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O design e a representabilidade dos signos dentro da

World Wide Web


Jorge Lucio de Campos, Wallace Vianna da Silva∗

Índice nosso cotidiano implica em investigar as ba-


ses de sua inserção em um contexto maior
1 Introdução 1 - para além das fronteiras do design propri-
2 Existe uma linguagem característica amente dito - cuja lógica remete, historica-
da World Wide Web? 4 mente, aos primórdios da revolução indus-
3 Existe uma estética própria na World trial.
Wide Web? 5 Como afirma Cardoso,1 o processo de in-
4 Dicotomia nos signos da World Wide dustrialização acarretou mudanças mais in-
Web 6 cisivas do que a simples reelaboração dos
5 Caráter simbólico e literal 8 métodos produtivos. O incremento do con-
6 Considerações finais 10 tingente de indivíduos vivendo em espaços
7 Referências bibliográficas 11 reduzidos alteraria a natureza de suas inter-
relações. Entre as mercadorias cujo con-
“O real não é verdadeiro, ser já o contenta”
sumo aumentou, a partir do século XIX, es-
H. Atlan
tão os impressos de toda espécie. Tais mu-
danças geraram desafios quanto à organiza-
1 Introdução ção e à apresentação das informações. En-
tre eles, o de como sinalizar, adequadamente,
Falar da imagem na internet é falar dos ter-
a geografia expandida das cidades e o de
mos – segundo regras e atendendo a escopos
como comunicar, para um público anônimo,
bastante específicos – de sua concepção e de
os préstimos de produtos não conhecidos.
sua fabricação pelo homem contemporâneo.
Assim sendo, diversos avanços de ordem tec-
Por outro lado, entender suas relações com o
nológica vieram possibilitar, na expectativa

Jorge Lucio de Campos é Doutor e Pós-Doutor de resolver estas e outras questões, a cria-
em Comunicação e Cultura (História dos Sistemas de ção de veículos informacionais como os car-
Pensamento) pela UFRJ (1996). Mestre em Filosofia tazes, as embalagens e as revistas.
(Estética) pela UFRJ (1988). Graduado em Filosofia
pela UFRJ (1981). Professor do Programa de Pós-
Entre as ainda incipientes tentativas de
graduação (Mestrado) em Design da ESDI/UERJ. justapor o textual e o imagético - caracte-
Wallace Vianna da Silva é Aluno do Programa de Pós- 1
R. Cardoso. U ma introdução à história do de-
Graduação em Design (Mestrado) da ESDI/UERJ.
sign, pp. 38-9.
Designer graduado pela ESDI/UERJ.
2 Jorge Campos, Wallace Silva

rísticas do início do oitocentos - e as sofis- gem quanto a auto-imagem do consumidor-


ticadas programações que viriam à luz adi- usuário.
ante, existem diferenças não só no que tange Seja como for, não resta dúvida de que,
o registro tecnológico. O impacto da téc- hoje em dia, a imagem e a inserção do pro-
nica fotográfica sobre a comunicação visual duto se tornaram tão importantes quanto sua
se deu, igualmente, num plano conceitual e o construção e sua configuração e que, por-
período foi marcado por uma crescente valo- tanto, design, marketing e tecnologia passa-
rização sociocultural e econômica das ima- ram a andar juntos na era do capitalismo tar-
gens já que a fotografia se, por um lado, re- dio. Os críticos contundentes do marketing
matava o processo de sua transformação em moderno costumam dizer que, à medida que
mercadorias abundantes e baratas, pelo ou- aumentam as opções de consumo, não resta
tro, as privava de parte de seu tradicional ao consumidor outra saída que a de consu-
peso simbólico. mir mais. Uma das marcas registradas da
O pós-guerra foi marcado pela consolida- pós-modernidade (ou, quem sabe, da hiper-
ção de mídias relativamente novas – como o modernidade)2 seria o pluralismo, ou seja,
cinema e o rádio - ou inteiramente novas – uma abertura generalizada para as posturas
como a televisão. Na música e no cinema, novas e uma tolerância efetiva para as diver-
o disco (hoje o CD ou o DVD) acabaria se gentes.
tornando tão-somente um veículo para o ver- Diante das transformações ocasionadas
dadeiro produto que era a informação. Tal pelas últimas tecnologias, a distinção tradici-
ascensão do entretenimento a um status assu- onal entre design gráfico e design de produto
midamente econômico foi, por muitos anos, tende a se esvaecer. Quando um designer é
tratada como uma exceção às regras da pro- contratado para criar uma homepage ou um
dução industrial que costumava ser pensada, site na internet, gera um produto que, em-
sobretudo, em termos de bens duráveis. Com bora não seja gráfico − no sentido (da) im-
a ampliação da informática nas últimas duas pressão - e nem um produto - no sentido de
décadas, passou-se a perceber que os con- ser um artefato tangível - é tanto produto no
ceitos tradicionais de produto e design ha- sentido de ser uma mercadoria, quanto grá-
viam quase atingido os limites de suas pró- fico no sentido de estar voltado para a trans-
prias contradições. missão de informações.
Foi a partir da década de 1950 que a pu- Uma das peculiaridades desse estado de
blicidade se assumiu como um fenômeno, coisas ambíguo é que, “curiosamente, o ob-
simultaneamente, cultural e econômico. A jeto virtual acaba sendo gerado por um pro-
introdução da televisão, nesta mesma época, cesso muito mais artesanal do que (...) indus-
ajudou a consolidar uma relação entre o de- trial.”, ficando claro “que esse tipo de pro-
sign, a publicidade e o marketing. Foi em dução se encaixa (...) em uma evolução de
torno dela que se cristalizou o que foi cha- ordem industrial (...), porém tardia”. Se, por
mado de lifestyle ou “estilo de vida”. Trata- um lado, “a difusão mundial do modelo con-
se da idéia de que uma mercadoria é uma sumista americano (...) depende da expansão
peça inserida em toda uma rede de associ- 2
G. Lipovetsky, Os tempos hipermodernos.
ações e atividades que geram tanto a ima-

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contínua da produção e do consumo (...)”, cidade e pelo olhar como forma de consu-
este “mesmo ímpeto consumista que mantém mismo.
o sistema em funcionamento é responsável Muitos consideram a fragmentação visual
pelo agravamento dos problemas ambientais como um fenômeno típico da era eletrônica,
(...)”; cabendo, portanto, “ao designer (...) porém suas raízes remetem, no mínimo, ao
projetar soluções capazes de conciliar esses século retrasado. A evolução desse processo
dois pólos aparentemente inconciliáveis”.3 de fragmentação da informação pôde ser per-
A idéia de fragmentação que acompanha cebida no campo gráfico muito antes da in-
a estética da internet tem suas origens num trodução propriamente dita das tecnologias
passado recente. eletrônicas. Toda uma seqüência de técnicas
e processos para a manipulação do texto e
Na era eletrônica, o objeto já não pode ser da imagem – que inclui a litografia, a roto-
considerado uma unidade integral, nem do gravura, o fotolito, o offset e outros recursos
ponto de vista técnico e muito menos do gráficos tradicionais – já envolvia a possibi-
ponto de vista estético. (...) A incompatibi- lidade de “quebrar” e, depois, recompor nú-
lidade de qualquer coisa com qualquer outra
cleos de informação preexistente sem novas
coisa talvez esteja prestes a passar, conforme
combinações, da colagem à história em qua-
atesta um universo sempre em expansão de
filmes e videogames, em que todos os temas
drinhos.
e tratamentos se misturam sem nenhum com- Seja olhando para um outdoor, a partir de
promisso com (...) a realidade, mas apenas um trem em movimento, ou passando em
(...) (com) o realismo da experiência repre- revista os canais de televisão, a velocidade
sentada.4 do olhar moderno pressupõe um processo de
fragmentação e de sobreposição de imagens.
O mundo da era da informação é com- Enquanto um meio de comunicação, a web
posto por visões parcelares e por fragmentos lida, em função de sua conformação híbrida,
visuais cuja totalidade só pode ser reconsti- concomitantemente, com aspectos práticos e
tuída na mente de cada um e de modo passa- simbólicos, comunicando valores de repre-
geiro. O grande símbolo de nossa época tal- sentabilidade concreta através de meios ima-
vez seja mesmo a internet. Aquela fragmen- teriais (imagens, sons, redes sociais, etc.).
tação se manifesta, com clareza, na veloci- Se tivéssemos que associá-la à figura de um
dade com que a superabundância de informa- animal, o camaleão seria uma escolha ade-
ções disponíveis vai, continuamente, sendo quada, já que, a exemplo deste, ela pode ou
acrescida de outras informações condenadas não ser vista, conforme a situação e a ne-
à insignificância em razão do espaço propor- cessidade, como um objeto visual; enquanto
cionalmente ínfimo que conseguem ocupar. um ser vivo, se adapta a qualquer ambiente
Na verdade, o final do século XX definiu-se novo; enquanto um objeto simbólico repre-
pela saturação imagética, pela poluição vi- senta conceitos como a permeabilidade, a
sual, pelo bombardeio semiótico da publi- adaptabilidade e a evolução (mutação), que
3
parecem ser características cada vez mais ne-
R. Cardoso, op. cit.
4
Id. ibid.
cessárias num mundo globalizado e ultra-
competitivo.

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4 Jorge Campos, Wallace Silva

2 Existe uma linguagem De fato, o conteúdo da web era, no início,


característica da World Wide basicamente “textual”, estruturado em links
(“vínculos”) e hyperlinks (“hipervínculos”),6
Web?
um texto remetendo a outros, numa cadeia
A designer Valéria London colocou, numa que a Wikipedia ilustra bem.7 Com os des-
de suas palestras, que os sites existentes dobramentos tecnológicos, novos programas
eram, esteticamente, tão “semelhantes” en- para acessar conteúdos – os browsers (“nave-
tre si que, em termos de design, “não havia gadores”) – surgiram, permitindo a visuali-
o que se comentar” sobre o assunto. A in- zação de um conteúdo multimidial: imagens,
ternet explodia, então, comercialmente, no áudio, vídeo e animações passaram a exigir
mundo, muito se produzindo, por igual, por uma melhor elaboração do layout das pági-
toda parte do planeta. Tal ponto de vista nas. As tecnologias surgidas a partir daí per-
ainda é compartilhado por bom quinhão dos mitiram que uma página da web se tornasse
profissionais da área. Cardoso observa que, tão elaborada quanto uma página de revista
independentemente dos ou de jornal impresso. A metáfora de página
de livro cedeu lugar à metáfora do conteúdo
desafios do hipertexto, da navegação, da in- de publicação diária. A biblioteca acadêmica
teratividade e da conjugação das linguagens cedeu lugar à banca de jornais, o jogo de pa-
gráficas com o som e a imagem em movi- pel e o cartão impresso foram substituídos
mento, (..) boa parte da produção na área de pelos videogames.
webdesign já começa a empregar estratégias Esse caminho veio a ser de mão dupla: as-
produtivas repetitivas ou previsíveis, (sendo
sim como a web se apropriou da estética de
que.) a própria metáfora de “navegar” na rede
mídias anteriores (como sempre ocorre no
(em inglês, emprega-se o termo “surfar”) re-
mete a uma noção de deslizar pela superfície
surgimento de uma nova mídia) elementos tí-
sem nunca se aprofundar ou inovar, nem ir picos da web - barras de informação textual
além.5 e informação organizada em menus – passa-
ram a invadir tudo, da televisão às capas das
Se formos analisar o fenômeno do ponto 6
Podemos diferenciar link (“vínculo”) de hiper-
de vista da comunicação visual, percebere- link (“hipervínculo”) até pela estrutura gramatical do
mos a existência, ao longo dos anos, de uma termo: os vínculos remetem a ligações de curto al-
corrida, quase em paralelo, entre a tecnolo- cance (partes de um texto ou de páginas relaciona-
gia, a moda e as necessidades. Assim como das a um mesmo assunto) e os hipervínculos sugerem
ligações de hipertexto, remetendo para fora daquele
a tecnologia no meio analógico chegou a de- documento ou assunto, numa rede de computadores.
finir, em alguns momentos, a própria apre- 78
Ao procurar na Wikipédia brasileira o termo
sentação do design (antes da invenção do cli- “presidente dos Estados Unidos” encontramos Wil-
chê tipográfico reticulado para fotos, o de- liam Jefferson Clinton (Bill Clinton). Descobrimos
que este nasceu a 19 de agosto de 1946, que é a data
sign das páginas de jornal feitas em tipogra-
do ducentésimo trigésimo primeiro dia do ano no ca-
fia era, essencialmente, um “texto”), na inter- lendário gregoriano que, por sua vez, também é o dia
net, as coisas ocorreram de modo parecido. de nascimento do quadragésimo segundo presidente
5
norte-americano, no caso, Bill Clinton.
Id. ibid.

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revistas de histórias em quadrinhos. Hoje, das de suas antecessoras. Esse camaleão te-
quando se fala de “estética de internet”, se ria, portanto, como característica não ter um
fala, na verdade, de uma estética herdada dos rosto ou seu rosto seria uma colagem de ex-
jogos eletrônicos, da mídia impressa jorna- pressões várias? Peguemos, como exemplo
lística, da televisão e do CD-ROM. Esta, por a televisão, a sua antecessora mais recente
sua vez, ao reunir estes e outros elementos, ou direta. A TV surgiu da reunião de mídias
implementou uma linguagem própria, ao in- como o teatro, o rádio, o cinema e a publici-
corporar também a interatividade. O leitor- dade. Mesmo sendo híbrida, sua polivalência
espectador deixou de ser um receptor pas- criou uma nova linguagem, a televisiva, que
sivo, podendo agora, inclusive, interferir no subentende um naturalismo “editado”. Se-
conteúdo acessado, seja acrescentando co- ria então a web uma multimídia eletrônica?
mentários, seja personalizando páginas que, É possível dizer que sim, à maneira da TV
amiúde, altera, gerando conteúdo inéditos, aberta, só que interativa. Sua estética, por
algo que as outras mídias apenas faziam - ou conseguinte, seria típica dos meios digitais
tentavam, indiretamente, fazer – com o uso atuais, ou “tranversal pós-massiva”, como já
de duas mídias em paralelo (televisão e tele- sugerira André Lemos.8 Nesse sentido, se-
fone, rádio e e-mail, etc). ria facil entender a busca da interatividade
Tal linguagem interativa é, pode-se dizer, nas demais mídias, assim como o surgimento
hoje em dia, a principal característica da de programas interativos na TV, ao mesmo
web, o fator que, com efeito, a distingue dos tempo que a explosão comercial da internet
demais meios de comunicação. Mas, ainda no nível mundial.
assim, o que se deseja comunicar com ela?
Provavelmente está ligada à mensagem que
3 Existe uma estética própria na
se busca passar. Num mundo cada vez mais
baseado em imagens (que não aboliu, porém, World Wide Web?
a palavra no seu sentido estrito), pode-se di- Se cada mídia contém elementos que a carac-
zer que a linguagem tem, sobretudo, o pa- terizam por si mesma, ao analisar as páginas
pel (ou o poder) de cativar ou de manipular da web se percebe que os ícones possuem
a audiência, mais até do que de informá-la. uma função análoga aos sinais de trânsito.
Nesse sentido, a web objetivaria ser “a mídia Assim como estes têm por finalidade orien-
das mídias”, ao sintetizar, nela mesma, o rá- tar o fluxo de automóveis e pedestres, aque-
dio, a televisão, o telefone, a revista, o jornal, les têm por função orientar a navegação dos
o livro e o clube. A lista se tornará interminá-
8
vel se acrescentarmos subcategorias como os Cf. palestra “A cultura além do digital”, profe-
rida em 9 de dezembro de 2006 no Senac/Cultcom,
DVDs, os cartazes, as publicidades, as músi- Copacabana, Rio de Janeiro. O termo remete à
cas. Uma linguagem que dê conta disso tudo idéia de que as mídias digitais têm um caráter de
tem que ser, por excelência, multimidial. cruzamento, de convergência, numa época onde os
Ora, se a internet consegue ser todas as meios de comunicação massa são, essencialmente,
mídias, sem ser nenhuma em especial, é, na pós-modernos (que subentende a recuperação de va-
lores antigos no contexto moderno).
verdade, uma “nova velha mídia”. Sua lin-
guagem pressuporia outras, ainda que herda-

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internautas. Mas a analogia poderia parar aí, 4 Dicotomia nos signos da World
pois, no meio “físico”, os sinais se relacio- Wide Web
nam com o espaço tridimensional, se articu-
lando como uma referência e um referente, A web é uma mídia essencialmente 2D. Com
diversamente do (atual) espaço bidimensio- a evolução da tecnologia, elementos bidi-
nal da web. Não há como relacionar elemen- mensionais começaram a ser apresentados
tos neste espaço como se costuma fazer no sugerindo, estática ou animadamente, um
mundo real. falso plano 3D. Cabe aqui discutir como os
A estética da web seria um espaço seme- signos visuais e linguísticos se articulam e
lhante a um tabuleiro de damas, onde se pode também sua interação no meio, digital ou
caminhar, linearmente, num mesmo plano, não, de comunicação. As coisas podem ter
e o conteúdo se sobrepõe em pilhas como uma relação de semelhança ou de similitude,
peças de dimensões idênticas. A ausência como explica, o pintor belga René Magritte
de planos é relativa, uma vez que as ima- numa carta endereçada, em maio de 1966, ao
gens (ou as janelas) se superpõem indefini- pensador francês Michel Foucault:
damente. Como não há profundidade real
As palavras Semelhança e Similitude permi-
no espaço da web, tudo ali acaba, de certo
tem sugerir com força a presença – abso-
modo, sendo “raso” (quanto ao significado) lutamente estranha – do mundo e de nós.
e “infinito” (a quantidade de informação ar- Entretanto, creio que essas duas palavras
mazenada). não são muito diferenciadas, os dicionários
Por ser um apanhado de tudo que havia não são muito edificantes no que as distin-
antes, essa estética é uma colcha de reta- gue. Parece-me que, por exemplo, as ervilhas
lhos muito bem costurada. Portanto, não possuem relação de similitude entre si, ao
há como descrevê-la, linearmente, ou de uma mesmo tempo visível (sua cor, forma, dimen-
maneira uniforme. A melhor metáfora talvez são) e invisível (sua natureza, sabor, peso). O
seja a de um mosaico, de um quebra-cabeça mesmo se dá no que concerne ao falso e ao
ou de sistema não-linear qualquer - como o autêntico etc. As ‘coisas’ não possuem en-
próprio hipertexto pressupõe - mas que, ao tre si semelhanças, elas têm ou não têm si-
final, cria um tipo de unidade “em sí”. A militudes. Só ao pensamento é dado ser se-
reunião, numa mesma página, de fotografia melhante. Ele se assemelha sendo o que vê,
ouve ou conhece, ele torna-se o que o mundo
e de texto, suscita uma unidade (e uma inte-
lhe oferece. 10
ração) diferente da se reunir uma animação
com áudio, e assim por diante. Essa frag- A imagem e o texto podem ter similitu-
mentação acaba por definir uma estética que des (nos planos do conteúdo e da percepção)
surge “no momento” da interação com esse na medida em que a primeira pode ser lida
veículo e não antes.9 como um texto e vice-versa, conforme sua
9
Na maioria dos sites de notícias o conteúdo
tempo real. Isso permite, entre outras coisas, a per-
(texto, fotos, vídeo, animações) existe em separado,
sonalização rápida do layout das páginas, seja pelo
reunido pelo intermédio de bancos de dados. Ao esco-
lado do criador do site ou do lado do leitor (como no
lher determinada informação esse conteúdo é “mon-
caso dos Blogs).
tado” pelo banco de dados para o internauta, em 10
M. Foucault, Isto não é um cachimbo, p. 28.

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apresentação ou sua interpretação. A esse sentido textual para assumir o papel de li-
respeito, Jorge Lúcio de Campos11 coloca nhas estruturantes. Um leque hermenêutico,
que são oferecidos dois níveis de leitura e que estaria fechado num interior significante,
de interpretação: relação de dupla captura, é, enfim, ardilosamente, aberto e tornado
entre o texto e a imagem, sub-repticiamente freqüentável (...) é preciso que haja uma su-
configurada, em ambos os quadros, pelas bordinação: ou o texto será regrado pela ima-
possibilidades lógico-semiológicas de consi- gem (...) ou a imagem o será pelo texto (que
deração simultânea de uma “imagem escrita” o desenho vem completar, como se encur-
(regida pela verossimilhança lingüística) e tasse um caminho que as palavras estariam
de uma frase “pintada” (regida pela verossi- encarregadas de representar). O signo verbal
milhança plástica). O conceito de caligrama e a representação visual jamais seriam dados
- caligrafia e ideograma, texto e imagem - faz de uma só vez. Sempre uma ordem os hie-
sentido neste ponto de vista. rarquizaria, indo da forma ao discurso ou do
Campos acrescenta que a inevitável rela- discurso à forma (...) Tratar-se-ia (...) do cru-
ção entre o texto e o desenho faz lembrar zamento, num mesmo tecido, do sistema da
uma operação caligramática, em que pala- representação por semelhança e da referên-
vras e imagens se completam para dizer algo cia pelos signos – o que supõe que eles se en-
em conjunto, com as linhas composicionais contram num espaço completamente diverso
conformando-se a partir do que é descrito daquele.
textualmente. Os caligramas, por sua na- Segundo Mihaly Csikszentmihalyi e Eu-
tureza híbrida, garantiriam uma dupla cap- gene Rochberg-Halton, a ambigüidade das
tura da qual não são capazes os discursos relações do homem consiste no fato de que
por si sós e os desenhos em sua pureza vi- este “não é apenas um homo sapiens ou um
sual. Comportar-se-iam antes como uma es- homo ludens, mas também um homo faber,
crita que lança no espaço a visibilidade pro- simultaneamente, “fazedor” e usuário de ob-
vável de uma referência, invocando os sig- jetos. Sua subjetividade é, de certa forma,
nos, do âmago da imagem que configuram um reflexo das coisas com as quais inte-
– por um recorte de sua massa na página – rage”.12 Sendo assim, os objetos também fa-
aquilo de que falam. riam e usariam seus criadores e usuários na
Do passado caligráfico, as palavras con- manutenção do sistema do status e do sis-
servariam sua derivação linear e seu estado tema (de diferenciação social) em si.
de coisa desenhada. Contudo, sob tal ótica, Para Luiz Antonio Coelho,13 os objetos te-
não passariam de palavras que “desenham” riam o poder de induzir e refletir as qualida-
outras palavras, de um texto em forma de des que, simbolicamente, representam, pois
imagem. Ao lermos o texto, não perce- 12
M. Csikszentmihalyi e E. Rochberg-Halton, The
beremos o (seu) desenho e, ao olharmos o meaning of things. Domestic symbols and the self, p.
desenho, as palavras parecerão perder seu 1.
13
11
L. A. Coelho, “Objeto com afeto”. In: G. C.
J. L de Campos, “Eis dois cachimbos: Roteiro Lima. (org.). Textos selecionados de design 1, pp.
para uma leitura foucaultiana de Magritte”, pp. 21- 154-77.
39.

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nos representam em dois níveis, enquanto re- de paciência” em relação ao texto teve vez,
flexo e indutor, para nós mesmos e para o so- assim como uma tendência a lê-lo mais dis-
cial. Isso por que transferimos sonhos e ex- plicentemente, (pois) o scrolling (rolagem)
pectativas para o objeto. Tanto em sua fabri- facilitou o acaso da leitura.
cação quanto em seu uso, refletimos nossas Mas qual seria o limite desse processo,
tendências e apreço pessoal e social. O ele- que visa a diferenciação extrema dos objetos
mento que propicia esta postura é a tecnolo- (já reduzidos a imagens) e a individualização
gia, a mesma que fez prevalecer a estandardi- absoluta em sua produção? A solução talvez
zação, trazendo a automação para o processo fosse a busca de uma negociação homeostá-
(produtivo) agora aponta para o seu reverso. tica entre os dois extremos desintegradores:
Coelho lembra que deixamos rastros na o da massificação robotizante e do atomisno
passagem pela vida. Rastros do que fazemos, exacerbado. Nesse sentido o equilíbrio esta-
no que fazemos e de como fazemos. Os ves- ria nas mãos da tecnologia adotada pela in-
tígios que deixamos impregnados nos obje- dústria (...), no designer, que medeia esses
tos podem ser, portanto, marcas semânticas, processos, e no objeto, que atua no centro
verdadeiros signos de época. Quando o ar- deste palco.
tesão estava próximo do usuário no período
pré-industrial, os aspectos simbólicos – além
5 Caráter simbólico e literal
do uso – fundiam-se no próprio uso. Com
a industrialização, houve uma ruptura nessa A apresentação da web em monitores CRT
relação de proximidade e, com ela, uma se- (convencional) e agora em LCD (tela fina, de
paração na semiose. Um determinado pro- cristal líquido) confere às imagens uma be-
duto ou classe enquanto signo passou a ser leza ou realismo antes exclusivos da fotogra-
um signo-gênero, superestrutural. fia, do cinema ou da TV. Esse caráter hiper-
Ele também lembra que, em uma fase pos- realista conferido pelas imagens da internet
terior do processo industrial (a partir dos é apenas um dos aspectos que explicariam o
anos 80), passou-se a contemplar a interven- fascínio da web em relação às mídias ante-
ção direta do usuário no processo de fabri- cessoras (a impressa, como o jornal).
cação. Aqui a idéia central reside no deslo- A importância de alguns objetos muda ao
camento da atenção do autor para o receptor, longo da vida, visto que a necessidade e o de-
do texto para a recepção, do fabricante para sejo de representar papéis também se modi-
o usuário e do produto para o uso. Por fim, ficam. É praticamente impossível consumir
do objeto de uso individual para o de uso co- produtos sem significados e, em consequên-
letivo havendo três funções (ou graus de im- cia, não comunicar ou exercer qualquer pa-
portância): a prática, a estética e a simbólica. pel ao adquiri-los e utilizá-los. Nada tem va-
O computador e seu texto virtual subver- lor por si mesmo. Este é outorgado por hu-
teram os aspectos simbólicos que afetam a manos, dependendo o valor de um produto
maneira como o objeto é visto pelo usuário. de seu lugar e tempo na sociedade de con-
Com o seu advento, a idéia do texto escrito sumo.
enquanto um corpo, uma realidade física, Para Coelho, o lado “prático” dessa sedu-
simplesmente, deixou de existir e uma “falta ção da imagem pode ser medida pelo con-

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sumo por ela gerado. O consumo é um fenô- manizadas. Isso leva ao conceito de “masstí-
meno simbólico e cultural que predomina so- gio”, combinação de (consumo de) “massa”
bre a necessidade, sendo o mais poderoso e “prestígio”, ou seja, “prestígio para as mas-
sistema de classificação social. É o sistema sas” um alto prestígio diferenciado para con-
que classifica as coisas e as pessoas. Desta sumo de massa, a preços mais altos, mas não
forma, gera representações coletivas, emo- impossíveis de serem pagos.16
ções codificadas, sentimentos obrigatórios e A autora assevera que o consumo de ima-
pensamentos. Tornou-se a forma como a so- gens é um degrau para o consumo de produ-
ciedade se comunica. Mais do que uma men- tos. Este se transforma num ritual de busca
sagem, converteu-se no sistema em si. de um novo estilo de vida (que nos diferen-
Katia Faggiani sustenta que os significa- ciaria, finalmente, dos outros animais). O
dos imputados aos produtos se multiplica- importante não é tanto ter quanto parecer.
ram, superando suas características funcio- Os objetos se confundem com as pessoas a
nais. O mundo do consumo é um conjunto de ponto delas passarem, de certo modo, a ser
signos e de significados interligados e inter- o que “usam”. Em qualquer sociedade, de
dependentes que oferece uma maneira de so- qualquer época, os aspectos materiais não
cialização aos indivíduos.14 Para ela, os pro- se separam dos sociais, unificados pela di-
dutos preenchem nossas necessidades emo- mensão simbólica que, por ser constituída (e
cionais porque vão além das necessidades constituinte), é, portanto, in essentia, flexí-
mecânicas, utilitárias e funcionais, proporci- vel.
onando uma sensação de glória ou de satisfa- Os significados são transmitidos pelas
ção. Em nossa sociedade, o grau de sucesso imagens (ou pelos produtos, pois não há
é medido pela quantidade de riquezas e de muitas diferenças entre ambos), sendo parte
consumo. Consumidores modernos se iden- integrante do propósito de controlar a infor-
tificam pela fórmula: “eu sou igual ao que mação. Contudo, só podem revelar seus re-
tenho e ao que consumo”. Consumir, agora, ais significados se examinados em conjunto.
é igual a possuir, pois o ser humano não res- Faggiani lembra que, como a imagem é in-
ponde às qualidades físicas das coisas e, sim, formação e se articula atraés da cultura, esta
ao que elas significam para ele. Em outras última constitui o mundo suprindo-o com
palavras, não consumimos produtos, mas a sentidos que se apoiam em categorias e prin-
imagem que temos deles.15 cípios culturais.
Assim, para Faggiani, conceitos como Porém seria preconceituoso e limitado
luxo, consumo e imagem agora se entrela- atribuir ao design os méritos e os deméritos
çam. O consumo (mediado pela imagem) por tal estado de coisas. Seria, mais ou me-
nos humaniza, demonstrando que somos re- nos, como responsabilizar a violência pela
gidos por outras necessidades, além de co- existência dos criminosos (os efeitos múlti-
mer e beber. O consumo nos diz que somos plos por uma causa única). O design, a pu-
superiores, que nossas necessidades são hu- blicidade e os meios de comunicação, lembra
14
ainda Faggiani, “são mecanismos muito po-
K. Faggiani, 2006, p.10.
15
Faggiani, op. cit., p. 10. 16
Id. ibid.

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10 Jorge Campos, Wallace Silva

derosos para a transferência de significados, concisão da linguagem do vídeo e a na-


a ponto de poderem atribuir qualquer signi- tureza essencialmente operística da cultura
ficado a qualquer produto. Eles criam mitos da imagem televisiva (como na MTV) pa-
oriundos do contexto cultural.”.17 recem tornar a fragmentação de narrativas
Através da cultura, com um repertório cal- mais antigas em fragmentos puros de nar-
cado, sobretudo, nas imagens, os meios de ratividade, visualmente autônomos e narra-
comunicação (não só o design, que traba- tivamente auto-significativos. Para um pú-
lha, basicamente, com dois tipos de comu- blico saturado com as imagens comerciais e
nicação, a visual e a de produto) completam com um sofisticado acervo-memória de cul-
uma transição dos meios de produção para os tura, uma só tomada seria suficiente para de-
meios de consumo através de um processo de sencadear a associatividade que tinha que ser
transferência e de classificação de significa- construída no decorrer de toda uma obra.19
dos, socializando o consumo. Ele também recorda que a sociedade dos
espetáculos ou das imagens é - ao menos em
parte - definida pela transformação maciça
6 Considerações finais
da beleza em objeto de consumo. O meio
Segundo Fredric Jameson, mais recente- visual constitui o veículo através do qual vá-
mente, “a fotografia, o cinema e a televisão rios públicos são seduzidos e “interpelados”.
começaram a se infiltrar na (...) arte visual e É o próprio visual que abstrai esses públicos
a colonizá-la, produzindo híbridos altamente de seus contextos sociais imediatos, criando
tecnológicos de todos os tipos(...)”.18 É o a sensação de uma imaterialidade e de uma
momento da sociedade da imagem, na qual, concretude cada vez maiores, já que o que
segundo Paul Willis, os sujeitos humanos, já se consome não é uma abstração verbal, mas
expostos ao bombardeio de até mil imagens sim, a imagem tangível.20
por dia, vivem e consomem a cultura de ma- Uma das conclusões que podemos tirar é
neiras novas e diferentes. O caráter de re- que projetar para a internet – criar artefa-
flexividade destas imagens como tal se sub- tos para uma sociedade de consumo baseado
merge na pura superabundância. A ilusão de na tecnologia – pressupõe a configuração de
uma nova naturalidade surge, quando já não significados aos comportamentos. As ima-
há nenhuma distância em relação à cultura gens, sob o aspecto simbólico, são elementos
das imagens, quando já não podemos reco- formadores-determinantes dos estilo de vida
nhecer a singularidade histórica ou a origi- e dos valores de troca. Por conseguinte, po-
nalidade de nossa época. A nova situação, dem existir, no mínimo, dois níveis de leitura
onde o estético a tudo impregna, onde a cul- de uma imagem: um no âmbito da atribuição
tura se expande - a ponto de que tudo se torna e o outro no da apropriação. O primeiro se
aculturado de uma forma ou de outra - toda refere aos processos de produção e distribui-
a realidade se tornou profundamente visual. ção, que dizem respeito a valores universais
Jameson recorda, pertinentemente, que a e inerentes, e o segundo é relativo aos pro-
17 19
Id. ibid. F. Jameson, op. cit.
18 20
Fredric Jameson, 1994. Id. ibid.

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O design e a representabilidade dos signos dentro da World Wide Web 11

cessos de consumo e de uso, a valores pes- HARVEY, D. A condição pós-moderna:


soais e inconstantes. Uma pesquisa sobre as origens da mu-
Finalizando o raciocínio de Jameson, a dança cultural. São Paulo: Loyola,
relação de fetichismo frente à imagem (na 1992.
web) se explicaria, nesse sentido, como uma
agregação de valores subjetivos ao objeto e JAMESON, F. “Transformações da imagem
como uma apropriação de valores subjetivos na pós-modernidade” In: Espaço e ima-
representados pelo próprio objeto ou por sua gem: Teorias do pós-moderno e outros
imagem ou pelos que nele são introduzidos. ensaios. Rio de Janeiro: Editora da
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