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Artigo - Bianca C.V. Pereira - Exercícios Espirituais. Pierre Hadot, Michel Foucault e A Filosofia Como Modo de Vida PDF
Artigo - Bianca C.V. Pereira - Exercícios Espirituais. Pierre Hadot, Michel Foucault e A Filosofia Como Modo de Vida PDF
Autora:
Bianca Cristina Vieira Pereira
Doutoranda em sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
IUPERJ
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Índice
Introdução...................................................................................................................................03
I.I - O platonismo............................................................................................................04
I.II - O estoicismo...........................................................................................................10
Conclusão...................................................................................................................................20
Referências bibliográficas...........................................................................................................21
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Introdução
_
Michel Foucault, renomado filósofo francês, em seus últimos escritos mais
precisamente no Uso dos Prazeres (1984) e no Cuidado de Si (1985) que correspondem,
_
respectivamente, ao segundo e terceiro volumes da História da Sexualidade , introduziu a
questão da subjetividade ao propor uma forma do indivíduo relacionar-se consigo mesmo.
Forma esta que parte principalmente da contribuição filosófica grega antiga, que concebia a
filosofia como um estilo de vida. As obras anteriores elaboradas por Foucault tinham como
eixo teórico a questão do poder, posteriormente o autor passou a tratar a questão do governo e
finalmente chegou à temática do "governo de si". O que antes era tido como poder negativo,
repressivo, passou a ser no último Foucault, um poder positivo, constituinte.
O presente trabalho divide-se em duas partes fundamentais que visam uma melhor
compreensão do que ambos os autores definiam e propunham quando se referiam a um tipo
peculiar de filosofia, a qual era encarada principalmente como um modo de vida. Na primeira
parte do trabalho, a proposta de Pierre Hadot é esboçada, localizando os chamados "exercícios
espirituais" nas doutrinas referentes ao platonismo e ao estoicismo respectivamente. A escolha
destas duas escolas filosóficas são justificadas pelo fato de que tanto Hadot, quanto Foucault
adotam no seio de suas propostas, os postulados defendidos e praticados por ambas as escolas.
Vale ressaltar que é no Banquete (1972) de Platão, cuja figura mítica de Sócrates se faz
presente, que aparece pela primeira vez na história da filosofia a noção do filósofo como um
praticante da filosofia. E é justamente em razão deste fato que o Banquete ganha espaço neste
capítulo. A terceira e última parte, por sua vez, visa percorrer os argumentos foucaultianos
desenvolvidos nos dois últimos volumes da História da Sexualidade, com ênfase ao Cuidado
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de Si. Ao longo do capítulo, as restrições e pontos de contato existentes entre Foucault e
Pierre Hadot são desenvolvidos.
I- Pierre Hadot e os exercícios espirituais na
Antigüidade.
Pierre Hadot, em sua obra "O que é a filosofia antiga?" (1999) e também em
"Exercices spirituels et philosophie antique" (1987), expôs uma concepção de filosofia que
opõe-se a concepção moderna, na medida em que concebemos o saber, nos dia atuais, como
algo a ser encontrado nas construções teóricas e mais, que a função do filósofo consiste em
debruçar-se sobre teorias abstratas, independente do estilo de vida que adote. A filosofia
tratada por Hadot tem suas origens na Antigüidade, mais precisamente na Grécia, cuja idéia
fundamental é formar as almas dos alunos, de modo que estes exercitem a formação de si
mediante o uso do discurso filosófico e também mediante um modo de vida que permita ao
indivíduo estar em harmonia com a razão. Hadot não somente descreve a concepção filosófica
presente na Antigüidade, como também acredita que esta é possível de ser atualizada. Os
exercícios espirituais cumpririam papel fundamental nesta empreitada. Vejamos de uma
maneira geral como os preceitos desta concepção adotada por Hadot estiveram presentes ao
longo de todas as escolas filosóficas da Antigüidade. Tanto o platonismo, quanto o
estoicismo, serão retomados de alguma maneira por Michel Foucault posteriormente.
I.I- O platonismo
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respectivos modos de vida e não o contrário, afinal, sua função é justamente revelar de
maneira racional estas visões de mundo.
A palavra filosofia designa inicialmente "amor pela sabedoria", e esta não restringe-se,
na filosofia antiga, a meros preceitos teóricos e abstratos como encontramos atualmente. O
filósofo antigo caracteriza-se tanto pelo discurso que aplica, quanto pelo modo de vida que
pratica. A sabedoria é para este, um objetivo inalcançável (estado ontológico transcendente).
Contudo, a busca incessante pela sabedoria é o melhor presente que a vida pode oferecer ao
homem.
Sócrates é um homem consciente de que nada sabe. É este filósofo que está
constantemente lembrando aos outros que o saber não é uma "receita de bolo" cujas
proposições ou ingredientes podem ser fabricados e transmitidos. Nesta passagem do
Banquete percebemos isso claramente quando Agatão diz:
"_ Aqui, Sócrates! Reclina-te ao meu lado, a fim de que ao teu contato
desfrute eu da sábia idéia que te ocorreu em frente de casa. (...) Sócrates
então senta-se e diz: _ Seria bom Agatão, se de tal natureza fosse a
sabedoria que do mais cheio escorresse ao mais vazio..." (PLATÃO: 1972, p.
16).
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"...não se trata de uma atitude artificial, de um parti pris de simulação, mas de
uma espécie de humor que recusa levar totalmente a sério tanto os outros
como a si mesmo, porque, precisamente, tudo o que é humano, e mesmo
tudo o que é filosófico, é coisa bem pouco assegurada, de que não se pode
ter muito orgulho. A missão de Sócrates é fazer com que os homens tomem
consciência de seu não-saber" (HADOT: 1999, p. 52).
"No fim das contas, após ter dialogado com Sócrates, seu interlocutor... toma
distância em relação a si mesmo, desdobra-se, uma parte de si mesmo
identificando-se, de agora em diante, com Sócrates no acordo mútuo que
este exige de seu interlocutor em cada etapa da discussão. Opera-se nele
uma tomada de consciência de si; ele se põe a si mesmo em questão"
(HADOT: 1999, p. 55-56).
Pierre Hadot enfatiza que a importância de Sócrates para a filosofia antiga e também
para as posteriores, localiza-se na idéia de que o saber é antes de tudo, uma descoberta
pessoal. O filósofo é apenas um instrumento que auxilia o outro a operar esta descoberta
interior, não a partir de conceitos, mas sim de valores. Vale ressaltar que para Sócrates, o
homem possui o desejo inato de realizar o bem, e se este erra (comete o mal moral) é porque o
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faz acreditando que encontrou o bem. Assim, o filósofo orienta o outro a atingir a pureza da
intenção moral, e para que isto aconteça faz-se necessário o contínuo exame de si.
Pierre Hadot enfatiza a idéia de que Sócrates, apesar de disseminar aporia por todos os
lados, é um homem constantemente inserido na vida social. O que ele quer dizer é que o
indivíduo não precisa estar fora-do-mundo para transformar-se interiormente, muito pelo
contrário, o cuidado de si perde a sua eficácia social quando se dá em casos isolados. Não
adianta apenas um indivíduo tornar-se melhor, pois participar da vida social é uma aspiração
para que as coisas mudem, e a melhor maneira de resistir ao que está errado é estando
próximo do erro.
Platão, que fora influenciado pela personalidade de Sócrates, concebeu em sua obra O
Banquete, um novo sentido à palavra "filosofia", a qual até então designava o conhecimento
que os sofistas podiam conceder aos seus alunos. A história do Banquete é mais ou menos a
seguinte: Agatão, que já fora mencionado anteriormente, era um famoso poeta que acabara de
vencer um concurso de tragédias e por isso ofereceu um banquete. Neste banquete, discursos
foram proferidos em honra a Eros, deus do amor. Sócrates, que fora convidado para o
banquete, foi o único que ao falar do amor, manifestou nada saber. No final, Alcibíades faz
um longo elogio a Sócrates, que é, por sua vez, o único lúcido no final da história. Mais
adiante, veremos o porquê desta lucidez.
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"A alma fecunda só pode fecundar e frutificar por seu comércio com outra
alma, na qual serão reconhecidas as qualidades necessárias; e esse
comércio pode instituir-se pela palavra viva, pela conversa diária que supõe
uma vida comum, organizada em vista de fins espirituais, e por um futuro
indefinido e rapidamente uma escola filosófica, tal como Platão concebera a
sua, em sua época presente e como continuidade da tradição" (HADOT:
1999, p. 91).
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"Um verdadeiro diálogo não é possível se não se quer realmente dialogar.
Graças a esse acordo entre interlocutores, renovado a cada etapa da
discussão, já não é um dos interlocutores que impõe sua verdade ao outro;
bem ao contrário, o diálogo ensina-lhes a pôr-se no lugar do outro... Graças a
seu esforço sincero, os interlocutores descobrem por eles mesmos, e neles
mesmos, uma verdade independente deles, na medida em que se submetem
a uma autoridade superior, o lógos" (HADOT: 1999, p.100).
O legado que Platão deixou para a história da filosofia resume-se ao fato de que viver
filosoficamente implica dedicar-se não somente à vida intelectual e sim, debruçar-se sobre a
vida espiritual. A ética do diálogo conduz a infinitas transformações na alma dos indivíduos,
colocando em jogo toda a vida moral.
Platão, ao longo de seus diálogos, cita alguns tipos de exercícios espirituais que levam
à transformação de si. Um deles é a preparação para o sono. Trata-se de tentar afastar da alma
os sonhos que revelam o lado "temível" e "selvagem" que existe em nós, ou seja, as nossas
paixões. Para tal tarefa, faz-se necessário que, durante o dia, a parte racional da alma seja
estimulada mediante discursos interiores e meditação.
O mais importante exercício é o chamado "exercício para a morte". Platão afirma que
a filosofia é em si um exercício para a morte, na medida em que esta cumpre a função de
desligar o corpo da alma, afinal, o corpo engedra paixões que devem ser dispersadas mediante
a purificação do pensamento. O "eu" quando liberto do corpo e identificado ao lógos, elimina
o medo da morte e faz com que a alma passe a olhar a realidade com mais universalidade. "A
individualidade corporal cessa de existir no momento em que se exterioriza no lógos"
(HADOT: 1999, p. 106). A filosofia como modo de vida, como exercício, é retratada no
Banquete logo no início, quando Aristodemo e Sócrates caminham em direção a casa de
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Agatão, e este último fica para trás: "Sócrates então, como que ocupando o seu espírito
consigo mesmo, caminhava atrasado" .Aristodemo, por sua vez, chega ao local do banquete,
onde todos sentem falta de Sócrates. Então Agatão diz a um servo: "Não vais procurar
Sócrates e trazê-lo aqui, menino?" e um outro servo diz: "Esse Sócrates retirou-se em frente
aos vizinhos e parou; por mais que eu o chame não quer entrar" Então Aristodemo constata:
"Deixai-o! É um hábito seu esse. Às vezes retira-se onde quer que se encontre, e fica parado"
(PLATÃO: 1972, p. 15-16). Percebe-se neste momento que Sócrates tinha o hábito de voltar-
se para si, para sua interioridade onde quer que estivesse. O fato de ter permanecido lúcido até
o final do banquete, diferentemente de todos que se encontravam ali, sugere que ele, como
praticante dos exercícios espirituais, possuía certa resistência às fraquezas da carne.
I.II- O estoicismo
Zenão de Citium (334 - 262 a.C. aproximadamente) foi o fundador da antiga escola
estóica. Tudo começou quando seu pai lhe deu uns tratados socráticos, os quais lhe
despertaram o entusiasmo para com os estudos filosóficos. Por volta do ano 300, Zenão funda
a sua escola. Por ser localizada no pórtico, cuja correspondência em grego é stoa, passou a ser
denominada "estóica". Assim como Platão, Zenão conferia primazia à ética e à união de
filosofia e modo de vida. A escola ganha impulso por volta do século III a. C. sob a direção de
Crisipo.
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Segundo o estoicismo, existem coisas que estão fora do nosso alcance, tais como: ser
belo, ser rico ou pobre, ter saúde ou não etc. Estamos constantemente sob influência do
destino, e nossa infelicidade encontra-se no fato de estarmos buscando a todo o instante,
adquirir bens que não temos como conseguir e fugir de males que estão fora de nosso
controle. Contudo, existe apenas uma coisa que podemos controlar: a vontade de fazer o bem
e de agir de acordo com a razão. Para tal, faz-se necessário termos coerência para com os
nossos próprios atos. Quando os estóicos falam da vontade de fazer o bem, eles estão
incorporando a escolha socrática que, como já fora dito, afirma que o bem ou a virtude são os
valores supremos e a felicidade consiste na exigência deste bem moral, que é ditado pela
razão e transcende o indivíduo. A virtude não apenas concebe a felicidade; ela é em si mesma
um bem imediato. A felicidade do homem virtuoso é a libertação de toda perturbação, que
gera a tranqüilidade da alma, a independência interior, a autarquia. A paixão, na filosofia
estóica, é algo a ser repudiado, pois trata-se de um movimento irracional. A virtude estóica é a
indiferença e a renúncia a tudo o que escapa ao controle do homem. Devemos nos voltar
somente para a sabedoria, o pensamento e a virtude.
O discurso filosófico estóico é composto por três partes: a física, a lógica e a ética. A
física ajuda o homem a compreender que a racionalidade da ação humana está diretamente
ligada à razão da natureza. As causas exteriores estão encadeadas de maneira racional, de
acordo com a Lei universal que rege a natureza. Para os estóicos, o mundo é um todo orgânico
e a escolha existencial encontra-se na própria natureza. A felicidade é acessível a todos e está
presente neste próprio mundo e não em um superior, como afirmava o platonismo.
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O destino cumpre um papel fundamental no estoicismo, porém, as ações humanas não
são determinadas totalmente por este. Estas dependem também de nossa intenção moral e das
ações dos outros homens. O resultado destas ações é sempre incerto. Assim, o que passa a ter
valor para os homens é justamente a intenção de fazer o bem. Não devemos nos revoltar com
o acaso e sim, caso não obtenhamos êxito por algum motivo, devemos buscá-lo de outras
maneiras e em outras ocasiões. O cuidado que os estóicos têm não é somente o cuidado de si,
mas também o cuidado dos outros; da comunidade dos homens, afinal, estes não agem
movidos por interesses individuais.
Os exercícios espirituais também fazem parte da doutrina estóica que visa o cuidado
de si. A física é um tipo de exercício espiritual, pois, segundo eles, devemos definir
fisicamente os acontecimentos a fim de vê-los em sua essência, ou seja, sem juízos de valor
oriundos principalmente das paixões humanas. Para colocarmos a física estóica em prática
devemos primeiramente, reconhecermos que fazemos parte de um Todo e que devemos
procurar ver todos os acontecimentos segundo a lógica da Razão universal.
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(consciência do seu lugar no cosmos) vividas juntamente. Sendo assim, para que se viva a
filosoficamente, exercendo a sabedoria, faz-se necessário entrelaçar os ensinamentos da física,
da lógica e da ética. Vejamos como Pierre Hadot resume o que constitui a ascese para os
estóicos:
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II - Michel Foucault e o cuidado de si.
_
Michel Foucault, em sua últimas obras as quais correspondem aos dois últimos
volumes da História da Sexualidade: "O Uso dos Prazeres" (1984) e "O Cuidado de Si"
(1985) _ , apresenta uma concepção de filosofia que em muito se aproxima da apresentada por
Pierre Hadot, apesar de não fazê-lo explicitamente. Foucault menciona Pierre Hadot apenas
na introdução ao Uso dos Prazeres sem especificar sua influência.
O objetivo de Foucault era saber por que o comportamento sexual constitui objeto de
preocupação moral. No intuito de responder a esta questão, o autor remontou da época
moderna, passando pelo cristianismo e chegando até a Antigüidade. Sendo assim, no Uso dos
Prazeres, o autor estuda como o comportamento sexual, que implica escolhas morais, fora
influenciado pelo pensamento grego clássico. Já no Cuidado de Si, a problemática está
voltada para a análise, à partir dos textos gregos e latinos, dos preceitos acerca do modo de
vida, que baseava-se na preocupação de si.
Michel Foucault publicou estas duas obras pouco antes de morrer. O seu estado de
saúde era degradante. Homossexual, falecera devido as complicações da Aids apesar de,
segundo os amigo íntimos, não ter certezas sobre o mal que o acometera. O tema da
"estilização da existência" era tratado tanto em sua obra como em sua vida pessoal.
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posteriormente nos primeiros tempos da era cristã. No Cuidado de Si, Foucault afirma que no
mundo helenístico os indivíduos eram mais isolados uns dos outros e buscavam fundamentar
o individualismo segundo as regras de conduta oferecidas pela filosofia, que era, como já
vimos, um modo de vida. O individualismo compreende fenômenos bastante diversos
conforme a época em que se apresentam. Três aspectos variam amplamente conforme
determinada época: a atitude individualista, a valorização da vida privada e a intensidade das
relações consigo.
Foucault chama a atenção para o fato de que na filosofia platônica, o cuidado de si era
realizado através de um movimento dialético que é inerente à alma. Trata-se de uma
atividade, onde deve-se ler, estudar e meditar. Contudo, Foucault chama a atenção para o fato
de que apesar do corpo não ser tido como importante para os estóicos, Marco Aurélio, em
seus escritos, fala de sua saúde corporal e do amor homossexual, que já era algo importante.
Sendo assim, Foucault considera que reside neste ponto uma ambigüidade, pois ao mesmo
tempo que o cuidado de si é referido à alma, os assuntos ligados ao corpo também possuem
importância.
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O segundo exercício é o "exame de consciência", o qual deverá ser realizado pela
manhã e pela noite, considerando respectivamente as tarefas e serem realizadas durante o dia
e a memorização do dia transcorrido, que servia para interrogar a alma. Segundo Foucault,
com este exercício, Sêneca evoca um juiz, o qual não lhe fornecerá nenhuma autopunição e
sim apenas uma sábia reflexão que lhe servirá futuramente. "O que há de mais belo do que
esse hábito de inquirir sobre todo o seu dia? Que sono, este que sucede a essa revista dos
próprios atos? O quanto é calmo (tranquillus), profundo (altus) e livre (liber) quando a alma
recebeu sua porção de elogio e de reprovação" (FOUCAULT: 1985, p. 66).
"É no quadro dessa cultura de si, de seus temas e de suas práticas que
foram desenvolvidas no primeiro século de nossa era, as reflexões sobre a
moral dos prazeres; é preciso olhar para esse lado a fim de compreender as
transformações que puderam afetar essa moral. (...) o campo daquilo que
podia ser proibido em nada se ampliou e não se procurou organizar sistemas
de proibições mais autoritárias e mais eficazes. A mudança concerne muito
mais à maneira pela qual o indivíduo deve se constituir como sujeito moral"
(FOUCAULT: 1985, p. 72).
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Para Foucault, o desaparecimento da estrutura dialética é uma das grandes diferenças
entre a época de Platão e a era imperial romana. Nesta última, o indivíduo passa a ter a
obrigação de ouvir o seu mestre e de ficar em silêncio, e por outro lado, praticar a escuta de si
próprio como instrumento para o descobrimento da verdade. Para Platão, a verdade está
escondida no próprio indivíduo. Já para os estóicos, a verdade passa a ser descoberta no
preceito dos mestres. Segundo Foucault, a memória tem valor crucial no estoicismo, na
medida em que possibilita a conversão do que o mestre disse, em regra de conduta. Sendo
assim, conclui-se que o ascetismo platônico consiste na revelação do si que é secreto. O
ascetismo estóico, por sua vez, consiste num ato de rememoração. Já no ascetismo cristão, o
que conta é a renúncia ao si para que uma outra realidade seja alcançada.
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"...stoïciens et épicuriens s'accordent dans une attitude qui consiste à se
libérer aussi bien du souci de l'avenir que du poids du passé pour se
concentrer sur le moment présent, soit pour en jouir, soit pour y agir. Et, de ce
point de vue, ni les stoïciens ni même les épicuriens n'ont attribué une valeur
positive au passé: l'attitude philosophique fondamentale consiste à vivre au
présent, à posséder le présent et non le passé" (HADOT: 1998).
"A respeito de Foucault, Hadot observa que para ambos (Foucault e ele) a
discussão com a filosofia antiga não possuía um mero interesse histórico.
Isto constitui um fato importante, característico do trabalho histórico de
ambos os autores: trata-se de estudos pertencentes ao campo histórico, mas
que, porém, não são realizados com os olhos de um historiador. A partir do
estudo da filosofia antiga, da ascese da Antigüidade, realiza-se "o protocolo
de um exercício", um exercício de autotransformação, pois Hadot e Foucault
tratam os textos da Antigüidade como 'textos práticos'" (ORTEGA:1999, p.
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No Cuidado de Si, estabelece-se uma noção de que o indivíduo arma sua vida
(estilização). Cada gesto envolve reflexão diária. A vida passa a ser definida como uma obra
de arte, onde a comunidade gay conta com a possibilidade de dispor de uma ética que
organiza e altera a conduta, estabelecendo que mesmo o mundo sendo este, o indivíduo não
deve se dobrar a ele. Foucault sugere que o sexo deve ser tratado como um conjunto de
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práticas a serem aplicadas sobre si mesmo, uma ginástica espiritual. O propósito é conviver
neste mundo impedindo que as experiências provenientes deste último corrompa o indivíduo.
Trata-se de um contragoverno individual. A possibilidade lançada por Foucault, apesar de ser
universal, não tem o propósito de que todos a adotem. Ele propõe uma alternativa, onde à
partir da consciência atinge-se uma libertação genérica. Paul Veyne diz que estas últimas
obras de Foucault constituíram uma ascese pessoal para este: "A idéia de um estilo de vida
desempenhou um papel muito importante nas conversa e na vida interior de Foucault nos
últimos meses de sua vida, que ele via ameaçada" (ORTEGA: 1999, p. 59).
Apesar de Foucault tomar como base o estoicismo, ele cria uma categoria atemporal,
ou seja, com uma razão muito mais móvel e que pode se aplicar a vários contextos. Trata-se
agora de uma estética da existência e não mais de uma ética propriamente dita. São práticas
que podem conduzir o indivíduo a estabelecer uma relação consigo próprio, permitindo
escapar à normatividade, constituindo assim, uma resistência contra um poder subjetivante.
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Conclusão
Especula-se que Michel Foucault tenha sido influenciado pelos argumentos de Pierre
Hadot. Contudo, Pierre Hadot aparece explicitamente na História da Sexualidade em um
único momento: numa uma citação na introdução ao Uso dos Prazeres. Hadot, por sua vez,
escreveu posteriormente um artigo em que comentava as proposições esboçadas por Foucault.
Trata-se do “Refléxions sur la notion de culture de soi” (1988). Um debate mais sistemático
entre ambos não se realizou devido à prematuridade da morte de Foucault, acontecida em
1984.
Michel Foucault, oferece, por sua vez, uma alternativa de cunho íntimo, onde a vida
individual passa a ser definida como uma obra de arte, ou seja, com um cuidado permanente
de si. A comunidade gay passaria a contar com a possibilidade de viver neste mundo e de não
curvar-se a ele. Trata-se de um contragoverno individual, cujo propósito é conviver neste
mundo impedindo que as experiências oferecidas por este acabe por corromper o indivíduo.
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Referências bibliográficas:
ERIBON, Didier. (1990), Michel Foucault. São Paulo, Companhia das Letras.
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