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Desaceleração Econômica da China:

Uma Análise de Causas e Impactos

Fernanda Maia
João Machado
Pedro Santana
Desaceleração Econômica da China e
seus Impactos

Abstract:

Nos anos recentes, tem se percebido uma forte desaceleração nas taxas de crescimento chinesas, que
vinham registrando uma média de 10% ao ano nas ultimas quatro décadas, para 7% no ultimo ano
de acordo, conforme estatísticas oficiais chinesas. Este processo é reconhecido, e nosso interesse
aqui é investigar as possíveis causas para este processo, sendo elas parte da estratégia econômica do
PCC ou uma redução da capacidade do controle do mesmo sobre os ditames econômicos. A partir
disso, buscaremos realizar uma avaliação dos impactos locais e externos deste fenômeno.
Sumário
Introdução.............................................................................................................................................4
Causas e Determinantes para o Processo de Desaceleração.................................................................5
Base Histórica e Material do Desenvolvimento Chinês ...................................................................5
Tendências Recentes e a Criação de um Novo Modelo de Crescimento .........................................8
Transição para um Modelo de Consumo: Sociedade Harmoniosa e Consumidora .....................8
Reformulando o Setor Financeiro ..............................................................................................10
Complicadores E Causas para a Desaceleração .............................................................................10
Desenvolvimento do Setor Financeiro: Perda de Controle sobre a Base Monetária..................10
Mercado Imobiliário: Saturação e Retração da Bolha Especulativa ..........................................11
Consequências Internas ......................................................................................................................12
Impactos Internacionais......................................................................................................................14
Relação Brasil – China ...................................................................................................................16
Relação China – EUA ....................................................................................................................21
Relação China – outros Países........................................................................................................23
Conclusão: ..........................................................................................................................................24
Bibliografia:........................................................................................................................................25
Introdução
A China tem passado, nos anos recentes, por uma redução das suas taxas de crescimento de produto
real que, apesar de ainda se manterem altas, estão diminuindo de ritmo de modo significativo, pela
primeira vez em quatro décadas. Entretanto, enquanto em 1950 o PIB chinês representava menos de
5% do PIB mundial, esta fatia chegou a 16.8% em 2003 (MADDISON, 2008, p. 87). Desta forma,
torna-se evidente que uma redução paulatina no ritmo de aumento da capacidade produtiva chinesa
apresentará desdobramentos expressivos não apenas no front interno ou regional, mas de fato na
economia global como um todo.

Além simplesmente da quantidade bruta de valor agregado pela economia chinesa, é importante
ressaltar o perfil de sua economia, sendo um gigantesco consumidor de commodities (em especial
agrícolas e minerais), sua desaceleração apresentará consequências imediatas para os países
“periféricos”, enquanto sua posição estratégica nas Cadeias Globais de Valor expandirá essas
implicações para diversos países “centrais”, e suas relações diplomáticas e comerciais com os
BRIC+ determinará as mudanças dirigidas as economias “semi-periféricas” (periféricos de domínio
regional).

Structure  of  Top  20  Chinese   2005   2006   2007   2008   2009   2010   2011   2012   2013   2014  
Imports  (In  Billion  USD)  
Commodities   104   135   178   282   225   350   512   561   622   613  
High  Tech  Components   141   175   207   211   188   251   266   293   335   320  
Low  Tech  Components   10   13   29   30   31   40   52   61   71   71  
Final  Goods   28   37   39   46   45   67   82   96   97   114  
Total  Top  20   283   359   454   569   491   708   912   1.012   1.126   1.119  
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da ITC
Desta forma, estruturamos este trabalho em quatro seções, além desta introdução. Primeiramente,
buscaremos realizar uma análise histórico-econômica para definir brevemente os principais fatores
que determinaram o ritmo de crescimento elevado da economia chinesa nos últimos 40 anos, e uma
análise econômica mais recente buscando identificar as causas para a atual desaceleração.
Na segunda seção, vamos avaliar os determinantes e os impactos internos deste processo como um
todo, além do recente refino e sofisticação do sistema financeiro chinês, e a atual redução no
crescimento do nível de renda per capita e seu impacto para o consumo e a demanda agregada.
A terceira seção tenta avaliar como o resto do mundo responderá a esse processo, em especial as
economias “periféricas”, em sua maioria, exportadoras de commodities ou manufaturas baratas para
a China. Como têm-se observado quedas recorrentes nos preços das principais commodities globais
(soja, minério de ferro e barril de petróleo) (World Bank, 2014), e as economias “centrais”, visto a
posição estratégica chinesa em diversas cadeias globais de valor estar se modificando
drasticamente.
A última seção buscará sintetizar uma análise de todo o processo de forma resumida, para tentar
entender a natureza deste processo. Avaliaremos de forma sintética o alinhamento dos impactos
expostos nas seções anteriores com os pontos conhecidos até o momento da atual estratégia de
desenvolvimento chinês.

Causas e Determinantes para o Processo de Desaceleração


A China tem passado, nos anos recentes, por uma redução das suas taxas de crescimento de produto
real que, apesar de ainda se manterem altas, estão diminuindo de ritmo, de modo significativo, pela
primeira vez em quatro décadas. É imprescindível, portanto, realizar uma análise, ainda que breve,
dos principais alicerces deste crescimento sem precedentes por tanto tempo, para aí sim, sermos
capazes de analisar as principais causas que provocaram esta derrocada no processo de acumulação
chinês.

Base Histórica e Material do Desenvolvimento Chinês

Até a década de 70, o crescimento da economia chinesa apresentava-se bem abaixo da média
asiática, e, no cenário político, o estabelecimento da República Popular da China sob o comando do
Partido Comunista Chinês (PCC) promoveu mudanças estruturais maiores do que as percebidas na
era Mei-ji Japonesa, com um altíssimo grau de controle centralizado, num arriscado
empreendimento experimental de grande escala de economia de comando (MADDISON, 2008, p.
85). Apesar das derradeiras consequências da política do Grande Salto para Frente, ela foi capaz de
desenvolver uma indústria de base forte e abrangente distribuída pelo território nacional, que serviu
como alicerce para os desenvolvimentos posteriores. Apesar deste primeiro surto inicial, a China
ainda era uma economia primariamente agrícola. Os anos 80 foram marcados pelo inicio das
reformas liberalizantes, que deram maior autonomia para o empreendedorismo privado ditar o ritmo
de desenvolvimento industrial. Entretanto, a matriz rural chinesa se manteve até os anos 90, sendo a
verdadeira transição para um ambiente mais urbano se consolidando nos 20 anos seguintes, com a
população rural passando de 73,6% em 1990 para 27,1% em 2009. Isto se refletiu em termos de
acumulação, onde a agricultura era responsável por 27% do PIB em 1990, passando para 11% em
2009. (LIN, 2011, p.4 ).

Pauta de Exportações Chinesa em 1990

FONTE: LIN,2011.

Pauta de Exportações Chinesa em 2009

FONTE: LIN, 2011

Este movimento veio acompanhado de uma drástica mudança na pauta produtora e exportadora
chinesa nesses 20 anos, passando para bens de maior valor agregado, com cadeias produtivas mais
complexas. Máquinas e equipamentos passaram de 17% para 47% da pauta, alimentos caíram de
quase 11% para 2,7%. Esse movimento permitiu registro de superávits constantes e crescentes, a
partir de 1997, na balança de bens e serviços chinesa, crescendo em média 15% a.a., enquanto que o
nível de reservas passou de 62% da dívida externa, em 1990, para 550%, em 2009 (WORLD
BANK, 2014). Este movimento permitiu que a China saísse “ilesa” da crise financeira do sudeste
asiático de 1998, e da crise mundial em 2008, e seguisse seu rumo de transformação econômico-
estrutural.

  1990   1995   2000   2001   2002   2003   2004   2005   2006   2007   2008   2009  
Reservas  /Dív.  Ext.   62%   68%   118%   120%   161%   202%   255%   296%   337%   416%   519%   550%  
1 - Variação do Nivel de Reservas Chines entre 1990 e 2009 - (WORLD BANK,2014)

Este movimento pode ser demonstrado através de um índice de qualidade das exportações, que
busca medir a evolução da pauta exportadora em termos de sofisticação de seus bens e de seu
incremento de valor relativo, desenvolvida pelo FMI. (HENN et AL, 2013, pp 3-5)

China Exports
0,95
0,9
0,85
0,8
0,75
0,7
0,65
0,6
1963
1965
1967
1969
1971
1973
1975
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009

Export Quality Index


FONTE: Elaboração própria a partir de dados do IMF(2014)

Podemos definir dois fatores motores chave para o processo de Desenvolvimento Chinês:
Primeiramente, o forte nível de investimentos, que nos anos 2000 parte para a área de construção
civil e criação de polos industriais espalhados pela China, direcionados pelas SOEs (State Owned
Enterprises) e formação de Joint Ventures, aprofundando o processo já iniciado nos anos 90. Esse
elemento não é novidade, visto que já vinha sendo utilizado há pelo menos duas décadas
(MEDEIROS, 2013, p. 435), aliado a um sistema financeiro com baixa capilaridade, com foco
creditício nas Grandes Empresas e Grandes Investimentos. Além do perfil “Investment-Led”, outro
fator motor crucial para o período é o processo de “Catching Up” com a fronteira tecnológica
defendido por Maddison e Lin. (MADDISON, 2008, p. 86) e (LIN, 2010, p. 5). Esta prerrogativa
se baseia na chamada “Latecomer Advantage”, ou seja, um país “periférico” que consegue acessar
de modo inteligente técnicas e tecnologias já desenvolvidas pelos países “centrais” tem maior
facilidade para modernizar sua organização estrutural e parque tecnológico, visto que não precisa de
pesados investimentos em P&D para ser capaz de inovar. Todo o processo chinês de abertura
parcial de sua conta de capitais, impondo fortes limitadores para a entrada do capital externo, aliado
a uma política de compras publicas, acordos de transferência tecnológica e um apoio
institucionalizado a cópia permitiram o desenvolvimento de um parque industrial moderno, com
baixo risco e custos relativamente menores aos sofridos pelos países na fronteira tecnológica, que
não tiveram alternativa aos pesados investimentos em inovação. Desta forma o “latecomer”
consegue crescer a taxas anuais bem maiores do que os países na fronteira tecnológica até chegar ao
ponto que começa a alcança-los.

Tendências Recentes e a Criação de um Novo Modelo de Crescimento

A China ainda possui “vantagens de atraso” (latecomer advantage), que funcionarão como elemento
dinamizador do crescimento econômico pelos próximos 20 anos. LIN (2010, p. 5) aponta como
evidência disso a disparidade de renda per capita entre a China e os EUA em termos de paridade de
poder de compra, que, em 2008, estava entre 21% e poderia chegar a 50% de acordo com as
projeções de MADDISON (2008, pp. 85-92). Aliado a isso, a China tem se tornado um inovador
por contra própria, buscando subir nas cadeias globais de valor e aumentar o valor agregado das
etapas produtivas desenvolvidas em seu território nacional. Além disso, temos a “ida para fora” do
capital chinês, buscando investir, especialmente, no setor de infraestrutura em outros países, como
os da América Latina.

Ao analisarmos o lado de demanda, enxergamos a transformação do perfil econômico chinês,


buscando explorar seu gigantesco mercado e, para isso, realizando uma transformação de perfil
“investment-led” para um perfil de consumo interno. Indícios dessas tendências podem ser vistos
nas políticas recorrentes de valorização do salário mínimo e médio da economia chinesa, junto com
o retorno de algum nível de seguridade social. Conversas das autoridades chinesas com o FMI
apresentam convergência no discurso para tal modelo, ainda que elas não tenham oferecido prazos
concretos para a implementação de reformas (IMF, 2014, p 11). Trabalharemos individualmente em
maior detalhe cada um desses pontos a seguir.

Transição para um Modelo de Consumo: Sociedade Harmoniosa e Consumidora

Apesar dos resultados econômicos surpreendentes obtidos pela China em sua transição de uma
“economia de planejamento central” para uma “economia de mercado”, com elevadas taxas de
crescimento do PIB e crescimento da renda per capita, de USD 144, na década de 70, para USD
3,500, em 2013 (WORLD BANK DATABASE, 2015 – PIB per Capita Deflacionado a Dólares de
2005), nem todos os frutos deste estão sendo distribuídos pela sociedade. O Índice de Gini
apresentou grande variação, chegando a 42, em 2010, em contraste com 27,7 em 1984. (WORLD
BANK DATABASE, 2015). Isto demonstra a transição da sociedade chinesa de uma sociedade
relativamente igualitária para uma das economias mais assimétricas do mundo. Parte deste
processo vem por parte estatal, em especial na política fiscal, que impacta negativamente o índice
de Gini líquido (após impostos e transferências), e pode ser observado no sistema tributário
altamente regressivo, onde impostos representam 13,3% da renda dos 5% mais pobres, enquanto
apenas 8,7% da renda dos 10% mais ricos (CORREA-CARO, 2015). “As ineficiências no sistema
tributário são o obstáculo no caminho da China em um novo modelo de crescimento” (LAM, 2015).
A Transição para um modelo tributário baseado em “Impostos de Valor Agregado” (Value Added
Taxes) seria benéfico para fortalecer um crescimento socialmente mais inclusivo, aliado com a
continuidade do sistema de seguridade social, incluindo pensões e saúde, seriam capazes de causar
impactos macroeconômicos positivos pelo lado da demanda, aumentando o consumo privado
(INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2015) sem prejudicar a arrecadação fiscal, desde que
fosse expandida adequadamente a base tributária (CORREA-CARO, 2015).

Consumo Privado Chinês 2000-2013 em PPP

Consumo Privado (PPP - 2011)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

FONTE: WORLD BANK DATABASE, 2015

Reformas estruturais distributivas, especialmente na política fiscal, podem ser o elemento de


transição para uma economia de consumo interno, visto o gigantesco mercado interno potencial
chinês, com um consumo privado de USD 5 Trilhões em 2013 (Em Paridade de Poder de Compra, a
preços de 2011), crescendo a uma média de 8%a.a. desde 2000 (WORLD BANK DATABASE,
2015)

Por outro lado reformas na seguridade social apresentam outro grande potencial para aumentar o
consumo e compensar as desigualdades presentes. Um fortalecimento do sistema de saúde e
previdenciário tanto em qualidade quanto em abrangência, teriam grandes benefícios
macroeconômicos como a redução da poupança precaucional, liberando uma maior parcela de renda
das famílias para o consumo. Além disso, as alíquotas de contribuição social são bem elevadas,
distorcendo o mercado de trabalho e piorando a qualidade distributiva e favorecendo a
informalidade. Uma redução destas alíquotas, deste que equilibrada com uma reforma tributária
seria outro entrave a ser liberado para o aumento do consumo. (IMF, 2014, pp 13-14)
Reformulando o Setor Financeiro

O sistema financeiro chinês esta pautado numa série de “garantias implícitas” e possui limitações
nas taxas de depósito que distorcem as análises de risco e custo de crédito, contribuindo para
“investimentos ineficientes”. Definir o perímetro de garantias de depósito irá aumentar a segurança
dos investidores deixando bem definido o que é segurado e o que não é. Este movimento poderia
aumentar o nível privado de investimentos, entretanto ao custo de uma maior tolerância a falências
e moratórias empresarias, incluindo das SOE’s. (IMF, 2014, p. 12)

Complicadores E Causas para a Desaceleração

Desenvolvimento do Setor Financeiro: Perda de Controle sobre a Base Monetária

O processo de “modernização” chinesa, em seu mais recente momento, permitiu uma maior
permeabilidade de mecanismos de mercado no sistema financeiro chinês. Este movimento foi
responsável por diversas inovações financeiras e o desenvolvimento do “Sistema Financeiro
Sombra” (Shadow Banking), alterando assim a estabilidade da função de demanda por moeda e a
sensibilidade da economia à taxa de juros. A relação estável entre produto, demanda por moeda e
juros de longo prazo da economia chinesa, foi perdida depois de 2008, devido a grande inovação
financeira neste período, em especial a intermediação financeira não-bancária e contabilidades fora
de balanço (LIAO, 2014, pp 7-8).

Tendências da Velocidade e o Multiplicador da M2 Chinesa

FONTE: LIAO,2014

Desta forma, a M2 está perdendo cada vez mais o lastro com a “base monetária” real da economia,
e, num cenário de menor sensibilidade a juros, torna-se clara uma redução do nível de controle da
atividade econômica dos “policy makers” chineses. Este fator, pode se mostrar complicador no
atual modelo “investment-led”, visto que está prevista uma redução de investimento e crédito, tanto
pelo setor bancário, quanto pelo “setor sombra”, tendo em vista a moderação do setor imobiliário. A
transição para um modelo de consumo, aumentando a capilaridade do setor financeiro, e o nível de
crédito direto para consumo, além da maior oferta de serviços financeiros a população em geral
pode amplificar ainda mais esse processo (LIAO, 2014, pp 13 -18).
Mercado Imobiliário: Saturação e Retração da Bolha Especulativa

O mercado imobiliário tem sido talvez o maior motivo de preocupação da economia chinesa em
tempos recentes. Visto junto com o “sistema financeiro sombra” como o principal risco à economia
chinesa, pelo menos no curto prazo, apresenta íntima ligação com esse sistema. Apesar do risco de
um “pouso forçado” (hard-landing) ser considerado baixo, devido à capacidade do governo chinês
de combater choques, torna-se claro que é necessária uma mudança no modelo de crescimento para
evitar que este mercado “contamine” o restante da economia. (INTERNATIONAL MONETARY
FUND, 2014).
O sistema financeiro chinês é atualmente dominado por instituições financeiras não reguladas,
sendo estas procuradas por seus empréstimos e remunerações atraentes tanto para empresas estatais
e mistas, como governos locais e poupadores em geral. Essas instituições são conhecidas
internacionalmente por “shadow Banks”, ou bancos da sombra. O Instituto de Ensino e Pesquisa
(Insper) estima que os bancos da sombra movimentem 33 trilhões de yuans, o equivalente a R$11,8
bilhões, 50% do operado pelos bancos oficiais (dados de 2014 - Insper).
Os bancos da sombra foram motivadores do grande crescimento do mercado imobiliário chinês
recente, financiando projetos para a construção de cidades inteiras (algumas permanecem sem
habitantes há anos) e, consequentemente causando distorções entre oferta e demanda no segmento
imobiliário, já que as grandes cidades apresentam excessos de demanda, em especial demanda
reprimida e especulativa, com os preços se mostrando sobrevalorizados.
Em 1994 foi posto em prática na China um novo sistema fiscal, tendo este culminado em déficit
fiscal para a maioria dos governos locais, que se viram obrigados a buscar um aumento nas receitas
de forma extra-orçamentária, o que acabou por incentivar o empreendedorismo desses governos nos
mercados imobiliários, buscando o aumento do crescimento via investimentos em construção civil e
financiamento pela venda de terras. Mas apenas o movimento em si poderia vir a destruir as bases
de investimentos feitos em infraestrutura urbana, levando ao “estouro da bolha”.
A construção excessiva, muitas vezes de cidades inteiras, vem se mostrando cada vez mais
redundante, uma vez que não há evidencia de um possível deslocamento de forças de trabalho em
massa. Em algumas cidades o desenvolvimento habitacional já ultrapassou a criação de riqueza
(China Daily, 2013).
O acúmulo de moradias não vendidas já chega a um nível de difícil recuperação. Em setembro de
2014, o governo cortou os juros hipotecários e a parcela de entrada para a compra de imóveis, na
tentativa de impulsionar a economia. Aliado as distorções entre oferta e demanda no segmento, as
empresas chinesas se encontram com altíssimo grau de alavancagem, em especial no setor de
construção civil altamente concentrado. Estima-se que 80% de todo o passivo do setor esteja
concentrado em 60 firmas, que apresentam passivos 3x maiores do que o seu patrimônio líquido.
Consequências Internas
 
As consequências internas desse processo de desaceleração econômica são ainda muito incertas,
uma vez que os acontecimentos são recentes e a economia chinesa se mostrou um caso sem
precedentes na história. Ademais, os dados e informações sobre o tema são muito escassos. O que
se sabe é que as rígidas políticas de filho único e de controle de migração interno, são os ícones
dessas políticas altamente controladoras, somados a uma população rural ainda superior a urbana.

A política de controle de migração interna (Hu Kou) é muito curiosa e difícil de ser entendida por
pesquisadores externos. Trata-se de um documento que informa sua região de origem, região esta
que o estado tem a obrigação de dar assistência, educação pública de qualidade, assistência médica,
etc. Quando este mesmo cidadão resolve migrar por conta própria (pois há exceções quando
autorizados previamente pelo governo em parceria com as empresas contratantes do local de
destino), perde todos os direitos, passando a viver em condições precárias, tendo que colocar seus
filhos em escolas particulares de qualidade inferior ou deixá-los com parentes nas suas regiões
originais, em caso de doenças que precisem de atendimento terá que voltar à mesma província ou
pagar por conta própria. Essa política é considerada por muitos como austera por controlar muito
incisivamente as migrações, mas também é entendida por outros como necessária diante da
população chinesa e como única forma de garantir a qualidade de atendimento de seus cidadãos e
um certo grau de urbanização essencial para o ordenamento de grandes cidades (o que não foi feito
em grande parte da América Latina). O governo chinês tem utilizado a estratégia de criar as
cidades primeiro para depois atrair sua população afim de garantir esse ordenamento, embora haja
algumas exceções e este controle não seja plenamente eficaz em todos os casos. Essa política acaba
interferindo em certa medida na desaceleração econômica uma vez que controla a mão de obra nos
grandes centros produtivos, limitando a capacidade de produção em maior escala.

A notória mudança de mentalidade e de políticas que favoreceram o êxodo rural, nos últimos anos,
ainda não é suficiente para manter um crescimento de dois dígitos por um longo período. Segundo
dados de 2010, a população chinesa estava em terceiro lugar entre no grupo dos BRICs quanto a
quantidade de população urbana, tendo o Brasil o primeiro lugar com quase 85% e a Rússia logo
atrás com 73%. Estudiosos chegam a especular quantos milhões a mais de trabalhadores seriam
necessários para manter o mesmo grau de crescimento para os próximos anos, algo em torno de 400
milhões (dados do World FactBook da CIA no ano de 2014). Para se manter o crescimento médio
anual de 10% seria preciso uma população ainda maior nas cidades e um afrouxamento da política
de controle migratório interno e de controle de natalidade chinês afim de garantir mão de obra
abundante para todos os novos "chãos de fábrica" e assim reduzir a capacidade ociosa ao mais
próximo de zero. Tais medidas se mostram mais do que inviáveis pois gerariam um explosão
demográfica e uma superlotação nos centros urbanos que já estão inflados. Segundo últimos dados
o crescimento populacional está em torno de 0,6% muito abaixo do considerado como explosão
demográfica (2%) e dos 2,7% atingidos na década do 1970, o que mostra um grande êxito desse
controle.

É importante explicar melhor a política de filho único que, atrelada a cultura chinesa de
"feminicídio", acabaram por servir como modeladores da sociedade atual chinesa. A cultura chinesa
altamente centrada no Homem com centro familiar, responsável por cuidar dos pais quando idosos,
por garantir um enterro digno e ficar com toda a herança acabou por empurrar as filhas para
casamentos forçados ou não, mas que incorporassem a família do marido e não tivessem direito
algum sobre a herança deixada pelos pais é algo histórico juntamente com a política de filho único
surgida na década de 70 foi uma forma cruel para que essa rejeição pelo sexo feminino desde o
nascimento se tornasse algo ainda mais declarado. Embora o Governo não estimule e até tente
proibir esta prática (mais recentemente foi aprovada uma segunda gestação em muitas regiões rurais
caso o primeiro filho seja uma menina), é algo muito arraigado desde os tempos feudais. Em
contrapartida o que anima são as pirâmides etárias que mostram que esta diferença do nascimento é
equiparado ao longo da vida, atingindo inclusive uma maioria entre os chineses com mais 65 anos
ou mais, o que mostra que elas vivem mais que os homens (Rocha da Silva, Pascal de 2007.

Com o agravamento da crise internacional de 2008, algumas fábricas do leste Chinês pararam ou
diminuíram suas linhas de produção deixando milhares de desempregados, mas ainda assim a China
apresenta, hoje, uma taxa de desemprego de 4,1%, a mais baixa entre os países dos BRICS e
obviamente muito menor que a Zona do Euro (11,3%). Essas demissões, ainda que consideradas por
alguns especialistas como inexpressivas, geram uma população desempregada que hoje soma cerca
de 952 mil pessoas, que estão na PEI (população economicamente inativa), logo com pouco poder
de compra, reduzindo a capacidade de acesso a demanda interna (Trading Economics de
Março/2015). Porém a PEI chinesa em comparação com a População Economicamente Ativa é
inexpressiva, especialmente se olharmos um panorama global de desemprego: EUA - 5,5%,
Espanha - 23,78%, África do Sul - 26,4%, Iêmen - 29%.

O que se vê num panorama geral e recente dos acontecimentos é que a demanda interna vem
aumentando sustentada por mudanças nas políticas de governo que diminuem a participação do
Investimento no PIB. Na última década o investimento passou dos 50% do PIB (National Bureau of
Statistics no período de 2001 e 2013), na valorização da moeda e sobretudo na redução do
diferencial de salários medidos em Dólar em relação as demais economias emergentes. Segundo
previsões do MDIC Itaú, as taxas de crescimento devem convergir para algo em torno de 6,0% até o
final desta década com uma maior desaceleração dos Investimentos, por outro lado espera-se o
mesmo ritmo de crescimento da década passada para o consumo doméstico. Todo esse processo
exigirá um aumento da participação da renda das famílias no PIB.

Esse desequilíbrio entre parcela de participação do Investimento e do Consumo no PIB vem


diminuindo e é apontado como umas das principais causas internas para a desaceleração. A redução
desse desequilíbrio já pode ser sentido nos últimos dados do NBS, onde o crescimento médio de
8,2% é mais baixo e a composição muito diferente dos anos anteriores, enquanto o investimento
cresceu no mesmo ritmo do PIB, o consumo das famílias cresceu mais (9,1%). A participação das
exportações líquidas continuou caindo passando de 3,8% em 2010 para 2,5 em 2013. Tudo isso
mostra um direcionamento para uma maior independência do mercado global e assim menos
susceptível às especulações de mercado.
 
 

Impactos Internacionais
Uma economia como a chinesa, com 20% da população mundial e a maior taxa de crescimento de
PIB dos últimos anos, não poderia diminuir o seu ritmo de crescimento sem que impactos fossem
sentidos nas nações parceiras. Especialmente quando grande parte desse desenvolvimento veio
através de importações de matérias primas. A economia chinesa foi um dos motores de crescimento
da economia global baseada em um modelo voltado às exportações e aos investimentos.

Desde o início do século XXI, a expansão da economia chinesa se mostrou relevante no


crescimento estável dos preços de commodities (WORLD BANK DATABASE, 2014e). O
consumo doméstico de soja na China cresceu 116%, enquanto sua produção de aço avançou 298%,
entre 2000 e 2008. O estímulo à demanda global impulsionou os preços internacionais de
commodities, que subiram 227% no período (medidos pelo Índice de Commodities Itaú
deflacionado pela inflação norte-americana) (ITAÚ, 2015).

Grande parte dessa relação comercial se deu com a América Latina e uma redução na demanda
chinesa por esse tipo de produto poderia impactar seriamente o crescimento dos países
exportadores, através de uma redução forçada dos preços de mercado, Com destaque para o aço e
outros metais de grande uso para a produção industrial.

O Banco Mundial cita em seu relatório sobre a Desaceleração da Economia Chinesa (jan/2015) dois
canais principais através dos quais a China influencia a performance de crescimento dos países da
América Latina: (i) diretamente, através do comercio e, em certo grau, o Investimento Estrangeiro
Direto (IED); e (ii) indiretamente, pois a expansão da economia chinesa contribuiu globalmente
para o aumento dos preços das commodities, melhorando as receitas de diversos países
exportadores.

Mas esse cenário parece estar mudando e economias que antes cresciam aceleradamente, agora
procuram alternativas. O crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) na região, que vem
diminuindo de forma constante e acentuada desde 2011, deverá alcançar apenas 0,8% este ano
(WORLD BANK DATABASE, 2015). O Escritório do Economista-Chefe para a América Latina e
o Caribe do Banco Mundial em seu estudo semianual, “A América Latina trilha um caminho
estreito para o crescimento: a desaceleração e seus desafios macroeconômicos”, conclui que o
forte crescimento da década passada só poderá se repetir caso sejam implementadas vigorosas
reformas que visem o crescimento (WORLD BANK – Latin America and the Rising South, 2015).

Já o professor de administração da Universidade de Pequim, Michael Pettis comenta em seu blog


oficial que “se olharmos para todos os milagres econômicos da história, eles sempre foram seguidos
de ajustes difíceis, surpreendentemente difíceis, que até os mais pessimistas previram errado”
(tradução livre) (2014).

De acordo com a Bloomberg, as expectativas de crescimento das vendas de varejo e da indústria


para o ano de 2015 passarão longe da realidade (gráficos abaixo).

Vendas do Varejo Internacional (Expectativa vs. Realidade)


Produção Industrial Internacional (Expectativa vs. Realidade)

Mesmo com a redução do ritmo de crescimento, as taxas chinesas são notavelmente maiores que os
demais países, desenvolvidos ou não. Porém as economias se acostumaram a ter a China como
grande parceiro comercial, e a diminuição do crescimento poderá influenciar de perto as demais
economias.
Vamos analisar algumas dessas relações de modo que tenhamos um quadro mais especifico dos
possíveis impactos.

Relação Brasil – China

Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil que, em conjunto com outros
exportadores de commodities se beneficiaram do movimento de aumento dos preços impulsionado
pela economia chinesa. A partir de 2002, a balança comercial brasileira apresentou crescimento
expressivo: em um intervalo de seis anos, o saldo comercial brasileiro saltou de um superávit de
US$ 2 bilhões para um superávit de US$ 40 bilhões (ITAÚ, 2014), sendo o minério de ferro e a soja
os principais destaques nas exportações de commodities brasileiras.

Esse período também foi marcado pelo forte investimento em infraestrutura e no setor imobiliário
por parte do Partido Comunista Chinês, o que impulsionou os preços de algumas commodities
específicas (como o minério de ferro, usado na produção de aço – insumo para a construção) e
compensou parte das quedas de outros preços, observadas entre 2008 e 2009, em função da crise
financeira. As commodities relacionadas a metais, em particular, atingiram níveis maiores em 2011
do que no período pré-crise. Entre 2008 e 2009, ápice da crise mundial, as exportações brasileiras
para a China cresceram quase 30%, fazendo com que a China se tornasse o principal destino das
exportações brasileiras, ultrapassando Estados Unidos e Argentina (Gráfico abaixo).
Principais Parceiros Comerciais do Brasil

Podemos ver através da Tabela 1 a existência de uma relação profunda e de longo prazo entre o
volume de minério de ferro que o Brasil exporta e o consumo de aço na China, o estudo do Itaú
mostra que 1% a mais de aço consumido no país explica um aumento de 0,4% na quantidade
exportada de minério de ferro pelo Brasil:

FONTE: Itaú, 2015

Em dados recentes divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior


(MDIC), a relação comercial Brasil-China totalizou US$ 21,8 bilhões, entre janeiro e abril de 2015,
refletindo 19% de recuo em relação ao mesmo período de 2014 (Tabela Balança Comercial). As
importações da China diminuíram 4% enquanto as exportações demonstraram declínio de 32%,
resultando em uma balança comercial do Brasil com a China negativa em US$ 2,5 bilhões nos
quatro primeiros meses do ano (MDIC, 2015).
Se analisarmos apenas o mês de abril, temos uma queda de 20% no valor total das transações
comerciais entre os países, que somaram US 5,9 bilhões em 2015. Desse valor US$ 3,4 bilhões são
correspondentes às exportações (queda de 23%) e US$ 2,5 bilhões às importações (queda de 15%
em comparação ao mesmo período do ano passado). No saldo do mês temos um superávit de US$
948 milhões (40% menor que abril 2014), (MDIC, 2015).

Balança Comercial: janeiro - abril de 2015 em comparação com janeiro - abril de 2014

A desaceleração da economia chinesa vem acompanhada de uma mudança de perfil econômico do


país, que aumenta gradativamente o poder de compra da população, resultando em um
rebalanceamento que poderá impulsionar as exportações de soja brasileira. Para fazer esta analise o
Itaú, também juntou dados que demonstram a relação entre as exportações brasileiras de soja e o
consumo das famílias chinesas (Tabela Impacto do Consumo). Dessa forma, mesmo que a China
desacelere seus investimentos em infraestrutura e no setor imobiliário, o que já vem diminuindo o
volume de nossas exportações de minério de ferro, a expectativa é que as exportações brasileiras de
soja não sofram um impacto tão negativo, em função do aumento esperado na renda real disponível
na China.

Impacto do Consumo de Soja no Mundo e na China Sobre Quantidade Exportada de Soja

FONTE: Itaú.

A mudança econômica na China não afeta apenas as quantidades exportadas. Ao causar nos preços
das commodities o impacto é visível sobre o valor exportado e sobre a taxa de câmbio do Brasil.
Podemos notar um aumento do saldo comercial e uma injeção de recursos externos, ou seja,
apreciação do câmbio, a partir do aumento dos preços de exportação. Visível nos gráficos 10 e 11
nos períodos entre 2003 e 2008 e, posteriormente, entre meados de 2009 e 2011, ao correlacionar
positivamente os preços internacionais de minério de ferro e soja com a taxa de câmbio. Como
apontado pelo Itaú: “os movimentos altistas de preços nas duas principais commodities exportadas
pelo Brasil geram pressão para apreciação do câmbio. Nos próximos anos, os preços mais baixos de
commodities devem exercer alguma pressão no sentido oposto: para a depreciação cambial” (Itaú,
2014).
Taxa de Câmbio e Preço do Minério de Ferro

Taxa de Câmbio e Preço da Soja

“Ao longo do tempo, o crescimento do investimento no Brasil esteve altamente correlacionado ao


ciclo de commodities (gráfico abaixo). Isso ocorre por vários motivos. Primeiro, um aumento dos
preços internacionais de commodities aumenta a rentabilidade de projetos direta ou indiretamente
associados ao setor de commodities, estimulando mais investimentos. Segundo, a apreciação
cambial relacionada a ciclos altistas do preço de commodities barateia o preço de bens de
investimento importados. Terceiro, a melhora nas contas externas devida a ganhos de termos de
troca reduz o prêmio de risco requisitado por investidores estrangeiros e, assim, diminui o custo de
capital de firmas brasileiras. As mesmas relações se mantêm quando ocorrem quedas de preços,
provocando o efeito contrário. Nossas estimativas sugerem que uma queda de 10% nos preços de
commodities leva a um recuo de 1,2% da formação bruta de capital, tudo o mais constante” (ITAÚ,
2014).

ICI vs. Investimentos no Brasil

De outro lado, as mudanças na economia chinesa podem representar uma oportunidade de


crescimento para o Brasil. Os salários do setor industrial chinês têm crescido acima de 10% a.a., o
que causa uma redução na diferença entre os salários dos dois países, fator chave para os
investimentos internacionais, em especial no setor manufatureiro. Se bem aproveitado o espaço
criado poderia atrair bons investimentos para o Brasil. O crescimento dos salários na China, a
depreciação do real e a apreciação do renminbi não parecem ser fatores momentâneos, a perspectiva
de manutenção desse quadro é apontada como uma realidade para os próximos anos (ITAÚ, 2014).
No gráfico de convergência entre os salários relativos podemos observar a razão entre o custo por
hora trabalhada no setor manufatureiro da China e do Brasil.
Convergência entre os salários relativos

“Para reforçar essa trajetória é necessário que o país aumente sua produtividade, seja via
investimentos adicionais, em capital físico e na qualificação da mão de obra, seja via
reformas que reduzam o custo-Brasil” (ITAÚ, 2014). O que podemos observar é que o
novo modelo de crescimento da China, voltado para um mercado interno cada vez mais
exigente e com maior poder de compra, gera as oportunidades que o Brasil precisa para
desenvolver outras áreas e retomar os ganhos de produtividade.

Segundo Li Keqiang, primeiro ministro chinês em visita ao Brasil em 19 de maio de 2015,


“o desenvolvimento da indústria de transformação é favorável para o melhoramento da
estrutura econômica e a China está fazendo a atualização da sua indústria e também está
disposta a facilitar e liberalizar o comércio”.
A visita resultou em 35 acordos bilaterais e no fim ao embargo da exportação de carne
brasileira para a China (O Estado de São Paulo, 19 de maio de 2015).

Relação China – EUA

Na década de 70, tanto os Estados Unidos quanto a China enfrentavam sérios desequilíbrios e viram
um no outro o auxílio necessário para alcançar seus objetivos. Enquanto os Estados Unidos se
preocupavam com a expansão do poder socialista da União Soviética, a China corria o risco de uma
invasão real de seu território por parte da URSS. Deste modo o primeiro viu na segunda uma
oportunidade de se beneficiar de mão de obra barata e de um mercado interno em crescimento;
enquanto a segunda receberia a tecnologia necessária para investir no seu desenvolvimento
industrial e tecnológico, a exemplo da exploração petrolífera.
O crescimento explosivo das exportações chinesas, assim como o acumulo de superávit comercial
com os EUA, foi um fator crucial para o desenvolvimento da China (MEDEIROS, 2000). Observa-
se a partir da década de 70 o avanço nas trocas comerciais entre os países, porém a partir da década
de 80 se destaca o déficit comercial dos EUA com a China, passando de US$426 milhões em 1985
para US$ 266,3 bilhões em 2008 (Tabela abaixo).

Balança Comercial dos EUA com a China: 1975 a 2008

FONTE: BNDES
No ano passado, a China ultrapassou os Estados Unidos em paridade do poder de compra e destaca-
se como uma grande receptora de investimentos norte-americanos, apresentando um estoque de
US$ 70 bilhões de investimento das grandes multinacionais americanas. A China afirma-se como o
primeiro país entre os países em desenvolvimento em termos de renda transferida para as empresas
dos EUA (MEDEIROS, 2005). E vem, ao longo da última década, substituindo os Estados Unidos
como principal parceiro comercial dos países da América Latina (Gráficos abaixo)

Exportações da América Latina e Caribe para a China e Estados Unidos


Relação China – outros Países
É também o principal destino das exportações da Tailândia e ocupa o segundo lugar para países
como Indonésia, África do Sul, Brasil e Japão – nos dois últimos, não está longe da primeira
posição.

A China é, ainda, o terceiro maior mercado para a União Europeia (formada por 28 países) e o
quarto principal destino das vendas do Reino Unido e dos Estados Unidos.

De acordo com o relatório do Banco Mundial sobre a Desaceleração da economia chinesa de


janeiro/15, o impacto da China nos perfis de exportação de países da América Latina foi
significativo. Argentina, Uruguai e Paraguai exportam principalmente produtos agrícolas, enquanto
Chile e Peru exportam metais e Colômbia e Venezuela se distinguem por exportar basicamente
Petróleo.
Conclusão:

A luz dos estudos e dados analisados no presente trabalho, torna-se impossível ainda determinar se
o processo de desaceleração econômica da china é um processo inteiramente planejado ou acidental,
sendo uma provável combinação de ambos os fatores. Apesar do tradicional elevado grau de
confidencialidade das políticas e diretrizes do PCC, podemos observar algumas tendências do atual
governo de Xi Jingping.
Por um lado a redução das taxas de crescimento facilitam o movimento de "Ida para fora" do capital
chinês, que busca oportunidades mais rentáveis, apesar de mais arriscadas, na África e no restante
da Ásia, movimento este também alinhado com a necessidade de uma reorientação da poderosa
industria de construção civil chinesa, que pode buscar novas oportunidades para além das fronteiras
nacionais após a bolha imobiliária chinesa. Dentro desta ótica, o processo de desaceleração parece
natural, até alinhado com a atual estratégia do presidente, que também assume as secretarias de
economia e relações externas.
Por outro lado, a China ainda está em seu processo de urbanização, fortemente atrasado pela
política do Hu Kou, que pode ser visto como uma alternativa para a retomada do crescimento. Este
processo está alinhado com a transição para uma economia de renda média, que utiliza o consumo
de seu gigantesco mercado interno como motor para o crescimento. Esta visão favorece a ideia de
que este processo seria mais autônomo e menos planejado, aliado a uma perda da capacidade de
Pequim de controlar as variáveis macroeconômicas fundamentais para o desenvolvimentismo
adotado até então. No front externo, vemos que este processo atrapalha a recente empreitada
chinesa de permeabilizar e dar curso ao Reminbi em transações internacionais. A redução do nível
de atividade, compromete o preço das commodities arrefecendo o crescimento das economias
latino-americanas, grandes parceiros comerciais chineses, e reduzindo a permeabilidade da moeda
chinesa nestas economias frente ao dólar americano.
Essa dicotomia entre as consequências do processo e os aparentes objetivos do Partido, torna difícil
uma avaliação da adequação deste processo aos interesses revelados da atual gestão chinesa,
portanto torna-se impossível uma conclusão unilateral para o presente trabalho. Restanos apenas
avaliar que este processo apresenta tanto desafios quanto oportunidades para o PCC e sua lógica de
expansão do Estado chinês para além de suas fronteiras nacionais.
 

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