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Universidade do Estado de Minas Gerais

A Realização do Staccato no Clarinete

Graduando: Alphonsos de Melo Silveira – 8º Período


Orientador: Daniel da Costa Campos

Belo Horizonte
2006
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Resumo: Esse artigo tem por objetivo abordar a realização do staccato na
clarineta através da participação de determinados músculos e do funcionamento
fisiológico de estruturas anatômicas que estão diretamente envolvidas na produção
desse tipo de articulação musical; propor uma auto-reflexão do músico instrumentista à
observação corporal no momento da realização do staccato e, sugerir exercício para
produção do staccato. A metodologia consistiu em apontar a anatomia e a
neurofisiologia humana que compõem o sistema fonador (língua – articulações,
inervação e musculatura) e o sistema respiratório (diafragma – músculos e inervação),
abordar a embocadura do instrumento, a definição do termo staccato, os tipos de
staccato, as características e formas de realização do staccato. Terá como foco
principal, o estudo no movimento da língua, músculo imprescindível à realização, na
palheta, do resultado sonoro do staccato.

Introdução

O termo staccato é um dos mais conhecidos e falados pelos musicistas,


intérpretes e músicos de maneira em geral. Já nas primeiras aulas do estudo do
instrumento de sopro, já se fala na articulação (apresentação) das primeiras notas que
se farão soar no instrumento. À medida que o aluno se desenvolve no estudo da
técnica do instrumento, o termo staccato é mais utilizado pelo professor que exerce
uma cobrança maior no resultado sonoro que se deseja que o aluno realize. No
dicionário de música (Zahar, 1985), o significado é:

Destacado. Instrução para indicar que as notas assim marcadas (com pontos)
devem ser tocadas de modo ligeiramente mais breve que seu valor de tempo
normal, com pequena pausa entre elas. Com isso se separam umas das outras
as notas em staccato. É o oposto de legato.

Com o passar do tempo, o aluno já compreende como realizar o staccato, na maioria


das vezes, por ouvir o modelo sonoro apresentado pelo professor realizá-lo e consegue
imitar apresentado pelo professor. Assim, com o passar do tempo e com o significado
do termo já “entendido”, o aluno passa a realizá-lo de forma natural e as dúvidas que
surgem são concentradas apenas na maneira de realizar com primazia os diferentes
tipos de articulações, como: portato, brando, legato dentre outros.
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Fisiologia do Sistema Fonador

O sistema fonador é constituído por: traquéia, laringe, faringe, boca e língua.


A traquéia é um tubo constituído de músculo, com aproximadamente 1,5
centímetros de diâmetro por 10-12 centímetros de comprimento que se bifurca ligando
a laringe aos brônquios. Ela tem como função conduzir o ar aos pulmões para a troca
gasosa.
A laringe é a responsável pela produção dos sons, pois nela localizam-se as
cordas vocais. Estas, por sua vez, são constituídas de tecidos esticados como duas
pregas que relaxam e contraem de acordo com a musculatura da laringe.. Para produzir
o som, as pregas vocais devem estar contraídas de modo a produzir um pequeno
espaço entre elas, pois o diafragma e os músculos do tórax expelem o ar que sairá com
uma pressão suficiente para vibrar essas pregas e produzir o som. Quando, no ato da
inspiração, as pregas vocais estão relaxadas, elas não vibram e, consequentemente,
não produzem nenhum tipo de som. Cabe ressaltar que além das pregas vocais, outras
estruturas do sistema fonador estão envolvidas na produção do som.
A faringe é um canal músculo-membranoso que se estende verticalmente, à
frente da coluna cervical, atrás das fossas nasais, da cavidade bucal e da laringe, ela
assume uma forma afunilada, porém, irregular.
Já a boca é constituída pelos dentes e pela língua. A boca possui ao seu redor,
glândulas que produzem a saliva, cuja função é iniciar a transformação dos alimentos
em produtos mais simples, facilitando a digestão. Os dentes variam de forma de acordo
com sua função. Podemos distingui-los em: incisivos, cuja função é cortar os alimentos;
caninos que são responsáveis por rasgar os alimentos; pré-molares e molares, que
servem a trituração dos mesmos. A língua é o músculo alongado, móvel, situado na
cavidade bucal, que serve para a degustação, para sucção, para mastigação, serve
também para a passagem dos alimentos da boca para o esôfago através da faringe (ato
de engolir), e para a articulação dos sons da voz. É também responsável pelo paladar.
Dada à importância da língua na realização do staccato descrevemos agora os
nervos envolvidos no seu movimento. São quatro nervos cranianos que constituem o
nervo lingual: o trigêmeo, cuja função é a sensibilidade; o facial responsável pela
sensibilidade gustativa; o glossofaríngeo responsável pela sensibilidade em geral e,
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também, pela gustação e o hipoglosso, cuja função é inervar todo sistema motor da
língua. O nervo trigêmeo se divide em três partes: oftálmica, maxilar e mandibular.
Desses nervos, o mais importante para o movimento da língua é o hipoglosso.
A língua é constituída por musculatura intrínseca que se estendem desde a ponta
até a base da língua, ela não contém fixação óssea, e ela permite a língua encurtar-se,
estreita-se ou curvar-se em diferentes direções. Há também, uma musculatura
extrínseca na língua constituída pelos músculos genioglosso, hioglosso e estiloglosso
que forma a sua parte inferior promovendo pontos de fixação, cuja função é mover a
língua em todas as direções. Além dos nervos, é necessário compreender os principais
músculos responsáveis pela movimentação da língua. São eles:
 Músculo Genioglosso: sua origem é da espinha da mandíbula, o corpo da língua
atua-se com o formato de um leque, ele demonstra grande quantidade gordurosa
entre as fibras e sua função é puxar a língua para frente e para baixo.
 Músculo Hioglosso: corno Maior (osso hióide), atuando nas partes laterais da
língua, sua função é puxar a base da língua para trás e para baixo.
 Músculo Condoglosso: corno Menor (osso hióide) contem os mesmos atos e
funções do Músculo Hioglosso.
 Músculo Estiloglosso: origem estilóide (osso temporal), seu ato é penetrar nas
partes laterais da língua póstera, e sua função é puxar a língua para trás e para
cima.

Sistema Respiratório

O sistema respiratório é composto de órgãos responsáveis pela entrada e saída


de ar no organismo. Ele realiza as trocas gasosas de oxigênio por dióxido de carbono
entre o organismo e o meio ambiente, num processo denominado hematose pulmonar,
pois ele acontece nos pulmões. Essa troca gasosa tem como função auxiliar a
regulação da temperatura corporal e do equilíbrio do pH no sangue.

Além dos pulmões, o sistema respiratório é constituído pelas seguintes


estruturas: fossas nasais, brônquios, boca, faringe, laringe, traquéia, bronquíolos e
alvéolos pulmonares. Algumas dessas estruturas também fazem parte do sistema
fonador como, por exemplo, a boca, a laringe, a faringe e a traquéia.
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As fossas nasais têm como função filtrar o ar que entra pelas vias respiratórias
através dos pêlos presentes na cavidade nasal e, também, através do muco secretado.

Os brônquios são ramificações da traquéia que se extendem até os pulmões,


onde se subdividem assumindo proporções microscópicas (podendo chegar à
espessura de um fio de cabelo) denominadas bronquíolos. Os Brônquios tem a função
de levar o ar até os pulmões.

A respiração é de fundamental importância para o instrumentista de sopro, pois,


é ela que possibilita o ato de soprar, garantindo não apenas a saída do ar, como
também o princípio da sua transformação em som através da vibração da palheta no
instrumento. Para tanto, é necessário uma pressão adequada, e controlada do ar que é
possível graças ao trabalho do músculo do diafragma.

O diafragma é constituído de fibras musculares que se fixam na base da caixa


torácica. Esse músculo separa a cavidade abdominal da cavidade torácica, sendo
ativado pelo nervo frênico. No ato da inspiração, o diafragma se dilata provocando a
contração da musculatura abdominal que assume uma forma circular. Devido a isso, o
diâmetro da cavidade torácica é aumentado permitindo uma maior concentração do
volume de ar no organismo. Já no ato da expiração, esse músculo se contrai permitindo
ao pulmão expelir o ar.

Inspiração expiração
O sistema respiratório é importante para que o staccato aconteça, pois, se a
coluna de ar não tiver pressão suficiente para manter a nota contínua, possivelmente o
clarinetista não conseguirá ter um staccato seguro, e por isso seu staccato será
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irregular, portanto o sistema respiratório está ligado diretamente com a realização do
staccato.

Embocadura

A embocadura é constituída por músculos faciais, no qual cada músculo tem uma
função diferente. Alguns dos principais músculos são:
 Músculo levantador do lábio superior: sua origem é da massa muscular do
músculo Orbicular do olho, ele atua no ângulo da boca.
 Músculo depressor do ângulo da boca: sua origem é da base da mandíbula,
atua-se no ângulo da boca e lábio superior.
 Músculo levantador do ângulo da
boca: se origina no maxilar e na fossa
canina, atua na musculatura do
ângulo da boca e do lábio superior.
 Músculo depressor do lábio inferior:
sua origem é da base da
mandíbula, ele atua no lábio inferior.
 Músculo bucinador: tem sua origem no
corpo da mandíbula, na maxila
(extremidade posterior), e na fácia
bucafaríngea, ele atua no ângulo da
noite, sua função estreita o átrio da cavidade
da boca, expele o ar e é importante na mastigação.
 Músculo transverso do mento: Sua origem é da parte anterior e lateral da
mandíbula, atua-se no ângulo da boca.

Embocadura é o termo usado no meio musical para referir-se à maneira como o


músico-instrumentista acomoda sua boca de acordo com o tipo de instrumento. No que
diz respeito ao instrumento clarinete, os lábios inferiores revestem os dentes inferiores
apoiando a palheta, e os dentes superiores apóiam na parte de cima da boquilha
fixando-a na boca. A embocadura é essencial para a sonoridade do músico e está
diretamente envolvida no controle da afinação. Deve-se tomar o cuidado para o controle
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da pressão do lábio inferior na palheta, pois, esta deverá manter uma distância com
relação à ponta da boquilha, ou seja, necessita de espaço para vibrar e,
consequentemente, fazer com que o som seja produzido, como diz Jack Brymer:

“Certamente os lábios têm uma função importante, assim como


também os dentes. Possivelmente o exercício da função muscular dos
lábios, em especial o lábio inferior (já que o lábio inferior está em contato
com a palheta e age como um amortecedor de suas vibrações), tem uma
relação direta sobre o tipo de som produzido pelo
executante” (Clarinet, p.123).

O que é Staccato

O Staccato, palavra de origem italiana que significa destacado, é um tipo de


articulação que resulta em uma separação sonora de duas notas, produzindo um som
mais curto e mais seco, na qual sua simbologia é representada por um ponto em cima ou
embaixo da nota, e isso é de acordo com a posição da haste, e sua simbologia significa
que deve valer a metade do valor da figura. Nos instrumentos de sopro, este termo indica
que deve haver uma separação de som, na qual deverá ter por duração, metade do valor
da figura à qual estiver escrito.
Existem vários tipos de Staccato, são alguns deles:

 Staccato Simples: É representado por um ponto em cima ou em baixo da nota de


acordo com a haste, e sua realização sonora é a metade do valor da nota. Sendo
esse o tipo de staccato que será abordado no presente artigo.
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 Staccato Secco, Staccatissimo, Staccato Grande, Staccato Martelado: Todos têm
a mesma função e é representado por um triangulo com sua ponta virada para a
cabeça da nota independente da posição da haste, e sua realização sonora é um
quarto do valor da nota.
 Staccato dolce, Staccato Misto, Meio Staccato: Todos têm o mesmo valor, esse
tipo de staccato também é chamado de portato, ele é representado por um ponto
e um traço sendo o ponto próximo à cabeça e o traço logo após, essa ordem não
inverte, independente da posição da haste. Esse staccato quando é
representado em mais de uma nota, em vez do traço usa-se uma ligadura, da
primeira nota a ultima. E sua realização sonora representa três quartos do valor
da nota.

Como Realizar o Staccato

Para realizar o staccato no instrumento de palheta simples ou duplo*, o processo é de


interromper a vibração da palheta com o dorso língua que é a parte superficial, quanto
mais rápido o movimento da língua, e menor o espaço entre a língua e a palheta mais
curto será o som produzido.
Para ter um bom staccato necessita-se de uma embocadura bem precisa, pois se
estiver muito relaxada, conseqüentemente, todos os músculos estarão relaxados, e se a
embocadura estiver enrijecida ou com a musculatura travada, o som não irá sair e nem a
língua irá movimentar-se. Como disse DUDY WIEDOEFTIS:

Comparando a língua com uma bola de tênis, quanto mais


perto à bola chegar da terra, mais rápidos serão os seus pulos.
Portanto, faça essa língua parecer essa ação, trazendo-a mais
perto da palheta quando a rapidez desejada. (Secret of staccato
for the saxofone).

*Palheta simples: uma lâmina de cana-do-reino, cortada e raspada de acordo com as dimensões do instrumento. A
palheta simples tem formato aproximadamente retangular, com uma das extremidades arredondada e mais fina. A
palheta é acoplada e presa a uma peça chamada boquilha que serve como anteparo, contra a qual a paleta vibra para
produzir o som. Palheta dupla: Feita de duas lâminas de bambu ou material sintético são amarradas uma contra a
outra através de um tubo de metal e cortiça, que é acoplado ao instrumento Não é necessário uma boquilha, uma vez
que uma palheta está em contato com a outra. O músico pressiona as palhets entre os lábios enquanto sopra para
produzir o som.
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Alguns alunos clarinetistas no inicio de seus estudos imaginam que, o staccato é


realizado com a ponta da língua, que será tratado como parte medial posterior.
Entretanto, a prática apresentada mostra que o staccato é mais bem realizado com a
parte de trás da língua que, posteriormente, denominaremos parte medial inferior.
O princípio básico para iniciar os estudos quanto ao movimento da língua é:

 Sem trancar os dentes e mantendo a boca não muito aberta, mas o


necessário para manter uma simples respiração, coloca-se a ponta da
língua entre os dois dentes frontais do maxilar inferior.

 Em seguida sem tirar a ponta da língua do meio dos dentes e sem


movimentar o maxilar, pronuncie “Da...Da...” ou “Ti...Ti...” repetidas vezes e,
com a musculatura bem relaxada, eleve a parte medial inferior até o palato
duro (céu da boca).

Esse treino é só uma base de como a língua se movimenta dentro da boca, pois
junto ao instrumento, ela deve trabalhar de maneira recuada e, portanto, a ponta da
língua não irá se manter fixa entre os dentes frontais do maxilar inferior e, ao invés da
parte medial inferior encostar-se ao palato duro, ela irá encostar-se na palheta
interrompendo suas vibrações.
Quando estiver realizando esse exercício prático, deve-se lembrar do controle da
pressão do diafragma, sendo necessário para manter a coluna de ar, bem como, da
embocadura necessária para manter a boquilha fixa para se atingir uma boa
sonoridade. Além disso, é imprescindível que a língua esteja relaxada, o que permitirá
a sua movimentação de forma rápida e eficiente.
Em seguida exercícios para praticar o que foi sugerido, de como realizar o staccato
nessa nova abordagem. Esta forma foi apresentada primeiramente com o sol três ( a
numeração tem relação com as oitavas do piano ), pois é uma nota de fácil emissão
sonora, no estudo estão sendo apresentados os seguintes valores: mínimas,
semínimas, colcheias, quiálteras de colcheias e semicolcheias. Deve ser praticado com
paciência.
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Depois de ser praticado com a nota sol, tendo êxito em seus estudos, é
aconselhável, praticar da mesma maneira com todas as outras notas, subindo e
descendo gradativamente, assim fazendo toda a escala do seu instrumento.
Após entender e praticar o staccato, com o exercício proposto, efetuar na prática
diária de estudos, o staccato nas escalas maiores e menores.

Conclusão

Conhecer a abordagem do sistema fisiológico e anatômico é importante para que o


músico instrumentista tenha consciência do que acontece com seu organismo no
momento em que o staccato está sendo realizado. Através dessa abordagem, acredita-
se que o instrumentista possa estudar a realização do staccato com mais consciência a
partir do conhecimento do funcionamento das estruturas musculares envolvidas. Assim,
o músico instrumentista que conhece o funcionamento do sistema fisiológico envolvido
na realização do staccato saberá analisar melhor como fazê-lo, bem como detectar
falhas na articulação de determinadas formas do staccato.
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