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revista jurídica da Faculdade UNA de Contagem

Existência, validade, vigência


e eficácia da norma tributária

Rodrigo Antonio da Rocha Frota1

RESUMO
O presente trabalho aborda os conceitos de norma jurídica e norma jurí-
dica tributária, para então abordar as questões centrais da existência, validade,
vigência e eficácia da norma jurídica tributária. Tal análise, um estudo dog-
mático jurídico destas questões, utilizou abordade da filosofia da linguagem
típica do constructivismo lógico semântico de Lourival Vilanova e Paulo de
Barros Carvalho, para refletir sobre importantes questões da Teoria Geral do
Direito aplicadas ao Direito Tributário.

1. Introdução
O presente estudo fora desenvolvido durante o curso de mestrado da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e proposta de publicação deste
estudo buscou trazer a marca histórica de meu primeiro semestre de mestra-
do. Expondo-o no original, sem qualquer retoque ou reanálise, como uma
maneira de incentivo aos alunos da Universidade São Judas Tadeu e aos leito-
res desta revista, que tem tudo para ser um exemplo de publicação acadêmica,
para seu contínuo aprimoramento. Tanto pelos acertos como pelos erros que
cometi neste texto, acredito que servirá para a reflexão e incentivo de muitos.
1 Professor de Direito Tributário da Universidade São Judas Tadeu-SP. Mestre e Doutor em
Direito Tributário pela PUC-SP.

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O presente texto tem por escopo a análise da estrutura basilar do direito


tributário nacional, qual seja: a norma jurídica tributária, tendo como tomo
central as características que identificam sua existência, validade e eficácia, veri-
ficando, assim, como, de fato, pode ser percebida, como se relaciona com outras
normas e com o sistema jurídico pátrio. Para tanto é necessário refletir sobre
a estrutura da norma e do sistema em que se insere: o sistema jurídico pátrio.
Neste sentido, a perspectiva pela qual se analisará a norma jurídica e a
forma como esta se relaciona com o sistema em que está inserida é o que se
pode dizer formal, no sentido que será considerada a norma jurídica indepen-
dente de seu conteúdo, tomando-se apenas sua estrutura, mesmo quando nos
detivermos no ramo didático do direito tributário.
A importância de pensar no tema do presente estudo é crucial para que
se possa melhor compreender o direito, tomado em sua complexidade estru-
tural e em sua natureza una e indissociável para, a partir disto, ser possível
apreciar a ramificação didática em tela: o direito tributário.
A metodologia escolhida aqui é analisar o direito como construção cul-
tural humana num sistema complexo de normas, para então atentar sobre
como esta se comporta dentro do sistema jurídico. Não se pretende com isso
reduzir o direito a um conjunto de normas, mas o presente estudo dogmático
do direito apresenta um enfoque normativo, aceitando que o direito apresente
uma complexidade muito maior que dependa da análise de diversos ramos da
ciência jurídica.

2. Direito e sua estrutura

Torna-se neste ponto indispensável refletir sobre o que vem a ser o direi-
to. A tarefa de definir tal expressão não é fácil, pois o termo “direito” é ambí-
guo e pode ser tomado em diversos sentidos, dentre os quais direito positivo
e Ciência do Direito. Porém qualquer que seja o sentido utilizado terá sempre
como significado um objeto cultural, criado, modificado e desenvolvido pelo
homem. Desta forma, pode-se dizer, o direito é antes de tudo linguagem, haja
vista que sem ela não há conhecimento; e deste ponto parte a nossa análise.
O direito positivo nas palavras do Professor Paulo de Barros Carvalho “é
o complexo de normas jurídicas válidas num determinado país”2. Seguindo na
mesma linha de raciocínio ainda se poderia ter o direito positivo, nas palavras

2 Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, São Paulo, Saraiva, 13a ed, 2000, pág. 02.

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da Professora Maria Rita Ferragut, como “... o conjunto de regras jurídicas


gerais e abstratas, individuais e concretas, existentes em determinado tempo e
espaço social”3, ou ainda em outros sentidos “(i) significações dos enunciados
com conteúdo deôntico incompleto e (ii) significações dos enunciados com
conteúdo deôntico completo”4.
Em suma, poderíamos definir o direito positivo como o feixe de propo-
sições prescritivas, que tem como objetivo ordenar as relações intersubjetivas
na vida comunitária, em determinado tempo e espaço social, organizando-se
num critério de especialidade da norma, segundo processos de fundamenta-
ção e derivação. Constitui, dessa forma, um corpo de linguagem técnica pres-
critiva, formulada segundo os critérios da Lógica Deôntica, segundo valores
de validade e invalidade.
Enquanto isso, a Ciência do Direito é verdadeiro ramo da ciência e do
conhecimento; como tal tem como objetivo descrever seu objeto de análise: o
direito, através de uma metalinguagem descritiva, formulada segundo os va-
lores da Lógica Alética ou Clássica: verdadeiro e falso. Afinal conhecer é des-
crever, ou melhor, depreender características próprias do objeto em estudo.
Afastada a evidente imprecisão partimos para análise do nosso objeto de
estudo: o ordenamento jurídico brasileiro, reduzido ao “ramo” do direito tri-
butário, sem, contudo apresentar qualquer pretensão na presente obra de de-
fesa da autonomia dos ramos do direito, haja visto ser este uno e indissociável.
A divisão de diversos ramos do direito, apesar de didaticamente útil, é
definitivamente impossível, pois não há que se falar em institutos exclusivos
de um ramo do direito.
Neste sentido, pode-se dizer que o direito tributário positivo é o ramo
didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto de proposições
jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à institui-
ção, arrecadação e fiscalização de tributos.
À Ciência do Direito Tributário compete descrever seu objeto, o direito
positivo tributário, através proposições declarativas, permitindo-nos conhe-
cer e entender suas articulações lógicas, bem como seu conteúdo orgânico,
dentro de uma concepção unitária do sistema jurídico vigente.
Aqui é importante fixar como premissa que o direito, como produto cul-
tural, só pode ser vertido através de linguagem e como tal deve ser estudado. E

3 Maria Rita Ferragut, Presunções no Direito Tributário, São Paulo, Dialética, 1a ed., 2001, pág. 16.
4 Idem.

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a linguagem do direito positivo é primordialmente prescritiva, mesmo quan-


do o legislador utiliza a linguagem descritiva ou expressiva, estas são voltadas
a imperatividade do ordenamento.
O legislador utiliza-se de enunciados prescritivos para a produção de
leis, numa linguagem técnica, através de um discurso natural com palavras
e expressões de caráter científico, o quê se evidencia com a pluralidade de
formação dos representantes populares: quanto maior a diversidade dos re-
presentantes mais autêntica é a representatividade dos diversos setores da co-
munidade social. Em decorrência disto não se pode exigir um rigor científico
na atividade legislativa.
É justamente em função desta representatividade que aparecem as im-
propriedades, os erros, as atecnias, as deficiências e as ambiguidades comuns
aos textos legais. Preço pequeno a pagar pela representação popular.
Já a linguagem do cientista do Direito, mais do que técnica é científi-
ca, na medida em que suas proposições descritivas são dotadas de harmonia
característica dos sistemas enquadrados no formato da Lógica Alética, pois
apresentam as unidades organizadas segundo critérios de identidade, não
contradição e terceiro excluído, próprios do pensamento apofântico.
Porém as dificuldades com vocabulário especializado sejam da lingua-
gem técnica, sejam da científica, somente podem ser resolvidos através de um
grande esforço semântico. O quê persiste no nível da Teoria Geral do Direito,
ao qual chega-se através de sucessivas generalizações, só desaparecendo no
altiplano da Lógica Jurídica, após um processo de formalização extrema.
Cabe então ao jurista analisar e depreender o sentido de tais enunciados,
dentro do sistema jurídico em que se insere. Importante, portanto, diferenciar
o enunciado da proposição.
O enunciado é o produto da atividade psicológica de enunciação, apre-
sentando-se como um conjunto de fonemas ou grafemas que consubstanciam
a mensagem expedida pelo emissor a ser recebida pelo receptor, no contexto
da comunicação, dentro dos limites gramaticais de um idioma. Para a Lógica
Apofântica há, ainda, a necessidade de ser bem construída, sem o quê não
apresenta seu “sentido completo”.
Para os lógicos ingleses, “oração” e “sentença” teriam o mesmo valor
semântico que “enunciado”: a expressão oral ou gráfica de uma proposição.
Esta seria o conteúdo significativo do enunciado, de forma que onde houver
enunciados linguísticos encontraremos proposições como sentido das res-
pectivas sentenças.

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É preciso ter muita cautela na utilização dos termos “enunciado” e “propo-


sição”, especificamente porque a Lógica Tradicional nomeava de “proposição”
o quê os modernos autores ingleses chamam de “sentence” e aqui emprega-se
como “enunciado”, “oração” ou “sentença”, enquanto adotava “juízo” o que os
últimos têm por “proposição”.
Ora como o direito positivo é formado não pelos enunciados, mas
pelas proposições prescritivas depreendidas dos enunciados, destes sur-
gem interpretações diversas e, por conseguinte, diversas proposições, das
quais apenas algumas podem ser tidas como normas, como veremos nos
capítulos seguintes.
Assim, enquanto o direito positivo disciplina o comportamento hu-
mano, o convívio social, através de uma fórmula linguística prescritiva, de
forma a regular a conduta das pessoas nas relações intersubjetivas, a Ciência
do Direito estuda este feixe de proposições prescritivas, observando, investi-
gando, interpretando e, sobretudo, descrevendo, sempre segundo uma meto-
dologia predeterminada. Para tal, o cientista utiliza-se sobremaneira de uma
linguagem descritiva.
Em relação ao direito positivo, a Ciência do Direito é uma sobrelin-
guagem, uma metalinguagem, uma linguagem de sobre nível. Está acima
da linguagem do direito positivo, pois a ela se refere, descrevendo-a como
sistema empírico.
Há de ser ressaltado que entre estas duas formas de linguagem, a do di-
reito positivo e a da Ciência do Direito, relacionam-se duas lógicas distintas:
ao direito positivo, a Lógica Deôntica, referente à valência válido/não válido; à
Ciência do Direito, a Lógica Alética, com valores de verdade e falsidade.
Isto permite afirmar que, embora existam diversas ciências jurídicas:
Sociologia Jurídica, Ética Jurídica, História do Direito, Política Jurídica e,
entre outras, a Ciência do Direito, cada uma tem seu escopo, sendo o desta,
única e exclusivamente, o direito positivo atual tal qual se apresenta, em seus
aspectos estático e dinâmico. Normas passadas são objeto da História do
Direito. Normas Futuras são objeto da Política Jurídica.
As unidades do sistema do direito posto são as normas jurídicas depre-
endidas dos textos legais e interligadas mediante relações de coordenação de
funções e de subordinação hierárquica. A este sistema de normas jurídicas de
determinado país denomina-se sistema empírico do direito positivo, uma vez
que se destina a uma região material, uma sociedade, historicamente determi-
nada no espaço e no tempo.

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O exame concreto do direito posto ressalta, a primeira vista, a existên-


cia de lacunas, imprecisões e contradições entre as unidades do conjunto.
A função da Ciência do Direito é tentar impedir ou ao menos minimizar a
ocorrência de fato de lacunas, imprecisões e contradições, de maneira que ao
descrever seu objeto inexistam lacunas e contradições, buscando sempre a
certeza e a segurança do sistema.

3. Fontes do direito tributário

As normas jurídicas podem ser classificadas, quanto ao seu fim, em dois


tipos: regras de comportamento e regras de estrutura.
As regras de comportamento se dirigem diretamente às condutas inter-
pessoais, enquanto as de estrutura, apesar de se dirigirem a condutas pessoais,
tem por objetivo o comportamento relacionado a produção de normas.
As regras de estrutura, não estão fora do sistema, mas dele fazem parte,
conforme ensina Lourival Vilanova: “As normas que estatuem como criar ou-
tras normas, isto é, normas-de-normas, ou proposições-de-proposições não
são regras sintáticas fora do sistema. Estão no interior dele”.5
Do exposto compreende-se que a norma para ser inserida no sistema ju-
rídico precisa necessariamente ser válida ou mesmo ter sido válida em algum
momento, sob pena de gerar uma contradição do sistema.
Deste ponto é possível entender a importância das fontes do direito
na análise do sistema jurídico, pois a partir das fontes é possível averiguar
se a norma pertence ao sistema ou não, segundo um critério de validade,
depreendido não apenas do veículo introdutor da norma, mas também
das marcas que o processo de enunciação das normas que deixam vertidas
em linguagem (seja no próprio corpo do veículo introdutor, seja em do-
cumentos que registrem sua tramitação). Para tanto atenta-se para outras
normas, para os órgãos produtores e para as marcas do processo de pro-
dução normativa.
Compreendem-se, assim, como fontes do direito os acontecimentos do
mundo social, reconhecidos pelo sistema e credenciados para a introdução no
ordenamento de outras normas, gerais e abstratas, gerais e concretas, indivi-
duais e abstratas ou individuais e concretas.
Neste sentido, a validade de uma proposição prescritiva jurídica está
5 Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, São Paulo, Max Limonad,
2000, pág. 164.

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intimamente ligada à legitimidade do órgão que a expediu e o procedimento


utilizado em sua produção.
O processo de produção normativa apresenta diversas fases, cada qual
constituindo fato juridicizado por normas de estrutura. A tal processo dá-se o
nome de enunciação, ou seja, ato de proferir o enunciado, e a produção deste
que é o suporte físico da norma, isto é: a lei, o decreto, etc.
Ocorre porém, que o processo enunciativo, como produção cultural,
também é vertido em linguagem, documentado nos veículos introdutores de
normas, nas atas do Congresso, nas sentenças, enfim toda produção norma-
tiva apresenta marcas que permitem ao interprete do direito averiguar seu
processo de formação. Como um bolo que ao ser experimentado detém em
seu gosto, em seu cheiro, características de seu preparo, deforma que se não
for colocado fermento o bolo ficará pesado e duro. Deixando evidente a quem
o experimentar que o cozinheiro não seguiu a receita. Estas marcas são deno-
minadas de enunciação-enunciada.
Assim, a enunciação-enunciada é a marca deixada no corpo do enuncia-
do sobre o processo utilizado para produzi-lo, é o reconhecimento do direito
ao processo utilizado, através da descrição deste no corpo da norma. Assim,
ao se ler Lei nº...., sabe-se que o processo de produção utilizado foi o processo
legislativo ordinário, previsto na Constituição (ou pelo menos que este deve-
ria ter sido o processo).
Não é difícil perceber que o conjunto de normas, introdutoras e introdu-
zidas, integra o direito positivo, ao passo que o conjunto de fatos juridiciza-
dos, tomados como enunciação e não como enunciados, estarão no plano de
suas fontes. Permitindo ao cientista optar por um conceito de fonte como algo
diferente do direito posto.
Assim, o estudo das fontes do direito está voltado para o exame dos fatos
enquanto enunciação que fazem nascer regras jurídicas introdutoras, só assu-
mindo esta posição em decorrência de outras normas que assim dispõe.
A lei e os estatutos normativos que tem vigor de lei são os únicos veículos
credenciados a promover o ingresso de regras inaugurais no universo jurídi-
co brasileiro, pelo que são designadas de instrumentos primários. Os demais
corpos reguladores são tidos por instrumentos secundários ou derivados.
Assim, no direito brasileiro, são instrumentos primários: 1) a
Constituição: fundamento do sistema, instrumento primeiro e soberano de
todo o ordenamento jurídico; 2) lei complementar, com sua natureza onto-
lógica formal, se destina a matérias especificadas na Carta Constitucional; 3)

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leis ordinárias, tipo legislativo mais adequado a veicular preceitos relativos


à regra-matriz dos tributos, pode ser editada por todos os entes políticos da
federação, 4) lei delegada, elaborada pelo Presidente da República após dele-
gação do Congresso Nacional por meio de resolução, é vedada à matéria de lei
complementar; 5) medida provisória, subordinada aos preceitos de relevân-
cia e urgência, expedida pelo Presidente da República, 6) decreto legislativo,
serve à introduzir tratados e convenções internacionais no direito interno,
está no mesmo nível que a lei ordinária, serve às assembléias estaduais para
absorver os convênios entre as unidades federativas; 7) resoluções tanto do
Senado, como do Congresso Nacional, as primeiras tem maior relevância no
campo tributário por teto e piso de alíquota de alguns tributos.
Enquanto os instrumentos secundários: 1) decreto regulamentar, expe-
dido pelo chefe do executivo para vincular a administração como um todo,
2) instruções ministeriais, servem ao Ministros de Estado para promover a
execução das leis, decretos e regulamentos, 3) circulares, tem âmbito mais
restrito, visam a uniformidade da prestação do serviço administrativo, 4) por-
tarias, regras gerais ou individuais que o superior edita para serem observadas
por seus subalternos, 5) ordens de serviço, autorizações ou estipulações con-
cretas para um serviço determinado, 6) outros atos normativos estabelecidos
pelas autoridades, como os pareceres normativos e as decisões dos órgão de
julgamento administrativo que vinculam a interpretação legal por parte dos
funcionários da administração.

4. Norma jurídica (proposição prescritiva) e


norma jurídica tributária

Norma jurídica é, nos termos do Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr.,


a “expectativa contrafática, que se expressa por meio de proposições de
dever-ser, estabelecendo-se entre comunicadores sociais relações comple-
mentares institucionalizadas em alto grau, cujos conteúdos tem um sentido
generalizável conforme núcleos significativos mais ou menos abstratos”6.
Dessa definição tiram-se alguns elementos básicos à formação da norma:
a hipótese da norma (relacionada na expressão expectativa contrafática), a pres-
crição normativa em si (na expressão proposições de dever-ser), organizadas
estruturalmente (relações complementares), promulgadas pelo Estado – sujeito
6 Tercio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Atlas, 2a ed., 1996, pág.
115.

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ativo (institucionalizadas em alto grau), com um espectro amplo de pessoas a


serem atingidas sem, contudo individualizá-las (conteúdos com sentido generali-
zável conforme núcleos significativos mais ou menos abstratos).
Assim, o conteúdo normativo será constituído por descrições de ações
hipotéticas, de suas condições e respectivas consequências.
É propriedade das normas em geral e das normas jurídicas especifica-
mente expressarem-se por meio do conectivo dever-ser, levado a denominar
deôntico o sistema do direito positivo.
O direito como sistema de linguagem que é, como já afirmado acima,
é formulado segundo um raciocínio que a Lógica entende por deôntico. Isto
quer dizer que a Lógica, como ciência que tem por objeto o estudo do modo
de compreender o mundo pelo ser humano através da linguagem, ao estu-
dar as proposições prescritivas jurídicas conseguiu depreender-lhe sua for-
mula básica, qual seja o dever ser, transcrito em linguagem formalizada D
[F→C(S’,S”)]. Isto quer dizer:”se se dá um fato F qualquer, então o sujeito S’
deve fazer ou deve omitir ou pode fazer ou omitir conduta C ante outro sujei-
to S” – assim deve ser”7
Estudando esta linguagem a lógica percebeu que não poderia utilizar-se
dos valores da Lógica Clássica ou Alética de Aristóteles de verdade/falsidade
nas proposições jurídicas pois aqui não se aplicam. Neste ponto adotou-se a
Lógica Deôntica, com seu valores de validade/invalidade, típicos dos siste-
mas jurídicos.
A norma, na hipótese ou antecedente, elege um evento social, que ao ser
reconhecido como acontecido como fato, através de linguagem apropriada,
incide sobre este, que se torna jurídico, vinculando a este fato um relaciona-
mento entre sujeitos de direito, que substancia a tese ou consequente, não im-
portando aqui se há diferenças entre situações jurídicas e relações jurídicas. A
relação jurídica é conceito fundamental. Os sujeitos são os termos da relação
jurídica ainda que só o sujeito da obrigação fique determinado e indetermina-
do fique o sujeito pretensor.
Nesta tarefa de elaboração normativa, o legislador, dentro dos limites
constitucionais, pode selecionar fatos para sobre eles incidir as hipóteses,
pode optar por estes ou aqueles conteúdos, sociais e valorativos, mas não pode
construir a hipótese sem a estrutura sintática e sem a função que lhe perten-
ce por ser estrutura de uma hipótese. Pode vincular livremente, em função
7 Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, São Paulo, Max Limonad,
1a ed., 1997, pág. 95.

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de contextos sociais e de valorações positivas e de valores ideais, quaisquer


consequências às hipóteses delineadas. Não pode, no entanto, deixar de
sujeitar-se às relações meramente formais ou lógicas que determinam a rela-
ção de implicação entre hipótese e consequências.
A hipótese é construção valorativamente tecida com dados de fatos, in-
cidente na realidade, mas não coincidente com a realidade, na qual pode ser
elegido fato natural, fato social, ou fato já qualificado juridicamente para que
a hipótese componha o fato jurídico. Faltando-lhe status semântico de enun-
ciado veritativo. As hipóteses de normas valem ou não valem.
Ao formalizar a estrutura da relação jurídica contida na tese da norma
teremos: um sujeito qualquer S’mantém uma relação qualquer R em face de
outro sujeito qualquer S”; de forma que: S’R S” ou R(S’S”).
Sendo R a estrutura relacional, num ponto de vista kelseniano teremos
vários usos, sendo um deles a substituição desse relacional por um dos valores
obrigatório (O), proibido (V) e permitido (P). Dessa maneira percebe-se que R
não pode ser substituído por nomes ou proposições, mas apenas por valores.
No mesmo sentido, é preciso reduzir as múltiplas modalidades ver-
bais à estrutura formalizada da linguagem lógica para se obter a fórmula: D
[F→C(S’,S”)]; da onde entende-se que se ocorre um fato F qualquer, então o
sujeito S’ deve fazer ou omitir ou pode fazer ou omitir conduta C ante outro
sujeito S”, que representa o primeiro membro da proposição jurídica com-
pleta e assim deve ser. Destaca-se assim a hipótese e a tese . A estrutura deste
primeiro membro estrutura-se em forma de implicação: a hipótese implica a
tese, ou o antecedente implica o consequente.
A importância deste raciocínio formal é entender que a estrutura da
norma jurídica apresenta uma relação interna entre o fato jurídico em abstra-
to eleito na hipótese e a consequência, ou seja, a relação de implicação com a
conduta determinada. Mas também a sanção ou consequência pelo inadim-
plemento da conduta determinada.
Tem-se, assim, o functor deôntico com a incidência sobre a relação de
implicação entre hipótese e tese e mais outro functor deôntico no interior da
estrutura proposicional da tese.
O conectivo dever-ser triparte-se em três valores: obrigatório (O),
proibido (V) e permitido (P), os quais não entram na categoria de relacio-
nais reflexivos, ou seja, aqueles que satisfazem a forma lógica das relações
intrasubjetivas (xRx). A eles só pode ser atribuído valor próprio de relações
intersubjetivas (xRy). Estes modais são inter-relacionáveis através de valores

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de afirmação e negação (não obrigatório, não proibido e não permitido), de


forma a abranger toda a riqueza da elaboração normativa.
Por mais variada que seja a forma de exposição do direito em certa socie-
dade ele sempre apresentará proposições com estrutura dual: parte da norma
tem a função de descrever possível ocorrência no mundo, é a hipótese da
norma e uma parte que prescreve um comportamento. Assim, em ocorrendo
o fato descrito na hipótese, deve-ser a conduta exposta no consequente. Tal
fato não é normatizado, não é obrigatório ou proibido pela hipótese, mas na
eventualidade de ocorrer, surge o dever-ser do consequente.
Aqui cabe um parênteses para uma breve explanação: conquanto alguns
filósofos tenham tentado reduzir a forma deôntica à forma alética, entendemos
ser isto impossível, uma vez que o “mundo do ser” e o “mundo do dever-ser”
são distintos, não havendo como miscigenar estas duas formas de raciocínio.
Os modos normativos diferem dos modos fáticos. No âmbito da teoria pura
do direito: do ser não provém o dever-ser, do meramente factual não provém
o normativo, porque as modalidades são irredutíveis, muito embora na com-
posição do fato objetivo de cultura, que é o direito, haja inter-relacionalidade
entre os modos. Se for factualmente necessário, ou factualmente impossível
uma conduta ou um fato, resultará num sem sentido estatuir proposição nor-
mativa contraposta ao curso natural das coisas.
Se a hipótese, funcionando como “descritor”, anuncia os critérios con-
ceptuais para o reconhecimento de um fato, o consequente, como “prescritor”,
nos dá, também, critérios para a identificação do vínculo jurídico que nasce,
facultando-nos saber quem é o sujeito portador do direito subjetivo; a quem
foi cometido o dever jurídico de cumprir certa prestação; e seu objeto: o com-
portamento que a ordem jurídica espera do sujeito passivo e que satisfaz, a um
só tempo, o dever que lhe fora atribuído e o direito subjetivo de que era titular
o sujeito pretensor.
A hipótese é composta pelos critérios material (constituído pelo núcleo
verbal do evento), espacial (local de incidência) e temporal (momento de in-
cidência); enquanto o consequente é composto por critérios pessoal (sujeito
ativo, detentor do direito subjetivo e sujeito passivo, quem tem o dever jurídi-
co de recolher o tributo) e quantitativo (base de cálculo e alíquota).
Os critérios para identificarmos o aparecimento de uma relação jurídica
são apenas dois: o critério pessoal e o critério quantitativo. O critério pessoal
é o conjunto de elementos, colhidos no prescritor da norma, e que nos apon-
ta quem são os sujeitos da relação jurídica. O critério quantitativo nos dá o

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objeto da prestação que, no caso da regra-matriz de incidência tributária, se


consubstancia na base de cálculo e na alíquota.
Quanto às relações jurídicas tributárias, encontram-se dois tipos: as
de natureza patrimonial (tributárias estrito senso) e os vínculos que fazem
irromper meros deveres administrativos. As primeiras, previstas pela regra
matriz de incidência e as outras circumpostas a ela, tornando possível opera-
cionalizá-la: são os deveres instrumentais. A norma que institui a obrigação
tributária estrito sensu é chamada de regra matriz de incidência tributária.
O critério quantitativo pode ser definido por uma quantia fixa, são os tri-
butos fixos, ou variável, através da utilização da base de cálculo e da alíquota.
A base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra matriz
de incidência tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a
intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que,
combinando-se com a alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniá-
ria. Paralelamente a isso, tem a base de cálculo a virtude de confirmar, infirmar
ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo.
A versatilidade categorial desse instrumento jurídico se apresenta em
três funções distintas: a) medir as proporções reais do fato, b) compor a espe-
cífica determinação da dívida, e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadei-
ro critério material da descrição contida no antecedente da norma.
No direito tributário brasileiro, a regra matriz de incidência (a norma
tributária) é matéria submetida ao regime de reserva legal, seguindo o princí-
pio da estrita legalidade tributária.
A esquematização formal da regra-matriz de incidência tem se mos-
trado um instrumento utilíssimo à análise da riqueza do conhecimento e do
aprofundamento da unidade irredutível que define a fenomenologia básica
da imposição tributária. Vale dizer que sem todos os seus elementos a regra
matriz de incidência não existe e, portanto, não existe norma que institua a
relação tributária.
Sem a relação tributária não há que se falar em obrigação tributária, pois
não há direito subjetivo sem dever jurídico correlato e sem objeto da pres-
tação obrigacional.

5. Existência e validade da norma tributária

Como já salientado, o sistema do direito positivo apresenta uma singu-


laridade, qual seja a possibilidade de reprodução. Isto porque regulamenta a

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própria produção de normas, dispostas hierarquicamente, regidas pela funda-


mentação ou derivação.
Assim, legislador tem a liberdade de escolher, dentro do limite cons-
titucional, quaisquer fatos para sobre eles incidir as hipóteses. Tem ainda o
poder de atribuir estes ou aqueles conteúdos sociais e valorativos. Pode, ainda,
vincular, em função de contextos sociais, de valorações positivas e de valo-
res ideais, quaisquer consequências às hipótese delineadas. No entanto, lhe é
impossível fugir da estrutura normativa com antecedente e consequente, ou
hipótese e tese, tampouco conseguiria construir a hipótese sem a estrutura
sintática e sem a função que lhe pertence por ser estrutura de uma hipótese.
Quando no plano real se verifica que a proposição hipotética não adqui-
re o valor de verdadeira; se fato nenhum da realidade vier a confirmar o que
fora descrito hipoteticamente, a hipótese não se torna falsa. No antecedente
ou descritor da norma jurídica inexiste juízo de realidade subordinado ao cri-
tério de verificabilidade empírica para ser subsistente.
Uma proposição normativa só pode ser válida ou não-válida, nunca ver-
dadeira ou falsa. Assim, é um fato que o sistema jurídico abriga proposições
normativas que se contradizem e são juridicamente válidas. Num sistema de
proposições declarativas ou descritivas, a contradição dá-lhes inconsistência
que o afasta da verdade empírica. A verdade formal (a ausência de contra-
dição) é pressuposto da verdade material.
A validade não deve ser tida como propriedade ou como atributo que
qualifica a norma jurídica. É, antes, o vinculo entre a proposição normativa,
considerada na sua inteireza lógico-sintática, e o sistema do direito posto. Ser
norma é pertencer ao sistema.
Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutina-
dos perante uma referência determinada, haverá um sistema. É a partir desta
noção que buscaremos outros desdobramentos com as operações lógicas de
dividir, classificar e definir.
As normas jurídicas formam um sistema, na medida em que se relacio-
nam de várias maneiras, segundo um princípio unificador. O direito posto
aparece no mundo integrado numa camada de linguagem prescritiva, como
produto humano para disciplinar a convivência social, pertencendo à região
do conhecimento dos objetos culturais, visando a conduta humana.
No modelo kelseniano, é considerada norma válida aquela produzida por
órgão credenciado pelo sistema e na conformidade com o procedimento tam-
bém previsto pela ordenação total. Ao lado de um critério de dedutibilidade

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lógica da norma no sistema. É esse o modelo adotado pelo sistema normativo


brasileiro, conjugando como vértice a Constituição.
A Carta Constitucional é a norma principal do sistema, deriva direta-
mente da norma fundamental kelseniana, é o fundamento de validade de todas
as demais normas emitidas no sistema. Por conseguinte, qualquer norma que
contrarie preceitos constitucionais será inconstitucional e inválida no sistema.
O texto da Constituição é, por excelência, a exposição das linhas gerais
que informam e organizam o Estado, limitando a designar as características
dominantes das várias instituições que a legislação comum desenvolverá pos-
teriormente. Os quatro plexos normativos estão nela consignados: o sistema
nacional, o sistema federal, o sistema estadual e o sistema municipal; através
do modelo federativo adotado pela Carta Magna Nacional.
Mas se ser norma pressupõe a adequação ao sistema jurídico, a norma
inconstitucional não pode ser tida como norma jurídica, pois é inválida
no sistema. Falta-lhe fundamento de validade, mesmo que seja eficaz e
produza efeitos, será decorrente de sua condição de norma, mas nunca de
norma jurídica.
De qualquer forma, sejam quais forem os requisitos, ingressará no orde-
namento a norma que se adequar a tais requisitos, de forma a estabelecer o
conceito de validade da norma jurídica.
Se for verdadeira a afirmação da Teoria das Classes de que um elemento
pode fazer parte de mais de uma classe (segundo suas características) e que
esta pode conter além dos elementos subclasses; num sistema jurídico podem
estar contidos subsistemas (ainda que não autônomos). É o caso do sistema
constitucional, que revela a possibilidade de designar o conjunto de normas
constitucionais referentes à instituição, arrecadação e fiscalização como siste-
ma constitucional tributário. Estas normas não estão contidas apenas no ca-
pítulo designado à tributação, mas ao longo de toda a Constituição, segundo
uma interpretação sistemática dos conceitos contidos nela.
Dessa forma a norma tributária deve, para ser válida, atender não apenas
os requisitos formais da elaboração normativa, mas também toda a sistemá-
tica constitucional (além de conter todos os elementos caracterizadores da
regra matriz de incidência tributária, sem o quê não pode ser considerada
norma, pois esta incompleta).
Mas se é valida a norma introduzida no sistema de acordo com suas pró-
prias regras, até quando pode ser assim considerada? Quando a norma perde
a característica de validade.

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A norma ab-rogada permanece válida no sistema até que se cumpra o


tempo de sua possível aplicação, quando enfim perde sua validade. O sistema
não mais conterá a norma. Assim, a ab-rogação não interfere no plano da
validade, mas apenas o decurso do prazo de sua aplicação ao caso concreto,
de acordo com o sistema.
Portanto, sempre que a norma tenha sido ab-rogada, quando a vigência
for extinta após intervalo de tempo que impeça sua aplicação, e só então, a
ab-rogação opera diretamente sobre a validade, expulsando esta norma do
sistema.

6. Vigência e eficácia da norma tributária

A vigência conforme os ensinamentos do Professor Tercio Sampaio Ferra


Jr. , é o lapso temporal no qual a norma apresenta força, podendo produzir
8

efeitos, enquanto vigor seria a própria força vinculante da norma, mesmo não
sendo mais vigente.
Assim, a vigência tem como marco inicial em regra a publicação, mas
segundo o princípio da anterioridade a eficácia jurídica dos termos eleitos na
hipótese normativa fica postergada ao exercício fiscal seguinte.
Vigência e eficácia são qualidades distintas. A vigência refere-se ao
tempo, enquanto a eficácia refere-se à produção de efeitos. Neste sentido há
que se perceber que a capacidade da norma produzir efeitos depende de cer-
tos requisitos, de ordem fática ou técnico-normativa.
A eficácia pode ser técnica, social ou jurídica. A eficácia técnica diz res-
peito à técnica legislativa, ou seja, quando uma norma depender de outra para
ser aplicada ou quando se exigir certo equipamento. No caso da falta da norma
complementar ou do equipamento não existir falta à norma eficácia técnica.
A eficácia social ou efetividade refere-se a produção das consequências
desejadas pelo elaborador das normas, verificando-se quando a conduta con-
tida no prescritor da norma for cumprida pelo destinatário, no caso do direito
tributário, quando o tributo for efetivamente recolhido.
Quanto à eficácia jurídica, esta é propriedade do fato jurídico de provo-
car os efeitos pretendidos no prescritor da norma, ou seja: ocorrendo o fato
descrito na hipótese da norma, os efeitos não podem deixar de ocorrer de
forma automática e infalível (ao menos no plano da linguagem). É a relação
8 Tercio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Atlas, 2a ed., 1996, págs.
197-198.

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de causalidade jurídica, aqui expressa na implicação da consequência ao fato


jurídico, explicada pelo Professor Lourival Vilanova9.
Assim, concordamos com a conclusão do Professor Paulo de Barros
Carvalho: “As normas válidas podem ser vigentes (plena ou parcialmente) ou
não vigentes. Podem também apresentar ou não eficácia técnica e, igualmen-
te, ostentar ou não eficácia social. Todavia, Fundado nessa premissas não cabe
falar-se de norma válida como dotada, ou não de eficácia jurídica, posto que
esta eficácia é qualidade dos fatos jurídicos, não das normas.”
Conquanto todo o exposto até aqui, interessante notar o disposto no ar-
tigo 27 da Lei no 9868/99, ao tratar dos efeitos da decisão da Ação Declaratória
de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade feriu
todo o arcabouço lógico-jurídico do sistema normativo brasileiro, ao prescre-
ver: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em
vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restrin-
gir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de
seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
Ora, tal dispositivo normativo é contrário ao próprio conceito de consti-
tuição, pois prevê que norma inválida surta efeitos, apesar de não pertencer ao
sistema, de maneira a gerar inconstitucionalidades no plano da análise fática
do caso concreto. Evidente que o juízo de constitucionalidade concentrado
tem por objeto avaliar a pertinência da norma ao sistema jurídico ou não e,
por conseguinte, sua própria condição de norma jurídica. Se não for jurídica,
então seus efeitos são ilícitos. Impossível admitir que um ato reconhecida-
mente ilícito seja tido como lícito, sem ensejar qualquer indenização.
No âmbito do direito tributário isto se mostra ainda mais absurdo, pois
contraria preceitos constitucionais de garantia da propriedade privada e proi-
bição ao tributo com efeito de confisco.
Agindo desta forma o legislador burlou o próprio sistema, contrariando
sua própria estrutura, seu fundamento constitucional.

7. Conclusões

Do estudo aqui formulado podem ser tiradas algumas conclusões, quan-


to ao direito e principalmente quanto à norma jurídica.
9 Lourival Vilanova, Causalidade e Relação no Direito, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais2000, 4a ed., págs 74-75.

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1) o direito é um objeto cultural, portanto vertido em linguagem, que


apresenta diversos significados, dentre os quais direito positivo e
Ciência do Direito;
2) o direito positivo apresenta-se como um feixe de proposições pres-
critivas, que tem como objetivo ordenar as relações intersubjetivas
na vida comunitária, em determinado tempo e espaço social, organi-
zando-se num critério de especialidade da norma, segundo proces-
sos de fundamentação e derivação;
3) a Ciência do Direito é um ramo da ciência e do conhecimento; com
objetivo de descrever o direito, através de uma metalinguagem des-
critiva, formulada segundo os valores da Lógica Alética: verdadeiro
e falso;
4) as fontes do direito são os acontecimentos do mundo social, reco-
nhecidos pelo sistema e credenciados para a introdução no ordena-
mento de outras normas;
5) as fontes do direito podem ser reconhecidas pelas marcas deixadas
no corpo do texto (enunciação-enunciada);
6) a norma jurídica consubtancia-se proposições prescritivas, que tem
como objetivo ordenar as relações intersubjetivas na vida comunitá-
ria, em determinado tempo e espaço social, organizada num sistema
segundo um critério de especialidade e processos de fundamentação e
derivação, com alto grau de institucionalização e capacidade coerciti-
va, podendo ser transcrita em linguagem formalizada: D [F→C(S’,S”)];
7) a norma jurídica para existir tem ser válida para o sistema;
8) existência, validade, vigência e eficácia são conceitos distintos;
9) a norma pode ser válida e não vigente, ou válida vigente e ineficaz,
mas não pode ser inexistente e válida ou inválida e existir;
10) as normas infraconstitucionais devem guardar pertinência à Carta
Constitucional, pois esta como norma instituidora do sistema jurídi-
co vigente é o fundamento de validade de todas as outras;
11) norma inconstitucional não pode apresentar eficácia técnica, pois
se não é válida não existe; pode, contudo, surtir efeito no mundo
factual e estes apresentarem eficácia, mas nem mesmo esta pode ser
jurídica, pois não há norma ara incidir no evento social implicando
consequência jurídica.

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