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Artigo Comparativo Redes Brasil Japao Vfinal PDF
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Resumo
O objetivo é analisar e comparar os processos de reciclagem na perspectiva de redes no
Brasil e no Japão. A proposição orientadora é que cultura, comprometimento e
governança diferenciam estas redes. Dados secundários indicam que no Japão há cultura
de reciclagem e todo cidadão participa separando o material reciclável a ser descartado
por tipo de resíduo, com descarte semanal nos postos de coletas distribuídos conforme a
densidade demográfica. A rede de coleta envolve a prefeitura, empresas contratadas,
comunidade voluntária e comprometida com a manutenção, fiscalização dos postos e
não existem intermediários. O material coletado é integralmente vendido para fora do
Japão. No Brasil não há cultura sobre o reciclável, poucos cidadãos separam os
resíduos. A coleta é feita com pouco ou nenhum comprometimento dos agentes,
especialmente sobre horários e cuidados no manejo, e as cooperativas de material
reciclável não tem recursos e pessoas suficientes para as tarefas de coleta, separação,
armazenagem e comercialização dos resíduos sólidos. O funcionamento da rede é
diferente em cada cidade, com intermediários, oportunismo e assimetrias de interesses.
Os dados sustentam a proposição que a tarefa exige cultura da população,
comprometimento dos agentes e governança que torne a rede funcional.
1. Introdução
O formato de redes aparece cada vez com mais frequência nos negócios,
políticas públicas e ações sociais (Castells, 1999; Nohria e Eccles, 1992).
As redes são, basicamente, grupos de organizações que agem em conjunto para
atingirem um objetivo comum; a partir de problemas comuns. Em redes de negócios, a
cooperação coloca-se acima da competição. Em redes de políticas públicas, a hierarquia
dá lugar à democracia na implantação de planos.
Para um conjunto de organizações ser considerada uma rede é preciso que se
encontrem determinadas características, que a tornem distinta de formatos hierárquicos,
onde o poder é centralizado; ou de formatos de mercado, onde a competição é a regra do
relacionamento. De uma maneira geral, as organizações devem se comprometer nos
trabalhos conjuntos; criar um sistema de regras para essas ações coletivas; promoverem
partilha de informações e materiais; e conseguirem resolver problemas que
isoladamente cada qual não conseguiria.
De um modo mais específico, é esperado que no formato em rede estejam
presente as características de:
(a) Relações de interdependência. Cada ator tem um recurso que o outro necessita, de tal
forma que as trocas favoreçam os dois lados e o próprio grupo, na realização dos
processos.
(b) Complexidade de tarefa. Significa que a especialização leva ao trabalho conjunto. A
complexidade pode se apresentar como sincronismo (tarefas simultâneas), ou temporais
(eventos numa sequência). Em qualquer caso, a falha de uma parte significa a falha da
tarefa toda.
(c) Complexidade de inovação. Significa que as tarefas necessitam de adaptações e
inovações e que com vários atores a solução ocorre mais facilmente.
(d) Existência de problemas comuns que unam os envolvidos e os movam em busca de
objetivos coletivos.
(e) Consciência de ação coletiva em contraponto à ação isolada. Significa a mudança do
paradigma do empreendedor solitário para o paradigma do grupo.
(f) Existência de regras (a governança), especialmente as regras criadas pelo próprio
grupo. Entre as regras básicas estão as regras de inclusão e exclusão; de partilha; de
representação e de controle. O objetivo da governança é controlar o comportamento
oportunista e criar as condições de um trabalho coletivo sem resistências, atrasos,
conflitos e desvios.
(g) Relações predominantes de confiança, comprometimento e cooperação no grupo,
construtos fundamentais para a configuração de redes. Cada rede se organiza de uma
forma distinta, conforme a presença dessas características e conforme o contexto social
de hábitos, rotinas, valores e ética da sociedade em que a rede está inserida.
Quando se considera o campo de material reciclável, surgem objetivos múltiplos,
tais como objetivos de sustentabilidade, objetivos políticos (de políticas públicas
ambientais), objetivos sociais/solidários (inclusão de pessoas desfavorecidas) e
objetivos comerciais (o reciclável como produto de venda).
Considerando essa multiplicidade de objetivos e as diferenças de contexto, o
artigo busca investigar as diferenças das redes de material reciclável em São Paulo, no
Brasil e na cidade de Tóquio, no Japão.
A proposição orientadora é que existem diferenças fundamentais e que elas
ocorrem basicamente por diferença do contexto, especialmente nas rotinas, hábitos,
valores e ética das duas regiões; no comprometimento e na governança dos atores
envolvidos.
Dados iniciais de fontes secundárias indicam que no Brasil existem redes de
material reciclável com apoio do governo, com componente solidário e de inclusão
social e que no Japão não existem essas redes, já que a população separa todo o
material, coloca em caçambas espalhadas pela cidade e a prefeitura recolhe, sem
necessidade de outras organizações intermediárias.
2. Teoria de base
O conceito de redes não é convergente na produção acadêmica e ele pode ser
agrupado em três grandes perspectivas: racional, econômica e social, todas dentro do
guarda-chuva da afirmativa da sociedade em rede.
A ideia da sociedade em rede é apresentada por Castells (1999), afirmando que
os segmentos sociais contemporâneos estão organizados em rede, difundidos
mundialmente, permitindo a conexão entre todos. Essas conexões são adaptadas
conforme as circunstâncias e os meios de interação da rede, ou seja, a rede adapta-se às
necessidades locais, podendo se alterar, enrijecer ou flexibilizar suas normas, estruturas,
ou sua própria cultura para sustentar os elos entre os atores. Cultura e configuração da
rede, portanto, estão associadas.
A abordagem racional se baseia nos arranjos cooperativos, afirmando que as
redes nascem e existem para a solução das dependências de recursos e da posição
competitiva das organizações. Autores como Grandori e Soda (1995), Provan e Kenis
(2008) e Ebers e Jarillo (1997) abordam o conceito em seus estudos.
O paradigma econômico tem como principal autor Williamson (1985), que
afirma que o formato de redes proporciona solução para os custos transacionais, através
da criação de contratos explícitos que parametrizam os acordos.
A perspectiva social define as redes como teias sociais de relacionamento, que
direcionam e influenciam as ações técnicas e comerciais. As categorias principais de
relações são a confiança, a cooperação, o comprometimento e o poder (DiMaggio e
Powell, 1983; Granovetter, 1985; Gulati, 1998). O projeto aceita e utiliza a abordagem
social como matriz para a análise e compreensão das redes investigadas.
2.1 Teoria Social de Redes
A abordagem social de redes inclui vários autores e conceitos. Para o presente
estudo seguem-se as afirmativas de Granovetter (1985), Zaheer (1995), Gulati (1998), e
DiMaggio e Powell (1983) sobre as relações sociais serem a base da união entre os
atores, formando uma matriz relacional que direciona as ações, decisões, processos e
comportamentos dos atores da rede. Um dos processos originados por essa teia
relacional é a construção gradativa das regras de um grupo.
Para Granovetter (1985) a categoria central dessa teia relacional é o
comprometimento, entendido como a disposição de cada ator em valorizar e considerar
os objetivos coletivos e agir em função do grupo, evitando comportamentos
oportunistas.
A abordagem social, portanto, tem como princípio orientador as relações sociais,
a construção de uma teia social que influencia os processos na rede e o comportamento
dos atores. A partir dessa teia social surge a governança que estabelece mecanismos de
controle e incentivos para as ações coletivas.
3. Metodologia
A pesquisa é de natureza descritiva (Gil, 2008) buscando retratar o mais
fielmente possível as características de determinadas populações ou fenômenos. A
abordagem de investigação é qualitativa (Minayo, 2001), investigando variáveis de tais
motivos: aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço amplo
de relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser mensurados por
métricas.
Para buscar a resposta da proposição foram coletados dados secundários das
seguintes fontes: (a) pessoal técnico no Brasil, que auxilia na gerência de redes de
material reciclável; (b) pessoal técnico do Japão, que participa da organização e coleta
de material reciclável; (c) Sites do governo brasileiro, sobre como deve operar uma
cooperativa de material reciclável; (d) Consulta em matérias de jornais e revistas
digitais sobre o tema, comparando sistemas de reciclagem nos países.
Sobre os textos realizou-se uma análise de conteúdo, conforme a técnica de
análise de conteúdo de Bardin (2011). Conforme essa técnica, nos discursos deve-se
buscar as convergências e também se buscam as divergências, que servem de
parâmetros de comparação.
Assim, por um lado construíram-se as convergências dos discursos
exclusivamente brasileiros, ou japoneses, para que cada um ficasse caracterizado; e
buscaram-se as divergências no comparativo entre as regiões consideradas.
O material reciclável que foi investigado é o originado no uso doméstico. O
material reciclável industrial não foi considerado.
5. Conclusões
O trabalho discute dois assuntos importantes para a academia, para o governo e
para a sociedade. Um deles é a questão da eficiência e operacionalidade de redes e o
outro é a solução dos resíduos sólidos.
A união dos dois campos, no estudo da governança em redes de material
reciclável, mostra-se importante e justificada.
Por questões de interesse e contatos dos autores, decidiu-se realizar um
comparativo de redes no Brasil- São Paulo e Japão- Tóquio. A escolha revelou-se
acertada, pois ao final da coleta, surgiram distinções importantes, que levantam novos
questionamentos.
A pergunta principal da pesquisa foi sobre a conjunção dos fatores de cultura,
comprometimento e governança na operação e funcionalidade das redes de material
reciclável.
Os dois países são equivalentes na legislação, mas na prática estão bem
distantes. Enquanto que no Japão os resíduos sólidos são percebidos como um problema
de cada cidadão, que participa nos complicados processos de separação e descarte e a
prefeitura é capaz de recolher e destinar o material; no Brasil há todo um aparato
público e comercial para recolher o material deixado junto com os resíduos orgânicos,
sem cultura de sustentabilidade da população, sem comprometimento das organizações
terceiras que prestam serviços à prefeitura e sem um conjunto coeso de regras
(governança) entre as instituições e mesmo dentro das cooperativas, já que coexistem
lógicas que pressionam por resultados sociais, políticos, religiosos e comerciais.
Os resultados levantam a questão, ainda pouco investigada na literatura, sobre os
aspectos culturais envolvidos na eficiência das redes, sejam esses aspectos relativos à
população, como no caso de separação de material reciclável; sejam relativos às
instituições, como no caso de objetivos estritamente comerciais de algumas instituições,
como os compradores de material reciclável.
Outra relevante questão, que merece estudos mais aprofundados, refere-se à
construção da governança da rede. No caso brasileiro existem evidências que os
objetivos distintos (comerciais x sociais x políticos x religiosos) pressionam para a
construção de regras (por exemplo, aceitar pessoas com dificuldades) que podem criar
divergências entre os atores (por exemplo, no pagamento de horas trabalhadas). No
Japão nada disso existe porque o governo, com ajuda da população, dá conta do recado,
mesmo sendo uma grande quantidade de resíduos sólidos.
Conclui-se que a economia solidária, quando se refere à rede de atores na tarefa
do material reciclável no Brasil, não atinge, ainda, seus objetivos solidários (na ausência
do comprometimento), seus objetivos sociais (na solução do problema social dos
catadores de rua); e seus objetivos de inclusão comercial (apenas 12% do material
reciclável são aproveitados, comparado com 74% no Japão). Ficam lançadas as
sugestões de novas pesquisas.
Referências
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DiMaggio, P.; Powell, W. The iron cage revisited: Institutional isomorphism and
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