materiais plásticos foi reciclados, é resultado do amadurecimento de um
sistema que se valeu do envolvimento de toda a sociedade. A coleta das garrafas Pet que
no ano de 1995 não passava de três por cento (3%), neste mesmo ano chegou a setenta e
dois por cento (72%) e as de lata em torno de oitenta e oito por cento (88%).
Com uma população de 128 milhões de pessoas que produz 52 milhões de
toneladas de lixo vindas apenas de domicílios, incinera oitenta por cento (80%) do lixo
que produz e tal eficiência está ligada a falta de espaço para aterros, principalmente em
metrópoles como Tóquio, que desde a década de 1990 tem investido nas centrais de
incineração para diminuir a emissão de gases tóxicos.
As leis para reciclagem variam de cidade para cidade e se verifica que o cuidado
com o lixo é um fator fundamental na relação com os vizinhos que fiscalizam a
separação, isto é, são os próprios moradores que acompanham quem não está fazendo
corretamente, conforme testemunho de uma moradora da região metropolitana de
Tóquio.
A prefeitura de Yokohama, cidade localizada a 30 minutos de Tóquio, ao lançar
seu manual de instrução com quase 30 páginas que abrangem mais de 500 itens, recebeu
duras críticas da população, por ser radical, pois para descartar um batom o morador
precisa consultar o manual que indica que o tubo deve ser descartado junto a pilhas e
pequenos metais e o conteúdo ser retirado e descartado junto aos incineráveis. Apesar de
trabalhoso o processo de descarte, a população acostumada a regras rígidas de uma
sociedade onde o coletivo está acima do individual, aderiu ao processo e entre os anos
de 2001 e 2009 o lixo não reciclável caiu 42%.
O uso do manual é um processo de aprendizagem indicando que os plásticos
exigem maiores cuidados e devem ser divididos nas seguintes categorias: tubos,
garrafas (exceto os materiais Pets, que são tratadas separadamente), e separar as tampas,
rótulos; caixas e sacolas; recipientes e copos; bandejas, colheres cabides e pratos, ser
lavado e colocado em sacos próprios para serem recolhidos uma vez por semana.

4.3 Sobre as diferenças entre as duas redes


A primeira diferença importante entre os dois casos é que no Japão não existem
cooperativas de material reciclável no mesmo modelo do Brasil, isso porque todos os
cidadãos fazem a separação, colocam em locais específicos e o governo faz a coleta,
levando para grandes centros de enfardamento. De lá os produtos são vendidos para a
China. Em outras palavras, não há todo o aparato organizacional que existe no Brasil
para tratar do reciclável, seja socialmente, seja comercialmente. Essa é uma diferença de
campo organizacional, incluindo aspectos culturais e políticas públicas.
A segunda diferença está na governança sobre o tema. No Japão a cultura e as
regras de sustentabilidade estão claramente definidas, com as pessoas e as organizações
envolvidas realizando seu papel. Nessa situação não há necessidade de organizações
especificamente voltadas para essa tarefa. No Brasil, a união de objetivos sociais, com
políticos e comerciais leva à construção de uma governança sobre a tarefa. Essa
governança é instável, no sentido de cada grupo ter que construir a sua e lógicas
contraditórias convivem no mesmo espaço social.
A terceira diferença está no comprometimento. Os dados indicam que no Japão
as pessoas e as organizações estão comprometidas com a tarefa e não existem
comportamentos oportunistas. No Brasil o comprometimento maior é entre os
cooperados, já que as organizações cumprem suas tarefas comerciais e políticas. O
problema dos catadores de rua e dos sem teto, por exemplo, continua existindo.

4.4 Resposta ao problema de pesquisa


Os dados sustentam a proposição da diferença entre as redes do Brasil e do
Japão, quando se considera a cultura, no sentido de normas e valores do ambiente
organizacional; a governança e o comprometimento. A diferença na estrutura das redes é
tão grande, já que no Japão não existem cooperativas de material reciclável, que o
comparativo fica até um pouco prejudicado.

5. Conclusões
O trabalho discute dois assuntos importantes para a academia, para o governo e
para a sociedade. Um deles é a questão da eficiência e operacionalidade de redes e o
outro é a solução dos resíduos sólidos.
A união dos dois campos, no estudo da governança em redes de material
reciclável, mostra-se importante e justificada.
Por questões de interesse e contatos dos autores, decidiu-se realizar um
comparativo de redes no Brasil- São Paulo e Japão- Tóquio. A escolha revelou-se
acertada, pois ao final da coleta, surgiram distinções importantes, que levantam novos
questionamentos.
A pergunta principal da pesquisa foi sobre a conjunção dos fatores de cultura,
comprometimento e governança na operação e funcionalidade das redes de material
reciclável.
Os dois países são equivalentes na legislação, mas na prática estão bem
distantes. Enquanto que no Japão os resíduos sólidos são percebidos como um problema
de cada cidadão, que participa nos complicados processos de separação e descarte e a
prefeitura é capaz de recolher e destinar o material; no Brasil há todo um aparato
público e comercial para recolher o material deixado junto com os resíduos orgânicos,
sem cultura de sustentabilidade da população, sem comprometimento das organizações
terceiras que prestam serviços à prefeitura e sem um conjunto coeso de regras
(governança) entre as instituições e mesmo dentro das cooperativas, já que coexistem
lógicas que pressionam por resultados sociais, políticos, religiosos e comerciais.
Os resultados levantam a questão, ainda pouco investigada na literatura, sobre os
aspectos culturais envolvidos na eficiência das redes, sejam esses aspectos relativos à
população, como no caso de separação de material reciclável; sejam relativos às
instituições, como no caso de objetivos estritamente comerciais de algumas instituições,
como os compradores de material reciclável.
Outra relevante questão, que merece estudos mais aprofundados, refere-se à
construção da governança da rede. No caso brasileiro existem evidências que os
objetivos distintos (comerciais x sociais x políticos x religiosos) pressionam para a
construção de regras (por exemplo, aceitar pessoas com dificuldades) que podem criar
divergências entre os atores (por exemplo, no pagamento de horas trabalhadas). No
Japão nada disso existe porque o governo, com ajuda da população, dá conta do recado,
mesmo sendo uma grande quantidade de resíduos sólidos.
Conclui-se que a economia solidária, quando se refere à rede de atores na tarefa
do material reciclável no Brasil, não atinge, ainda, seus objetivos solidários (na ausência
do comprometimento), seus objetivos sociais (na solução do problema social dos
catadores de rua); e seus objetivos de inclusão comercial (apenas 12% do material
reciclável são aproveitados, comparado com 74% no Japão). Ficam lançadas as
sugestões de novas pesquisas.

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