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E ditora E spírita C ristã F onte Viva

10a Edição:
do 42° ao 44° milheiro
Capa:
Pedro Paulo Silva
Folha de R osto:
Foto de afresco pintado por Laerte Agnelli no
Núcleo Espírita Irmão Kamura, em São Paulo, SP.
Editoração:
Alcione de Quadros Corrêa
Im pressão:
Lis Gráfica e Editora Ltda.
Impresso no Brasil
Presita en Brazilo

1999

Todo o produto desta obra é destinado à divulgação da Doutrina Espírita, tendo o


médium João Nunes Maia e seus familiares cedido os direitos autorais à
Editora Espírita C ristã Fonte Viva
Rua Dona Euzébia, 100, Bairro Providência,
31814-180, Belo Fiorizonte, MG, Brasil.
Telefax: (0xx31) 433-0400
E.Mail: fontviva@fontviva.com.br
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Shaolin (Espírito).
Ave Luz / Shaolin; (psicografado por) Jõao Nunes
Maia. — 10a ed. — Belo Horizonte: Fonte Viva, 1997.

1. Espiritismo 2. Psicografia I. Maia, Jõao


Nunes, 1923-1991 II. Título.

97-5315 CDD-133.93

índices para catálogo sistemático:

1. Mensagens psicografadas : Espiritismo 133.93


Imprime-se em nós a idéia luminosa de, antes de falarmos alguma coisa sobre a
obra Ave Luz, endereçarmos uma prece ao Senhor como gratidão a tão grande
dádiva dos Céus à Terra.

E foi o que fizemos, porque somente o coração sabe falar a linguagem do amor. Por
outro lado, é mister reconhecer os valores da inteligência para a difusão da
verdade. Unamos as duas forças para a glória de Deus.

E importante considerar que a justiça nos dá meios de dizer que o Cristianismo


começou a reviver a sua pureza primitiva no século dezenove, chegando aos dias
atuais com a luz fulgurante que consola e instrui.

Ave Luz é uma luz em forma de livro, que banha a mente e o coração de todos
aqueles que o lerem. E algo vivo do Cristo que as letras nos transmitem e que a
memória relembra sobre uma fração da história do grande Mestre de Nazaré. O s
cinqüenta capítulos deste livro equivalem a um celeiro de conceitos dos mais
elevados na área da pureza espiritual. Eles consolidam, no estudante, as leis que
garantem e sustentam a própria vida. Um culto do Evangelho sob a inspiração
destes textos restaura a harmonia do lar, se porventura faltar nele a paz, sem
contarmos o esforço de cada um na alta educação que a leitura propicia.

Invadem-me a alma sentimentos de alegria ao participar da difusão desta obra.


Que ela, em nome de Deus e do Cristo, possa chegara muitos lares, induzindo-os à
caridade e ao amor, e ainda mais, à esperança que as mensagens têm a primazia
de despertar nos que as ouvem.

E senso comum que a luz vem de Deus. Pois essas letras são sóis da grande
constelação de Cristo, da imensa e infinita casa do Pai. E felicidade maior para mim
é se eu puder participar das comunidades familiares que se reunirem para 1er esta
obra na faixa do amor, trazendo Betsaida para dentro de casa, com Jesus e os doze
apóstolos rasgando o véu de Isis das consciências e colocando em cima da mesa a
luz que nunca vai se apagar.

Ave Lu z é um livro bom para principiantes da Doutrina Espírita. No entanto, para os


velhos seguidores do Mestre, ele é um tesouro que não se confunde com os valores
da Terra, porque é o alimento e o ouro das almas.

Salve a luz, salve Cristo, Salve Deus.

Maria Nun<

Psicografado por João Nunes M a ifJ


em 1 5 de junho de 19 7 7 , na cidade de Belo Horizonte, Minas Gera -)j
Ave Luz

Diante deste livro, recordamos o versículo 25,


do Capítulo 21, do Evangelho, Segundo o A póstolo João
Evangelista:

‘‘Há, porém, ainda muitas outras coisas ipu■Jesus fez. Se todas


elas fossem relatadas, uma por uma, creio eu que nem no mundo
inteiro caberíam os livros que seriam escritos”. João, 21:25.

E, meditando na sabedoria dos diálogos inesquecíveis que


se registram nestas páginas, permitimo-nos lembrar os cristãos
dos tempos apostólicos, reformulando lhes a saudação, perante
o Santo Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo:

Ave Luz! Nós outros, os teus pequeninos servidores que,


por tua Infinita M isericórdia, estamos saindo das trevas da
ignorância para a luz do conhecimento, aqui nos encontramos a
fim de expressar-te a nossa gratidão e o nosso amor para sempre.

Emmanuel

(Página recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em 29 de Agosto


de 1983, na cidade de Uberaba, MG).
Sumário

Prefácio,9
Algumas Noites Com Jesus, 13
Tolerância, 17
Justiça, 23
Amizade, 29
Serenidade, 35
Dignidade, 41
Compreensão, 47
Entendimento, 53
Solidariedade, 59
Companheiro, 65
Igualdade, 73
Respeito, 79
Gratidão, 87
Ouvir, 93
Falar, 99
Pureza, 105
Aceitar, 111
Contribuição, 119
Tesouros, 125
Felicidade, 131
Libertação, 137
Fecundação, 143
Ouro, 149
Ide e Pregai, 155
Cura, 163
A Dor, 169
Inteligência, 175
Bondade, 181
Oração, 189
Dois ou Mais, 197
Dar o Que Tem, 205
Esperar, 215
Otimismo, 223
Viver, 231
Solicitude, 239
Energia, 247
Brandura, 255
Hospitalidade, 263
Bem-Aventuranças, 271
Verdade, 279
Universalidade, 289
Benfeitor, 295
Trabalho, 303
Confiar, 311
Ajudar, 319
Desprendimento, 329
Alegria, 337
Perdoar, 347
Fraternidade, 353
Caridade, 359
Amor, 365
O Cristo Orador, 371
Prefácio

O liuroAve Luz é um pequeno esforço nosso,


pálida literatura no imenso acervo de conhecimentos com que
os espiritualistas do Brasil e do mundo foram agraciados.
Alguém, na pátria espiritual, nos pediu para sintetizar, em
forma de mensagens, os encontros de Jesus com os discípulos
na fam osa aldeia de Betsaida. Ainda ficam desconhecidos
muitos segredos da fala de Cristo, que certam ente outros
espíritos poderão revelar, todos da maior preciosidade. Cabe
a nós agradecer aos céus a oportunidade de escrever mais
alguma coisa sobre esse assunto transcendental, do qual nunca
nos cansam os. Q uando recorríam os aos nossos arquivos
espirituais para a realização deste trabalho, tínhamos emoções
inexplicáveis de amor que nos impulsionavam para o trabalho
do bem, em todas as direções da vida.
Nós tivemos a felicidade de conhecer Jesus e de sermos
chamados por Ele, mas os bens materiais que possuíamos
falavam mais alto em nosso coração c nos fizemos de surdos.
A experiência nos diz que ainda não estávamos preparados
para esse banquete de luz a que os céus nos convidavam.

9
(João OCunes OKaia / 3 /jaoI/n

Doze homens no reino da Galiléia... Eles foram, na época,


portadores de certa cultura. As letras não tinham muitos segredos
para mim e é por isso que posso afirmar com grande alegria
que, ao contrário de alguns escritores espiritualistas que colocam
quase todos os discípulos como analfabetos, eu, que os conheci
pessoalmente e conversei com todos eles, posso afirmar que, na
verdade, eram homens dotados de grande sabedoria e de
raciocínio que faziam inveja aos doutos. Eram, na maior parte,
homens simples. Todavia, a simplicidade em beleza mais a
sabedoria. Depois então que conheceram o Messias prometido,
iluminados pela presença de Jesus, tinham incrível facilidade
de conversar, de entender e de viver os mais altos preceitos que
ouviam do Mestre. Eram espíritos preparados pelo mesmo Cristo
no mundo da verdade, antes de virem à Terra. Nenhum deles era
ignorante. Todos tinham almas moldadas na forja do tempo e do
espaço, com o fogo purificador de milhões de anos.

O livro Ave Luz marca para os espíritos que estagiam na


T erra o que podem alcançar, m esm o no m eio de auras
provações. E é bom que todos se conscientizem disto. Na escala
em que estais no mundo de carne, nada podeis fazer de bom
sem o incentivo da dor, que é a mensageira que desperta as
qualidades maiores do coração. A dor, porém, tem vida curta
em com paração com a eternidade. Fom os feito s para a
felicidade e, depois de conquistá-la sob as bênçãos de Deus,
nunca mais a perderemos.

Não temos a pretensão de converter ninguém, como fazia o


Mestre, pela palavra, pelos prodígios e pela presença divina.
Somente apelamos para a sensibilidade e o raciocínio, na exposição
dos conceitos. Analisai, meditai, porque os caminhos que ora
palmilhamos para chegar ao amor ainda são a razão que, no futuro,
cederá lugar, pela maturidade, à intuição. A intuição guiará o
homem de amanhã, pela força do verdadeiro amor.

10
~7luv /U m / 7^-ofdcin

O trabalho de disseminação evangélica no Brasil c no


mundo não foi entregue a um só espírito ou a uma só religião,
por mais elevada que seja.

Não! Cristo preparou milhares de almas e dezenas de


comunidades, para que a palavra dos Céus, em espírito e verdade,
fosse levada às nações do mundo e a todas as criaturas da Terra.

Nós não temos pretensão de apresentar o Evangelho com


m aior clareza, mas temos o dever de fazer o m elhor que
pudermos. Quanto às críticas, elas não constroem para quem
fala, mas ajudam a quem ouve. O bom trabalhador não pode
repetir o que fez a mulher de Ló, porque o tempo se encurta para
ele. Não devemos dar ouvidos aos barulhos, pois eles não são
mais que poluição para a mente, distraindo os que laboram, pelo
prazer e pela vaidade que têm de destruir.

Temos grande interesse de que saibais que Jesus Cristo é


o fundamento de nossas vidas na Terra. É Ele, e não outro, o
Caminho, a Verdade e a Vida.

O livro Ave Luz é uma réstia de claridade do grande sol


que brilhou na Palestina há quase dois mil anos, não pela
ordenação das mensagens, mas pelo que elas têm de Cristo para
nós.

Salve a Luz.

Shaolin

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Algumas Noites Com Jesus

Betsaida pertencia à Galiléia, terra generosa


na expressão divina do am biente, onde o nosso M estre
percorreu todas as ruas, aformoseando, com a Sua presença,
as casas, os animais, as pedras, as flores e o próprio povo. Foi
dali que Ele tirou as maiores expressões do Seu apostolado e
soube recompensá-la com a Sua gratidão, permanecendo nessa
aldeia semanas a fio, com todos os Seus discípulos, ensinando-
lhes as maneiras mais corretas de viver. Foi nesse casarão
mencionado nas mensagens de Shaolin que a Caridade atingiu
a crista do Amor. Foi ali que o Cristo transformou a água da
fraca filosofia dos Seus com panheiros em vinho puro de
conceitos nunca antes sorvidos pelos hom ens da Terra.
Externou a Sua magnânima bondade para com o povo que o
cercava nessa pacata cidade, curando centenas de enfermos
de variadas doenças, pelo simples toque das mãos benfeitoras.
Foi nessas reuniões incomparáveis que o Evangelho criou
raízes nos corações dos discípulos, despertando, em cada um
deles, o maior anseio de viver na luz da benevolência, sentindo
em seus semelhantes de quaisquer raças ou seitas a sua própria

13
ÿoâo OCunes JTCaia / c M ao fin

continuação, abrindo os olhos na ampliação cósmica do termo,


para ser re co n h ecid o e rec o n h ec er, em tudo a m esm a
paternidade: o Deus único, operando em todas as frentes da
vida.

Essa igreja im provisada de B etsaida foi o palco de


aperfeiçoam ento espiritual dos discípulos. Eis que, nesse
ambiente de luz formado pelo M estre dos mestres, os seus
seguidores conseguiram despir-se do egoísmo, esquecendo-
se do orgulho, deixando de julgar os outros, abandonando o
ódio, não pensando na vingança e fechando os ouvidos à
maledicência, disciplinando a língua e conduzindo os pés pela
força da consciência em Cristo. Começava a se escrever uma
mensagem nos arredores do M ar da Galiléia, cujo conteúdo
iria abalar o mundo inteiro e os anjos ficaram encarregados
de transmitir, para todas as gerações, dentro das possibilidades
que a evolução permitisse, em nome de Deus. O conteúdo
deste livro simples e grandioso vai se tornar um facho de luz
nas mãos e na inteligência dos leitores. O seu próprio nome já
indica isso: Ave Luz. Salve a luz que te procura por meio de
um livro. Examina seu conteúdo, pensa bastante nos conceitos
nele levantados e compara com tudo aquilo que buscas. Ele
não c o n ta tudo o que se p asso u com o C risto e seus
companheiros naquelas noites, mas é, por assim dizer, uma
sín te se m u ito bem fe ita de to d o s os a c o n te c im e n to s,
naturalmente adaptada ao século em que vives.

Se porventura queres viver além das coisas mencionadas


pelo livro, vamos sentir muita alegria pela transformação que
haverás de operar. Se queres outros en sin am en to s que
escaparam de ser abordados integra-te na caridade bem
dirigida. Faze da alegria a tua ferramenta diária e sente o prazer
do amor que, certamente, a tua visão lerá no livro da natureza
tudo aquilo que as letras esqueceram de te anunciar.

14
y io tí /3 u z / C flfaum as DCot/as com f/e su s

É com muito respeito c ternura que daqui saudamos este


livro, Ave Luz, pela luz absorvida por ele em Algumas Noites
com Jesus.

Que a paz de Cristo seja com todas as criaturas!

Bezerra de Menezes

(Página psicografada pelo médium João Nunes Maia, em 15 de junho de


1977, em Belo Horizonte, MG).

15

À
Tolerância

B e tsa id a ! B etsaida! F am osa cidade que


resplandece na história por ser berço, não somente de Filipe, o
apóstolo — inquieto por saber os segredos do Criador e da vida
— como de André e Pedro. Burgo pertencente ao reino da
Galiléia, eixo'do discipulado do Divino Mestre!

O sol começava a distribuir seus primeiros raios de um


ouro encantador, como se fossem as mãos de Deus abençoando
a vinha fecundante da Terra, com sementes de luz. Filipe já se
encontrava de pé, contemplando a natureza, que fazia palpitar
cada vez mais seu coração ansioso pela verdade, manifestando,
em cada batida, interesse profundo por um diálogo que lhe
acalmasse o raciocínio. Deixou que a luz do astro o beijasse em
todas as direções. Lembrou-se da juventude junto aos pais, seus
amigos, os rebanhos, a pesca, as flores. Parou os pensamentos,
encantado, sem nenhuma mescla de dúvida sobre a grande
inteligência que nos comanda a todos, sentindo o Senhor palpitar
em toda a criação. Seu raciocínio se empalidecia diante do que
o coração lhe oferecia como esperança, que transmutava as
claridades do tempo em fé, aquela fé, que mais tarde, o Evangelho
anunciaria como capaz de transportar montanhas.

17
%jfo3o OCunes JK aia / S /ia o f n

Por que tudo isso, Filipe? Porque aquela noite haveria o


encontro de Jesus com todos os Seus discípulos. Era como um
festival doutrinário. Era Deus, por interm édio do M estre,
renovando a confiança para com os homens do mundo. Era o
cumprimento de todas as profecias sobre Aquele que haveria de
vir!

Naquele dia, o carro solar fez todo o seu majestoso percurso


como se fosse em segundos, para o apóstolo Filipe. As primeiras
horas da noite, ele se colocava no meio dos doze, à beira do Lago
de Genesaré, em um velho casarão, onde o Cristo se salientava
silenciosamente em uma tosca cepa de cedro, perpassando seus
olhos mansos e lúcidos por todo o colégio apostolar. Filipe,
envolvido por emoções indescritíveis, cruza seu olhar solícito com
o do Nazareno, que já esperava ouvir algo do apóstolo. O filho de
Betsaida levanta-se, num misto de alegria e emotividade, e fala,
com fervor:

— Mestre, era nosso intento saber com mais propriedade,


pela extensão da linguagem espiritual, Q_que significa Tolerância,
pois, às vezes me confundo, por desconhecer seus limites.

O silêncio era a tônica do ambiente. Filipe acomoda-se em


um banco improvisado e espera a resposta, ansioso como todos
os companheiros do aprendizado evangélico.

Jesus renova seu olhar em todos os presentes, deixa


entreabrir os lábios num leve sorriso e expõe, com segurança:

— Filipe, a Tolerância é um estado de alma que todos nós


deveremos conquistar. Ela, por si, tem múltiplos valores, mas
denuncia algum perigo. É como uma massa forte no alimento da
v id a que, sem outros ingredientes au x iliares, exagera a
ferm entação; contudo, não podemos viver sem a força da
Toler1mciã7~que nos faz acalmar alguns impulsos inferiores.
proveitoso que, junto a ela, coloquemos a razão em evidência,

18
~7Ji>e /2 u z / O bferância

para que ela não passe dos limites que lhe compete atingir. A
enfermidade moral está sujeita ás mesmas leis que as doenças
do corpo. Um terapeuta, para ministrar remédios aos enfermos,
n e c e ssita c o n h e c e r as d o sag en s c o rre sp o n d e n te s aos
desequilíbrios orgânicos; assim é o orientador. A impaciência,
"nesses casos, pode ser fatal como o veneno disciplinado é fonte
de vida. A Tolerância. Filipe, do modo como pensas, forma uma
interrupção na mente que desconhece a disciplina, esquecendo
ajustiça. Ela não pode passar das fronteiras delimitadas pelo
bom senso.

Jesu s dá um tem po p ara que to d o s o rd en em os


pensamentos. Filipe parece em êxtase, procurando confrontar
assuntos e extrair a essência dos conceitos do Divino Amigo.
Quando o apóstolo quis continuar o assunto da complacência,
sentindo dificuldade na aplicação desta virtude singular, Jesus
adiantou-se, consciente de seus pensamentos e continuou sua
fala, com serenidade:

— Filipe! Quando toieras um desequilíbrio, aprovas a


desarmonia., E assim passarás a alimentar uma força contrária,
que persegue a tua própria paz, estabelecendo um vínculo teu
com o fato e vice-versa. Tolerar, sem conhecimento de causa é
estimular efeitos por vezes perniciosos, motivando o ambiente de
conivência. Entretanto, é_preçiso notar que desaprovar um ato
alheio, ou mesmo nosso, não implica em usar a violência, nem
tampouco o escândalo. Pelas tuas próprias feições, ao conversar
com alguém, é fácil de notar, no silêncio do coração, que não
apoias tais ou quais atitudes; e pela alegria e interesse que
manifestas pelos ideais superiores do companheiro tu escreverás,
sem uso do verbo e da letra, lua aprovação pelo bem da
coletividade, principalmente quando esse ideal se apóia nos
alicerces da dignidade que as leis de Deus nos oferecem.
Tolerância... é palavra mais ou menos solta, que carece dç

19
$oão OCunes 'JKaia / ô /ía o íin

solicitude do coração e da intelig ên cia en riq u ecid o s na


experiência do tempo e nas bênçãos do Pai Celestial.

O Mestre deixou passar alguns segundos e complementou:

— Moderação não é tão difícil como todos podem pensar;


o mais engenhoso é saber tolerar.

Faz-se silêncio novamente e os olhos dos discípulos se


intercruzaram como se estivessem numa conversação mental,
procurando, cada um, o apoio do outro na assimilação dos
conceitos da noite. Filipe, como que magnetizado pela luz, deixa
escapar um suspiro, monologando:

— Meu Deus! Como é trabalhoso ser bom! Como é


problemático ajudar aos outros nas linhas paralelas da justiça e
do amor!

Suspirou profundamente e acrescentou:

— Talvez a Tolerância, dentro dessas normas, não agrade


a ninguém!

A atmosfera do ambiente pedia meditação. Nenhum dos


discípulos ousava quebrar o silêncio diante do Cristo, esperando
por um desfecho de maior entendimento, como acontecera em
outras ocasiões. Filipe encontra novamente o olhar firme e
magnânimo de Jesus, de onde esplendia carinho e doçura. E
começa a ouvir o Rabi da Galiléia, sentindo que estava a sós
com Ele, nos páramos infinitos. Jesus continuou:

— Não esqueçais nunca da condescendência. Desde


quando abris os olhos ao acordar até fechá-los para dormir, que
ela seja o resguardo das vossas vidas e da vida dos que anseiam
pela felicidade. Todavia, é justo que não vos esqueçais da
educação, tornando-a consciente dos caminhos que percorrem
o amor mais puro, aquele que cede na hora que a caridade deseja,

20
’Jlu e /B u z / Jr o fe râ n c ia

e que nega no momento cm que o abuso pretende dominar a


humildade. No instante cm que duvidais alé que ponto possa
atingir a paciência, procurai os recursos da oração com respeito
e fé, que a inspiração divina vos dará a resposta pelos processos
da certeza, como o instinto selecionador do comer e do beber
dos animais. O prêmio para todos nós virá com a assistência dos
anjos para todos os que se esforçam em direção à luz. Se quereis
viver em paz com os outros e com a vossa própria consciência,
procurai, se já não o fizestes, disciplinar vossa Tolerância para
convosco e para com os vossos semelhantes, desde que façais
tudo isso com e por amor.

Todos os discípulos respiraram aliviados com os últimos


remates de Jesus, por associar a oração como força propulsora
na aquisição da fé, guardando a lição do M estre sobre a
Tolerância, para aplicá-la em todas as oportunidades que
surgissem.

21
Justiça

Betsaida era o centro de muitas atenções,


devido à permanência, por algum tempo, ali, do Divino Amigo,
dos seus adm iradores e, p rincipalm en te, dos irm ãos da
comunidade em Cristo. Nas ruelas e praças, reuniam-se criaturas
discutindo sobre a fama de Jesus, se ele era realmente o Messias.
Pairava no ar um composto de fé e de dúvida da massa humana.
Ao passar por esses grupos, alguns dos discípulos viam-se
questionados de todas as formas, e apenas abençoavam a todos,
sem que a resposta fosse a solução. Ainda não havia a ordem
“ide e pregai”. A edificação doutrinária, dentro de cada um,
estava por se fazer. O M estre com eçara o plantio, sem se
descuidar da assistência aos seus companheiros do coração.
Apareciam, por vezes, certos agitadores para desmoralizar a
doutrina nascente. Porém, enquanto isso, surgiam novas curas,
até mesmo no meio das agitações, e o enfermo, cego ou paralítico,
sentia, no íntimo, a presença de Jesus, e gritava, correndo, o
nome de Deus e do novo profeta. O ambiente contrário, na sua
premeditação, tornava-se força de fé, que se espalhava como
um raio. Nas cidades circunvizinhas crescia a esperança de
muitos, avolumava-se a alegria dos sofredores, e agigantava-se
a convicção no colégio apostolar do grande Nazareno.

23

áL
$oão OCunes JK aia / c5ítaolin

Jadcu, o nosso personagem desta mensagem, encontrava-


se em um sítio próximo a Betsaida, pertencente a um velho
carpinteiro que conhecera seu pai e com ele convivera por muitos
anos, pois a sintonia do trabalho e das idéias os fazia unidos.
Tadeu, que ali passara a noite, não conseguiu conciliar o sono.
Pensamentos múltiplos o torturavam e a sua razão, por força de
circunstâncias tais, desmerecia a própria personalidade, em se
tratando de um participante da comunidade de Cristo.

O que João e Tiago tinham em abundância, nele era


escassez. A sua mente não conseguia armazenar conhecimentos,
nem extrair o saber que vinha envolvido nas parábolas. JEra
preciso a cooperação dos outros e, mesmo assim, o seu esforço
se tornava desumano para sentir um pouco daquilo que era
abundante para muitos dos discípulos. Todavia, a vida premiou
Tadeu com um corpo másculo. .Mais parecia um gigante dos
contos orientais, porte esbelto, mas de tendências grosseiras.
Também os céus não se esqueceram de dar-lhe um coração
simples e bom.

Vamos encontrar o gigante hebreu na despedida da


madrugada, contemplando as últimas estrelas do firmamento
azul, querendo orar sem condições, porque as grossas lágrimas
o interrompiam, em virtude das emoções que se estendiam em
todos os sentidos, entorpecendo sua fala. Não obstante, seus
pensamentos se irradiavam na mais profunda humildade, pedindo
a Deus que o dotasse de mais um pouco de inteligência, para
que pudesse ouvir e entender Jesus. Sentia-se humilhado diante
daj> e x p o sjç jíe s-.filo só fic a s e d o u trin á ria s dos o u tro s
companheiros.

Não vê mais estrelas. Desce as vistas e nota o despontar


do Astro Rei, como se fosse a resposta do Pai Celestial para
iluminar a sua consciência. Sorri por alguns instantes e pensa
firmemente na reunião da noite com o Cristo. Não sente fome

24
& tiz / éfusiïça

nem sede, pelo contentamento e pela esperança nova que nascera


em seu coração, e tira o dia para um passeio pelos campos
próximos, respirando o ar puro e conversando com a natureza
na dimensão que as suas faculdades permitiam.

Quando os últimos raios de sol se apagavam no horizonte


de Betsaida, o homenzarrão já se encontrava procurando assento
dentro do templo onde se encontrava o Cristo e os outros
discípulos. Ali, o tempo era perfeitamente aproveitado. Bastou
um simples olhar de Jesus para que João erguesse uma sentida
prece a Deus e aos anjos, buscando ambiente mais favorável no
sentido do aprendizado deles. Terminada a oração, notava-se de
leve um aroma agradável, que parecia penetrar as mais secretas
regiões da alma. Dois olhos, como estrelas, fitavam Tadeu, que
logo se dispôs a perguntar:

— Mestre, como sabes, por vezes me constranjo, mas


gostaria, com todo o respeito que te dedico, de indagar algo.
Mesmo não tendo o direito de acusar ninguém e nem intenção
de julgar os atos de Deus, queria o teu pronunciamento acerca
da justiça, pois em vários momentos parece-me ver o contrário
nos fatos diários.

Jesus, bem acomodado no madeiro improvisado, abre as


com portas do seu m agnânim o olhar e anuncia, sorrindo
brandamente com íntima alegria pela pergunta de Tadeu:

— Tadeu, a lei da Justiça é uma realidade nos ajudando a


todos. S^çnos sentimos injustiçados nas ocorrências da vida, é
por nos faltar capacidade de entendimento da vontade do Pai
Celestial. Em verdade te digo que nem um astro desses que
embeleza o infinito desaparece fora de hora, como a queda de
uma folha não se dá em momento errado. Tudo, mas tudo se
ajusta à harmonia universal, sem perda de um til na escrita de
Deus. O que percebeste, como fenômeno da vida e das coisas,

25
&o3o OCunes 'JKaia / ô fia o fin

mterpretando como injustiça, podemos afirmar sem arrogância,


meu filho, cjue é a manifestação da Justiça perfeit^porquanto
ninguém recebe o que não merece nem aquilo que não pode
iuportar no seu avanço espiritual. Consideramos maravilhoso a
criatura amar e, além disso, achamos mais importante ainda_a
alma que ctlKp p™- qiiA aman^n Creio que nenhum dos
presentes tem coragem de acusar o Criador pelos distúrbios
íntimos de cada um e pelas hecatombes que se processam no
panorama do mundo. Esses fatos, dentro e fora de nós, consomem
vidas e mais vidas, fazem jorrar rios de lágrimas e sangue, deixam
multidão de viúvas e incontáveis crianças órfãs, que não têm
coragem de se acusarem. Apesar disso, vivem em dúvidas
atrozes, dispersando forças do coração e da inteligência, em
círculo vicioso, sem o devido proveito.

Deixa que o silêncio os ajude a gravar o que ouviram, e


prossegue com dignidade:

— Eis que, se compreendermos os desígnios do Senhor,


se pelo menos atentarmos no porquê das coisas, tudo se aclara.
As leis que imperam como Justiça somente são vistas com bons
olhos, quando as analisamos com sabedoria. Do contrário,
ficamos nos debatendo no ambiente agressivo da ignorância?

Tadeu, depois de alguns momentos, sem nada ouvir do


Mestre, se manifesta, apressado:

— Então?

Jesus, envolvido em meiguice espontânea, adianta-se,


entendendo sua vontade:

— Quando somos dotados de força física, Tadeu, é justo


saber como usar essa força. Juiz, só um o é, e a ele pertencem
todos os direitos de aplicar a lei de reação das ações executadas.
Se queres saber, é bom que logo te conscientizes disso: os meios

26
~7h>V /L u i / £fus/iÇa

de ser útil à coletividade e a si mesmo são incontáveis, sem


anunciar o dever de ser caridoso, pois Deus está cm toda parte.
Ele vê antecipadamente o alo benevolente, o gesto que em
primeiro lugar harmoniza a consciência de quem o pratica, em
todos os casos. A Justiça aplicada pelas mãos humanas, além
do escândalo, tem interesse cm anunciar uma valentia que está
impulsionada pela vaidade e, para tanto, existem as leis criadas
pelo Senhor que nunca se esquece daquilo que deve ser dado a
cada criatura, atuando, também, como vigilante na defesa
daqueles que são realmente inocentes, jîa sta, para os que se
reúnem em nome de Deus nesta assembléia, confiar na Justiça
universal e procurar entender a mensagem dos céus, que desponta
em todos os fatos do mundo, e os fatos do mundo íntimo que
afloram para cada alma. Se existe cativeiro forçado, prisões
infectas e carrascos sem coração, a revolta marca uns e outros,
já que são águas da mesma fervura. A observação nos diz que se
usa a bigorna de ferro para amoldar o ferro, com o malho do
próprio ferro.

— Pelo que conhecemos — continua Jesus — temos outros


caminhos melhores, para pregar e executar a justiça pelo bem no
dom ínio do am or m ais puro. E bom que eu diga e que
compreendais bem depressa: não falo para os mortos na came e
sim para os despertos em espírito e verdade. A ninguém julgo,
pois não estou aqui para isso, vim para que conheçais o amor,
porque somente ele tem o poder, no coração das criaturas, de
estender a felicidade,_para que nenhuma das ovelhas se perca nos
labirintos do ódio. Quem se preocupa em demasia com Justiça
não tem condições para fazer a benevolência, e quando intenta
misturar a caridade com ela, a exigência empalidece o amor.

Jesus com preende bem o maior problem a que aflige


Tadeu. Deixa que ele analise pacientem ente o assunto em
conversação e acrescenta, com humildade:

27
^o ã o OCu/ies 'JlCaia / S /ía o í/n

— Meu filho, não queiras ser o que ainda não podes


suportar. A inveja, mesmo sendo tocada pelo clarão da boa
vontade, carrega consigo o azinhavre da maledicência. Todo
invejoso se esquece das suas próprias qualidades que, por vezes,
dormem, desperdiçando as forças que gasta, invejando, cobiça
não deixa que repares na carência de muitas qualidades do
invejado e querêsTcóm isso, tirar dele o que ele tem para suprir
as tuas deficiências. Não é, porventura, isso, a maior injustiça?

Finalizando em tom paternal, ajusta os pensamentos de


todos os presentes, com esta expressão:

— Eu estou aqui para servir e me empenho com todos os


companheiros para que me ajudem. Estendamos as mãos para
quem quer que seja e falemos aos ouvidos de quem quer que
queira ouvir, para que o amor a Deus sobre todas as coisas seja
o primeiro entendimento entre os homens, a fim de que não falte
o amor ao próximo.

Ainda restava muita gente fora do casarão, esperando a


saída dos companheiros do Nazareno, que às vezes vinham
também em contínuas conversações. De longe, via-se Tadeu pela
sua estatura helênica, protegendo a saída do Mestre que, de
mansinho, tocava os homens e as mulheres, que avançavam em
direção a ele, pedindo misericórdia, pedindo curas, pedindo paz,
pedindo tudo, como ate hoje acontece, mas sem disposição para
dar nada. Jesus abençoa a todos e, sem que ninguém perceba, a
caravana desaparece por entre a multidão.

28
Amizade

Judas Iscariotes é visto como um personagem


traidor, na história do Cristianismo, por religiões que esquecem
o cumprimento das profecias. Ele foi mais um instrumento para
que o Evangelho se mostrasse vinculado aos dizeres dos profetas
do passado, m ostrando, com os fatos, a realidade de sua
existência divina.

Iscariotes nasceu em uma pequena cidade, situada no


ambiente de Judá, que em épocas recuadas fora berço e domínio
do famoso rei Davi, conhecido pelas conquistas sem precedentes.
A aldeia de Judas era localizada no sul da região e mostrava grande
escassez na produção de alimentos de primeira necessidade.
Contudo, as encostas das montanhas rochosas aliviavam as
necessidades mais imediatas, principalmente com a produção de
uvas e batatas. Parece que Judas herdou o sobrenome de Iscariotes
do seu berço natal, denominado Quiriotes. Vamos apresentar o
nosso apreço por esse personagem que aceitou, no mundo
espiritual, o desempenho de tarefa tão espinhosa.

Judas Iscariotes fita o sol que começa a se esconder,


refletindo seus raios dourados e mortiços no grande lençol das

29
tfoão DCu/ies JK aia / ô /ia o í/n

águas do Lago de Genesaré. Com passos agitados, caminha às


margens do histórico lago. Seus pensamentos fervilham com
p ro b lem as que o fazem e sq u e c e r até a e sp e ra n ç a . A
subconsciência agita seus mais sensíveis nervos, fazendo
. registrar na consciência, mais ou menos de leve, desagradáveis
ações de um passado distante. Estava em luta consigo mesmo,
em sérios conflitos íntimos, para os quais não encontrava solução.
Sabia da reunião com o Mestre, naquela noite, mas o impulso
de fugir parecia dominar o dever de comparecer, e a luta se
mostrava ainda maior. Judas parecia mais uma fogueira humana
sob forma de apóstolo. De um lado, pressentia um abismo sem
fim, e do outro, vislumbrava o Cristo lhe ofertando as mãos em
forma do amor mais puro que conhecera em seus passos no
turbilhão da Terra.

Judas, devido ao estado deprimente em que se encontrava,


por várias vezes sentia que todos os companheiros eram seus
inimigos. Tinha medo de ser traído pelos seus parceiros mais
íntimos e nunca confiara em seus própriospais. A sua depressão
era acentuada quando voltava à sua terra natal. A noite chega de
mansinho e u ’a mão invisível toca suavemente sua cabeça
agitada, acalmando-a. Judas dobra seus joelhos em uma pequena
réstia de areia e busca a Deus pela prece. Lembra-se fortemente
de Jesus e dos seus compromissos para com a comunidade
apostolar, e parte, mesmo atrasado, para a reunião marcada pelos
discípulos com a presença iluminada do Divino Mestre. Entra
sorrateiramente no salão, sem ser visto. Porém, vê duas tochas
de luz visando-o com esplendente carinho e, sem querer, é
envolvido por aquela incrível suavidade. Já com o coração
tranqüilo, toma assento. Vê algumas letras na pequena tora em
que Jesus se sentara, que chamam sua atenção: Ave Luz!

Pedro, entendendo a intenção de Jesus, levanta-se e ora


com inefável humildade; dentro do salão corria uma brisa

30
7Ioo Lui / '~7lm iia (le

portadora de energia espiritual, interligando o amor de Jesus


com todos os seus companheiros. I hn perfume brando é sentido
por todos.

Quando Cristo abre os olhos para abençoar seus discípulos,


nota a expressão do olhar de Judas, que se levanta com certo
embaraço e fala com interesse:

— Senhor! O que c Amizade, sobre que tanto escuto dos


companheiros de aprendizado e cuja eficácia desconheço quase
por completo? Não sinto, Mestre, por mais que eu me esforce,
Amizade por alguém, será que nasci desprovido dessa virtude,
por herança dos meus ancestrais?

Cristo mira Judas, compadecido, e responde, com firmeza:

— Amizade, meu filho, na§ce.jie ideais idênticos. Não


queiras desprezar a ti mesmo, nem aos outros, por não sentires
ainda a segurança de que precisas com relação aos companheiros.
E não podes, por tais m otivos, ju lg a r inferiores os teus
sentimentos por não serem idênticos aos dos teus semelhantes.
Hoje, ao cair da tarde, m argeando o Lago de G enesaré,
encontravas-te confuso. Ao apelares para a súplica, tudo se
clareou para o teu coração torturado. Foi a mão divina que veio
ao teu encontro, pela misericórdia de Deus. E depois da súplica,
o que fizeste? Tomaste a decisão de nos satisfazer com a tua
presença. Continua a usar o poder da prece nas horas de
insegurança, sem que tua razão interfira na simplicidade e na
espontaneidade desse ato divino.

Judas tornou-se aceso de expectativa. Brilhou no seu


íntimo certa esperança. Algo dentro dele dizia do respeito àquele
Senhor que falava com tanta sabedoria e que estava presente em
lugares nunca suspeitados. Seu pensamento fervilhava de emoção
e de encanto. Seus lábios sussurraram baixinho, na cadência da
disciplina:

31
tfoão DCunes 'JKaia / ô/ía o fin

— Será que este homem é o próprio Deus, entre nós?


Estando a sós, somente eu sei o que penso e faço. Como ele me
viu andando aflito à beira do Genesaré?

O Mestre deu tempo ao tempo, e prosseguiu sua alocução:

— Judas, meu filho, não podemos exigir Amizade de


pessoa alguma. Ela é como os primeiros laços de amor entre as
criaturas e se mãos inábeis não conseguem atar esses laços, é de
bom grado que não te esmoreças no grandioso labor da conquista
pelo trabalho de auto-aprimoramento, no silêncio da caridade.
Nenhum de nós nasce com deficiência, já que isto implicaria na
deficiência de Deus, o que seria o absurdo dos absurdos. É justo
que creias na paternidade do Senhor, que nos comanda a todos,
sem distinção. Vê se há alguma restrição para o ar que respiras,
para a água que bebes, para os alimentos que comes. São
elem entos de vida de caráter universal, sem eando a paz e
multiplicando a vida em toda a parte, em nome d ’Aquele que
nos criou por amor.

A assembléia parecia esquecida de que pertencia ao mundo


físico, vivendo somente no reino da mente, onde Jesus era a
central das emoções espirituais. Judas tentou estender suas
indagações, mas o Nazareno prosseguiu, com afabilidade:

— Se queres confiar nos outros, Judas, prepara-te primeiro


para que possas confiar em ti mesmo. A Amizade surge da
confiança, da certeza de que estás sendo útil, sem que a usura
exija algo em troca. Quando vir.es entre teus irmãos que te
rodeiam, inimigos, issoé reflexo do inimigo que alimentas dentro
do coração, da dúvida, da m aledicência, da am bição e da
preguiça. Deves estar atento a isso. Não faças aos outros o que
não queres para ti mesmo. Se porventura fores atingido por
alguma falsidade, é bom que não esqueças do perdão. Se, por
acaso, o teu companheiro não te deu a atenção merecida, espera

32
JL>0 b u t / JJm itadn

com humildade, que o tempo, djanle da lua educação, i[á fazer


com cjjjlc o leu irinüo com preenda a necessidade da tua
com panhia, reparando o gesto impensado, com redobrado
carinho em leu favor. Não devemos escolher a quem dedicamos
gentileza, e, o sorriso, ao invés de nos enfraquecer, harmoniza
nosso campo de vida. Não negues alegria a ninguém, pois a
felicidade caminha também por essas vias.

O Mestre dava a entender que via as estrelas sem se sujeitar


aos obstáculos do telhado. Corria os olhos para cima, estampando
em seu nobre rosto uma expressão encantadora. Deixando que
o silêncio dom inasse o am biente, espera alguns m inutos.
Ninguém se manifesta.

Judas, nesse momento, regredia no tempo e no espaço.


Fazia viagens em pensamento, descortinando lugares que nunca
pensara existir. Lembra-se firmemente de Deus e vê em Cristo a
figura mais autorizada para falar sobre as leis do Criador. Deduz
então que sua magnânima presença apaga todas as figuras de
todos os reis da Terra, de todos os sacerdotes do mundo, e
confunde todos os sábios de todas as filosofias.

Jesus, quase transfigurado, acentua com delicadeza:

— Judas, se queres mesmo ter Amizade, não deixes que


falte fidelidade em teus pensamentos, palavras e atos, porque
jujueles que queres como amigos, talvez esperem isso de ti. Nós
todos temos volumosos compromissos para com os céus e é de
justiça que cumpramos os nossos deveres diante de Deus, nosso
Pai Celestial, e da nossa consciência, que é Ele, igualmente,
dentro de nós. Se o amor nasce da Amizade, a Amizade aparece
do esforço que dedicamos à aquisição do amor. Começa hoje
mesmo a sentir amor por toda a criação, para que possas chegar
aos homens com acentuada segurança e tenhas a certeza de que
naõ ficará em vão esse exercício espiritual. O sol nasce para

33
^João OCines 'JK aia / *S/iaofin

todos, assim a chuva, assim a Amizade de Deus para conosco e


de nós para com os nossos semelhantes. Trabalha e serve
indistintamente, que a vida marcará, sem a figuração dos erros,
todos os teus tentos de labor no bem imortal.

Judas estava emocionado, por ouvir tantas palavras sábias.


Mantinha-se de pé por respeito ao Senhor. De seus olhos cerrados
rolavam lágrimas sem conta. Os onze companheiros pareciam
tranqüilos, mas também choravam por dentro, de tanta alegria
espiritual. Eles escreviam nos corações, com o dedo da
inteligência, letras de luz ligadas aos ensinos ministrados pelo
divino doador, naquela noite inesquecível em que Judas
Iscariotes, pela vidência, descobriu, brilhando na cepa de madeira
onde Jesus se sentava, a expressão: Ave Luz...

34
Serenidade

Um barco deslizava, ao cair da tarde, nas


águas do Lago de Genesaré. Dentro dele, via-se, além do mestiço
musculoso que se servia de duas pás à feição de remos, um
homem de pequena estatura, envolto em profunda meditação,
sem perceber a participação da natureza que tanto admirava,
devido ao seu estado de emotividade espiritual naquele momento.
Tal estado o levava a difíceis reajustes nos conceitos que esposara
com a vivência de muitos anos como imediato dos rabinos da
Galiléia e muita convivência com os de Jerusalém. Várias vezes
ministrara ensinamentos nas sinagogas, inspirado nos escritos
de Moisés, o chefe espiritual dos judeus. Tiago qneriae deveria
sgi, mais larde, um dos sacerdotes. No entanto, o destino lhe
reservara outro apostolado mais propício, pois a vida nem sempre
nos atende nas linhas das nossas aspirações, por não sabermos
com exata medida o que mais nos convém. Tiago se debatia nas
suas conversações mais amplas com os profitentes da fé que
esposara desde o berço. Pela sinceridade, pela confiança nos
postulados que abraçara em nome do Pai Celestial, a fidelidade
era o seu maior empenho dentro da comunidade espiritual. E
enquanto os remos agitavam o barco em direção à praia, o filho
de José estava, de um certo modo, agitado. No seu coração, o

35
^o ã o OCunes JKciia / ô /ta o lin

raciocínio o levava ao tribunal da consciência, acusando-o de


traição à religião que o vira nascer. Não obstante, os sentimentos
avançavam no meio do tumulto, dizendo que Jesus era o Cristo
que havia de vir e as deduções se debatiam no topo do seu
volumoso crânio. Não fora Moisés, o maior profeta de todos os
tempos, que anunciara também a vinda do Messias?

O homem de Deus tornava-se dois dentro daquela humilde


embarcação, dividido pela angustiosa dúvida. De qualquer forma,
ia em direção à reunião memorável daquela noite. Sua atração
por Jesus era de confundir todos os raciocínios. Perdeu, naquele
instante, toda a serenidade que acreditava ter. Pelo menos,
escapou-lhe todo o domínio emocional que a sua posição exigia,
tornando-o um homem comum como não pretendia ser.

Desce do barco quase sem perceber. Seus pés se afundam


no tapete arenoso, deixando as marcas das sandálias simples
que lhe serviam para as grandes caminhadas, sem esquecer o
cajado que m arcava a sua posição espiritual no reino do
entendimento dos antigos pergaminhos. Tiago apressa o passo
pela disciplina que a auto-educação lhe conferiu, querendo ser
o primeiro a chegar como participante da assembléia. Destarte,
não percebeu, no lusco-fusco, um personagem esguio e
sorridente, a contem plar o lago m ajestoso que refletia os
primeiros clarões da lua. A mão de João toca seu ombro de leve,
saudando-o com benevolência:

— A paz seja contigo, Tiago!

Assusta-se, porém, sem desequilíbrio e, reconhecendo o


companheiro, responde:

— Que Deus te ilumine, meu irmão! Quais os ventos que


te trouxeram aqui, João?

Este, ainda sorrindo, adianta:

36
a u * /. u t / tien tm 'r/a d *

I■'a ânsia pela nalurcva, pois nela vejo e sinto o Criador


com mais cl'iciôitcia. Queria, ailles de encontrarmos o Divino
Mestre, préparai as minhas emoções para melhor interpretar a
sua grandiosa laia, e escolhi esse ambiente que tanlo me fascina.
E, ainda mais, o Senhor me premiou com a tua figura.

Sorriram juntos e, abraçados, sem palavras, agradecem a


Deus.

Em poucos instantes, João e Tiago avistaram, adentrando


o casarão, alguns discípulos e a figura majestosa do rabino
incomparável da Galiléia. Em seguida, os dois companheiros de
Jesus também se assentaram, pelo prazer de participar daquele
convívio que ficaria inesquecível em seus corações.

Ambiente sereno, onde o respeito se transmutava em


alegria e esperança. Tiago, no silêncio, pedia aos céus que lhe
favorecessem a oportunidade de perguntar e que o diálogo lhe
fosse favorável, sem que o acanhamento ou mesmo a ignorância
abafasse o que lhe ia na alma. Sabia um pouco das leis, mas
queria saber mais, tijiha^fome de um entendimento mais vasto
acerca da vida e das forças que nos dirigem na existência.

O velho discípulo ostentava uma bagagem cultural


a p re ciá v e l. C o n h eced o r de várias línguas, d o m in av a
completamente o grego, pois a filosofia e o espiritualismo em
geral alcançaram, na Grécia, alta posição em relação ao resto do
cenário do mundo.

Jesus, no toco de cedro, perpassa seus brilhantes olhos


por toda a assembléia parando, de mansinho, nos inquietos olhos
de Tiago, como dizendo: “Fala, meu filho, fala! O que queres
que eu ouça?” E o antigo pregador das sinagogas descontrai seu
coração, entendendo que chegara a vez de expor ao Mestre suas
dúvidas acerca da brandura. Levanta-se com deferência, a
locução um pouco trêmula:

37
^oão OCunes JK aia / ô /ta oíin

— Senhor, podes nos d izer algum a co isa so b re a


Serenidade? As vezes ela se torna o clima do meu íntimo nas
horas de afazeres espirituais e materiais. Todavia, em dado
momento, é qual o peixe que seguramos nas mãos um tanto
frouxas, escapulindo. Esse clima d ’alma deve ser trabalhado
somente por dentro ou o nosso orgulho não nos deixa receber
as experiências dos outros? O que devo fazer para que a
Serenidade faça parte de mim como meus olhos, meus pés,
minhas mãos, minha cabeça, enfim, como todo o meu corpo?

A expectativa era geral! Jesus ouviu pacientemente a


pergunta, deu um tempo para que todos se acalmassem e expôs,
com interesse:

— Tiago, a Serenidade de que queres ser portador é


tesouro dos anjos que receberam das mãos do tempo, pelos
impulsos de milênios incontáveis, sob as bênçãos de Deus.
Entretanto, esse tempo somente age quando abrimos nossos
corações pela boa-vontade^xinde^q>esforço próprio nunca falta.
E os milênios são como o calor divino que somente amadurece
e harm oniza o universo interior quando nos dispom os a
respeitar e viver os princípios das leis que nos governam a
todos. E as bênçãos de Deus são a execução da m elodia
c e le s tia l que se irra d ia p ela v iv ê n c ia da S e re n id a d e
imperturbável.

Parou por m om entos, para que todos resp irassem ,


serenamente aliviados. Para Tiago, que já convivia com altos
conceitos filosóficos, não foi difícil degustar o manjar dos
céus, que se fundamentavam na evolução das almas, tema que,
de leve, sentia nas suas mais profundas deduções. No entanto,
precisava de algo mais que lhe acalmasse o mundo mental.

O M estre to rn a a fita r T iago e p ro sse g u e , com


desembaraço:

38
/ItwLua / ò «/ «nic/adv

— Tiago, a m ansuétude im perturbável, no seio dos


homens, parece-nos muito difícil, pela largue/,a de ignorância
que ainda alimentam sob todos os aspectos da vida; mas não é
impossível de ser adquirida. No perpassar dos anos e séculos,
sem que a interrupção do bem se faça, ela passa a fazer parte do
teu corpo físico e espiritual. A lei te impõe uma condição: que
cada dia coloques no teu alforje um grãozinho de areia de auto-
aprimoramento, de auto-educação, de amor sem descanso, de fé
revestida de obras, para que, no amanhã da eternidade, possas
sentir o nascim ento, dentro e fora de ti, da seren id ad e
imperturbável. É importante, pois, que não te esqueças que, desde
quando deres os primeiros passos com sinceridade e confiança,
começarás a viver e a sentir a felicidade oriunda dos primeiros
raios da eqüidade espiritual. A bondade de Deus é tão grande
que mandou a mensagem da salvação quase ao vivo, para que
possas sentir a sua paternidade e acreditar no amor que se
estenderá de uns para com os outros.

O D ivino M estre cerra os lábios e parece m editar.


Envolvendo seu imponente corpo, via-se como um manto de
luz, do qual partiam fragmentos em todas as direções. Ao tocar
nos corpos dos discípulos, fosforesciam, alojando-se em seus
corações. O Cristo, tranqüilo e confiante, prossegue sem cansaço:

— Tiago, uma árvore, para se manter de pé no solo que


lhe dá a vida, estica suas raízes em todas as direções da terra, e
os seus galhos obedecem ao mesmo esquema, no ar, para que,
nocentro, se avolume seu corpo ciclópico, com segurança. Pois
assim é a serenidade de que falas e sobre a qual estam os
cfialogando. Não pode ser fruto somente de dentro de cada alma,
como não deve ser esforço somente de fora. O que te garante a
brandura inalterável nos escaninhos do teu ser é o amor de Deus,
que parte de dentro de nós em busca da sua manifestação para
fora e que vem de fora para que se manifeste dentro das criaturas.

39
(foão OCt/nes 'TFCaia / c5fia o íin

Enquanto somos tomados pela insegurança, é qual a árvore


mirrada que não pode demonstrar seus frutos como valores por
gratidão ao agricultor que a adubou durante o seu crescimento.
Se intentas que cresça a árvore da serenidade em ti, começa
cultivando-a sem cansaço, aduba os ideais elevados e trabalha
pela paz, tua e dos outros. Sê benevolente com o próximo e não
esqueças a caridade, onde passares. Serve sem interrogação e
ama indistintamente.

A voz de Jesus serenou, em um ritmo de sinfonia. João e


Tiago, que entraram juntos no casarão, saíram em conversação
interminável acerca da lição da noite, desenvolvida pelo Mestre.
Os outros discípulos, empolgados de esperança, desenvolviam
igualmente seus ideais para a pregação do Evangelho. E, como
por encanto, não viram mais, naquela noite, o Cristo. Ninguém
comentou o fato, por já ser costume o Senhor se tornar invisível.
U m a m ultidão incalculável tornava d ifícil a saíd a com
naturalidade.

As estrelas festejavam a madrugada como olhos de luz


presenciando os fatos terrenos.

Tiago, renovado nos conceitos da serenidade como fruto


da evolução, ergue.as vistas para os astros e agradece a Deus
pela oportunidade de aprender com Jesus.

40
Dignidade

A festividade em Betsaida tornara-se natural.


Na pacata cidade da Galiléia, para muitas famílias era uma fonte
de renda que trouxe abundância para milhares de pessoas que
antes viviam em dificuldades. O comércio se estendeu por todas
as ruas estreitas, pátios e esquinas. A pesca teve um impulso
assustador. Em poucas semanas, os turistas sustentavam a alegria
do povo da região, pelos cenários fáceis que lhe caíam às mãos.
No entanto, o Cristo era a atração principal, era o fenômeno do
espírito, com o luz divina a atrair sofredores, m esm o na
inconsciência, como falenas hipnotizadas pela claridade. Mesmo
no seio dessa ignorância, onde poucos lembravam-se da realidade
espiritual, os ventos carregavam o bem-estar de que a esperança
se faz portadora. Na verdade, podemos dizer que era uma
festividade que se assegurava na fé que, se não alcançara o
transportar de montanhas, firmara, por algum tempo, muita
alegria.

Quem pudesse olhar de longe notaria um homem de porte


elegante mas simples, passando, apressado, no meio da multidão,
sem que o intenso movimento o atraísse. Um belo manto caía
em seu corpo bem formado e uma extensão do mesmo tecido

41
ffoão OCunes JK aia / ô /ja o ín

descansava na curvatura do seu braço esquerdo. Seus olhos


brilhavam com intensidade e a sua mente, como uma usina humana
e espiritual, formava imagens as mais engenhosas possíveis. Esse
homem era Mateus, também chamado de Levi, o cobrador de
impostos nas alfândegas que pertenciam ao reino de Roma.

O ideal de grandeza não arrefecera no seu coração. Mudara,


depois que conhecera Jesus, o modo pelo qual pensava ser
grande, para satisfazer sua mente faminta de realizações, sem
que mais tarde o enfado o visitasse. Mateus cultivava mais agora
as coisas do espírito, que quanto mais adquiridas, maiores
perspectivas abrem de se adquirir mais. Na realidade, é uma
fonte inesgotável que não cabe, nem por sonhos, em uma cabeça
humana, mesmo a mais dotada de capacidade espiritual.

Levi ouvira, ao longe, uma voz que o chamara. Quis se


fazer de surdo, mas a consciência não o permitiu. Abranda sua
marcha e nota, em disparada, o velho Zaquim, antigo vendedor
de jóias da Judéia. Sabedor de que Mateus apreciava ouro e
pedrarias trabalhadas por artistas fam osos, Zaquim queria
mostrar-lhe as que recebera diretamente do Tisnão. Mateus
espera, e o anão cumprimenta-o com toda a reverência, chama-
o a um canto da rua, abrindo algo que parece um alforje. Tira
um volume envolto em várias flanelas e os poucos raios de sol
da tarde fazem brilhar aos olhos do discípulo caríssim as
preciosidades.

O patrício judeu esperava a admiração de Levi, que passou


os olhos de leve, com uma frieza que dispensava palavras.
Mesmo assim, o comerciante insistiu com o apóstolo:

— Veja, Senhor, como são lindas... essa aqui — e aponta


com o indicador — é digna de um cobrador de impostos do
grande império. Dificilmente tocarás em tesouro semelhante a
este! — E se esforça para que Levi apanhe as jóias.

42
Jhw U u t / /'h ym d a d o

Mateus sente no coração a imagem do diagnóstico que


os outros deveríam fazer da sua pessoa e, com muita tristeza,
responde ao vendedor ambulante acerca dus belezas que a
natureza ofertara aos homens, mas que ele agora dispensava,
por serem cabides de niais peso para a consciência. Sorriu
complacente e falou com carinho:

Zaquim, meu amigo, o maior prazer que tive neste


instante foi vê-lo com saúde. Nos últimos dias, tenho lembrado
muito de você, pelo seu grande interesse em alegrar os outros.
Acho isso uma virtude encantadora, pois existem muitos tristes
no mundo. Ah, se houvesse milhares e milhares de Zaquins,
no afã de trabalhar para essas almas que ainda não tiveram a
ventura de sentir a felicidade da alegria, pelo menos por alguns
momentos! Conheço uma escola onde pode educar as suas
faculdades, que invejamos no bom sentido, pois é lá que o
cobrador de impostos está transformando as suas grandezas
transitórias em riquezas imperecíveis.

Quando quis falar do Cristo com mais profundidade, não


mais viu o velho Zaquim, que muito bem conhecia o Mestre,
sua fama e o seu desprendimento acerca das coisas materiais.
Notou também, pela conversa mudada de Levi, que o cobrador
de impostos abandonara totalmente as idéias anteriores.

O discípulo de Jesus apressa o passo novam ente e,


sorrindo em silêncio, pensa com respeito: “Ajuda, meu Deus,
ao velho Zaquim, para que ele possa nos ajudar na alegria dos
outros, sem nos escravizar pelo interesse que desmerece a
caridade” .

Mateus adentra a igreja improvisada, que já se encontrava


arom atizada pelos ideais elevados do M estre. O Senhor
percebeu a entrada de Levi, o último que faltava para que as
trancas se fechassem por grossas mãos, apressadas em ouvir

43
ffoão OCunes 'JKaia / S/ta o íin

as dissertações do Rabi da Galiléia. Tiago sentiu que uma voz


lhe pedia uma oração, olhou para Jesus e Este acenou a cabeça,
confirmando.

Ambiente sereno. Muitos discípulos fitavam Mateus. Este


se incomoda com o fato e pensa em abrir a reunião perguntando
a Jesus sobre algo que lhe torturava a alma, já que ele não
conseguia alcançar a solução desejada. Fala, com humildade:

— Mestre! Mesmo tendo eu vivido muito tempo em


posição menos digna aos olhos dos judeus, confesso que sempre
m inha consciência pedia D ignidade, em tudo que fazia e
pretendia fazer. Acho que a altivez de um homem o coloca em
posição grandiosa tanto física quanto espiritualmente falando, e
essa autoridade moral me traz dificuldade para que eu possa
entendê-la e aplicá-la na vida que levava e na que, hoje, tenho a
fejicidade de viver contigo. Eis que te peço, com modéstia, que
respondas se é certo que a tenho, ficarei contente e, mais do que
isso, ficarei devedor da tua graça.

— Mateus — falou Jesus com moderação — a Dignidade


He nm homem depende dos princípios e ideais que abraça. O
organismo se acostuma com os alimentos, quando não existem
outros que mais lhe apeteçam. As leis de um país são de acordo
com o povo que ele acolhe, por determinação de Deus. O modo
pelo qual se sente e se entende a Dignidade varia de pessoa para
pessoa, mas em verdade te digo, as bases fundamentais são as
mesmas em todas as criaturas, ou para todas as criaturas e nações.
As variações são, por assim dizer, mudanças de cores, sem deixar
íe^erem coisas coloridas. A tua Dignidade, onde estavas quando
foste chamado para o apostolado, era de fidelidade aos que te
faziam servo. Contudo, podia ela ser valorizada, no respeito para
com aqueles que te entregavam os tributos, como sendo o suor
do rosto. Levi, meu filho, não pode existir caráter puro sem que
a caridade esteja presente, assim como a caridade sem amor

44
T iu e ã jtn / D ia n id a d e

espiritual perde quase todo o seu valor. Sabemos dos teus ideais,
que ultrapassam as fronteiras do homem comum. As tuas idéias
são faraônicas, deixam estampar nas tuas estruturas a feição de
grandeza, por isso é preciso teres maiores cuidados. Tu pareces
alterado nas tuas criações mentais e elas te perseguem, tomando a
maior parte do teu tempo de trabalho e de repouso. Esses grandes
navios, que descarregavam às tuas vistas, começaram por simples
desenhos, por poucas palavras, pelo toque de duas mãos, de minuto
a minuto, e de dia a dia e, talvez, anos. Todos os esforços tiveram
uma seqüência, que o tempo dominava, e nada foge dessa lei. Vê,
Mateus, o espaço de profeta a profeta, para que se consolidem as
leis de Deus na Terra e nos corações dos homens! Não queiras
coisas grandes demais, sem começar pelas pequenas, que formam
oldícêrceTfe tudo o que existe. A Terra está sendo bafejada pela
luz de Deus, agora com mais intensidade, mas, para tanto, é bom
que saibas do gasto de milênios sem conta. Somente as gerações
do futuro se certificarão, pela fé e pela ciência, da verdade que
acabo de te dizer.

Mateus estava perplexo. E os outros discípulos? Cada um


olhava para o outro com admiração e interesse. Jesus prossegue
com suavidade às vezes m esclada de algumas expressões
enérgicas:

— Levi ! A decência, no meio em que ora vives, é obrigada


a desvestir-se das roupas da imposição interesseira. Ela não pode
aceitar as escórias da m entira autoritária para satisfazer a
arrogância e a brutalidade. Todos os que aqui se reúnem foram
chamados e escolhidos por uma força maior, para que, por esse
meio, possas sentir e entender a boa nova do reino, aprimorando
tuas virtudes e procurando outras, pela luz que acendemos para
todos. Compreendemos a intenção que tens da sinceridade, a
vontade de seres grande para ajudar os menores. Não obstante,
é muito justo que olhes os meios que procuras. E muito nobre

45
tfoão OCunes JK aia / S/ía o J/n

que todas as vias sejam lícitas, para que não venhas a cair, antes
de andar. A honra faz parte, meu filho, das belezas espirituais
da alma, mas é quando ela não exige a destruição, nem procura
humilhar os que nos ofendem. Honra é Dignidade, é honestidade
diante dos nossos compromissos, à luz do amor.

E Jesus continua com ternura:

Mateus, meu amigo, haverás de encontrar muitas e


muitas oportunidades para testar o coração na Dignidade pura,
porque aquele que se aproxima da verdade, sofre primeiro as
Coníeqüências da mentira e do engano.

Fez-se silêncio absoluto. O apóstolo, que pretendia coisas


grandes, sentiu, naquela noite, com Jesus, que, com o Mestre, a
verdadeira grandeza era sem limites e, para conquistá-la, Ele,
Jesus, era o caminho imprescindível por que todos deveríam
passar, enriquecendo a vida, em busca de Deus.
Compreensão

Filipe estava assustado, em virtude de vários


incidentes acontecidos em Betsaida. Junta-se ao povo, procurando
algo que pudesse saciar-lhe a fome e a sede materiais e mesmo as
necessidades do espírito. É certo que saía dos encontros com Jesus
e seus distintos companheiros fortalecido na fé e no modo pelo
qual entendia a vida, nos dois planos que a sua concepção aceitava.
Mas ao se envolver na atmosfera dos homens que negavam as
verdades transcendentais do espírito, sentia-se comprometido com
determinadas dúvidas, como amarrado a um poste paraasacrifício,
sem esperança de salvação. O entendimento, nessas horas, fugia-
lhe, escapando, igual mente, do seu hábil raciocínjo. Era preciso
encontrar solução e, para tanto, não existia melhor oportunidade
do que as reuniões que se processavam no casarão.

O filho de Betsaida era muito cauteloso nas suas buscas,


nunca aceitava idéias sem que, primeiro, exam inasse suas
propriedades. Tinha verdadeira vigilância contra a influência dos
outros para consigo e, quando encontrava uma filosofia, ou
mesmo conceitos que o fascinassem, submetia-os à apreciação
de outros da sua inteira confiança. A bateia de sua análise não
se enganava na escolha do ouro, muito menos da pedra valiosa

47
$oão DCunes JK aia / S A a o /ín

da verdade, que deveria ser a verdade filosofal dos mestres e


dos sábios.

Andando pelos arredores de Betsaida, pensa Filipe, meio


incomodado: “Será_queamente, principalmente a minha, pode
se comparar ao estômago cheio que, depois de certas horas,
torna a pedir com ida? Quando saio do repasto divino do
éspfnto, nos encontros com Jesus, tenho a segura impressão
dê*que nunca mais terei fome de entendimento. Depois, com
certos acontecimentos, volto quase ao mesmo estado de alma
fam inta da com preensão dos fatos ocorridos. Vejo que a
sabedoria escapa à engrenagem das minhas deduções!” Pensou
mais um pouco c surgiu-lhe uma inspiração: “Porém, nós temos
a quem recorrer, o sábio dos sábios, o Cristo de Deus”. Andando
mais um pouco, ouviu o balido das ovelhas que brincavam nos
campos, algumas delas correndo em sua direção. Uma passa
tão rente aos seus braços que o seu ímpeto infantil o convida a
agarrá-la. Desliza as grossas mãos no pelo liso e brilhante,
falando baixinho com o animal que, sentindo o afeto do
apóstolo, corresponde, alisando as pernas de Filipe com a
pequena cabeça. Filipe senta-se em uma pedra próxim a e
redobra o carinho, entendendo ali, no palco da natureza, que a
compreensão podia ser também função de idéias idênticas, pois
o animal — raciocinou Filipe com inteligência — estava
compreendendo a doação de carinho e retribuindo com o que
ele podia dar que, no caso era muito, respondendo, pelo gesto
instintivo e a graça de Deus, a algumas das intrincadas dúvidas
de Filipe, naquele diálogo simples.

E quem aparece agora, sem que Filipe suspeite, dizendo:


“A paz seja contigo”? Era Natanael, seu grande amigo, que fala
em tom de brincadeira:

— O pastor aproveita todo o tempo disponível para vigiar


o seu rebanho e dar de comer a quem tem fome, não é o caso?

48
CPIoe /B u t / C o m p reen sã o

Filipe retruca, sorrindo.

— Não, não é o caso. Nas circunstâncias, aqui, o faminto


sou eu, o seu servidor mais humilde nos arredores de Betsaida.

E fechando o semblante, diz, emocionado:

— Natanael! Quando procuramos o Mestre com amor e


humildade, mesmo que esse não seja o clima permanente em
nossos corações, ele nos atende por intermédio das primeiras
possibilidades que surgirem, mesmo que esse meio seja um
animal. A natureza, meu irmão, é Deus palpitando no seio da
yidal

Natanael, curioso para saber o que se passava com Filipe,


aponta para o disco solar que, dando adeus com os últimos raios,
anuncia compromissos assumidos. Os dois partem em direção à
grande assembléia dos homens que o destino chamara para servir,
pela graça de Jesus Cristo. Abraçados e andando em passos
cadenciados, notam alguma coisa que os acompanha. Filipe narra
a história que se passara entre ele e a ovelha.

A proxim ando-se da com unidade, escutam os gonzos


rangerem, falando, na linguagem dos sons. “É hora de entrar...”

A alegria dos presentes parecia irradiar-se como melodia


que somente a audição espiritual poderia registrar. André, que
estava distraído, estremece-se de leve com o forte olhar de Jesus,
vendo surgir em sua mente uma vontade irresistível de orar, o
que faz, com humildade. Finda a rogativa, Filipe, sem querer,
por impulso instintivo, levanta-se e fala, com reverência:

— M estre Jesus! Podes nos e x p lic a r a to d o s, e


principalmente a mim, a instabilidade da gqmpre.eiisã.o? A
segurança que esperava e espero, nesta arte de viver com os
outros, toma sentidos variados e, se não tomo providências

49
<foão OCunes 'JKaia / eSíia o íin

quanto às minhas primeiras atitudes, passo a agredir as pessoas,


pelo simples fato de não compreenderem as coisas como eu as
entendo! Há momentos em que não sei o que busco! E aí, luto
com a dúvida e, quando estou contigo, como agora, por exemplo,
torno-me um gigante, em quase todas as virtudes. Espero a tua
benevolência para que eu possa entender a mim mesmo, quando
falseio no entendimento dos outros.

Nota-se, em toda a assembléia, que a pergunta de Filipe


era a de todos, tal é a insegurança em tudo o que abraçamos.
Cristo dispensa um olhar magnânimo a todos, e fala, com
amabilidadc:

l;i Iipe ! Quando pretendes levantar uma casa, primeiro


cavas as valas, para que acolham o alicerce. Depois que este já
está familiarizado com a argila, é que vêm as paredes, pedindo
base para suportar o seu peso. Depois, vem o telhado para3^em
seguida, entrarem os moradores, em segurança, na moradia. O
ser humano precisa construir cada qual a sua própria casa no
reino da mente, pois, em primeiro plano, as necessidades exigem
a limpeza das valas entulhadas de idéias imprestáveis. Em
seguida à colocação das pedras nos alicerces que os ideais
superiores nos oferecem, com a liga da boa vontade, mais adiante
deveremos levantar as paredes, com cada tijolo representando
um conceito que as leis de Deus interligam. Finalmente, apareçe
o telhado, qn^ « viv^n^E e o tempo chancelando a segurança
daquilo .que aprendemos.

Jesus parou um pouco, para que a massa pudesse fermentar


e a digestão mental se processasse e continua, com bondade:

— Se não fossem os contrastes, Filipe, que encontramos


dia a dia, como provar a nós mesmos se aprendemos as lições
da vida? Todas as invenções requerem provas incontáveis. Para
nos tomarmos coõperadores de Deus, na vinha infinita da criação,

50
7lut> L u t / ( «>m/>rvonsão

o laboratório do m undo nos testa perm anentem ente, até


chegarm os à condição de sermos servos fiéis do Senhor,
respondendo a todos os ataques à verdade, com a própria vida
imperturbável no serviço da caridade e do amor dentro e fora de
nós, com preendendo e sentindo Deus, pelo bem que não
deixamos de praticar, sem interrupção. Nessa disposição, Filipe,
não há lugar para as dúvidas que a ignorância faz vicejar.

Lá fora, pelo silêncio do auditório, escuta-se ao longe o


vozerio do tumulto e, no meio da multidão, de vez em quando,
distinguem-se berros da ovelha, que parece chamar Filipe para
mais carinhos. O filho do lugarejo sorri baixinho, procurando a
atenção de Natanael para compartilhar com ele da lição da ovelha.
No pequeno intervalo, todos suspiraram e voltaram sua atenção
para a alocução do amigo incomparável, que logo retornou com
sua fala cativante:

— Filipe, a Compreensão é, mais ou menos, aquilo que


pensas, quando podes dedicar alguns instantes à ovelha que ficou
órfã ao nascer, conquanto tal atitude seja fácil, por haver carência
de afeto e necessidade de troca de calor em todas as partes, na
sensibilidade do amor universal. Onde a Compreensão é mais
difícil, Filipe, é diante da m aledicência, e quando somos
ofendidos e caluniados e, sem revolta, o coração nos obriga a
transformar nossos sentimentos em perdão, um perdão que não
exige condições. Nesses momentos, por vezes perdemos o
ambiente de segurança, assimilando a violência e a intolerância
dos ignorantes e, se fizermos a justiça que a razão nos pede,
passamos a pensar do mesmo modo de quem nos injuria. E aí, a
semente de Deus, que procurava terra fértil na área do coração,
é retirada pelos ventos da invigilância, deixando o agricultor à
espera de outras oportunidades, para tornar a semear. Filipe, meu
filho: ocupa mais a tua mente com a Compreensão que deves ter
com os outros, sem exigir o mesmo dos outros para contigo, a

51
ffoão OCunes 'JKaia / ô /ia oíin

não ser quando isso vem pelas linhas da espontaneidade. Porque


se você passar a compreender a quem desconhece a lei do amor
e da caridade, mesmo sem palavras, ele passa a te admirar, e
esse é o primeiro passo para o alcance da verdade.

O assunto despertou a atenção de muitos, pois parecia que


o M estre lera em vários corações os fatos recentem ente
acontecidos. O tempo passa, passando também os sentimentos
de culpa dos que não tiveram C om preensão nos ataques
recebidos. Jesus continua com a Palavra fácil e serena:

O entendimento dos que aqui estão tem de alcançar


uma feição mais pura, porque a quem muito foi dado, muito
será pedido. Vós todos participais de uma claridade que, em
outros olhos, produziría a cegueira. Viemos todos, sem exceção,
para servir, sem que a exigência perturbe nossa confiança em
Deus e em nós mesmos. O mal maior, mesmo no seio dos que
estão despertando para a luz, é dar querendo receber, é perdoar
esperando perdão, é sorriCpõfque precisa receber um sorriso, é
dar pousada a um viandante, pensando que o destino poderá
colocá-lo viajando também, é amar pensando, primeiro, no amor
que poderá receber em troca. Espero que isso não aconteça entre
vós outros, que conheceis ao Pai, conhecendo a mim.

Filipe sai mastigando o naco de pão espiritual que Jesus


lhe dera, concentrado em sorver toda a essência, sem perda de
um só til. As portas se abrem, dispersando toda a unidade
discipular, que pensava em como seria a noite seguinte.

52
Entendimento

N atanael ou Bartolom eu figura como um


dos doze discípulos de Jesus, hom em atento ao trabalho,
mesmo aquele que exigia suas mãos, sem pena de que as
mesmas se tornassem grossas como os lajedos de Betsaida.
Era o companheiro de Simão Pedro nas porfiadas horas de
pescaria, no famoso M ar da Galiléia. Era natural de Caná da
Galiléia, aldeia famosa, das mais famosas do mundo na história
do cristianismo, por servir de palco para o primeiro milagre
de Jesus. Milagre ou fenômeno espiritual, como queiram. Caná
da Galiléia! Caná da Galiléia! Com expressão tão simples na
urdidura habitacional da Terra, fez com que o Divino Mestre
se visse atraído para uma das bodas mais importantes de todos
os tempos, e lá, transformasse a água em vinho, abrindo o
Evangelho dos fatos pela primeira vez, mostrando, com isso,
que Ele era, verdadeiramente, Aquele que havia de vir. Caná
também foi cenário de uma cura à distância, operada por Jesus
a pedido de um oficial do Rei, cujo filho já era considerado
morto por uma febre desconhecida, tendo voltado à vida no
mesmo momento em que Cristo disse: “Vai, que teu filho vive” .
É bom que notemos que se não fossem as curas operadas por

53
3
&o o OCunes JK aia / ô fia o íin

Jesus e, em seguida, pelos Seus discípulos e os cristãos de todas


as épocas, nos séculos atuais não se falaria em Evangelho. Para
atrair peixes, são necessárias as iscas. Para que o homem tenha
interesse no trabalho, idealizou-se o ganho. Para que se forme
um a fa m ília, esta b e lec e ra m -se os p rim eiro s sonhos de
felicidade.

Caná da Galiléia foi onde Filipe arranjou um grande


companheiro, que foi logo levado para conhecer Jesus. E Filipe
não se enganou, porque o Senhor convidou seu amigo para fazer
parte da primeira comunidade cristã. Natanael não sentia a
experiência de Lcvi, que abraçara os princípios do Mestre como
que de sopetâo, parecendo que já estivesse esperando há muito
tempo por aquele acontecimento. Natanael era por demais
resguardado, inclusive na sua insapiência, em comparação com
os outros, de maior cultura. Entrem entes, sua m aturidade
espiritual falou mais alto que o raciocínio e fê-lo abraçar os
preceitos que o doador maior distribuía para os que tinham olhos
para ver e ouvidos para escutar.

Bartolomeu, há muito tempo, andava a meditar em novos


processos que poderíam dar conhecimento, aos homens, de
meios mais fáceis de entendimento de uns para com os outros.
As antigas religiões só dispunham de m étodos que não
condiziam com a amplitude evolutiva das criaturas. As gerações
que se sucediam buscavam algo mais convincente que lhes
falasse mais ao coração. A justiça estava por demais exigente e
o Deus apregoado e temido parecia sem certa piedade para a
massa sofredora. Apesar disso tudo, o novo discípulo alimentava
uma esperança. Conhecendo profundamente Moisés, deparava,
aqui e ali, nos seus escritos, o anúncio de um Messias, que seria
o Rei e salvaria o mundo. Encontrava tam bém em Isaías
profecias idênticas. O que tinha a fazer? Era esperar esse
anunciado Mestre. Porém, sua mente divagava nas sombras da

54
y lu e J3 uz / (jn /a m fim e n /o

dúvida, em noites insones, aumentando suas dificuldades de


reconhecer o Cristo, quando Este surgisse no seio dos judeus.
Poderiam ap arecer m uitos C ristos, com o fazer? Filipe,
conhecendo sua sinceridade, não teve dúvidas de que Natanael
era um companheiro de valor e pôs à prova sua intuição.

B arto lo m e u ap arece em B e tsa id a em um a ta rd e


encantadora, aceso de curiosidade. Tinha estado com muitos
sacerdotes e estes o cravaram de perguntas acerca do Mestre e
outros assuntos referentes a comparações doutrinárias. Seu
íntimo fervilhava à busca de soluções que julgava impossíveis
no meio do povo e no seio das famílias, junto aos colegas e no
esquema de trabalho: era a compreensão entre as criaturas.
Encontra-se com Pedro em uma rua de Betsaida, quando repartia
um achatado pão com uma velha cega. Cruzaram os olhares,
sem palavras, e partiram para o antigo albergue dos pescadores
que estava servindo de igreja na form ação dos prim eiros
discípulos.

No grande salão já se encontrava o Mestre com alguns dos


seus adeptos, conversando amavelmente a respeito da firmeza de
ideal. Todos os minutos eram aproveitados para uma seqüência
do aprendizado, já que o tempo que o Senhor ia ficar com eles era
bastante curto, na contagem de uma existência humana.

Enquanto Pedro e Natanael se acomodavam, os outros


adentram e completam o rebanho, cujo pastor era a luz anunciada
há milhares de anos, da Assíria ao Egito, e deste à Babilônia, da
Indochina a Israel, e dele à Grécia, que inspirou também a Roma
no anúncio da vinda de uma das estrelas do infinito, com a missão
de fazer brilhar a Terra e os homens.

Bartolomeu, meio inquieto, é indicado por Pedro para


iniciar as perguntas. Com certo acanhamento natural, procura
os olhos do Mestre e interroga, com prudência:

55
tfoão OCt/nes TlCaia / SS ao íin

— Senhor, porventura podería nos dizer qual deve ser o


nosso comportamento diante dos outros, em se falando de
Entendimento?

Espera com ansiedade. Jesus, animado com a generosidade


de Natanael, fala, com finura:

— Bartolomeu! A idoneidade de uma pessoa depende


muito, mas muito, meu filho, da vivência que ela leva diante
dos conflitos interiores e dos problemas que a própria natureza
externa apresenta como teste da sua natureza. Pelo tom da tua
voz, notarás a apreciação que fazes em ti e nos outros, e pela
análise, notarás a falta de compreensão de grupo para grupo e
de almas para almas, começando dos lares até as nações, pois
em verdade te digo que esse é um processo inevitável, dos
homens e povos se entenderem mais tarde, pois as dificuldades
são criadas para que a dor possa aparecer ensinando, na
antecipação do amor. E bom que se saiba que, quanto mais bruto
é o animal, maior é a corrigenda. A roseira mostra suas pétalas
suaves, mas traz os espinhos na retaguarda, para que a vigilância
seja desenvolvida. Conheces bem as escrituras, pelo próprio
esforço e nas interpretações dos sacerdotes, e não deve te faltar
a razão. Moisés foi portador da justiça pela dureza dos corações.
No entanto, o teu raciocínio te fará crer que a nova mensagem
que estás conhecendo transforma a justiça, pelas linhas da
misericórdia, cm amor e, se queres saber, meu amigo, é justo
que saibas que somente o amor no coração das criaturas fará
estabelecer a verdadeira compreensão entre elas, nos lares e nas
nações.

Suaviza-se o verbo inflamado do Cordeiro Divino. Alguns


dos participantes se assustam com a firmeza do Senhor, quando
fala das necessidades, dos problemas, das dificuldades para o
aprimoramento dos homens. Mas, no silêncio, meditam em tais
conceitos.

56
7!oe £ u i / C .n/ancfim anío

Bartolomeu, muito precavido, deixa as suas deduções para


as prolongadas noites de insônia. Ali, com Jesus, apenas procurava
gravar as lições e aproveitar todo o tempo para apreciar a voz de
Deus na pessoa do Mestre.

E o Cristo, benevolente, continua, com critério:

— Natanael! És inteligente; não te iludas com falsas


filosofias. O esquema de Deus não foi feito para transformações
imediatas, principalmente no tocante às almas. O despertar de um
espírito para as coisas reais da vida depende de seqüências de
esforços indescritíveis. O sol tem uma marcha moderada, com
respeito ao tempo, para formar o dia, e este a mesma sequência,
na estrutura do ano. Assim os séculos, assim os milênios, assim a
eternidade.

E continua, com serenidade:

— A compreensão é incompatível com a ignorância. Se


esta última comanda e domina a maioria na Terra, como poderás
esperar ajuste de Entendimento entre as criaturas? Se é certo que
toda a humanidade tem fome de amor, é mais justo que esse amor
seja dado aos que desconhecem os seus grandes benefícios. Estão
sendo instalados na seara da Terra os meios de propagação da
mensagem que te leva ao maior Entendimento das coisas e da
vida, da vida e dos homens, dos homens e do mundo dos anjos.
Porque é por vontade de Deus que aqui estamos, para transmutar
a justiça em perdão e o perdão em caridade que, nesse empuxo da
vida, passe a esplender na pureza do amor.

Sua voz ressoa em todo o salão como música que os anjos


não esqueceram de ampliar. O Mestre, envolvido na dinâmica da
verdade, retoma a palavra sem que ninguém ouse interrompê-Lo:

— Bartolomeu! Prepara-te para escutar a verdade que não


esperavas. Se te preocupas muito com a compreensão de uns para

57
$oão OCunes JlCaia / ô /ta o fn

com os outros e dos outros para contigo, se intentas lutar para


estabelecer um Entendimento universal, se te dispões a trabalhar
para uma unidade de sentimentos, coloca o capacete do trabalho
edificante sem perguntar o que vais receber. Envolve-te na
tolerância educada na força do bom senso. Respira e distribui a
caridade sem fanatism o, arregim enta as armas do perdão
incondicional e não penses no tempo em que a tua cooperação
com os outros que esposam as mesmas idéias venha a formar a
fraternidade entre os povos. Porque na verdade te digo que essa
incompreensão que tanto temes, tu a sentirás no nosso próprio
meio, onde temos as melhores armas para combatê-la. Mas, se
continuares no bem até o fim, fazendo a tua parte, os outros farão
o mesmo e Deus fará o resto.

O silêncio cai sobre o salão e, grupo a grupo, os discípulos


se dispersam , pensando e repensando nas dificuldades de
compreender e nos meios de atingir a compreensão.

58
Solidariedade

Sim ão O Z e /o /e

Sim ão, o Zelador, foi um discípulo diferente


de todos os outros, mesmo diante da personalidade inquieta de
Judas Iscariotes, que muitos escritores espiritualistas têm como
um político sagaz e premeditador. A verdade não era esta. A
intenção de Judas era colocar Jesus como alvo de todas as
atenções do mundo, para melhor salvar as criaturas, mas por
meios que a consciência reta não aceitaria. Além disso, os planos
do Evangelho se encontravam organizados pela consciência
divina e o amor seria a disposição poderosa do avanço espiritual,
e não a violência, não o comércio, não as exigências.

Simão, o cananita, é que pertencia ao partido político


nacionalista idealizado por Judas, o galileu. Ele era uma das
frentes de entusiasmo contra o jogo dos romanos. Era revoltado
por ver seu povo carregando um peso exorbitante de tributos
que iam para os cofres da águia impiedosa. Ainda mais, os
romanos se classificavam como uma raça superior, pela posição
que desfrutavam no reino que lhes pertencia pela força.

Simão não pensava muito em religião, porque nela notava


algumas sombras perigosas de escravidão, e ele se debatia com

59
£/oão O C unes <
J IC aia / ô /ía o íin

todas as forças pela liberdade. O clima desse homem de que


vamos falar era mesclado de interesse pela pátria livre e de
revolta diante da subjugação por um povo ganancioso e
perverso, egoísta e fanático, guiado por ordens que partiam de
um céreb ro talv ez m an ietad o pelas p re sas da n eu ro se
irreversível. Mentalizando a paz e o trabalho honesto para seu
povo, o discípulo não sabia o que fazer, a não ser se reunir
com homens do mesmo ideal. Todavia, a revolta, mesmo aquela
cheia de direitos, se perde para tornar-se com panheira da
in to lerân cia, com eçando a usar as arm as da v io lên cia,
enfraquecendo as bases principais da Solidariedade. E foi o
que aconteceu! Seu partido passou da defesa para o crime, da
liberdade dos galileus para a imposição dos seus próprios
patrícios que não comungavam com eles na mesclagem do ódio
com a defesa. E Simão viu frustrado todo seu ideal. Não era
isso que ele queria. Varão portador de descomunal energia para
o que desse e viesse, não concordava em destruir para defender-
se. A coragem em sua cabeça dava para ser percebida nas
feições, sem que a dúvida se intrometesse.

E eis que, em uma manhã ensolarada, meio triste com os


acontecimentos, procura um ancião curtidor que se dava ao
trabalho na margem destampada de um córrego onde as águas
cantavam as harmonias da criação. O curtidor solfejava um hino
que aprendera com seus ancestrais, portadores dessa preciosidade
melódica da convicção dos retirantes judeus, na época em que
saíram da casa de servidão do antigo Egito, pela força e coragem
de Moisés, o filho das águas e instrumento de Deus para a
libertação de um povo.

Simão saudou-o, prestimoso, e Jonas-ben-Sabel, com


reverência, responde, alegre:

— Jovem, quais os sopros que te trazem aqui, no ambiente


de trabalho de um velho sem préstimo? Vamos assentar e, se

60
(1
~7Juv á jt/2 / ó o /tc/a rio c ía c/t

quiseres, podes nos dar o prazer de compartilhar conosco da ceia


que a hora anuncia.

Aponta a mão mal cheirosa para um tosco banco e se desfaz


de um roto avental, à beira de um tanque onde o asseio se dava.
E logo inicia a conversação. O velho, ciente das ocorrências com
o Zelote, passa a dar-lhe notícias do Messias, que ele próprio
vira pregando às margens do Lago da Galiléia. Conta pai a o jovem
político todos os fenômenos a que assistira e os que ouvira falar
por pessoas idôneas.

O velho impressionou bastante a Simão, o cananita, que


naquela mesma tarde procura o Nazareno que, junto à multidão
que o cercava, convida-o para o seu partido de amor, aquele que
não vinga, que não oprime, que não fere, que não julga, que não
vende, que não mata. E na mesma hora, Simão consegue segurar
as mãos de Jesus, que sente lágrimas quentes molharem os seus
dedos de luz.

Simão põe os seus pés às margens do Lago de Genesaré,


descendo de um pequeno barco em companhia do velho curtidor.
Ao entrarem em Betsaida, o curtidor toma outra direção e lhe
deseja felicidades. Daí a pouco, o impetuoso cananita se aproxima
do grande rancho dos pescadores onde um lugar o esperava no
seio da comunidade em Cristo.

João levanta-se suavemente, obedecendo ao sinal de Jesus


e faz sentida oração. Nos céus, faiscavam milhões de estrelas,
como que respondendo à sua súplica fervorosa. Ao término do
pedido do apóstolo, ergue-se com desembaraço o cananita e
pergunta, com ansiedade:

— Mestre! Por favor, queira nos orientar sobre o que vem


a ser Solidariedade. Quero crer que a Solidariedade não se arrefece
em nenhuma condição. Apesar disso, a que eu alimentava junto

61
e^oão OCune.s JK aia / S /ja o /in

a companheiros dos mesmos ideais enfraqueceu, quando eles


começaram a mudar de rota. Parece que se apagou em mim aquela
chama pela causa que antes abraçara, a da liberdade de uma pátria
a que tanto devemos, por ser o nosso berço.

Jesus ouviu pacientem ente a dissertação de Simão e


argumentou, com simplicidade:

— Simão! Simão! A Solidariedade é princípio divino no


coração humano. Ela é uma argamassa de natureza superior que
somente se ajusta em pilares da mesma formação. Se queres
saber, a tua Solidariedade não se acabou, pelo que vemos está
m udando de direção, assim como mudou o alvo no qual
concentraste a tua atenção. A política do mundo tem seus valores
para aqueles que com ela se afinam. No entanto, sua área é restrita
e sua defesa é gananciosa e egoística. O partido que ora tomaste
como emblema da tua vida se alicerça em leis mais elevadas.
Ide não tem limites para fazer o bem, nem barreiras que
demarcam tempo c espaço para servir. E tão diverso dos outros
que se empenha mais em favorecer os próprios adversários e,
em vez de o fen sa, perdão; no lugar do ódio, am or. A
Solidariedade que buscas, que chamas de verdadeira, pode ser
bem diferente da que antes idealizavas, porque ela, na verdade,
encontrando o mesmo clima, se unifica. Porém, em caso nenhum,
deves exigir que ela não seja revestida da usura. Podes é afastar-
te, depois de usares a tolerância, para onde melhor te acomodares,
ampliando, cada vez mais, tua ação benfeitora. Nunca deves
desistir definitivamente de solidarizar-te com o movimento de
que participaste e que tanto esforço exigiu em prol do bem-estar
com um . S epara com c rité rio as atitu d es v alo ro sas dos
companheiros. Nunca um homem é inteiramente ruim, nem um
grupo que se forma defendendo um ideal. Aproveita, pois, o
que é bom e distancia-te do que achas imprestável. Se um teu
inimigo está fazendo o bem no lugar que escolheu para viver, é

62
7!u* /B u t / ô o /tt/a r *'*(/<*(/•

justo desmerecê-lo, somente porque a presença dele não te


agrada?

Jesus cala-se por instantes e deixa que os companheiros


se demorem nas meditações, buscando algo mais nas suas
próprias deduções espirituais. E vem em socorro, trazendo novos
reforços educativos:

— Meu filho, acho uma nobreza em teu caráter a procura


da Solidariedade. Podes notar, pelos benefícios que traz, que ela
representa raios insofismáveis do amor. Quem ajuda por caridade
é o homem que o futuro espera, é a alma querendo se tornar
anjo, para que o mal fique só na história do mundo. Sabes,
porventura, o que nos une neste instante e o que vai nos unir
eternamente? É a Solidariedade de princípios, porque as bênçãos
do Nosso Pai Celestial nos convoca para tal. Quando as pessoas
que alvejaste com a tua Solidariedade falharem naquilo que antes
mostravam como meta, não sejas como barco sem remador,
entregando-te às ondas sem rumo, e não duvides da bondade de
Deus que, por vezes, está te experimentando, para que possas
assum ir postos elevados na dissem inação das verdades
espirituais. Quando isso acontecer contigo, renova a confiança
e busca a frente, sem que o atrás te chame a atenção e te esfrie
nos teus princípios. Ainda existe uma Solidariedade mais
importante: é aquela que deves ter para com o Senhor de todas
as coisas, que mora fora e dentro de ti.

A atmosfera do ambiente palpita de emoção. Somente se


escuta dentro da igreja, em um ritmo de plena disciplina, o
respirar daqueles homens de Deus. O Cristo toma novamente a
palavra:

— Meu amigo! Que Deus te abençoe nos teus princípios


de união dos que se encontram perseguidos e pela defesa de
uma pátria, na qual nasceste. Contudo não esqueças de saber até

63
$oão OCunes 'JlCaia / S /ia o f/n

que ponto a assistência é benefício e até que ponto a ajuda é


conivência. Temos que nos preparar para a grande viagem da
ascensão. Se encontrarmos carruagem, melhor, vamos a ela. Se
faltar-nos essa condução, usaremos os pés sem esmorecer, por
m otivo nenhum . E stam os aqui nos preparando para nos
solidarizarm os com o bem que estiver sendo praticado em
qualquer parte do mundo, e no meio de qualquer seita ou partido,
reforçando o amor de Deus para com todas as criaturas. E nesse
trabalho em que a universalidade é o lema, anunciemos as nossas
concepções das leis do Criador, que se eternizam com o amor
puro.

Passam-se alguns minutos. Jesus, olhando para todos os


presentes, levanta-se com elegância, fixando o olhar em Simão,
que se aproxima sorrindo.

As portas se abrem. O velho curtidor vai chegando em


busca de Simão e tem a felicidade de falar frente a frente com o
famoso Nazareno. Beija as suas delicadas mãos e pronuncia,
com emotividade:

— Graças a Deus! Graças a Deus!


Companheiro

cSimão O^edro

Sim ão Pedro Bar-Jonas, natural de Betsaida,


conhecedor profundo do sistema de trabalho mais amigo, talvez
o mais antigo do mundo, que é a pesca, era homem simples e
bondoso, porém , quando irritado, enérgico e, por vezes,
violento. No entanto, passados alguns minutos, arrependia-se,
chegando até as lágrimas. Os seus sentimentos variavam como
as ondas do mar. Tinha muitas amizades por toda a redondeza.
Seu irm ão A ndré a ss e ss o ra v a na p e sc a e e ra quem
contemporizava em certas discussões. Pedro fechava o cenho
por meras brincadeiras e sorria por um simples olhar. Eis alguns
traços do apóstolo Pedro, o primeiro a ter o privilégio de ouvir
o “segue-me” de Jesus.

Simão Pedro, ou Cefas, como queiram chamá-lo, mudou-


se de Betsaida para Cafarnaum, passando de um para o outro
lado do grande Lago da Galiléia, que se chamava também Lago
de Genesaré, ou Mar da Galiléia, tendo ainda outros nomes,
como se fossem sinônimos daquele imenso volume de águas,
no sentido de acolher nas suas lindas margens várias cidades
ou aldeias de camponeses, já que a agricultura e a pecuária se
constituíam em seus maiores afazeres.

65
ffoão DCunes JK aia / S Á a o ín

Cefas era grandalhão e forte. Desconhecia dificuldades,


suas e dos outros, que não estivesse pronto a resolver, somente
com o interesse de servir. Sabia que as águas têm seus segredos
e era conhecedor deles. Amava e respeitava as leis da natureza,
pelo m enos as que lhe eram d ad as a c o n h ec e r. F o i,
primeiramente, grande admirador de João Batista, tanto que
não perdia suas pregações à beira do Jordão e no deserto mais
próximo do famoso rio.

Ao certificar-se da notícia do novo Messias que Filipe


anunciara, André, embora com muito respeito a João Batista,
insistiu, como inspirado pelos céus, para que Pedro fosse vê-
lo. R foi esse Pedro que o dedo de Cristo escolheu, apontando-
o com o pedra angular da nova doutrina que o m undo ia
conhecer, fundamentada no amor e na paz.

Simão Pedro Bar-Jonas foi a porta pela qual os outros


discípulos entraram. Os prodígios operados por Jesus faziam-
no disciplinar cada vez mais a sua força e o seu adestramento
como homem do mundo, para que pudesse vir a ser um homem
dc Deus. Quando raiava o sol e as redes bailavam nos ares,
estendidas por braços musculosos, dois deles eram os de Pedro,
que labutava entoando canções que o integrava, cada vez mais,
no ambiente das águas, ou se podemos dizer, com os gênios
titulares do mundo líquido.

O apóstolo da fé tirou a tarde para meditar. Esqueceu-se


do trabalho da pesca para pensar na pesca espiritual, e começou
a andar, meditativo, às margens do Mar da Galiléia, parecendo
não perceber quem passava. Era um Pedro que vivia, naqueles
momentos, nas raias do espírito. Dentro d ’àgua, deslizando num
barco, encontravam-se igualmente meditando e por vezes lendo
as escrituras sagradas, dois homens, Filipe e Bartolomeu, que
encostam a embarcação, saudando o amigo, com alegria:

66
~7Ioa £ ju t / G om pan/m iro

— A paz seja contigo!

Simão Pedro, voltando a si, sorri também c abraça os dois,


que o convidam para irem logo em direção a Betsaida. Ao
chegarem ao outro lado do lago histórico, notava-se grande
tumulto. Quem seria? E o velho pescador logo reconheceu: era
Jesus!

O Cristo, vindo de Tiberíades com João e Mateus, ao descer


do barco viu uma mãe aflita lhe expor seu filho paralítico, com
acentuado escândalo, gritando, chorando e pedindo socorro.
Reconhecendo o Messias, não queria perder a oportunidade de
ser abençoada juntamente com seu filho. Pedro avança para
proteger o Mestre em meio à brutalidade peculiar das massas, e
quando vê o carinho do Mestre para com a mãe do doente, ajuda-
o a descobrir o enfermo que se. postava deitado em um cesto,
esquelético, pernas mirradas. Simão, ao ver aquele morto-vivo,
esfriou um pouco o coração. Sabia dos poderes do Cristo, mas
aquele moço... Jesus fala brandamente a Pedro:

— Cefas, põe o enfermo no teu colo e ama-o como se


fosse o teu próprio filho, que o teu amor poderá curá-lo.

Foi o que fez o discípulo, com humildade e respeito. Ao


abraçar o doente, envolvido nos m aiores sentim entos de
paternidade e carinho, viu o Mestre sorrir levemente:

— Ajuda-o, Pedro, e anda com ele!

Nisto o rapaz esticou as finas pernas, apoiado no filho de


Jonas, andando e gritando no colchão macio da areia:

— Mamãe! Mamãe! Esse é o Cristo de que a senhora falou!

E a multidão também gritava:

— Viva! Viva Jesus e salve Deus!

67
9> 3 o OCunes J K a ia / ô íia o íin

Daí a pouco estavam todos reunidos com o Mestre na


grande casa emprestada para que servisse de templo, de onde
surgiu a nova e engenhosa mensagem espiritual capaz de provar
à humanidade que existe o amor...

Judas é convidado a orar. Depois da prece comovente do


apóstolo, Simão Pedro Bar-Jonas, emocionado pelos recentes
acontecimentos, sente que Jesus lhe fala na acústica da alma:
“Pedro, desliga-te um pouco da meditação, pois o que é demais
costuma sobrar e a sobra, por vezes é desperdício de energia” ...
Entendeu então que deveria falar alguma coisa. Começa então a
dizer:

Mestre! Há muito tempo que me integro em vários


grupos de homens e em muitas modalidades me empenho e eles,
esses amigos, me chamam, por gentileza, de Companheiro. Na
sua profundidade, o que quer dizer esse tratamento?

O homem de Nazaré, altivo e confiante, responde com


habilidade:

- Pedro! Ser Companheiro não é apenas ser amigo dos


que comungam dos nossos ideais. E acompanhá-los em alguns
dos seus também. Não podemos dizer que é a fusão completa de
todos os sentimentos de pessoas ou grupos de almas. Deixemos
esse fenômeno difícil para o amor. Acompanhar os outros é o
que fazes, em alguns casos, no labor da tua pesca. E ajudar
sempre, dentro das possibilidades, aos que se envolvem em
dificuldades, sem se empenhar no ganho. O prazer de ajudar
por ajudar é que nos torna verdadeiros Com panheiros do
beneficiado. Quando somos os alvos da assistência é que nos
certificamos de quanto é bom ter Companheiros fiéis ao lema:
um por todos e todos por um. O amor, Pedro, se divide em
modalidades infinitas, e uma delas representa o assunto levantado
por ti. Essa virtude divina se ramifica em repartes sem conta,

68
H u« b u t / ( lo tn p a n /ieiru

procurando despertar nos corações todos os tipos de sentimentos


do bem, que uns vêem como companheirismo; outros, como
tolerância; procurando analisar mais, encontramos a bondade;
indo mais além, o trabalho, a coragem, o otimismo, a fé, a
confiança, a fidelidade e m uitas outras virtudes. Pelas
m encionadas, ficas sabendo as seqüências das qualidades
provindas do amor.

A resposta do Mestre deixa Pedro pensativo, monologando


com rapidez: “Então a gente pode deixar de ser Companheiro
de alguém, sem que isso se torne, da nossa parte, um desprezo?
E aí, onde está a amizade?”

Jesus, inteirando-se dos pensamentos do apóstolo, fala,


com segurança:

— Cefas, tu és Pedro, em quem deposito a minha confiança


pela fé com que podes despertar para a aliança com o Evangelho.
Verdadeiramente te digo que podes deixar por algum tempo de
seres Companheiro de alguém, ou de algum grupo de irmãos,
quando estes se esfriarem em seus ideais mais nobres. O
Com panheiro do bem é aquele que alim enta nos outros o
entusiasmo pelas coisas que o bom senso sempre chancelou. A
amizade, pois, pode perdurar até que venha a se coadunar de
novo com as qualidades de intenções. Mesmo vivendo distante
um do outro, o elo da fraternidade pode vibrar, e por esse
caminho, algum dia, o amor é convidado a transitar. É bom não
esquecermos, meu filho, que há casos em que dois amigos,
dedicados ao bem comum, não são Companheiros na extensão
profunda da palavra, porque do dever a que um foi chamado, o
outro foi dispensado, e vice-versa. Porém, reconhecem que todo
bem se converte para a felicidade. O Evangelho pede dedicação
de todos vós e, em casos apropriados, sacrifícios. Sois os
primeiros a se iluminarem. Portanto, é justo que deveis dar o
testemunho de fidelidade a Deus. Nesta comunidade que ora se

69
tífoão OCunes J lfa ia / c)/íaohn

inicia e para a qual fostes escolhidos antes de nascerem, eu desejo


que todos sejam meus Companheiros, e o regozijo é todo meu,
se fizerdes o que eu faço. Continua, Pedro, a aderir às boas ações
dos que desejarem praticar e aprende com eles o que ainda não
sabes. E é bom que o faças com humildade, porque a pretensão
escorraça o entendimento.

É a vez do silêncio! Cada discípulo conversa com o mais


próximo, sem que o barulho perturbe a harmonia.

Simão Pedro sorvia os ensinam entos, com o homem


sedento. Mas não era somente ele. O Cristo riscava seus olhos
paternais em todas as direções do templo, parecendo ver subir e
descer anjos dos céus para a Terra e da Terra para os céus. Deixou
que o tempo falasse mais a respeito da conduta do homem diante
da vitla, e retoma seu discurso, com imperturbável serenidade:

Pedro, o que quero acrescentar, para que tenhas maior


confiança, é que não deves esmorecer nas lutas que abraças pela
Boa Nova do reino de Deus. Se porventura perderes alguns
Companheiros ou deixares de acompanhá-los, por motivo de
força maior, não perturbes o teu coração. Se a tua consciência
estiver tranquila pelo ideal tio bem que alimentas no coração,
segue avante, que algum dia, em nome de Deus, haverá um só
rebanho e um só pastor, onde todos, mas todos, se unificarão na
verdade, e a verdade vos levará ao amor. É muito justo que a tua
preocupação cresça diante de tanto desajuste que presencias no
teu convívio com os outros. Não obstante, é bem mais justo que
não deix es que esta p re o c u p aç ão p re ju d iq u e as tuas
sensibilidades, que foram feitas para trabalhos mais nobres. O
que presencias é fração dos acontecimentos do mundo, e se
pudesses vê-los de uma só vez, esmorecerías, achando sem
solução os problemas da humanidade. Contudo, se queres dar a
tua cooperação, podes fazê-lo logo, principiando por um sorriso
aos enfermos, dividindo o teu alimento com o faminto e ofertando

70
~7ltia /O ui / (x jm p a n /ja /ro

tua túnica ao nu, conversando com os desesperados e dando


exemplo de trabalho aos preguiçosos. Nunca deves alimentar
idéias negativas, porque se Deus, na nossa compreensão, pensou
para fazer o mundo, a razão nos diz que os nossos pensamentos
podem fazer alguma coisa de bom ou de ruim, dependendo do
nosso estado de alma. A faculdade de pensar, que temos, é a
maior que, por enquanto, desfrutamos, por misericórdia do
Criador.

Em seguida, o Mestre se levanta em direção à saída, e


todos o acompanham, sem uma palavra.

71
A ndré, irmão de Pedro, também de Betsaida,
era pescador de profissão, como seu irmão. Nascera naquela
aldeia sob o beneplácito estrutural da religião judaica, modelada
pelo famoso profeta judeu-egípcio M oisés, escolhido entre
milhões para compor o livro mais conhecido do mundo, no qual
todas as religiões, ou quase todas, se baseiam. Todos os escritores
consultam esse livro, ou quase todos. Todas as nações o
respeitam, ou quase todas. Todas as leis da Terra nele se assentam,
ou quase todas. O próprio Moisés talvez não imaginasse a fama
que esse livro sagrado poderia fazer de seu nome, nem que as
escrituras servissem de ponto indicativo das pregações do grande
Messias.

André de B etsaida tinha um caráter form ado nesse


ambiente que tinha como lei central os dez mandamentos, para
que todos pudessem disciplinar seus impulsos por eles, amando
a Deus para amar o próximo. André, quando conheceu Jesus, já
era discípulo de João, o Batista. Convidado pelo seu primeiro
Mestre, passara com ele aquela noite no deserto, conversando
sobre as coisas de Deus, sobre a vida futura, sobre o dever do
homem para com a vida na terra, o caminho do arrependimento,

73
ffoão OCunes JK aia / cSíía o íin

no sentido de alcançar melhor e mais profundo entendimento


sobre os preceitos de Deus.

Ali, certa hora da madrugada, André, já cochilando, é


tocado por João que, com os olhos fitos no infinito, como se
estivesse conversando com as estrelas, fala, sorrindo:

— André, meu filho, queres saber realmente quando o


Messias terá de vir para salvar a humanidade? Eu te falo como
se fosse a boca do Senhor que está nos céus. Ele já se encontra
na Terra, e eu, em primeiro lugar, já o conheço há muito tempo,
sem, contudo, ter a ciência de que Ele era o salvador do mundo.
E se queres saber mesmo, esse de que te falo é Jesus de Nazaré,
filho de Maria, que tem por companheiro José, o carpinteiro.

André estremeceu nos seus alicerces! Pensara muitas vezes


que o Salvador era João Batista. E João fala ao irmão de Pedro
com segurança:

— Eu, André, vim primeiro abrir as veredas, dar o sinal,


abrir as portas dos corações pelo arrependimento, para que o
amor encontre acesso na alma faminta das gerações. Esse
Messias de que te falo tem a assistência de grande movimento
de anjos nos céus, que tomam providências no sentido de que
sua palavra seja cumprida. Não sou digno de ser seu servo. Tudo
o que foi dito dele há de se cumprir, para que reconheçamos a
sua missão na Terra.

André perdeu totalmente a vontade de dormir naquela


noite. Não tirava os olhos dos céus, para ver se via alguma coisa,
relacionada com o que ouvira de João Batista, acerca de Jesus.

André foi visitar o novo profeta e cientificou-se da verdade,


tendo feito todo o empenho para levar Pedro a Jesus. Quem guiou
os dois ao Mestre foi Filipe. Foi o guia dos dois irmãos de
Betsaida, para depois ser um dos convidados do grande Mestre.

74
~7h>e /Buz / 9 yu a lrla cle

André conversava bastante, mas com pessoas da sua


amizade. Logo que começasse a juntar mais genlc, calava-se,
era introvertido. O acanham ento era uma barreira que o
im pedia, às vezes, de realizar m uitas coisas. Em m eio à
multidão, mesmo que dominasse um assunto, perdia totalmente
a inspiração e corava com facilidade. O seu estado emocional
tirava-o de muitas alegrias. Conversara com João sobre isso e
o homem do deserto o aconselhara que esperasse, dizendo que
poderia ser uma porta fechada por Deus, para que ele, André,
pudesse crescer em determinadas virtudes e saber controlar,
mais tarde, suas próprias emoções.

O irmão de Pedro já se encontrava em B etsaida há


semanas, em casa de parentes. Não quisera sair dali enquanto
se processavam as reuniões com o D ivino M estre e era o
primeiro a chegar todas as noites ao casarão.

Suas andanças se limitavam ao trabalho da pesca, no Lago


de G enesaré. Enquanto as estrelas piscavam no infinito,
emprestando suas claridades à lua, André coloca o seu pé direito
dentro do grande rancho dos pescadores, saudando-os com a
frase: “A paz seja nesta casa”. Daí a pouco, todos tomavam
assento em torno do M estre de Nazaré. A visão do Cristo
envolve de cheio a Tiago, que logo compreende e ergue aos
céus fervorosa oração. André já havia conversado com Pedro
acerca de suas dúvidas na m aneira pela qual entendia a
igualdade e, na hora, sentiu que alguém que ele não via, pedia-
lhe para perguntar a Jesus sobre esse tema que tanto fascina os
h u m ild e s e p e q u e n in o s, q u an to é d e sp re z a d o p elo s
latifundiários. E foi o que fez, com constrangimento, assim
discorrendo:

— Mestre! Tomo a liberdade, nesta noite que melhor


poderia ser aproveitada por irmãos mais conscientes da verdade,
de perguntar ao Senhor qual o papel da Igualdade no seio da

75
tfoão OCunes JK aia / ó /ia o ín

comunidade humana e, por assim dizer, no nosso meio, tendo


a Tua presença como se fosse o próprio Deus.

Abaixa a cabeça e espera escutar a verdade. Olha várias


vezes para Pedro, sorridente, e o discípulo da fé aprova seu
gesto e senta-se tranqüilo. Jesus, com a ternura peculiar,
responde, compreensivo:

— André, meu filho! Sendo Deus todo amor e justiça,


não poderiamos acreditar em desigualdade no mundo e no
grande rebanho do seu coração. Contudo, assim como tu não
és capaz de encontrar uma folha igualzinha à outra, na
imensidão da floresta, nem árvores, nem animais, nem insetos,
também não encontraste nunca um rosto, chorando, sorrindo
ou em estado normal, igual ao outro na sua estrutura física. E
no caráter, na disposição do bem? No fundo, todos somos feitos
iguais, como, certamente, as coisas que nos cercam. Porém,
cada um de nós c cada coisa se encontra como expressa no
sonho de Jacó, em forma de escada: cada um e cada coisa
vive em um degrau da vida, expressando o mundo em que
vive.

Jesus faz um a pausa, esperando a assim ilação dos


companheiros, com serenidade. André procurava gravar tudo
o que ouvira, mas pouco entendia das comparações do Mestre.
O lhava m uito para o irm ão, que era m ais avançado no
entendimento. Este, devagarinho, muda de lugar, assentando-
se junto a ele e falando ao seu ouvido:

— Não te desesperes, André. Deixa primeiro cozinhar


para que tu tenhas maior sabor na comida. Ainda não temos
capacidade de entender o Cristo com a mesma facilidade com
que perguntamos sobre os nossos problemas. Por vezes, eu
tenho dificuldade até de formular as perguntas, e muito pior,
entender o que Ele fala. Não te aflijas, espera.

76
Í71i>e /3uz / ^(fu a ld a d e

André sentiu-se consolado. Jesus retoma a palavra, com


sabedoria e discrição:

— André, será que quando alimentas o ideal de Igualdade,


não pensas somente em seres igual aos que se encontram bem
situados no mundo da riqueza e no domínio dos poderes da Terra?
Já pensaste na Igualdade daqueles que se encontram nos vales
dos leprosos, sem esperança, para que possas, com a fé que tens,
consolá-los? Será que já passou pela tua cabeça seres igual, na
posição em que te encontras, aos andarilhos sem destino e, às
vezes, sem pátria, passando as maiores necessidades que o
destino lhes impõe, para que, junto a eles, possas idealizar meios
e movimentar recursos, pelo que já sabes, para aliviá-los dos
seus sofrimentos? Será que pretendes igualar-te aos velhos sem
teto e às crianças órfãs, para que, junto a eles, venhas a colocar
a tua inteligência a serviço da segurança desses que sofrem o
desprezo na carne e no coração? Por certo que não. A Igualdade
que todos, ou quase todos, pretendem, meu filho, tem algo de
egoísm o, tem m uito de bem -estar próprio. Todo hom em
revoltado na vida o é porque não conseguiu atingir o lugar que
outros desfrutam nos píncaros dos poderes de César. Seria muito
mais justo e humano, se ele quisesse beneficiar os outros,
desfrutando também, que ele trabalhasse em silêncio, em
qualquer labor em que a dignidade fosse a meta, em que a
sinceridade fosse o comando, em que o amor fosse o interesse.
M esmo assim, não serias igual aos teus sem elhantes, por
e x istire m d e talh es que não p e rc eb e s, im p ed in d o essa
possibilidade.

Faiscava a expectativa nos corações dos apóstolos. Fervia


a ansiedade de todos pelo desfecho de Jesus acerca de Igualdade.
André tocara em um assunto que não sabia tão complicado. Pedro
esfregava as mãos, por saber que o Mestre colocaria o tema às
claras, ao fim da conversa.

77

».
tfoão DCunes JK aia / ô /ia o íin

O Nazareno dá continuidade, com mansuétude:

— Quando o impulso de desigualdade ascende no coração


de um homem, é para ser desigual aos pobres, aos párias, aos
incultos, mesmo pertencendo a essa faixa de testemunhos.
Devemos lutar com todas as nossas forças no sentido de que
todas as camadas da vida, ao se aproximarem de nós, sintam no
coração que estamos nos apresentando como se fôssemos eles,
em b e n efício deles, esquecendo p o siçõ es, caso hajam ;
esquecendo sabedoria, caso a tenhamos; esquecendo fortuna,
caso desfrutemos dela. E sendo igual por amor, pois a caridade
se estende sem barreiras. Na verdade vos digo que todos somos
iguais em Deus, mas divcrsificamo-nos ao infinito, para que
possamos fazer parte da criação, na melodia harmoniosa e
universal.

E Cristo finaliza, com ênfase:

André, procura o amor e ama a Deus sobre todas as


coisas e ao próximo como a ti mesmo, e não queiras modificar
as coisas feitas por Deus, porque, por ora, não te é dado entender.
Simão! Abraça teu irmão com entusiasmo e conversa com ele
mais longamente. Muito bem, meu amigo, pergunta, pergunta,
que todos nós aprendemos com os teus problemas mais urgentes.

O colóquio estava encerrado. Os dois irm ãos saem


confabulando sobre o assunto da reunião inesquecível.

78
Respeito

"N

CPif/pe

Retornam os, com prazer indizível, a falar de


Filipe, o apóstolo maravilhoso que, com Pedro e André, forma a
trilogia fecundante, ou seiva pura oriunda de Deus e cultivada
em Betsaida. Filipe tornou-se o que, nos dias de hoje, classificam
de repórter. Vamos encontrar o discípulo de Jesus andando em
Betsaida, tendo aos ombros um pequeno alforje que certamente
acolhia a matulagem do dia. As ruas, bem cedo, se mostravam
movimentadas pelas notícias dos fenômenos produzidos pelo
Divino Mestre. Camelos e jumentos enchiam as encostas, à
procura de capim e folhagem que os abastecessem e os refizessem
das grandes marchas. Filipe, solfejando algumas das suas canções
prediletas, brinca com uma bengala improvisada, como se fosse
um artista anunciando as suas mágicas. Pára em frente a uma
oliveira, cuja m aviosa som bra e arom a convidavam para
meditação. Mas, debaixo dela, já se encontrava, sentado e
apoiado em velho bastão um ancião de quase um século de
existência. Os cabelos faziam lem brar as neves, o rosto
denunciava o mau trato de sua existência e os olhos, meio
apagados, eram como que despidos de todo o desejo de ver a
natureza, pelo cansaço e o enfado de somente contemplar, todos
os dias, a mesma coisa.

79

m
tfoão DCunes JK aia / ô /ta o /in

O discípulo de Jesus toca o velho com a sua destra, de


mansinho, dizendo:

— A paz seja contigo, meu Senhor!

Esse, com muito custo, levanta a cabeça e responde:

— Quem sois? Quem ousa tirar-me do descanso que, se é


que existe Deus, Ele me proporcionou?

Sou eu, meu velho, Filipe! Um simples homem. Em


que poderei servir?

Servir, servir, servir! — E o velho deu uma gargalhada


meio forçada, desdenhando das boas intenções do companheiro
de André e Pedro. Mas a veneração que tinha pelos velhos e
crianças fê-lo ouvir, com paciência, a longa história do antigo
judeu.

A revolta fez o velho se esquecer da bondade alheia e


desacreditar até da existência de Deus. Filipe falara com carinho
ao pé do ouvido, para que ele pudesse escutar melhor sobre o
Messias, anunciado pelos antigos e novos profetas, esclarecendo
que o Cristo já estava na Terra.

— E sabes onde, meu velho? Aqui! Aqui, em Betsaida,


por acréscimo de misericórdia do Criador, desse Pai de bondade
em que não acreditas, por não encontrá-Lo.

Filipe, com todo o carinho, passa de leve as mãos pela


cabeleira vasta do ancião e fala mais ao seu coração:

— Meu amigo, como te chamas?

O velho, meio sem graça, não nega sua identidade.

— Podes me chamar de Sultão, se queres colocar-me, ao


menos pelo nome, onde nunca pude chegar.

80
oftoo /o u i / CRespeï/o

Filipe compreendeu tratar-se de pessoa prejudicada, no


passado, pela política, a quem os próprios companheiros se
encarregaram de sacrificar, até que ele chegasse ao ponto onde
estava.

— Meu velho Sultão!

Notando certa claridade nas enrugadas feições do homem,


Filipe continuou:

— Eu estou aqui para te falar de Deus, um Deus que talvez


não soubeste procurar, um Deus que não persegue nem calunia,
que não ambiciona, não odeia, não rouba, não fala mal de ninguém,
não despreza, não desdenha, não é egoísta nem orgulhoso!

O velho Sultão, interrompendo, diz:

— Esse Deus que pregas não existe!

E o discípulo, com redobrada paciência, responde com


convicção:

— Esse Deus, meu amigo, é o que existe, eu poderei te


levar, não a Ele, mas Aquele que o representa na Terra, o Messias
que estou tentando te revelar.

O ancião toma a falar novamente, apressado:

— Messias... Messias... Nós estamos na época dos Messias,


eles estão por toda a parte. Só aqui, na Galiléia, eu conheço
centenas, a quantidade é igual à dos peixes nos rios.

Filipe, aproveitando o silêncio, termina sua argumentação,


dizendo:

— Sultão, meu Senhor! Esse de quem te quero falar é


diferente desses outros, porque Ele opera prodígios nunca antes
vistos por nenhum profeta: dá vista aos cegos, levanta paralíticos,

81

á
ÿoâo OCunes 'JK aia / ô /ia o fin

faz ouvir os surdos e devolve a vida àqueles que já consideramos


mortos. Esse de quem te falo é Nosso Senhor Jesus Cristo.

O velho Sultão levantou-se com dificuldade e saiu, apoiado


no bastão, praguejando contra Deus e Cristo, e chamando Filipe
de cão sem dono, que não tinha nem respeito pelos velhos que
queriam descansar.

O discípulo repórter teve vontade de ir atrás e procurar


outros meios de convencê-lo, mas algo na consciência lhe dizia:
“Basta, l ilipc, basta!” Mesmo assim gritou ao velho, procurando
saber se ele queria alguma coisa para comer. Este nada respondeu
e ergueu em riste seu cajado. O apóstolo haixou a cabeça e tomou
outra direção.

À noite, 1'ilipc se encontrava com os outros discípulos, na


já famosa igreja dos pescadores de Betsaida. O Mestre, como
de costume, fixa seu manso olhar em Tomé, e este, conhecendo
a Iinguagem de Jesus, levanta uma conversa com Deus, buscando
entender Cristo.

Pedro, que estava perto de Tomé, sentindo o entusiasmo


do discípulo na oração, abre devagar os olhos que cerrara por
submissão ao momento, e vê o rosto do amigo banhado de
lágrimas. Tomé estava, acima de outras coisas, pedindo ao Senhor
que lhe arrancasse do coração a dúvida sobre as coisas espirituais
que sentia, de momento a momento. Pedro, meio assustado,
monologa: “De onde não se espera é que sai”.

Filipe ainda não dera uma palavra naquela tarde. Levanta-


se, como se se sentisse comandado a perguntar e interroga:

— Jesus, podes nos ajudar, principalmente hoje, a entender


o que deve ser o Respeito aos outros? Senhor, encontro-me
assustado, pensando no que devo fazer para entender e praticar
o que chamas de amor ao próximo.

82
~7h>e S u t / f7?espe/ta

Assenta-se no banco liso dos velhos pescadores e limpa a


mente, como uma bateia nas mãos do garimpeiro, em busca de
pedras preciosas. O Cristo, cintilando seu tranqüilo olhar nos seus
seguidores, inicia sua resposta:

— Filipe! Que a paz de Deus esteja cm teu coração! Oapreço


que devemos ter às pessoas e, em certo ponto, até aos animais,
exige de nós muita acuidade, muito senso espiritual, cabendo
dentro da máxima que sempre repetimos: “Não fazer aos outros
aquilo que não queremos que eles façam conosco”. Coloca-te no
lugar daqueles que esperam o teu respeito, que logo saberás como
deves agir para com eles. Nem sempre os conceitos da vida que
abraçamos são certos para nossos semelhantes. E importante
quando atingimos determinado progresso na engenhosa arte de
viver bem. No entanto, é meio perigoso o fanatismo. Vestir a capa
de m issão ou de cum prim ento do dever é criar situações
melindrosas, fazendo, por vezes, inimizades. Sei que tens grande
dedicação aos velhos e pelas crianças órfãs que atravessam o teu
caminho. Porém, não deixes que a piedade se exagere, para que
ela não se torne em desespero ou revolta. Procura ajudar à altura
das tuas possibilidades e na medida do interesse que o necessitado
te mostrar. Sair procurando a esmo a quem socorrer ou a quem
doutrinar fará com que a mágoa se instale em teu coração, podendo
até enraizar-se, tornando difícil a desapropriação.

O Mestre se cala, olhando para a própria túnica que refulgia


em cores variadas, refletindo no ambiente um clima de paz.

— Filipe, não esqueces o velho Sultão um só momento,


achando que foste por demais exagerado com o ancião. Poderías
ter conversado sobre outros assuntos, sem levares o velho à
irritação. Com pouco espaço de tempo, ficarias sabendo da opinião
dele acerca da vida espiritual. Assim não fizeste, foste logo tocando
no assunto e o teu tribunal íntimo te acusa, pedindo reparo e
sugerindo que não procedas mais assim.

83

l
%oão OCunes JK aia / S A a o f/n

Jesus, dono de uma sensibilidade altamente desenvolvida,


tocara mais ou menos no assunto que preocupava o discípulo e
o deixara bastante deprimido. Com habilidade, prossegue:

— Meu filho! O acatamento às pessoas é distinção da alma


nobre. Mas saber como respeitar é inspiração da caridade
integrada ao amor. Não queiras impor, a quem quer que seja, o
teu ponto de vista. Não deves forçar as consciências, a título da
vontade de Deus, pois Ele, que é o soberano, que não precisava
esperar pela harmonia de tudo o que ele mesmo fez, espera o
trigo crescer e prosperar, espera os olivais ficarem no ponto da
colheita, espera as fases certas de recolher as uvas, espera por
algum tempo a procriação das ovelhas, e espera, sorrindo, pela
natureza que nos cerca e pela nossa transformação, da ignorância
para a sabedoria, li tu, quem és que não podes esperar? Não te
preocupes com a velhice do corpo, no tocante à necessidade
urgente de lazer com que a alma que o anima desperte para o
Criador, pois, em verdade te digo que, em muitos casos, a que
está vivendo como criança é verdadeiramente mais velha e
amadurecida para as coisas do espírito. Se queres entrar nos
corações alheios para levar a boa nova do reino de Deus, isso
nos dá muita alegria. Todavia, Filipe, espera que os corações
abram as portas dos sentimentos. O fruto verde dificilmente tem
sabor e, acima de tudo, é nosso dever respeitar o ambiente alheio.
Espera, espera, mesmo sendo convidado, para adentrar o lar que
não seja o teu.

Os assistentes regozijavam-se com os ensinamentos do


Mestre. Todos tinham um caso semelhante e alguns poucos
sentiam mesmo vontade de partir para a agressão, quando alguém
que eles provocavam na imposição doutrinária blasfemava contra
Cristo. E Jesus finaliza:

— Filipe! Ébom que guardes isso na tua cabeça. Ninguém


se perde, todos somos filhos do mesmo Pai, criados com o mesmo

84
*
~7lue L u i / O tespeiío

amor. Se alguém reluta e não aceita a verdade agora, o tempo


será o portador dela mais tarde. Eu acho que existe tanta lavoura
à espera de colheita, que parece perda de tempo preocupar-te
com plantios novos, cujos frutos se encontram verdes. Filipe,
procura mais um pouco de meditação, procura a oração que o
fanatismo não perturbe e abraça a Deus, meu filho, esperando e
trabalhando com fé, que esse mesmo Deus te guiará por todos
os caminhos, para que sejas um homem reto, com reta justiça,
com reto respeito e com reto amor.

O apóstolo tinha vontade de escrever tudo o que ouvira do


M estre, mas não conseguia. G ravou na m em ória toda a
mensagem, restabelecendo a tranqüilidade na alma para, quando
saísse dali, tivesse deferência com os outros, sabendo como
proceder.

A lua despedia-se da terra, sumindo no horizonte, e as


estrelas, como olhos de Deus, ficavam mais vivas.
Gratidão

Tiago e João, dupla de homens, dupla de


discípulos, dupla que abriu e fechou o testemunho de fidelidade
a Nosso Senhor Jesus Cristo.

A m ulher de Z ebedeu, certa feita, p ro c u ra Jesu s,


conscientizada de que ele era verdadeiram ente o M essias
anunciado pelos profetas. Com os seus dois filhos do coração,
pede ao Mestre, na sua ingenuidade, que João e Tiago pudessem
tomar lugar no reino que lhe pertencia, um à direita e outro à
esquerda. Jesus deu a entender que somente a Deus cabería
aceitá-los ou não. No entanto, responde com lealdade à mãe que
exagera no zelo pelos filhos:

— Será que eles poderão beber do cálice que eu vou beber?

Instintivamente, responderam os dois:

— Podemos!

A história mostra-nos que beberam e que o Pai Celestial .


concedeu, na figuração que lhe é própria, um à esquerda do
Mestre, e o outro à direita, só que não foi da maneira que a mãe
extremosa idealizava, mas como a vida achou mais acertado.

87

i
&oão OCunes JlCaia / ô /ía oíin

Tiago foi o primeiro mártir do colégio apostolar, selando


com o seu sangue a fidelidade e a gratidão pelo Mestre que tanto
prezava. Este figurou pela esquerda. E João foi o último dos
doze que selou o Evangelho com uma longa vida de disciplina e
de dor, derramando maior cota de amor pela humanidade,
sorrindo nos caminhos difíceis, por ser fiel ao seu Senhor.

Salomé! o teu pedido foi realizado! Zebedeu e Salomé


tiveram a honra de ter dois de seus filhos libertados das amarras
da ignorância, pela sapiência do Messias. Foram chamados,
aceitando, sem pensar nos abrolhos que poderiam surgir, pela
transformação dos seus costumes. Decidiram, por amor, pela
causa de servirem ao bem comum, sem nada pedir para si, tendo
o Cristo como meta de pureza espiritual e Deus como segurança
que pulsa na eternidade.

Tiago era muito amigo de Pedro e André, principalmente


no labor das pescarias, pois o peixe era o alimento mais procurado
naquela região. Era com o peixe que centenas daqueles homens
sustentavam famílias inteiras. A vida nas águas constituía uma
emoção agradável para os profissionais, mormente para os que
amavam a natureza. Tiago tinha uma sensibilidade à flor da pele
e era por demais agitado, carecendo, por bem dizer, de certa
educação. Ao conhecer Jesus, pela insistência de João, já ficou
inseguro, achando que no encontro com um homem de tal pureza,
as suas em oções se tornariam piores. Tinha medo de um
desequilíbrio mental. Contudo, a razão reforçava o ânimo:
“Como as coisas dos céus podem ser motivo de medo? Se esse
for verdadeiramente o Messias, é justo colocar a educação e a
disciplina de todas as forças da alma em primeiro plano na vida”.

Tiago estava super-emocionado, mas, constrangido, não


deixava escapar nada dos seus conflitos íntimos para que os
outros não percebessem, nem seus próprios pais. João é que, de
vez em quando, notava as lutas que seu irmão travava consigo

88
~7hw Ù u i / S?ra!i<fão

mesmo; esse era um dos motivos que levavam João a conduzir


seu irmão ao Divino Mestre.

Tiago segue pelas ruas de Betsaida. Além da carga


indispensável ao que sai cedo e volta à noite, brinca com os
dedos com um cordão que se achava ligado a uma bolsa de couro,
onde algumas moedas tilintavam. O discípulo pensava na reunião
da noite. De vez em quando, Tiago agitava as idéias e colocava-
se a si mesmo, pela visualização, já em plena madrugada,
perguntando a Jesus sobre a Gratidão, virtude que sempre o
fascinava e que lhe trazia um pouco de paz no coração.

Um homem sai correndo ao avistar Tiago, e grita:

— Tiago! Tiago! Tiago, filho de Zebedeu, espera, espera,


meu filho...

O discípulo, serenamente, interrompe sua caminhada e


alegremente abraça o seu velho amigo que o chamara. Este,
cansado, repete:

— Tiago! Tiago! Aconteceu uma desgraça comigo, meu


filho ! Perdi mulher e filhos na viagem que empreendí a Corinto.
Meu Deus, perdi tudo, não tenho mais nada, nem dinheiro, nem
companhia.

As lágrimas fáceis molharam o ombro do pescador. Este,


passando as mãos na prematura cabeleira esbranquiçada do
amigo, consola com toda a ternura o sofredor, depois oferta a
bolsa com todas as moedas, para que ele possa começar a vida
novamente. E pela oportunidade que o amigo lhe dera, de
ansiedade pela paz, por coisas reais na vida, fala de Jesus,
suscitando um enorm e interesse da parte do com erciante
decadente. Por instantes, parecia que as palavras de Tiago
colavam-se na sensibilidade do seu amigo que, num arrojo de
sentimentos, beija suas mãos, e fala com a voz trêmula:

89

L
jo ã o OCunes TICaia / ô /ia o íin

— Tiago! Pelo que me dizes, se for verdade, e não posso


duvidar, por te conhecer, a minha mulher amada e meus filhos
do coração não m orreram! Eles vivem! Que beleza! Que
grandeza! Se assim for, eu sou feliz! Quero conhecer esse Cristo
de que falas e quero segui-Lo! onde posso encontrá-Lo?

Tiago, sorridente por encontrar uma ovelha à procura do


pastor, conversa com ele mais um pouco e despede-se, realizado.

Dentro do templo, onde Tiago já se instalara, tudo era paz.


Alguém ao seu lado pronunciou a prece de abertura da reunião.
Ao abrir os olhos, vê um dedo de luz indicando para ele, como se
falasse: “Pergunta, Tiago, o que quiseres, a Jesus”. E o discípulo
não se fez esperar, inquirindo o Mestre, desta forma:

Jesus! Se me permites saber, queria que o Senhor


ampliasse para o meu conceito, o que seria exatamente a Gratidão.

O Cristo, sereno e lúcido, responde, com sabedoria:

— Tiago! A Gratidão é um modo de ser das pessoas que a


usam, muito importante na vida! É saber cuidar com zelo daquilo
que recebemos dos nossos semelhantes, e lembrar dos nossos
benfeitores com respeito e amor. Apesar disso, a experiência nos
reclama certa vigilância, para que o reconhecimento não se
transforme em subserviência, que é o adubo principal da vaidade.
O maior recife que vais encontrar na Gratidão aos outros é dentro
de cada um mesmo. As pessoas, por mais que se esforcem para
serem reconhecidas, encontram alguma coisa rodando no seu
coração, dizendo ser filha do egoísmo e parecendo muito com o
zelo próprio. Mas, ao tirar a capa, é a mesma vaidade querendo
florescer, é a autograndeza que não se conforma que alguém seja
maior. Não deixa de ser o orgulho procurando se expressar como
o comandante da vida. A Gratidão prescinde da humildade e
jamais deixa de usar o bom senso. Essa Gratidão é valorosa e

90
Cïïue & iu / Ç jralir/ãt

enriquece a amizade. É, por assim dizer, o amor que mostra, ao


benevolente, que vale a pena amar. Tudo no mundo tem uma
resposta. O reconhecimento é a resposta da prática da caridade.
Se fazes o bem constantem ente e ainda não foste alvo da
Gratidão, não esmoreças com isso. Ela deve estar a caminho. Se
não for pelo objeto visado pelo teu amor, será pelos meios que
Deus sempre usa para nos premiar, mas sempre receberás em
troca aquilo que dás. E se queres ter um lugar de maior relevo
no coração da vida, nunca deves pensar no comércio dos próprios
dons espirituais. A exigência desnorteia os valores da alma e a
troca interesseira entorpece a dádiva.

Tiago escuta sensibilizado. Tomé, que parecia meditativo,


desperta, analisando o que ouviu. Judas Iscariotes não perde uma
só palavra do M estre, encontrando d ificu ld ad e, não no
entendimento e sim na prática dessa virtude, pensando: “Então
ficaremos devedores para sempre dos nossos benfeitores? A vida
não era uma troca natural de atos e coisas? Por que esse empenho
em ser reconhecido”? Não obstante, nada falou. Ficou remoendo
suas comparações e esperou o resto.

Jesus, psicólogo incomparável da natureza humana e


espiritual das criaturas, esclarece com firmeza:

— Gratidão, meus filhos, não significa compromisso com


o benfeitor. E completamente ao contrário. Ela nos liberta da
dívida, quando a consciência exige de nós alguma paga. Quando
fazeis alguma coisa mal feita, não é o arrependimento que abre
as portas da reparação? Ao receber algo de bom dos outros, é o
reconhecimento que desperta em vós o amor que existe em todas
as almas e que, por vezes, dorme. O amor é a verdade e a verdade
sempre liberta as criaturas das amarras da ignorância. Não vamos
ficar repetindo Gratidão em voz alta para todos os que passam a
reconhecer em nós virtudes que às vezes não existem, eis a falsa
G ratidão. Ela opera no silêncio da conduta e, quando a

91
%foão DCu/ies 'JK aia / ô /ía o íjn

oportunidade chega, é bom que se prove, com a naturalidade


que a sinceridade expressa, que não somos petrificados, mas
sim sensíveis àqueles que nos ajudam no caminho e procuram
aliviar a nossa cruz. A caridade é Deus se fazendo visível para
nós por intermédio dos outros e a Gratidão é o mesmo Deus se
expressando aos outros pelo que eles fizeram por nós. E é por
essas vias que o amor que temos a Deus sobre todas as coisas
começa a nos fazer sentir que devemos tê-lo para com o próximo,
amando-o como a nós mesmos.

O silêncio era a tônica do ambiente. Jesus deu um pequeno


descanso para as mentes em intenso trabalho de raciocínio. Em
seguida, continuou:

Sou grato a todos que vos reunis aqui comigo, por amor
a Deus. Quantos esforços são feitos pelos companheiros para
não faltar aos compromissos assumidos pela consciência? Eu
sou eternamente grato e peço ao Pai que vos dê a felicidade
como recom pensa de tam anha dedicação. M eus filhos, se
soubésseis, na profundidade da expressão, o que é servir por
servir, amar por amar, seríeis reconhecidos do fundo dos corações
a Deus Todo Poderoso, por nos ter permitido trabalhar uns pelos
outros.

Judas parecia mastigar alguma coisa que não estava em


sua boca. Tomé balançava a cabeça, tentando limpar a mente e
colocar nela o Cristo falando sempre para ele. Tiago, embebido
nos argumentos do Mestre, na sua simplicidade divina, não
pressentiu quando os seus companheiros saíam do templo com
Jesus. Foi o último que deixou a igreja, satisfeito com a vida e
disposto a trabalhar, sem sentir escravidão no labor.

92
Ouvir

Voltamos a falar de Mateus, o publicano que,


durante algum tempo, exerceu suas atividades em Cafarnaum,
cidade que margeava o M ar da G aliléia. Ele era também
chamado, como já dissemos alhures, de Levi. Tinha muitas
p reten sões no m undo dos negócios. Com o co b rad o r de
impostos do Império Romano, tornara-se independente. No
entanto, essa independência o tornara ainda mais devedor do
seu próprio povo, porquanto os romanos não tiravam do tributo
arrecadado alguma quantia ou fração que correspondesse ao
trabalho de seu funcionário. Q uando se tratav a de país
estrangeiro, era aumentado o peso da arrecadação e o aumento
seria do publicano. Eis aí o porque do ódio que seus patrícios
m anifestavam aos publicanos, que se faziam am igos dos
rom anos, tirando o pão da boca de fam in to s p ara seus
desperdícios em festas impróprias à dignidade de um país.
Também Zaqueu era um desses publicanos.

D ar um b a n q u e te a alg u ém , n a q u e la é p o c a , e ra
manifestação de honra à personagem escolhida, geralmente
pessoa de alta hierarquia social e política. No caso de Mateus
e Zaqueu, ambos ofereceram banquetes a Jesus, tendo o Mestre

93

__________
tfoão DG/nes 'JK aia / ô /ia o íin

com parecido. O m otivo era a adm iração que tinham pelo


Mestre, a honra de recebê-Lo em casa e, principalmente, a
acusação da consciência por viverem às custas dos sofrimentos
alheios. Era, em grande parte, a força do arrependimento.

É bom notar que, no Evangelho, figure Zaqueu disposto


a repor tudo aquilo que ele tinha tirado do seu próprio povo. E
o próprio Cristo disse sobre o transformado lar de Zaqueu:
“Nesta casa hoje entrou a salvação!”

O certo é que os dois publicanos, Zaqueu e Levi, depois


que conheceram Jesus, distribuíam com amor os recursos que
possuíam, dando a todos tudo o que podiam. Mateus havia
encontrado um império maior que o dos romanos, o Império
do Reino de Deus, c um símbolo mais significativo que a águia,
o do coração, que manifestava sem limites a vontade de ajudar,
pelo prazer de ser útil.

Mateus já se cansara de ouvir abafadas revoltas contra


os o p resso res rom anos, de cujo sistem a fazia p arte. A
multiplicação dos lamentos do povo já estava torturando seus
mais profundos sentimentos. Não era isso que ele queria, na
verdade. Tanto que foi entendido pelo Divino Mestre, que o
chamou, tirando-o da imposição de Roma para a liberdade,
para o prazer de sentir a felicidade dos outros, dando tudo o
que podia para os necessitados. A cultura de Mateus ajudou-o
muito na disseminação do Evangelho. Era conhecedor dos
costumes e o exercício de lidar com pessoas de todas as classes
fez desenvolver nele o dom de falar e a disciplina de ouvir. O
publicano era escolhido, por sabedoria dos romanos, no seio
do próprio povo dominado, entre os mais abastados e de família
mais ilustre.

Bem, esqueçamos Mateus como publicano e vamos falar


de Mateus renovado, que pergunta e ouve sobre a renovação

94
~7!ua L m / Oui»ir

doutrinária de Jesus. Intrigava ao discípulo a maneira mais


apropriada de ouvir os outros. Cada pessoa era um mundo
diferente, com suas idéias próprias. Será que tínham os a
obrigação de ouvir os outros? Não seria isso uma violência
contra nós mesmos, não seria violentar o organismo, comendo
um alimento cujo sabor não nos agradava? Sempre remoía tais
idéias.

Aproxima-se a noite e Mateus procura a casa doutrinária


onde todos já se encontravam reunidos. Bartolomeu, de pé,
começa uma oração. Mateus senta-se com a sutilidade que a
educação exige, com a mente agitada de vontade de perguntar
a Jesus acerca de suas dúvidas. Ao seu lado uma fala amiga,
de André, propõe:

— Mateus, tu foste o último a chegar, sê o primeiro a


inquirir.

Como todos permaneciam em silêncio, o ex-publicano


levanta-se de mansinho, olha para o M estre que já o fitava
com cordialidade, e acentua, com discrição:

— Jesus, por gentileza, responde-nos, se a hora for


oportuna, qual é a melhor maneira e o modo mais adequado de
ouvir as pessoas. Como proceder, meu Senhor, diante de irmãos
cuja fala não agrada, que vivem pensando que somente eles
estão certos e que devemos aceitar o que eles aceitam como
verdade. Talvez eu não esteja preparado para propor esta noite
o que realmente quero ouvir. Mas é bem provável que já te
inteiraste das minhas intenções.

O Nazareno, afetuoso e simples, assinala com sabedoria:

— A fa la , M ate u s, é, por assim d iz e r, um dom


extraordinário que a vida nos outorgou como um bem de Deus.
O ser humano se distingue dentre os demais viventes pela

95
f/oão OCt/nes 'JKaia / ô /ia of/n

harm onia da fala e o m odo mais claro de com unicação.


Destarte, ele tem imenso campo para se disciplinar. A força
da conversa pode pairar em altitudes inconcebíveis para os
que andam na Terra, constituindo um instrumento da alma
para grandes realizações. Podes envolver teu verbo com a força
de Deus e curar enfermos, consolar os tristes e dar rumo aos
perdidos, podes desfazer motins, paralisar guerras e criar ou
despertar, nas pessoas, os mais louváveis ideais. Porém, sem
a educação que corresponde à lei do Pai Celestial, a fala pode
dar início, igualmente, a terríveis preocupações. Se te aprouver
entrar no auto-adestramento da tua fala, se quiseres dela fazer
melodias de encanto e de esperança, não deixes que falte em
li o entusiasmo pelo aperfeiçoamento em tudo. E, antes de
falares alguma coisa, começa a atingir, com bastante critério,
o reino da lua mente, para que dela saiam os pensamentos já
com certa civilização. A nossa boca constitui uma glória da
natureza. Fazei com que ela possa dar m úsica aos teus
pensamentos, para que estes sejam de paz e de felicidade.
Começa a fazer o bem com a palavra, para que o bem aporte a
ti, obedecendo à lei do intercâmbio. Os ouvidos vieram por
conseqüência da fala. Se não fossem eles, ela não existiría. Se
saber falar é uma ciência difícil, ouvir exige maiores esforços.

A m ed itação p a re c ia a p re o c u p aç ão de to d o s os
discípulos. Mateus, que começou o assunto, dava mostras de
muita alegria. Todavia, perm anecia calado. O M estre deu
continuação, com cordialidade:

— M ateus! A c o n v e rsa g iro u m ais so b re a fa la ,


parecendo que estamos fugindo à tua pergunta. No entanto,
essa não é a intenção, é somente por estarem ligados os dois
dons, de falar e de ouvir. Um não pode existir sem o outro. Tu
achas imprudência para contigo mesmo ouvir e dar atenção a
assuntos que não dizem respeito a teus ideais. Na verdade tua

96
7}uo /L u i / O u v /r

vontade é livre para ouvir ou falar. No entanto, se nâo podes


ceder alguma coisa para teus interlocutores, e quando for a
tua hora de dizer? Quem poderá te ouvir? Existe cm nós uma
força de seleção daquilo que falamos e do que ouvimos dos
outros. E essa escolha haverá de funcionar permanentemente,
porque sempre estamos ouvindo ou querendo falar coisas com
que as boas maneiras não concordam. Não existem somente
coisas imprestáveis na fala alheia. Observa melhor que notarás
muita, mas muita coisa boa. Com toda a educação que podes
atingir, perante tua consciência e perante Deus sempre há algo
a corrigir. Certamente muitas pessoas vão ser testemunhas da
tua conduta e da tua conversa, e quem sabe se não estão
fazendo grande esforço para te suportarem? Faze o mesmo,
porque ninguém sobe, meu filho, sem sacrifício. Todo tipo de
embelezamento do coração e mesmo do corpo carece de labor.
Não vamos nos sentar o dia todo com um irmão desajustado
para falar e ouvi-lo, crendo que essa é a vontade de Deus, que
essa paciência é filha da caridade. N otadam ente que não!
P oderem os ouvi-lo, até onde o tem po não se torne um
desperdício. Todos nós sabemos e conhecemos os momentos
de ouvir e de desconversar com habilidade ajudando ainda a
quem fala, para que sejam refreados alguns desequilíbrios.

Poucos notaram que o Cristo havia parado de falar, dada


a concentração nas palavras ouvidas, que eram levadas à razão
e em seguida entregues às sensibilidades, para que pudessem,
alimentar com abundância a fome que as pedia.

M ateus pensava... pensava no que tinha ouvido do


M estre antes, uma grande verdade: “Não façais aos outros o
que não quereis que os outros vos façam” . Se não podemos
viver sós, temos de respeitar os direitos dos semelhantes, e o
respeito podia começar por saber ouvir, até bem entendido,
os limites que a verdadeira caridade delimitar. E neste pensar

97
$oão OCunes JK aia / S A a o fin

coletivo dos discípulos, desenvolvendo a extensão sem limites


do raciocínio, o auditório volta a ouvir o Mestre:

— Mateus! Nós poderemos ajudar os nossos irmãos em


situações difíceis, ouvindo-os. Nós poderemos tranqüilizar os
desesperados, pelo ouvido. Nós poderemos amenizar as cores
dos doentes, ouvindo suas histórias. Porém, é necessário, acima
de tudo, saber ouvir, pois esta é uma das grandes ciências só
dominada pelos anjos. Os homens estão a caminho, quando
não esmorecem na educação e na disciplina, permanentemente.
Saber falar, Mateus, é muito bom, mas saber ouvir é bom
demais.

D e sfa z -se a a ss e m b lé ia , to d a e n riq u e c id a de


conhecimentos espirituais. Rangem os gonzos, a porta se abre
e os primeiros raios de sol anunciam para os homens, nesse
falar sem dizer, a hora de trabalhar.

98
Falar

Voltemos a Judas-Tadeu-Lebeu, o discípulo


m isterioso, que m ais parece um gigante, de q ualidades
exuberantes de coração. D epois de passar certa fase de
obscuridade mental, no seu esforço desumano de compreender
a Jesus, abre o seu entendimento e, como por encanto, torna-se
um astro, desvendando os segredos das mais intrincadas
parábolas do Mestre. Nascido na Galiléia, defendia o seu torrão
natal com todas as suas forças. Conhecendo Jesus, cientificou-
se de que a sua pátria era o Universo, que a Galiléia era todo o
mundo e Deus a luz universal, Pai de todas as coisas e de todas
as criaturas. O Cristo jamais falava em termos regionais, quando
se referia à doutrina. Para Jesus, tanto a Galiléia quanto o mais
longínquo ponto do infinito merecia o mesmo carinho e o mesmo
respeito. As leis se faziam portadoras do mesmo amor de Deus
por toda a criação.

Tadeu passou de Galileu a cidadão universal. O amor de


Cristo o sustentava. Estava encantado com as reuniões em
Betsaida, achando aquilo o maior de todos os prêmios que a
vida poderia lhe oferecer, principalmente a ele, homem simples
que se tornava grande em Cristo. Também os outros discípulos

99
^ o ã o ry C unes JJCaia / S /ia o ín

apoiavam suas idéias e a fé os elevava até os cimos da vida


humana, atingindo o inconcebível.

Tadeu prestava muita atenção quando Jesus estava falando.


Tinha em conta de perfeição o tom de fala do Mestre e perguntava
aos seus companheiros de apostolado se eles já tinham observado
os sons emitidos pelo Messias, quando falava. Vários deles sentiam
prazer em ouvir o Mestre, no entanto, não haviam atinado com a
beleza da fala, nem o porquê disso. E daí é que Tiago apresenta
idéias mais avançadas sobre Jesus, dizendo:

Tadeu! Em Jesus, o fenômeno não é somente na fala, é


em (udo. Vejamos os gestos dele, seu andar tem uma cadência
que fascina ale a própria natureza, Seu olhar diz tudo o que Ele
pensa, sem contudo manifestar suas idéias pela fala. O Seu modo
de sei. os seus cabelos, parecem dizer alguma coisa. Enfim, toda
a Sua presença é uma mensagem.

I )aí, todos começaram a examinar o Cristo naquilo em que


antes não haviam pensado, descobrindo a nova feição do Senhor
como sendo o verdadeiro Messias prometido pelos céus.

Reafirmou Tadeu o que ouvira do seu companheiro, dizendo:

— Não sei se os irmãos já observaram que todos os animais


entendem o Mestre e Ele, igualmente, fala e compreende suas
línguas. Isto é muito profundo para nós.

— É muita responsabilidade para simples homens do povo.


Agradeçamos a Deus por tantas dádivas — complementou João.

Judas Tadeu, depois dessa conversação com os seus irmãos


em Cristo, passou a fazer exercícios com a fala a sós, usando o
Lago de Genesaré como espelho. Às primeiras arrancadas da sua
voz de trovão, os pequenos peixes deslocavam-se das margens,
apavorados. Insetos e batráquios também fugiam de perto dele.

100
VU>0Lut / .%/ci/'

Mas o homem de Deus continuou experimentando as teclas da


fala, esperando, como aluno paciente, que algum dia a nota sairia.
Tiago, que já tinha encanto com o andar dos nobres, passou a
exercitar gestos e a fazer todo tipo de esforço para dominar seu
fardo grosseiro, irradiando candura e leveza. Pedro nada fez,
esperando a oportunidade de falar com Jesus sobre o assunto e
João já sentia muitas faculdades despontarem em seu coração,
com o amor se fazendo de portador. Gostava mais das coisas
naturais.

Cada um manifestava ponto de vista diferente sobre o


assunto, porém, era uma verdadeira escola de aperfeiçoamento
da criatura. Era uma força poderosa que estava se mesclando aos
discípulos: aperfeiçoar para ajudar melhor, certamente com alguns
cuidados para que a vaidade não se intrometesse na área de luz
onde o amor seria o rei e a caridade a princesa.

Qualquer encontro dos discípulos de Jesus era motivo de


muitos assuntos referentes ao Mestre e todos giravam em torno
de idéias elevadas, que a compreensão e a ciência não dominavam.
E a fé se fazia presente para sustentar a esperança. Lebeu estava
com a cabeça cheia de perguntas, principalmente em torno de
como falar e usar o verbo, na sua mais elevada expressão.

A igreja estava repleta de emoções nobres e admiráveis.


Um gesto de Jesus em direção a Bartolomeu, e este dá início a
uma rogativa ao Senhor do Universo, com toda a humildade.
Terminada a prece, parecia que os discípulos tinham prazer em
respirar aquela atmosfera incomparável. Tadeu depara com o
manso olhar do Mestre e entende que é sua hora, expressando-se
assim:

— Senhor, já ouvi a tua opinião acerca da palavra e da


audição, que muito me comoveu. Se não fosse isso, talvez não
ousasse perguntar-te novamente quase sobre o mesmo assunto.

101
£/oão DCunes JK aia / ô /ía o fin

Mas como a tua sabedoria é uma fonte inesgotável, se não for


ousadia, queria e ficaria m uito agradecido com um a tua
dissertação em que o verbo fosse novamente o tema.

Jesus iniciou a resposta:

— Tadeu! Bem sabes que as escrituras nos contam ,


através de agentes de Deus, como o nosso Pai Celestial fez o
mundo: falando! Fez a luz falando, e assim os animais e o
homem. E ainda os céus e os anjos. A palavra tem um poder
incalculável na form ação das coisas, p artin d o do Todo
Poderoso até nós. É justo que purifiquemos o verbo, para que
ele possa iluminar a Alma. Mas na verdade vos digo que ele é
lilho dc Deus sob a administração do tempo. É no percorrer
dc milênios e milênios dc um esforço sem fuga que a caridade
vai se amoldando á palavra, no calor de todas as qualidades
do amor. E pela palavra que ficamos sabendo da existência da
grande luz que mora cm nós e que se expressa pela sabedoria
do amor. Chegareis em um ponto, todos vós que estais comigo,
de usar os dons que começam a crescer em vossas almas e, se
contrariardes a natureza, respondereis pelos impactos de forças
que não conheceis ainda. Os meios de fazer-vos crescer mais
estão sendo dados dia a dia, na mesma marcha de que o tempo
cuida. Exercitar o modo pelo qual deveis falar aos outros é de
caráter nobre. Porém, resta-nos saber se esses meios não irão
trazer-vos um certo rigor que o fanatism o aproveita para
desmerecer os frutos do trabalho. Os ensinos dos céus, muitas
vezes, chegam ao mundo dos homens por parábolas, para que
não venham a servir de fogo na boca de incautos. O segredo,
até hoje, constitui a segurança das coisas. Já imaginastes se
os homens tivessem desenvolvido qualidades a ponto de
alcançar o poder de viver como os peixes dentro das águas?
A c a b a ria m d e se q u ilib ra n d o o a m b ie n te a q u á tic o ou
transformando os mares e rios em refúgio de malfeitores. Por

102
’ 71oo Uai / CTuIar

isso, esse segredo ainda perdurará muitos anos. Já imaginastes


se os homens pudessem dominar a ciência, de forma a que esta
lhes oferecesse todos os tipos de frutos, com abundância que as
árvores desconhecem ? O que seria do equilíbrio da alma,
desprezando o trabalho cada vez mais? Já pensastes se os homens
tivessem em suas mãos o poder de aparecer e desaparecer onde
e a hora que lhes aprouvesse? Essa chave divina é guardada
somente para abrir as portas na hora em que a bondade de Deus
disser: Pode.

Todos os discípulos se perdiam nas meditações. Alguns


estampavam na feição serena aquela alegria que somente o amor
é capaz de irradiar. Tadeu, o mais alegre, procurava guardar tudo
no coração, começando a pensar em muitos segredos da natureza.

O Mestre, compassivo e enérgico, retoma a palavra:

— Meus filhos! A palavra abre muitas glórias em nossa


ascensão, e destampa muita luz, de sorte a iluminar os nossos
caminhos, mas quando é educada. E bom que saibais que a
educação é fruto de inenarráveis séculos de disciplina. Se
começardes a conhecer alguns segredos do verbo, aplicando-os
na satisfação orientada pelo egoísmo, se deixardes que a palavra
seja escrava dos instintos inferiores, se não houver a vigilância
evitando que a fala vos sirva como agente entorpecedor dos
semelhantes, para que estes cedam à vossa usura e vos dêem o
que não mereceis, no comércio, havereis de responder por esses
desastres morais, materiais e espirituais. Se ainda vos sentis
fracos, é justo que não queirais ficar fortes no verbo, pois este
pode tomar caminhos inconfessáveis. Assim como não podeis
pegar peixe nas águas com um só quadrado de barbante, não
podeis, igualmente, ter o equilíbrio das vossas emoções somente
com a educação da fala. A rede que lançais ao mar tem centenas
de quadrados firmes e unidos uns aos outros; na verdade vos
digo que o mesmo haveis de fazer com os dons espirituais,

103
%oõo OCunes 'JK aia / ô /tcto lin

todos unidos, uns amparando os outros, dando condições ao


espírito de trabalhar na verdadeira paz e na consciência do
exercício das leis divinas.

Jesus deixou passar alguns segundos, para que os


pensamentos dos discípulos se alinhassem com a dignidade do
ambiente, e tornou à sua dissertação:

— Tadeu! Se pudesses ver o que sai da boca de um homem


quando está irado, quando a maledicência é a cogitação e quando
a vingança se transforma em ódio, terias muito mais cuidado no
falar e no pensar. A panela que fabrica as tuas idéias, é a tua própria
cabeça que faz canalizar para os lábios o seu verbo, deve ser
limpada da mesma forma como limpas a vasilha depois da comida.
I laveis de limpai a cabeça depois de pensamentos maus e impuros.
Assim como não nos sentimos bem com comida e roupa mal
cheirosas, não podemos sentir alegria com a cabeça imunda de
restos mentais que nos incomodam muito mais. Não queiras
compreender essa ciência de falar bem de um momento para o
outro. O Mestre de todos nós é Deus, que é o dono do tempo.

Jesus fez silêncio. Quando os discípulos notaram que ele ia


saindo pela porta, acordaram de suas meditações e deram-se a
acompanhá-lo.

Recendia, de leve, um perfume encantador na igreja dos


pescadores, convidando a mais um pouco de permanência. Mas
era hora de sair. As estrelas brilhavam nos céus, mas na Terra
brilhavam doze delas, em torno de um sol maior: Jesus.

104
Pureza

U iago J ffe n o r

Por haver dois Tiagos figurando no Colégio


A p o sto lar do M estre, passem os a ch am ar o que ag o ra
focalizamos de Tiago Menor, não por ser menor que os outros
discípulos de Jesus, pois esse Tiago foi grande demais, mantendo
sem pre um certo e q u ilíb rio nas horas m ais d ifíce is do
Cristianismo. Tinha certas pretensões e alimentava algumas
esperanças sob forma de idéias. Compreendia que o homem de
bem não podia participar da ignorância e que toda alma iluminada
o era pela sabedoria, que transcende a todas as prerrogativas.
Para Tiago Menor, o saber não ocupa lugar; ele é dono de todos
os lugares.

Tiago Menor tinha, por amor, zelo pela pureza que, no seu
entender, não deixa de ser irmã da sabedoria. E como via muitas
falhas na sabedoria terrena, procurava outra m elhor: os
conhecimentos espirituais. Era muito conhecedor das antigas idéias
de Hermes, o homem que se acreditava três vezes sábio. Jamais
deixara de folhear algumas escrituras antigas, da índia e da China
e se encantava pelo saber de Sócrates e Platão. Diante desses
conhecimentos, é que Tiago Menor entendia com maior eficiência
as escrituras sagradas que Moisés compilou, armazenando em

105
tfoão OCunes JlCaia / S Á a o í/n

um arrojo de sabedoria a síntese de tudo o que o mundo ansiava.


Com os conhecimentos que possuía, tirava dos antigos escritos
tudo o que desejava em apenas alguns arrancos filosóficos.

Esse homem, que más interpretações julgam obscuro,


comporta-se como um verdadeiro sábio. Entrega-se ao silêncio,
por reconhecer que poucos o ouvem e, dentre os poucos, menos
ainda o entendem. Quem faz parte da escola do saber e ama a
pureza se dá mais ao trabalho mental e seleciona muito o que
fala. É conhecedor de que, depois que as palavras saem dos
lábios, o seu emissor responde pelas conseqüências ou respira
aliviado com a alegria ou a paz que transmitiu ao falar.

Tiago nunca tomava uma resolução pelo impulso exclusivo


da lê cega como na decisão de acompanhar a Jesus — sem
que a sua razão participasse. Era altamente discreto e sempre
deixava fermentar a massa para assar o pão. E foi isso que lhe
deu a maior alegria na vida. Ao analisar os feitos do Cristo, ao
comparar a vida do Nazareno com os anúncios proféticos que
tanto conhecia, deu-se o encaixe de duas forças que os profetas
anunciaram há tantos séculos: a vinda do Cordeiro de Deus na
feição humana.

Tiago envidou esforços no trabalho para que o Evangelho


fosse pregado às nações e às criaturas de todo o mundo. O Cristo,
dizia ele, era sempre o prenuncio, senão a felicidade em evidência
na face da Terra. Assistira a muitos prodígios do Mestre, que
vieram confirmar o que já se encontrava plantado em seu coração
e, no tribunal da própria consciência, tinha a convicção de que
Aquele era verdadeiramente o Cristo que haveria de vir.

Passemos a acompanhar Tiago nas ocorrências desse dia


que precede a noite de encontrar com Jesus. Depois de uma rápida
pescaria com alguns companheiros, seguida da higiene corporal,
começa a perambular pelas ruas de Betsaida. Conversando aqui

106
Cflua /oux / 7 \jrexa

e ali, abre o seu dom de gentileza como luz que atrai ou espanta
os que vivem nas sombras, dependendo do estado íntimo de
cada um. Aproxima-se de sua roda uma velhinha que ficara
paralítica. Seus gritos, frutos da ânsia de ver o discípulo do Cristo
fazem a massa humana abrir alas e a velha é posta aos pes do
apóstolo pedindo que ele a curasse daquele mal que tanto a fazia
sofrer. Tiago se constrange, ela insiste! Tiago calado, ela pede!
Tiago pensativo, ela implora pelo amor de Deus... que impusesse
as mãos em seu corpo. Pressionado pelo povo, Tiago cede. Logo
a velha sai correndo como se estivesse curada, a gritar: “Vede,
amigos ! Isso tudo é mentira!” E tirando os rotos panos da cabeça
e da cintura, torna a falar: “Eu sou a dona da estalagem de Belém.
Esses homens não adivinham nada! Eles são iludidos por um tal
de Cristo que nunca existiu e se regozijam com fábulas que
somente interessam às crianças”. Tiago, mudo e trêmulo... e ela
vociferando: “Fora o mentiroso! Fora o mentiroso” ! A massa,
revoltada, começa a jogar pedras e excrementos de cavalo em
Tiago. O discípulo, a passos lentos, retira-se, sentindo que suas
costas eram alvo da multidão inconsciente. Olha para o horizonte
e vê que o sol já se despedia da Terra, e sente, amargurado, que
dentro dele se escondia, no horizonte da sua esperança, o sol da
alegria.

Instala-se a reunião na casa dos pescadores. Pedro é


convidado a orar, o que fez com sim plicidade e carinho.
Terminada a prece, os discípulos notam a insistência do olhar
do Mestre em direção a Tiago Menor que, desajeitado pelo
ocorrido momentos atrás, levanta-se, entendendo o pedido
silencioso de Jesus, e expressa-se, melancólico:

— Mestre! Porventura podes nos falar esta noite sobre o


que entendes sobre a Pureza? E por que eu me preocupo tanto
com esta virtude? Não tenho direito de te pedir tanto, mas ficaria
muito agradecido se pudesses responder-me, porque certos

107
fÿoâo OCunes JK aia / S /ïa o i'n

esforços meus parecem ficar em vão nessa conquista a que tanto


almejo.

Tiago senta-se, sem conseguir desvencilhar-se da tristeza.


Cristo, compreendendo o que se passava com o discípulo, faz-
se ouvir, com grandeza d ’alma:

— Meu filho! Jamais penses que se perde o que já se


ganhou. Todo o teu trabalho buscando a perfeição é abençoado
por Deus e os resultados ficarão contigo eternamente, crescendo
com a força do progresso. O sol desponta com toda a sua pujança
divina, ilumina o mundo e depois desaparece. Mas torna a nascer
dc novo, na sua missão incomparável. Assim são os nossos dons.
I )e ve/ cm quando, eles deparam com as trevas da incompreensão
luimana e desaparecem. Não obstante, tornam a brilhar em
obediência á lei do bom esforço. Não (urbes o coração com
simples ruídos que se desfazem minutos depois. A Pureza de
que falas é a nossa meta principal: perfeição em tudo. No entanto,
exige de nós muito trabalho, muita dor e imensuráveis sacrifícios.
O preço de alcançá-la turba qualquer cálculo da razão. Passaste
por um vexame passageiro nesta tarde, por confiares somente
na vigilância. Esqueceste da oração, porque vigiar é de
com petência do saber, mas orar é força que m ovim enta a
inspiração divina. Vigilância e oração se completam no esforço
de evitar novas tentações. De qualquer maneira, o escândalo te
fez lembrar que é preciso algum reparo no modo como proceder
diante dos outros. Estamos em uma marcha que não pode sofrer
interrupções. Se queres a Pureza, hás de te submeter às tuas
exigências para contigo mesmo. Os primeiros dias da criança
junto ao professor que estabelece planos de ensino e se entrega
durante toda a vida para o esclarecimento de jovens e crianças,
seriam de brincadeiras, de ouvir contos de fadas, de sorrir nas
suas ingenuidades que marcam as características infantis. Eis
que o mestre, diante de tais circunstâncias, poderá falar coisas

108
L ut / 7 h/ t*it

sérias aos homenzinhos em formação. Todavia, é hem provável


que eles comecem a correr, a gritar e a sorrir da luz que esta
começando a aparecer em suas vidas. O perdão é o apanágio
natural do professor, sem que dele se apodere a intolerância. ( )
faltoso compreende o erro e procura repará-lo e a vingança
assusta e distancia cada vez mais as trevas da luz.

Tiago Menor deixa transparecer no semblante alguns raios


de alegria, sentindo a sabedoria de Jesus acerca do que se passara
com ele. “O Mestre tinha razão” — pensou.

O Cristo, majestoso na sua sabedoria de falar na hora certa,


descortina com elegância:

— Tiago! Todos temos, de certo modo, razão, como todos


somos úteis, de certa forma. Se não fossem os que nos atacam,
os que nos apedrejam, os que nos caluniam, como experimentar
o coração, que antes sorria? Como testar a alegria da paz
interior? Como experimentar o amor ao próximo? Eis que é
necessário o escândalo, mas ai daquele que ainda é escravo
dele. Se te consideras livre pelas linhas da verdade que pretendes
dominar e seguir, não dês muita atenção aos ruídos exteriores,
pois eles somente espantam os que desconhecem as leis de Deus.

E continua, sincero e firme:

— Quando nós nos preocupam os em nos servir dos


extremos com alguma virtude, é devido à sua escassez no reino
da nossa alma, e é bom que as providências sejam tomadas,
mas, escuta bem, sem exagero, para que não se torne uma
imposição para nós e para os outros. Se procuras a Pureza em
todas as suas nuances, não esqueças de vigiar todas as fraquezas,
de vigiar todas as idéias, a com eçar por m anter guarda,
permanentemente, sobre o que falas e fazes, porque a Pureza é
a unidade de todos os dons da vida. Certifica-te no entanto, de

109
<Jo5o OCunes JïCaia / ô /îa o fin

que muito depende de ti, do teu esforço no auto-aprimoramento.


As bênçãos de Deus, pelo tempo, conferir-te-ão esse estado de
espírito como glória de um bom lutador.

Após ligeira pausa, o Mestre prossegue:

— Tiago! Não esmoreças, meu filho. Segue avante nas


tuas pesquisas e no teu impulso de ser grande, sem esquecer
que, para seres maior, é de lei que deves aprender a ser também,
o menor de todos. O homem de valor é aquele que tira das
decepções ensinamentos, das ofensas lições maiores e, sentindo
a violência dos outros nota, com urgência, o quanto vale o amor.
Aprendamos, pois, com os métodos que a vida nos propõe.

I .evantando se Jesus, todos o acompanham. E muitos dos


discípulos procuram Tiago Menor para se inteirarem do que se
passara com cie na tarde daquele dia. Tiago, já sorridente, abraça
a Pedro e sai contando a cura que ele operou, sem ter operado.

110
Aceitar

S i m ã o CPeJro

Pedro, o gigante de Betsaida, o pescador


famoso do M ar da Galiléia, convidado pelo Cristo para pescar
almas na G aliléia do mundo era hom em de sensibilidade
incomum, grande coração, enérgico por vezes, e manso quando
seu s se n tim e n to s eram to c a d o s, alm a a fin a d a co m o
instrumento espiritual no qual deveriam tocar os anjos.

-— Pedro! Pedro! Tu és pedra, em quem deposito toda a


minha fé!... — Alguém lhe disse certa vez, marcando com
isso seu roteiro na definição de alicerce d o u trin ário do
Cristianismo crescente.

Simão Pedro Bar-Jonas foi o primeiro escolhido dentre


os homens do mundo para discípulo do Divino Amigo de todas
as criaturas. Pedro gozava de grande prestígio entre os homens
que pescavam no M ar da Galiléia, como os de Betsaida —
sua terra natal — Tiberíades, Magdala, Corazin, Cafarnaum,
além de muita gente que vinha de Nazaré e de Caná, a serviço
da pesca. Essa gente não vivia som ente de pesca, com o
poderão pensar os leitores. Era um povo laborioso. Nessas
localidades, havia artesãos de grande habilidade no trato com

111

Á
$oão OCunes 'JKaia / ô /ia o fin

m a d e ira , b a rro ou p e d ra . V endiam su as p e ç a s aos


comerciantes, viajantes, não sendo raro algumas delas irem
parar até em Roma e Grécia. Teciam seu próprio linho e
trabalhavam os couros de cabra e carneiro. Aproveitavam a
lã em variados processos de vestimentas e enfeites. Cultivavam
o trigo em algumas regiões e eram hábeis na produção de pão,
que saboreavam com mel e leite, segundo arte herdada dos
amigos profetas.

Pedro já estava morando em Cafarnaum. Ali fizera, com


os demais pescadores, uma sociedade, para dela nascer, como
cm Betsaida, um grande rancho, onde pudessem descansar
juntos, lazer reuniões c se inteirar de tudo que se tratasse sobre
a pesca naquela região. Daqueles encontros, nasceram muitas
histórias. Cada pescador contava a sua e alguns criavam
fantasias, à falta de fatos. O pescador sem pre teve boa
imaginação, o que justifica o que se diz quando se tem dúvida
cie alguma notícia: “Isso é história de pescador” . Mas existem
muitas histórias reais e bem reais.

Vejamos o que um dos pescadores m ais novos da


sociedade narrava, na presença de Pedro, contando o que vira
no M ar da Galiléia:

— Eu ia atravessando o grande lago ao rom per da


m adrugada, a lua p rateav a as águas m ansas e tam bém
ilu m in a v a a g ente. De vez em q u an d o , n o ta v a -se um
barulhinho aqui e ali, pois no calor da noite os peixes procuram
a flor das águas. Mas, de repente, ouvi alguns estalos no casco
do barco. Sem assustar, continuei a remar. Comecei a fazer
uns ziguezagues, provocando maior barulho nas águas para
deixar de ouvir os estalos, que já começavam a me incomodar.
Ah, companheiros, os estalos aum entaram cada vez mais.
Começou a estalar em cima do barco, passou a estalar no ar.

1 12
~
7lt>0 D m / JIci>//ar

Pensei em fazer alguma coisa, pular na água, gritar, voilai para


trás, mas nada disso era o certo, o melhor era esperar... H foi o
que fiz. Tive uma idéia rara para mim e que me deu uma certa
coragem. Sabem o que foi? Pensar em Deus. Já tinha ouvido
falar que é a solução melhor quando a gente está com medo, c
eu já estava quase doido de medo. Ah, seu Pedro, que coisa
bonita aconteceu! Ouvi vários estalos de uma só vez e, em
seguida, apareceu um risco de luz nos ares, afundando nas águas,
e delas subiu, como se fosse uma nuvem brilhante, trazendo
dentro um ancião sorrindo para mim. Sabem quem era? O meu
avo Josefim. Daí a pouco eu não sabia compreender a mim
mesmo, tanto eu chorava quanto sorria. Senti umas coisas
difíceis de explicar, e ele veio me seguindo até as margens, ora
atrás ora à frente do barco... Eu não sei se vocês vão acreditar,
mas se crêem na existência de Deus é bom que aceitem a minha
história. O lago, a lua e as estrelas são as testemunhas!

Alguns sorriram sem parar, outros não. Pedro abraçou o


rapaz, falando:

— Meu amigo, essas coisas não devem ser contadas para


todo um grupo, mas sim a pessoas que possuem fé...

E ficou pensativo com a história, com um resguardo que


lhe era peculiar.

Cai a noite. Pedro já se encontrava em Betsaida, junto a


Filipe e André. Rumaram para o casarão e ali trocaram idéias
com alguns companheiros, enquanto esperavam o início da
reunião, onde iriam gozar as delícias da luz espiritual.

Todos assentados em silêncio. Simão, o cananita, ergueu


aos céus sentida oração, como que falando a Deus e pedindo
para que todos os discípulos pudessem entender a nova doutrina
do Cristo.

113
$oão DCunes JK aia / ò ficio lin

Pedro, impaciente, olha para Jesus e Este acena a cabeça,


com bondade, com o quem dissesse: “Pedro, fa la !” E o
discípulo falou:

— Mestre! Rogo que desculpes a minha impaciência.


Tu bem sabes que sou assim mesmo. As necessidades têm me
ensinado que não devo parar para sobreviver melhor. E, às
vezes, não consigo disciplinar-m e quando estou em um
ambiente como este, de respeito e de harmonia. Queria saber,
de tua parte, o que vem a ser Aceitar. Há momentos em que
perco a direção diante dos fatos e eles se complicam para o
meu entendimento.

Pedro descansa o corpo pesado no tosco banco dos


pescadores. Jesus, magnânimo c sereno, expõe com gentileza.

Sim ão Pedro B ar-Jonas! Deus abençoe as tuas


pesquisas. A aceitação real depende do modo pelo qual aceitas.
Quando entrares na lavoura da natureza, em busca de algum
fruto que possa saciar a tua fome, aceitas de pronto que todas
as árvores fazem parte dela, como os animais, a terra e as
águas, o ar etc. No entanto, somente algumas delas podem te
oferecer o que buscas. Mas não deves desprezar as outras que,
de imediato, não atendem às tuas necessidades. É bem provável
que as árvores frutíferas não tivessem vida sem a cooperação
alheia de tudo o que as cerca, inclusive do próprio homem.
Aceitar um fato depende do teu íntimo, da verdade que vives.
Mas mesmo aquilo que aceitaste, por certeza do coração e da
inteligência, dependeu aquelas coisas que desprezas por
incompatibilidade. Jamais desdenhes daquilo que achas que é
mentira, porque, para outro, pode ter utilidade. É bom que
saibas que toda invenção tem um fundo verdadeiro. As coisas
reais vestem roupas diferentes para chegarem até os homens.
Aceita o que te convier pela consciência e abençoa as outras.

114
7 7
r !oQ JL'u/ / ~]co iia r

No ambiente em que trabalhas, espalha-se a idéia de que são


inventores de histórias, para que o descanso seja alegre. E
quem não tem uma verdadeira, procura inspiração aqui e ali,
para alegrar os companheiros. É nesse ambiente de contar a
m ais engenhosa h istória, que surge ou d esp erta o caso
verdadeiro que, quase sempre, vem no fim das conversas. Pela
expressão do rosto de quem conta, notarás a realidade ou o
invento.

Pedro começava a se lembrar da história do rapaz e via


nela uma realidade, mas duvidava de uma aparição à pessoa
que não era dada às coisas de Deus. Ainda não tinha firmado
sua convicção no fato.

O M estre continuou sua fala:

— Na Terra, Pedro, as coisas são muito difíceis. Já


ouviste falar na labuta de um garimpeiro em busca de pedras
preciosas? Ele remove montanhas de entulho para encontrar
uma delas faiscando no meio das outras, que para ele são
imprestáveis. As pedras preciosas são as verdades, as outras
são as mentiras. Estão sempre juntas. Se algum dia entrares
no trabalho de garimpar, aprenderás com o tempo a escolher,
dentre o cascalho, as gemas da natureza. Mesmo depois que
encontrares o tesouro no seio da terra, ele, para maior valor,
tem que se submeter ao lapidário. Assim é o que queres aceitar.
Fatos e coisas, Pedro, tudo passa pela forja da razão. Testa-os
nas sensibilidades que Deus te deu, valorizando a tua busca.

Após breve pausa, o M estre continuou:

— Acho bom pensares em ser garimpeiro de almas. Mas


nunca penses que vais encontrar preciosidades de corações
em todas elas, pois isso é uma raridade, qual os diamantes na
nossa região e o ouro que se esconde nas profundezas da terra.

115
^foão ryCunes JK aia / ô /ia o íin

Podes aceitar, meu filho, aquilo que diga respeito à verdade


que sentes, e o que ouvires não se fundamentar no que queres;
tu és sabedor, pela experiência, de como ouvir, porque às vezes,
é atrás das coisas falsas que despontam as verdadeiras. Os
falsos profetas vieram e vêm misturados com os verdadeiros,
para quem ama a verdade saber discernir é aceitar, por sintonia,
o que o amor faz irradiar.

Sim ão Pedro descan sa sua m ente no in terv alo da


dissertação do Mestre. Todos os discípulos estavam sentindo
o empuxo da inteligência. Cristo esticava o raciocínio de todos,
cm uma compreensão maior. Era uma verdadeira escola de
filosofia espiritual.

O Senhor deixa riscar cm seus lábios um manso sorriso


e volta a falar:

Pedro! Pedro! Ouviste falar esta tarde de um dos fatos


mais lindos que as leis presidem para a esperança dos homens.
Quando se passa desta para a outra vida, pelo que é chamado
de morte, que motivo impede a volta da alma sem o corpo que
é entregue à terra? Nas escrituras, que tanto amas, tens provas
insofismáveis dessa realidade. Na verdade eu te digo, que no
nosso meio, por m isericórdia de Deus, os anjos descem e
sobem em nosso favor.

P a re c en d o m e d ita r ag o ra, Jesu s sile n c io u . Ju d as


Iscariotes, ao ouvir as últimas palavras do Cristo, esforça-se
para ver os anjos referidos e vislumbra algumas personagens
translúcidas, como uma corte de astros cantando louvores ao
C risto, que se encontrava na Terra em resp o sta e com o
confirmação às profecias.

Simão Pedro Bar-Jonas, pensativo, sai da igreja dos


pescadores. Fora, o primeiro rosto que vê é do jovem que lhe

116
7
'~ lo« L u i / 7
~lc o ila r

tinha contado a história da aparição nas águas do Lago da


Galiléia. O discípulo sorriu, dizendo:

— Vem cá, meu filho, vamos conversar.

E saíram os dois juntos pelas margens do lago famoso,


tratando de assunto que escapa à nossa escrita.

117
Contribuição

A ndré mudara-se também para Cafarnaum,


onde já morava Pedro, seu irmão. Além da profissão da pesca,
gostava imensamente da agricultura. Admirava a natureza, na sua
grandeza de multiplicar as coisas. De vez em quando, ia para o
norte da Galiléia, principalmente no fim do ano, para assistir às
colheitas de azeitonas. Como era hábil no trato desse labor e como
tinha por lá muitos amigos, nunca se esquecera de levar peixes
secos como presentes aos lares que o recebiam como irmão, e de
lá trazia arrobas de azeitonas, que eram curtidas em Cafarnaum e
serviam para o ano inteiro.

Depois que conhecera Jesus, fez-se portador, quando lá


esteve, do anúncio do Messias como o salvador dos homens. As
noites passavam sem que o assunto enfadasse a ninguém. André
era um pouco resguardado, mas entre pessoas já conhecidas falava
desembaraçadamente e o modo como dominava o verbo segurava
os ouvintes, pela sua simplicidade e convicção. Sempre vivia ou
parecia viver o que falava, principalmente quando se tratava do
Divino Mestre.

A última vez que o irmão de Pedro foi ao norte da Galiléia


recebeu muitos convites dos camponeses para falar sobre o

1 19
$ o ã o OCunes 'JK a ia / ô fia o íin

M essias que ele anunciava ou de João, o Batista. Atendeu


alguns deles, porém o tempo urgia e ele precisava voltar, não
por causa da pesca no M ar da Galiléia, com Pedro, seu irmão,
mas por causa de Jesus. Tinha a impressão de que o seu Mestre
não ia se demorar muito na Terra e era preciso aproveitar o
tempo no aprendizado. Depois haveria a vida toda para pregar
e viver o Cristo. Em uma noite na casa de um camponês,
parecia uma festa. André, desembaraçado, começa a narrar
os prodígios de Jesus, a que já assistira, como o episódio de
Caná, onde eram festejadas as bodas, ocasião em que faltara
vinho. Passou a narrar outros fatos da vida de Jesus e as noites
maravilhosas que tivera junto ao Senhor, na em bocadura do
Jordão, discorrendo sobre os conceitos que o Mestre expunha
com tanta segurança, sobre as leis divinas.

E a beleza maior — afirmava André — é que o Cristo


a quem mc refiro busca, nas escrituras, a confirmação de tudo
o que diz. Todas as raízes das suas conversas conosco se
alicerçam nas anotações de Moisés e dos profetas.

No meio da pregação, os convidados e a família pareciam


estáticos com os enunciados nunca ouvidos. E conheciam bem
a André, sabiam que ele era honesto e verdadeiro. Começa a
se espalhar, como que por encanto, um aroma que atingia a
todos. Uns olhavam para os outros, por não conhecerem aquele
perfume encantador. André, no entanto, já estava familiarizado
com o perfume, pois aquela fragrância sempre era sentida
quando Jesus começava a falar na casa dos pescadores. “Será
que Je su s e stá c o n o sc o , aqui n e sta h u m ild e c a s a de
camponeses?” — pensou André. E, nesse sentir e sem saber
de onde vinha o cheiro da essência, move-se uma criança,
que parecia criança mas, na verdade, ia lá para os seus quinze
anos: meio atrofiada pelas enfermidades, no colo de sua mãe
e enrolada em um grande chale artesanal, grita sufocada:

120
/tuv /Lut / ( >ontri6ut\'ã(

— Mãe! Mãe! Não sinto mais dores! Veja! Veja! Chegou


aqui um homem muito bonito, pôs as mãos em minha cabeça e
passou uma lua nas minhas costas! Veja, mamãe, estou curado!

A mãe, aflita, queria interromper o menino para que o povo


não descobrisse que ele era doente. O garoto tinha delírios de
vez em quando, não suportando as dores. As costas do menino
estavam em carne viva, pois o fogo selvagem arrancara a pele.
Naquela região era comum esse tipo de doença, cuja coceira
parecia tostar o enfermo em brasas acesas. Como sofria! E o
Cristo ouvira seus gemidos, pois Ele mesmo dissera: “Bem-
aventurados os que sofrem porque serão consolados”. A mãe
estava inquieta, sem querer mostrar seu filho, mas não teve jeito.
Todos queriam ver o que era.

André dá uns passos à frente, pede licença com humildade


e arranca o chale da criança com respeito. Emocionado, pega o
menino nos braços. O rapazinho, gritando de alegria, mostra os
lugares onde antes tinha chagas. A mãe ajoelha-se, tentando
beijar os pés do discípulo, no que é impedida pelo mesmo:

— Foi o senhor que curou meu filho, foi o senhor... Deus


te pague pelo que eu nunca poderei pagar...

E se desfazia em lágrimas. Os presentes não tinham o que


dizer. André, cheio de contentamento, fala com voz trêmula:

— Minha gente, regozijemo-nos com a visita de Jesus nesta


casa. Foi Ele quem curou este garoto. Conheço Seu perfume e
esse prodígio e outros que o precederam são frutos de quem
segue o Mestre dos mestres. E naquela mesma hora, com o
fardozinho atrofiado nos braços, canta um hino de louvor a Deus
pela glória de Jesus.

Na noite da reunião, em Betsaida, André entra de mansinho


no casarão dos pescadores, tomando seu lugar. Daí a pouco nota-

121
João OCunes 'JlCciia / c5Zíaofin

se alguém orando sentidamente. Era João, que sempre estava


com os sentimentos aguçados para a região do amor. Finalizada
a prece, André sente o desejo de Jesus e pergunta, com
humildade:

— Mestre, se não for imprudência da minha parte, desejaria


que o Senhor respondesse o que ora me vai na mente. Na maneira
mais rica de entender as coisas, o que seria p ara nós a
Contribuição? O que é contribuir, uns para com os outros?

O Cristo, com o domínio do verbo e na soberania do amor,


responde com facilidade:

André! A Contribuição é, verdadeiramente, uma das


riquezas da caridade. O que fazes aos outros, sem que a vaidade
ouça, está sob o domínio da real benevolência. O dar com uma
mão para que a outra não veja é dignidade da alma daquele que
se propõe a servir para a harm onia universal do bem. A
Contribuição é um gênio de mãos sem conta, pois o modo pelo
qual podes ajudar escapa a todas as nossas deduções. Uma
lágrima que enxugas de uma criatura desesperada, que com sua
atitude retorna à fé e à tranqüilidade, compara-se, aos olhos do
nosso Pai Celestial, a um grande benefício coletivo, pois Ele
leva m uito em conta a m aneira com o fazes, o am or que
porventura sentes no ato de ajudar. Deus cuida com a mesma
atenção, tanto dos mundos que povoam o infinito, quanto das
minúsculas vidas que proliferam na Terra e nas águas, no ar e
em nós. O tamanho, para Ele, não faz com que redobre cuidados
na atenção ou no amor. Ama a tudo e a todos sem distinção,
porque é o Pai de tudo. A Contribuição de Deus é imensamente
grandiosa em favor dos homens. E como somos à Sua imagem e
semelhança, é de lei que passemos a contribuir pela paz de todos.
Fazendo parte deste todo, receberemos dentro desta unidade as
mesmas bênçãos que desejamos aos outros, sem que a exigência
possa despertar o interesse egoísta de trocas. A felicidade no

122
J im LJ u t / ( tfin/rióuição

mundo em que habitas não existe, sabes por quê? Por faltar o
cumprimento dos deveres por parte de todas as criaturas. Se cada
um contribuísse na área a que foi chamado a servir, não existiría
carência de nada na Terra, e a felicidade iria se estabelecer em
tudo e em todos. Se esperas que o teu companheiro comece a
contribuir para que possas igualmente ajudar, estás perdendo
tempo, numa caridade revestida de imposição. Perdes o endereço
da verdadeira fraternidade. Se podes, faze, sem cogitar se os
outros estão fazendo ou podem fazer. Chegando a tua hora,
aproveita a tua oportunidade, pois ela vem e passa, com certos
espaços e tempos determinados pela lei.

Tinha-se a impressão de que o salão era o mundo todo e


que Jesus estava falando para toda a humanidade. André passava
as mãos sobre a vasta cabeleira, pensativo, enquanto vinha à
sua mente o caso da criança na casa do camponês. “Será que
aquele fato teve alguma Contribuição minha? Ou é vaidade
pensar-se no bem que se fez”? Esforça-se para esquecer.

O Cristo retoma a palavra fácil, com a mesma cordialidade


de sempre, de maneira cativante e educadora:

— Se desejas contribuir, André, faze-o sem alarde, e não


te esqueças de vestir o manto da humildade, para que o faças
com bom senso. Os gasofilácios das antigas instituições
mostram-nos, com acentuado barulho, o quanto de vaidade existe
nos corações que contribuem para um benefício que, por vezes,
de caridade som ente tem o nome. Os atributos de Deus
dispensam toda indicação para que Ele possa saber quem foi o
doador, pois Ele é Deus, sabe muito bem distinguir as coisas e
não perde nada do que é feito nem do que se diz, por maneiras
de sentir e ver que nós desconhecemos. Começa a contribuir
contigo mesmo, na arte de compreender melhor a tua missão na
Terra, começa a construir com os pensamentos que se formam
em tua cabeça, dos quais neiri sempre tens controle total. Começa

123


$oão OCunes JlC aia / õ fia o fm

a contribuir, André, com as tuas mãos, no modo de ajudar com


elas. O mesmo, meu filho, faze com os pés, com os olhos, com
a boca, com os ouvidos etc. D epois de assegurada essa
Contribuição contigo mesmo, passa a contribuir para o convívio
da tua casa e, depois disso, com os teus companheiros. Depois
destes, com a humanidade e com as leis estatuídas para a
disciplina da comunidade a que pertences. E, acima de tudo, é
justo e bom que contribuas para que cresça o amor por Deus, de
ti e de todos, e ao próximo como a ti mesmo.

Parou por alguns instantes e rematou a conversa:

— Contribuir bem, André, é amar e, onde existe amor,


Deus está sempre mais visível.

O colégio apostolar faz fila para sair do casarão, uns


trocando idéias com os outros sobre os meios de contribuir com
o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de que o mesmo
fosse espalhado pelo mundo.

124
Judas Iscariotes também conhecia as antigas
escrituras e nelas bebia forças que pudessem sustentá-lo nas lutas
consigo mesmo. Era dotado de sensibilidades tais que o próprio
Jesus, Mestre por excelência na arte de conhecer as pessoas,
escolheu-o para discípulo.

O Cristo, dentro da Sua onisciência, será que já sabia que


o Iscariotes iria traí-lo? Claro que sabia! E por que o escolheu?
Fatalismo? E se for fatalismo, o que ele, Judas poderia fazer por
si mesmo? Já não era profecia que alguém haveria de trair Jesus?

O destino é um segredo, por trazer lições que só ele é capaz


de ministrar. Judas era mais inteligente do que pensamos. Tinha
certeza, pelas pesquisas feitas nos velhos pergaminhos, de que
aquele a quem seguia era verdadeiramente o Cristo, o Messias
anunciado pelos antigos profetas, principalmente Isaías. O ladrão
sabe que está sujeito a grandes vexames com a polícia, que corre
perigo de vida na hora em que recolhe para si o que não lhe
pertence. No entanto, existe nele uma força maior que a sua
conscientização de sofrimento e de perigo de vida. Qual será? O
assassino passa pelo mesmo drama. A criança nem sempre
obedece aos conselhos paternos e recebe castigos dos pais quando

125
tfoão OCunes 'JlCaia / S /ta o íin

faz o que não deve. Os homens em geral estão envolvidos em


erros inexplicáveis. E os países? Nações contra nações em
guerras fratricidas, sabendo seus líderes que o preço delas é de
milhares e milhões de vidas consumidas, viúvas e órfãos. Como
explicar essa teimosia?

Não é hora dos espíritos falarem certas verdades que


poderão perturbar as pessoas. Deixemos que a psicologia, a
psiquiatria e a parapsicologia, ou outras trias e gias que devem
vir por aí, estudem esses fenômenos da evolução humana.

Judas margeava o Lago de Genesaré. Caminhava sem rumo


certo, pensativo e triste. Aprumava a sua visão pela região
montanhosa de Nafiali e via, cm sua mente inquieta, os feitos de
Salomão, o grande Rei, que se fez o maior de todos pela
sabedoria. E loi naquele município da Galiléia que Salomão
entregou a H irão o governo de vinte cidades das m ais
expressivas, como um chefe menor, mas que poderia crescer.
Desce de novo seus olhos úmidos e vivos para o Mar da Galiléia
e se sente pequeno diante daquela grande expansão de água doce,
filha do Jordão, águas que beneficiavam gerações e mais
gerações, sem reclamar, por não serem dotadas de tais atributos.
O Lago dos Galileus era muito grande e rico. Tinha quase quatro
léguas de extensão e mais de duas de largura, onde fervilhavam
pescadores e turistas. Os estrangeiros ali estavam como numa
feira internacional. A diversidade de peixes do lago atendia aos
mais exigentes sabores.

O pensamento de Judas escapulia para o infinito, para a


lua, para as estrelas e para Deus. “Por quê”? — monologava no
silêncio. “Por quê, meu Deus, tanto tesouro no mundo? Por que
tudo na natureza sobra, de maneira incalculável, e a escassez
confina o ser humano em prisões que a sociedade organiza? Por
que tanta fartura estendida em todas as latitudes, limitando, no
entanto, pequenas áreas para os homens? Por que as grandes

126
~7!utí L iu i / ZJesouros

nações escravizam as pequenas, tomam seus povos como cativos,


sem os direitos que lhes pertencem como seres humanos? A vida
é uma riqueza, comentam todos os sábios. Como conciliar a
felicidade com a dor, com a fome, com a tristeza, enfim, com a
miséria? Não posso pensar nisso por fugir de mim a solução”.

Judas pára, volta a si e nota que a hora era avançada. Aperta


os passos e vai em direção ao seu dever com os outros discípulos
do Mestre. Daí a pouco adentra o casarão, cabisbaixo e estranha
a alegria reinante entre os discípulos.

Natanael aceita o convite para orar e começa a súplica


com contentamento. Judas, ainda com laivos de inquietude, sente
vontade de perguntar a Jesus acerca dos tesouros, o que vem a
ser a riqueza, tão mal distribuída, e como seria a verdadeira
riqueza. E questiona dessa forma:

— Mestre, acho que o meu dever para com a minha


consciência é saber a fundo o que me atormenta e talvez a muitos.
Se não for incômodo, pediría que o Senhor nos favorecesse esta
noite com uma orientação que tanto desejo: o que vem a ser o
Tesouro para nós e por que o ouro é desordenado no seio dos
homens?

Jesus estendeu seu olhar compreensivo ao discípulo e


comentou, com sinceridade:

— Judas! Seria falta de respeito a Deus, de nossa parte, ver


na natureza somente miséria, nas coisas e em nós. Não existe
carência de nada, pois na criação, Deus, quando fez o mundo,
jamais esqueceu de supri-lo com tudo que as necessidades buscam.
Quando achas falta de alguma coisa em determinado estágio de
vida, é porque ainda não tens olhos para ver. A abundância é o
padrão do amor. Na verdade, parece-nos haver certas faltas para o
homem, mas é uma falta aparente porque o homem, na posição
em que se encontra, é dado ao abuso, é como criança mal inclinada

127

m
%oão OCunes 'JlC aia / S Á a o í/n

que precisa de mãos amigas para a tutela e, às vezes, para uma


corrigenda. Porém, esqueces da abundância de ar que tens para
respirar, uma das coisas mais necessárias da vida. A água é
encontrada em toda a parte, desde que se saiba buscá-la. Os
alimentos, quando o trabalho é ativo, são produzidos com grandes
sobras. A igualdade em que às vezes pensas, ainda não pode existir,
porque no momento a desigualdade é o amor que faz vários tipos
de raças conviverem e espíritos de quilates diversos ficarem juntos,
uns aprendendo com os outros. Não gostas de servir na companhia
dos Mestres do saber? Pois se ombreasses somente nos caminhos
da igualdade completa, terias o encontro, por justiça, só com coisas
e pessoas que nada poderíam te ensinar. Seria uma tortura viver
somente com pessoas do nosso mesmo padrão espiritual, com as
mesmas inclinações.

H continuou, com sabedoria:

Judas, meu filho. Todos os homens têm em suas mãos


toda a riqueza de que precisam e quando a criatura vai crescendo
cm entendimento, vai crescendo também em abundância. A
riqueza da vida pertence a todos, mas ela é administrada pela força
maior. As vezes reclamamos demais a sua ausência e ela nos vem
por misericórdia. Abusamos e respondemos pelo abuso e aí, a
ignorância nos faz revoltar contra quem somente quer a nossa
felicidade.

Jesus deixou cair no ambiente algumas gotas de silêncio.


Judas não descansa de meditar. A imagem de Jesus reflete-se na
sua própria consciência, repetindo as mesmas palavras ditas antes
com carinho. O Mestre, complacente, argumenta novamente:

— Judas! Já tiveste a oportunidade de notar a riqueza que


tens dentro de ti? Se um homem soubesse o que pode fazer com
o poder que dorme na sua alma — valores doados por Deus,
Nosso Pai — ficaria feliz só com isso, que chamamos a riqueza

128
CTlua /But / 'jfasotu'os

das riquezas. Os pensam entos podem atin g ir estru tu ras


inconcebíveis, Judas, a ponto de tudo se formar pela sua simples
vontade. O que compõe as coisas está disperso com abundância
por toda parte, bastando uma ordem da qual o amor é a chave,
para que digas: “faça-se aquilo”, e aquilo se faça. É bom que
lembres como foi feita a criação, que Moisés inteligentemente
nos revela. Somos filhos d’Este que nos criou à sua mais perfeita
semelhança. A riqueza da criação ou co-criação nos pertence
como a maior herança da vida e a maior riqueza que o amor de
Deus nos deu, como seres humanos e espirituais. Não podemos
ver as coisas pela sua simples aparência. É necessário que
entendamos em espírito e em verdade, para que essa verdade
nos liberte de todas as inquietações.

Após outro breve silêncio, continuou:

— Não podemos medir a felicidade alheia pelas coisas


que os outros possuem, ou pela falta delas. A carência da fortuna
pode ser uma lição valiosa que vem despertar a verdadeira
preciosidade no coração. É muito justo e de bom tom que nós
não invejemos as situações dos outros para que os outros não
façam o mesmo conosco, fazendo com que o ambiente de
constrangimento nos atinja.

Deixou passar mais um pouco de tempo e encerrou:

— Talvez, meu filho, não saibas o que buscas. Será que


tens plena certeza de que, com o dinheiro em abundância, acabará
toda a tua incompreensão? Com a mão cheia de ouro, a felicidade
fará morada em tua consciência? Com muitos poderes, a paz
reinará em teu coração? Toda ilusão é passageira, principalmente
quando se tratam de almas que se abeiram do bem e que já
começam a conhecer a verdade. Na verdade te digo, que se
ganhares todo o mundo e se tiveres posse de toda a fortuna que
queres, se fores o soberano de todas as criaturas da Terra e fizeres

129
$oão OCunes JK aia / S /ia o íin

o que queres sem que ninguém te impeça, mas não tiveres paz
na consciência, és o mais pobre de todos. E necessário, Judas,
que aprendas a ser rico por dentro, para que o teu coração aprenda
a orientar os Tesouros por fora. %

As feições de todos irradiavam alegria, achando a lição da


noite muito propícia para a convivência diária.

Mas Judas sai sozinho da igreja dos pescadores, pensando


em como conciliar uma coisa com a outra.
Tomé, o apóstolo de Jesus Cristo, não pode
faltar neste nosso apanhado espiritual, pois também figurou como
um dos doze amigos de Jesus.

Senhor de certa cultura na confluência da época em que


viveu, tinha um raciocínio fácil e compreendia as coisas com
impressionante rapidez. Tomé usava, primeiramente, nos seus
contactos com a vida, a razão. D ificilm ente recorria aos
sentimentos. Até depois do seu apostolado, já consciente da sua
missão, a sua caridade haveria de ser bem compreendida. Fazia
um exame prévio daqueles que iam ser beneficiados, para bem
sentir a necessidade alheia. Aí, nada exigia, dedicava-se com todas
as suas forças em favor do necessitado. Mas não tolerava muito
as pessoas mentirosas, tinha uma certa exigência no penhor da
verdade. Lutava, mais tarde, consigo mesmo para ser diferente,
mas não conseguia. Via a candura e doçura de João, a simplicidade
de Pedro e Tadeu. Até invejava seus companheiros nesse estado
sublime de amor, aquele amor que não exige, que não especula,
aquele verdadeiro amor inspirado no Divino Doador, que jamais
erra na escolha. Tomé se fascinava à procura desse estado de alma.
Contudo, tinha outras qualidades que embelezavam seu coração.

131
jo ã o OCunes JK aia / ô /ja o ín

Tomé era chamado também de Dídimo. Um dos seus


grandes prazeres era viajar, conhecer lugares nunca antes vistos,
fazer amizades novas, trocar idéias com os outros e observar as
experiências alheias acerca da vida e das coisas. Com isso,
enriquecia seus conhecimentos. Era conhecedor do misticismo
da índia e da China, aprofundava-se nos antigos escritos do Egito
e da Caldéia, da Grécia e mesmo de Roma. Nas suas andanças,
nunca se esquecia de esmiuçar as coisas invisíveis. Porém, um
senso mais profundo da sua consciência lhe pedia ponderação
ao aceitar qualquer fato. As ocorrências tinham de ser testadas à
luz da razão, pois não era endurecido ao ponto de tudo negar.
Sabia da existência das verdades espirituais, assistiu Cristo dar
ordens à filha de Jairo para que retomasse a vida, e ao filho da
viúva de Naim, c a Lázaro, em Betânia. Fazia parte da metade
dos discípulos ás margens do lago, quando apareceu o Cristo na
Sua pujança espiritual, dizendo a eles: “O que tendes para
comer?” Eles responderam: “Nada, Senhor”. E o Mestre ordenou
que lançassem a rede à direita do barco, onde talvez eles já
estivessem cansados de experimentar, e Tomé presenciou o
fenômeno: a rede transbordou de peixes de várias qualidades.

Tomé, para os discípulos, não significava ponto de negação


ou dúvida, mas vigilância. Naquela época, como agora, e ainda
por milênios, existiam mais coisas falsas que verdadeiras, e Dídimo
representa o vigiar de Jesus. O Mestre chamou-o para discípulo
por encontrar no seu coração a disposição, sem fronteiras, de
espalhar a verdade. E foi o que fez, na plenitude do amor universal.

Certa feita, quando o Mestre se dispôs a voltar ao lugar


onde os Seus in im ig o s o ag u ard av am p ara m a tá -lo ,
d e sc o n h e ce n d o o p e rig o , foi Tom é quem anim ou os
companheiros, dizendo: “Vamos, morreremos com Ele”. Homem
decidido, de caráter nobre, a ponto de entregar a vida para que o
ideal do bem vivesse.

132
V7f/c' L>ui / C Tvlicic/ade

Tomé gostava imensamente de Nazaré, sempre estava por


lá, e era dado à pesca, gostava do ambiente das águas e adorava
o caldo de um pescado. Como já falamos alhures, a Galiléia
sempre estava repleta de estrangeiros e Tomé tinha o dom de
fazer amigos de todas as naturezas. Depois que conheceu o
Nazareno, filho de Maria e José, o seu assunto predileto era
fazer os amigos conhecerem a história de Jesus, Seus prodígios
e Sua doutrina. Muitos recorriam aos préstimos de Tomé para
conhecer o Cristo. E o Dídimo tinha prazer de que todos
pudessem conhecer a doutrina do Divino Amigo e levar para
sua terra a notícia de que o Messias já se encontrava na face do
mundo.

Tomé percorre, naquela tarde, as ruas mais movimentadas


de Betsaida e encontra Judas Iscariotes debatendo assuntos
financeiros com um alto comerciante, que se dava às grandes
compras e vendas. Saúda o companheiro em Cristo e saem os
dois em direção à ig reja dos pescado res. C o nversaram
animadamente até a hora do início da reunião. Entraram em
silêncio, como de costume, com a senha mental que todos
usavam: “A paz seja nesta casa” . Filipe ergueu a voz pela
indicação do Mestre, abrindo a reunião com aprece inicial. Tomé
é instigado pelo olhar do Senhor e indaga, cortesmente:

— Senhor! Procuro um tesouro bem diferente e talvez mais


difícil que as pedras preciosas e mesmo o ouro do mundo, procuro
um poder que vale mais que todos os poderes temporais da Terra,
mas sou um garimpeiro inexperiente, não sei onde e como
encontrar. Esse tesouro é a Felicidade. Que me dizes, Mestre?

Jesus disserta, com gentileza:

— Tomé! O que buscas não se encontra muito longe porque


reside dentro de ti. As preciosidades mais relevantes estão
depositadas no cofre dos corações e a chave que vais procurar

133
^foão OCunes JK aia / ô fja o lin

pára abri-lo é aquela virtude que pregamos como sendo o maior


atributo de Deus: o amor. A Felicidade verdadeira somente se
expressa no reino dos anjos, mas na verdade te digo que todos
estão caminhando para lá. O Pai Celestial não deixa que faltem
oportunidades para todas as criaturas e espera, pacientemente
que todas se decidam a buscar esse reino da m ais alta
fraternidade, onde o amor é o sol que aquece a todos. Destarte,
não penses em viver egoisticamente só dentro de ti, gozando
a Felicidade que te pertence.

Faz uma pausa para meditar e prossegue:

Falaste bem quando chamaste a Felicidade de tesouro.


Verdadeiramente o c. E o modo pelo qual deves encontrar
essa p re c io sid a d e é freq ü e n ta n d o a e sc o la -o fic in a que
instalamos, pois ora fazes parte da m isericórdia de Deus, o
comandante cm chefe de toda a vida. A soberania que buscas,
de ti para as coisas, é muito importante para todos os que aqui
estão, senão para a hum anidade inteira. Todavia, o mais
importante, meu filho, é saberes como usar esse poder. O
homem que domina a natureza, que conhece a si mesmo, é o
homem obediente às leis de Deus, porque essas leis são seus
agentes com a mais intensa obediência. Q ualquer um que
desobedecê-las responde imediatamente pelas conseqüências.
Não penses que os profetas, os místicos e os santos, operando
prodígios, dando movimento aos estropiados, vista aos cegos,
devolvendo a fala aos mudos, estão agindo fora da lei. São
eles que vivem em um plano diferente da humanidade e a sua
obediência às leis maiores dá a eles o que realmente merecem
pela vida que levam. Além disso, são dotados de poderes que
a massa humana nem desconfia. A Felicidade é o conjunto de
m uitas qualidades que podes alcançar. C ontudo, não são
compradas nas feiras públicas, nem apanhadas de quem já as
possui. Essas qualidades pertencem ao tempo e são filhas de

134
71ou U n i / 'TTalicn/adu

esforços ingentes. Elas são devedoras da disciplina c da educação.


Eis o que aconselhamos: pedi e dar-se-vos-á. Buscai c achareis.
Pede a Deus que Ele te dará a Felicidade, pois ela não pode existir
sem que Deus a movimente. Mas talvez não saibas a arte de pedir.
No estado em que te encontras, levarás mais de século para saberes
pedir, sem que os teus lábios anunciem as tuas necessidades. E o
“buscai e achareis” está no mesmo regime. Falamos o mesmo
dialeto e nem sempre nos compreendemos uns aos outros, porque
falamos veladamente. Os homens do futuro perceberão toda a
nossa intenção, porque a inteligência não pára de crescer. Aquilo
que achas difícil de entender agora, tomar-se-á menos complicado
para as crianças do amanhã.

Tomé bebia os ensinamentos do Senhor, como se estivesse


sedento da água celestial. E uns cochichavam aos outros: “Como
é difícil ser feliz”. E em resposta ouviam: “As coisas boas não
podem ser fáceis”. Tomé tinha vontade de gritar dentro do salão:
“Meus irmãos, o Cristo é a nossa Felicidade”. Mas o bom senso
o reprimia e o próprio Mestre poderia não gostar. E pensava então
que a discrição é uma das portas para a Felicidade.

Jesus, ponderado, conclui:

— Tomé! Quando a criança dá os prim eiros passos,


mesmo que sejam em falso, os pais sentem uma alegria tamanha
que algo da Felicidade os visita por um instante. Também o
garotinho se embeleza ainda mais por não saber expressar o
seu contentamento. O nosso impulso, quando a imaginação vai
além dos nossos ideais é gritar, é falar, é fazer conhecer aquilo
que estamos percebendo a todas as criaturas. Mas será que essa
m esm a d isp o sição tem d u rab ilid ad e, de m aneira a nos
acompanhar em todos os fatos, em todos os esforços que a vida
requer de nós para nos ofertar tais poderes? Ponderemos sobre
isso e vamos adiante, com Deus.

135
tfoão OCunes JK aia / ô /ta o fin

A palavra divina silenciou. Tomé saiu dali todo cheio de


esperança, pensando mesmo em polir o que existia de bom
dentro de si. Queria sentir mais de perto a Felicidade. E quando,
na índia, estava cercado por fanáticos e não havia jeito de
continuar a pregação do Evangelho da vida, sentiu que era
chegado o fim da sua vida física e se deixou ser apanhado para
o sacrifício, sem palavras de revolta. Mas sentiu no coração
uma harm onia indizível e um a serenidade im perturbável.
Quando quis gritar que era feliz, apareceram dois dedos selando
seus lábios. Esforça-se para abrir os olhos, já agonizante, e
vislumbra, com dificuldade, alguém sorrindo para ele, com os
braços abertos.

136
João, o Evangelista, formou com seu irmão
Tiago, uma dupla que se eternizou na história do Cristianismo,
pela disposição que ambos tiveram na disseminação da Boa
N ova do reino de Deus. N unca se esqueceram , por onde
andavam , de d eix ar as m arcas do C risto nos co raçõ es
sofredores, nos estropiados, nos encarcerados, como também
de plantar as sementes da esperança nos corações infantis.
João Evangelista amava a natureza de m aneira extraordinária.
Nas suas horas de contem plação, jam ais se esquecera de
perambular pelas margens do Rio Jordão, sentindo naquelas
águas que se estendiam de norte a sul da Palestina, uma
estranha presença que o fazia recordar-se de coisas que não
conhecera.

O Jordão! O maior rio da Palestina e um dos maiores do


mundo, sendo o maior em certos aspectos e, por assim dizer,
o único que não obedece ao nível do mar. E mais baixo que o
M editerrâneo. Foi palco da presença de João Batista, abrindo
as veredas para o grande Messias. Foi nessas águas abençoadas
que Jesus se tornou pequeno para que a voz do deserto
conhecesse sua soberania. O B atista foi um dos m aiores,

137
$foão OCunes JK aia / S /ía o íin

nascidos de mulher, que a Terra recebeu e o Cristo o maior


nascido do Céu para a Terra.

O Rio Jordão percorre mais de duzentos quilômetros,


fertilizando as terras das suas margens e abençoando a vida,
com a sua própria vida. Ele é qual o Rio Nilo no Egito, o Ganges
na índia, o Eufrates na Ásia ocidental, o Mississipi nos Estados
Unidos e o São Francisco no Brasil. Eis que João, ao passear
nas suas margens, sente que as águas pedem libertação. Nascem
no seio da terra, onde se encontravam presas, circulando nas
veias do planeta, como sangue branco, e se libertam na face da
Terra, buscando o seu Deus: o mar... O Rio Jordão, pensava o
Evangelista, é um risco de luz na Palestina. Suas águas até curam
os enfermos. Jesus não disse, certa feita, que o homem vale mais
que as plantas, que os peixes, que os pássaros? Com certeza
mais que as águas. Por que ele, João, ainda mais como discípulo
do Grande Mestre, não poderia libertar-se das prisões do mundo
e dominar o cativeiro da carne, para viver em espírito e verdade?
Claro que poderia sentir Deus e a vida sem os engasgos da
ignorância.

O discípulo moço deu entrada à inspiração divina,


procurando saber as vias principais do amor universal. Não era
muito dado à pesca, por enxergar nos peixes seres vivos com o
mesmo direito de viver, se o homem não lhes tirasse a vida.
Amava as plantas e tinha muito carinho com os animais. Nessa
busca da natureza, começa a entender as línguas de todos os
reinos, onde sentia o pulsar da criação.

João conhecia muito bem Jerico, aldeia que ficava ao sul


da Galiléia, quase na embocadura do Jordão, no M ar Morto.
Tinha amigos nessa aldeia que o admiravam pela vida mística
que levava. E foi nessa região que ele se aproximou mais do
povo, passando a ensinar o Evangelho, na forma nascente. Da
maneira que o ouvia do Mestre, fazia com que outros pudessem

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/too &juâ / áJ/6ar/agâo

ouvi-lo. Como intermediário da Boa Nova acendeu a chama de


fé e esperança naqueles corações simples.

Em uma manhã ensolarada, quando parecia que os ventos


alegravam mais o povo de Jerico, João surge em um pequeno
mercado. Muitos solicitavam sua presença meiga, para falar do
Profeta que ele anunciara. Por instantes, ouvem-se gritarias no
grande pátio. Era um louco conhecido na região, cabelos em
desalinho, roupas rotas e boca espum an te, com m uitas
escoriações. “Esse é o doido Janjão” , diziam uns. Outros,
temendo a presença do homem, avisavam: “Cuidado com ele,
isso aí é uma fera, tem dia que ele está furioso”. A correría
começou. João, paciente, olha. Estava frente a frente com Janjão,
que mais parecia um monstro. Observou a inquietação daquela
alma pelo desespero dos olhos. Lembrou-se de Deus e não
esqueceu Jesus. O povo, assustado, admirava a coragem daquele
moço, cujos cabelos loiros caíam aos ombros como se fossem
raios de sol em cachos de ouro. O homem doente começou a
apagar a sua fúria quando o Evangelista ensinou-lhe o nome de
Cristo. Janjão sentou-se no chão, pediu para que João fizesse o
mesmo e falasse mais daquilo que estava dizendo. João discorre
com veemência sobre o Messias, os curiosos se ajuntando; uns
diziam que João era filho do Deus do amor, outros que ele era
um profeta que nada temia. Depois de conversar muito tempo
com Janjão, este acompanhou o discípulo até a estalagem, onde
comeu e bebeu com desembaraço. Entendendo muito bem o que
o apóstolo falava, quis várias vezes beijar as mãos do Evangelista.
Este não permitiu, dizendo, como Pedro na Porta Formosa,
quando um aleijado se curara somente atingindo a sombra do
apóstolo: “Eu também sou homem, deixa para quando tu
encontrares o Mestre, que Ele merece a tua reverência”.

O doido de Jerico às vezes chorava, às vezes sorria, dizendo


a João: “Meu senhor, há momentos em que vejo um homem

139
$oão OCunes 'JKaia / ôA aof/n

vestido de luz junto ao senhor, ajudando o amigo a conversar


comigo, será que isso é efeito da loucura”? João estende a mão
sobre sua cabeça, dizendo carinhosamente: “Não, meu filho, não,
meu filho, se por acaso for uma loucura, é uma loucura divina,
que todos procuramos ter. Esse que você está vendo é o nosso
Mestre”.

Voltemos a Betsaida! João aproxima-se do casarão e entra


nele com Jesus. Todos os discípulos ali já se encontravam. André
sente-se no dever de orar e o faz com respeito. Tiago, ao lado de
João, acentua com entusiasmo:

Há muito que você não fala, por que não pergunta a


Jesus hoje sobre qualquer coisa?

João olha para o Cristo c Este responde com um brando


sorriso, autorizando o apóstolo a perguntar. João especula, com
humildade:

— Mestre, ficaria muito contente se nos dissesses acerca


da Libertação de uma alma, de um povo, ou da humanidade.

Jesus, com a meiguice característica, responde:

— A L ibertação da hum anidade e de um povo, na


profundidade do termo, depende muito, mas muito, da Libertação
individual. Por enquanto, vivem os nos ensaios, e nestes
ficaremos milênios, para aprendermos a verdadeira Libertação.
Livres são aqueles que começam a amar a verdade. Às vezes,
João, trabalhamos para libertar um povo que nos pertence pelo
sangue, por fazer parte da comunidade que nos pertence por
nascimento. Essa liberdade custa, como a história atesta, vidas
e mais vidas. O saldo, depois da luta de mortes e estragos, não
nos deixa a consciência tranqüila, enquanto não repararmos a
covardia, a vingança e o ódio a que demos vazão. Quando saímos
vitoriosos, ficamos mais escravos pelo constrangimento de fazer

140
Î7lua U u t / D iò u ría ^ã o

muito mal a criaturas que, muitas vezes, nunca desejaram brigar.


Libertar uma nação é muito mais difícil, porque quanto mais se
mata pela liberdade, mais o cativeiro se estampa na consciência.
A Libertação que queres, comparando com a natureza, podes
tê-la. Na verdade te digo, que ser-te-á dado muito mais, pela
vigilância do tempo. Ouve bem, para que não te esqueças nunca:
conhecerás a verdade e ela te tornará livre. Todavia, não procures
essa verdade somente em um ponto da vida. Ela se estende em
toda a sabedoria de Deus. A verdade é como o ar que não cansa
de soprar em todas as direções.

Faz uma pausa para melhor orientação do discípulo, e


continua, com critério:

— Os homens da lei na Terra propõem a Libertação de


um povo ou de uma nação por caminhos errados, pelas vias largas
e métodos selvagens. A verdadeira Libertação haverá de surgir
de dentro de cada criatura. Este pode e deve ser um esforço
coletivo. Não é um trabalho de dias, nem de anos, nem de séculos,
pois é um tempo longo. Essa Libertação é feita de pequenas
coisas, como a tolerância com discernimento; o trabalho com
disciplina; o perdão sem exigências; o sorriso temperado na
dignidade; o amor sem paixão; a persistência sem fanatismo e o
dever com respeito.

Jesus olha firmemente para o discípulo e comenta com


consciência do fato:

— Meu filho, o que fizeste em Jerico e que tomaste por


Libertação de um homem, na verdade é somente aparência de
liberdade. Não deixa de ter seu real valor na pauta do bem; no
entanto, só ele mesmo poderá e terá esse direito da sua própria
Libertação. O que fizeste por amor serviu de toque espiritual,
mas o resto, o mais duro de fazer, pertence a ele, somente a ele,
para que possa desfrutar dos seus próprios esforços no alvorecer

141
f/oão OCunes JlCaia / S /ia o f/n

da sua maturidade. Se queres desatar dentro de ti a força da


Libertação, tal trabalho está em tuas mãos. Ama e começarás
bem; ama e começarás a sentir a felicidade; ama que o amor te
beneficia por dentro, igualm ente te ajudando por fora. Se
procuras uma liberdade fácil, tu mesmo és o primeiro a desconfiar
dela, sentindo a sua falsidade. A razão não inaugura no homem
a Libertação. Somente quem tem o poder de fazer isso é o amor.
E para que a criatura ame a Deus sobre todas as coisas e ao
próximo como a si mesmo, tem de passar por todas as fervuras
do espaço e do tempo. A coroa dessa conquista é a Libertação.
Pensaste bem agora. Não foste somente tu que ajudaste o irmão
enfermo a se livrar de perseguições espirituais. Primeiramente,
foram as bênçãos de Deus, que te ouviu, foi o amor d ’Ele que te
ajudou a ajudar.

João chorava baixinho, dada a sua emotividade, ainda mais


que o Mestre não conhecera o fato que se passara.

E n cerro u -se a reunião daq u ela n o ite, m as não se


encerraram a alegria e a esperança, que continuavam eternamente
a vibrar nos corações dos discípulos do Mestre dos mestres.

142
Fecundação

Tiago de Alfeu era um personagem de grande


interesse para o C ristianism o, principalm ente quando se
começava a implantar a filosofia de Jesus na face da Terra. Ele
serviu de ponte entre os cristãos prim itivos e os ju d eu s
conservadores que não aceitavam o Nazareno como o Messias
prometido. Também era um dos endurecidos nas leis mosaicas,
daqueles que não tiravam o pé um centímetro dos conceitos dos
velhos textos. Mas como o mundo dá muitas voltas, no dizer
popular, deu uma dessas voltas de transformação com Tiago de
Alfeu, homem de grande valor nas sinagogas, pelo cumprimento
do dever e pelos conhecimentos que armazenara sobre a cultura
de outros povos e de várias filosofias. Tiago dominava algumas
línguas, pelo prazer de impressionar àqueles que o ouviam. Não
podemos dizer que era um doutor da lei, qual Saulo de Tarso.
Contudo, podemos afirmar que era pessoa de muita influência
nos meios sacerdotais.

É para o raciocínio indagar como um homem desse jaez


veio parar no meio dos cristãos, com tanto interesse de divulgar
os ensinos do Mestre. A sua conversão ficou obscura no seio do
colégio apostolar. Guardou como segredo no coração, como parte

143
^o õ o DCunes J! K aia / ô /ta o fin

do seu estupendo desejo de fidelidade a Moisés, a Deus e à sua


consciência. Tiago era meio iniciado, como reflexo da sua
verdadeira iniciação de reencarnações passadas na Assíria e
Caldéia. Era resguardado, pois nunca falava aos que o ouviam
tudo o que sabia. Guardava sempre algo a mais como segurança
para a sua firmeza doutrinária. Para poucos, ele se abria como
se fosse um mestre no assunto. Por várias vezes, quiseram lhe
conferir a responsabilidade de doutor, porém, Tiago ameaçava
abandonar os serviços nas sinagogas, se isso acontecesse. Uma
voz lhe falava, no imo da alma, que não era chegada a hora e ele
obedecia. Ouvia muito falar de Cristo, de Seus prodígios, de
Sua doutrina e do Seu amor às criaturas. Pensou muito no
assunto. Nas suas orações, pediu intensamente que lhe fosse
dado conhecer esse Cristo, se ele fosse realmente o verdadeiro.

Tiago de Alfeu tinha um dom extraordinário. De vez em


quando, ouvia vozes na nave da sinagoga, quando meditava sobre
as coisas divinas e sentia que era a fala de Moisés ou de um seu
enviado. Não obstante, a ninguém contava sobre isso. Em uma
tarde de grande movimentação religiosa em Jerusalém, sentiu
vontade de orar e o fez com humildade, a Deus e Moisés, aos
céus e aos anjos. Daí a pouco, corre um leve vento desalinhando
os seus bem postos cabelos e ele sente, na espinha, um frio cuja
procedência não pôde constatar. Sua mente abriu-se como que
por encanto e a sua visão, da igreja e do exterior da mesma, não
requeria seus olhos físicos. Mesmo assim, abre os olhos de
mansinho, e o que vê? Em meio a uma fumaça aparentando gelo,
abriu-se uma espécie de cortina cor de mármore. Dentro, Tiago
viu um personagem que reconheceu por intuição: Moisés! Sorriu
a aparição e falou para o discípulo sincero:

— Tiago! Não negues Àquele que te cham ar para a


renovação doutrinária. Serás um elo no mundo, ligando-me a
Ele, do velho para o novo, de quem está morrendo para quem

144
71uü L m / CTucunt/ação

começa a viver, da visão difícil para um esplendor de luzes nunca


antes percebido na Terra. Esse a quem me refiro é o Cristo que
os profetas anunciaram e a quem eu mesmo percebi, nos meus
velhos pergaminhos. Ele já está na Terra, por misericórdia de
Deus, e para que não duvides do que falo, eis! Sê feliz!

Com a destra, abre novamente outra cortina de luz e Tiago


vê Jesus sorrindo para ele e dizendo:

— Vem a mim, que te farei meu discípulo, para que tenhas


redobrada fé em Deus e na vida, em ti e no próximo.

Esse foi o modo pelo qual Tiago entrou nas hostes do


C ristianism o, sem que pudesse deixar de um a vez as leis
mosaicas, conciliando uma com a outra, na certeza de que o
Cristo era complemento de Moisés e este era o alicerce de Jesus.
Foi um dos que apoiou a idéia de transformar o rancho dos
pescadores em igreja, em Betsaida. Conhecendo a história dos
profetas, lembra fortemente de Samuel, que em Ramá, fez erguer
a casa dos profetas, lugar que reunia todos os iluminados da
região sob sua sábia direção. Tiago, chamado Menor pela sua
estatura, foi grande pela sua eficiência, onde foi chamado a servir.

Vêmo-lo com seus passos rápidos, indo em direção à igreja


dos pescadores. Entra e, logo antes de começar a dissertação do
Divino Amigo, retira de um alforje de couro alguns escritos e
começa a 1er no silêncio do coração. Passados alguns minutos,
Tadeu dá início aos trabalhos espirituais com uma oração
inspirada nos sentimentos. Tiago Menor, que já havia buscado
inspiração na leitura, procura olhar para Jesus, que já o fitava
com benevolência. O apóstolo entendeu que poderia falar e
perguntou:

— Senhor! Posso te pedir que esclareças para nós o que


vem a ser, no nosso meio, o trabalho de Fecundação?

145
^o ã o ‘JCunes 'JK aia / S fia o lin

O Mestre, compassivo e generoso, explica:

— Tiago ! A Fecundação é um trabalho da natureza que se


nos apresenta como o meio mais importante de nos conduzirmos
diante dos nossos com prom issos, pela oportunidade que
recebemos do Nosso Pai Celestial.

Todos nós nascemos de uma operação endógena fecundada


pela inteligência maior, pelas linhas do amor. Como a nossa
conversa se estende aos campos do espírito, é bom que entendas
cm espírito e em verdade, pois as leis são iguais para a fertilidade
da matéria c para a Fecundação do espírito. A humanidade, para
nós, é uma lavoura imensa, é uma terra exuberante que saiu,
como nós outros, das mãos abençoadas de Deus, esperando quem
cuide dela, como agricultor que ama seu trabalho. Para isso
estamos aqui. Se a inteligência nos faz providenciar meios de
irrigação para que não percamos as sementes lançadas ao solo,
é razoável que providenciemos métodos mais adequados para
que a água visite todas as aberturas da terra onde existam
semeaduras, para que nada deixe de crescer nela e para que
tenhamos aquilo que esperamos pelos nossos esforços. Se a
humanidade é uma grande lavoura, certamente cada criatura
passa a ser um pequeno mundo de trabalho com todas as suas
características de imensidade. É dessas terras que vamos falar,
Tiago!

E o Cristo continuou com interesse:

— O poder das idéias suplanta todas as sementes que por


vezes encontras na lavoura da terra. Os pensam entos são
sementes divinas na sua essência. Quando eles tomam direção
contrária à sua procedência, são alimentados pela ignorância e
o tempo haverá de transformá-los, devido aos serviços prestados
pelas conseqüências. No nosso caso, parece que já passamos
por elas e procuramos, na intensidade do coração, educar as

146
Jlutt l u n / i/w cunr/aÿâo

nossas idéias, escolher as sementes de maior concenlração


energética e semear com critério, no terreno dos corações, de
maneira que o respeito seja o controlador de todas as nossas
d isp o siç õ e s. A p ro p ag ação não dep en d e de nós. Iodo
crescimento se faz pelo poder de Deus. No entanto, a irrigação e
os primeiros cuidados são entregues ao agricultor que, nesse
caso, somos nós. A Boa Nova que te será entregue se assemelha
a sementes escolhidas nos reinos dos anjos, que receberão chuvas
onde quer que sejam lançadas, pela vontade de Nosso Pai que
está nos céus, para que não fiquem em vão os esforços do
semeador. Jamais penses que estás só na Terra imensa dos povos.
Quando algumas portas se te fecharem, visando te intimidar na
Fecundação da nobreza espiritual, não te perturbes com os
barulhos, com os insultos, com as prisões, com os castigos, com
a falta de cooperação, com a ingratidão dos que foram servidos,
com as leis do mundo e com os poderes políticos, porque para
todos que me escutam foi reservado outro tipo de glória: o de
servir por amor.

Estabeleceu-se silêncio para que houvesse fertilidade no


que foi ouvido pelos discípulos. Tiago Menor se engrandecera
com a pergunta feita a Jesus, mas procurava, dentro do salão,
ser o menor de todos, não somente na estatura como também na
humildade. Estava tirando daqueles conceitos a maior riqueza
que poderia ter para o seu coração. Era uma semente poderosa
que começara a crescer, como prodígio, naquele instante da
semeadura.

Jesus deixa o dedo de Deus tocar nas cordas do Seu verbo


e prossegue, cordialmente:

— Tiago! Em reino nenhum poderá existir Fecundação


sem amor. Tudo o que plantas, faze-o com amor, porque Deus
completa o que porventura faltar nas nossas deficiências. O
Senhor é o dono da grande vinha, que nos pede que estendamos

147
$/o3 o OCurtes J lta ia / ô A a o fin

as sementes do bem por toda a parte. E não somente isso, mas


que ajudemos os trabalhadores que chegaram primeiro e que se
encontram em imenso labor. Mesmo que eles nos estranhem,
sejam os com passivos com esses desbravadores das terras
inóspitas. Eles merecem a nossa admiração. Não julgues a
nenhum deles, por usarem antigos métodos de plantio. As vezes
trabalham em terras diferentes das que usas. Não esqueças o
arado do exemplo, antes de vires com as sementes do verbo.
Aplica a paciência como o tempo, a esperança como a chuva,
pois se não tiveres bastante vigilância, podem surgir as pragas
das exigências e perderes toda a lavoura. Depois de cumprir
todos os teus deveres, entrega a plantação para o Senhor, que
Ele saberá o que fazer. A propagação da verdade não depende
somente dos homens, mas muito mais de Deus. Porém, Ele sabe
usar os homens para transmitir as Suas leis aos mesmos homens,
na Fecundação do bem maior.

Todos se levantaram ao término da conversa e foram


saindo, dois a dois, conversando anim adam ente acerca da
propagação do Evangelho em toda a Terra, como semente divina.

Tiago nada falava, mas sua mente, em silêncio, falava tudo,


porque escrevia o que ouviu na noite dentro da consciência,
usando os recursos dos pensamentos.
Ouro

Judas Iscariotes tinha por hábito tomar banho


no Rio Jordão, que a velha tradição colocava como rio sagrado.
O Jordão corria do norte para o sul, banhando as terras da
Palestina, onde haveria de nascer o Rei dos Judeus, cumprindo
os enunciados dos profetas. Esse rio tinha suas nascentes no
Monte Hermom, perto de Damasco. O sol aquecia suas águas e
quando um dos profetas mandava algum doente banhar-se em
suas águas, curava-se de seus males, na proporção da fé que
sustentava. Judas sentia-se bem, repetindo o gesto de muitas
criaturas. A liviava-se de suas am arguras, quando estas o
assaltavam, de vez em quando.

Iscariotes era conhecedor das escrituras e, dentro do seu


coração, mesmo inquieto pela impaciência de viver, brilhava
um minúsculo sol de fé, que nunca se apagou. Tinha a certeza
da existência de Deus e era conhecedor da assistência dos anjos
aos homens que respeitavam as palavras do Senhor. Mantinha
um a profunda adm iração por um personagem do Velho
Testamento: o rei Salomão. Se houvesse vivido à mesma época,
não hesitaria em escolhê-lo como seu Mestre pela sabedoria e
poder, pela beleza dos escritos, pela fortuna. No entanto, muitos

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cfoão OCunes 'JK aia / S /ja o ín

de seus companheiros viam no Cristo um espírito muito maior


que Salomão. Ele não discutia isso, mas punha-se a pensar e a
comparar as coisas. Notava que, em matéria de conhecimentos
espirituais e poder de curar, Jesus, realmente, estava além do
filho de Davi. Todavia, na aquisição de ouro e de poder, parece
que o Mestre perdería para o homem que era admirado por todos
os reis do oriente, inclusive pela rainha de Sabá.

Judas assistiu Pedro dizer a Tiago que Jesus, filho de Maria,


era muito maior que Moisés, e ele, Tiago, que assistira Moisés,
cm espírito, indicar Cristo como o melhor caminho, ficou a
cismar. Será que Moisés também falou a Pedro a respeito do
Messias? E confirmou o que dissera Pedro, para espanto de Judas
porque Tiago, tendo vivido dentro das sinagogas, nunca poderia
confirm ar tais palavras. Simão Pedro Bar-Jonas não vira o
libertador dos judeus, mas era inspirado por ele ou outros agentes
de luz que circulam em toda a criação, sustentando a palavra de
vida c de graça do mundo da verdade. Judas chegou logo à
conclusão de que, verdadeiramente, o Nazareno era o maior de
todos os outros nascidos de mulher.

Judas tinha bons sentimentos, embora variáveis, devido à


depressão que o assustava a cada dia. Muitas vezes, seus colegas
o encontravam olhando as estrelas. Por vezes, fixava a lua, em
interrogações intermináveis. Já tinha lido muito sobre astronomia
em livros que alguém lhe trazia da Babilônia. Ouvia falar da
alta sabedoria dos assírios sobre os astros, assim como dos
estudos dos egípcios e caldeus. Tinha admiração por essa ciência
e consultava os astros demoradamente sobre a inquietação de
viver.

Embora pensasse muito, não chegava a uma equação para


seus impulsos. Tirava a mente do infinito e começava a pensar
na Terra, nele, na pessoas e no porquê de viver. Quando deitado,
perdia o sono, visualizando a si próprio como dono do mundo,

150
yioo L t4i / Ourt

com todas as suas riquezas, não por ganância intempestiva pelo


ouro, mas para sanar a fome e a miséria dos homens, amparar as
viúvas, os órfãos, os doentes, e arranjar meios de alegrar os tristes.
No outro dia era o mesmo Judas, com os mesmos problemas dc
sempre. Queria fugir de si mesmo, sem encontrar solução. Ouviu
uma vez o Cristo dizer que os lírios dos campos se vestiam com
muito mais beleza que o rei Salomão em todo o seu esplendor; e
que o homem valeria muito mais que os lírios, que todo o ouro
do mundo. Onde ele, Judas, encontrava esse valor dentro dele?
Como encontrar? Em certas horas, o sol vencia as nuvens da
sua mente e brilhava um pouco, como esperança para o coração.
Na verdade, nunca tinha visto e ouvido alguém falar tão bonito
e tão agradável como Jesus. A sua oportunidade de salvação
estava em abraçar o Mestre com toda a sua força e entendimento
e começar a chamá-lo de Mestre dos mestres.

Judas estava sentado do lado de fora da casa dos pescadores


quando chega, mais cedo, o apóstolo Pedro, para proceder ao
asseio do casarão. Judas, antes do convite de Pedro, toma das
mãos do pescador os apetrechos è começa a limpeza. Pedro,
enternecido pelo gesto do amigo, fala com brandura:

— Judas, a paz do Senhor esteja em teu coração!

E os dois trabalham juntos. Depois de todos reunidos em


assembléia com o Divino Amigo, Tomé é tomado pela inspiração
e começa a súplica da noite. Findando-se o pedido do apóstolo a
Deus, Pedro, notando certa tristeza em Judas, sentado ao lado,
diz ao seu ouvido:

— Judas, meu velho, pergunta esta noite ao Senhor alguma


coisa que te passa pela mente. Vamos, Ele sempre nos ajuda nas
maiores aflições.

Judas Iscariotes, sem responder a Pedro, levanta e indaga:

151
£/oão OCune.s JK aia / S A a o íin

— Mestre, quero te pedir que me esclareças o que o Ouro


significa para nós. Qual é a sua verdadeira função nas nossas vidas
e a sua posição perante as coisas de Deus. Além dele, os poderes
de César, que se estendem por quase toda a Palestina, senão ao
mundo.

O Cristo, abarcando Judas com o olhar compreensivo,


expõe, com veemência e sinceridade:

— Meu filho, tudo no mundo tem o seu valor, no lugar em


que foi designado a servir. Se porventura recolhesses toda a fortuna
do mundo em tuas mãos para sanar a dor e todos os tipos de
infortúnios das criaturas, será que elas iam corresponder à bondade
de Deus manifestada por teu intermédio e se comprometer a fazer
o que somente a dor e os problemas têm a capacidade de realizar
dentro e fora da alma? A compaixão nasce sempre da caridade,
mas quando ela passa dos limites que a vigilância determina, ela
se põe em conivência com aqueles que se esquecem dos deveres
do espírito, de progredir para viver bem, e de viver para progredir.
A dor, que expressa a feição de todos os infortúnios, é uma
mecânica universal, que sempre harmoniza as coisas na vida,
incluindo a harmonia das almas. É bom que penses nisso, Judas,
em tirar as dores do mundo, para que possas entender quais os
meios reais de tirá-las. Em cada pessoa existe uma chave que,
levemente tocada, destranca as portas mais íntimas do coração,
atingindo a consciência. Mas fiques sabendo que somente a própria
criatura pode e deve destrancá-la com as suas próprias mãos, pois
para isso elas foram feitas. Se queres saber, é justo que entendas;
não existe, na acepção verdadeira do termo, mal em ninguém e
nem no mundo. Vives em certa ilusão acerca disso, porém é uma
ilusão que, mesmo sendo passageira, coopera para o despertar do
homem divino que está dentro do homem humano.

O silêncio foi uma ajuda para a meditação. Judas Iscariotes


estava com a cabeça entre as pernas, mas os ouvidos aguçados

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7 1 u o U n i / O uro

registravam as dissertações de Jesus. Pedro, condoído, toca de


leve o companheiro, falando:

— Judas, tu estás ouvindo?

— Sim, Pedro, ouvi tudo.

Parecia que nos ares tocavam uma sinfonia que os ouvidos


não percebiam, mas que o entendimento alcançava com nitidez.
O Messias, sem abandonar o barco da sabedoria, prossegue, com
clareza:

— Judas, o Ouro, nos bastidores da economia das nações, é


um portador de paz, como podes notar pelo fenômeno de uma
nação bem organizada. Com ele, a coletividade sentir-se-á mais
segura e a sociedade mais humanizada. Na verdade, a posição
desse metal instiga nos homens o interesse descomedido que chega
até à usura. As criaturas, geralmente, têm os olhos maiores que as
necessidades. Essa preciosidade é que estimula nos seres humanos
a vontade de trabalhar, de adquirir mais conforto, de reunir mais
terras, gado, animais, casas. E para bem dizer, eles esquecem de
educar esses desejos e se deixam envolver pelas maléficas idéias
de tudo possuir, mesmo que seja em detrimento dos outros. Deus
abençoou o ouro como uma força poderosa para a paz dos homens
e da Terra, porém, a ignorância fez dele todos os meios de principiar
guerras. Se raciocinares bem, verás que o indivíduo vale mais do
que todo o Ouro do mundo. Só os dons que tem, não falando de
outras coisas que desconheces, correspondem ao maior tesouro
do mundo e da vida, porque têm o poder de tranqüilizar corações,
de ajudar na aquisição da felicidade, de tornar os olhos com
maiores poderes de ver as coisas, de aguçar os ouvidos, de sorte a
ouvir em muitas dimensões do existir, de valorizar a fala, de
maneira a que ela possa estabelecer a paz onde quer que seja, de
expandir a inteligência a alturas inacreditáveis, de viver alegre
com a alegria de Deus.

153
efoão 0Curtes 'JKaia / ô íia o íin

Após curta pausa, o Mestre prosseguiu:

— Meu filho, não turbes o coração com os poderes de


César. Esse poder transitório é, por natureza, inquiétante. E fogo
nas mãos, é chama nos pés, que tira o sossego de quem o possui.
E quanto ao dinheiro bem comedido, é uma forma de Deus nos
mostrar, por nós mesmos, que vale a pena a educação que se fez
nutrir pela disciplina, pois o que não devemos é nos fanatizarmos
pelo Ouro, para que o Ouro não domine os nossos sentimentos.
Os grandes reis da Terra, que a ganância levou a juntar milhões
de toneladas de Ouro e pedras preciosas, quando foram chamados
ao posto verdadeiro, não puderam levar as fortunas. Somente o
Ouro que nos acompanha além do túmulo, Judas, o Ouro da
sa b e d o ria e as pedras p re c io sa s do am or, têm v alo r
transcendental. Se queres ser rico para a eternidade, amontoa a
fortuna do espírito, que os céus te abençoarão.

Pedro sentia-se sorrindo por dentro, mas Judas, ainda


desorientado, sai meditativo, mastigando lentamente os assuntos
da noite.

154
Pedro aparece novamente nestas páginas,
como não poderia deixar de ser. Ele escutara do Mestre, certa
vez, duas palavras que m uito o im pressionaram . Jesus,
finalizando uma de suas prédicas, anunciou: “Quando eu for
para o meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus, e
que estiverdes preparados, vos dividirei e vos mandarei pregar
o Evangelho a toda parte e a todas as criaturas” . Era o “Ide e
Pregai” conhecido em todo o mundo.

Pedro guardou aquele pré-anúncio de Jesus e, de vez em


quando remoía, nas suas deduções, essa ordem, pois ainda não
sabia ao certo, o que significava, na prática, o que seria pregar
a Boa Nova do Reino de Deus. Esperava a oportunidade para
perguntar ao Senhor e d ’Ele receber as devidas instruções no
campo de disseminação evangélica.

Sim ão Pedro B ar-Jonas, ao raiar da m adrugada, se


encontrava conversando com André e se preparando para a
pesca. Os pescadores partiam cedo. Quando raiava o sol, o
suor já denunciava um bom tempo de labor. Quando Pedro e
seu irmão já estavam subindo ao barco, alguém vem correndo

155
% oão DCunes J K a ia / S /ía o íin

e gritando: “André! Um homem chegou de Caná para vê-lo


com urgência!” O discípulo confabulou um pouco com Simão
e este sai sozinho, quebrando o silêncio do M ar da Galiléia.

Pedro era decidido em tudo, não perdia tempo com coisas


sem importância. Começou a estender a rede por sobre o manto
límpido das águas, cantando baixinho canções de seu gosto,
lembrando-se, por vezes, das noites inesquecíveis que passara
em Betsaida, dos companheiros, recordando-se também do
drama de Judas Iscariotes. Queria ajudá-lo, mas como? Estava
decidido a apelar para Jesus em benefício do Iscariotes e era o
que iria fazer no tempo oportuno.

O caso dc André cra um comerciante de Caná que queria


mais peixes secos c pagar o que devia a André e Pedro, pois
este últim o não gostava de transações com erciais. Pedro
impulsiona o barco em muitas direções, sem nenhum resultado.
Parecia que os peixes se escondiam do apóstolo, mas este
jam ais desanimava. A experiência fazia crer que todo trabalho
tem suas deficiências, que nunca existe seqüência do que
chamamos de sorte, em nada que fazemos. Pedro, já riscado
de suores pelo corpo seminu, senta-se no topo do barco olhando
as pequenas ondas que se sucediam umas às outras em uma
correria infinita e pensava, com tranquilidade: “Deve ser por
força dos ventos, pois estes brincam por toda a natureza,
semeando a paz e até a própria vida. Quem vive na Terra não
pode passar sem eles. Talvez seja o sopro de Deus, que ainda
se move no mundo, desde a época de Adão”.

O sol atingia com seus primeiros raios as montanhas de


Naftali e o apóstolo, já se sentindo descansado, com eça o
trabalho, abrindo com as mãos grossas a velha rede de pesca,
para arremessá-la de novo. Nisto sente que alguém se aproxima
dele, olha com rapidez, não vê nenhum barco. Torna a olhar
com atenção e observa, com espanto, dois pés descalços

156
O7u0 £ju z / !J(Je e P r*e a a i

andando por sobre as águas, subindo e descendo as fracas ondas


do M ar da Galiléia. Senta-se novamente no banco do barco c
uma voz, tão sua conhecida, chega-lhe aos ouvidos: “Sou eu,
Pedro. Não temas, porque bem sabes que não faço mal a
ninguém ” . Pedro observa de novo. Era Jesus. As primeiras
claridades do sol banhavam-Lhe o corpo esbelto e vestiam-No
de ouro, se fosse o termo, dando a entender o poder de Cristo.
O M estre aproxima-se mais e senta-se com ele no barco. O
apóstolo se tranqüiliza. Logo lembra-se de Judas e aproveita o
tempo que lhe foi dado a conversar com o Senhor:

— Senhor, queria te pedir por Judas Iscariotes. Noto no


seu semblante o que deve se passar pelo seu coração. Peço-Te,
pelo amor de Deus, que tenhas compaixão dele e que o ensines
a viver com os outros, na alegria, e como desfrutar a vida do
modo que o Senhor dos Céus nos permite.

Dos lados do barco, sem Pedro conseguir compreender


o fenômeno, fervilhavam peixes à flor do lago, parecendo
querer ouvir e ver a conversa do discípulo com o Mestre. Pedro
olhava e tornava a olhar, com vontade de espraiar a rede, pois
nunca vira tanto peixe ju nto. N ão obstante, respeitou o
momento e entendeu a causa dos filhos das águas. O filho de
Maria, com meiguice e prontidão, digna-se a responder a Pedro,
nestes termos:

— Simão Pedro Bar-Jonas: Deus te abençoe, meu filho!


O teu coração magnânimo te fez esquecer de ti mesmo para
atender àquele que sofre, mas, na verdade, te digo que já
fizemos por ele o que as nossas mãos puderam alcançar em
seu favor. O companheiro por quem pedes está se enveredando
por cam inhos proféticos a que ele mesmo, por dentro, se
compara. A tempestade, Pedro, não deixa de fazer estragos
nos campos e na lavoura. No entanto, os benefícios são maiores;
as trovoadas e os raios espantam e trazem algum prejuízo, mas

157
£/oão DCu/ies JK aia / ô /ía o fin

limpam a atmosfera, frutificando a vida em todas as direções.


E bom que lembres desse irmão, mas não esqueças de orar
sempre por ele, porque a prece aliviará o seu coração e a sua
inteligência, tisnados em duras provas.

Pedro, no impulso da gratidão e do amor, ajoelha-se no


barco, com os olhos molhados de lágrimas, curva o corpo
másculo para beijar os pés do Mestre, mas não o encontra
mais. Não perde, com isso, o calor da fé. Beija várias vezes o
lu g ar em que E le se a p o iara, sen tin d o a in d a o arom a
costumeiro, que sempre se desprendia do corpo do Nazareno.
E dava graças a Deus por aquela ventura.

A noite, cm Betsaida, chega com seu manto escuro.


Quando Pedro chega ao casarão para a limpeza costumeira,
Judas já havia arrumado tudo. O apóstolo Pedro saúda-o com
benevolência e fala aos seus ouvidos, com alegria:

— Judas, meu irmão, eu pedi ao M estre hoje por ti!

O c o m p a n h e iro e sta m p o u no ro sto um c e rto


contentamento, dizendo:

— Obrigado, Pedro.

Naquela noite, o próprio Judas fez a oração inicial. E


Simão Pedro achou que era chegada a hora oportuna para a
sua pergunta. Levantando-se, formulou sua dúvida:

— Mestre! Queria, se não fosse demais para mim, que


respondesses o que quer dizer o “Ide e Pregai”, a divisão que
farás com os teus discípulos para que eles possam anunciar o
teu Evangelho às criaturas de todo o mundo.

O Cristo, rosto iluminado de contentamento, pondera


com precisão:

158
~7Iua L u i / o H iia a i

— Simão Pedro Bar-Jonas! A galinha tem todo o cuidado


quando os seus pintinhos requerem os maiores zelos para com
eles mas, quando eles crescem, ela mesma se encarrega de fazer
com que eles sejam eles mesmos, para que eles assumam, na
feição de aves, o posto que devem na urdidura do “crescei e
m ultiplicai-vos” . Vós, quando preparados, havereis de ser
divididos, não pelo ódio, mas pelo amor, para que possais ser
o que dev eis e fazerd es o que p ro m e te stes a D eus na
consciência. Para isso, estou aqui a vos preparar como ovelhas
que serão perseguidas por lobos, mas sabendo que só os lobos
caem em armadilhas de lobos. O “Ide e Pregai” que se aproxima
tem variados meios na iluminação das criaturas. Compreende
a disseminação da Boa Nova por toda a parte e a todas as
criaturas. Porém, nunca deveis esquecer o respeito aos homens
no modo pelo qual entendeis a vida. Tenho certeza de que
m u ltip licareis m ilhares e m ilhares de co m p an h eiro s na
propagação dos preceitos ouvidos de mim. Todavia, muitos
deles, invigilantes, usarão a violência, a agressão, impondo
idéias e forçando consciências, o que não é o nosso penhor. O
fanatism o, Pedro, é, por sua estrutura, com p an h eiro da
incom preensão. O fanático o é por não ter en ten d id o a
mensagem na sua profundidade. Não espero que aqueles que
me cercam e que me ouvem tencionem pregar a Boa Nova por
métodos que o amor desaprova. Cada pessoa é um mundo de
D eus, para quem devem os ter atenção e resp eito . N ão
precisamos perder tempo com quem não se interessa, pois
existem quantidades imensas de almas sedentas de consolo e
de paz.

Houve uma pausa, com Jesus olhando para todos os


discípulos, demonstrando gratidão.

— M eus filhos! Se o “Ide e P reg a i” tem variadas


modalidades para que possais escolher, a que mais me agrada

159
sfuão OCunes J<K aia / ô /ta o fw

é a pregação pelo exemplo. A palavra bem orientada é um sopro


de luz na consciência de quem ouve. Mas o exem plo é a
caridade de Deus, que nunca se desfaz. O interesse de mostrar
aos outros os prodígios nas pregações pode despertar muitas
pessoas para o reino da esperança. Não obstante, a vivência
dia a dia dos preceitos divinos, garante a tranqüilidade nos
corações. O entusiasm o que pode se apossar de vós na
comprovação das escrituras, sobre a verdadeira identidade do
Messias que haveria de vir, pode trazer para o nosso rebanho
muitas ovelhas. Porém, a auto-educação em nome de Deus e
deste Cristo, para que ele viva eternamente nas criaturas vale
mais, por ser força de libertação daqueles amarrados pela
ignorância. Desenvolver os dons de curar os enfermos, de dar
vista aos cegos, de fazer andar paralíticos e de expulsar os
demônios das criaturas, é muito nobre, por cicatrizar feridas
das almas sofredoras. Mas desenvolver o dom da bondade, do
perdão, da caridade e do amor, leva muitos a fazer o mesmo, o
que não só cicatriza as chagas do corpo, como também cura a
alma. Eis que, em linhas rápidas, esta aí, meus filhos, o “Ide e
Pregai” , que havereis de ouvir em breve.

Pedro paralisou os pensamentos, por não precisar de


raciocínios diante de tão clara exposição. Depois, reflete:
“Diante de tantos ensinamentos e perante tanta luz, não há que
duvidar, não há como ficar nas trevas” . Sorri da sua própria
análise.

Judas viu naquela exortação barreiras enormes, mas pela


inteligência, certificou-se de que era o melhor caminho para
espalhar o Evangelho do Senhor.

João encheu o coração de alegria, porque já encontrava


no amor a maior certeza da vida. Viver os preceitos do M estre,
para ele, era o maior prazer, mesmo que lutasse com algumas
dificuldades.

160
Jlu tí L )u i / <7c/« o 7 hv y a /

As portas se abriram. Pelo lado de fora, ainda existiam


muitas pessoas à espera do Mestre, que nem sempre podia
atender, mas nessa noite conversou com muitos, dificultado pela
intromissão de Pedro, que procurava ampará-Lo dos curiosos.

161
É bem com preensível que, mesmo sendo
publicano, Mateus não poderia deixar de alimentar em seu
coração a grandeza da honestidade, que o tempo iria provar.
Sc tinha manias de grandeza, isto se explica, em parte, por ser
produto do m eio em que viveu, com o heran ça de seus
a n c e s tra is. O hom em , por v e ze s, é g o v e rn a d o p e la s
contingências do ambiente de que faz parte. Mesmo sem querer,
respira os mesmos sentimentos da maioria, sem prejuízo de
uma certa sintonia natural. Levi era um fruto a que o sol da
vida já emprestara cores que denunciariam sua maturidade, e
o agricultor está sempre atento para colher frutos que anunciam
a libertação da árvore.

O cobrador de impostos ouviu a voz do M estre, que


dissera: “Vinde a mim!”, como agricultor da vida. Levi, fruto
que a colheita aproximara, com um leve toque cai nas mãos do
Mestre, li a gratidão fê-lo oferecer um banquete de sabor
inesquecível, Aquele que dá exemplo do desprendimento às
t oi ,as da Terra. Àquele que corta dc uma só vez a usura, a
p.aníhn ia piot uraudo busi ai as grandezas da vida, cm espírito
e em verdade.

163
tfoão DCunes JK aia / S A a o fw

M ateus assistira a muitas curas de Jesus por simples


palavra, ou delicado toque das mãos e aquilo o levava à
meditação prolongada, desta forma: “Que poder é esse que
não é dado a todos os homens?” Já havia lido em vários livros
as façanhas dos santos, a notícia sobre os místicos e conhecia,
por informações seguras, a vida de Buda. Mas assistir, frente
a frente, esse tipo de coisas, nunca tivera esse privilégio, como
acontecera diante de Cristo e isso remoía no seu íntimo. Como
isso poderia se processar? E rematava: “A vida tem dessas
coisas; às vezes os próprios sábios não com preendem a
sabedoria maior, que é Deus” .

Sabia Mateus que a medicina, em Roma e na Grécia,


estava muito adiantada, mas havia ainda muitas enfermidades
que não eram curadas e os próprios terapeutas morriam com
simples dores de cabeça. E então, como um homem, tido como
p ro feta, era tem ido por todas as d o en ças, in clu siv e as
incuráveis? Bastava uma ordem sua para que elas saíssem dos
corpos torturados pelas suas presenças. Esse homem tinha algo
de divino, que merecia todo o respeito e reverência dos demais.

O “vinde a m im ” bastou-lhe para abandonar tudo e


acompanhar o Mestre. Queria ser um médico, como o Senhor,
um médico de almas.

Levi, percorrendo as encostas de Betsaida, pára em um


casebre, cujo aspecto deixava ver a situação dos moradores.
Chega à porta e nota que no interior alguém chorava. Percebe
correrias, que deixavam bem nítida a presença de doente grave,
tal era o movimento da casa. Pelo impulso da bondade, vai
entrando, vê alguém, pede licença, causando adm iração a
todos. “O cobrador de im postos!” , resm unga o velho na
cabeceira da cama de uma criança semimorta, e os outros
param, olhando cismados.

164
yiim /U m / ( 'ura

Mateus, desconcertado, pede licença mais uma ve/, e o


velho curva a cabeça, acedendo. Levi pergunta:

— Porventura posso fazer alguma coisa por vós? O que


querem de mim? Não fui chamado, mas estou aqui para servi-los.

A desconfiança pairou no ar. Como acreditar em um


homem que, sendo judeu, não tinha pena dos seus irmãos e servia
de ponte do dinheiro dos judeus para Roma? Mesmo assim ele
insiste em saber o que tinha o menino e pensa em recursos para
curá-lo. Lembra-se de Jesus: “Se Ele estivesse aqui !” Mas, como
não era possível, lembra-se do que Ele havia dito no ato de uma
Cura: “Podeis fazer ainda maiores coisas do que eu faço”. E
avança para o catre, põe as mãos sobre o enfermo e ordena que
ele ande, em nome de Deus. Repete umas três vezes e espera,
confiando no Senhor. Nesse instante nota, com um leve abrir de
olhos, que o menino estremece. Aumenta-se-lhe a fé! Eleva a
Deus uma oração fervorosa. Quando termina, vê que a criança
se tranqüiliza, dá um suspiro e silencia. Os familiares provocam
tumulto, as mulheres destampam em choradeiras que pareciam
pertencer aos muros de lamentações. A tristeza paira no ar.
Mateus, assustado e pálido, quis sair. Deu-lhe vontade de correr,
decepcionado com seus poderes. Sentiu-se fraco, abatido,
pensando: “Eu é que deveria ter morrido em troca desse vexame”.
Quando se aproxima da porta, pernas trêmulas, u ’a mão segura
seu braço! O medo aumenta! “O que será? Testemunho não é;
se eu for agredido, pode ser um reparo ao que fiz, já que nada fiz
de bom” . A consciência o tranqüiliza. E ele pensa: “Devo ceder
com humildade”. O ancião, com alguns riscos de lágrimas nas
faces, fala a Mateus, voz entrecortada:

— Meu Senhor! A gradeço-te im ensam ente pelo que


fizeste. Considero a tua presença nesta casa o resultado das
nossas orações que acabamos de fazer a Deus Todo Poderoso.
O senhor curou meu filho desse fardo pesado que ele vinha

165
$oão ‘^Curies 'JKaia / ô /ta ofin

carregando há mais de doze anos. Ele nasceu surdo e mudo, e


depois descobrimos que quase não enxergava, as pernas eram
mirradas e nasceu sem os dedos das mãos. Os intestinos desta
criança! Quando ela faz muita força para chorar, saem para fora
em grande parte, sendo preciso grande habilidade para devolvê-
los ao seu lugar habitual. Não nasceram dentes nesta criatura de
Deus, e sua cabeça, o Senhor pode constatar, na base do crânio
é uma chaga em que nenhum bálsamo faz efeito.

Diante da narração do velho, Mateus não suportou e deixou


seu corpo descer, assentando-se no chão e pedindo água. O velho
atendeu o discípulo e beijou suas mãos, com reverência, dizendo:

— A morte do meu filho, senhor, foi um milagre que não


esperávamos. Ele sempre foi resistente a todos os sofrimentos,
graças a Deus. Graças a Deus, nós descansamos.

M ateus ficou algum tem p o com a q u ela fa m ília ,


despedindo-se atordoado, após o que, desceu para o centro de
Betsaida, pois a hora já o chamava para a reunião na igreja dos
pescadores. O ex-cobrador de impostos se mostrava diferente.

Jesus sorri para João, que formula uma oração, abrindo os


trabalhos da noite. Mateus, sem se fazer esperar pelos demais,
levanta-se meio triste e pergunta ao Mestre:

— Senhor Jesus, por Deus, responde-me, explicando o


valor da Cura, e o que é curar enfermos? Agradeço-te se, por
acaso, for ouvido o meu pedido.

O Nazareno, tranqüilo e confiante, manifesta-se:

— Mateus! O que queres que eu faça para que tenhas


confiança em Deus? A Cura não é somente o restabelecimento
do desequilíbrio orgânico das pessoas. Não é somente devolver
aos paralíticos os movimentos das pernas e braços. Não é

166
yiuo /L tu / C uira

somente, Mateus, fazer ver aos cegos. É também libertar almas


que estão presas no cárcere da carne, talvez por medo de tornar
a voltar para a região de onde vieram. Quando se inicia um
incêndio em uma casa e és chamado a cooperar; o muito que a
tua inteligência atinge é procurar salvar as criaturas que moram
na referida residência. O mais, tudo vira cinza. Vais ficar triste e
desnorteado porque se queimou a casa e a mobília? Deverías
ficar sem condições para a alegria é se tivessem morrido as
pessoas e somente salvado a casa e os utensílios. O corpo,
Mateus, é uma roupa de alma, que em muitos casos já aparece
rota e com vários remendos. Em determinadas circunstâncias,
quanto mais a ciência mexe, piora a situação. Fizeste bem de te
aproximares daquela casa; foram as tuas mãos que desataram as
amarras da alma ali presa. Não deixa de ser um princípio de
Cura, porque ela já partiu com acentuado alívio. Tu sofreste
porque querias que Deus te atendesse da maneira que julgavas
melhor, ou seja, devolvendo o doente em perfeitas condições
aos seus. Esqueceste de pedir que Deus fizesse a vontade d ’Ele
c não a tua, pois nem sempre sabes o que queres.

O Mestre interrompe Seu discurso. Ninguém ouve nada


no salão. Os mais curiosos ficam aflitos para conversar com
Levi acerca do ocorrido. O que teria se passado com o
companheiro? Acalmaram-se, pois mais tarde saberiam. Mateus
começa a se sentir melhor e espera o que o Mestre tem a mais
para dar.

Jesus, sereno, prossegue:

— Na verdadeira acepção da palavra, ninguém Cura


ninguém. Nós podemos servir de alerta para que os enfermos se
curem a si mesmos. No entanto, essa realidade só poderá ficar
em evidência para um futuro muito distante. Por enquanto, é
bom que a ilusão se manifeste, para que os enfermos, pela força

167
$o3o OCunes JK aia / ô /ia o f/n

da própria dor, conheçam a si mesmos e façam uso do que têm


em seus corações, depositado por Deus, que é o Pai de todos,
gerador do amor universal. Quem espera a Cura fora de hora,
ainda desconhece os remédios existentes por dentro que, por
vezes, deixam parecer habilidades exteriores, que podem ser
chamadas de alívio. A verdadeira Cura, o restabelecimento
completo da alma e do corpo, vem da fonte inesgotável do
espírito, que não foi feito enfermo, mas com perfeita saúde. Se
queres ser, e a bem dizer vais ser, um terapeuta volante em nome
da caridade, ao curares os corpos, não te esqueças das almas, de
propiciar a elas meios de autoconhecimento, por ser esse meio
um caminho ou uma semente de luz que cresce na temperatura
do amor, concedido pelo coração. Mas antes, meu filho, de
pretender curar os outros, deves principiar a Cura de ti mesmo,
com esforço próprio, na feição de disciplina e educação de
costumes antigos, que o progresso não aceita mais.

Cristo abençoa a todos e levanta-se em direção às portas,


que já estavam sendo abertas.

Mateus, meio lá meio cá, ainda pensava na velha idéia de


curar, mas curar os corpos. A alegria parecia ser maior, mesmo
que fosse meio transitória. Entregava a Deus e a Jesus o que ele
fizesse. E levanta, partindo para maiores feitos.

168
A Dor

C7o/né

M elquisedeque era um personagem bíblico


envolvido, por assim dizer, em certos mistérios, principalmente
o seu nascimento, do qual não tinha a genealogia. De certo modo,
tais coisas eram comuns no oriente. Ele foi um rei, chamado “da
justiça” e, como tal, alcançou a posição de sacerdote pelos seus
elevados conceitos da vida e pela vida honesta e sábia que levava.
Escreveu muita coisa que poderia colocá-lo em destaque nos
dias presentes. No entanto, o que existia dele na biblioteca da
babilônia foi queimado por mãos inescrupulosas, por acharem
que ele era da linhagem dos bruxos.

Certo de que Melquisedeque era uma interrogação para


os que duvidavam das coisas espirituais, pelas características
dos seus fenômenos e pela sabedoria — que nunca esquecera
a ju stiç a — o a p ó sto lo Tom é e n c a n ta v a -se com e sta
personagem. Surgiam na sua mente alguns laivos de dúvidas
acerca do nascimento do rei, mas com o nascimento de Jesus,
que era filho de Maria, mas não tinha José como pai, Tomé
começou a justificar o aparecimento de Melquisedeque sem
que seus pais fossem citados. Deveria ter surgido por obra e
graça de Deus, pelo homem que era — um grande profeta, um

169
tfoão OCunes JK aia / ô fta o fin

rei justo, um sacerdote que os céus enviaram para a antiga


Jerusalém.

Tomé ascendia nos conhecimentos a cada dia. Porém, a


sua fé nas coisas transcendentais não conseguia a firm eza
necessária, sendo-lhe indispensável o raciocínio. Ele se
esforçava para crer sem examinar, mas algo interior o advertia
de que nascem os com os olhos para v erificar por onde
deveremos passar, apoiando os pés no chão sem perigo. E
raciocinava: “Deus verdadeiramente nos ajuda, mas nos dá
meios para andarmos por nós mesmos, para que não fiquemos
inúteis dentro da criação” .

A razão, de certa maneira, exige provas da fé cega.


Dídimo escutava da boca de muitos profetas que conhecia, de
muitos sábios da antiguidade e inclusive do Mestre Jesus, que
a Dor desperta o homem para a verdadeira felicidade e que,
sem ela, a alma humana não iria passar de um animal ambulante
na inconsciência do tem po. Pesquisava com os recursos
disponíveis, pensava dia e noite no assunto, mas não encontrava
essa filosofia na Dor. Cada vez tinha mais aversão por ela, e
haveria de lutar com todas as suas forças para expulsá-la do
seu mundo íntimo e do seu caminho.

Tomé deduzia: “A Dor é incompatível com a paz, não


pode existir onde reina a felicidade, e nos faz tristes quando
chega. Ela é certamente um agente das trevas, porque no lugar
onde está Jesus ela desaparece. É verdadeiramente uma sombra
que não suporta a luz” . Tomé tinha grande interesse por
Melquisedeque, porque suas histórias eram contadas de boca
em boca no seio dos sacerdotes. Ele era quem curava as pessoas
assomadas de enfermidades, às vezes incuráveis, com simples
palavras. Orientava e encorajava muitas pessoas com uma
feição de alegria muito própria. Contava-se que, certa vez, dois
leprosos entraram no templo embrulhados em longos mantos,

170
~7Iuo £ ju z / û fl D o r

b u rlando a p ro ib ição de in g ressarem num a ig reja. Ao


esbarrarem no sacerdote M elquisedeque, ficaram curados.

A mente de Tomé era um laboratório de análise dos


fenômenos, porém só os aceitava depois de pensar muito sobre
o assunto, submetendo-os todos aos rigores da razão.

Sofria com isso, mas o que fazer? Foi a Cafarnaum e


conversou longamente com Pedro acerca das suas conclusões
e dúvidas. Pedro não as tinha com referência a Jesus, pois
assistira a muitas curas e prodígios do Mestre, sem que ele
falhasse uma só vez. Acalentava arrojada fé naquele que era
realmente o Cristo. Tomé precisaria tomar outros caminhos
diferentes da desconfiança que sempre lhe assaltava o coração.
Tomé se sentia sempre tranqüilo junto a Pedro e João.

Betsaida era a meta de todos ao cair da tarde. As reuniões


sc sucediam como forças que impulsionavam o progresso de
novos e límpidos conceitos sobre as leis de Deus, daquele Deus
único que Moisés pregara e que o próprio M elquisedeque
ensinava nas suas iluminadas prédicas nas antigas sinagogas.
A casa dos pescadores se encontrava arejada, à espera dos
discípulos e do Mestre. Após a chegada de todos, Judas Tadeu
conheceu a vontade do Nazareno e abriu a cerimônia espiritual
com senlida súplica. Tomé não espera ser chamado e levanta-
se, falando com desembaraço:

Querido Mestre! Deve caber a mim hoje a posição de


inquiridor, pois a minha alma anseia pela verdade. O diálogo é
um princípio do saber, quem não conversa não aprende; e
peigtintar e responder, creio, é um processo insubstituível na
ui le de enriquecer a consciência. Peço-Te perdão se, às vezes,
lu ti mioleiiivel, mas preciso me esclarecer hoje, tirando a
«lus nia que lenho sobre a I)or O que a Dor representa para o
Seiihoi nos caminhos humanos?

171
$oão OCunes 'JK aia / ô /ta o fin

O Cristo, envolvido em uma tranqüilidade imperturbável,


inicia Sua alocução:

— Tomé! Creio que a Dor, meu filho, é um anjo em favor


da humanidade, que ainda desconhece seus benefícios. O teimoso
nas hostes do mal, aquele que não respeita os direitos alheios,
que apressadamente julga seus semelhantes, que maltrata a quem
quer que seja, por simples antipatia; o intolerante, que não mede
sua brutalidade, nem as conseqüências que advêm da sua
ignorância; a pessoa para quem o egoísmo tornou-se uma veste
da vaidade, que maltrata e apedreja, querendo prevenir a sua
própria hipocrisia; que tem prazer em escravizar companheiros
por mera invigilância de outrem; que nada cede, esse não há
outro recurso para ele a não ser o sofrimento. Não desejar aos
outros o que não queremos para nós é isso. E ser consciente de
que, se não respeitarmos as leis harmonizadoras da criação,
caímos nos braços desse anjo que vem nos socorrer em nome de
Deus, anjo cujo nome é Dor. A Dor nos previne de males maiores.
Tu tens pensado com aversão nos problemas, nos infortúnios,
na Dor que visita a humanidade como bênçãos aparentemente
escandalosas. Não penses assim, Tomé! A Dor, no estágio
evolutivo em que te encontras, abre uma visão maior a todas as
criaturas, para uma vida melhor. A inteligência te mostrou que
os alimentos levados ao fogo e ao tempero ficam com melhor
sabor, além de ser um meio de ajudar o trabalho da sensibilidade
orgânica. Pois bem, a Dor é esse fogo para os alimentos da alma,
que vêm para nós um tanto grosseiros, revestidos de muitas
indumentárias. E os sofrimentos, os problemas e os infortúnios
aguçarão a nossa sensibilidade de maneira a entendermos com
mais eficiência o chamado da vida maior. E é nesse impacto que
sentimos o sabor e passamos a valorizar a saúde. O esforço
próprio passa a ser um trabalho que nos traz alegria na conquista
dos valores eternos. Os que se revoltam com a Dor desconhecem
seus valores.

172
7Iuo CJui / ~7! òor

Jesus deixa cair uma interrogação na sua fala c os


discípulos se vêem meio confusos. Tomé espera o desenrolar
do raciocínio do Mestre. O Cristo, dinâmico na Sua exposição,
continua:

— Tomé! Todo extremo é constrangedor. Se eu falo aqui


da mensagem que a Dor transmite, não te animo a ir buscá-la.
Acho que ela é divina, por não ser cega, por ter excelente
visão, tem a sabedoria do grande entendimento e é portadora
da matemática celestial. Jamais bate em porta errada. Nós
pedimos somente que entendas essa mensageira quando ela
vier te visitar. Se não a compreendemos, ela ficará por tempo
indeterminado, até a hora em que formos beneficiados. As
coisas se complicam para nós quando a ignorância se faz nossa
companheira.

O Mestre muda um pouco o tom de voz:

— N a verdade, meu filho, será um a m aravilha ter


conosco o dom de curar, que a bondade dos céus nos traz de
vez em quando. Todavia é bom que não ignores o objetivo
maior dos prodígios. Eles vêm abrir os caminhos dos corações
para o alcance da Boa Nova. Pelo que já falamos, os que sofrem
têm maior sensibilidade e são esses que, de pronto, sendo
beneficiados, aceitarão a minha palavra, que é a palavra de
Deus. Estou vos preparando para que todos possais curar
enfermos, levantar caídos, dar vista aos cegos e fazer andar
os paralíticos, mas não vos esqueçais de que eles, mais tarde,
poderão vir a adoecer novamente se não tomarem o verdadeiro
elixir. Haverá simplesmente uma cura externa até que o doente
encontre o Cristo interno, de quem depende toda a felicidade
e toda a cura eterna de todos os males. Para que esse Cristo
aflore nos corações é necessária a vivência de todos os
preceitos ensinados por mim.

173
$oão OCunes JlCaia / S /ia o fin

Jesus faz uma pequena pausa, para arrematar:

— A Boa Nova não percorrerá o mundo, a não ser pelas


vias dos sacrifícios, mas na verdade vos digo que, por sua
natureza divina, ela é uma terapia de amor, que cura todos os
males da alma e do corpo. Ela vos mostra os caminhos da
verdade, que vos libertará. Não deveis duvidar da ação benfeitora
da Dor, desde que não a busquemos por fanatismo. No entanto,
quando a Dor vem para nos despertar do sono da ignorância,
tenhamos paciência e fé, pois ela é transitória e prenuncia, em
todas as circunstâncias, a verdadeira saúde e nos mostra, com a
sua engenhosa maestria, o amor de Deus.

Tome leve abalados seus princípios na compreensão da


Dor, passando a encará-la de outra forma. Sai do casarão com a
mão no ombro de Pedro, com os pensamentos renovados.

174
ü
Inteligência

A ndré era uma espécie de relações públicas


na sociedade que mantinha com Pedro. Conhecia muitas cidades
que margeavam o Jordão e, nos dias de descanso, aproveitava o
tempo para confraternizar com os amigos. Indo a Betânia,
cidadezinha ao sul do Jordão e, perto de Belém, passando por
Jerico, era tentado ao lazer nas praias do Mar Morto. Bastante
social, André foi desembaraçando sua fala, seu modo de ser, sua
gentileza e mesmo o entendimento da própria vida.

Em uma de suas viagens, o irmão de Pedro se aproxima


de uma família em Betânia e passa a gostar da única filha de um
casal que o acolhera com todo o carinho. Essa moça chamava-
sc Bete-San. Bete, que era seu nome mais comum, pele de jambo
tostada ao sol do oriente, foi educada em Jerusalém e sua família
era de procedência grega, pessoas dadas ao convívio com
viajantes e sabedoras dos maiores e mais recentes acontecimentos
dc meio mundo. Essa família gostava da lavoura e da pecuária.
As tamareiras, em suas terras, eram cuidadas com extremo
carinho, assim os olivais e o trigo. Seu trabalho no campo não
era extenuante, pois não precisavam desse afogo do dia-a-dia.
Suas economias eram suficientes para viverem bem. O que seus

175
cfOão DCunes TK aia / S /ía o fin

ancestrais trouxeram da velha capital grega, bem cuidado,


beneficiaria muitas gerações.

André já se sentia seguro pelo coração de Bete. Não falara


nada em casa, para não criar problemas com os familiares. Bete
era meio estrangeira. Para ele, o que importava era a bondade
da moça, seu sorriso fácil, suas maneiras delicadas, sua conversa
bem posta. Dava-se a qualquer trabalho, chegando ao ponto de,
por vezes, receber admoestações dos pais pelo exagero de suas
tarefas.

André com eçou a ir tanto a Betânia que dava para


desconfiar. No entanto, Pedro nada falara. Vivia inteiramente
dedicado ao trabalho e essas coisinhas pouco lhe interessavam.
Certa feita, André parte para Betânia, levando muito peixe seco
da melhor qualidade. Quando entra na cidade, seu coração bate
mais forte. Ouve uma terrível notícia: Bete-San morreu! Alguém
lhe contara ao entrar na aldeia. Quase não suporta o choque.
Seu sangue parecia ferver nos canais das veias. Seu coração batia
desordenadamente e sua cabeça se esquecia de pensar. A única
coisa que lhe garantiu em pé foi a fé. Apelou logo para que
Deus lhe desse confiança e coragem. Partiu calado em direção à
casa dos pais de Bete.

Lástimas das lástimas! Os dois, presos ao leito, bem


cuidados por duas criadas, quando viram André, engasgados,
molharam os rostos de lágrimas, silenciosos. O velho, que já
não ia bem de saúde, naquela noite se despediu do mundo. A
mãe de Bete sofre um ligeiro derrame, que a deixa ficar presa na
cama. André toma todas as providências, inclusive avisando
alguns parentes em Jerusalém, mas parece que ele havia morrido
um pouco para o mundo, com a perda de Bete.

Volta para Cafamaum e nada diz. Todos notam sua tristeza,


procuram saber, mas em vão. O silêncio congela sua alegria.

176
'Tluo LJu t / O nfohyôncia

Passado quase um ano da vida introvertida de André, ele


sai, em uma linda manhã, para pescar com seu irmão no Mar da
Galiléia. Pedro esquece algo em casa e volta. Pela demora, André
rompe as pequenas ondas do mar de águas doces, estendendo as
redes, aqui e ali, apanhando peixes e lembrando-se fortemente
de Bete-San, de Betânia, dos caminhos de Jerico, da praia do
Mar Morto, das suas águas por demais salgadas, da vida, de
Deus e, por fim, dele mesmo. Meditativo, destampa as comportas
da mente em chamas: “Meu Deus, será que eu não tenho o direito
nem o merecimento?” Nisso as redes caem de suas mãos no
barco, porque os braços não mais obedeciam à mente, ocupada
na conversa. A sós, senta-se na rude tábua traseira e baixa a
cabeça, em terrível sofrimento. O pequeno barco ia sendo agitado
pelo vento. Naquela depressão indizível, escuta os sons que o
vento lhe trazia. Abre os olhos lentamente e, por Deus! Pelos
céus e pelos anjos! Ouve estático a voz de Bete-San: “André!
Trago-te a paz e a paz te dou ! Não sou eu que te dou, mas Aquele
a que tudo pertence por amor” . André conhece sua amada, sua
voz, seus gestos, sua candura e o seu amor! Instintivamente seus
joelhos batem no duro casco do barco. Seus olhos derramam
lágrimas, com todo o anseio de vida, lágrimas que desatam toda
a alegria de um ser que o sofrimento desposara. André busca os
pés de Bete e beija-os com afeto, falando baixinho: “Graças a
Deus! Graças a Deus! Bete não morreu! Ela vive!” Quando
levantou, não viu mais o corpo da moça dentro da embarcação.
No entanto, ainda registrou nitidamente suas últimas palavras:
"André! André! Eis que te espero por um pouco de tempo. A
tua oportunidade na Terra vai ser grandiosa. Atende ao chamado
da luz e torna-te uma claridade com ela, porque o mundo de
amanhã agradecerá teu esforço. As sementes lançadas no solo
dos corações, aqui e agora, nunca morrerão, multiplicar-se-ão
na eternidade. Sempre estarei contigo, nas alegrias e nos
sacrifícios”.

177
% oão yC unes J K a ia / 3 /ia o fw

E acentuou, com m eiguice: “ A paz seja c o n tig o ” ,


desaparecendo a seguir.

André, que não dera uma palavra para não perder as que
estava ouvindo, temia perdê-la. Começa a gritar. Pergunta várias
coisas mas o silêncio era a resposta. Só silêncio.

Já noite alta, Pedro e outros pescadores avistam o barco


de André tocado pelas ondas, e ficam temerosos. Cercam a
embarcação e puxam-na para mais perto. Pedro vê seu irmão
desfigurado, em profundo sono, por sobre as redes. Engata o
barco de André ao seu e rema em direção a Cafarnaum.

B etsaida estava em festa, por ser época de m uitas


comemorações. À noite, todos os discípulos se encontram na
igreja dos pescadores. Bartolomeu pede a Deus, com ternura, as
bênçãos para aquela noite. André, que exercitava m uito a
inteligência, ávido por saber coisas que ainda não estavam ao
seu alcance, levanta-se instigado por Pedro, e pergunta a Jesus:

— M estre! Na verdade queria saber até que ponto


poderemos desenvolver a nossa Inteligência, para que possamos
alcançar maior saber. A Inteligência não nos livra da ignorância?

Cristo, na sua mansidão peculiar, responde, paciente:

— André! A Inteligência é um dom, por si só, grandioso.


Ela marca na personalidade um certo respeito que os outros nos
concedem. Ela mostra a altura que já atingimos na ciência, na
filosofia e mesmo na religião. Ela nos favorece ambiente propício
para que possamos viver mais tranqüilos. E, porém, uma lâmina
perigosa que pode ferir dos dois lados, sem assistência do
coração. Não resta dúvida, meu filho, que o saber do homem
desvendou muitos segredos da natureza em seu próprio benefício,
de sorte a tranqüilizar os povos. A razão fornece meios práticos
para a lavoura produzir, na sua exuberância, frutos de melhor

178
7
~Itn> L m / 9n h íia ê n c ia

qualidade, pela seleção de sementes, pela irrigação das águas,


pela silagem. A Inteligência desenvolvida nos traz melhores
sabores nas comidas. Nas vestes, meios mais nobres de nos
cobrirmos. Nas casas, conforto e segurança, higiene no lar e nas
cidades. O ensino avança com mais desembaraço e as pessoas
aprendem com mais facilidade. Mas haveremos de ter cuidado
com a Inteligência. Sem ser acompanhada pela educação, essa
Inteligência, André, pode transformar a paz dos homens em
guerras fratricidas. Pode matar milhares de criaturas, sem
piedade. Pode espalhar o choro e a tristeza, fazer crescer a
orfandade, alastrar o ódio, empreender a vingança e até destruir
tudo. A Inteligência é, por assim dizer, um cavalo disparado que
não atina pelos perigos, o cavaleiro é o progresso e o bridão é a
disciplina, onde as mãos de Deus regulam a corrida e a direção.

O Mestre pára a conversa, passa os olhos de mansinho


por todos os discípulos e espera que o tempo fermente os
assuntos.

André compara os fatos que já conhece e balança a cabeça,


dizendo a Pedro, ao pé do ouvido: “Pedro! Pedro! O Mestre tem
razão, é isso mesmo”. Pedro bate de leve em sua perna, dizendo:
“Vamos escutar mais, André, depois conversaremos”.

O Cristo prossegue com sabedoria:

— A Inteligência, André, nem sempre pode atingir onde


marca a vaidade. Ela tem limites, a verdade se move por força
do Todo P oderoso, e se esconde onde o S en h o r ach ar
conveniente. Basta dizer que não fazemos nada, tudo já esta
feito; não descobrimos nada, tudo já está descoberto; não falamos
nada, tudo já está falado; não crescemos nada, tudo já está
crescido; não somos nada se não fosse a presença de Deus em
nós. Quem tem olhos para ver que veja, e quem tem ouvidos
para ouvir que ouça.

179
tfoão OCunes JlCaia / S /îa o fin

E arremata:

— Cada um de vós é um elo que se interliga comigo,


compondo uma fraternidade maior, para que possamos ajudar
por amor, como a galinha faz quando, pela influência de alguma
Inteligência, quebra os ovos de fora para dentro, para nascimento
do pinto. A Boa Nova é uma força divina, que não é imposição,
mas um convite aos homens para a sua disseminação, porque
ele é a chuva, é o sol, a terra fértil. Ela é a mãe que quebra a
casca dos filhos que têm preguiça de nascer. Se quereis meus
filhos, desenvolver as Inteligências, acho muito bom que não
percais a oportunidade. Sc quereis vos comparar aos sábios —
não sou contrário a essa idéia — se invejais os mestres, sede um
deles. Mas não rejeiteis os mesmos caminhos por que passaram
os verdadeiros sábios e os verdadeiros mestres, porque o saber
sem a educação é qual a água do mar que fosse despejada na
terra sem os lugares mais baixos para se acomodar. A Inteligência
com amor nos dá a visão do paraíso e nos faz começar a viver
nele, mesmo aqui na Terra.

André puxa Pedro pelo braço, querendo conversar fora da


igreja. Quando a porta se abre, Judas, um pouco longe dos dois
discípulos, avista uma mulher de beleza inconcebível abraçar e
beijar a fronte de André. Este lembra-se fortemente da sua Bete,
de Betânia e se alegra mais naquele momento, dizendo ao irmão:

— Pedro, parece que estou vendo coisas que me fazem


muito feliz. Graças a Deus!

180
Bondade

Judas Tadeu, de certo modo, era um homem


viajado. Conhecia muitos lugares. Quando rapazinho, de uns
quatorze para quinze anos, acompanhou seus tios a uma excursão
que se tornou inesquecível para ele. Saíram de Magdala, onde
moravam os tios, foram margeando o Rio Jordão até Jericó. Daí
a Betânia, Jerusalém, Emaús, Lida, chegando ao fim da linha,
que é o porto de Jope, no Grande Mar Mediterrâneo. Tadeu,
pelos anos que tinha, não deveria ter o corpo que possuía. Era
exagerado no tamanho. O porto, para ele, significava um encanto.
Teve a oportunidade de ver embarcações de outros países e
pessoas com diferentes costumes, vendendo e comprando objetos
que ele nunca sonhara existir. Mulheres de outras terras, de
formosura incomparável, vestimentas diferentes e linguagem que
ele ignorava. Os estrangeiros mais freqüentes eram os gregos e
os romanos. Os tios de Tadeu ficaram em uma estalagem muito
sua conhecida, pelo ramo de comércio que exploravam, mas
Tadeu parava pouco na pensão, aproveitando o que Jope oferecia
de estranho, para se divertir.

Em uma certa hora de distração pelas ruas de Jope, depara


com um velho que estava bem posto em roupagem oriental. Pelo

181
tfoão OCunes Jlta ia / ô /ia o í/n

seu aspecto, notava-se sua posição como mago. O ancião olha


para o rapagão e acena a mão, com suavidade. Tadeu, curioso,
aproxima-se do mago e diz:

— Senhor, que queres de mim?

O homem indica uma cabana e pede para segui-lo. O jovem,


meio temeroso e assustado entra em uma nave improvisada. O
ancião desliza uma cortina como porta e acomoda-se em um coxim
de sedas coloridas. O menino assenta-se acanhado, olhando para
o senhor. Pergunta o seu nome. O velho, delicado, responde:

— Meu filho, o meu nome é Basílio. Tenho noventa e oito


anos e nunca me esqueço do amor de Deus para com as criaturas.
Não sei como vais receber-me na posição em que me encontro e,
pelo que vou falar-te, diante da pouca idade, que tens. No entanto,
é meu dever te revelar algo que a vida guarda para o teu coração.

O menino entendeu mais ou menos, pois freqüentava as


sinagogas e ouvia falar muito dos destinos das pessoas e das coisas,
de Deus, dos profetas e dos anjos.

Tudo passou rapidamente pela sua cabeça infantil. O


homem, sereno, descobre em sua frente um volume que brilhava
mais na claridade. Era um cristal muito polido e bonito. Tadeu
nunca tinha visto antes uma beleza daquela. O mago fita seus
olhos lúcidos em Tadeu, e fala com sabedoria:

— Meu filho, te chamei porque, de longe, vi em volta da


tua cabeça uma promessa para o teu futuro, coisa difícil de
explicar por palavras. A minha posição me obrigou a te revelar
algo de bom para o teu coração, mesmo se isso te custar a própria
vida.

Fechando os olhos, pôs as mãos bem devagar por sobre


a pedra, fala algumas palavras estranhas e o m enino vê,

182
'~7!ue L u i / O Bondade

assustado, desenrolar-se a vida de um a p esso a desde o


nascimento, em uma estrebaria, até a morte, pendurado no
madeiro, em um monte. Depois de assistir a todo o drama, o
velho Basílio pondera com tristeza.

— Meu filho, viste tudo? Pois tu és um desses que vai


aco m p a n h a r esse M estre. E le vai te ch am ar p a ra Seu
apostolado. Ele é a luz do mundo que veio nos salvar. Ele é o
Cristo anunciado pelos antigos profetas. Podemos chamá-Lo
de Pai na ausência de Deus, se é que sentimos a Sua ausência
de vez em quando.

O rapaz, movido pelos sentimentos de bondade, chora


quase aos soluços, e o velho Basílio acrescenta:

— Chora, meu filho, chora, para que essa advertência


não saia da tua mente, e quando encontrares esse personagem
divino, acom panha-0 em todos os Seus acertos e sejas portador
da Sua voz, para que os homens entendam esse homem. É o
homem do amor.

Tornou a cobrir a pedra com delicadeza. Serviu um doce


de figo para o menino, pegou sua mão e saiu de novo pela rua,
dizendo:

— Queres ouvir um conselho, Tadeu?

— Sim, senhor, quero. Quero ouvir muito do senhor.

— Então não digas nada do que viste e ouviste de mim,


porque a vida tem segredos dispensados a poucos e que exigem
silêncio aos ouvidos de muitos.

Dá um sorriso e termina:

— Vai, meu filho, vai à procura dos teus, que já devem


se encontrar impacientes com a tua demora. Vai, Tadeu.

183


$oão OCunes JK aia / ô /ia o í/n

Por um impulso do coração Tadeu tomou as mãos do


reverendo ancião e beijou-as com ternura, dizendo ao mago:

— Deus te pague, meu velho.

E saiu correndo para a estalagem onde estavam os tios.


No meio do caminho é que se lembrou de que não havia falado
o seu nome ao velho. “E como ele me chamou pelo nome?”
Mas logo isso passou, porque as crianças se distraem facilmente.
E encontrou-se com os parentes, na porta da casa, já aflitos.

Passam-se os anos... Tadeu nunca se esquecera do velho


Basílio, mas como o que ouvira dele era segredo, somente ele
próprio desfrutava das lembranças da palavra do mago de Jope.
No dia em que encontrou Jesus reconheceu o mesmo personagem
da bola de cristal. Acendeu-se em seu coração a maior certeza
da imortalidade da vida e do desempenho da missão de Cristo
na Terra.

Tadeu pensava muito na Bondade. Achava essa virtude


uma segurança para os sofredores. Nos caminhos da verdade,
ele já havia encontrado muita gente possuidora desse clima de
Deus no coração.

Na igreja dos pescadores, João, irmão de Tiago, filho de


Zebedeu, apruma o corpo e a mente para Deus e ora com
simplicidade e amor. Judas Tadeu, acompanhando a oração do
companheiro, sente, naquela noite, a obrigação de perguntar
alguma coisa ao Senhor. Obedecendo à inspiração, indaga:

— Mestre, pelo pouco que faço não cabe a mim tomar o


teu precioso tempo com perguntas que podem não ser ideais.
Mas ficaria agradecido se pudesses responder-me acerca do que
é a Bondade e qual a sua ação benfeitora na Terra.

O Nazareno, tranqüilo, responde com alegria:

184
~7h>oD ut / jfiondarío

— Judas Tadeu, a Bondade é uma marca de Deus em


nossos corações. O homem bom sempre sabe de onde veio a sua
Bondade e o que fazer para conservá-la. Essa virtude é uma das
cordas do grande instrumento da vida, é uma das cordas do amor.
Se queres irradiar uma melodia perfeita da vida que levas, deves
afinar todas as cordas sonoras da alma, para que os dedos de
Deus toquem em teu favor. A Bondade é, sem dúvida, um
princípio da escrita divina em nós, que nos leva à procura de
outras da mesma linha. Contudo, o senso de equilíbrio nos leva
a disciplinar essa disposição inspirada pela caridade. A Bondade
não pode querer suprir as deficiências que somente o trabalho
pode fazer, ou a dor que desperta, ou a co rrig en d a que
conscientiza as pessoas. Quem chega ao ponto de conciliar a
Bondade com a justiça, faz muitos prodígios na arte de educar
as criaturas e, ao invés, como pensas, de afastar as pessoas, elas
sentirão, mais tarde, a eficiência de mestre daqueles que andam
sempre no fio da balança divina, dando o que devem dar, na
hora certa; tirando o que devem tirar, no momento exato.

Houve silêncio no salão. Muitos dos discípulos andavam


exagerando nos serviços de assistência. A Bondade, em certos
casos, estava virando fanatismo, que logo pode passar a ser
conivência com certo tipo de vida contrária à moralidade e avessa
à lei do trabalho. Jesus volta a dissertar;

— Nós, meus filhos, temos muitas coisas que poderemos


destinar aos outros, sem envernizá-las com m esquinhos
interesses. Todavia, mesmo que o desprendimento acompanhe
as dádivas, a sabedoria e o amor nos asseguram que deveremos
vigiar o que vamos entregar aos nossos semelhantes e a quem
vamos dar. A bondade, no lugar certo, é luz que se acende nas
trevas, mas onde não chegou a hora, pode ser incentivo para a
miséria da alma. Já pensaste em te condoeres dos insetos de
todas as espécies que vivem ao léu, nos campos, e levá-los para

185
f/uão OCunes JlCaia / ô n a o fin

dentro de casa? Dos animais que, por vezes, estão enfermos?


Dos mendigos que encontrais pelas mas e estradas, levá-los para
o vosso convívio, dos doentes, ou dos assassinos ou leprosos,
ou dos inconscientes às leis do país? Pois essa seria uma Bondade
que se tornaria um distúrbio muito grande, de modo a impedir
que alcanceis a vossa paz no lar e na consciência. É muito
grandioso ser bom, mas é muito melhor saber ser bom pelas
linhas da fraternidade e da razão objetiva. Não estou querendo
que esm oreçais na aquisição dessa virtude ilum inada por
excelência, porém que aprendais a dignificar a Deus, pela
inteligência que ele vos deu, amparada pelos sentimentos. É bom
que não passeis para nenhum dos extremos da sabedoria e do
amor, porque nas margens sempre encontrareis desequilíbrios.
No centro das correntezas dos rios, as águas são mais puras.

Após ligeira pausa, Jesus prosseguiu:

— Tadeu, se en co n traste m uita B ondade nos teus


caminhos, e estas facilitaram o teu bom desempenho, sê grato
aos teus benfeitores, não com palavras, pois nem sempre eles
podem ouvir, mas sendo bom na mesma temperatura da Bondade
que recebeste. Fica sabendo que toda virtude desordenada é ninho
de serpentes para o futuro. Por isso é que meu Pai que está nos
céus me enviou a vós, para que fundásseis na Terra um
educandário onde podereis, com a ajuda da Boa Nova que vos
trago da parte d ’Ele, equilibrar as vossas emoções e enobrecer
as vossas idéias. Controlar os pensamentos e iluminar a fala.
Todas as virtudes que ensinamos já são largamente conhecidas
na Terra, pois os profetas e os sábios as espalharam por toda a
parte. Mas a Boa Nova de Deus é o educador comum que
propicia, com mais amplitude, disciplina para todas as virtudes.
Havereis de dar graças a Deus, mesmo que entregueis a vida
como semente de luz para esplender nos corações, pelo sangue
que derramastes, o interesse maior, de viver, mas de viver bem.

186
71
~ uv L u i / LiondacJe

Quero e espero que todos vivais pela Bondade. Não obstante,


que essa Bondade não ultrapasse as divisas do seu município,
evitando perturbar a capital do coração e o com ando da
inteligência.

Notava-se um leve perfume no salão, aroma já familiar a


todos os presentes. Todos dão graças a Deus pela manifestação
de luz naquele ambiente de paz. Judas Tadeu procura sair,
lembrando os seus exercícios de Bondade, para ver se algum
deles não tomou rumo diferente.

187
Oração

Sim ão Pedro Bar-Jonas novamente em nossas


mãos. Vamos buscá-lo no tempo e no espaço que esconde esse
personagem maravilhoso, que nos deu tanto incentivo, através de
sua vida, para o aprimoramento espiritual que nos leva à fé e ao
amor.

Pedro, quando era mais moço, via contar, pelos seus


ancestrais, a vida de Jacó e sua família, a história de José e de
seus irmãos, que o venderam por inveja aos comerciantes que se
destinavam ao Egito. Pedro tinha imensa vontade de conhecer a
terra onde aquele varão de Deus morara e, principalmente, o poço
que construíra, que tomou o seu nome. E como não podiam sair
os dois, André ficara dirigindo a pesca. Parte Simão com mais
dois companheiros que gostavam de viagens, principalmente com
o pescador da Galiléia.

Em uma madrugada chuvosa, sai a caravana de Betsaida a


Cafarnaum, daí a Magdala, Nazaré, Naim, Samaria, Siquém e
por fim chega a Sicar, onde existia o Poço de Jacó. Poderíam
Pedro e seus companheiros fazer essa viagem pelas águas do
Jordão. Contudo, já estavam cansados de águas, preferiam espichar

189
3
&o o DCunes JK aia / S A a o f/n

as pernas em uma boa marcha, como peregrinos do dia e da noite.


Essas andanças se processavam muito no oriente, encontravam-
se caravanas e mais caravanas de pessoas, no que hoje se chama
de turismo. O Poço de Jacó ficava em um cruzamento de águas
ou de veios de águas, a mais de trinta metros de profundidade,
com as paredes rochosas conservando o líquido precioso, como
bênção de Deus. Era de utilidade comum para os samaritanos. Os
judeus eram pessoas estrangeiras que a ignorância separava.
Porém, podiam transitar nos arredores, sem se misturarem com
os filhos da terra. Pedro era sabedor dessa separação racial. Ao
ver o poço feito pelo personagem bíblico, sentiu uma emoção
diferente. Não via naquele trabalho um rude feito das mãos
humanas, mas uma glória onde mãos espirituais abençoavam
aquelas águas. Teve oportunidade de beber do líquido e nele
saborear coisas diferentes das águas comuns. Aquilo o pôs a pensar.

Tinha vontade de conversar com os samaritanos, mas era


difícil. Os samaritanos fugiam dos judeus. Passeando uma noite
com seus companheiros nos arredores de Sicar, avista uma
choupana, onde se vendiam muitas coisas. E Pedro pensa: “Onde
se vende, qualquer um compra, vamos lá falar aos companheiros”.
E parte para a cabana, onde a cortesia estava presente no velho
grego que ali residia há muitos anos. Confraternizaram-se em
poucos minutos e passaram ao principal. Pedro estava ansioso
por saber todas as informações sobre o Poço de Jacó. O velho
grego já tinha ouvido muita gente do lugar falar sobre o poço, e
Pedro não estava errado. Muitas pessoas de caráter afirmavam ter
visto, nas bordas do poço, um anjo abençoando as águas. Eis a
razão por que vinha gente de todo o lugar buscar e beber dessa
água, afirmava o comerciante. Pedro nota nas encostas da parede
alguns molhos de plantas e aponta, com interesse, ao comerciante:

— Essa planta é de venda nesta região? E para que serve?


Como se chama?

190
yiuo D u t / O ra ÿ â i

— Parece que conheço — responde o velho grego.

— Deve conhecer, pois ela é cultivada em toda a Palestina,


chama-se peganon1. Parece que os fariseus pagavam o dízimo
com ela, serve de tempero para as comidas e é um remédio de
muita virtude para a vista cansada, aliviando ainda os homens
agitados, pois o cansaço do trabalho e das idéias se reflete no
corpo.

— Dizem por aqui que o seu cheiro afasta os males


espirituais.

Pedro se interessou muito quando o grego lhe falou que


ela servia para vista cansada, o que ele não sabia. Pedro sofria
desse mal de cansaço visual. O velho acrescenta:

— Meu filho, machuca essas folhas, juntamente com água


do Poço de Jacó, e lava os olhos, que ficarás curado.

Pedro pega um molho das mãos do grego e, pela manhã, à


beira do poço do antigo patriarca, faz o preparado, pingando-o
nos olhos e bebendo um pouco. Repetiu esse tratamento muitos
dias, enquanto ali permaneceu. Uma noite foi aplicar o ungüento
pela última vez na vista e sentiu ligeira sonolência. Como se
fosse um sonho, viu aparecer diante dele um ancião, todo de
branco, com um cajado na mão, a lhe falar serenamente:

— Meu filho a tua fé te curou. Eu sou Jacó e muito te


quero. Deus te abençoe. À beira deste poço mantemos um
trabalho de vigilância constante, em nome de Deus, e essa água,
quando é acrescentada à fé, faz maravilhas e constitui remédio
para todos os males.

'Peganon e arruda são a mesma coisa. É planta muito cultivada no Brasil.

191
ófoão OC/nes 'JlCaia / ó /ia o íin

Pedro acorda do lig eiro sono, falan d o aos seus


companheiros:

— Quem estava aqui, conversando conosco?

— Ninguém, Pedro, ninguém — responderam sorrindo.


Você dormiu um pouco nestas lajes; deve ter sido o cansaço ou o
remédio que você passou nos olhos.

Pedro, passando as mãos nos olhos, compreendeu que


deveria ficar calado e, daquele dia em diante, o cansaço sumiu de
sua vista. Quando abre e fecha os olhos, experimentando a visão,
ainda ouve, bem longe ou dentro da cabeça, a voz mansa do
patriarca bíblico: “Quando lembrares deste poço e de mim, Pedro,
pede a Deus Todo Poderoso para manter essa misericórdia, em
benefício de todas as criaturas sofredoras”.

Simão Pedro volta a Betsaida com seus companheiros, que


nada pescaram, nas águas espirituais, sobre o que se passou com
ele. Era um segredo que ficou somente com ele.

Na hora costumeira, na igreja dos pescadores, lá estavam


todos os companheiros do Mestre. Tiago Menor lembra-se e faz a
oração da noite. Simão Pedro Bar-Jonas, instigado pelo olhar de
Jesus, levanta-se e propõe, com desembaraço:

— Mestre! Estou ansioso por saber qual o valor real da


Oração. Muitos sacerdotes, inclusive alguns sábios, quase todas
as mulheres e Tu mesmo, têm na oração um princípio e por
princípio a súplica a Deus. Será mesmo indispensável para o nosso
dia a dia?

O Cristo, revestido de energia mesclada com paciência,


instrui, com segurança:

— Pedro, a Oração devia anteceder a todos os encontros


dos homens, em qualquer sentido de conversação, pois ela é

192
0
O tu /B u t / O ração

uma força reguladora das nossas emoções. A prece é uma


manifestação de gratidão ao nosso Pai Celestial; é como se
estivéssemos pedindo sua orientação para os nossos feitos.
Quando feita com humildade, estabelecemos, em torno de nós,
um ambiente parecido com o dos anjos, e estes, por simpatia,
nos visitam, incentivando mais as qualidades que Deus guardou
nos nossos corações. “Pedi e obtereis”, esta é a lei do Senhor.
No entanto, é necessário saber pedir, para que o pedido abra
caminhos compatíveis com a dádiva que mora no reino do amor.
Quem não gosta de orar, certam ente não acordou para as
realidades do espírito. Se manifesta algum interesse pelas coisas
espirituais, é só aparentemente. No fundo do coração é como
aquele poço que o sedento furou, mas não encontrou água para
beber. É o homem seco de sentimentos, capaz de fazer escândalos
em nome da religião e dos bons princípios. É bom que vejamos
este exemplo: a criança quando chora — é uma forma de Oração
que faz a sua mãe que, como anjo tutelar, aparece imediatamente,
já sabendo da necessidade do filho. Pois assim é o nosso Pai
Celestial; ele sabe bem mais do que nós de que precisamos.
Mas espera por nós, porque quem pede desenvolve em si certa
humildade, tonificando as almas pelo carinho e abrindo diálogo
entre as criaturas.

O Mestre pára sua conversação, deixa o tempo preparar o


entendimento e prossegue, instruindo:

— Pedro! Tocaste em um assunto dos mais lindos que a


vida nos apresenta: os segredos da Oração. Essa força que nos
impulsiona a todos é instinto, inspiração e intuição em todos os
reinos da natureza. É que Deus já nos fez assim, com certa
predisposição para conversarmos com Ele através dos meios de
que dispomos, de conformidade com o grau que atingimos na
escala da vida. Quem não ora e desconhece a ação benfeitora da
prece, mesmo o Senhor estando nele, por meios que ele próprio

193
$oão OCunes 'JlCaia / ô /ja o fin

desconhece, sente-se distanciado de Deus pela ignorância. Toda


alma que reconhece os altos benefícios da vida espiritual e
trabalha para o auto-aperfeiçoamento não despreza a Oração.
Tem nela uma arma que previne e que ajuda no combate a todos
os tipos de imperfeições materiais e espirituais. Negar a sua
claridade é negar a própria existência do Criador. A prece é o
prefácio da vida. Quando uma alma esquece a Oração, ela, por
si mesma, é atrofiada. Na verdade, eu vos digo para não
esquecerdes de orar em todos os trabalhos que Deus vos confiou
nos caminhos da Terra. No entanto, deveis fugir dos exageros,
do fanatismo, das lamentações sem sentido, principalmente os
que já conhecem e entendem a Boa Nova do Reino. Quando
orardes, não o façais em público, pois esse ato é muito sagrado
para que o jogueis aos que passam. Não façais como orienta a
hipocrisia, o farisaísmo. Ser dado à Oração para satisfazer
amizades e mostrar à sociedade que se reverencia a Deus é típico
de hipócritas. Orar, acima de tudo, é trabalhar no coração para
que todos os sentimentos de ódio desapareçam, deixando de
existir a vingança; é perdoar as ofensas, é doar sem que a
recom pensa circule em nossa mente como troca. E am ar
constantemente.

O silêncio era com pleto diante da pausa do M estre.


Reconfortado pela atenção de todos, Jesus prosseguiu:

— O Evangelho, da primeira à última letra, é uma Oração.


E aquele que começar a vivê-lo está orando nos moldes que a
vida espera. A prece, Pedro, tem várias modalidades e a que
mais agrada ao Criador é a que tem a forma do Bem. Quando
estamos orando, emitimos luz de vida, que traz de volta a luz de
Deus. E, nesse ambiente de permuta divina, sentimo-nos felizes;
a felicidade de quem ora, que poderá se transformar em cura de
enfermos, em alegria para os tristes, em paz para os atribulados
e poderá ajudar muito na aquisição da sabedoria. Quando oramos

194
1
w
7
~Ioa L ia i / O ração

por um determinado objetivo, enriquecemos a área em que


desejamos servir. Orar é muito grande para a alma e saber orar é
muito maior.

Pedro lembra-se fortemente do patriarca Jacó, quando este


lhe pediu que orasse em intenção do poço famoso. Comparando
com o que Jesus acabava de dizer, descobre a realidade da
Oração.

195
Dois ou Mais

J o ã o E v a n g e lista foi aquele que ficou


realmente à direita de Jesus, no reino do seu amor, pois foi o
últim o a se d e sp e d ir da T erra, dando os m ais d ifíce is
testemunhos diante dos poderes de César e da incompreensão
humana. Findou seus dias em Efeso, com quase um século de
existência e oitenta anos de vivência cristã. Entregou sua vida
para a vida de Cristo, compreendendo que se Deus e Jesus
eram um, ele e Cristo eram dois, que poderiam também ser
um.

João e Tiago nasceram em um lar de fé. Sua mãe, Salomé,


era uma senhora que dignificava uma família, pela estrutura
e sp iritu a l que p o ssu ía. A com panho u Jesu s em m u itas
pregações e foi uma das que assistiu à sua despedida no
calvário juntam ente com M aria e João, o discípulo do amor,
como havia sido apelidado aquele que, de fato, possuía, nas
entranhas do seu ser, amor por tudo.

João não tinha conflitos íntimos. Seus problemas eram


só exteriores. Os que vinham ao seu encontro por dentro,
im e d ia ta m e n te eram san a d o s, p o r não e n c o n tra re m

197
dfoQo DCt/nes JK aia / ô n a o íin

ressonâncias em seu modo de ser. Por vezes se admirava de


reconhecer o quanto alguns dos seus com panheiros eram
amarrados, na intimidade, por simples fatores que, para ele,
não tinham m aior im portância. M as o tem po o ensinou a
respeitar os direitos alheios, na seqüência que a vida propõe a
todos, nas múltiplas diferenciações.

O irmão de Tiago gostava muito de Jerusalém. Passava


horas e horas, desde menino, dentro dos templos, sondando
as belezas e sentindo algo que somente os místicos podem
compreender. Em certos casos, os olhos deixam escapar muitas
verdades espirituais. No entanto, a sensibilidade da alma
parece ser olhos que enxergam além dos olhos físicos, com
uma precisão absoluta. João sentia o ambiente dos anjos nas
sinagogas e parecia que conversava com a atm osfera do
ambiente religioso.

Certa vez, o sacerdote Azia-Car, vendo o menino dentro


do templo em hora imprópria, advertiu-o que saísse nestes
termos: “Meu filho, aqui é uma casa de Deus. É bom que não
fiques muito tempo dentro dela, para que não venhas a te
esquecer do teu dever para com teus pais” .

João, com um porte encantador, fala tranqüila, ainda


irradiando inocência nos gestos e no modo de ser, replica,
com candura:

— Doutor, se esta é a casa de Deus, como pode fazer


mal às pessoas? Eu sei que este ambiente tem de ser respeitado
por todos nós, e isso faço com toda a alegria. Quanto às minhas
obrigações, elas não são atrapalhadas, porque não sou daqui.
Estamos eu e minha mãe visitando o Santuário e agradecendo
a Deus pelo que recebemos da parte da Sua misericórdia.

Parou um pouquinho e terminou, sorrindo:

198
Cftue /B u t / -ûo/.s ou TlCat's

— Isso é errado, meu Senhor?

— Não, não... Claro que não, pode ficar. Eu pensei que...

E foi saindo o sacerdote, que se identificava como doutor


da lei pelos anéis dos dedos.

João cresceu em tamanho e ascendeu, igualmente, em


virtudes evangélicas. Encontramos o moço elegante e alegre
na principal rua de Betsaida. Passava debaixo das árvores que
o convidavam, com suas sombras, a uma paradinha. E quando
ali já havia alguma criança, não deixava de atender: conversava
animadamente com os meninos. Contava histórias e ensinava-
lhes, de modo a também distraí-los, a moral da Boa Nova,
dando a conhecer às crianças sobre a presença de Jesus na
Terra, como o Príncipe da Paz. Na bolsa de couro, sempre
trazia alguma coisa que entretinha os futuros homens da nação.

João vê um hom em p a ssa n d o a p re ss a d a m e n te e


reconhece nele Judas Iscariotes. Chama-o com gentileza:

— Judas! Judas! Quais os ventos que te levam tão


depressa, e o que buscas?

Ju d as p á ra , v ira -s e p ara trá s e re c o n h e c e o seu


companheiro de apostolado. Estava com o cenho cerrado ao
encontrar o filho de Zebedeu. Dá um sorriso meio fechado,
mas tem s a tisfa ç ã o em e n c o n tra r o irm ão em C risto .
Conversam baixinho e saem os dois em direção à casa dos
pescadores. Judas, às vezes, passava horas sem dialogar com
ninguém , vivendo intim am ente. Isso era m uito m al. A
com unicação, em m uitos casos, é uma verdadeira terapia
espiritual, que nos faz esquecer de m uita coisa que nos
atormenta. Eis porque a amizade é uma bênção de Deus, que
o amor nos faz sustentar.

199
ÿoao OCunes 'JKaia / ô /îa o fin

Ju d as ia a p re ss a d o p a ra não d ar a n in g u é m a
oportunidade de cham á-lo. João, porém, não deixava por
menos. Gostava de conversar, principalmente com aqueles a
quem a fala poderia servir de alegria. Mas no fundo, Judas
gostava muito de seu companheiro e de sua presença.

Passados momentos, os dois discípulos do Divino Mestre


se encontram dentro da igreja dos pescadores. Jesus toma
assento na famosa cepa que servira de apoio ao porte mais
esbelto do mundo, ao espírito mais iluminado da Terra, ao
Cristo de Deus. E o Mestre passa os olhos em todos e pára em
Judas. Este entende sua linguagem pelo olhar e, pondo-se de
pé, começa a orar. Daí a instantes, o Nazareno mostra o reflexo
dos seus lindos dentes para João, como se falasse baixinho:
“Meu filho, fala, pergunta. Agrada-me que entendas que deves
falar por amor.”

E o apóstolo expõe, com clareza:

— Meu Senhor Jesus Cristo! Há tem pos que queria


perguntar-te sobre esse assunto que a curiosidade me faz
lembrar. Anunciaste, certa vez, que onde houvesse duas ou
mais pessoas em teu nome, estarias no meio delas. Para nós,
da tua família do coração, o que significa isso? Como poderias
estar no meio dos que se reunissem em teu nome, se os
discípulos se dividissem e saíssem a pregar por muitos lugares?
E aumentando os que te acompanham, o que farias?

O Messias, tranqüilo, aciona o verbo, com facilidade:

— João! Quando as coisas que eu falo não fazem sentido


ao pé da letra, é necessário que busques o espírito, para que
possas entender. Tu bem sabes que vim da parte de Deus e
que legiões de anjos estão a me servir, no que tange à Boa
Nova da vida que trago às criaturas, por amor de Deus. Não

2 0 0
~7tu v L m / 'D ois nu M a n

falo de mim, mas d ’Aquele que me enviou. Eu e Ele somos


verdadeiramente um. Onde eu estiver, Ele estará comigo. É
bom que saibas que a vontade do Nosso Pai Celestial é uma
ordem, em todos os reinos celestiais. Eis que falo que quando
se reunirem em meu nome duas ou três pessoas, porque aí se
trava um diálogo compensador, eu estarei no meio delas por
meio das luzes celestiais, dando-lhes apoio, inspirando-as e
motivando-as para o amor de Deus e de uns para com os outros.
Ainda mais, qualquer dos anjos que servem comigo à grande
causa de Deus, pode tomar a minha presença e se apresentar
como se fosse eu, porque nós somos iguais pelos sentimentos
de amor que nos unem. Certamente podemos estar em lugares
onde as pessoas não se reúnem em nosso nome e é provável
que nos achem os em am b ien tes até c o n trá rio s às leis
anunciadas pela Boa Nova do reino de Deus. Entretanto, estar
no m eio daqueles que falam a nossa m esm a linguagem
espiritual, que deixam pulsar os corações pelo bem -estar
alheio, que se alegram em matar a fome, que têm prazer em
visitar e consolar os presos, que vestem os nus, que procuram
entender os problemas das viúvas, ajudando-as, sem que o
interesse distorça as boas intenções. Estar no meio dos irmãos
que procuram doar as instruções espirituais e do mundo,
visando som ente o prazer de servir por amor, com esses
estamos neles e eles em nós, para que possamos juntos gozar
as delícias da vida, nas delícias de Deus.

Uma estrela cai do céu da boca do M estre como silêncio.


João entende as paradas do amigo incom parável. Procura
repassar ou reviver o que Ele tinha dito e vê como o prazer é
extraordinário nessa recordação, a mente ganha poderes que
desconhecemos, os seus recursos são inumeráveis. Há que dar
tempo para a fermentação da massa espiritual, para que o pão
do céu venha à nossa mesa do coração e da inteligência.

201
(ÿooo DCunes TK aia / S /ia o i'n

Jesus prossegue, com amabilidade:

— João, não leves tudo para os extremos, porque ouviste


de mim o que foi dito. Em se tratando do meu maior interesse
na referência da mensagem de Deus, de que a Boa Nova é
portadora, eu sou eu mesmo e estou no meio dos que se reúnem
em meu nome, porque é o mesmo nome do Pai que está nos
céus. Deixo este corpo à hora que aprouver ao Senhor e o tomo,
quando quiser e a conveniência propuser. Não há barreiras para
quem está de posse da verdade e não existe dificuldade para
quem se faz uno com o Todo Poderoso. Posso aparecer em
m ilhares de lugares, dividir-m e ao infinito, sem perder a
consciência de onde me apresento e lembrar-me de tudo o que
o dever me exige. Vós todos podeis fazer o que eu faço,
dependendo de alcançar a minha morada e pagar o preço que
eu cedi pela força do despertar espiritual. Não penseis que vos
darei qualidades que somente o Senhor pode dar. O que faço é
despertar o que já existe na alma de cada criatura. Eu sou
alguém de fora, mas posso ser algo de dentro, com mais
realidade, no sentido de que vos liberteis para sempre e que a
eternidade possa fazer-vos mais felizes, juntam ente comigo.
À ciência do amanhã podereis dar testemunho das coisas que
eu vos falo mas nunca podereis fazer na perfeição em que
podemos viver. O meu prazer de levar a fé aos vossos corações
é muito grande, para que possais crer sem vacilar, de que não
vos abandonarei, nem vos deixarei órfãos nas perseguições e
nos sacrifícios que requerem todas as subidas. A Boa Nova,
meus filhos, é muito cara para os corações. Custa alto preço a
sua disseminação no mundo, por encontrar resistência de todos
os lados em que a ignorância se faz presente. Mas eis a melhor
maneira de ser propagada: quem combate anuncia mais alto.
Aquele que perseverar até o fim será salvo das impurezas da
Terra. E eis que, daqui a pouco, podereis pregar as novas que
eu estou anunciando por toda parte. E starei co n v o sco

2 0 2
~71ua /Bu z / D o n ou T lfa ts

cternamente. Quando eu for para meu Pai, pedirei a Elc e Elc


enviará para vós outros consoladores, que ficarão com todos
no alinho da eternidade, como sendo eu em vós e vós em mim,
e eu em Deus.

A João parecia que se tinha acendido uma lâmpada no


seu coração. Os demais discípulos festejavam Cristo pelo verbo
bem posto naquela noite e todos davam graças ao Senhor dos
céus e da terra.

203
Dar o Que Tem

D ídim o, o famoso apóstolo Tomé, que não


acreditou na aparição de Jesus — e para aceitá-la teve que
tocar o dedo na abertura que um cravo teria feito na pele de
Jesus — foi um dos grandes batalhadores da Boa N ova,
selando com testemunhos difíceis a sua fé nas lições imortais
de Jesus Cristo.

Muitos escritores ou pessoas que se dispõem a falar sobre


esse apóstolo deixam-se impressionar somente pelo fato de
que ele duvidou do Cristo, quando Este lhe apareceu em
espírito. No entanto, esquecem-se de seus grandes feitos e da
fidelidade que o fez guardião dos preceitos evangélicos,
servindo à causa em detrim ento da sua pró p ria pessoa,
lisquecera de si, em favor da coletividade.

Tomé se encontrava em Caná da Galiléia, predisposto à


m editação com profunda sinceridade. Era sua disposição
buscar, pela razão, a essência espiritual dos elevados princípios
formulados pelo Mestre dos mestres. Em uma tarde em que o
poente esquecera de mostrar sua beleza, em virtude das turvas
nuvens que vagueavam pacientemente nos céus de Caná, o

205

É
cfoão OCunes JK aia / cSfia o íin

discípulo de Jesus também vagueava pelas ruas simples dessa


cidade, deixando que o destino o tocasse, deixando livre seu
coração em eterna confabulação com os sentimentos. Sentia
Tomé que, quando nós prem editam os um passeio ou uma
viagem, desviamos as sensibilidades, e a inspiração divina
pode comandar-nos. Pois foi o que ocorreu. Tomé se entregou
às forças que acreditara invisíveis e inteligentes, capazes de
guiar os homens para a verdadeira compreensão das coisas e
dos fatos, da vida c de Deus. Dídimo faz como a onda do mar
que o vento carrega para onde quer que seja, e ela rasteja na
superfície, de lambadas a lambadas, cantando, por vezes, a
canção que o m ovim ento p ropicia, em lo u v o r ao Todo
Poderoso.

Ele poderia ser também uma onda humana, ao vicejar


das idéias que sua m ente fértil tirav a do in co n ceb ív el,
manifestando o poder de Deus e a Sua existência nas simples
formas do existir. Tomé, como que isolado do mundo e das
coisas materiais, encontra-se como se fosse guiado por mãos
humanas, às portas de um casebre que a fumaça coruscava
por acanhada chaminé, como que fazendo letras enigmáticas,
o que para o futuro místico era um chamado. Chega à porta e
saúda a família, de sorte a sentirem que ele pretendia conversar.
A intuição lhe segredou que era ali, sugerindo-lhe a idéia de
que deveria dar o que estivesse ao seu alcance, e algo, por
dentro, lhe falava: “Tomé! Dá tudo o que possuis, que
alcançarás algo m ais... sem que penses naquilo que vais
receber em troca, para que não desfigures o teu amor” . Os
sofredores sem pre abrem os braços para todos os que se
propõem consolá-los.

Era uma família triste que perdera uma filha que lhes
dava grande prazer pela estim a aos pais e irm ãos, e pela
conduta sábia. O corpo estava exposto em uma pequena sala

206


^09 /L u i / f) a r o yu a 'Jem

ao lado. O apóstolo é recebido como gente da família c fica à


vontade. É cientificado do caso e começa a dar ânimo aos
familiares, falando assim:

— Por que chorais tanto, reclamando de um fato comum,


desde que o mundo é mundo? Por Deus, meus irmãos, não
queirais impedir a vontade de Deus por esse processo que as
leis se dispuseram a fazer. Eu quero vos falar com toda a força
de minha alma, que quando morremos aqui no corpo físico,
nascemos em corpo espiritual, e a vida continua com mais
amplitude, pelo amor de Deus e d ’Aquele que Ele enviou para
nos guiar a todos: Jesus Cristo.

As quatro pessoas que lamentavam a morte da moça


calaram-se e escutaram com interesse a palavra do apóstolo.
Aquele assunto fazia efeito extraordinário no coração daqueles
que tinham na simplicidade o primeiro toque da vida. E Dídimo
continuou:

— Sereis abençoados por Deus se aceitardes a Sua


vontade. Não deveis fazer escândalos pelo simples fato de
uma pessoa da vossa família obedecer ao chamado do Senhor.
Creio que deve estar nos céus, como os anjos.

Tomé se cala e sente que alguém beija as suas mãos.


Estava de olhos cerrados ao pronunciar as últimas frases. Toda
a família reverenciou a sua presença como sendo a visita de
um anjo. Tomé entrou na sala onde o corpo da m oça se
encontrava, pôs as mãos na cabeça da morta e pediu ao Senhor
lodo Poderoso para que aquela alma pudesse abrir os olhos
no Reino da Glória com a alegria de ter vivido na Terra, por
misericórdia de Deus. Quando o discípulo terminou a oração,
ouviu nitidamente uma voz suave falar dentro da sua cabeça,
nestes termos:

207

i
(foão OCunes JK aia / ô /ta o ftn

— Meu Senhor! Deus te abençoe no labor de confortar


as criaturas. Eu te agradeço em nome d ’Aquele de quem és
discípulo e que se acha no mundo por amor do Senhor Todo
Poderoso, pelo que fizeste por essa gente que me acolheu por
trinta anos e a quem muito devo.

Fez uma pequena pausa e prosseguiu:

— Estou, graças ao Pai Celestial, já livre deste fardo que


vai ser logo entregue à terra, mas não estou livre e nem quero
ficar, do amor por esses que acabo de deixar pela presença
física. Peço-te que, quando puderes, se não for muito o que
peço, passes por aqui, orientando esta família acerca da doutrina
que já começaste a pregar por intermédio d ’Aquele enviado
dos céus. Obrigada.

E parecendo que tinha se esquecido, volta a falar:

— O meu nome é M aria Celeste. Adeus!...

Tomé abre os olhos, quase sorrindo com o fenômeno, e


pergunta ao velho pai da moça que acabara de morrer como
ela se cham ava. O ancião, já tranquilo, responde para a
admiração de Tomé:

— O nome dela, senhor, é M aria Celeste.

O discípulo foi dormir pensativo e custou a conciliar o


sono, contrariado consigo mesmo por não ter pedido ao espírito
que falara dentro da sua cabeça para se tornar visível, a fim de
que ele, Tomé, desse aprovação do fato e sentisse a realidade
da existência do espírito depois do fenôm eno da m orte.
Esquecera... que pena!

Tomé se encontra em B etsaida, co n ten te com o de


costume. O apóstolo tinha, de vez em quando aquele arroubo
de alegria que a procedência denunciava. Era o do coração. E

208
~7!o0 £ u2 / './)(

quando entrava nesse estado, procurava por todos os meios a


sua conservação e também meditar e conversar com os outros
sobre esse fenômeno, a fim de compreendê-lo.

À noite, todos estavam na igreja de Betsaida. Tadeu sente


alguém lhe falando para orar e acede com sim plicidade.
Finalizada a súplica, esvoaçavam ao ar, aos olhos espirituais,
minúsculas estrelas, cujo brilho encantador dava a entender
sua origem. Essas claridades se dividiam em grupos na mesma
quantidade dos discípulos e cada constelação m icro-estelar
era absorvida pelo coração de cada discípulo. Tomé se levanta
conscientemente e pergunta, com serenidade, a Jesus:

— M estre ! P o rv e n tu ra p o d es nos e x p lic a r,


principalmente a mim, o que podemos entender sobre esse
assunto — Dar o Que Tem — de modo a nos justificarm os
com ju stiç a perante os deveres que tem os para conosco
mesmos e para com a nossa família? Que queres dizer com
isso, quando nos pedes para darmos o que temos?

Jesus, compreendendo em profundidade as intenções do


discípulo, lê na sua m ente os fenôm enos m ais recentes
ocorridos com ele, analisa os fatos e responde, com segurança
c carinho:

— Tomé! O usurário não é somente aquele que junta o


ouro, os bens terrenos e que quer se sentir seguro dos poderes
públicos, mas, muito mais, quem já começou a ser rico com
Deus, na Sua ciência espiritual e na dinâmica do Seu amor. A
sabedoria é qual um rio que se expressa por grande volume
de águas e que necessita dessa água para ser útil à coletividade.
Haverá de percorrer centenas ou milhares de quilôm etros,
contornando todos os tipos de obstáculos, ajudando sem cessar
e encontrando nisso maior motivo de vida, até se integrar de
onde procedeu, pois a alm a tem as m esm as funções. A

209
f/o ão DCunes 'JK a ia / S fia o lin

inteligência é muito mais expressiva, muito maior do que todos


os rios da terra e pode fazer benefícios maiores. Ela é uma
fonte inesgotável e, quando educada nas hostes do amor, ela é
D eus m ais p re sen te , c o n so la n d o e in stru in d o os m ais
n e c e s sita d o s de ta is b ê n çã o s do C riad o r. E bom que
compreendas, meu filho, que “Dar o Que Tem” , no trabalho
que vamos operar entre os seres humanos, está sujeito às
perseguições, aos ataques, às calunias. Serve de instrumento
sem nem de leve apresentar exigências, que aparecem nas idéias
disfarçadas, de modo que até os escolhidos são enganados por
suas vestes. Fa/.e o bem pelo prazer de fazê-lo. Se ainda não
podes executar essa linha do amor, faze o que podes fazer,
mas nunca tc esquecendo de pensar e fazer por onde a tua
conduta se encaminhe para a perfeição.

O silêncio se fez, por instantes. Cristo perpassa os olhos


como um sol que aquece a todos e prossegue, com interesse:

— Tom é! Já p e n sa s te se a lg u m a c o isa p u d e sse


interromper o Rio Jordão, no Mar da Galiléia, impedindo-o de
chegar até o seu destino, que é o Mar M orto? As águas, ao
invés de beneficiarem muitas aldeias pelo trajeto, onde residem
e trabalham milhares de famílias, com sua ausência, tornariam
a lavoura impraticável, acabariam os animais, as pastagens,
enfim, toda a vida da comunidade. Represar egoisticamente o
que se tem para dar é morrer. Pois é isso que acontece com a
alma que tem para dar e se faz esquecida pelo amor próprio,
pela ganância de viver sozinha. Fizeste muito bem quando
entraste naquela casa onde a maior preocupação era a dor, o
sofrimento. Procuraste dar consolo que muito agradou. Foi um
gesto tocado pelo coração. No entanto, desvalorizaste muito a
tua dádiva, ao ficares contrariado pela não aparição do anjo
que deixava aquele ninho familiar. Esqueceste de que já estavas
recebendo testemunho que ultrapassa os limites do existir. A

2 1 0
u flu i ù jtn / Z )ar o Vue r7em

tua dúvida é como fogo que queima as tuas próprias vestes,


embriaga a tua mente, de tal forma que não agradeces à cama
onde dormiste, nem dás graças a Deus pela água que bebeste
todos os dias. Tomé! Volta àqueles que ficaram sofrendo pela
a u sê n c ia do fa m ilia r que p a rtiu e re p a ra, com to d o o
desprendimento, o que fizeste no silêncio e o que te pede o
dever. Já tiveste, meu filho, muitos testemunhos e havereis de
ter mais ainda, mas provavelmente a tua exigência vai continuar
na seqüência do tempo, porque a dúvida, no ser humano, é
uma espécie de enfermidade da alma, que somente os milênios
têm o poder de curar. Não basta ver para crer, é preciso, acima
de tudo, conhecer a verdade sentindo-a e amando-a. É muito
lindo contem plar a vida no além, desde que a espontaneidade
seja a força dessa presença. É sempre justo que peçamos ao
Senhor que faça a vontade d ’Ele e não a nossa, ou que
esperemos por Ele, que sabe mais do que todos nós juntos, o
que devemos suportar e que caminhos devemos percorrer.

O Mestre muda o tom de voz, dando seqüência à conversa


com habitual carinho:

— Tomé! Quanta coisa bela falaste àquela família! Foste


inspirado pelo anjo familiar. A tua presença naquela casa não
foi obra do acaso, como queiras talvez pensar. Alguém te levou,
foi a própria morta que, livre do fardo físico, encontrou em ti
melhores condições para servir aos que ficaram. Não sejas qual
o agricultor descuidado que lança a semente no solo e esquece
de cuidá-la, deixando que os pássaros, percebendo a falta de
vigilância, desenterrem e comam a semente. Quando puderes,
junta-te aos que sofrem e lança a semente da imortalidade, do
perdão, da caridade e do amor, da crença em Deus e na
imortalidade. Porém, não deixes de cuidar dessas sementes de
luz, para que cada criatura que ajudares se torne uma estrela
nos céus de Deus. E o mais importante é que cuides dessas

211

m
$oão OCunes JK.aia / S /ta o /in

sementes de luz em ti mesmo, para que não venhas a duvidar


daquilo que falas com os outros e nem desacreditar, pelo
exemplo, do que dispões a ensinar por palavras. Dar o que
tens para dar, Tomé, não tira o teu dever para contigo e para
com os teus. Amplia mais ainda esse teu trabalho. Escuta bem
essa verdade: bem-aventurado aquele que tem para dar com
abundância. Se a inteligência e o coração são rios espirituais
que encontram na sua frente o imenso campo humano para
servir, faze com que as tuas luzes clareiem as trevas, pois a
paz maior será a tua. Quem trabalha por amor carrega consigo
a paz da consciência, e quem tem paz de consciência, tem paz
na consciência universal. E não te esqueças, Tomé, de alimentar
no teu coração a fé, pois ela é a alavanca capaz de remover o
mundo das imperfeições, ainda mais quando é acompanhada
pelas obras que testemunham a sabedoria, de mãos dadas com
o amor. Eu estou aqui, meus filhos, para vos ajudar. Estou na
Terra para dar o que tenho para dar, de mim e da parte do Nosso
Pai Celestial. É muito bom que aprendais a receber. Sei que as
vossas intenções são nobres, mas não bastam só boas intenções
no campo de aprendizado em que estais. As condições em que
vos encontrais requerem algo mais, e esse algo mais é executar
o que pensais e o que falais aos outros daquilo que ouvistes de
mim, daquilo que aprendestes no código universal revelado
pela misericórdia de Deus, a Boa Nova. Dar o Que Tem para
dar, não se refere somente às coisas, aos bens terrenos. Estes
podem ser portas que se abrem para que venham os outros. O
desprendimento em relação ao ouro pode ser prenuncio da
dádiva do coração. Uma palavra na hora certa, nascida do
coração, pode valer muito mais que toneladas de ouro. Um
silêncio no m om ento exato vale m uito m ais que vestes
caríssimas, e uma solidariedade, quando o espírito se encontra
em duros testemunhos, tem mais valor que todos os postos na
hierarquia política de uma nação. Na dimensão em que falamos,

2 1 2
CTIoti /2 u z / V )ar o y u e 'Jem

Tomé, todos vós sois ricos. A fortuna que ora acumulastes na


consciência é daquela que quanto mais dá, mais tem para
distribuir, ela se multiplica com o ato generoso da caridade.
Que Deus abençoe a todos!

Jesus levanta-se do cepo de cedro em que estava sentado,


enfileirando os discípulos em sua companhia. Contudo, Tomé
esquecera-se do tempo e não percebeu a hora de ir embora.
Quando alguém, lá fora, nota a sua falta, volta e segreda
baixinho em seus ouvidos, dizendo:

— Tomé! Tomé! o Mestre já se foi...

Esse alguém era Judas Iscariotes.

213
Esperar

O apóstolo Mateus, como já dissemos era


publicano. Seus trabalhos variavam de cidade a cidade e a
experiência levou-o a conhecer junto aos romanos, até mesmo
portos famosos, como Jope, Cesaréia, Tiro e outros da mesma
linha de movimentação. No entanto, a sua atuação deveria se
restringir à Galiléia, por motivos especiais de Roma. Serviu com
mais intensidade no M ar da G aliléia, largueza de águas
abençoadas, filhas do Jordão, centro de águas que foi o maior
motivo da existência de nove cidades que as circundavam, com
mais de duzentas mil pessoas.

Mateus era um cobrador de impostos da parte dos romanos,


dos mais famosos em todo o Mar da Galiléia. Por vezes exigente
com pessoas que se descuidavam e davam a entender a idéia de
sonegação, às vezes manso e até bondoso com aqueles que
cooperavam com a lei de César. Vamos chamá-lo aqui Mateus
ou Le vi, tanto quanto nos aprouver, pois é o mesmo apóstolo do
vSenhor.

Levi acalentava sonhos de grandeza, mas sem pre de


posse dos seus poderes no mesmo sonho. Ajudava aos que se

2 1 5
t/oão DCunes JK aia / ô fia o fin

encontravam em dificuldades, vestia os nus e dava de comer


aos famintos. No fundo do coração, era um homem bom. As
circunstâncias da vida que queria levar é que o colocaram naquela
posição, como também o domínio da Águia, que se alastrara na
Ásia, com suas asas quase cobrindo o mundo inteiro.

Mateus, quando em serviço no Mar da Galiléia, dá de


encontro com um homem que muito o impressionara. Antes que
abrisse seus fardos de mercadoria, ele se dispôs a mostrar, com
intensa alegria, que o dever o formara. Seu nome era Haruano,
portador de uma conversa que fazia faiscar luzes de sabedoria.
Depois de agradecer ao cobrador de impostos pela chance de
cooperar com o Império Romano, bateu de leve em seu ombro e
disse, com certa suavidade:

— Judeu-romano, queres saber, pelos deuses que nos


escutam, que tens no coração e na inteligência muito mais para
dar do que tirar, como fazes. No entanto, as tuas medidas estão
para derramar e a tua consciência haverá de sufocar, com o
pastoso suor dos que sofrem o jugo arbitrário dos fariseus
estrangeiros, impondo-te a alimentar guerras e rumores de
guerras, escândalos e rumores de escândalos, luxúrias e rumores
de luxúrias. Sou um andante por profissão e é por dever espiritual
que falo com alegria. Haveremos de tornar a nos encontrar, por
força da lei que nos une. Adeus...

Fixou o olhar bem fundamente nos olhos de Mateus e, se


esse for o termo, escreveu alguma coisa na mente do cobrador
de impostos, que cada vez mais enchia a barriga da Loba, que
na história precisava de muito ouro para alimentar os seus dois
filhos adotivos: Rômulo e Remo.

Levi nunca mais se esqueceu daquele personagem que


passara por ele na alfândega do Mar da Galiléia: Haruano. Quando
escutava e obedecia o “vinde a mim” de Jesus, lembrava-se

216
~7Iua £ jtn / õ s p e ra r

lortemente dele e, ao passo em que ia entendendo a mensagem


do Senhor, foi nele despertada cada vez mais a vontade de
encontrar aquele homem que o impressionara tanto. Mas onde
encontrá-lo, como procurá-lo, se não dera endereço? Pedia
informações, mas tudo em vão. Lembrou-se de que ele dissera
ser andarilho e comerciante, o que tornava difícil a sua procura,
a não ser por milagre.

Um dia feliz para Mateus foi quando saiu em um barco


às margens do Lago de Genesaré, sozinho, carregando algo de
comer em um cesto e na bolsa de couro uma preciosidade: as
escrituras sagradas. Não estava pescando peixes, estava
pescando as belezas imortais do espírito. Estava buscando um
suprimento maior, o saber, o motivo de viver a vida, a paz da
consciência. Estava buscando Deus, estava querendo integrar
seu eu com a suprema sabedoria universal, pelo que ouvira de
Jesus.

Não sentiu passar o tempo. Já as estrelas brilhavam, o


infinito parecia faiscar nas profundezas do além. Fez-se algum
barulho diferente nas águas, era outro barco. Levi corta a
meditação e sente um pequeno espanto com a presença de
alguém, e quem era esse alguém? Com a suavidade peculiar
aos artistas da sabedoria, chega um barco colando-se ao de
Mateus, era o mestre Haruano, que o cumprimenta:

— A paz seja c o n tig o , M ateu s, a quem p ro m eti


novamente ver. Sê feliz, não te assustes, eu sou de paz...

Mateus teve ímpetos de rir, de chorar... As suas mais nobres


em o çõ es su fo cav am o que ele p o d e ria e x p re ss a r de
contentamento. Mas Haruano compreendeu as dificuldades do
amigo e lhe propôs, pela presença serena, que ele ficasse à
vontade. E assim ficou Mateus, o discípulo de Jesus avança com
humildade, pega as mãos de Haruano e fala, com delicadeza:

217
£/oão OCunes JlCaia / õ /ta o f/n
/

— Senhor, como podes aparecer por aqui? De onde vens


e a que ramo de filosofia pertences? Como sabes que eu estava
aqui? E onde estavas? O que falaste comigo há tempos passados,
aconteceu. Eu morri e nasci de novo, troquei o modo de ser e
estou feliz. Em vez de tirar dos outros para dar a quem já tinha
muito, estou tentando dar aos que carecem aquilo que, por vezes,
tenho.

Hamano, sorrindo com discrição, tira as mãos das de Mateus,


para que ele não as beijasse e, usando da palavra fácil, dentro da
sua peculiaridade, pediu que o ex-cobrador de impostos se sentasse
e expôs com habilidade:

— Mateus, pertencemos, pelo amor de Deus, a uma seita


denominada de Essênios, muito pouco divulgada, por não se
interessar pela quantidade de homens, optando pela qualidade dos
mesmos. Não porque tenhamos orgulho, ou porque o egoísmo
nos leve a isso. Somos poucos, mas trilhamos caminhos dos mais
nobres, na conduta, e a verdade, para nós é condição diária. O
dever é coisa sagrada. As criaturas são todas nossas irmãs. Temos
um ideal: o de servir sem que sejamos servidos. Somos homens
que entregamos a vida para que a paz e o amor sejam disseminados
no mundo dos corações. Sabemos que a evolução das criaturas é
demorada, mas que elas haverão de conquistar essa meta, pois
nos dispusemos a ajudá-las, somente por amor. Agora quero te
dizer que estás sendo discípulo de um Mestre que também é nosso
Mestre. Ele nos vê quando é necessário e sabe nos procurar. Essa
comunidade a que pertenço, há muitos séculos vem abrindo
caminhos para a descida desse Cristo, há muito prometido pelos
céus, e eis que estamos desfrutando da Sua presença divina na
Terra. Quero afirmar para o teu coração que já te conheço bem
antes que me conheceste. Já te vi antes que me viste. Falo de
coisas que ainda não podes entender, mas o tempo servirá de
profeta, revelando, no futuro, o que te falo no presente.

218
j Quq /3uz / Cxsporar

Quando Mateus pensou em fazer mais perguntas, Haruano


notou, lendo os seus pensamentos, e disse:

— Não faças perguntas. Ainda não é hora. Sê feliz e


considera-te como tal, por seres discípulo do Mestre dos mestres,
e recebe o meu adeus sem nenhuma manifestação de gratidão
por mim, pois te trago o que ouvi de outros. Deus te abençoe...

E desapareceu, nas brumas do tempo...

Mateus volta para casa meditativo e conversando pouco,


de modo a que outros notassem seu silêncio. Betsaida estava
sendo varrida por tem pestades, desafiando a coragem dos
transeuntes, mas os companheiros do Cristo deixavam com que
o dever espiritual ultrapassasse todos os receios e, na hora certa,
estavam postados como sempre em seus lugares para ouvir o
Mestre.

Natanael, ao sentir o gesto do Senhor, abre a reunião com


uma sentida súplica. Mateus levanta-se, talvez como cobrador,
porque queria cobrar de Jesus uma explicação: o que significava,
no seu estado atual, Esperar? E fala com desembaraço:

— Senhor, queria que aceitasses esta oportunidade de


instruir-me acerca da palavra que muito ouço nas minhas
caminhadas, principalmente espirituais. O que significa Esperar?

Jesus, virando um pouco o corpo, para ficar frente a frente


com o discípulo, contem pla-o com graça e responde, com
benevolência:

— Mateus! A palavra é fácil de pronunciar: Esperar.


Todavia, traz consigo conceitos altamente significativos. Quem
sabe Esperar, Mateus, cria condições para melhor servir e ser
servido. Quando lanças ervilhas ao fogo, o tempo te pede para
Esperar, para que possas comer com mais facilidade. Quando

219
^o ão DCurtes JK a ia / S /ía o fin

elas se encontram cozidas, é indispensável esperar para que não


queimem a tua boca nem disturbe o teu estômago. Quando
conversas com uma pessoa, se não esperas a fala do teu
semelhante, não podes compreender o que ele te tenta transmitir.
Quando plantas uma semente, o teu dever, diante do tempo, é
Esperar a natureza, para que ela tenha o tempo conveniente para
dar crescimento à planta. Quando convidas alguém para uma
viagem ou trabalho, é conveniente que esperes a resposta, sem
violentar os direitos de escolha do convidado. Na verdade, digo-
vos que esperei muito mais para vos fazer meus discípulos. E
agora, com as bênçãos de Deus e do tempo, estais aqui todos
reunidos, para que possamos Esperar mais a hora de pregar a
Boa Nova a toda a parte e a todas as criaturas. Tudo o que vos
ensino da parte de Deus são sem entes de luz nas vossas
consciências e eu estou esperando mais, que elas se frutifiquem
e comecem a crescer, para que possais testemunhar, com a vida,
pela vida imortal. Esperar é nota harmoniosa na vida de todos e
saber Esperar é melodia divina que se faz ouvir em todos os
corações sábios.

E Jesus, falando sobre o tema “Esperar”, espera um pouco,


para que as consciências registrem com mais eficiência o que os
discípulos ouviram.

Levi lembra-se muito de Haruano, da sua paciência e do


que ele falou, pedindo para não perguntar, porque não era hora.
Não era hora, com certeza, de Mateus saber. Não iria entender
certas coisas que somente o futuro poderia revelar. “Isso mesmo...
Isso mesmo...”, pensava Levi e sentia que era a verdade.

O M estre dos m estres retom a a palavra e fala, com


sabedoria:

— Mateus! Existe também o exagero da espera, que se


transforma, por sua vez, em preguiça. O preguiçoso pertence à

220
~7Jua L>tn / Caporar

escola muito falada, do desculpismo. Procura assuntos, senão


argumentos, que lhe dão o direito de Esperar de modo a desculpar
a própria inércia. Eis que aí está o perigo de passarmos dos limites
que o bom senso nos traça com sabedoria. O sol, todos os dias,
se esconde para que caia a noite, mas volta quase nas mesmas
horas, sem que deixe passar muitos dias. Precisamos aprender
essa disciplina da natureza, pois ela tem uma consciência perfeita
do dever e da harmonia. Vejamos os mundos que circulam o
infinito, sem que se perca um til na esquematização divina. O
nosso Pai que está no céu, esperou muito no preparo dos vossos
corações. No entanto, no momento exato, enviou Seu filho mais
velho para vos orientar acerca da vida e de como podeis viver
melhor. Saber com grandeza é Esperar com dignidade. Não vos
cientificastes de que a terra está cheia de anjos enviados pela
bondade divina para preparar caminhos para a minha chegada?
Se não fossem os preparadores de terrenos, como podería lançar
as sementes com tanta segurança? A Boa Nova é a semente, vós
os semeadores, eu o Jardineiro e Deus o dono da vinha; a
Humanidade é o terreno que espera das nossas mãos a disposição
de trabalhar em favor dela. Eis que vos digo: esperai mais um
pouco e lançai mãos ao arado, pois servir de instrumento de
paz, por amor, é o melhor lazer na terra e na vida. Vamos,
trabalhemos juntos em nome de Deus!

Pedro, que era muito afoito nas suas decisões, começa a


pensar nos ensinamentos do Mestre sobre Esperar. E Mateus,
acostumado a não esperar na cobrança dos impostos, quando
publicano, também pensa na grande arte benfeitora: Esperar.

221
É bom que falemos um pouco das cidades
históricas neste livro, principalmente no campo que abordamos,
sobre as coisas do espírito. Falar em Tiberíades é recordar tempos
que nos fazem muito bem. É lembrar Moisés, os profetas e,
principalmente, Jesus Cristo. É nome de uma cidade famosa
por muitos aspectos, que já descreveremos.

Tiberíades se encaixa às margens do Mar da Galiléia, a


quase um quilômetro das suas praias. Foi construída por Herodes
Tetrarca, consagrada com esse nome em honra de Tibério César,
na época imperador romano. Foi palco de muitos acontecimentos
notáveis, tendo sido, em certa época, a capital da Judéia. Foi
uma das cidades mais expressivas da Palestina. Para lá mudou-
se o Sinédrio e foi ali que o Velho Testamento foi adaptado para
melhor e maior entendimento do povo. Era, por assim dizer,
uma cidade sagrada.

Visitaram Tiberíades grandes personagens da política


romana e grega, e profetas, incluindo o Cristo. Ali se abriram,
mais tarde, escolas somente comparáveis às dos grandes centros
mundiais, como Roma, Grécia e Egito. Era uma Mênfis moderna.

223
ï/oâo DCu/ies 'JK aia / ô fu io fin

Os cidadãos de Tiberíades passaram a chamar o Mar da Galiléia


de M ar de Tiberíades, pelo seu valor e sua força no concerto dos
grandes centros comerciais. Riscavam o Mar da Galiléia, desde
a manhã até altas horas da noite, luxuosas galeras romanas e
gregas, em missões especiais ou em trabalhos comerciais que o
ambiente requeria.

Porém, deixemos a fama, o fulgor de Tiberíades, para falar


dela na sua mais pura simplicidade da prim eira metade do
primeiro século do Cristianismo. Aqui certamente não haveria
espaço para que relatássemos tudo com eficiência. Para isso seria
preciso escrever um livro somente dedicado a Tiberíades.
Todavia, o nosso objetivo é outro. E buscar os efeitos fornecidos
pelo sol espiritual que passou por ali, na presença dos seus
discípulos. E aqui vamos lembrar do apóstolo Judas Tadeu.

Judas se e n co n trav a nos arred o res de T ib eríad es,


meditando sobre seu dever, querendo conciliar os trabalhos
materiais com os espirituais, mas não podia se inclinar para um
lado nem para o outro. O que fazer? Como buscar entendimento
para tal situação? Começava a fraquejar, precisava de Otimismo,
e como encontrar essa força? Pensando? Já o tinha feito antes,
sem nada conseguir. E agora? Sente-se abatido. Deslizavam em
sua mente muitos amigos cujas feições demonstravam alegria
em todos os momentos, cheios de vida, cheios de otimismo. E
ele, Tadeu? O que fazer, meu Deus? Mas uma esperança raiou
na sua cabeça. Procurar Jesus, pois Ele era o Mestre dos mestres,
o Filho de Deus, o Profeta dos profetas, haveria de mostrar-lhe
o caminho de alcançar o Otimismo, a coragem para enfrentar
todos os caminhos difíceis. E andando, depara com um velho
casarão escondido pelos braços recuados de antigos arvoredos
no Sítio de Tálium, velho morador e famoso mago negro daquela
região. A porteira já o esperava uma senhora de traços grosseiros,
saudando Tadeu. Esta convida-o para entrar com amabilidade

224
7
~lo e tS u z / O tim ism o

Iorçada pela sua posição. Tadeu, espantado, pensa firmemente


cm Deus. Medita um pouco o que poderia ser aquilo, mas entra,
acompanhando a esquelética mulher. Quando entrou em um
gi ande salão subterrâneo, reconheceu a cilada. Poderia, com suas
próprias forças físicas desbaratar aquelas mulheres que ali se
encontravam, embebidas em certos rituais a que o fanatismo e a
ignorância as amarravam mas, por já conhecer a verdade com
lesus, cedeu um pouco e disse, meio ofuscado com o ambiente:

— Que quereis de mim?

Nada responderam. Alguém sai do círculo, vestida de


preto, rosto encoberto, e levam-no para o centro do espetáculo
trevoso. Depois dá uns gritos sibilinos, que ecoam por toda a
casa e Tadeu vê, com os próprios olhos da carne, uma forma
estranha às suas sensibilidades aparecer ao seu lado, com palavras
que não merecem ser repetidas nesta mensagem, querendo tirar
o discípulo do Mestre do rebanho de luz, prometendo a ele o
céu e o mar, as coisas mais atrativas, o mundo, a fortuna, a
posição, a sabedoria e a coragem. Tadeu sentiu as mais estranhas
sensações que nunca pudera imaginar. Pensou, mesmo sem
disposição, em Cristo. Tentou orar, mas não conseguiu. Tadeu
era um médium de efeitos físicos e para que os trabalhos naquele
antro de perversidade se processassem, o discípulo de Jesus era
a chave com que as trevas poderíam abrir muitas portas. No
entanto, o agente das sombras tinha que afastar Tadeu das hostes
de Jesus. Usou argumento, ofereceu tudo. Demonstrou seus
poderes diante do discípulo, que se sentiu abismado, mas não
vencido. Ofereceu a Tadeu o que ele estava querendo: Otimismo
e coragem para tudo em um passe de mágica, mas que ele fizesse
um pacto de ser um dos seus comandados. Tadeu sentiu na hora
um impulso diferente da consciência e falou com segurança:

— Nunca! Nunca serei um dos teus agentes para espalhar


o mal. Fica com os teus, pois eu já sou de Cristo e Ele habita em

225
cfoão DCunes JK aia / S Á a o f/n

mim. Estou fazendo força para achá-Lo com mais eficiência.


Estás perdendo tempo.

E balbucia uma oração com todo o fervor, naquele quinhão


das trevas, impulsionado pela força do bem e do amor. Desfaz-
se a figura anim alesca e um cheiro esquisito em briaga os
presentes, que estremecem nas suas posições. Tadeu levanta-se
sem despedir-se, trêmulo, mas sai para fora com o pensamento
fixo em Cristo e em Deus.

Custou a achar a saída para Tiberíades. Todos os caminhos


o traziam novamente ao mesmo local, até que conseguiu, dando
graças a Deus.

Judas Tadeu, desconcertado, mas feliz, aparece em


B ctsa id a , d eix an d o tra n s p a re c e r in d ife re n ç a p a ra os
com panheiros em Cristo. Contudo, aparece na igreja dos
pescadores. Essa noite, João é convidado para abrir a assembléia
e eleva aos céus uma oração que o amor se encarregou de
impulsionar.

Judas Tadeu, pelo seu estado depressivo, somente vê uma


saída para a sua paz: pedir diretamente a Jesus seu conceito de
Otimismo. Pergunta, com certo constrangimento:

— Mestre, perdoa-me a intromissão, pois preciso como


nunca da sua fala a respeito do Otimismo. Em dados momentos,
sinto-me como folha seca ao vendaval, como um rio que perdeu
o contato com sua fonte. Enfim, Senhor, quero mesmo é Te ouvir.
Fala-me o que queres que eu ouça.

O Mestre, ponderado e altivo, considera a situação do


discípulo e aborda o assunto, com amabilidade:

— Judas Tadeu! Que Deus te abençoe, meu filho. É justo


o que queres saber e, por certo, conquistar. O Otimismo é,

226
y iu a /3 u i / O /im /sm o

i ei lamente, uma feição divina que pode se apoderar das criaturas


> Ia/,cr parte delas nas suas caminhadas para a eternidade. O
Otimismo e a coragem são quase idênticos. As diferenças
parecem não existir, pelo que apresentam de semelhante. Não
obstante, para nós que ideamos a perfeição e trabalhamos com
estc objetivo, nos interessa muito onde o otimismo deve ser
separado da coragem e até que ponto deveremos ceder a essas
forças que a alma desperta e arregimenta em seu interior, em
busca da felicidade. Em primeiro lugar, deves saber que toda a
perfeição exige esforços compatíveis com suas qualidades. Não
podes pensar, jamais, que essas conquistas das almas são doadas
por alguém a não ser por Aquele que nos criou, que já nos fez
com todas as perfeições em estado latente, deixando a nós o
trabalho de conquistar o aperfeiçoam ento, esforçando-nos
pacientemente em todas as direções, para que esse bem eterno
acorde em nós o tesouro depositado pelo Senhor no cofre divino
das nossas consciências. Toda facilidade é filha da ilusão, parece
brilhar aos olhos dos que adotam a preguiça, porém é breve qual
lu maça que se desfaz ao sabor dos ventos. Comparemos com a
natureza e sintamos essa verdade nos animar para o trabalho,
devagar, mas sempre. Se queres ser um mestre, em primeiro
lugar tens de te fazer aluno, não contrariar o tempo e despender
todos os esforços que estiverem ao teu alcance. E mesmo assim
não parar de estudar no mundo e no livro da natureza, para que
cada vez mais possas oferecer o melhor aos que te seguem.

Parou, por instantes. Aproveitando o descanso da fala do


Senhor alguns dos discípulos conversam baixinho uns com os
outros, sobre os intrincados assuntos que o Cristo abordava, onde
o Mestre criava imagens usando a própria natureza para ser
melhor entendido.

Notando ansiedade nos discípulos, Jesus apresenta novas


riquezas sobre o assunto em pauta:

227
tfoõo OCunes 'JlCaia / õ /ia o f/n

— Judas! O Otimismo se apresenta como um perigo aos


desprevenidos de certo senso. E digno que o atinjas até onde ele
possa ser útil na escala das qualidades. O exagero faz dele uma
entrada para a inconsciência e pode entorpecer a razão,
despenhando em vales que o arrependimento marcará muito
tempo para ser feito o reparo de um impulso que a disciplina
não atingiu. Aí é que o Otimismo passa a ser coragem. Ele é
meio cego e, por vezes, mesmo em caminhos tortuosos, se
alimenta e está disposto a seguir mesmo nos corredores da
sombra. O Otimismo é a coragem educada, e a coragem é o
Otimismo em preparo. E necessário, Tadeu, que usemos a
inteligência, aquela que a Boa Nova igualmente disciplinou para
que possamos vigiar o nosso Otimismo no seu grandioso trabalho
no decorrer das nossas labutas. O dia-a-dia pede de nós essa
disposição, para que sintamos a vitória. Contudo, um juiz dentro
de nós julga sem piedade os nossos erros, aplicando as sentenças
correspondentes com as faltas cometidas. Mas o tribunal da
consciência só sentencia depois dos fatos. A vigilância é montada
pela razão, que se enriquece pela inteligência, aliada aos
sentimentos. Eis que é aí que entra a nossa tarefa, o nosso
trabalho, o trabalho da Boa Nova: despertar o homem, fazer
nascer o homem novo dentro do homem velho. E dizer para ele
que viva, que ande, que fale, que se abrace com Deus nos seus
próprios caminhos internos, para que a felicidade possa atingir
outras áreas da vida, ainda desconhecidas.

Todos tinham os olhos fixos no Nazareno. Após alguns


segundos de pausa, continuou o discurso:

— Judas, meu filho, o que aconteceu contigo naquela noite


de trevas não representa uma fração do que ocorre todos os dias
em m uitos pontos do m undo. O m al, meu filho, já está
organizado. Falta-nos organizar o bem e confiar nele, como sendo
o ambiente da verdadeira paz. Foste um pouco enganado para

228
~7lo» CJtn / O tim ism o

sentires o que podes passar apartado de mim. Eles não são


verdadeiramente maus, são ignorantes. De tanto mexer com fogo,
acabam queimando as suas próprias possibilidades de amor desde
servir c de amar. O mal que pretendem fazer servirá para despertá-
los, mais tarde, para o bem, que nunca morre e que os espera, a
todos. A escola do Otimismo é essa a que já pertences, pelo
coração, e que, g radativam ente, haverás de co n q u istar,
dependendo da tua disposição de servir, de trabalhar e mesmo
de sofrer por ela. De novo te falo como sendo um Pai para todos
os que me cercam com amor. Não queiras nada com facilidades,
pois estas pertencem aos tardos de inteligência e esquecidos de
sentimentos superiores.

Sua fala abrandou-se e a mansidão tomou conta de Sua


leição divina, quando finalizou com estas palavras:

— M eus filhos! Que Deus nos abençoe nesta obra


universal do amor.

Olha com humildade para Judas e remata:

— Judas ! Eu sou otimista por excelência, creio na eficácia


da missão que empreendemos, mas nunca deixes o Otimismo
tomar as vestes da violência, nem a rota da imprudência e, muito
menos, feches os olhos nos momentos difíceis, deixando surgir
a coragem cega que não mede conseqüências.

Terminou a reunião e a multidão era compacta do lado de


fora. Muitos doentes esperando a saída de Cristo para ao menos
locar suas vestes. Naquela madrugada, o Senhor curou a muitos
e Pedro, no seu jeito instintivo, abre alas para que o Mestre possa
passar. Tadeu sentiu-se melhor, muito melhor; contudo, não quis
conversar com ninguém naquela noite e foi pensar no assunto,
para dormir melhor.

229
Viver

cS/m ão O T je ío ie

Sim ão, o Zelote, era, para dizer a verdade,


um homem político, que pertencia a um partido nacionalista
Iundado por Judas, o galileu, na Galiléia. Destarte, os seus
sentimentos se aproximavam mais de um interesse coletivo,
sem que o seu fosse notado. Via o sofrimento dos galileus,
mormente no peso exorbitante dos impostos, cujo exagero
gerava revolta nos corações sensíveis, predispostos à defesa.
O partido da situação, vendo nesse movimento um perigo para
sua estabilidade, forjou, às escondidas, um contra-ataque,
exterminando o general das idéias, que era Judas, o galileu.
M orrendo este, as linhas de conduta ou as intenções já
delimitadas, tomaram caminhos diferentes, chegando a ponto
da subversão ser o foco no seio dessa gente. Eis porque Simão
Cananeu começou a se desinteressar por esse movimento, que
antes lhe tocava o coração.

Simão era conhecedor de muitas leis, cujos alicerces


asseguravam as vidas em m uitas nações. Frequentava as
sinagogas sem compromissos e, quando podia, estava presente
no Sinédrio, para ficar a par de todo o m ovim ento dos
sacerdotes político-religiosos. Nesse transe de indecisão por

231

Jt
$oão OCunes JlCaia / ô /ta o íin

que passavam seus ideais, ouvira falar no Cristo. No primeiro


momento, sentiu um impulso negativo, dizendo: “Esse aí, que
nem força política tem, certamente vai ser eliminado pelos
poderes de César como foi Judas” . E considera: “M orreu o
chefe, desfazem-se as idéias”, considerando Jesus como um
sim ples judeu da m esm a linha de m uitos revoltados pela
situação do país.

M ais algumas sem anas e ouviu falar novam ente do


Mestre. A curiosidade fê-lo inteirar-se da Sua doutrina, que
sentiu suplantar todas as outras já conhecidas por ele. Era
homem inteligente e sabia medir conceitos e analisar fatos.

Simão era consciente de que sua missão era de defesa


dos fracos, dos oprimidos, era defender a vida dos que sofriam.
Mas, antes, precisaria compreender o que significava Viver
— e para que Viver, pois pretendia entregar sua própria vida
em favor dessa idéia, se não fosse realmente uma loucura.
Chegaram novamente notícias de grandes feitos do Nazareno,
que muitos já chamavam de Mestre. E um simples curtidor de
couros o encaminha para o maior encontro da história de sua
vida, e se integra no maior partido que ele jam ais conhecera,
por se apoiar em conceitos universais e se basear em idéias
que favoreciam a liberdade de todas as criaturas, mostrando
direitos e, na mesma seqüência, deveres de uns para com os
outros.

O cananita fazia falta no colégio apostolar. T inha


qualidades que eram úteis ao M estre em alguém da sua
confiança, no sentido de fazer chegar o Evangelho a lugares
em que somente a coragem e a astúcia educada o poderiam
levar, sem o desrespeito das próprias leis. Antes de conhecer
Jesus, a m editação lhe fazia m al, por enxergar em tudo
destruição, ataque dos fortes vencendo os fracos, tudo lhe

232
Í71ua & jtu / U iva r

causando imensa revolta, impacientando-o ainda mais com


relação aos seus objetivos.

Mas enfim encontrou o que queria e o seu coração pulsou


pelo ideal. Era acostumado com muitas filosofias, mesmo
espiritualistas, mas não vira, em nenhuma delas, o que sentia
na do M e stre , p e la sua c la re z a e s in c e rid a d e , p elo
desprendimento e pelo amor às criaturas sem exceção. Tinha
um pequeno receio que o assustava. Era de que Roma pudesse
investir contra aquele homem de Deus, e diante da Águia, que
dominara quase o mundo inteiro, o que seria daquele simples
profeta? Depois, vinha a sua mente: “Ele fala muito de que
Deus está com Ele e confia demais nesse poder do céu e a
história nos dá muito testemunho disso; é bom que creiamos
tam bém ...” E assim, Sim ão se integra definitivam ente ao
•ipostolado, de corpo e alma. O seu objetivo não era dar a vida,
se preciso, para a liberdade de um povo? Poderia dá-la agora,
com m aior a le g ria , p ara aju d ar a fe lic id a d e a tin g ir a
humanidade. Seria a maior glória para o seu coração.

Essas são algumas linhas da história deste discípulo


grandioso e pouco conhecido. Vamos encontrar Sim ão, o
cananita, sentado junto a André, no casarão dos pescadores,
em Betsaida, onde o Cristo era a atração principal. André fez a
oração da noite, em um im pulso fervoroso de fé. Sim ão,
procurando na mente o que fazer diante de seus problemas,
depara com dois olhos que o espreitavam, como a lhe dizer:
"Fala, meu filho, pede o que aprouver a teu coração”. O cananita
levanta-se do tosco banco que lhe servia de assento e toma a
palavra:

— Mestre ! Senhor, a quem pensa como eu, compete saber


de certas coisas que, por vezes, param o nosso raciocínio, ou
fazem com que este se demore mais, analisando. Às vezes
(ornamos uma defesa, sem saber ao certo o que estam os

233
^ oã o ry C u n es J K a ia / S / ía ofin

defendendo. Eu, todavia, me sinto no dever de defender a vida,


seja qual for, mas ainda não entendo o que é Viver, e para que
estamos vivendo. Por Deus, dá-nos essa definição, eu sou o
mais necessitado de ouvir a tua fala a esse respeito...

Jesus pensa alguns instantes na pergunta do discípulo e


responde:

— Sim ão! A vida, na sua p ro fu n d id ad e , é m uito


engenhosa para que mereça uma definição repentina. Toda
definição de vida nós transferimos para Deus, como sendo Ele
a vida. Deus é vida. E tudo o que presenciamos na criação,
mesmo o que consideramos coisas mortas, na verdade estão
cm plena vida, porque o Senhor de todo o Universo está em
tudo e tudo vive com Ele. Nós nos enganamos muito pensando
e falando que a vida somente existe onde se manifesta instinto
ou inteligência, pois ela vibra em tudo, e está permanentemente
onde foi criada. Q uerer saber sobre a vida na sua m aior
e x p re ss ã o é q u e re r c o n h e c e r a D eus na sua e ss ê n c ia
genealógica, é uma im possibilidade que se envereda nos
m istérios mais obscuros da vida. Contudo, meu filho, não
devemos parar de procurar aprender. O aprendizado é infinito
e o nosso, ou um dos nossos deveres, é trabalhar ativamente
para aprender mais do que sabem os. N unca o Pai Todo
Poderoso nos fecha as portas do saber, desde que esse saber se
compare com a nossa estatura espiritual. Nas linhas do nosso
entendimento, o que podes saber é que a vida é movimento;
tudo que se move, vive, nada se encontra na inércia. E se queres
Viver mais intensamente, movimenta-te mais, desde que esse
movimento obedeça aos regimes que as leis nos propõem.
Sentir a vida, Simão, é um princípio de reconhecer Deus como
o único doador universal da existência. Já pensaste em uma
das menores formigas que existe, quase não alcançada por nossa
vista? Pois ela sabe o que fazer e cumpre sempre o seu dever,

234
~7!vti L tu / U /um r

nunca parando de trabalhar em benefício dela e das outras,


i|iie também fazem o mesmo. Isto é vida, isto é Viver. Por
enquanto é bom que não cogitemos disso, mas existem outras
vidas trabalhando por toda parte, muito mais, muito menores
que a menor formiga, quase invisíveis e mesmo invisíveis por
cima da terra, com grandes objetivos. Se o teu maior interesse
e lutar pela vida e pelas vidas, é bom e justo que não esqueças
que somente quem dá a vida é Deus. E se Ele é a verdade, não
precisa, de certo modo, das nossas preocupações, para que
vivas. Temos, sim, um campo enorme de trabalho, mas não
cm criar e nem tampouco em ter medo de que essas vidas
possam vir a perecer. Foi para isso e para outras coisas
similares que desci à Terra, trazendo meios mais fáceis de
refletir a verdade para todos vós, de modo que compreendais
os vossos deveres mais de perto, para que possais ajudar sem
sof rer, consolar sem perturbar, amar sem paixão. Para mostrar
0 que poderemos fazer, notemos uma simples sementinha de
m ostarda, quase invisível aos nossos olhos e de d ifícil
apalpação. Verdadeiramente vos digo que, nem juntando todos
os sábios do mundo, poderíam fazê-la com a vida que tem.
( )nde buscariam o material para fabricá-la? E mesmo desse
1amanho, ela cresce na terra e se multiplica à vista dos céus e
das estrelas. Esse segredo está nas mãos do Criador e nós
vamos avançando para Ele gradativamente. Já pensastes que
quando éreis crianças sabíeis muito menos que agora? Pois,
de agora em diante, podereis aprender mais, num aprendizado
que tem os caminhos do infinito, esticando até Deus. Este é
um assunto que nos agrada, principalmente quando agrada a
Iodos os que nos ouvem.

O silêncio se fez. Todos meditam profundamente no que


ouviram do Divino Mestre. O Cristo continua pensativo, mas
depois fala, com sabedoria:

235
ffoão OCunes JK aia / ô /ta o f/n

— Simão, se a vida, na verdade, precisasse da nossa


defesa para prosseguir, ela já não existiría desde a sua criação,
e nem Deus seria Deus. Já meditaste, meu filho, no que podes
fazer por ti mesmo? Já procuraste estudar o que tens feito até
hoje pela tua própria defesa? Se ainda estás em dúvida sobre
quase tudo, por que se apresentar como defensor de uma coisa
que ainda não entendes? D efen d er o quê? Se não tens
consciência de um simples buraco em que resvalas o pé?
Queres proteger a vida dos outros, quando a tua, por vezes, se
encontra ameaçada por inúmeras irreverências que a tua mente
engendra, por não saberes o certo para ti mesmo? Se fores à
guerra, tens o general que comanda, porque não sabes o que
fazer. Pois bem, o nosso general maior é Deus, Criador de
todas as coisas. Ele é que nos dirige em todos os pormenores
e é Ele mesmo que sabe preservar a vida que criou. Nós outros
somos Seus filhos, carecendo do Seu amparo para continuar a
Viver. Ainda somos inconscientes na arte de criar. Aqueles
mais velhos, que os milênios despertaram para o amor, esses
servem de instrumentos nas mãos da sabedoria espiritual, para
ajudar aos da retaguarda a aprenderem a andar, a andar para
servir, a servir para melhorar, e para melhorar acordando em
si todos os dons da vida, para que Deus, essa força universal,
se faça explodir por dentro das criaturas, e elas possam
entender os princípios da vida, mesmo que não possam ou
não saibam dar explicações sobre o que é Viver. Eis que
estamos todos juntos, por vontade de Deus, e é de nosso dever
saber Viver bem, compreendendo os ensinamentos da Boa
Nova do Reino, da qual nos fizemos portadores para a Terra.
Ela constitui semente de valor maior, competindo a nós semear
e dar assistên c ia , nos m oldes da n a tu reza, p o rq u e seu
nascimento, crescimento e frutos pertencem Aquele que criou
a própria vida universal: Deus. Viver, Simão, é amar, pois o
Senhor nos fez por amor.

236
~7lua é j u i / U / u e r

Finalizando, abençoou a todos, desejando muita paz.

Simão, meditativo, sai da sala trocando as pernas, como


se houvesse tomado um vinho muito forte. Mas, por dentro,
estava aprumado, procurando guardar tudo o que ouviu no
haú da consciência.

é
O a p ó s to lo A n d ré, q u an d o ra p a z o te ,
i inpenhava-se com os seus professores, para que lhe contassem
coisas acerca da famosa Babilônia. Achava um encanto quando
alguém lhe falava nas histórias da velha capital do Império
Mahilônico. Um dia, nos festejos que se processavam em
liberíades, onde se encontrava há uma semana, depara com um
velho narrador de histórias, que atrai André como ouvinte. E
dentre as histórias, narra a seguinte, que o futuro apóstolo queria
saber.

O historiador chamava-se Tatiê-Mon-Rá, que rapidamente


grangeou a admiração de André. Conta Tatiê:

— A Babilônia de que vou vos falar foi poderosa como o


centro de atrações de todo o mundo. Dizem os antigos que ela
era tão grande que os deuses vieram de regiões celestiais e
abriram os braços para protegê-la, mas os braços que abriram
tinham o formato de dois rios.

Tatiê pára um pouco e leva a ponta da bengala ao chão,


i iscando os roteiros dos rios, para que os rapazes pudessem
entender melhor. E continua:

239
(foGo OCunes JK aia / ô /îa o fin

— De um lado, é o Rio Tigre, que nasce nas encostas


daquelas montanhas pelos confins da Mesopotâmia, e de outro é
o Rio Eufrates, que também procede das mesmas regiões. Esses
dois rios são dois braços gigantes, que formam, de certo modo,
um corpo, onde a Babilônia se movia. E os pés que seguram esse
corpo é o Golfo Pérsico, que também podemos chamar de Garganta
do Diabo, que bebe todo o líquido desses dois rios que protegem
a Babilônia.

O ancião Tatiê-Mon-Rá parava de vez em quando para dar


mais ênfase à história. E os meninos, de respiração parada,
esperavam o desfecho. André nem sequer piscava. E Tatiê
prossegue, meio cansado pelo entusiasmo:

— Babilônia tornou-se, com a proteção dos deuses, um


gigante pela própria natureza, e cresceu... cresceu... cresceu... Vinha
gente de todo o mundo para visitar esse monstro, mas o monstro
era tão grande e feroz que quem vinha ver não voltava mais. E aí
vinha gente buscar seus parentes e também ficava e Babilônia foi
se enchendo, se enchendo... Como os costumes de cada povo que
chegava eram diferentes do outro, começaram a brigar e a se
separarem por tribos. Para uns conhecerem os outros da mesma
tribo, deu-se o começo às línguas diferentes. Então, cada povo
que falava uma só língua passou a falar línguas diferentes, para
mostrar a que tribo pertencia. E gostaram disso. No entanto, ao
encontrar-se uma tribo com outra, eles não entendiam o que os
outros falavam e começavam a brigar. Uma das tribos chamava-
se Ódio, outra Vingança, outra Ciúme, outra Tristeza, outra
chamava-se Hipocrisia; Luxúria era a maior delas, a que governava
mais ou menos as outras, e ainda havia a Mentira, como também
uma tribozinha de homens bem pequeninos que se chamava
Maledicência e uma bem grande por nome Brutalidade, outra
denominada Orgulho, e assim por diante. Um certo dia, que
marcava os festejos da cidade na grande praça, onde todas as tribos

240
7
~!uv C tu / ô o fic ítu d e

linham de se encontrar, vós não imaginais o que aconteceu! Ah,


lum , eu estou me esquecendo que uma delas se cham ava
Blasfêmia.

E prossegue o velho, sob a atenção geral, após traçar coisas


pelo chão com a bengala:

— Aconteceu que no dia da festa começou uma guerra na


grande praça. As tribos todas juntas. E quando os deuses viram
aquilo, o sangue corria tanto que tingiram de vermelho as águas
dos rios Tigre e Eufrates, e a Garganta do Diabo bebia somente
sangue de gente. Aí os deuses se enfureceram, meus filhos, e veio
do céu, para todo o mundo ver, uma bola de fogo, que caiu no
meio da praça. Houve uma explosão tão grande que o monstro se
espatifou, quebrando-se em muitos pedaços, e o urro foi tamanho
que os restos das tribos que se salvaram, se espalharam para os
vários lugares do mundo. É por isso que nós temos na Terra muitas
nações e cada uma delas falando uma língua diferente e, como
lembrança da antiga Babilônia, vivem até hoje brigando umas com
as outras.

Parou um pouco, sorriu bem humorado, e agora fala mais


sério com os meninos, que gostaram da história:

— Depois disso, os deuses se acalmaram, vieram visitar as


ruínas da cidade e prometeram enviar um filho da luz, um profeta
ainda maior que Moisés, para que esse povo saído de Babilônia
voltasse a falar somente uma língua e aprendesse com ele, que vai
ser manso e humilde, a amar uns aos outros. Esse vai ser o cordeiro
de Deus, o Messias, e já se fala muito n’Ele. Vai haver com ele um
só rebanho e um só pastor. Não mais haverá brigas na Terra. Se
alguns dentre vós pensais nas grandezas de Babilônia, esquecei-
vos disso; aquilo foi um inferno que a bondade de Deus fez acabar
para sempre. Nós temos que ajudar nisso, começar, desde hoje, a
procurar esse profeta e acompanhá-lo para a Eternidade.

241
$oão OCunes JK aia / S íta o íin

Tatiê-Mon-Rá rodopiou a bengala no chão e os meninos


todos se espalharam, com medo de serem acertados, pois Tatiê
era chamado e conhecido em toda a margem do M ar da Galiléia
como o “doido das águas”.

André nunca mais quisera ouvir falar em Babilônia, nem


escutar suas histórias. Contara a Pedro o que ouvira de Tatiê.
Este deu uma longa gargalhada e todas as vezes que se lembrava
do assunto ria-se muito de André. E falava:

— Meu irmão, você não conhece Tatiê. Ele é...

E fazia com o dedo curvas à volta da cabeça, continuando:

— Você acredita que um dia encontrei Tatiê à noite,


nadando no lago onde pescamos, dizendo-se o rei dos peixes e
querendo atravessar o Mar da Galiléia de ponta a ponta? Foi
com muito custo que tirei tal idéia de sua cabeça. Todos os
pescadores o conhecem. Ninguém vai na conversa de Tatiê.

E sorriu gostosamente.

André, porém, não se convenceu com o que Pedro falara a


respeito do velho Tatiê, pensando: “As coisas de que ele falou
foram muito sérias. Mesmo sendo ele doido, o que o impede de
falar a verdade?”.

André e Pedro entram na igreja dos pescadores ao raiar a


noite. Filipe já mostrava interesse de orar e foi o que fez, com o
verbo bem inspirado em busca de Deus. Pedro leva o dedo nas
costas de André, dizendo:

— Pergunta hoje alguma coisa. Há muito tempo que não


falas nada. O Mestre não acha bom que nós nos silenciemos,
pois temos de aprender com Ele tudo que precisarmos, e o prazer
Dele é grande quando nos interessamos pelo aprendizado.
Vamos, fala!

242
CTlue /3 u z / ô o f/c //u c /e

André, como já tinha em mente o que devia indagar, propõe,


com delicadeza:

— Senhor! Poderias nos dizer o que vem a ser a diligência


nossa para com os outros e como entender a dos outros para
conosco?

O Cristo, usando de brandura, atributo irreversível do seu


ser, inicia sua exposição:

— André ! A Sol icitude nos é exigida em todos os momentos


da nossa vida, pois estamos permanentemente em comunicação
com os outros. Quando nos falam, agrada a nossos corações que
possamos ouvi-los com paciência. E, já que estamos ouvindo, a
sabedoria divina nas nossas consciências nos adverte para não
perdermos tempo, procurando aprender o que estiver ao nosso
alcance, com o que ouvimos. Nada se perde na vida, tudo tem
uma função em nós e por nós. Toda pessoa atenciosa ganha muito
cm virtude dessa educação que já conquistou no labor diário e
nunca lhe faltarão as bênçãos de Deus para que essa atenção se
multiplique e se converta em amor, em solidariedade e em alegria.
No entanto, meu filho, é justo que compreendamos o modo de
nos empenharmos com as conversas alheias. Quando elas saem
da linha da harmonia, da caridade e do bem-estar, é mais do que
pisto também que nos esfriemos no interesse de ouvir, para que o
filante desconfie que não o estamos apoiando no esquecimento
do bem, que é toda a nossa meta de vida. Nós temos de nos
preocupar com a disseminação das virtudes em todas as direções
da vida que levamos e, se for possível, em todos os reinos das
consciências dos outros que solicitam a nossa ajuda. Não uma
preocupação que nos leve à impaciência, mas aquele dever de
servir que todos temos pelo impulso do amor, quando uma criatura
nos m ostra program as de sua vida, cujas idéias estão
fundamentadas na nobreza de caráter, na dignidade, na educação,
na disciplina, procurando fazer e entender o bem por todos os

243

4
tfoão DCunes JK aia / c5fta o íin

meios possíveis. Não existe outro dever maior para nós que a
Solicitude para com essas almas, pois encontrando em nós esse
apoio, elas se fortalecerão mais e mais na vida de luz que
pretendem levar. Esse tipo de gente merece e deve ter toda a nossa
atenção.

Dentro do salão, o silêncio parecia falar mais alto que as


palavras. O estímulo do bem, despertado pelo Cristo em seus
discípulos, era uma força invisível, mas que se fazia sentir pela
alegria permanente nas feições dos seus companheiros. O Mestre
dos mestres voltou à conversa:

— Interessa-nos imensamente, André, que possas procurar


a Solicitude viva. É o afinco que podes ter de apoiar todos os
gestos humanos que não perdem os roteiros do Evangelho, aqueles
que trago da parte do meu e do teu Pai que está nos céus. Esse
cuidado vivo de que falamos é, por assim dizer, a vivência do
bem que podes ouvir dos outros, é a vivência da caridade que já
observaste nos teus irmãos, é a vivência da fé de que tens notícia
nos caminhos dos profetas. Não obstante, o desvelo maior e de
maior esplendor que podes ter, é a Solicitude contigo mesmo, de
viver cada dia, cada passo da tua existência, dentro das normas
divinas que pregas aos teus irmãos. A exemplificação, meu filho,
é a maior força que nos deixa falar com dignidade e gratidão a
Deus, pelo que ele nos tem dado até agora. Ouvir com paciência é
arte do aluno que está sendo bem sucedido na escola, e saber
ouvir é transição do aprendizado para o mestrado.

As últimas palavras de Jesus pareceram ressoar dentro de


toda a igreja como um cântico. Os espectadores se esforçavam
para não perder uma só nota da melodia toda. André levantou-se
e tornou a perguntar um detalhe de que se esquecera:

— Mestre! Perdoa-me se estou sendo imprudente, mas


ficaria contente se pudesses responder-me o que ora recordo. A

244
L !// / ô o fic iiu c /e

vmlade pode nos ser dita por pessoas ignorantes? Pode servir-se
)|tis lábios de alguém considerado louco? Ou somente os profetas
icm a primazia de revelá-la?

O N a za re n o re to m a o a ssu n to , in fla m a d o , m as
t ompassivo:

— André! Foi providencial a tua intervenção, para que


possamos entender os atributos de Deus. A verdade, meu filho,
nao é patrimônio dos homens nem tampouco dos anjos. A
verdade absoluta é Deus, em todo o seu esplendor divino.
Portanto, não pode ser de domínio dos sábios, nem dos santos,
nem dos profetas. Ela é força do Criador, que pode e deve se
mostrar, pelas vias que achar m elhores e mais propícias.
N inguém com pra a verdade, nem a própria evolução. A
verdade é o conjunto das leis de Deus, que vem a nós pela
magnânima vontade do Criador, e pode aparecer à nossa frente
por fatos simples ou por engenhosos acontecimentos. Quanto
aos c a m in h o s que e la p o d e rá p e rc o rre r, se p u ro s ou
defeituosos, não nos com pete o ju lgam en to , porque um
liomem, pelo simples fato de estar com as faculdades mentais
em desordem, não é impedido de acumular sabedoria, a ponto
de enfrentar testem unhos que os próprios hom ens sadios
desconhecem. E os animais? E bom que nos lembremos da
pata que nunca tivera gatinhos por deficiência orgânica,
história muito conhecida de todos. Um certo dia, sua dona,
boa senhora da sociedade, que também não tivera filhos talvez
pelos mesmos motivos, recusou-se a adotar duas meninas que
c hegaram à sua porta, órfãs de pai e mãe, quase nuas e famintas.
No dia seguinte, a gata sumira. A mulher se afligiu e, preocupada,
começa a ficar sem condições de viver sem o animalzinho que
lauto amava. Empregados foram postos a procurar a bichana
fugitiva. Enfim, um dos escravos da casa achou a gata Men em
um capinzal da região, acarinhando três gatinhos que adotara na

245
^o ã o OCunes 'JlCaia / ô /ia o fin

noite em que saíra para caçar. Os restos da mãe verdadeira


denunciaram que fora estraçalhada por algum animal selvagem.
A senhora, tendo a notícia do animal de estimação, foi ao local,
e vendo o carinho da gata para com os gatinhos, foi levada a
meditar, com os olhos fitos em Men, que renunciara à casa rica,
cheia de conforto e sem trabalho, recebendo o maior carinho da
dona para... Os olhos da rica senhora molham a seda de suas
vestes. Olha firmemente para Men, e a gata retribuiu o olhar. A
mulher fala com bondade: “Men volta para casa, volta para casa,
Men!” A gata, em miados suaves, lambendo os gatinhos, ouve o
chamado, mas pretende ficar. A senhora insiste: “Men, volta
para casa e pode levar seus filhos que também são meus”. O
escravo avança devagarinho, recolhendo os órfãos que Men
adotara e a gata deixa, entrando junto no mesmo cesto. Dali, a
mulher rica, sem sequer ir em casa, foi à procura das duas
m eninas que haviam batido à sua porta pedindo abrigo e,
encontrando-as, passou a servir-lhes de mãe.

Silenciou um pouco, olhou com carinho para André e


perguntou:

— Não foi uma verdade do amor, André, que veio de Deus


por intermédio de um animal?

André, emocionado, beijou as próprias mãos como se


fossem as de Cristo, e disse:

— Graças a Deus, o que pensei, há muitos anos atrás, e o


que penso agora, sobre o que ouvi do velho Tatiê-Mon-Rá, era
uma verdade...

E Pedro estava curioso e impaciente, querendo saber por


que seu irmão falava sozinho e por que estava sorrindo sem
motivo...

246
Inergia

O apóstolo Filipe tinha muitas qualidades.


I >cnlre elas, a energia se destacava sobre as outras. Tinha ímpetos
i Ir tudo fazer com entusiasmo e com clareza. Filipe, antes de se
encontrar com o Cristo, viu nascer em seu coração um desejo
in lente de conhecer a Cordilheira Horebe, que guardava em seu
.1 u), com destaque, o monte denominado Sinai, lugar sagrado
u-1 )eus escolhera para revelar a Moisés os Dez Mandamentos.
1 1 1

I Filipe, na sua impetuosidade de jovem, parte para uma excursão


com alguns companheiros de infância, afim de sentir de perto o
ambiente sagrado onde o antigo legislador firmou os pés e
nvebeu do mundo espiritual as leis que governariam a tribo
nascente, que o esperava no deserto, escrava da casa de servidão
do Hgito. Nunca pensara Moisés que as leis promulgadas no
( levado de Florebe, iriam servir de leis universais, cuja força
daria para mostrar ao mundo a justiça de Deus, como alicerce
de todas as demais leis do mundo.

Filipe chega ao Sinai e logo demanda a subir com todo o


fervor. Vai daqui, vai dali, os outros dois companheiros desistem
e combinam de esperá-lo embaixo. Filipe foi retomado de nova
energia e rompe o penhasco com fé, esperando satisfazer um

247

4
Yune.s U fa ia / ô íia o íin

antigo ideal, de pisar onde pisara o grande profeta, mais de quinze


séculos antes. E foi o que fez. Quando chega ao cimo do monte,
sente uma emoção diferente: o ar parecia ter sido feito de pureza
tal que somente os anjos poderiam respirá-lo. Dobra os joelhos
nas pedras cujas saliências faziam mostrar as dificuldades e
sacrifícios. As lágrimas borbulham sem muito esforço e o anseio
de orar a Deus surgiu-lhe n’alma como por encanto. E foi o que
fez, como gratidão a tão nobre personagem que ali estivera,
buscando dos céus o que podería ser útil aos homens. Terminada
a prece, Filipe, sentindo-se em outro plano de vida, escuta
baixinho um hino de glória a Moisés, ainda pedindo aos homens
que entendessem e praticassem as leis ali recebidas, para a paz
na Terra e glória a Deus em toda a criação. Antes de terminar a
oração, ouviu um sussurrar de asas e um aroma agradável
penetrar em suas narinas, perfumando todo o seu corpo. Ao
mesmo tempo, como que uma nuvem que brilhava como as
estrelas passa de mansinho em sua frente, desembarcando dela
uma moça de porte esbelto, olhos como dois astros a fitar Filipe,
vestes luminosas que pareciam tingidas por raios do sol, lindos
pés que se propunham a pisar igualmente nas farpas das pedras.
A nuvem se condensa por força misteriosa que Filipe desconhecia
e transforma-se em lindo pano de fundo, aformoseando o Sinai,
e do arpejo dos lábios da moça sai uma melodia em forma de
palavra na orquestração da natureza: “A paz seja contigo, meu
rapaz”. Filipe, estático, somente movia a cabeça, pensando: “Será
que é Moisés? Será que é Ezequiel? Gabriel, quem será, meu
Deus?” O anjo, todo complacente, sorri para o jovem de Betsaida,
e fala com doçura:

— Não sou o que pensas. Sou sim um filho de Deus vivo


e um enviado do grande profeta que teve a felicidade de lançar
na Terra as sementes da justiça e mesmo do amor. Acho que
deves te gloriar por estares aqui, buscando inspiração para a tua
vida, que haverá de ser na disseminação da verdade. Na verdade

24K
Í7hm Lju i / C.ne/y/a

Ir digo que o maior de todos os profetas já se encontra na


h n a, que podes te orientar pelo profeta Isaías, que é o mais
i 1 o no seu roteiro. Cumpre-nos perguntar se estás preparado,
.11

Imuque haverás de segui-lo. Nós estamos trabalhando há muito,


i nin legiões por toda a Terra, para que E le, o M essias
prom etido, seja conhecido de todos. Podes, meu filho,
( onhecer m uita coisa. No entanto, necessário se faz que
■onheças a filosofia mais bonita do mundo, que é a sabedoria
i .piritual. Eu vou trabalhar mais um pouco, por amor, e sentir
.1 alegria de cooperar com o maior mestre de todos os tempos,
que já se encontra no reino da Terra, e voltarei a este plano,
em forma de mulher, para dar testemunho de algo que o meu
i oração diz ser necessário. Essa vontade tua de vir até aqui é
motivada por força do passado, que no futuro saberás. Desce,
meu filho, vai ao teu dever e não fala nada a ninguém do
ocorrido contigo, vai com Deus. E não te esqueças de que
nunca estarás só na disseminação do Bem. Estaremos juntos,
não em poucos, mas muitos. Somos legiões de estrelas que,
i um Aquele que se encontra entre os homens, completamos
os céus.

Filipe não se lembrava que estava de joelhos, de tanta


emoção mesclada com felicidade. Suores embebiam todo o seu
corpo. A fala não saía, de modo a agradecer o evento espiritual,
como se fosse um festival da verdade. Agradeceu pelo olhar
humilde e terno aquela ave que estava prestes a voar para o
infinito. E o anjo encerra o encontro com o futuro apóstolo de
Jesus, dizendo:

— Vai com Deus, Filipe, que também estaremos lá, porque


o nosso trabalho é fazer a vontade d ’Aquele que também enviou
Moisés à Terra: o Cristo de Deus.

O painel-quadro se desfez, envolvendo aquela personalidade


divina em uma fumaça brilhante, e desaparece rumo às estrelas.

249
1
,'/in i> y Jlfaia / ó /ia o /in

Filipe beijou o chão várias vezes, e esqueceu-se do tempo que


permaneceu ali. Quando resolveu descer, os companheiros já
estavam preocupados, por fazer dois dias que o filho de
Betsaida subira.

Filipe guarda o segredo no coração, meditando que só


poderia conversar consigo mesmo sobre o assunto. “Meu Deus,
ela vai voltar em forma de mulher! Se ao menos eu pudesse
conversar com os outros sobre esse assunto!” E pensa... pensa...

Avançando no tempo, vamos encontrar, no princípio do


quarto século depois de Cristo, uma mulher valorosa, com o
nome de Catarina, em Alexandria, que foi trucidada em rodas
de navalhas, por não obedecer à imposição do paganism o
imposto pelo Imperador Maximiano. Na hora da sua morte,
houve muitas curas instantâneas. Abraçara os ensinamentos
do Evangelho como vida, tornando a viver com ele e por ele.
Depois disso, começaram a aparecer muitos monges que iam
depositar a sua gratidão no Monte Sinai, e foi por isso que os
monges gregos construíram no século VI depois de Cristo, o
mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai, com a ajuda do
Imperador Justiniano. Eis aí a volta à Terra daquele anjo que
prometera isso a Filipe, para impulsionar o mundo na direção
das verdades cristãs.

Encontramos Filipe em Betsaida, abraçado a André e ao


lado de Pedro, rumando para a igreja dos pescadores. Chegando
lá, os três se dão as mãos ao trabalho de limpeza. Daí a algum
tempo, Tadeu se dispõe a orar, entendendo que alguém lhe
pedira isso. Terminada a prece, Filipe, impaciente, levanta-se
e pede licença, falando cordialmente:

— Mestre! Porventura podes me fazer um grande favor,


senão uma caridade que nunca mais esquecerei, por Deus e
pelos anjos: como devo usar minhas energias para que elas

250
Otiue /B uz / (jn e ry m

|M*‘.'.;un ser úteis às criaturas e, por certo, a mim mesmo?


I iilini, o que é Energia?

Jesus, o formoso corpo coberto com um manto de linho


que descia pelos seus ombros até os pés, ressalta, com firmeza:

— Filipe! Energia, acima de tudo é, por assim dizer, o


.dento da vida, e com o o hálito do C riador que tom a as
■"inlições que a bondade divina impõe e expande ao infinito,
i •>ni a mesm a obediência. No entanto, em se falando da
Imergia como interessas saber, como disposição de viver, de
ajudar os outros e de tornar-se im paciente em todas as
ocupações que te chegam às mãos, é ju sto que tenham os
métodos especiais para cada caso em pauta. Hás de aplicar,
meu filho, a algumas pessoas, um tipo de Energia que, para
outros, passa a ser violência. E o momento exato de trabalhar
i oi n essas forças, somente o bom senso que nasce da formação
•Ia consciência reta, elaborada na forja indispensável de todas
i . lorças que dignificam e que elevam, é que pode escolher.
Mas nunca estaremos aparelhados com essas condições sem
a participação da boa vontade, que somente funciona com a
mesma Energia acionada por dentro. A ajuda de Deus é
• iTtamente visível, mas notaremos sua presença quando nos
díspusermos a iniciar por nós mesmos. Se queres realizar
alguma coisa, começa, que outras mãos prosseguirão contigo.
M edita bem no que vam os falar! Deus fez a sem ente, a
inteligência humana recolhe onde quer que seja. Deus fez a
Iloresta, o homem prepara o terreno para o plantio. Deus dá a
• luiva, a inteligência do homem coloca a semente no seio da
terra. Não obstante, som ente Deus dá o crescim ento e a
I utificação, e os homens colhem, comem e vendem. Quem
I

loi que trabalhou mais? É justo e lógico que haveremos de


lazer a nossa parte, para que Deus possa se expressar com
mais visibilidade nos nossos caminhos.

251
'/lulii Yunox JTCaia / ó n a o í/n

O M estre silenciou. Os apóstolos dados à im paciência e


à violência começaram a estremecer em suas bases e a meditar.
E o Cristo voltou a destacar:

— Filipe! As diversidades das aplicações da Energia vão


ao infinito. Será que quando precisas aplicar Energia a uma
criança, fa-lo-ás com a mesma disposição que a um velho que
carece dela? Será que ao usares de Energia para que o mal não
cresça, reprimindo os que gostam do alheio, faze-o com o mesmo
ardor que quando o dever te impõe orientar um amigo que te
pede socorro, mas que teima em prosseguir no erro? Será que
aplicas a Energia com um assaltante que te rouba os bens e que
às vezes pretende a tua vida, na mesma temperatura que falas
aos enfermos da fé e da esperança? A Energia toma caminhos
diferentes, quando diferentes são tuas intenções. Quando faz
parte da educação, a Energia é força vital que desentulha o
pântano do cérebro avivando sensibilidades para guardar
emoções elevadas na arte de aprender. No ódio, ganha outra
feição, agitando e atingindo outros campos de Deus no coração
humano e criando clima de tempestades, onde antes existia paz.
A Energia diante das crianças, mesclada de bondade, é força
para disciplina que não amedronta, é o pai protegendo os filhos
em seqüência de vida. Mas a Energia, Filipe, que pretende impor
autoridade desconhecendo as consequências, é malfeitora que
afasta e queima as reservas de vida da alma. Todavia, a Energia
divina que se apodera de nós na presença do amor que consola e
dá esperança, que cura e levanta os caídos, essa é a Energia do
bem, que tranqüiliza o coração e nos mostra o quanto é bom
praticar o bem, o quanto é grandioso ser alegre, alegrando os
outros na dimensão da caridade. Eis que podemos e devemos
ser sábios, bem antes de ser santos, porquanto a inteligência é
um dom grandioso, mas sem a assistência do coração, ela se
desorienta e costuma perder a direção. Já meditaste sobre a
Energia que tem um guerreiro e um profeta? Um dado à

252
~7Iu9 /2uz / t.noryia

subversão e um místico? Um jovem que vê em tudo beleza e


dinâmica, que sente a vida palpitar à sua frente propondo-lhe
lelicidade, e um homem todo cortado pelo destino, todo abatido
pelas imprudências e revoltado contra tudo e contra todos?
I'odei emos desfilar outros exemplos, mas basta, para que possas
entender até onde pode chegar a força que a Energia impulsiona,
e quanto vale sua educação.

E arremata:

— Filipe, admiro a tua Energia quando um ideal se forma


em tua mente. Mas a vigilância em ti haverá de ser maior. Quanto
m> que ocorreu com o teu coração há tempos, que a tua Energia
nâo conseguiu disseminar por compromissos assumidos, podes
guardar como segredo da alma e tesouro da imortalidade. No
entanto, deves tirar desses fatos exemplos que possam animar a
outros nas lides da Terra. Usa a inteligência, que ela te dará
condições de, paralelamente com os teus segredos, carrear luzes
sem par aos que ainda se encontram nas trevas. E em todos os
campos em que a tua Energia for aplicada, não esqueças de
colocá-la, em primeira mão, na balança da justiça e, havendo
ilií vida, deixa passá-la pela alfândega do bom senso, para que se
retire algo mais que vai indo, como imposto, aliviando a carga
do viajante. E no bom entendimento, e na boa vontade, regulando
aqui e ali as tuas Energias, deixa que o amor medre em todos os
corações.

Jesus levanta-se acompanhado dos companheiros mais


íntimos, ficando o am biente de serenidade na igreja dos
pescadores, onde Judas Iscariotes retarda os passos, desejando
respirar mais aquele ar, que se dizia santificado.

253
Hrandura

J o ã o , que denom inam os o E v an g elista,


iluxava vibrar em seu coração algo mais em relação aos seus
i ompanheiros de fraternidade. Sentia em seus semelhantes parte
que lhe pertencia por direito divino. Desde menino ouvia sua
mãe, Salomé, contar histórias dos profetas, que os livros sagrados
mencionavam. A todas as narrativas, João ouvia com atenção e
respeito. No entanto, quando Salomé mencionava o nome de
I.saias, os olhos do filho brilhavam, querendo saber de todas as
particularidades. Sua mãe sorria bondosamente, descrevendo o
quanto podia, salientando muitos outros fatos que os livros
esqueceram de destacar, mas que ela buscava no infinito, por
intuição, dote de toda mulher, principalmente quando se trata
de instruir seres altamente evoluídos que começam a se ajustar
nos domínios do corpo físico.

João era uma alma de alta sensibilidade, que o Mestre dos


mestres já chamara desde o mundo espiritual para o empenho
do amor. O filho de Salomé crescera igualmente em virtude,
bondade e amor, principalmente em amor. Quando adulto, tinha
muita atenção pela terra de Judá, onde nascera Isaías. Perguntava
sempre à mãe que meio era usado pelo antigo profeta para

255

É
,'/oân yCunes JK aia / S /ía o í/n

profetizar, como conhecer as coisas antes que elas acontecessem.


E Salomé sempre respondia:

— Meu filho, isso é um dom que as criaturas trazem


quando nascem. É um dom divino...

Às vezes, Salomé encontrava João pensativo nos campos


e mesmo em casa. Quando queria saber o motivo, este era
sempre Isaías, que não saía da cabeça do rapaz. Certo dia, sua
mãe, inspirada, chamou-o e disse:

— João, meu filho, não te tortures tanto com as coisas


do espírito. Espera em Deus que poderás, no avançar da tua
idade, tornar-te um profeta. Basta que Deus te chame para esse
ministério da verdade e poderás conhecer, com a vivência, o
que as palavras não alcançam. Não queiras dispor-te a ir, sem
seres convidado.

João, ouvindo sua mãe, reconheceu que ela falava a


verdade. Procurou esquecer um pouco os seus sonhos de
profecias e outros dons que, certamente, acompanhavam os
que profetizavam.

Passa-se o tempo e as bênçãos de Deus aproximam os


eleitos da evolução, para cumprir as próprias profecias. João,
certa feita, vai a Jerusalém com a família. Era semana de festejos
naquela cidade e, por vezes, freqüentavam as sinagogas, onde
se ouviam pregações, nas quais os sacerdotes se referiam aos
profetas do passado. Quando se falava no nome de Isaías, a mente
do rapaz criava asas, em busca do reino do homem santo e pedia-
lhe bênçãos, de onde estivesse.

O sacerdote Za-en-bin, conhecendo o rapaz, sentiu, de


certo modo, atração espiritual por ele e o convidou para ir à
sua casa. A mãe, que já era conhecida do sacerdote, aquiesceu,
sem contudo querer participar da conversa. Parece que Salomé

256
70
~Io L u i / 7
f ira n c/u rt

|n contara a Za-en-bin o ocorrido com João, para que esse


pmlesse dar-lhe uns conselhos.

Quando em plena história sobre os profetas e os dons de


I'i ofetizar, o sacerdote, sem ter conhecimento do fato, entra em
li.mse c por ele fala a João o profeta Jeremias, com carinho,
nestes termos:

— Meu filho, aqui quem fala não é mais o sacerdote Za-


i ii hin; sou eu, Jeremias. Fui também profeta. Trago-te a paz e
0 desejo ardente de que a paz de Deus te cubra de felicidade.
Sei que o teu maior interesse é falar com o profeta Isaías, porém
ele não pode te atender. Estou aqui para falar-te e que Deus
possa nos ajudar, para que possamos ajudar mais. Firmo-me na
1erteza de que a Terra, neste momento, está sentindo a luz
i pii itual banhar suas nações e a humanidade. Queira o Senhor
que os homens entendam a mensagem da Luz. Venho te falar
para que esperes um pouco. Os teus anseios serão ouvidos. A
lua ânsia de santidade e de amor será saciada pela luz maior
que vai te chamar, como expressão máxima de Deus na Terra.
I h serás um dos enviados do Senhor a vários centros do mundo.
I'assarás inúmeras provações de todos os tipos. Sentirás a fome
i' a nudez. Serás encarcerado, banido, apedrejado, abatido, mas
nunca vencido. Serás um rastro de luz que ninguém poderá
apagar... E o teu nome na história abalará o mundo dos próprios
sábios. Porém, apega-te, como intentas fazer, ao amor, pois
somente ele é que, verdadeiramente, salva as criaturas.

João não quis perguntar nada ao velho profeta do mundo


espiritual. Já estava ouvindo tudo o de que precisava. Sua mente
eslava fervilhando. E certo que já tinha alguns conhecimentos
da comunicação dos anjos, mas nunca passara por experiência
assim tão direta, e ainda mais por um sacerdote, que a sinagoga
linha como filho da sua filosofia.

257
(/oõü )Cunes JK.aia / S /ía o ín

O profeta retoma a palavra suavemente, sorrindo para João:

— João, meu filho, não pretendo mais falar-te por


intermédio dos outros. Falarei diretamente a ti, abrindo as tuas
faculdades espirituais e, no m om ento que D eus facultar,
conversaremos em nome d ’Ele. Adeus!

João avança e pega as mãos do sacerdote Za-en-bin. Beija-


as várias vezes, como também a seus pés. O profeta, sentindo
sua humildade e o seu amor, volta dizendo:

— Meu filho, estou comovido contigo, mas peço-te uma


coisa. Não contes nada a ninguém do que estivemos conversando
e muito menos a Za-en-bin, para que não entorne a água toda.
Precisamos dela a fim de saciar a sede no deserto da terra.

E desaparece.

Za-en-bin acorda e chama João:

— João, o que foi?

Este, meio desconfiado, desculpou-se:

— Nada... nada, senhor. Começamos a fazer uma oração


e nós dois dormimos.

— Graças a Deus! Isso é bom! — comentou o sacerdote.

João Evangelista encontra-se andando sem rumo pelas


praias de Betsaida. De repente, encontra-se com Filipe, e este,
saudando-o, convida-o, dado o adiantado da hora, a irem andando
para a igreja dos pescadores. Os dois foram conversando sobre
a última reunião de Jesus com eles.

Pedro levanta-se com ar tranqüilo, pedindo a Deus por


aquela noite de aprendizado, estendendo suas preces para a
Humanidade sofredora. Quando termina, João aproxima-se mais

258
JIuü jUui / Xranc/ura

In Mestre, senta-se no chão, pelo impulso de humildade, e


peigunta:

Jesus Cristo! Eis que espero que confortes o meu


>ui rudimento, de maneira que agrade Tua vontade, pois Tu sabes
" qiir é o melhor para nós. Queria saber, Senhor, o que significa
' Ih andura, e quais os seus benefícios para nós e para os outros,
i quem, porventura, dedicamos as nossas intenções. Sei que
li inos pedido muito, mas a quem mais pedir?

O Nazareno olha para o discípulo, compassivo, e comenta:

—João! A Brandura é uma qualidade enobrecida pela sua


1'inpria presença. Todas as outras virtudes carecem dela, para
que sejam altivas. A afabilidade nos parece a veste de todos os
■l"iis da vida, que de forma divina, salientam a presença de Deus
nos alos humanos. O agrado no falar e no ouvir é condição de
poucos, porque isso é ouro dos céus tecido nas alm as
Iiecedoras da verdade. As vezes ensaias bondade em muitos
■neontros que a vida te oferece, como é muito comum no
• omércio. O comerciante tem de ser, por natureza, gentil para
' mu aqueles que o ajudam a viver, mas sempre usa isso como
U ilamenta de trabalho, que logo esquece no lazer com amigos
>>u no seio familiar. Não obstante, é um exercício que o tempo
Ix«lerá esticar para mais além. O nosso trabalho é mais grandioso
n> vsc terreno. Haveremos de praticar constantem ente, até
>ui irmos a educação por amor às criaturas. Vendendo ou
I Iiinprando, recebendo ou dando, na saúde ou na doença, felizes
>>ii movidos pelas provações, é de justiça para nós e de lei, que
possamos nos eternizar na delicadeza em todos os momentos
>lo existir. A moderação, meu filho, em todos os sentidos, dar-
m is á, em primeiro lugar, os seus benefícios, pois ela parte de
nos e, além disso, ainda ajuda os outros. Já sentiste, quando te
dispões a visitar um enfermo desorientado, duvidoso e ignorante
.1 ponto de blasfemar contra a própria natureza divina? E quando

259
'/ntJd yCtjMf.% TICaia / SA aof/n

a sua imprudência salienta, por fora, o que ele é, na verdade, por


dentro? Voltarás para casa abatido e desanimado e a vida parece
escapulir dos teus sentidos. Pois bem, quando, porventura,
encontras um enfermo todo doçura, enternecido pelo esforço que
fizeste pela visita, com o rosto anunciando gratidão pelo que tem
recebido dos céus, falando e vivendo no amor, sentirás que, ao
invés de doar ânimo e paz, saúde e fé para a criatura doente,
foste tu que recebeste mais. Essa é a força da Brandura, que as
bênçãos da fraternidade e da benevolência fizeram nascer no
coração. M esm o caído, está erguendo os outros; m esm o
aparentemente vencido, é força para restabelecer os ignorantes;
mesmo que morra, vive na eternidade dos corações, palpitando
dia e noite, para o bem que ainda precisa acordar a serviço da
caridade.

João bebia os ensinamentos do Mestre. Pedro, Tiago e


André estavam como que estáticos, meditando. E o Nazareno
prossegue com naturalidade:

— A Brandura é muito nobre, porque ela não passa dos


limites. Logo se apaga, quando movida por corações inferiores.
É como chama que os lábios sopram, quando não precisam mais
dela. João, a delicadeza permanente é filha do amor, aquele que
anuncia a presença de Deus. Para lá estamos indo. Todo o nosso
trabalho é para que possas amar a Deus sobre todas as coisas e ao
próximo como a ti mesmo. A escala é infinita. Na verdade, digo-
te que se podes chegar a certo grau de amor, podes fazer muito
mais que eu faço, pelo simples olhar aos que sofrem, consolar
pela simples presença e dar vida pela palavra. Esta ainda é uma
ciência que os milênios poderão revelar no futuro. Não existe
melhor remédio no mundo do que o elixir do amor. Ele é capaz
de remover todas as dificuldades que os impedem de ser felizes.
Enquanto não chegares lá, usa, pelo menos, teus raios, que são a
Brandura, a paciência, a alegria, a fé, a esperança, a caridade.

260
y/ou /L m / O Brand u ra

Procura andar nesses caminhos sem esmorecer, que o amor


esperará com os braços abertos, como se fosse o pai esperando
n filho de uma longa viagem. Se já começaste, João, a ser brando
i um os outros, continua, e se ainda te falta alguma coisa nessa
.h ic, dá continuidade para que, no amanhã, os homens te
agradeçam pela luz que deixaste para eles como herança do
próprio coração. Quanto aos segredos da vida, não penses que
pi estás de posse de todos eles. Guarda os teus da forma que
mais te convier e com preende que os outros, certam ente,
«airegam no íntimo tesouros valiosos das revelações espirituais.
Anula chegará o dia em que tudo isso será colocado em cima do
velador, para que todos conheçam, pela verdade, os que visitam
cm nome de Deus. É bom notares que o Senhor dos Céus fala de
mim por todos os meios possíveis, para que a humanidade escute,
para que eu seja conhecido de todas as nações e seguido por
muitos povos. O que eu quero é amar a todos e que todos sintam
meu amor, procurando fazer o mesmo aos que acompanham na
iflaguarda. E que deste momento em diante, a Brandura seja a
lua arma, para defender o teu amor.

João fica sorrindo de contentamento. Judas Iscariotes


procura ajustar os pensamentos, que não se acomodam, e Pedro
deixa para conversar depois com João e André, sobre o caso.

261
Hospitalidade

P edro! Pedro! G rande c o m p an h e iro de


lesus! Homem destemido, abastecido pela coragem em todos
os momentos, sem faltar-lhe o próprio ânimo, negou a Jesus,
na hora em que deveria dar o testemunho. É o que pensais,
mas não foi por medo, vós bem sabeis por quê. “Eis que três
vc/.es me negarás” . Só isto basta para que compreendais.

Simão Pedro Bar-Jonas. Pescador de profissão no M ar


da Galiléia, encontrou o Senhor e não resistiu ao seu chamado
para o trabalho do amor. “Eu te farei pescador de homens ou
pescador de almas”, e verdadeiramente o fez. Pedro foi a pedra
a n g u lar da c o m u n id a d e ; so b re ele se a ss e n ta ra m as
lesponsabilidades do cristianismo nascente, força poderosa
que desceu do céu por misericórdia de Deus.

O a p ó sto lo do M estre, certa m anhã, le v a n to u -se


indisposto para o trabalho. Rumou para um caminho, cujo
destino levaria às cam pinas de B etsaida, às encostas das
montanhas mais próxim as. O homem pescador sentia por
dentro necessidade de pensar, de monologar. Por certo que
Iodas as pessoas têm tais necessidades e, de vez em quando,

263
, M » Y Î / / W .V jlC a ia / c5n a o fin

buscam a natureza e procuram entendê-la. Sua linguagem é


consoladora e amável. Pedro chega ao destino e assenta-se
em uma grande pedra, onde sua vista abarcava, meio mundo.
Seguro no seu bordão, meditativo, risca na fina areia muitas
formas, para que a distração pudesse assomar à sua mente.

Algo o preocupava. Não sabia bem ao certo o que era e


queria descobrir. Naquela elevação d ’alma surge, de repente,
ao seu redor, algumas ovelhas que começam a acariciá-lo,
umas lambendo as suas próprias mãos, outras encostando o
corpo no seu, como que pedindo que as coçasse. Pedro,
sorrindo, distrai o pensamento conversando com as ovelhas,
que se entretinham com o apóstolo. De mansinho, aproxima-
se um pastor que Pedro não percebera, dada a delicadeza do
seu andar. Põe a mão em seu ombro e deseja-lhe a paz. O
pescador vira-se de relance e, quase assustado, cumprimenta-
o com amabilidade. Era um menino louro, dentes lindos que
salientavam sua personalidade. Em sua mão direita empunhava
um cajado, que identificava sua profissão. O discípulo de
Cristo, curioso, perguntou se aquelas ovelhas eram dele. O
menino, diante de Pedro, afirma:

— Sim, senhor, essas ovelhas são nossas.

— Nossas, de quem? — adiantou o pescador.

— Eu tenho pai e mãe, sou filho único. Meus pais se


encontram doentes e em casa faço tudo para que eles vivam.
A minha mãe é cega e agora piorou com outras doenças que
não entendemos. Meu pai caiu em um despenhadeiro, quando
ia salvar uma ovelha presa nas pedras e quase não pôde chegar
em casa. Nós somos pobres, o senhor sabe...

Pedro, m editando sobre o assunto, p erg u n ta, com


interesse:

264
~7íuv /Q ui / Q /fospH aficfa cfe

— Onde moras, meu garoto?

Este aponta o bastão em uma direção e faz com que Pedro


enxergue um casebre bem distante. Conversa vai, conversa
vem, o discípulo do Nazareno sentiu-se confortado com a prosa
do rapazinho e ali mesmo se despede, cada um tomando seu
mino.

O ar estava soprando em todas as direções, e por vezes,


i .islejava no solo arenoso, brincando com algumas folhas que
se desprenderam das árvores. Pedro, alegre, acompanhava a
natureza em festa, e de novo pensava: “Mas como é bom, como
ii campo faz bem à gente. A natureza é algo que nos conforta;
devemos buscá-la de vez em quando e com ela conversarmos
sobre os nossos problemas. Talvez seja uma ciência a ser
descoberta pelos homens, essa fonte inesgotável de vida” .

Sim ão Pedro B ar-Jonas volta às suas lides e ainda


aproveita a tarde para visitar alguns colegas que desapareceram
da pescaria, sem que ele soubesse o motivo. À noite, já se
encontrava na igreja dos pescadores, com sua obrigação feita.
I mha prazer nos serviços de limpeza, sendo ajudado, por
vezes, por alguns companheiros.

O M estre entra mansamente e toma assento no topo de


ced ro , lu g a r c o stu m e iro do D iv in o A m ig o . T om é,
impulsionado por um gesto simples, já se encontrava de pé,
pronunciando a súplica da noite. Pedro não deixa para depois.
I evanta-se resoluto, dirigindo-se a Jesus:

— Mestre! Há muito que o meu coração palpita por um


interesse que somente agora tenho a oportunidade de externar
perante ti. Sinto a vontade de praticá-la, sem que conheça ao
menos os pormenores da sua verdadeira ajuda. Podes me dizer
o que é Hospitalidade?

265
'/n ã o •''Tunes 'TKaia / S /ia o fin

O Cristo, cordial e prestativo, inicia, com delicadeza:

— Pedro! A verdadeira Hospitalidade é aquela ajuda que,


se nos aparece hoje e que nós não deixamos para amanhã. A
vida, ou Deus, como queiras entender, conhece as nossas
possibilidades de servir e nos manda que procuremos pessoas
ou coisas à altura de serem ajudadas por nós. Quando entendemos
essa linguagem dos fatos, somos hospitaleiros. Q uando a
recusamos, aproveitamo-nos da oportunidade dada pela vida
som ente para nos sa tisfa z e r e saím o s c an ta n d o em
agradecimento, às vezes, ao Senhor, no egoísmo inflamado que
nos leva somente a tirarmos proveito próprio, sem sentir o
sofrimento alheio. A Hospitalidade é a caridade que atiça na
mente e no coração o modo de aproveitar o máximo de tempo,
sem perda de outros deveres, para dar as mãos aos que sofrem e,
principalmente, àqueles que aparecem em nossos caminhos e
ainda têm os infortúnios ocultos. Que aparecem para nós, mas
não exigem de nós assistência alguma, não por vaidade e orgulho,
mas com medo de transferir aos outros suas responsabilidades
aparentes. De qualquer m odo, a nossa obrigação, com o
hospitaleiros, pela força de Deus, é servir, sem pensar em tirar
algum proveito. E auxiliar, sem que o nosso coração possa exigir
que o auxiliado tenha de assumir compromissos conosco. É
fazermos o que está ao nosso alcance sem o drama do exagero.
E, acima de tudo, não falar aos outros o que estamos tentando
fazer por amor. Ao anunciarmos que estamos fazendo isso ou
aquilo de bom para alguém — é o tal de louvor em boca própria
— escurece-se a ação benfeitora e todo esse gesto antipatiza-
nos com os que nos ouvem. Deus nos recompensa pelo bem que
praticamos em todos os ângulos da vida. Contudo, nem de Deus
deveremos exigir ou pensar, por segurança, que haveremos de
receber troca pelo que fizermos. Eis aí o comércio destemperando
os sentimentos da fraternidade. Faze o bem, a caridade, ama o
próximo, sê hospitaleiro, como se estivesses respirando o ar ou

2M >
Gïïue £ u z / Jfo sp ita ficJa cfe

sorvendo a água, vestindo ou fazendo o asseio corporal. Faze


mdo com alegria e por amor.

Pedro estava entendendo o que poderia lhe tocar como


.i ndo um aviso. Desde as primeiras palavras de Jesus, ele já
sentira Sua fala ir diretamente ao tribunal da consciência. Baixou
■icabeça, colocando-a entre as pernas, mantendo o ouvido atento
.1 d issertação do M estre sobre a H o sp italid ad e . T iago,
sensibilizado, sente vontade de amparar a todos os enfermos
do mundo. Judas, pensativo, analisava o assunto, no campo
secreto da mente: “Como ser hospitaleiro para com todos os
povos, se estes estão ch eio s de la d rõ e s, a ssa ssin o s e,
necessariamente, os bons estão misturados com a escória? Os
parias existem em todas as nações do mundo” ...

Jesus Cristo, ante todas as expectativas, continua, sereno:

— Pedro! O homem, quando começa a ser reto, não se


demora a reparar as faltas cometidas. A sua ação acompanha
imediatamente o arrependimento, para que a consciência desate
;ira o coração o ar puro do amor e restabeleça, no mundo íntimo,
11

a paz e o trabalho, com dignidade.

Pedro, ao ouvir essas palavras, não pensa muito no que


eslava pretendendo fazer. Levanta-se, mesmo sabendo que
poderia ser uma afronta aos seus companheiros, sai devagarinho
. escapole pela porta, rumando para um velho mercado que ainda
se mantinha aberto. Compra o necessário para uma família em
desespero. O comerciante faz algumas perguntas ao pescador,
admirado: “Porque não comprara aquilo em Cafarnaum? Morava
Ia ..”. Mas Pedro responde com evasivas. Improvisaram sacos e
Pedro ruma em direção à casa do menino pastor.

O M estre não precisaria perguntar para onde Pedro tinha


ído. Sabia do segredo de consciência do pescador. O Nazareno,

267
</odo OCunes J lta ia / ô fta o fin

dando a entender que não notara nada, para que os discípulos se


tranquilizassem, toma novamente a palavra:

— Meus filhos! É certo que o mundo está cheio de


sofredores, esperando mãos amigas que lhes levem consolo,
senão cura. E é para isso que estamos formando uma comunidade
de homens hospitaleiros, que não medem sacrifícios para ajudar.
Esperamos em Deus que as nossas idéias possam se estender ao
mundo inteiro. Se pensarmos em atender a todos sem condições,
seremos somente pessoas que pensam e falam, sem dar ao menos
um passo para enxugar uma lágrima. Vamos pedir a Deus por
todos e fazer o que se encontra ao nosso alcance que, amanhã, o
Senhor nos ajudará, enviando-nos mais companheiros para
restabelecer todas as coisas. Cada bem que fizerdes aos outros,
por amor às criaturas, é uma semente de caridade plantada no
coração. Dali sairão muitos a se empenhar em outros trabalhos
em favor dos que sofrem. Devemos ser sensíveis aos infortúnios
alheios e, é certo, aos sofrimentos visíveis, que se mostram a
público. Porém, não devemos nos impressionar muito com tanta
miséria que campeia entre os homens. O dever maior é começar
o trabalho do bem nos moldes que o amor nos propõe, porque o
tempo vai ser o ampliador de luz, a multiplicar os tesouros da
saúde e da alegria, da paz e da esperança, no mundo inteiro.

Judas estava inquieto com a saída de Pedro. Olhava de


vez em quando para a porta, desejando que ela se abrisse logo e
que o apóstolo voltasse, para que ele soubesse o que estava se
passando. Outros companheiros também se preocupavam com
o fato. Todavia, o Mestre se mantinha tranqüilo, e continuou
com entusiasmo:

— Meus filhos! Na verdade, existem muitos homens que


ainda não puderam conhecer e sentir a honestidade, o dever para
com a sociedade; o perdão diante das ofensas; o egoísmo, quando
as necessidades são de todos; a maldade, quando todos somos

268
OWut /Bwz / J~ fo sf)i/a íid a d e

pioccdentes da mesma fonte: Deus. Desconhecem a caridade,


<|iic tem o poder de restabelecer toda a esperança da Terra. E,
por certo, desconhecem o amor que, além de ser vida, dá vida
iodas as criaturas de Deus. Pois não é por isso que vamos
.1

lechar ou deixar de abrir a nossa escola de trabalho, nas hostes


do bem, e colocar nele o grandioso nome de Hospitalidade.

E remata, com ênfase:

— Seguremo-nos as mãos, tornando-nos mais fortes;


\ amos ao encontro dos sofredores, sem distinção, que o amor
de Deus nos cobrirá de bênçãos. Vamos!

O Mestre se levanta e torna a dizer:

— Vamos, que Pedro já foi...

Ao sair da porta de entrada, o apóstolo da fé, que ia


11icgando da casa do pastorzinho, avança em direção a Jesus
e laia, com visível alegria, os olhos molhados de lágrimas:

— Obrigado, Jesus, pela Hospitalidade para comigo!

Muitos discípulos logo se reuniram em torno dos dois


para saber o que ocorria, mas nada perceberam, porque Jesus
loi saindo e Pedro também.

269
Tiago, filho de Salomé e irmão de João, foi
um dos grandes discípulos de Jesus. Queria fazer corresponder
iis ivgiões espirituais elevadas o seu modo de ser e desejava que
i maior parte do seu tempo fosse dedicada ao aperfeiçoamento
intimo. Meditava, sem perda de tempo, em como fazer o melhor
■i inpre, à procura da perfeição.

Quando ouviu Jesus falar das bem-aventuranças, uma


i sperança cintilou em seu coração e, junto dela, o prazer de
\ iver. Contudo, ouvia um sopro na intimidade da alma, a dizer:
l .so tem um preço” . E realmente tem um preço, não na área
<omercial dos homens, mas o ouro do sacrifício, da educação,
du disciplina e do trabalho constante no aperfeiçoam ento
■spiritual, enfim, na plena domesticação das forças da alma e
do corpo.

Tiago acreditava na luz, mas sabia que para chegar até


ria leria de vencer as trevas que aparecem com inúmeras
■aracterísticas. O filho de Salomé tanto procurava a perfeição
que, quando pensava em uma companheira que o ajudasse no
barco da vida, visualizava-a cheia de encantos, expressando

271
$oão OCunes JK aia / S /ía o í/n

beleza e virtude em todos os gestos. Chegava quase a senti-la


pelo poder engenhoso da mente.

Eis que Tiago sente em seu coração vontade de visitar


Betânia e, certo dia, ruma para lá, demandando estradas, sem a
presença de um amigo sequer. Não tinha receio da noite, pelo
contrário, extasiava-se de felicidade olhando as estrelas da
madrugada e, às vezes, improvisava versos à lua, quando esta
derramava sua claridade fria nos homens da Terra. Avança na
estrada. Ao descer uma inclinação perigosa, olha cuidadosamente
onde poderia pisar com mais segurança. Súbito, sente no coração
uma alegria diferente e começa a solfejar uma canção que lhe
recordava os tempos idos de criança nos campos, junto ao
rebanho, na famosa Betsaida. Sua cabeça, de repente, rodopia
no tronco do corpo, seus olhos perdem muito do brilho e as
pernas deixam de oferecer apoio para a massa física. Não teme.
Procura um velho tronco caído que o tempo esquecera de
transformar em adubo, senta-se e lembra-se de Deus, dando
início, mesmo em dificuldade, a uma oração. Não vê coisa
alguma.

Tiago sai do corpo físico com facilidade que nunca antes


pensara. Não percebera que estava sendo ajudado por alguém que,
no mundo espiritual, trabalhava em silêncio. Tiago plana daqui,
esforça-se dali, e vê as estrelas com mais brilho. Busca a lua e
percebe com mais nitidez sua visão ampliada ao infinito. Isso faz
com que ele vibre com as belezas da criação. Do seu lado, descobre
um coxim encantador, faiscando de luxo, como um convite para
assentar-se. E foi o que fez, com a rapidez que a necessidade de
aproveitar o melhor exigia. Olha com precisão e, à sua frente,
aparece, como que por encanto, uma mulher de rara beleza e
harmonia, que pede para sentar-se ao seu lado. Tiago, meio
confuso, não sabe ao certo se estava sonhando ou acordado. Apela
para muitas coisas que conhecia, no sentido de chegar à consciência

272
~7!ue £uz / 03em-CTJuen/urcwças

■In seu verdadeiro estado, mas não consegue. É dominado pelo


ambiente e pela figura irresistível daquela personagem. A faceira
mulher pergunta ao irmão de João:

— O que vieste buscar nestas paragens?

E olha para Tiago como se estivesse acendendo um vulcão


nos lábios sensuais, de paixão, de ardente desejo; aproxima-se
mais do discípulo, quase o tocando. Este, sem compreender bem
a situação, vê uma saída: conversar com aquela moça e descobrir
onde e como poderia lhe ser útil. Antes que ele falasse, ela se
adiantou, com meiguice:

— Como não? Podes me ser útil com mais propriedade,


dando-me teu amor. Não procuras uma mulher perfeita? Será que,
porventura, falta alguma coisa em mim, que a tua idealização
esqueceu?

Tiago olha mais para seus olhos, para que o coração não
lusse tentado pelas formas da mulher. Na sua pele sensível, corre
i omo que um fogo que ele não entende bem. Nada responde.

A mulher segura suas mãos com gentileza premeditada e


luz lhe esta declaração:

— Tiago, meu amor, não queiras fugir do teu verdadeiro


.inior, que espera por ti desde priscas eras. Por que envergonhar­
ia do meu corpo, se eu fui feita sem que pelo menos conhecesse
us roupas? Será que os teus olhos estão tão endividados que, se
mc olhares do modo como a natureza me fez, vais pensar coisas
que a moral dos homens não permite? Fica sabendo que esses
homens que tanto pregam a retidão de conduta são hipócritas que
aconselham e não vivem, que mandam e não fazem, que escrevem
i lêm vergonha de 1er, que vestem os melhores e mais ricos tecidos
mas que, verdadeiramente, gostam é de mulheres que esquecem o
pudor e se desvencilham de algo que as cobre, com facilidade.

273
’ Cunes 'JKaia / ô n a o íin
(foão D

Atenta para isso. — Chama-o, na intimidade, de lado — . Eu sou


tua, aqui estamos nós dois, e nós dois somos um, pela força do
amor. Não gostas tanto de pregar o amor? Eis aqui o teu... Todo
teu... Usa-o, sem que a vergonha esfrie a tua vida.

O discípulo, com os olhos sempre cerrados, demorava a


raciocinar. Por fim, sentiu-se melhor e pôde pensar no Mestre
por instantes, sem, contudo, coordenar bem as idéias, surgindo-
lhe uma forma de pensamento. Somente vendo o brilho dos seus
olhos, consegue dizer à moça:

— Não sei com quem falo. Sei, certamente, que és filha


de Deus. Peço-te, por caridade, que não me induzas a isso, quero
pensar... Amor não se faz de uma hora para outra, e eu não estou
preparado para tal. Peço-te que me dês tempo e que Deus aprove
minhas atitudes. És realmente bela e, por vezes, pensava em
uma mulher que não fugisse a esse talhe. No entanto, apelo para
o teu pudor e que desculpes a minha exigência.

Quando ia se calando, a mulher, na meiguice peculiar à


sua paixão, reforça o que antes falara:

— Quando pensaste, logo, em uma dama para o teu


convívio, esqueceste de vesti-la, ou assim fizeste por achares
melhor?

E olha dentro dos olhos de Tiago, com um sorriso


irresistível.

Nisso, vai passando um viajante a cavalo e depara com


aquele homem já esticado no chão, com os cantos da boca
denunciando grave enfermidade, derram ando uma espum a
leitosa. O homem desce do animal e dá uma sacudidela em Tiago.
Este acorda assustado e custa a voltar a si. Meio confuso,
pergunta o que é, onde está, mas com o tempo vai descobrindo o
que sentiu e a espécie de sonho, na estrada de Betânia. Conversa

274
Cflue /Buz / B B em -C flueii/ura/iças

l'iim o senhor que o ampara, agradece e segue viagem, já ao


i mar do sol.

Os dias em que Tiago ficou em Betânia pareceram anos.


Vollou para Betsaida ansioso por encontrar João, Pedro, André
c os outros e contar tudo o que acontecera com ele, pedindo
socorro espiritual. E ainda mais, queria falar com Jesus. Tinha
necessidade de conversar com o Mestre.

A igreja de Betsaida guardava em seu seio todos os


discípulos. Natanael, pelo leve gesto do Senhor, faz a oração
da noite e Tiago, irmão de João, filho de Salomé, pergunta a
Irsus, nestes termos:

— Mestre, o que vêm a ser as Bem-aventuranças?

O C risto, dentro do seu m odelar co m p o rtam en to ,


manifesta-se com satisfação:

— Tiago! As Bem-aventuranças, meu filho, alcançam na


lerra sempre os sofredores que reconhecem, na dor, lições
ind isp en sáv eis de a p rim o ram en to e sp iritu a l. As B em -
aventuranças no mundo aproximam-se daqueles que, mesmo
diante de auras provas, dão todos os testemunhos de fidelidade,
ile esperança e de amor, como prêmio dos céus. As Bem-
aventuranças descem aos homens para confortar os que vêm
marcados ao mundo por doenças que vencem o tempo e que os
acompanham até o túmulo e que sabem, com coragem, suportá-
las pacientem ente, tirando, desse estado, norm as de vida
singular, de maneira a nunca esquecer a bondade do Criador.
Não podes ser bem -aventurado, ou alcan çar as regiões
icsplandescentes, como parte integrante dos anjos, se não
passares por testes que te comprovem as qualidades. Há muitas
pessoas que se revoltam com facilidade diante da dor, mas
esquecem-se ou ignoram que somente ela desabrocha na alma

275
(foão OCunes 'JlCaia / c5íia o íin

o esplendor da luz celestial. A tendência de quase todo ser


humano é fugir à disciplina, por desconhecer seus benefícios. É
muito agradável a quem ouve, falar com uma pessoa cheia de
delicadeza, de cujos lábios desprende sem pre um sorriso
acompanhado de amor. Mas por certo não atina com os modos
pelos quais essas posturas foram aquinhoadas e quanto trabalho
custaram essas conquistas. Uma jóia, depois de pronta, é muito
valiosa e costuma juntar em torno de si muita gente a admirá-la.
Porém, à procura desse tesouro, poucos são os que persistem,
entregando-se a duros trabalhos consecutivos, às vezes até
durante toda a existência para pôr as mãos em tais preciosidades.

Tiago ardia por dentro. Vinham à sua mente muitas


recordações mas falar ali daquele assunto seria uma falta de pudor
ou mesmo de educação. Esse “fala ou deixa para depois” toma
seu tempo e a sua mente se perturba, por simples convívio com
as sombras. O Mestre interrompe seu silêncio com as seguintes
considerações:

— Tiago! Não nos compete julgamento algum. Julgar é


privilégio de Deus, por ser Ele a onisciência universal. Entretanto,
avisar àqueles que correm certos perigos de perder valiosas
oportunidades é ajudar, é desejar-lhes Bem-aventuranças. Assim
como a luz do sol passa por uma pequena fresta mostrando sua
claridade, qualquer pequeno obstáculo à sua frente forma sombra.
Nós poderemos desenvolver um simples pensamento, de maneira
a tomar forma grandiosa do bem no reino da Terra. Mas, se
facilitarmos, as idéias inferiores poderão encontrar acesso em
nossos corações e invadir os domínios dos nossos sentimentos.
Certamente que, no mundo, existem muitos escândalos. E certo
também que, por enquanto, a Terra ainda precisa deles, mas quem
se fizer de seu instrumento sofrerá as conseqüências, ceitil por
ceitil. Compactuar com o mal é ser maléfico; ceder à inspiração
das trevas é ser trevoso; alimentar idéias contrárias à moral é

276
J7oe /oui / 05mm- OWumn/uranças

«iliai se ao malfeitor. Todo tempo é tempo de sair das garras da


ignorância mas sem o esforço do prisioneiro, os grilhões não se
l'.iilem. O que pensas em perguntar, já achaste resposta na fala
ilos leus companheiros e as respostas dadas, tu já as conhecia.
I.i li ve a oportunidade de dizer sobre a força do “pedi e obtereis”,
r isso, no campo do mal, tem resposta ainda mais imediata. Da
mesma maneira que formaste as tuas idéias, ao se referir aos
mis antigos pensamentos, a vida te ouviu e algo idêntico apareceu
■om os mesmos detalhes que o instinto animal se esquecera de
• obrir. A humanidade ainda não está preparada a viver uma vida
•le maior simplicidade, com relações mais íntimas de uns com
os outros, mas a evolução irá oferecer mais tarde os meios de
m i sem desejar, de tocar sem possuir, de ag rad ar sem

rseundalizar.

O verbo do M estre se acom oda, perm anecendo no


.niibicnte uma irradiação suave e penetrante, estimulando os que
ili se embebiam das belezas imortais da vida espiritual. Jesus
assume nova posição e oferta aos discípulos outros valiosos
i onceitos, enunciando assim:

— Meus filhos, que Deus vos abençoe. Eu espero que vós


todos sejais bem-aventurados por tudo que fizerdes, em tudo o
que viverdes e que, ao lado da execução da vida, esteja firme a
vigilância, de sorte a todos viverem bem e, acima de tudo,
desfrutarem a vida com sabedoria e amor. Adiante, ficareis
iibendo que toda a armadilha que fizeram para vós, prenderam
os próprios causadores e Deus, sendo Pai de todos, não se
• squecerá de colocá-los também no Seu reino e na Sua graça.
Igual mente ser-lhes-ão dadas todas as bem-aventuranças, desde
quando resolverem conquistá-las pelo amor. Toda manifestação
contrária às leis de Deus são ilusões passageiras que o tempo
nos faz esquecer. Mas é indispensável que, no momento em que
rslais vivendo, saibais como deveis viver.

277
tfoão OCunes JK aïa / ô /ia o f/n

O canto do pássaro de luz silenciou. Judas Tadeu e Judas


Iscariotes estavam curiosos com a lição da noite, mas Tiago não
deu tempo aos dois discípulos de o procurarem e desapareceu
naquela noite e ninguém deu notícia dele.

278
Verdade

Judas Tadeu nunca se esquecera de visitar


( V saréia de F ilipe, antiga cidade que fica no sopé das
montanhas de Hermon, beirando as nascentes do Rio Jordão.
I ssa metrópole, que buscara seu nome na condescendência de
1'ibério César e que reverenciava Filipe, o Tetrarca, valorizava
muito a região e fortalecia os lagos políticos. Chegou a ser um
1'iande centro, onde o comércio de Roma se fazia esplender
por toda a Palestina. Depois que o Imperador desapareceu dos
i enários dos césares, a mesma cidade recebeu novo batismo,
mudando seu nome de Cesaréia de Filipe para Nerônias, dada
a sucessão de Tibério por Nero. Hoje, tem o simples nome de
Iianias, para esquecer um passado que sujara as águas do Jordão
por muito tempo. Nos dias atuais, é uma simples e tranquila
aldeia, onde se vêem os restos de uma antiga civilização. O
tempo passa e passam também os homens...

Judas Tadeu buscava de vez em quando a cidade de


( Vsaréia de Filipe, ao norte da Galiléia, e ali ficava meditando,
ile forma que sua consciência parecia buscar no próprio tempo
algo que sentia, pois a alm a é, na realidade, um viajor
incomparável. E a mesma consciência nunca se esquece de

279
fjoão OCunes JK aia / ô n a o fin

escrever, por métodos desconhecidos dos sábios, a história


universal, capacitando a cada criatura os meios de, quando
lhe aprouver, consultar-se nas coisas que se referem às suas
vidas pregressas.

As ruínas de uma civilização não são propriamente a


d e s tru iç ã o de tu d o , aos o lh o s de q u em e n x e rg a . As
sensibilidades aguçadas são como uma espécie de verdadeira
biblioteca, porque nelas estão registrados todos os fatos, que
nos levam ao caminho de muitos dramas. A ciência do futuro
irá provar essas verdades que, por enquanto, ficam qualificadas
nos contos que a ilusão produz.

Tadeu era um pouco comedido. No entanto, as coisas


do passado o fascinavam. Gostava de ficar meditando sobre
objetos amigos, sentindo a presença deles e se alegrava só em
tocar coisas que o tempo enfumaçara.

Tadeu já era discípulo de Jesus nessa visita a Cesaréia


de Filipe. Certa noite, dormira em uma ruína antiga que lhe
trazia recordações indeléveis. Ao sair voando para o infinito
nos b ra ç o s de M o rfe u , a d e n tra um c a s a rã o o n d e os
personagens lhe lembravam um passado de grande glória, de
feitos incomparáveis. Isso desfilava à sua frente como nos
dias presentes se processa nos bem dotados documentários
cinem ato g ráfico s. V ia, com certa em oção, o d esfile de
carruagens de guerra da antiga Assíria; as famosas lutas de
egípcios e judeus; as glórias do Baixo e Alto Egito; de Mênfis;
os grandes feitos sacerdotais da Caldéia; o Império Babilônico;
a expressão formidável de Alexandre; as visitas consecutivas
de grandes personagens da política; o aprumo de Cartago, da
Grécia e de Roma; no cenário da filosofia e na disciplina
religiosa como a índia e a China se faziam presentes com
valores inenarráveis.

280
~7!uo /Buz / U erdarJe

Judas Tadeu sentiu-se no céu. Era isso que pedira a Deus.


Mas, de vez em quando, lembrava-se de Jesus na sua mais
Imu simplicidade e a sua consciência verdadeira acicatava
.1

"ii vigilância para que ele compreendesse o perigo da vaidade,


que sem pre foge das coisas concretas. N isso surge um
p erso n ag em com ares e fa la s e stra n h a s q u e tra z ia m
desconfiança para uma alma que já havia respirado a elevada
atmosfera de conceitos e vivência, como ocorrera com Tadeu
i |inmdo, pela vontade dos céus, tornara-se discípulo do Cristo.
<> personagem vai chegando como um príncipe e logo se
identifica, dizendo:

— Caro jovem ! Diante de ti se encontra, para a tua


lelieidade e para recordações incom paráveis no futuro, o
( '( mde Bel-Pre-Man, que te concedeu essa entrevista por dotes
de que te so u b em o s p o ssu id o r. Tu p o d e rá s te to rn a r
h présentante da nossa alta linhagem ju n to aos hom ens,
desenvolvendo em meio a eles a nossa filosofia, que nada tem
.1 ver com as fraquezas de conceitos de velhos e ultrapassados
Iilósofos, famintos e desprezados, que correm, por vezes, todas
us terras do oriente.

Judas ficou um pouco im pressionado com a fala do


<'onde, mas conservou-se calado, por não saber de quem se
tintava. O Conde voltou a falar:

— Quero te propor uma aliança e, quando tiver certeza da


lua fidelidade, não terás dificuldade para nada no reino dos
homens. Dar-te-ei tudo, pela representação do mais puro gênio
que se faz conhecer, por bondade, à tua frente, com poderes
ilimitados. Gostas do passado e essa faculdade te faz remover,
com facilidade, até as selvagens forças da natureza, cujo embrião
precisamos mover para o mundo, sacudindo seus alicerces e
. i ilocando, nas posições estratégicas, o nosso povo, a nossa gente.

281
jo ã o OCunes JK aia / S /ta ofin

Quando Tadeu começava a vislumbrar nos pensamentos a


presença de Jesus, o Conde notava isso e fazia o discípulo
esquecer da idéia, por transmissões mentais que o mago negro
dominava com facilidade. Judas Tadeu, na sua simplicidade,
pergunta, com humildade:

— Que queres que eu faça, senhor, em benefício dos


homens?

O m ago, sagaz e faceiro, deixando tra n sp arec er a


bipolaridade sensual, deixava desenhar, pelos gestos, o que lhe
passava pela mente. Sorri gostosamente, achando-se no completo
domínio da situação:

— O que eu quero? Eu quero muita coisa... eu quero muita


coisa... Nós vamos por etapas, extraindo do passado as que nos
oferecem os maiores prazeres e selecionando no presente as que
possam nos dar um gozo extraordinário. A inda terem os
seqüências dessas coisas, no futuro, que se encaixam em nossas
mãos. Não esqueças que sou um gênio de mil cabeças, de
incontáveis mãos e de muitas asas. Isso me favorece pensar em
qualquer ambiente, trabalhar em qualquer situação e voar, estando
presente em variados ambientes, se necessário.

O discípulo, meio engasgado com a situação, começou a


ficar enredado com a presença do Conde das trevas. Pede licença
para pensar no caso e lembra-se logo dos seus compromissos
com o Cristo:

— Eu já trabalho com um Mestre. E com Ele as coisas


parecem diferentes. Lá se fala no amor, na caridade e no perdão.

O Conde adiantou-se, cortando o assunto:

— Esqueçamos isso. Por enquanto, vamos ao que nos


interessa.

2K2
Î7!u0 /B u t / ~U err/acfe

E fez com que Tadeu esquecesse por um momento o que


começara a falar. Nessa influência, parece que Tadeu estava meio
Iueso. O discípulo do Nazareno sente uma forte dor no pé, põe a
n cio por impulso instintivo e grita:

— Meu Jesus!

Acorda assustado e gemendo. Acontece que um bêbado


inveterado, passando por ali, muito brincalhão, vê Tadeu dormindo
c acerta-lhe uma bastonada no tornozelo e escapole, dando
gargalhadas intermináveis. Tadeu, livrando-se do pesadelo, mesmo
sentindo dores no pé, dá graças a Deus por ter acordado e procura
i »caminho de casa, ou seja, de Betsaida, enquanto aparecia forte
em sua mente quase toda a conversa que tivera com o Conde
negro, que estava por lhe instruir para que fosse seu agente, ou
n in deles, no meio dos homens.

À noite, Tadeu se encontrava no salão, onde todos os


<•<impanheiros se encontravam a postos. Tomé proferiu a prece de
ihertura do pequeno concilio. Tadeu, ainda com o pé inchado,
i i .io hesitou em perguntar:

— Jesus, queria que o Senhor me explicasse qual a posição


iIa Verdade frente aos Teus discípulos e qual a função dessa mesma
Verdade para as nossas consciências individuais. E, ainda mais,
•|iia! o trabalho da Verdade perante a humanidade inteira.

O Mestre, na fulgência do Seu ser, movimenta o verbo


admirável:

— Tadeu! A Verdade, na sua expressão maior, é Deus.


Podemos compará-la ao sol que nos aquece e sustenta a vida na
terra e em muitos mundos. Se chegássemos mais perto Dele, por
*erto que a nossa vida se perturbaria, perdendo a harmonia que
m>s é indispensável ao bem-estar. Quem pode negar que existam
muitos obstáculos, do sol à Terra, para que a sua luz não chegue

283
tfoão OCunes <
7 lCaia / S /ia o íin

aqui como sai de lá? Pois na verdade te digo que quando a luz
do sol banha a vida humana, os reinos animal e vegetal já
passaram por muitos processos, a fim de que a brandura seja
a sua peculiaridade e para que possa beneficiar com mais
profundidade. Assim é também o Sol espiritual e, muito mais
que o astro que contemplamos todos os dias, seus raios são as
Verdades que vêm até a hum anidade, de m ente a m ente,
abrandando as realidades no sentido de fazer o melhor em
prol de todas as criaturas. A ciência espiritual é tão engenhosa
e tão perfeita, que distribui Verdades tanto quanto existem
consciências. Ela funciona do ponto mínimo ao máximo. E
por isso e para isso que ensinamos, muitas vezes, por meio de
parábolas, envolvendo as Verdades sob roupagens que possam
garantir a todos a viagem para o futuro. A vós outros que
conosco vos saciais neste banquete espiritual, tais parábolas
têm sabor mais apropriado e podem saciar algumas das vossas
necessidades. Quanto mais nos alimentamos da Verdade, mais
responsabilidade teremos, mais testemunhos teremos que dar.
Àquele a quem foi dado, mais lhe será pedido. A Verdade, na
sua posição de luz, não depende dos homens para clarear. Ela,
por si mesma, se faz conhecer. Entrementes, os homens se
aproximam dela e se propõem a estendê-la por toda parte,
não como caridade para a própria Verdade, mas para benefício
próprio, atingindo, no mesmo instante, os outros homens.

Judas Tadeu acompanhava Jesus mentalmente em todos


os tópicos de sua prosa e não deixava a distração perder os
conceitos. O N azareno alcançava o m aior objetivo que o
discípulo esperava. A dissertação continuou:

— Tadeu! Já notaste, nos antigos escritos sagrados, a


descrição da mulher de Ló, virando estátua de sal quando tenta
olhar para trás, para as ruínas de Sodoma e Gomorra? É certo
que p o d em o s a d m ira r os fe ito s a n tig o s , q u a n d o e les

2K4
C7lue to m / U erdade

impulsionam o progresso e fazem da humanidade um empuxo


(li vino na escala das belezas imortais. Porém, é perda de precioso
tempo viver de novo esse passado. É parar no próprio tempo e
se petrificar como a mulher de Ló, às portas da grande catástrofe.
( ) hoje te espera inflamado, dando-te oportunidades nunca antes
oferecidas. Aquele que segue sem interrupção está sempre à
Irente dos que olham para trás. E na verdade te digo que sempre,
nas sombras do passado, escondem-se víboras que projetam,
nos que se demoram em suas contemplações, a peçonha, o prazer
por acontecimentos que já se foram, propondo-nos que tomemos
parte nos dramas em que o clima aromático e o sangue, o ódio,
a vingança, a destruição. Se não atentamos aos nossos deveres,
( aímos em novas tentações, e o esquecimento cresce de maneira
a ficarmos de passos lentos na subida que o progresso nos
mostra, convidando-nos em todas as direções da felicidade.
Quando nos deparamos com determinadas ruínas em forma de
livros que o tempo escreveu, abençoemos suas lições e sigamos
avante em busca de novas e mais vivas experiências, deixando,
assim, a nossa cota de cooperação para outras gerações que
irão nos suceder. As gerações são como ondas da vida, umas se
sucedendo às outras, ao infinito, e, entre si, intercambiando
experiências, incentivando vidas em seqüências intermináveis.
Se gostas da Verdade, começa a vivê-la na feição que podes
suportar, pois a cada um pertence um quinhão dessa realidade.
Assim como existem muitos raios do mesmo sol...

Jesus serenou Sua fala, dando tempo para que os apóstolos


pudessem alcançar o perfume das Suas intenções e a força da
Sua sabedoria. Judas Tadeu espera, ansioso, mais alguma coisa
que lhe tocasse na alma, mais diretamente sobre o sonho que
tivera. Quis falar, não sentiu coragem; mas se esquecera que
pensar fortemente, para Jesus, era falar em uma dimensão que
não tinha segredos para Ele.

285
f/oão OÇunes JlC a ia / ô /ia o fin

O Mestre voltou aos seus conceitos:

— Os agentes das trevas estão impacientes, nos planos


m ais ligados à Terra. E les se ap ro v eitam de q u aisq u er
esquecim entos que a vaidade e o orgulho fazem aparecer.
Aproximam-se dos homens, espreitando caminhos que lhes
abram o coração, na imprudência, na ambição, na maledicência.
Chegam a perturbar até o repouso das almas e suas intenções
avançam até sobre os que Deus abençoou com maior maturidade.
Vós, que formais comigo um todo do Evangelho não podeis
perder tempo em busca de facilidades, sonhos irrealizáveis,
ganhos ilícitos, superioridades passageiras. Toda a nossa
segurança está em Deus e na nossa consciência, quando ela se
desperta para as feições do amor verdadeiro. As glórias do
passado, nas lides humanas, tornaram-se pó que o progresso
transforma em outras histórias. E o espírito, na sua consciência
imortal, é um viajante que não regride nem pode parar mesmo
que queira, pois a lei universal não o permite. A Verdade para
vós é a mesma da humanidade e de cada um em particular. O
que existe de diferente é que, para cada momento, ela veste uma
roupagem de acordo com as necessidades, como os próprios
homens da lei que, para cada tipo de cerimônia, usam vestes
diferentes. O que deveis fazer, dormindo ou acordados, é usar a
razão, em plena consonância com os sentimentos, para que o
bom senso possa falar com toda a certeza o que deveis aceitar, o
que não deveis crer e o que não merece confiança; o que deveis
provar é o que podeis comer, já que, na maior disposição de
acertar, Deus estará ao vosso lado, ajudando, pelos meios da
inspiração, a selecionardes os vossos próprios caminhos. E não
vos esqueçais de usar a oração como uma das maiores vigilâncias,
que logo as tentações se desfarão, os céus e as estrelas aparecerão
novamente, vos convidando aos espetáculos das belezas da
criação. E já que falamos em oração, é muito seguro que não
vos esqueçais de, quando vos entregardes ao repouso, dirigirdes
~7hte L u i / U e rd a d e

lima súplica a Deus, nos moldes em que a caridade se associa


tom o amor. Esse gesto, ao dormir, por certo nos desvia das
sombras que nos espreitam o dia todo.

Tadeu estava envergonhado porque, apesar de ser dado à


t ti ação, sempre que se recolhia ao leito, naquele dia, em Cesaréia
de Filipe, esquecera-se disso, envolvido profundamente em
iecordações do passado. Tinha uma certa indisposição para orar
quando o sono chegava ao seu carro imantado de ilusões.

Tadeu duvidava, até certo ponto, da eficácia da prece.

João exultou com a recomendação do Mestre, por ser


convicto da força da súplica no descanso do corpo, como em
Iodos os problemas.

Jesus vai saindo. Lembra-se de contar os discípulos.


Somavam apenas onze... Tadeu faltava, procurando se esconder
cm meio à multidão.

287

A
Universalidade

S im ã o O Z e lo te é o m esm o S im ão , o
i imanita, que aspirava por muita liberdade. Queria ser livre e
loi nar seu país também livre, já que carregava o peso da águia
ioi nana. Simão, o Zelote, alimentava idéias grandiosas. Chegava
a pensar na universalidade dos homens e das coisas. Tinha mente
avançada em relação à época em que vivia e não consentia em
«a escravo de raça nenhuma. Não gostava de partidos porque,
como o nome indica, deve viver à parte. Havia abraçado o
parlido de Judas, o galileu, porque seu programa pregava e dava
t spcrança à socialização de valores e à universalidade dos seres
Immanos. Havia direito e deveres para todos, mas, mesmo assim,
quando os companheiros começaram a querer obter vantagens
pessoais, escapuliu das fileiras, por não ser esse o seu ideal, por
n.io ser essa a sua ardência do coração. Havia criado seu próprio
\lof>an que co nsistia em “unificar os bons valores para
universalizar os hom ens” . Com eçou a andar sozinho. Os
companheiros que, por vezes arranjava, tinham idéias estreitas
c o egoísmo gritante logo se mostrava em suas ações. Não
Iinham empenho na solidariedade sem que o comércio entrasse
■ui cogitação. Isso maltratava o velho soldado da justiça.

289
f/oão OCunes JK aia / ô fia o íin

Zelote, certo dia, resolve andar, mesmo sem rumo, ao invés


de ficar na Galiléia remoendo idéias e mastigando pensamentos
irrealizáveis. Parte sem destino, anda pra aqui e pra lá, distrai-se
com pessoas estranhas e sempre leva vantagem, pela cultura
assimilada em muitas escolas e em companhia de personagens
que conhecera no arrojo da política. Gostava de saber sobre a
história do mundo e das pessoas e não tinha preguiça de perguntar
e responder.

Chegou a Belém de Judá, gostou da aldeia e ali se instalou,


conversando com pessoas já am bientadas na com unidade.
Chegou à casa onde Maria se instalara com Jesus, nome já bem
comentado nos arredores, como futuro profeta. Conversa com a
mãe do Nazareno e indaga sobre o seu nascimento, que se
constituira em uma espécie de mistério. Maria confirma como
se deu o fenômeno da vinda de Jesus, o anunciado do anjo, a
intenção de José, seu marido etc. Simão, meditando, pediu
licença para ficar mais um pouco, não havendo objeção.

Daí a pouco entram na casa dois rapazes de fina disposição


física, cujas identidades se faziam visíveis, conversando
animadamente sobre as leis, de modo a interessar ao Zelote. Ao
avistarem Simão, deram-se a conhecer como sendo os dois
primos: Jesus e João Batista. Maria passa a servir algo que lhes
restituísse as forças físicas e o cananita serviu-se do alimento
no meio deles, já familiarizado com os assuntos, ocasião em
que colocou em pauta seus ideais de uma paz única, o que
fascinou os dois rapazes. Simão se dirige a João, que parecia
mais dado à conversa:

— Moço, o que achas da política romana, que oprime os


sofredores, mesmo que estes não pertençam à sua raça? Dos
políticos que lutam somente para beneficiar certo grupo de
pessoas, não logrando êxito por não procurarem a consolidação
da verdadeira justiça? Por que não encontramos pessoas que se
Í71ue £ Ju i / Q Jnw orsaficfade

iiiiil iquem
em uma só idéia, para que ela cresça e seja o bem de
Iodas as criaturas?

Jesus, de lado, perpassou os olhos límpidos e ternos pelo


antigo revoltoso e cai no silêncio. João, notando o impulso
daquele coração para a liberdade de todas as criaturas e para o
bem comum, sem que sua inteligência encontrasse apoio nas
idéias humanas, responde, com soberania:

— Meu senhor! Essa luta é antiga; já vem desde o início


do mundo. Desde a criação dos seres humanos que o bem
■•sl'orça-se para tomar corpo na vastidão do mal que ainda
domina a humanidade. Mas nós cremos que o tempo, sendo
lorça do Pai Celestial, como sopro da natureza, passa, após
difíceis processos, a dominar esse mal e a transformá-lo em
disposições valiosas que a ignorância procura esperdiçar. As
luas intenções são valiosas e, pelo que dizes, estamos quase em
• oerência contigo, mas nunca é bom que arranquemos frutos
verdes para estômagos delicados. Nós temos ideais elevados,
mas isto não é o bastante. Precisamos saber onde e quando lutar
por eles. Nós temos forças suficientes. No entanto, temos de
descobrir quando e onde executar nossos programas da vida e
do espírito. Nós temos conhecimentos acima da humanidade.
Ioda via, em muitos casos, haveremos de conversar da mesma
lorma que ela, para não confundir seus raciocínios, até que
i licgue a hora de deixarmos o Sol da verdade brilhar nos
corações que anseiam pela libertação. Quanto às velhas raposas,
n.io cair nas suas próprias armadilhas.

O antigo discípulo de Judas, o galileu, estava boquiaberto


no tomar uma lição daquela e ao escutar coisas tão reais,
aparentemente impossíveis de serem ditas por um rapaz de
Iamanha simplicidade. João Batista, sem dar tempo para o
dialogo, fala, inspirado:

291
$oão OCunes JK aia / S fta o íin

— Meu senhor, não percas tempo com revoltas nem com


transformações fora de momento. Volta para tua terra e, lá,
espera. Espera, mas nunca de braços cruzados. Espera lutando
contigo mesmo, enriquecendo as possibilidades que sabemos
possuíres. A hora da guerra chegou, mas da guerra interna. A
de fora, entrega a Deus, que sabe como convidar-te para a
liberação da humanidade.

João calou-se, voltando à sua habitual humildade. Jesus


contou algumas histórias que conhecia sobre outras nações
do mundo e como a presença de Deus, em todas elas, se revela
sempre. A força da dicção, no falar, impressionara, de modo
extraordinário, a Simão.

No outro dia, o Zelote partiu com destino à Galiléia,


com o coração e a inteligência cheios de esperança e fé.
Encontrara o que queria; a diferença é que queria para logo,
de qualquer modo, se fosse possível, até pela violência, o que
não era aconselhado pelos dois missionários da vida, que Deus
colocara na Terra.

Quando Jesus Cristo encontrou Simão Zelote e o chamou


para o Seu apostolado, logo ele reconhecera o Senhor e
lembrara-se muito das palavras de João Batista, sedento, de
corpo e alma, para a realização do seu grande ideal.

Em Betsaida, o cananita escuta a prece da noite, feita


por André, irmão de Pedro, pedindo ao Pai Celestial a justiça
e a paz para todas as criaturas da Terra. Levanta-se sem
acanhamento o ex-político da Galiléia e fala, com veemência,
a Jesus:

— Mestre, o que queres dizer, no sentido maior, com o


nome de Universalidade e como deveremos entender essa idéia
diante de nossos irmãos da Terra?

292
3 Iu e L u i / (Unjo v /s a !id a d e

O Mestre, com proeminência, fala, enternecido:

— Simão! Que Deus te abençoe, meu filho! Que as tuas


idéias sejam livres em todas as direções, para se juntarem com
nutras da mesma cordialidade, unificando-se em um todo de
luz, para que iluminem com maior profusão.

Jesus, lembrando-se da primeira vez em que se encontrara


com Sim ão, o cananita, na casa de M aria, Sua mãe, em
companhia de João Batista, agradou-se em recordar. E a ternura
se expressou em Seu olhar e aqueceu Seu verbo, que explicou
o Seu maior ideal:

— Simão! Todas as leis de Deus são universais. Quando


o egoísmo se revela em uma pessoa ou em uma comunidade, é
porque foram esquecidos os preceitos da divindade. O que
I.damos, pensamos e fazemos deve estar relacionado com o
lodo, com o interesse coletivo, porque se cada um de nós é
uma peça na engrenagem total, a desarmonia de um faz com
que todos sofram as consequências. Cada pessoa é, por assim
dizer, a continuação da outra. Nos ditames da lei, trabalha para
que a tua liberação se dê em prim eiro plano, mas não te
esqueças de promover, desde que preparado, a liberação dos
outros, entendendo o momento exato da vontade de Deus. Nós
estamos aqui em perfeita unidade com o Senhor do Universo e
u lile entregamos nossa vida, sem pensar nas conseqüências,
desde que sejamos acionados por Ele. Toda idéia de luz atrai
uma força compatível. Toda intenção das trevas escurece as
realizações. Se queres ser cidadão universal, o que também é
o nosso ideal, ajuda a todos, sem distinção, e não cobres de
ninguém o bem que fizeste. Perdoa todas as ofensas, sem que
ii lembrança do mal atinja a vaidade e o orgulho. Faze da
caridade um dever que aprimora todas as tuas faculdades de
servir e nunca procures saber se o beneficiado está à altura de
icceber a tua assistência. Ama sem pensar que alguém é

293
efo 3 o OCunes J lta ia / S /ia o íin

obrigado a te devolver amor em troca. E espera em Deus, que


ele te dará o que mereces, sem imposição da tua parte.

O M estre silencia e Sim ão fica em bevecido com a


filo so fia d iv in a e x p o sta p or Jesu s, que c o n tin u a , com
suavidade:

— Meu filho, é do nosso agrado que sejas cidadão


universal, para que as idéias de luz tomem corpo na tua mente
e se tornem sóis de amor.

Termina com um sorriso incandescente de ternura e sai


em busca do ar fresco da m adrugada. Pedro e Tiago o
acompanham mais de perto, sorrindo também...

294
Benfeitor

Mais uma vez vamos falar de João Evangelista,


o que, de certa forma, nos dá muito prazer, pelo grande alcance de
amor que essa alma conseguiu. É de se notar, em todos os seus
leitos, o interesse em amar acima de tudo, tomando-se um benfeitor
grandioso. João tinha anseio de conhecer a vida e os fatos referentes
as grandes almas. Sua preocupação o levara à procura da vida dos
grandes vultos da humanidade. Desta feita, iremos mostrar João
alinhando idéias e descobrindo os meios de se encontrar com os
leitos de um dos maiores espíritos que já desceram à Terra, na
India. Seu nome era Sidhartha Sakyas-M uniG autam a ou,
simplesmente, Buda, que nasceu no quinto século antes de Cristo -
e viveu oitenta anos.

Pela história que conhecera da boca dos mestres, a vida e a


obra desse missionário impressionara bastante a João, que nunca
se esquecera de meditar sobre sua personalidade inconfundível.
A atração era tanta que, se Buda estivesse em sua época na Terra,
lalvez o tivesse atraído como discípulo. Buda tinha um ideal que
o próprio destino lhe traçara: a perfeição. Adorava pensar e viver
rctamente: pensamentos retos, disciplina reta, alegria reta, amor
reto, piedade reta, moral reta, e assim por diante.

295
^o õ o OCunes JK aia / S /ia o fin

O discípulo amado, mesmo antes de conhecer Jesus como


M estre, festejava com alegria as idéias dos benfeitores da
humanidade. Jerusalém estava em festa e João não se esquecera
de compartilhar com sua mãe, Salomé. Assistira a todas as
pregações dos doutores da lei antiga e, ao conversar com sua mãe
acerca do que ouvira dos mestres da palavra, parecia que existia
um vazio em seu coração, faltava algo com que ainda não atinava.
Foi aconselhado a orar, pois somente os céus poderíam dar-lhe
uma solução. Os seus pensamentos pareciam atingir alturas que
não existiam no reino da Terra. Pretendeu fazer pedido diretamente
a Deus para que lhe fosse dada uma solução, encontrando alguém
que pudesse nutrir seu coração e sua inteligência de coisas novas
referentes à filosofia religiosa, pois a existente já estava, para ele,
carcomida pelo tempo e se desfazendo frente ao progresso. Não
tinha coragem de declarar esses seus interesses. Somente sentia,
intimamente, e almejava conversar com alguém que pudesse dar-
lhe água nova para que sua sede se abrandasse.

Uma tarde, parte para os arrabaldes de Jerusalém, sem que


sua mãe soubesse. Recosta-se embaixo de uma grande oliveira,
cuja sombra convidava à meditação e ao repouso, e ali ora com
fervor. Não sabe quanto tempo durou sua prece, porque o tempo,
frente à felicidade do coração, desaparece. Começa a escutar um
leve sussurro, os galhos da árvore secular acenam em todas as
direções e a suave brisa lhe traz um agradável clima de paz. Tem
a impressão de que é cercado por entidades de cujos lábios brotam
um hino encantador e passa a ouvir a música e a letra, que
acompanha com alegria. Sentia que de si saía algo que não podia
compreender. No entanto, entregava-se com amor, pelo que desse
e viesse. Era uma experiência que valia qualquer sacrifício.

Nisto os sons ficam mais audíveis e João começa a ver, na


realidade, um coro de entidades angélicas em torno dele. No
centro dessas entidades, surge como que um sol, como se fosse

296
ÎTIuq B u * / O Senía iíor

.l.i nuinhã ou da tarde. Luzes espargiam-se em todas as direções,


roi de ouro velho que se desfazia em raios de um amarelo
encantador, e es^e sol se transforma em uma criatura: Buda —
aquele mesmo da tribo dos Sakyas — a lhe dizer:

— A paz seja convosco!

O filho de Zebedeu senta-se à m oda dos orientais,


msiintivamente, e olha para os olhos do Gautama, que pareciam
duas estrelas. De sua boca saíam cham as azuis celestes,
mlcrcambiando com um verde claro que partia dos seus lindos
dentes. E o príncipe da verdade lhe fala, com condescendência,
desta forma:

— João, por que te interessas tanto pelos grandes que


Ilassaram, a ponto de te fanatizares pelas idéias de te encontrares
com eles? Nem sempre é bom ter essa exigência. Corres o perigo
de seres envolvido pelas trevas que a intolerância propõe. Para
que tenhas notícias novas de uma nova doutrina, de conceitos
ienovados pela força do progresso, basta procurar mesmo dentre
os homens, desde quando não te aflijas em demasia na busca. A
paciência é obra segura, assim a natureza nos informa. Na
verdade, rem ovem os m uito en tu lh o da m ente hum ana,
entregamos aos nossos seguidores ferramentas correspondentes
para o trabalho de iluminação das criaturas, e a eles ficou entregue
a ampliação do avanço doutrinário. São centenas e milhares, a
caminho de milhões de almas, que deverão arcar com as
responsabilidades de pregar a verdade pelo próprio exemplo,
viver os conceitos, para depois falar aos outros. Isso requer muita
luta, muita fibra, para não dizer, a vida cheia de renúncias. Nós,
quando falamos dos céus, apontamos para cima. E, na verdade,
Ele está em cima e, para chegar até Ele, existe uma enorme
escada, com intermináveis degraus nos convidando a subir, e
cada um que alcançamos é uma conquista que vale o ouro de
reformas e realizações.

297
fjfoõo OCunes JK aia / ô fta o lin

Buda olha com mansidão para o filho de Salomé e se


desfaz nesta conversa:

— Olha, meu filho, não te perturbes tanto com a vida de


Buda. Outra vida muito mais importante, um Mestre muito
m ais grandioso já se encon tra no m eio das criatu ras, o
verdadeiro Príncipe da Paz, que me enviou quando estive
m ovendo um corpo na face da Terra. E tu serás um dos
cham ados para Sua divina companhia. Não percas tempo,
prepara-te agora nos mais elevados pensamentos e na melhor
vivência do amor, esforça-te na perfeição dos dons que a vida
te fez conhecer e procura, no trabalho reto, a tua paz; na
benevolência reta, o teu caminho; na justiça reta, o teu ambiente
e no amor reto, o teu alimento. Espera em Deus que o teu dia
chegará, como sendo o dia de luz para o teu coração e para a
felicidade dos teus.

João se derramava em lágrimas e ainda escutava, mesmo


ao longe, a suavidade da música que os anjos entoavam. Buda
torna-se novamente um sol, dizendo a João:

— A paz seja contigo!

A quele espírito, que se tornara novam ente um sol


espiritual, parecia entrar nos horizontes da consciência de João.

O filho de Zebedeu sentira que havia dormido, mas na


verdade não dormira, e na sua retina passa-se novamente todo
o ocorrido, fazendo o moço tornar a sentir as m ais puras
emoções, que antes não conhecera.

B e tsa id a e sta v a m o v im e n ta d a , a lc a n ç a n d o um
movimento de gente registrado em poucas festas de datas
memoráveis. João brincava com as crianças nos leitos das ruas
e as atraía pelas histórias que contava, visando a alegria dos
homens em formação. Tornava-se uma criança para atraí-las.

2‘>K
yiiii) Um / jSanfoi/ur

C hegando a tarde, Pedro já procurava a igreja dos


pescadores com André, sendo logo acompanhados por João. No
amplo .salão, levanta-se Judas Tadeu, sentindo na alm a o
chamado, e ora com prazer. Em seguida, João, sorridente, busca
lesus com o olhar sereno e pergunta-lhe:

— Mestre, gostaria que nos informasses, do modo que tu


compreendes, o que significa a palavra e o conceito de Benfeitor?

Jesus estica sua visão magnânima até João, abençoa o


discípulo pela feição agradável e confere o que pensa aos ouvidos
dos discípulos:

— Benfeitor, meu filho, é aquele que faz o bem e Benfeitor


verdadeiro é aquele que som ente faz o bem pelo bem ,
constantemente. Não queiras particularizar benefícios em canto
algum, nem procures mostrar aos outros que tais e quais são
donos de maior sabedoria. O saber total está em Deus, a verdade
absoluta está em Deus, e o amor, na sua pureza incomparável,
somente Deus o possui. O que nos anima a todos na disseminação
da Boa Nova é a força do Pai Celestial em tudo o que vemos,
locamos e sentimos e, ainda mais, são milhares de Benfeitores
que o senhor colocou na Terra, se assim podemos dizer, como
estrelas no céu. Em cada parte, brilha uma alma a sustentar o
Hem, que vive eternamente. Se queres, meu filho, saber o
significado de Benfeitor, é este: aquele que entregou a vida para
que a atmosfera do amor pudesse se espalhar pela terra toda. É o
espírito que tem o prazer de multiplicar os valores do coração e
que disciplina a inteligência, buscando, nessa força da mente,
meios que a lógica induz ao verdadeiro aperfeiçoam ento
espiritual. E o homem que se dedica ao Bem, não deixando as
menores particularidades na sua execução, compreendendo que
o Todo Poderoso dá a mesma assistência desde a ínfima parte
criada nos mundos que circulam na criação. A maior expressão
física que podes ver de Deus é o Sol, que parece um de seus

299
ffoSo OCunes JlCaia / ô íia o fin

o lh o s a nos a q u ec e r, e é bom que p e rc e b a m o s a sua


m agnanimidade em aquecer planícies, montanhas e mares,
insetos e animais de maior porte, sementes no seio da terra e
frondosas árvores, enriquecendo as águas com seus raios, dando
vida a todos os tipos de peixes desde o quase invisível às enormes
baleias. O Sol é um dos maiores Benfeitores que a vida conhece,
por indução de Deus. Ele faz parte da seqüência do amor
universal. Se meditas sobre essas coisas que a caridade nos alerta
e a razão nos propõe, encontrarás outras fontes de benefícios
que vêm da parte do Senhor do Universo, por bondade daquela
luz imortal.

João parecia delirar de felicidade. Judas estava impaciente,


querendo abranger os preceitos assinalados por Jesus de uma só
vez. Pedro parava aqui e ali, meditando, e, de vez em quando,
puxava o manto de André e lhe falava ao pé do ouvido acerca
dos comentários do Mestre. Bartolomeu pensava em anotar
muitos ensinamentos da noite ao sair da reunião. Tiago agitava-
se intimamente e visualizava o Cristo em uma tribuna, falando
a m ilhares de criaturas. Os outros discípulos m antinham
conversações em voz baixa, aproveitando o intervalo da conversa
do Benfeitor Maior.

O Nazareno volta a falar com sobriedade:

— João! Meus filhos! Vós que fostes chamados para nova


feição da verdade, não estais somente me ouvindo, sem que o
exem plo esclareça. Todos que com igo se saciam nesses
banquetes que o Pai Celestial nos oferta, sentirão nas próprias
existências a verdade que vos falo. Não preciso mais dizer que
sou aquele que os profetas e adivinhos anunciaram, porque estais
sabendo disso pelos dons que possuís e pelos processos de
intercâmbio do céu com a Terra. Os Benfeitores do mundo
espiritual estão encarregados de me anunciar e de trabalhar
comigo para que a Terra, com o tempo, se torne um Céu. Eles

3(X)
*»» t ,n / íHím ^ w iw

Inn prazer nisso, são os semeadores na grande vinha do mundo,


almas iluminadas pela verdade que conheceram. Eu, em nome
do Senhor, os envio para onde se faça necessário, para que a luz
nasça como fato comum de cada dia; e eles são obedientes ao
meu comando. A força maior que nos intercala e nos faz entender
c o amor, que concebemos ser a mais perfeita presença de Deus.

Nova pausa se faz, embora mais curta. E Jesus prossegue:

— João! Podes analisar os grandes seres que vivem e que


viveram no seio da humanidade e tirar, de cada um deles, a luz
de que foram e de que são portadores. Se queres ser um dos
Benfeitores de todos os povos, como não experimentar? Não
podes é esquecer que, para tanto, sem pre é preciso nos
entregarmos ao Bem sem restrições, de forma que a caridade
não pare para selecionar a quem beneficiar e de forma que o
amor se universalize. Em muitos casos, nos é pedida até a própria
vida do corpo, para nos afirmarmos no esquema divino como
Benfeitores da humanidade. Se estivermos dispostos a tudo sem
reclamar de nada; se tivermos coragem a ponto de vencer o medo
nas noites das perseguições que sempre se sucedem aos dias de
esperança; se o perdão sair dos lábios com facilidade, tanto
quanto pelo esquecim ento; se em todas as provações do
aprendizado pudermos manter a serenidade como emblema de
confiança em Deus, aí sim, começaremos a ser Benfeitores a
caminho da confirmação pelo amor.

A voz do Mestre tomou uma tonalidade musical e os


discípulos passaram a escutar uma m elodia celestial nesta
vibração divina:

— João! Podes ser um Benfeitor da alegria, estimulando


essa virtude pelo olhar, pelos pensamentos, pela palavra, que os
anjos te ajudarão nesse exercício. Podes ser um Benfeitor da
serenidade, pensando e falando nessa condição superior de que

301
ófoão DC/fies OKaia / ô /tao fin

a nobreza espiritual é portadora, nesse trabalho intenso de querer


transmitir aos outros. Mãos invisíveis se fazem mais visíveis,
para que os beneficiados alcancem mais benefícios. Se queres
ser um Benfeitor da caridade, começa a examinar as tuas idéias,
selecioná-las, para que o teu verbo seja complacente com todas
as criaturas e que a tua fala nunca esqueça o ritmo da instrução,
envolvendo-se na esperança e aliando-se à verdade que não fere
e se baseia na fé, que alimenta a vida. Sê, meu filho, Benfeitor,
pelo prazer de amar indistintamente. E para que atinjas tais
pontos, não esperes que outros venham pegar em tuas mãos como
se fosses cego. Sabes muito bem por onde começar e, se isso
ainda não aconteceu, começa hoje mesmo, pelos meios mais
próximos ao teu coração.

Todos sorriram intimamente, com exceção de dois, que se


achavam tristes, por não alcançar o que Jesus dissera.

João, naquele resto de noite, não dormira mais, pelo prazer


de ficar acordado e pensar em tudo o que ouvira dos lábios e do
coração do Mestre.

302
Trabalho

Natanael era um jovem de qualidades nobres.


I )esde criança, a sua personalidade era marcada por tendências
políticas, aperfeiçoando-se, mais tarde, de modo a se encontrar
com a verdade pelos canais divinos de Jesus Cristo.

Natanael é o mesm o Bartolom eu. Tinha um carinho


especial por uma grande personalidade que nascera na China,
na cidade de Lu, no século VI a.C. Seu nome era Kung-Fu-Tsé
ou, como é popularmente conhecido, Confúcio. Era vinculado
ú política de seu país e homem eminentemente popular. O seu
lema era a superioridade sem orgulho e a justiça sem maldade.
l;oi aluno de outro astro da filosofia oriental, que admirou até
os últimos dias da sua vida na Terra: o Mestre Lao-Tsé.

Natanael desejou, por muito tempo, conhecer mais de


perto a vida de Confúcio nos mais pequeninos detalhes que
pudessem chegar aos seus sentidos. E tanto pensava que, um
belo dia, em demanda para o Egito, encontra na cidade de
Mênfis um monge que se encontrava em viagem de pesquisas
c estudos para o seu mosteiro na Indochina. Tal homem, que
se fizera discípulo de Confúcio, vendo Bartolomeu nas ruínas

303
$oão OC/nes 'JlCaia / S /ia o fw

de um casarão, admirando as antigas construções, bate de leve


em seu ombro, toque que se refletiu no campo espiritual do
prom etido discípulo de Cristo. Este, meio confuso, vira-se
depressa e depara com grandes olhos mansos fitando-o com
profunda naturalidade, dando ensejo a ampla conversação.
Quando Bartolomeu descobre que se tratava de um discípulo
de Confúcio, quase emudece de emoção. Beijou as mãos do
m o n g e, d e m o n stra n d o su a g ra tid ã o e re s p e ito à sua
superioridade de conhecimentos, sua ternura pelas pessoas e
pelas coisas, ficando um e outro à vontade, tornando-se, daquela
hora em diante, dois grandes amigos pela afinidade espiritual.

Natanael pergunta ao monge onde estava instalado e quais


os motivos da sua vinda àquelas paragens. Depois de tudo
conversado, decidiram ficar juntos, o que muito agradou a
Natanael. E, em uma estalagem, vamos encontrar Natanael e
Sir-Ca-Yt na mais descontraída conversa acerca do grande
mestre político-religioso, dotado da mais pura filosofia chinesa.
E a madrugada chega sem que eles possam perceber...

Quando a conversação assumia o ponto mais emocional


para Bartolomeu, o monge cruza as pernas, põe as mãos no
rosto, faz uma reverência, fecha os olhos e cum prim enta
Bartolomeu, na mais intensa cordialidade. O futuro discípulo
do Cristo retribui a reverência e espera, meio confuso, o
fenômeno se expressar. De tanto falar, com amor, no Sr. Kung,
ele, por misericórdia dos céus, toma as faculdades do monge e
fala, transbordante de alegria ao companheiro marcado pelo
destino para fazer parte, em futuro próxim o, do colégio
apostolar de Jesus.

N a ta n a e l, a lte ra d o na sua c o m p re e n s ã o , m as já
entendendo o transe do companheiro, diz, com propriedade:

— Com quem tenho a honra de falar, em nome de Deus?

304
~7lut L tn / 'J ra ù a i/îo

O m onge le v an ta a c ab eça su av e m e n te, so rrin d o


complacente ao amigo que quer ouvir e fala, com sabedoria:

— Eu? Eu? Quando na passagem pela carne humana, o


meu nome era Kung-Fu-Tsé, mais familiarmente, Confúcio.

Bartolomeu sentiu uma tal emoção que o coração parecia


um potro desgovernado e xucro, sem obediência ao domador.
De joelhos, procura responder, beijando-lhe as mãos:

— Graças a Deus! Graças a Deus! Fala, Mestre, que serei


lodo ouvidos e talvez o meu prazer se confundirá com o meu
raciocínio. Mas fala sem detença!

Confúcio, incorporado no monge Sir-Ca-Yt, abre os olhos


c pede a Natanael para ficar à vontade, pois eram dois irmãos
cm franca conversa. Parecia chover lá fora e dentro da pequena
cstalagem também havia outra chuva, em dimensão diferente.
1' luidos flutuavam no ambiente, luzes e cores bordavam o quarto
c alguém que se escondia em outra faixa não se esquecera do
perfume que imantava o ambiente, sensibilizando as faculdades
dos homens em intercâmbio com a luz espiritual.

Confúcio alinha sua conversação com uma tonalidade


melódica:

— Meu filho! Que o Grande Ser, o Arquiteto Universal te


abençoe e ilumine. Eu quero te falar, ao contrário do que pensas,
que não me arrependí de ser político. As linhas partidárias são
escolas que nos levam a alimentar idéias de justiça social, de
benefício coletivo. Fazendo-se líder de defesa do povo, o
verdadeiro político vê, no seu próxim o, as suas próprias
necessidades. Não obstante, os homens de mau caráter distorcem
os objetivos dessa fraternidade. A política é uma filosofia de
Trabalho cujo ideal — de que eu participo com a maior convicção
é de servir a verdade, participando do progresso. Porém, nem

305
&oõo OCunes 'JK aia / S /ía o ftn

todos os homens foram chamados para governar. O destino


marcou-me, dando-me recursos na ajuda dos enviados para
dirigir povos, e tive a felicidade de ser útil na instrução das
criaturas, com imenso prazer. Encontrei em m inha época
governadores despidos quase totalmente de justiça e apeguei-
me a ela. Encontrei reis que desconheciam o valor do Trabalho
e fiz deste uma filosofia. Encontrei dirigentes, em muitas
nações, com carência de desprendimento e me fiz desprendido
de tudo o que possuía, para que eles visualizassem tais
exemplos do amor. Tive a felicidade de encontrar um mestre
que, depois, passou a me guiar no m undo invisível e eu
pronuncio o seu nome com respeito e gratidão: Lao-Tsé, espírito
qualificado entre os anjos de Deus. Meu filho, eu aspirava
veementemente por uma era de plena fraternidade, onde o
carneiro pudesse andar com o tigre; onde o cão se desse bem
com o gato; onde o batráquio não tivesse medo da cobra; onde
o lobo respeitasse as ovelhas; onde o caçador desse liberdade
aos pássaros; onde os peixes pequenos não tem essem os
grandes; onde os homens não se matassem mutuamente; onde
as mulheres não se escravizassem pelo apego; onde os lares
fossem todos alguma coisa do céu; onde os governos não
corrompessem as leis; onde os governados respeitassem os
direitos da nação; onde o rico não oprimisse o pobre, nem este
ofendesse o rico; onde não houvesse cadeias nem necessidade
de policiais; onde ninguém tivesse vergonha de partir o pão de
sua mesa, por não existir ninguém com fome. Onde eu fosse
tu, tu fo sse s eu, na m esm a s e q u ê n c ia do am o r que a
universalidade estruturou; onde a mãe não se interessasse
somente pelo seu filho. Onde um é por todos e todos por um,
pela justiça do Todo Compassivo.

Esfrega as mãos para que o ouvinte meditasse, dando


tempo a Bartolomeu para respirar com profundidade no ambiente
enriquecido pela luz espiritual, e prossegue, com entusiasmo:
O hm (o u i / Z J/'afial/io

— Natanael! Eu aspirava um m undo desse mas, na


verdade, esse mundo vai existir. Só temos é que esperar. Para
tanto, já desceu o Príncipe da Luz, a que todos obedecemos.
Nós fazemos parte de uma legião de espíritos a Seu comando.
Ele c anunciado por todos os profetas, mesmo antes de Moisés.
Na Assíria, na Caldéia, na Babilônia, na Grécia, na China e na
India, os clarins já tocaram há milhares de anos, anunciando
Sua vinda à Terra. E eis que Ele chegou, em nome de Deus. O
Messias prometido, é o Cristo que havería de vir. Todos os
mestres, sem exceção, se curvam diante d ’Ele para receber a
graça da Sua presença e da Sua atenção. Ele é, verdadeiramente,
;i Luz do mundo. E tu terás a felicidade de seres chamado por
Ele. A com panha-o ao prim eiro balbuciar da Sua fala e
participarás do reino de Deus, dentro e fora de ti. Ele, pela própria
presença, vai consolidar as mensagens que todos trouxemos à
Terra em variadas épocas, pela Sua aquiescência e pelo Seu amor.
Ele vai ensinar aos homens, mais pelo exemplo, a gostar do
IVabalho, tanto quanto se alegram nos feriados; a gostar de ajudar,
lauto quanto de ser ajudados; a gostar tanto da virtude quanto da
beleza; a fazer a caridade, tanto quanto lutar para ser rico; a
perdoar, tanto quanto ser perdoado; a ensinar aos outros uma
profissão, tanto quanto procurar aprender a trabalhar; a amar a
I )eus e ao próximo, tanto quanto gostar de ser amado; a se
esforçar pela perfeição, tanto quanto procurar viver perfeito.

Pára, sorrindo, leva de leve a mão à cabeça de Natanael, e


fala, com bondade:

— M eu filho! Não percas tem po no tem po que se


aproxima. Vai e segue aquele que é, foi e será sempre o nosso
Mestre, depois de Deus. E a paz seja contigo!

Confúcio parte e os dois homens se levantam, abraçando-


se e chorando demoradamente, agradecendo a Deus pelos efeitos
do seu amor.

307
f/oão ‘^Ci/nes 'JlCaia / S Á a o fín

Bartolomeu guardou aquele segredo mas, ao ser chamado


pelo Cristo, levado por Filipe, voltou à sua mente toda aquela
cena agradável na estalagem de Mênfis e lembrou-se de todas
as palavras de Confúcio a respeito do Mestre dos mestres.

A lua começara a brilhar cedo em Betsaida. Bartolomeu


aproxima-se do casarão, onde todos os discípulos, menos ele,
estavam esperando pelos trabalhos executados por Jesus. No
grande salão, Filipe levanta-se e ora, serenamente. Ao término
da prece, Natanael toma a palavra e pergunta a Jesus:

— Mestre! Que podes nos dizer acerca do Trabalho?

O Nazareno, acomodando-se com elegância no topo de


cedro, responde com humildade:

— Natanael! O Trabalho foi a primeira preocupação do


Criador. Ele nunca pára no Seu labor infinito e nós, que somos
Seus cooperadores, não podemos esmorecer. E justo observarmos
que a vida é Trabalho. Tudo se move para a garantia da beleza e
sustentação da harmonia. Quem esquece de laborar não participa
do progresso e, aí, os efeitos da evolução fugirão do seu convívio.
Não existe ninguém inútil na criação de Deus. A sabedoria do
Senhor deu a todos modos e jeitos de participarem do Trabalho,
numa divisão infinita. O homem meio esmorecido deve observar
as formigas, as abelhas, os pássaros, os peixes e até as árvores
no seu inquiétante labor. Se até nós desfrutamos do Trabalho de
muitos animais é justo que trabalhemos com vigor e alegria. Por
um fenômeno que ainda não podes conhecer, a natureza ambiente
se alimenta do que pensamos e do que somos. Não penses que o
Trabalho consiste somente em construir uma casa ou arar a terra.
Não. Toda realização é um Trabalho, desde os prim eiros
pensam entos para form ar as idéias até as mais arrojadas
concretizações. No entanto, não deves esquecer de aprender a
trabalhar na freqüência do amor e da harmonia. Falar é um

308
~7lue /B u z / Jr r a fja f/io

Iiabalho e saber falar um labor divino. Instruir é um Trabalho


grandioso e instruir bem é parte do dever em que a presença de
I)cus é mais visível e palpável. Ouvir é também um Trabalho e
saber ouvir, selecionando o que deve ser guardado no coração, é
exercício que encanta a consciência e traz tranqüilidade à alma.
Iodos somos trabalhadores de Deus e o que Ele espera de nós é
que cumpramos os nossos deveres.

O Mestre faz uma pausa. Sente o pensamento opérante de


Iodos e prossegue, serenamente:

— Quantos de vós tivestes ouvido de mim sobre o que


vim fazer no rein o da T erra? M uito s; e isso é m aio r
responsabilidade para todos nós. Viemos implantar na Terra, nos
corações de todas as criaturas, o Trabalho verdadeiro, aquele
que nunca esquece o amor. E bom que assim aconteça para que
não duvideis daquilo que viemos fazer em nome do Criador de
Iodas as coisas.

Bartolomeu ficou em suspenso, lembrando-se incessante­


mente do encontro com o monge no Egito. E os outros discípulos
ficaram com as orelhas queimando, querendo descobrir os
segredos de Natanael, que saiu apressadamente, sem se despedir.

309
Confiar

Pedro gostava muito de Nazaré, cidadezinha


pequena mas muito bem situada, construções de pedra calcária
em que a ordem im punha adm iração e respeito. E Pedro
admirava os nazarenos com seus cabelos longos, muitos deles
amantes da filosofia.

Nazaré ficava na Baixa Galiléia, mais para o norte da


planície de Esdraelom. Suas plantações de figueiras e oliveiras
embelezavam mais a aldeia, arrematada com os ciprestes. E o
que mais encantava na cidade de Nazaré era a Fonte da Virgem,
de onde saía a água para toda a comunidade dos nazarenos.
Quem fosse a Nazaré e não chegasse à Fonte da Virgem, não
linha ido a Nazaré. Era a atração do turismo, onde se formavam
grupos e mais grupos de homens e mulheres em conversações
intermináveis.

Era uma beleza natural. Simão Pedro Bar-Jonas já a


conhecera há muito. Entrementes, quem se cansa da beleza?
Voltava lá sempre que podia, já que era pescador de profissão
e por prazer. As águas lhe faziam muito bem. Traziam seus
sentimentos às praias da mente, beneficiando sua razão. Eis

311

J
(fo ã o OCunes JK a ia / ô /ia o fw

porque vamos encontrar Pedro em Nazaré, na famosa Fonte


da Virgem, contemplando as belezas naturais que a mão do
homem igualmente retocou. Depois de muitas conversações
com nazarenos que o conheceram como veterano pescador do
Mar da Galiléia, recolhe-se a um banco de pedra que a natureza
cinzelara, senta-se e começa a pensar. “Porque motivo aquela
fonte foi logo aparecer ali, quem a impulsionou para tal e como
aquela água saíra ali com a medida certa de beneficiar aquela
população, encantando os visitantes?” Eis o descortino de
Pedro, o pescador. Daí a pouco, surge um nazarenozinho de
uns quatro anos diante do pescador da Galiléia, encosta-se em
suas pernas e o chama de “vovô” . Pedro sai da meditação e
sorri para a criança, que corresponde com alegria. O menino
pula nas pernas de Pedro e fala com sua voz encantadora:

— Vovô! Eu posso pendurar-me em suas barbas?

Pedro, meio esquisito, ficou um pouco sem responder,


enquanto o menino esperava sua decisão. Passado um pouco,
ele sorri para a criança e diz:

— Pode, meu filho, pode. Por que não?

O garotinho avança com as suas mãozinhas e se pendura


nas barbas longas do homem de Betsaida. Depois agarra-se
em seu volumoso pescoço, beijando-o de contentamento. Pedro
ficou encantado com a criança, pelo seu desembaraço, olha
dos lados e não vê o acompanhante do garoto. Esquece o detalhe
e começa a responder às perguntas do menino, desta forma:

— Quem te deu essas barbas?

— Foi Deus, meu filho!

— Onde mora esse Deus, vovô?

— Nos céus.

312
7
~luo S u z / ( >on fiar

— Onde ficam os céus?

— Lá em cima — Pedro aponta para o alto.

— Você já foi lá, vovô?

Pedro, sem querer mentir, fica calado. Depois, responde:

— Não, meu filho.

— Como você sabe que fica lá em cima?

Pedro nada responde.

— Vovô, você fala. Quem te ensinou a falar?

Pedro, já preocupado:

— Foi meu pai.

— E quem é seu pai?

— Um homem, lá na cidade de Betsaida.

— E seu pai fala?

— Sim.

— E quem foi que ensinou a ele?

Pedro meditou um pouco e disse:

— Há... há... — Foi Deus.

— E quem é Deus?

Pedro começou a mostrar a fonte ao menino, distrair a


criança com outras coisas, porque estava sem jeito para explicar
àquele menino as coisas que ele perguntava. E a criança, viva
e alegre, fala com Pedro sorrindo, no maior encanto da beleza
infantil:

313
^o ã o OCunes JK aia / S/> aoí'n

— Vovô, fecha os olhos!

Pedro demorou-se um pouco e a criança insiste:

— Fecha os olhos, vovô, os olhos!

Pedro já sorrindo também, fecha os olhos e, levantando


a criança com ar de brincadeira, fala:

— E quando é que eu vou abri-los?

O menino responde:

— Agora, vovô!

Pedro, com espanto, abre os olhos e, com as mãos para


cima, estava segurando seu cajado. O menino havia sumido
das suas calejadas mãos. Procura aqui e ali, nada... O menino
havia sumido mesmo. Pedro balança a cabeça, tenta negar o
ocorrido, no entanto, vê que não era possível, ele tinha
realmente conversado com uma criança e ainda tinha em mente
as suas perguntas. Levanta-se, olha demoradamente para as
águas límpidas e belas, olha para os céus e fala consigo mesmo:
“Há muito mistério que os homens ignoram ” . E com eça a
conversar com novos amigos que vão chegando.

O apóstolo, ao chegar à igreja dos pescadores, encontra


Filipe à porta, indo os dois proceder à limpeza do salão. Mateus
queria sentir o prazer de orar aquela noite e quando pensava
nisto, depara com o olhar de Jesus, entendendo que devia iniciar
a prece. Após a súplica, Simão Pedro levanta-se serenamente
e pergunta ao Nazareno:

— Senhor, poderia explicar-nos o que se pode entender


pela palavra Confiar? Não só a palavra, mas a prática dessa
experiência que, às vezes, me confunde. Q uando e onde
confiar?

314
~7!ue J~jui / C o n fia /'

O Mestre, na sua postura elegante, ajeita o belo manto de


linho aos ombros, desliza prazerosamente seu olhar em todos
os assistentes e responde, com nobreza:

— A confiança, Pedro, não é material comprável nos


mercados da Terra, nem tampouco aquisição dos labores do
mundo. É sem ente plantada por Deus na consciência das
criaturas que pode, pelas mãos do tempo e o esforço de cada
dia, ser despertada em cada um, tornando seu crescimento, por
assim dizer, infinito nos corações. Por que não Confiar em
ludo? Com medo de perder alguma coisa? Perder o que, se
nada se perde na imensidão criativa do Criador? Se alguém te
fala algo que o teu coração não pode aceitar, para recusares
não é necessário desconfiar. Somente não aceitas e basta.
Alimentar a desconfiança, Pedro, é pender-se para o negativo
que traz ao coração a dúvida, o medo, falsificando os alicerces
de todos os teus ideais. Esforça-te para que tenhas confiança
cm tudo e em todos os lances da vida, que essa mesma vida te
responderá com a fé, com a certeza, e isso te trará a alegria
duradoura e a paz necessária para viveres. Assim como teces o
pano de fio a fio, para que a roupa te cubra o corpo, os
pensamentos são fios invisíveis, porém reais, que tecemos todos
os dias em seqüências permanentes para que formem os nossos
mais sagrados ideais, resguardando o nosso corpo espiritual.
Assim poderemos sustentar as nossas vidas, cobrindo-nos com
o manto da dignidade. Se começas a duvidar de tudo o que
ouves, como vai ficar a tua mente? Certam ente que ficará
negativa e tu serás um negativo andante. Enquanto, Pedro, não
souberes copiar a natureza na sua sábia vivência, debaterás entre
ns escórias das indecisões até aprenderes com ela as lições
ministradas por Deus. Podes, vamos repetir, rejeitar, sem, com
isso, duvidar. Com eça quando a oportunidade apresentar
condições e verás que não é tão difícil esse trabalho que a
sinceridade pode realizar.

315
(jo ã o OCunes JlC aia / ô /ia o íin

Jesus dá um intervalo e olha mansamente para todos os


seus companheiros. Pedro esfregava as mãos, dando vazão aos
pensamentos que jorravam da mente como fonte inestancável.
O Mestre novamente expressa seu modo de entender a confiança
e o confiar, na mais pura intimidade:

— Pedro! Acima da confiança nos outros, da confiança


no que ouve, da confiança nos destinos da humanidade, é bem
melhor que confies muito, mas muito em ti mesmo. Duvidas da
tua capacidade, duvidas do que podes realizar? Duvidas dos teus
sentidos, duvidas das coisas invisíveis? Se fores por esses
caminhos das dúvidas, acabarás duvidando de Deus, Nosso Pai
que está nos Céus. Procura fazer em teu coração um alicerce de
confiança, aquela que te assegura nas suas próprias convicções.
Duvidas até do modo pelo qual deves confiar e qual a hora da
confiança. Confiança não tem hora; ela deve ser permanente
como a vigilância. Mas vigiar não é desconfiar, e ter os sentidos
ligados à razão que examina os fatos e nos dá a direção daquilo
que devemos fazer e o que deve ser rejeitado, sem que a
desconfiança tome os sentidos e entorpeça a fé. Tudo o que
fizeres, faze-o com confiança, acreditando nas suas boas
realizações. Se por ventura algo falhar, como é de costume nas
lides humanas, não esmoreças com o ocorrido, e não te lembres
da dúvida. Avança ocupando a mente e o coração em outras
atitudes cada vez mais dignas. Ponderar naquilo que te convida
é selecionar trabalho e não dar vazão às desconfianças que
poderão se enraizar na tua cabeça e crescer como semente
maligna, dando muito trabalho para ser arrancada. Aquele que
não duvidar em seu coração, já começa a dar mostras de que
está entendendo a vida e atendendo ao chamado de Deus por
nosso intermédio. Começa a ser discípulo da verdade, em
verdade. Confiar em si mesmo é um passo avançado no mundo
interior. Compete a cada um começar esse trabalho e eis que as
nossas conversações estão cheias de exemplos e a nossa vida

316
J!u*> d u * / ( m
‘ n /m t

completa de execução desses convívios com a lei de Deus. Na


verdade, Pedro, a nossa mente pode produzir fenôm enos
Indescritíveis à luz da filosofia atual, pelos pesquisadores que
•,e interessam pelos fatos. Porém, diante das coisas divinas que
.e processam por intermédio dos mesmos homens, ela está bem
longe, qual o ocidente do oriente, qual a Terra das estrelas e é
por isso que aconselhamos a oração. Ela sensibiliza todos os
dons que possuis e te dá uma certeza da procedência dos fatos
acontecidos nos teus caminhos, no intercâmbio dos céus com a
ferra. Somente quem está nessa função entende os processos,
pois a linguagem, na sua pobreza diante da realidade, não
consegue dar melhores explicações daquilo que não se vê, com
aquilo que é visto. Já pensaste o que pode acontecer a um homem
cm dúvida? É o mesmo que um barco solto ao léu das águas de
um rio ou nas ondas furiosas do mar.

O Nazareno firmou a atenção no apóstolo e seus olhos


brilhavam qual as estrelas nos céus. Com firmeza, terminou sua
exposição:

— Sim ão Pedro B ar-Jonas! Nós não devem os nos


preocupar em demasia com as coisas de adultos, se ainda não
entendemos as idéias das crianças. Sejamos comedidos mesmo
na alimentação espiritual, pois para tudo deve-se ter uma medida
e um tempo. Se levares ao fogo uma massa sem a devida
fermentação, o pão irá se atrofiar e não servirá bem ao paladar.
Continua as tuas interrogações e pesquisas, mas não te esqueças
de abrir caminho com a sequência da prática, a teoria sem a
confirmação são nuvens anunciando chuvas, mas completamente
secas. E bom que não te esqueças disso: não devemos duvidar
das pessoas, porque não gostamos delas. Em muitos casos, o
ponto de dúvida está em nós. Desmerecer o que há de bom nos
sem elhantes som ente porque não possuím os as m esm as
qualidades é carência de sinceridade e falta mesmo de justiça.

317
% o3o OCunes JlC aïa / S /ja o fin

Pedro ficou preocupado naquela noite. Jesus batera


justamente no ponto fraco do discípulo. Este saiu pensativo, mas
orando em seu coração generoso.

tlH
Filipe deixava extravasar do seu coração os
mais puros sentimentos de fraternidade. Tanto que, quando
descobria algo que lhe fazia bem, queria imediatam ente levar
seus companheiros para desfrutar das mesmas alegrias que
seu coração generoso recebera. Como pescador, compreendia
a natureza e amava-a na sua grandiosa exuberância, gostava
de conversar sobre os fenômenos de todos os reinos da Terra.

Certo dia, encontrou um comerciante de quinquilharias,


ao descer de uma em barcação no M ar da G aliléia, que o
fascinou pelo jeito de conversar. Ajuda a carregar seus fardos
para uma estalagem e não pára de perguntar sobre sua vida,
seus feitos e seu destino. O homem, vivido pelas mais longas
andanças na Terra, olha para Filipe e o convida para voltar
mais tarde àquele m esm o local, onde os dois pudessem
conversar com mais intimidade. Filipe, naquele dia, com pouco
trabalho, ficou pensando sobre o que poderia ser interessante
para a conversação e o que ele, Filipe, poderia perguntar ao
comerciante, num diálogo fértil. Enfim, sentia grande atração
por aquele personagem.

319
(João OCunes 'JKaia / cSiîaoiin

À noite se encontrava na estalagem onde foi muito bem


recebido pelo cavalheiro, que o convidou ao quarto onde
estava recolhido, para que ficassem à vontade. O comerciante,
afeito a boa fala, foi logo falando:

— Meu rapaz, sei que deves gostar de histórias. Sou


bom para contá-las e na minha terra natal, a Pérsia, há muitas
delas que fascinam e instruem . M eu nom e é um pouco
complicado, mas tenho um apelido que podes usar: Pontão,
porque estou sempre na ponta de todos os negócios; tenho,
graças aos céus, dons especiais para transações comerciais.
Por notar que és religioso, tenho para ti a história de um mestre
que veio salvar o m undo. Ele nasceu lá na P érsia e seu
nascimento foi um mistério. Sua vida foi cheia de fenômenos
que enriquecem a fé e seu nome é Zaratustra ou simplesmente
Zoroastro. Eu, particularmente, tenho muito respeito por ele.
Quando estou em dificuldade, apelo para o seu coração e logo
sou ajudado, não sei como; só sei que tudo para mim corre
bem, graças a ele, alma iluminada. Por lá, o senhor Zoroastro
foi discípulo do grande profeta hebreu Jeremias, que soube
preparar seu tutelado. Zoroastro pregava um Deus único, mas
dividido em sete forças ou virtudes que são: a luz eterna, a
sa b e d o ria o n iscien te , a re tid ã o , o poder, a p ie d ad e , a
benevolência e a vida eterna. Esse Deus fazia questão de que
seu filho Zoroastro aprendesse e dominasse essas forças para
libertar os homens da ignorância, que o espírito do mal estava
espalhando em toda a face da Terra. Era, por assim dizer, uma
luz que viera para guiar todas as criaturas. O evangelho que
ele escrevera primeiramente foi uma fábula, meu filho, onde
foram gastos doze mil couros de vaca. Esses originais foram
destruídos pelo espírito do mal, que por meio das guerras,
veio queim ar quase tudo. A mão de Deus, porém, salvou
algumas preciosidades desses escritos, que hoje se tornaram
um livro sagrado. Devemos essa catástrofe à Alexandre, que

320
0%ue £ u x / *3ljucfar

invadiu Persépolis ateando fogo na maior riqueza que a Pérsia


ir ve a felicidade de conquistar pelas mãos daquele anjo que o
Senhor dos Céus fez missionário.

— Vê só, meu filho, o primeiro mandamento que ele


deixou para todos nós: “Pensar com justiça”. Isso não é uma
maravilha divina? O segundo é “Falar com justiça” . Não é
uma dupla formidável para quem quer se instruir? E o terceiro
mandamento é “viver com justiça”, o que é o mais difícil. E
há outra máxima dele que não esqueço: “Não faças aos outros
o que não é bom para ti mesmo” . Eu tenho meditado muito
sobre isso e, às vezes, saio dessas regras. Tu sabes, sou
negociante e preciso viver, mas quero que fique claro para ti,
eu tenho me esforçado para merecer a graça desse homem de
Deus ou desse anjo de Deus, que deve estar no reino de luz.

Por fim, o comerciante da Pérsia narrou para Filipe uma


longa história, empolgando o rapaz, que dizia para si mesmo:
“C om o e x iste m c o isa s b e la s no m u n d o , q ue a g e n te
desconhece” , continuando, quase em prece: “Permita Deus
que eu, um simples humano, tenha esses contatos com pessoas
de outras plagas e que eu possa transmitir essas experiências” .

O Pontão, finalizando, abraça Filipe, que ouvira tudo


completamente calado, aproveitando a oportunidade para dar
alguns presentes ao m oço de B etsaida. D esp ed iram -se,
p ro m e te n d o que q u an d o se e n c o n tra s s e m de n o v o , o
comerciante contaria novas histórias sobre seu torrão natal.
Filipe saiu acenando e, apesar do esforço, deixou as lágrimas
correrem livremente, pois algo de divino, mesmo saído da boca
de um comerciante tocara-lhe o coração.

A gente perde o sono tanto com notícias ruins como com


grandes felicidades. E foi o que aconteceu com Filipe. O sono
não chegou. Altas horas da madrugada ele, mesmo arriscando-se

321
tfoão OCunes JK aia / S A a o fin

a algum perigo, entra na barca sozinho e, como era muito


cauteloso, vai remando às margens do Lago da Galiléia. A
lua derramava uma claridade fria no lençol de águas mansas.
Ondas pequeninas sussurravam baixinho. Do lado oposto à
vastidão das águas, a superfície era tranqüila e o filho de
Betsaida vê nas águas a sua própria fisionomia que, por vezes,
se deform ava pela brandura dos ventos, dando puxos e
repuxos. Vê os céus, as estrelas, a lua, sem que seus olhos
precisassem olhar para cima, no reflexo do espelho líquido.
De repente, ora a Deus, como se ele estivesse dentro do lago
famoso e nota que seu rosto não era mais o seu. Vê um homem
de porte form oso, olhos firmes, cabelos grandes e barbas
respeitáveis, fisionomia serena, a lhe dizer:

— Trago-te a paz e a paz quero que tenhas!

Filipe olha assustado para trás, para os lados e não vê


ninguém, mas a voz continua:

— Filipe! Não perturbes o coração, não intentes ver-me


de outra forma, pois não o conseguirás, somente podes me
ouvir. E acho bom que me ouças, quero te falar sobre algo
importante para ti. Não queiras descobrir como me ouves nem
os meios que usamos porque, por enquanto, é improfícua a
tua busca. É mais razoável que simplesmente me ouças e é
muito bom, maravilhoso mesmo, que o tempo não passe em
vão.

Filipe aquiesceu sem nada responder, apenas balançando


a cabeça, pensando: “Sim! Sim! Sim! Fala, em nome de Deus,
fala que escutarei com todo zelo. Eu quero mesmo é aprender
contigo” .

As águas, no local, tornaram-se repentinam ente mansas.


Filipe, com os olhos fitados no personagem cuja figura aparecia

322
tli ntro das águas, mal piscava. Zaratustra move os lábios,
di/.endo:

— Filipe! Aquela história do comerciante foi para alertar-


le c despertar-te para algo do passado dentro da tua consciência,
ensejando que lembrasses de mim. Viveste, à minha época, como
mn dos mais ligados ao meu coração e, agora, venho te falar
i om urgência acerca do que vais fazer, pois os céus te preparam
I>ara uma grande missão: a de acompanhar o Mestre dos mestres,
que ora estagia na Terra para a felicidade dos homens. Esse
Mestre é a estrela que há de brilhar em todos os corações. Sou
também Seu discípulo e nisso tenho a maior de todas as alegrias.
Nós somos um acúmulo de almas que trabalhamos com Ele,
para que Seu Evangelho se estenda em toda a Terra e atinja a
todas as criaturas do mundo. Aceita o Seu chamado, pois serás,
dentre muitos, um dos escolhidos para segui-Lo. Conhecê-Lo-
as pelos prodígios nunca antes operados por seres humanos. Vai,
com Sua magnânima fé e com Seu incomensurável amor, levantar
caídos, curar cegos, ressuscitar mortos, dar movim entos a
paralíticos, restituir a saúde de pessoas julgadas incuráveis e,
ainda mais, trazer, para todas as criaturas, a esperança de que
ninguém morre, de que a vida continua em todas as direções do
infinito.

O retrato foi se desfazendo... e Filipe ainda ouve as últimas


palavras de Zoroastro:

— Espera, que a tua hora está prestes a chegar!

Filipe tentou fazer perguntas, mas a aparição não deu


lempo, sorriu e desapareceu... dizendo, já ao longe.

— Deixo-te a paz...

Se antes o companheiro de Pedro e André havia perdido


o sono, eis que agora é que não veio mesmo. A felicidade

323

J
$oão OCu/ies JK aia / ô /ía o í/n

transbordou o cálice do seu coração e o velho barco deslizou


pela superfície do lago até que o sol mostrou seus primeiros
raios.

Filipe parecia ter vindo do céu, mas como continuava a


viver na Terra, desceu do barco, dando com os colegas que o
chamaram para a pesca. Perguntaram-lhe porque estava ali tão
cedo e ele despistou com habilidade, distraindo a curiosidade
dos amigos. Começaram a contar casos e a sorrirem, todos
juntos.

Encontramos na presente mensagem, a razão pela qual,


quando Jesus chamava os Seus discípulos, eles largavam tudo
o que possuíam, todos os deveres e acompanhavam o Mestre.
Todos eles já esperavam por essa hora. Já haviam sido avisados
por muitos meios de que a vida e Deus dispõem e, ainda mais,
o poder de Jesus e os compromissos por eles assinados no
mundo da verdade.

À noite, na igreja dos pescadores, todos se regozijavam


como sempre, pois cada reunião trazia muitos conhecimentos,
firmando em cada um a convicção dos seus desempenhos e
abrindo novas claridades para o futuro. Pedro, percebendo o
o lh ar de Jesu s, le v an ta-se e abre os tra b a lh o s o ran d o
ardentemente. Filipe, cordial e manso, dispõe-se a saber algo
do que guardara na mente:

— Mestre, o que poderemos entender, e quais os melhores


processos a adotar para Ajudar às criaturas?

O Mestre de Nazaré, meigo e compassivo, responde ao


discípulo, com manifesto amor:

— Filipe! Para que possamos Ajudar os outros com mais


segurança, faz-se indispensável compreender os processos da
ajuda e o que significa Ajudar. As vezes, a boa vontade sozinha

324
~7li>v /L u i / CX/ucJar

mio basta. Para que possamos nos tornar benfeitores de alguém


< preciso que nos aprimoremos nos serviços da caridade. Não
que a exigência acompanhe as atitudes de beneficência, mas
que a e sp o n tan eid ad e não seja co rro m p id a com certas
imprudências inspiradas pela vaidade. Podes usar inúmeros
meios de ajudar às criaturas nas suas dificuldades, mas nunca
passar de determinados limites, marcados pelo dever de cada
um, para que a ajuda não se torne em frieza de atitudes
próprias. Esse aprendizado somente se aperfeiçoa com o tempo
c a prática permanente. Certamente, não poderemos desprezar
os conceitos que a filosofia da palavra vem nos trazer, pois
ela c como o primeiro chamado que as almas ouvem. A teoria
c como se fosse o primeiro preparo para o plantio, por isso
indispensável, mas a realização é muito mais significativa.
Uma e outra devem andar de mãos dadas, como a inteligência
e o sentimento. Se um age separado do outro, o ideal se esfria
e as realizações se tornam pobres. Ajudar é muito bom, Filipe.
Todavia, saber ajudar é bem melhor. A nossa obra na Terra
con siste nisso: A judar sem exceção , co m p reen d er sem
exigências e amar na extensão universal da vida. Todos vós
tendes sido ajudados por meios inesperados, sem entender
puramente o sistema empregado na ajuda. Isso é Deus falando
pelos seus inesgotáveis recursos àqueles que estão preparados
para ouvi-Lo. Antes que eu vos chamasse, todos vós já me
eonhecíeis pelos poderes do Senhor. Mesmo usando outras
criaturas, Deus não desconhece ninguém, todos são Seus filhos
do coração. O rebanho é muito grande e o Pai me entregou o
lrabalho de zelar por ele e instruí-lo, sem deixar faltar a melhor
parte: o amor. Quando o Todo Poderoso quer, Ele fala conosco
pelas pedras que achais sem vida, pelas árvores que não
dispõem de boca nem de mente pensante ou pelos animais
que não foram agraciados pela razão. E se bem digo, digo
isso: Ele poderá falar até pelas águas, para que a verdade se

325
tfo ã o OCunes JK a ia / S/jaofw

estabeleça e a fé marque nos sentimentos a esperança daquilo


que deveria vir na época predita pelos céus. Eis uma ajuda
divina para os homens da Terra. Nós estam os aqui é_para
aprender como Ajudar melhor aos sofredores, como servir com
mais eficiência aos ignorantes e como ser mais úteis aos que
pós ofendem por desconhecerem jL verdade. M esm o q s
escolhidos ainda mesclam, na ajuda, sentimentos próprios que
não condizem com a fraternidade.legítima, mas estão a.caminho
dela. Sempre que damos a mão a uma pessoa, exigimos que nos
ouça; sempre que vestimos um nu, interrogamos sobre sua vida
gara violentar com conselhos que às vezes desobedecemos;
sempre que acolhemos um estropiado, a exigência nossa é que
ele force sua educação, a mesma educação que desprezamos na
hora dos testemunhos.

O tempo passa vagarosamente durante a pausa, e Filipe


medita muito. O silêncio parecia falar também, porque quem se
dispõe a aprender por amor, ouve, como diz o Mestre, vozes de
todos os lados, por todos os meios da natureza. Jesus dá
prosseguimento, com sabedoria:

— Filipe, espero que tu e teus companheiros não intenteis


Ajudar alimentando sentimentos inferiores. Não poderemos
generalizar essa conversa. No entanto, apreciamos muito a
disciplina, lembrando-nos imediatamente que ela serve certinho
para tal e qual pessoa que conhecemos. E ainda pior, que
• asseguramos esse meio como se fosse uma ajuda àquela criatura.
Não obstante, quando somos louvados por simples dever, não
nos lembramos de transferir esses elogios para as pessoas que
realmente os merecem."Todeis começar a Ajudar a vós mesmos,
refreando todos os impulsos que desrespeitam as leis de D eus^
Nós somos verdadeiramente uma harpa divina, onde os sons
somente saem com harmonia se as cordas estiverem bem afinadas.
Quantos de vós não ouvistes lições maravilhosas por lábios a que
7!\>o U uâ / r7 !iu J a r

não davam certo valor? Pois é Deus mostrando que está cm todos
e em tudo, olhando-nos e ajudando-nos constantemente. Façamos
o mesmo e tornemo-nos dignos de sermos filhos da verdade,
compreendendo os meios de Ajudar, de como servir melhor, que
as bênçãos dos céus não faltarão aos bons trabalhadores, que se
conservarem fiéis aos seus compromissos. Que Deus nos abençoe,
a todos!

Filipe estava cheio de paz... Aquela noite, tinha certeza de


que iria dormir, porque serenara a sua mente pela presença da luz
mais intensa em seu coração.

327
Desprendimento

Judas Iscariotes gostava, de certo modo, da


grandeza. E nesse penhor, que se sucedia todos os meses e
anos, admirava o rei Salomão pelo seu talento, sua fortuna e
seu poder. Achava esse rei o máximo que um ser humano
poderia atingir. Salomão era, de fato, o personagem mais
admirado em todo o mundo no seu tempo e Judas se fascinava
quando pensava nele ou ouvia sua história.

Salom ão subiu ao trono com vinte anos e governou


quarenta. Foi o último filho de Davi e sua mãe chamava-se
Bate-Seba. N asceu em Jerusalém e era considerado como
homem pacífico por natureza. Pela significação de seu nome,
seu destino era florido de todas as nuances que a felicidade
poderia soprar na face da Terra e era isso que Judas Iscariotes
idealizava. Salomão reinou quase mil anos a.C.. Era poeta por
natureza, conhecia profundamente a botânica, sobre a qual
escreveu tratados de muita profundidade. Colecionou animais
e plantas de todas as espécies em seu palácio e era portador
de sab ed o ria incom parável, aliada a um d iscern im en to
incomum.

329
ffo ã o OCunes 'JK a ia / ô íia o íin

Judas Iscariotes era muito amigo de um sacerdote que


tam bém adm irava Salom ão. O nom e desse relig io so era
Paliotila-Sem-Ju, mais conhecido por Ju. Judas gostava de
conversar com o sacerdote sobre assuntos referentes ao rei
mais imponente que a Terra conheceu em sua época. Um dia
Ju chama Judas e fala-lhe ao pé do ouvido:

— Judas, eu quero te revelar uma coisa, meu filho, de


que tu irás gostar imensamente.

— O que é? — perguntou Judas ansioso.

Ju puxa-o para um canto do templo onde estavam e


balbucia:

— Olha, Judas, fiquei conhecendo uma pitonisa do Baixo


Egito que é uma maravilha! Sabes quem fala por ela?

Pára um pouquinho para que Judas pense.

— Não, não sei! Quem é?

— M eu filho, é o rei Salom ão, eu assisti! M as que


sabedoria, mas que encanto a sua palavra! A moça é realmente
divina em seus dons de falar com os mortos! E bom que vejas!
É bom que vejas!

— Mas como posso ver?

Ju atende com presteza:

— Ela vem aqui em Jerusalém nos próximos meses e


talvez fique em nossa casa. Ela se tornou muito amiga minha,
porém precisas de muito tato no caso, por causa dos príncipes
dos sacerdotes. E les não podem d e sc o n fia r das nossas
intenções, ainda mais com a tua participação, entendeu?

— Sim, sim! Compreendo... Continua, Ju.

HO
1Jlutt /L o t / 7 )esp r* n r/im an to

— Vamos dar um jeito, somos muito íntimos um cio


outro, fui eu que dei conhecimento dela aqui nas sinagogas c
o interesse é geral no seio das igrejas. Todavia, o segredo está
sendo a maior intenção de todos.

A pito n isa era um a linda egípcia na flo r dos seus


dezessete anos. Esplendia em seu sorriso suave encantamento
c seu olhar magnetizava todas as criaturas. Tinha a palavra
também cativante. Seu nome era Flor de Lótus ou Florinda-
Flor. Ficava em casa especial, muito vigiada, mas podia sair
acompanhada de certas aias, treinadas especialm ente pelos
sacerdotes de lá, para que o cerco não fosse rom pido por
pessoas indesejáveis. Além disso, pela sua vestimenta, até os
populares dariam cobertura a ela, caso fosse atacada por
m arginais. E, além disso tudo, era co n tem p lad a com o
acompanhamento em que mais confiava: o espiritual.

Ju conversou com ela acerca de Judas — que já a


admirava mesmo sem conhecê-la — explicando que o rapaz
era ardoroso admirador do astro que se manifestava através
dela: Salomão. Flor teve pressa em conhecer Judas e combinou
tudo com Ju. Seria na sua casa, iria com as aias. O sacerdote
preparou tudo, ornou o am biente de flores e arranjou até
música, dentro do gosto do rei. No dia aprazado se fizeram as
apresentações, com Judas se sentindo o homem mais feliz da
Terra, por conhecer aquela beldade, podendo falar ainda com
o rei mais venerado de Jerusalém, mesmo depois de séculos
após sua morte. Flor, que já parecia estar tomada por alguma
força, adequadamente vestida, desliza pelo centro da sala com
vários lápis coloridos. Desenha um grande círculo no piso e
fica no meio dele. Rabisca outros emblemas e uma estrela
onde apóia seus pés, esticando seus braços para cima, ao som
da música. Faz uma oração em aramaico e, em minutos, vai se
transformando, como por encanto, saudando todos os presentes

331
jo ã o DCt/nes 'JKaia / S A a o í/n

e senta-se em uma cadeira toda ornam entada para aquela


cerimônia. Conversou com aqueles que já o conheciam através
de Flor e deparou-se com Judas — nessa hora um pouco
melancólico — falando, serenamente:

— Meu filho, queres me conhecer?

— Sim, senhor! É o meu maior prazer!

— Pois, na verdade, eu digo que te conheço há muito


tempo. Por vezes, sigo teus passos para ajudar-te nos espinhosos
caminhos do teu mundo íntimo. Querias o desconhecido e eu
queria falar com quem muito já falei. Pois bem, a roda gira sem
parar e os seus raios mudam de posição na frequência dos
movimentos. Assim somos nós em relação às nossas vidas.
Assim como ninguém morre, igualmente ninguém pára no posto
em que se encontra. Basta dizer que até o que falamos hoje é
diferente do que falamos ontem e do que vamos dizer amanhã.
Mas somos os mesmos na estrutura com a qual fomos feitos
pelo Todo Poderoso. Se crês em Deus, crê também em mim e no
que eu vou te dizer, para teu próprio bem: trabalha, Judas, por
dentro da tua consciência, limpa os entulhos que jogaste nos
vales da tua mente, por preguiça de queima, porque cada vez
que deixares passar o tempo, a podridão aumenta e te toma o
corpo todo. És meditativo até a melancolia. Nunca levantas pela
manhã com alegria de viver. Achas a vida um fardo de mau
agouro e nunca estás satisfeito com as tuas companhias. Quando
te alegras um pouquinho é com coisas abstratas que fogem à
realidade. Começa a trabalhar no teu coração, modifica teus
sentimentos. Se as forças não te protegem, não esmoreças, que
alcançarás o que queres, porque a ajuda dos céus jamais faltará
aos homens de boa vontade. O sacrifício que te serve atualmente
é esse, o sacrifício das paixões. Nos traços da minha existência
terrena, fiz coisas que não deveria ter feito como um rei político-
icligioso, mas alcancei muita glória que me deu plena satisfação.
/Joe L ut / i)o.\fnvinlimvntn

Eu trabalhei pela alegria, mas alegria com justiça. Estudei c l i/


justiça. Até quando fui condenado pelos sacerdotes, o meu lema
era a justiça. Essa moça pela qual falo contigo foi uma das vítimas
tia minha vaidade, mas eu a acompanho hoje nessa sua tarefa de
redenção, dando-lhe meu apoio em toda a difusão da verdade.
O que é meu é meu, e o que pertence aos outros eu estou
entregando pelos processos da caridade, no silêncio das
faculdades, dons abençoados por Deus. Judas, eu estava
esperando esta hora de te perdoar. Mesmo que não te lembres,
não importa. Eu falo mais para dentro de ti do que para fora. O
tempo haverá de ensinar-te esse processo de conversação. Se te
alegras conversar comigo, a mim alegra muito mais falar contigo,
de coração para coração. Ninguém pode se esconder do outro,
porque as leis não o permitem. Sempre estamos nos encontrando,
nos caminhos da vida.

Iscariotes chorava sem interrupção. Os presentes não


atinavam com o ocorrido, achando que era a emoção que tomava
conta do amigo de Ju. A sala parecia uma festa. O Espírito
Salomão, sorridente, continua a falar com Judas, mudando um
pouco na sua dialética imperturbável:

— Meu filho, está para chegar a tua hora de decisão. Serás


amparado por um profeta e até eu queria estar em teu lugar para
ouvi-lo.

Quando fui rei em Jerusalém e meus feitos brilharam no


mundo inteiro, um velho adivinho já tinha me dito da vinda de
um Messias para salvar a humanidade, esclarecendo ser da raiz
de Davi, meu pai. Quase não dei crédito, mas sua profecia era
certa. Digo-te que está para chegar a hora de seres chamado
para o reino da misericórdia e do amor. Serás tentado por todos
os meios para desfazer os trabalhos desse Mestre, mas nunca
conseguirás, nem que tivesses a força de todos os homens, porque
Ele está sendo enviado por Deus. Mas na verdade te digo que

333
JJoão OCunes JK aia / ó /ia o ín

mesmo não suportando a fidelidade, não serás desamparado, e


terás novas oportunidades até que, por ti mesmo, te ajustes com
a consciência para que ela libere os teus feitos e para que tenhas
paz e venhas trabalhar conosco neste reino em que me encontro
para a eternidade e que nos une pelo amor, pela justiça e pela
sabedoria.

Judas quis entrar no círculo para beijar os pés da pitonisa


revestida de Salomão, mas foi aconselhado a não fazê-lo. Alguém
que assistia puxou-o com rapidez, fazendo-o assentar-se
novamente no banco. Salomão, sorrindo, saúda os presentes,
desejando-lhes muita prosperidade e paz, saúde e trabalho.
Despede-se de um por um, e novamente fala a Judas:

— Nunca queiras ser o que eu fui; essas intenções são


irrealizáv eis e perderás o tem po em ilusões que não se
concretizam. Deves ser tu mesmo diante do Todo Poderoso e te
movimentes naquilo que podes ser. Um profeta novo já se
encontra na Terra, mas na verdade Ele é mais velho do que este
planeta, porque assistiu seu nascimento e deverá assistir a sua
morte. Esse sim é o maior de todos em todas as programações
da vida. Nós somos os Seus agentes e eu um dos menores. Tenho
prazer em servi-Lo e a maior alegria em amá-Lo. Sê feliz e não
esmoreças na tua jornada, que o Deus de misericórdia nunca se
esquecerá de ti, onde estiveres.

E a pitonisa vai balançando as mãos como se estivesse se


despedindo — e estava m esm o, — dando adeus aos que
ficavam...

Vamos encontrar Judas Iscariotes na igreja dos pescadores,


onde assiste Tiago de Alfeu fazer uma prece profunda a Deus,
de impressionar os corações sensíveis. Nisso depara com o olhar
magnânimo de Jesus e entende que deveria perguntar algo
naquela noite, e assim o faz, com desembaraço:
'Vi'»» l u» / /)™ /* n n (fjm * n /o

— Mestre! O que podes nos dizer sobre o IJcsprendimenlo?

O Cristo, sentado no cepo, como de costume, apruma as


vistas e perpassa os olhos suavem ente em todos os seus
discípulos, dizendo:

— A paz seja com todos!

Em seguida fala com sabedoria:

— Judas! Desprendimento, no tocante aos bens terrenos,


é uma arte de difícil assimilação. Não devemos nos esquecer
das grandes necessidades que temos dos valores materiais e do
quanto eles nos servem na jornada terrena. Porém, é muito útil
que não nos deixemos ser tomados pela usura que, por vezes,
nos cega o entendimento. Cada criatura tem missão diferente
nas hostes da vida e, de conformidade com sua tarefa, ela requer
determinadas condições materiais. No entanto, a vigilância não
deve ser esquecida em todos os momentos, para que não se
afogue em nós o poder de servir e a fraternidade que nos nivela
a todas as criaturas. Querer ser rico somente por ser, sem que o
destino nos escolha para tutor dos bens materiais é forçar a
natureza, o que nos leva a nos dar mal na conjuntura dos nossos
ideais. O ouro em si não é bom nem ruim, ele é o que é no reino
a que pertence. A inteligência do homem é que o transforma
em carrasco ou em santo, dependendo das intenções e do modo
pelo qual emprega as suas forças. Judas, ainda temos o ouro
interno, de muito maior valor, o ouro da capacidade de servir,
de ajudar, de amar e de perdoar. Nós temos os valores da
compreensão, da alegria e do bom ânimo, do olhar e da palavra,
enfim, dos pensamentos e das ações. Nós estamos trabalhando
para saber fazer uso dessas fortunas que ex istem , com
abundância, no reino da Terra. Quase todos os homens vivem à
procura das glórias efêmeras, dos poderes temporais, que a
política do mundo oferece. Esquecem-se do custo que pode ser

335
jo ã o OCurtes 'JK aia / S A a o íin

exigido pela própria humanidade. Desprendimento, meus filhos,


não é abandonar os bens que se possui... A verdadeira renúncia
é aquela em que se pode viver dentro das maiores glórias, sem
que a vaidade e o orgulho comandem o coração. É aquela em
que se pode estar de posse de muito ouro e dono de muitas
propriedades, mas fazer uso dessas possibilidades para o
progresso dos homens e a felicidade de todas as criaturas,
dando serviço digno aos que procuram trabalhar, instrução
elevada aos ignorantes, teto aos que dormem ao relento, pão
aos que sentem fome, roupas aos que precisam delas e, acima
de tudo, quando esse tesouro material possa incentivar os
necessitados a ganhar o seu próprio sustento com os seus
próprios esforços. Esse é o verdadeiro Desprendimento. Diante
da posse de muitos bens, mesmo ajudando os outros em alta
escala, nunca deves fazer aos outros o que não pretendes para
ti mesmo. Deves vigiar e orar, para que a prepotência não
perturbe a serenidade da consciência. Orar e vigiar, para que
a violência não castigue a mansidão e o ódio não maltrate o
am or; e que o am or próprio não persiga a fraternidade.
Desprendimento é um bem universal que faz tu dares sem que
fa lte em tu a m esa; que faz tu p e n sa re s sem c a n sa r a
consciência; que faz tu receberes sem prejudicar o próximo;
que faz tu sorrires ajudando os tristes; que faz tu teres gratidão
sem bajular ninguém. Que faz tu trabalhares em benefício de
todos. Desprendimento é a liberdade, e liberdade é amar a
todos e a tudo, sem que o apego nos escravize.

O Mestre falara de um só fôlego. E valeu a pena, porque


Judas saiu alegre da reunião, mais ou menos desanuviado das
suas habituais preocupações.
Esse valoroso homem, André, que se tornou
discípulo do Divino Mestre, foi trucidado na Acaia, pendurado
em um madeiro em forma de X, para que o Evangelho ali fosse
dignificado como força de vida. Ele chegou a Corinto com
alguns de seus acompanhantes para fazer mais conhecida a
Boa N ova de Jesus C risto e foi colhido por m alfeitores
encarniçados no crime, guiados por políticos inescrupulosos,
no intuito de fazer calar o anunciante das coisas do espírito.
André nunca se esquecera da lição de alegria dada por Jesus. E
quando era espetado por lâminas que a violência fazia acionar
em seu corpo, ainda lhe sobrava força espiritual para sorrir,
sabendo que estava cumprindo o seu dever de entregar sua
vida fís ic a com o sem en te p ara as fu tu ra s á rv o re s do
Cristianismo no mundo.

André tinha muita afinidade com o mundo grego e sentia


imenso prazer quando ouvia falar dos filósofos mais instruídos
da Terra, que haviam nascido na Grécia. Tinha notícias também
de um seu contemporâneo de nome Apolônio de Tiana, um
iniciado que iluminara o coração pelo amor e a verdade de que
a sua incomparável inteligência era portadora. André sabia de

337
?/iâo OCu/tes JlCaia / ô /ta o fin

cor muitos preceitos de Sócrates e Platão e os admirava pela


rara beleza de seus ensinamentos, eivados de justiça, amor e
alegria.

Bem, vamos encontrar o irmão de Pedro cansado da


refrega diária que tinha o M ar da Galiléia como palco. Ali,
naquele mundo líquido, estava a lavoura dos pescadores.
André chega em casa e entra em meditação sobre a vida dos
homens e das coisas, sobre Deus e a criação, sobre o porque
viver e para quê, pensando se iria ficar toda a vida como
pescador, enquanto existiam milhões e milhões de outros cada
vez mais ricos, enquanto os romanos dom inavam quase o
mundo inteiro. E o cidadão romano se destacava onde seu
dom ínio se salientava pela força, enquanto os outros se
mantinham como escravos ou servos, como escabelos de seus
pés. Passados alguns m inutos de m editação, pega alguns
escritos sagrados e, lendo, dorme como uma criança e voa
como um passarinho que o destino leva para as regiões do
Éden. André é levado por alguém que não vê, entra em um
enorme pátio onde se avistavam muitas pessoas a trabalhar,
cuidando dos harmoniosos jardins. Depois é conduzido para
um amplo salão onde uma mesa circular enfeitava o ambiente,
rodeada de cadeiras confortáveis. A música se espraiava na
atmosfera sem que se pudesse descobrir sua procedência. Mais
ao lado, várias cadeiras reclinadas, bem dispostas, convidavam
à conversação. Duas delas estavam ocupadas por personagens
que logo o filho de Betsaida atinou quem seriam: Sócrates e
P la tã o . Foi c o n v id a d o a a s s e n ta r-s e , o q ue fez m eio
desapontado, mas alegre. O seu acompanhante conversa com
os dois líderes da filosofia, apresentando seu tutelado. André
ouvia mas não via a entidade. Sócrates, muito gentil, saúda
André, e Platão deseja-lhe paz. O irmão de Pedro, prestimoso,
responde às g e n tile za s dos dois sen h o res e co m eç a a
conversação, iniciada por Sócrates:

UH
— Meu filho, ainda estás preso aos liâmes da carne e
talvez não conseguirás reg istrar tudo o que p o rv en tu ra
deveriamos conversar nesta oportunidade. Todavia, a bondade
de Deus é imensa e nos dá outros recursos. Guardarás tudo
dentro da consciência como se fosse um gás circulando nos
mais profundos arquivos da alma, por leis que desconheces.
Na hora conveniente, tal conhecimento irá aflorar na inteligência
cm forma de lembranças, meio confusas a princípio, aclarando-
se depois e tomando a forma que pretendemos na realização
que foi desejada. Nós te agradecemos a admiração que tens por
nós, ao conhecer fragmentos dos nossos feitos quando passamos
pela Grécia e o interesse nosso de falar-te era bem maior que o
teu de nos conhecer, pois se trata de coisa muito interessante e
da maior importância para a tua vida. Escuta com atenção. Foste
preparado, meu filho, antes de nasceres na Terra, para te unires
a um Mestre que se propõe a ensinar aos homens. Deves segui-
Lo quando o chamado chegar aos teus ouvidos. Terás um papel
a desempenhar na estrutura orgânica da religião nascente e a
nossa maior alegria é que podes desempenhar o teu papel com
prudência, com coragem e com amor. É bem possível que tenhas
de dar duros testemunhos, sem que o medo te torne covarde,
mesmo que sejas abandonado nas horas mais difíceis. Não
temas, é nessas horas que precisarás de mais ânimo. E nós, de
onde estiverm os, haverem os de co o p erar com todos os
trabalhadores desse Mestre incomparável. Ajusta teu caráter
na dimensão de novos entendimentos a serem administrados
por Ele e avança destemido. Quando estivemos na Terra, já foi,
de certo modo, preparando terreno para essa grande alma, já
foi semeando gotas de luz que Ele nos ofertou nos planos
resplandecentes em que transita. Esse espírito de que te falo já
se encontra na Galiléia, onde tiveste a abençoada felicidade de
também nascer. A Terra, André, encontra-se em festa espiritual
por hospedar a maior das estrelas dos céus. E nós, mesmo do

339
$ o âo OCunes JK a ia / ô /ia o íin

plano espiritual, continuamos a ajudar a dissem inação das


idéias de Deus, anunciadas pela mensagem do Messias. Na
verdade te dizemos: o sol vai nascer na escuridão do planeta em
que vives, do qual também estamos fazendo parte.

Sócrates, sorrindo, adianta, com sabedoria:

— Meu filho! Esse Mestre de que acabo de falar é um


grande educador cósmico, que não só é Mestre de fora, como de
dentro da alma. Que Deus abençoe a tua existência no mundo e
o teu trabalho de cada dia!

Sem que André pudesse falar, desejoso de agradecer àquele


homem maravilhoso que fazia transparecer pela fala e pela
presença a serenidade dos céus, Platão dá continuidade à
conversa de Sócrates. André preparou-se para ouvir o antigo
filósofo que derramou sobre todos o conhecimento humano da
m ais p u ra e ssê n c ia e d u c a tiv a , que fo rm o u c o n c e ito s
elevadíssimos sobre política e vivência humanas, fundador de
métodos democráticos de direção dos povos, o homem que
sonhou com a fraternidade vivida e deu ensejo às universidades
na Terra, que falou de continentes desaparecidos, como a
Atlântida e a Lemúria como se os tivesse visitado e neles morado.
Foi tam bém quem soube no m undo, entender com mais
profundidade o pensamento de Sócrates, desdobrando-o em
inúmeros ramos de entendimento e fundando educandários
exemplares, como academias de luz. Platão começou a falar
tranqüilamente a André:

— Filho de Betsaida, terra generosa e boa! Que o nosso


Pai Celestial te infunda ânimo e fé para remover do teu coração
todas as dúvidas que por acaso estiverem te inquietando, e que a
luz da confiança fortaleça todos os teus sentimentos, fazendo da
tua vida, André, um cântico de alegria. O que já ouviste de
S ó c ra te s é o .que p o d es o u v ir de m im . S e n tim o -n o s

140
4uv &>Hi 4 tit

imensamente satisfeitos em contar com a tua presUv.a, com .1

tua fé e coragem na implantação da verdade que irás ouvii do


Messias. Em primeiro lugar, é justo e bom que fortaleças os
conhecimentos acerca da vida e alimentes a certeza de que
ninguém morre. Além do corpo, vibra uma chama divina. Sem
ela, o que seria dele? Um amontoado de matéria que se destaca
no lixo pelo seu mau odor. No entanto, iluminado pela alma que
dele se serve como instrumento, é a peça mais importante na
vida do Espírito em passagem pela Terra. É uma construção
divina que, mesmo ao tempo, guiado por Deus, gastou muito
para solidificar sua conjuntura e dele tirar as mais belas notas
para a orquestração da vida e glória de Deus. Queremos ter muita
alegria ao te conscientizar da tarefa que tens no esclarecimento
da humanidade. Serás um dos pontos da claridade divina na
escuridão do planeta. Cresce no amor, meu filho, para que esse
mesmo amor venha te libertar para a eternidade. Vamos fazer o
possível para que te lembres com mais nitidez deste encontro
nas horas convenientes e não penses que ficaremos distantes do
movimento novo, para a nova vida de luz espiritual que a Terra
vai receber. Não, estamos todos unidos com Aquele que já se
encontra na vinha do Senhor, dando cumprimento a todas as
profecias de todos os tempos, que anunciavam a vinda de um
Messias, como um Sol para a velha Terra, a salvar os homens e
a salientar uma nova esperança aos corações sofredores. O Seu
olhar é imantado de poderes que curam enfermos. Poderás, mais
tarde, constatar que a Sua palavra é como se fosse a palavra do
p róprio D eus, com poderes inexplicáveis. É um a fonte
inesgotável de sabedoria e de paz. As Suas mãos parecem dois
sóis que removem todas as trevas ao abençoar, levantam
paralíticos, curam leprosos e ajustam os desequilibrados. Sua
presença é uma esperança sem limites.

André gostaria de ficar ouvindo aqueles mestres do saber


durante toda a vida, mas sentia que sua tarefa o chamava para

341
î/o3o OCunes 'JlCaia / S A a o f/n

as lides do mundo. Por dentro, parecia cantar hinos de alegria


e de libertação. Nada falava por não ter nada a dizer. Estava
ouvindo tudo que, por certo, precisava.

Platão, com a candura que lhe era peculiar, finaliza, com


benevolência:

— Meu filho! Quando fores chamado, abraça este dever


como sendo o maior da tua vida, porque a própria vida na
Terra te será pedida para testemunho. Na Velha Grécia, se
souberes comportar-te, encher-nos-ás de júbilo, pois os gregos
precisam desse testemunho de confiança e de fé. Sê alegre
mesmo na despedida da Terra para o Céu.

Nisso, André sente que alguém batia de leve em seu


ombro. Ouviu uma voz suave lhe dizendo:

— Vamos, André. É hora de partirmos.

André levanta-se e alcança as mãos dos dois filósofos,


beijando-as como se fosse uma criança e os dois m estres
sentiram em André uma alma da mais pura simplicidade, que
m erecia toda a atenção para os devidos acertos na sua
p e rso n a lid a d e , v isan d o a um p e rfe ito d e se m p e n h o no
importante papel de discípulo do M estre dos mestres: Jesus
Cristo.

A ndré acorda esplendendo de alegria, sem saber o


motivo. A Alegria era imensa. Depois, vagamente, vem à tona
um vago sonho que, devagarinho, tom a corpo, fazendo-o
lembrar-se de muitas coisas que lhe dão a certeza da existência
dos céus de que tanto falavam os livros sagrados. Quando
Jesus o convida para segui-Lo, André é tomado de muitas
recordações, a respeito do diálogo com os filósofos gregos,
sentindo que Jesus é, realmente, o Messias prometido. Entregou-
se ao Mestre como peça da máquina que deveria trabalhar na

M2
71
T io* /L m / ~ lo</r'ia

Terra, no cultivo dos corações e das inteligências, para o bom


plantio da verdade.

André adentra a igreja dos pescadores, toma lugar ao lado


de seu irmão Pedro. Tiago de Alfeu assume a posição de orar e
roga a Deus com toda a disposição e humildade. André, a um
simples olhar de Jesus, levanta-se com reverência e fala:

— Mestre, eu amo muito a Alegria. Queria que me fizesses


a caridade de apresentar a modalidade em que a Alegria possa
ser mais útil e a forma de atingir a humanidade com essa virtude
divina que pode nascer nos nossos corações.

O Messias, ouvindo atento Seu discípulo, prepara o verbo


para d isco rre r acerca do m ais lindo teso u ro e da m ais
encorajadora disposição que a alma pode despertar: a Alegria,
quando esta emana do amor.

— André! Podes ser uma fonte de Alegria, onde muitas


pessoas poderão saciar a sede. A Alegria é um dom divino. Para
que conheças mais de perto o valor da Alegria, observa a tristeza.
Deves ter cuidado quando falares aos teus companheiros, para
que não destiles neles estados negativos que, por vezes, encontras
como entulhos dentro de ti. Antes de pensar, antes de falar, vê
como está teu mundo interno. Se as condições não estiverem
favoráveis, trabalha para te modificares, porque conversar com
os outros nos traz certas responsabilidades e, para tanto, devemos
nos preparar. Assim como existe o pão que mata a fome do corpo,
existe o pão da palavra e da Alegria, que matam a fome do
coração. Assim como existem alimentos indigestos pela sua
composição, em dissonância com o fardo físico, igualmente há
palavras e gestos em distonia com as almas que os vêem e as
ouvem. A Alegria elevada, meu filho, é uma força poderosa que
ainda desconheces. Ela transmite, em sua estrutura divina, as
bênçãos da saúde e da fé, até do próprio amor, elevando o sistema

343
$ o ã o 'JC i/nes 'JlCaia / ô /ia o fin

de felicidade e cooperando com a esperança, para que sintamos


prazer em viver e em amar a Deus e aos homens. Com o tempo
podes observar que tudo na criação canta louvores ao Criador.
Se tiveres olhos para ver, observa a Alegria nos animais, nos
pássaros, nos peixes, nas árvores, no sol e nos ventos, nas
estrelas e no mar. Parece lógico que as árvores sorriem pelos
lábios das flores; os peixes pelas suas cadências, ao deslizar
nas águas; os pássaros nas exuberâncias dos vôos; o sol pelas
viagens vertiginosas dos seus raios; as águas pela musicalidade
das ondas; os animais pelos impulsos instintivos da competição
nos campos; os ventos pelo seu deslizar suave na face da Terra
e as estrelas pela harm onia que em prestam à m ecânica
universal. E nós outros, como os mais bem dotados seres da
criação, não teremos de dar uma nova feição enriquecida à
Alegria? O que faremos dela? Devemos fazer as coisas mais
agradáveis. É pela Alegria e através dela, que o nosso amor
deve sensibilizar os nossos companheiros. É por ela e através
dela que a nossa caridade deve se fazer presente em todas as
oportunidades de servir. E por ela e através dela que a
fraternidade, de nós para com os outros, deve ser alastrada em
todas as direções da vida. Alegria, André, é vida. E para sermos
alegres, necessariamente temos de fazer a nossa parte, pois
todo aperfeiçoamento requer do candidato o esforço próprio.
Começa hoje mesmo a exercer a gentileza. Se já és dono dessa
m aneira elevada, procura m elhorar m ais, pois a A legria
verdadeira nasce de pequenos gestos, para engrandecer no todo
da alma. Os grandes rios se alimentam dos pequenos córregos
para se tornarem verdadeiros mares.

Jesus se cala, sem que os apóstolos pressentissem e


medita junto com eles. O ambiente estava repleto de pura
Alegria. O Nazareno havia dado um cunho da satisfação na
disposição de cada criatura ali reunida. Remata sua fala com
delicadeza:
yjoü CJut / r7!Ieyria

— André! O sorriso bem posto na feição do homem é


um patrimônio divino, é uma conquista do tempo, cujo preço
foram séculos incontáveis de aprendizado. Na Terra, somente
os homens possuem essa virtude. Os outros reinos estão a
caminho dela. E nós devemos agradecer a Deus por sabermos
aperfeiçoar esse estado divino em nossos corações. E eu desejo
que a Alegria pura seja o sol despontando nos céus da tua
boca, para que esta possa, com maior valor, anunciar a Boa
Nova do Reino de Deus.

Todos os discípulos, naquela noite, saíram da igreja dos


pescadores sorrindo, motivados por Aquele que representa a
Alegria dos céus.

345
Perdoar

Tomé era dado, de um momento para outro, a


certas dúvidas, o que castigava seu caráter e não deixava de
trazer-lhe alguns aborrecimentos. Tinha também admiração bem
acentuada por dois profetas que, de certo modo, eram ligados
pelo coração: Elias e Eliseu. Os feitos extraordinários desses
dois homens de Deus transtornavam o seu fácil raciocínio. Não
encontrava meios de negar os feitos desses profetas, pois além
de serem palpáveis na história, eram contados pelos sacerdotes
em suas mais elevadas pregações, ao mostrarem o poder de Deus
diante dos homens. Tomé relutava, pensativo, mas acabava
aceitando a realidade.

Eliseu foi discípulo de Elias. Este o cham ou para


acom panhá-lo na aragem de terras às margens do Jordão,
lançando a capa aos pés de Eliseu e isso bastou para que o
discípulo compreendesse a intenção do mestre. Depois assistiu
Elias, seu mestre, embarcar em um carro de fogo procedente do
infinito e nunca mais voltar. Na hora, deixou para Eliseu o seu
famoso manto e, de longe, — registram alguns escritos antigos
— acenava com as mãos do centro da claridade. O companheiro
de Elias chorou m uitas sem anas a ausência de seu guia.

347

ê
$oão OCunes JlC a ia / ô Á a o f/n

Carregava o manto herdado como a maior preciosidade da


sua vida e com ele fez inúmeros fenômenos.

As curas feitas por Elias e Eliseu eram incontáveis, de


tal forma que o povo reconhecia serem eles missionários da
verdade. E Tomé, quando viajava pelas margens do Jordão,
nunca se esquecia daqueles dois homens.

Tomé foi acom etido de um a febre m uito violenta.


Esquecera-se de certos preceitos preventivos ao sair passeando
certo dia e foi picado por um mosquito, não dando grande
importância ao fato, no momento. O veneno que agitou sua
vida, no entanto, foi de grande utilidade para o encontro com
quem gostaria de falar. Tomé, em pleno delírio, fala com
Eliseu, chora, sorri, canta e conversa alto, assustando seus
familiares. Era sacudido, chamado pelo nome, mas não saía
daquele estado de hipnose, não só pela prostração orgânica,
como por estar recebendo, telepaticamente, uma mensagem
do p ro fe ta . E lise u fa la v a a Tom é de m en te a m en te,
aproveitando a sensibilidade aguçada que a enferm idade
despertara. Aqui iremos registrar mais ou menos a mensagem
que Dídimo recebia:

— Tomé, passaram-se anos e mais anos e nós também


passamos pela Terra, porém ficou aquilo que fizemos. O bem
nunca é destruído. Agarraste-te aos nossos feitos e simpatizaste
com a nossa conduta, procurando, talvez, a resposta para as tuas
indagações mais íntimas. O que temos a dizer com maior
propriedade é que ninguém morre. Continuamos na mesma
seqüência os trabalhos de fazer conhecida a verdade, o respeito
ao Todo Poderoso e a amizade entre as criaturas. Seria bom
ouvires igualmente a palavra de Elias. No entanto, força maior
impede que o ouças. Eu falarei por nós dois, para conscientizar-
1c sobre o que deves fazer na hora exata do teu maior trabalho
na Terra.
~7!o« L tu / y ^ tr tfo a r

Tomé, na verdade, o manto que herdei dc Hlias, o grande


profeta do passado, era roubado, dc v e/ em quando, por mãos
inescrupulosas. Todavia, voltava a mim sem que eu fizesse
força para tal. Mãos invisíveis o traziam de onde estivesse c o
colocavam em m eus om bros. Som ente eu o p o ssu ía na
grandeza do seu dono verdadeiro, que era Elias. Existia no
manto uma poderosa força concentrada que, juntando-se à
minha, acionava outra maior, obedecendo à minha mente. Eis
porque, ao tocar esse manto, muitos se curavam dos seus
males.

Tomé, mesmo no delírio, sente uma mão passar em sua


cabeça e um vigor penetrar em sua alma. As últimas palavras
ressoaram em sua acústica mental:

— Que Deus te abençoe, Tomé! Levanta-te e cuida da


tua vida, sem nunca esqueceres de que deves ser chamado
pelo Cristo e obedecer ao Seu comando. Adeus...

Tomé estremece... Olha para todos os presentes, chama


um, cham a outro. Volta a si e com eça a m elhorar. Pede
alimento. Bebe água. É forçado a aceitar um xarope das mãos
de seus com panheiros e com eça a se lem brar, se assim
podemos dizer, do sonho que a enfermidade lhe proporcionara,
com os que circundavam a cama afirmando terem ouvido ele
repetir os nomes de Elias e Eliseu. Com poucas horas, já estava
com pletam ente curado da febre, disposto para o trabalho,
lembrando-se das palavras do profeta bíblico.

Tomé adentra o casarão da igreja dos pescadores em


companhia de Judas Iscariotes e os dois tomam assento em
lugar próximo ao Mestre. Por simples gesto do Nazareno,
Judas levanta-se e ora com emoção. Tomé, aproveitando a
seqüência da prece, encara Jesus, recebendo em troca um
sorriso de aprovação, e fala, com humildade:

349
cfoõa OCunes JK aia / S A a o íin

— Mestre! O que podes me dizer acerca do perdão? Qual


o benefício que ele traz para nós e para os outros?

A c o m o d a-se em seu lu g ar, ao lad o de Ju d as. O


Comandante Em Chefe das forças espirituais da Terra inicia
Sua resposta:

— Meu filho, tocaste em uma sensibilidade da lei. Tocaste


em um assunto que, por natureza, é divino e, por necessidade,
se faz humano. Tocaste, Tomé, em um ponto chave ou na própria
chave com a qual deverás abrir muitas portas para que possas
entender os segredos da felicidade: graças te damos por esse
interesse em conhecer o perdão e suas profícuas ações de alma
para alma. O perdão, quando é desconhecido pelos homens,
começa a dar sinal pelos lábios. Depois, com o tempo, suas
raízes espirituais vão se aprofundando e estimulando o coração.
O perdão verdadeiro, meu filho, é aquele que esquece as faltas.
O mais verdadeiro ainda é aquele que não existe, porque
somente podes Perdoar se fores ofendido. Quando chegares ao
tempo de não te ofenderes, para que o perdão? Mas é bom que
comeces do início para que sintas os seus mais lindos benefícios
no correr do tempo, pelas avenidas do espaço, encontrando os
meios e a alegria de Perdoar, sem provocar ofensas somente
para ter o prazer de esquecê-las. É necessário muito cuidado na
prática dos preceitos que nós trazem os a todos. A onde o
fanatismo chega, a verdade não é vista. É indispensável que o
bom senso seja um a d efesa c o n sta n te , um a v ig ilâ n c ia
permanente. O perdão desentulha todos os miasmas de que a
mente, porventura, se tenha feito portadora. Ele irriga todos os
canais do sistema nervoso que a invigilância se esquecera de
cuidar. Ele dá vida ao coração porque purifica o sangue em
toda a sua extensão. Ele acelera o entusiasmo de viver e é forte
motivo para a alegria perfeita. Se não experim entaste essa
virtude, faça-a visível na tua vida. Se já, procura melhorá-la.

330

^ -------------------- ----------------------
~7íon /ont / Tbrt/oetr

Tomé fica inquieto, o mesmo acontecendo com Judas,


analisando o modo mais fácil de Perdoar, pois as dificuldades
apareciam na mente como barreiras intransponíveis. Mas Jesus,
observando isso, prossegue com sabedoria:

— Meus filhos! O perdão tem um alcance imensurável.


Ele beneficia a quem perdoa, mas traz ensinamentos secretos a
quem ofende mostrando ao ofensor o valor da tolerância e o
tesouro da harmonia. A pessoa violenta, seja por natureza ou
por perturbações espirituais, diante do perdão sentirá um clima
benfazejo. Com a seqüência do esquecimento das suas ofensas,
vai compreendendo o valor do perdão e passa a envergonhar-se
de si mesmo, procurando modificar suas atitudes. Começa a fazer
o bem e a querer mostrar o que faz aos outros. É a consciência
em penhada em desculpar-se do que os instintos inferiores
inspiram. E é nesse drama de cada dia que a alma vai se ajustando
aos serviços da fraternidade e, de ofensor, m uda a sua
qualificação para ofendido pelo tribunal interior. A caridade é a
sua fuga e ela vai lhe ensinar o valor da gratidão e as bênçãos do
amor. O perdão, em silêncio, é força irresistível. Transforma
todo e qualquer caráter que esqueceu a grandeza da amizade,
alterando gradativamente os caminhos em que a tolerância se
faz presente e alimentando os esquecimentos de todas as ofensas.
Aquele que não consegue Perdoar, Tomé, se compara ao lenho
seco de que o fogo se apoderou sem ser visto pelo lenhador. E
quem já encontrou a fórmula do esquecimento das ofensas, sabe
que essas chamas da maledicência se apagarão com a água do
perdão. Quem não perdoa, divorcia-se da alegria, distancia-se
da tranquilidade e se separa da harmonia espiritual, porque o
coração, nesse pulsar, não tem condições para amar nem a Deus
nem ao próximo, abeirando-se da infelicidade. Tomé, começa
hoje o teu trabalho pela tua paz e não percas tempo, porque o
tempo é ouro divino em nossas mãos. Não preciso falar muita
coisa para o teu coração, já que existem milhares de vozes com

351
{jfoão OCu/ies 'JK aia / S /ía o ín

recursos especiais para me ajudar a fazer-te compreender os


deveres assumidos diante de Deus.

Tomé pensa, pensa, põe a mão no ombro de Judas e sai,


em busca de repouso.
Fraternidade

Tiago de Alfeu era, por natureza, um homem


de especiais condições no que concerne à retidão de caráter.
Profundamente religioso, tinha seus gostos prediletos em matéria
de profecias. Sentia imensa admiração pelo profeta Malaquias,
que deixava transparecer, em seus escritos, um traço bem nítido
de Fraternidade universal. O que a Bíblia registra desse homem
não é tudo o que ele deixou escrito nos velhos tempos. Tinha a
fama de escrever bem e fazia jus a essa glória.

Tiago o admirava e, nas suas meditações, não esquecia de


pensar e agradecer a esse grande sensitivo as inúmeras mensagens
que deixara para a posteridade. Tiago era portador de muitas
delas, das quais tirava cópias para presentear seus amigos mais
íntimos.

Q uando esta v a na sin ag o g a, p ro c u ra n d o a rru m a r


determ inado altar, Tiago vê chegar uma das virgens que
com punham o apostolado da pureza da casa de Deus em
Jerusalém . A m oça encantadora, cantarolando baixinho,
cumprimenta Tiago e passa a ajudá-lo na ornamentação do salão
sagrado. Nisto, sente uma espécie de canseira que atribui ao

353
$oão OCunes JK a i a ! S /ja o ftn

sono e busca, nos fundos, uma espécie de cadeira maior, onde


se encosta para refazer as energias, momento em que o sono a
colhe de surpresa.

T iago, e n tu siasm a d o com a o rn a m e n ta ç ã o , sen te


necessidade de orar. Dobra os joelhos diante do altar da Aliança
e começa a fazer uma oração em que pede aos céus, aos anjos e
a Deus para que não lhe faltem forças nas lutas de cada dia.
Lembra-se do profeta Malaquias, a quem pede proteção. A moça,
nessa altura, ressonava no divã e, de leve, se notavam traços
como que de espuma saindo pelos cantos de sua boca e dos
ouvidos, ligados a dois cordões esbranquiçados que escorriam
do nariz. E eis que aquela m assa u n ifo rm e com eçou a
engrandecer e a formar uma nova personalidade. Era o profeta
Malaquias, já em posição de conversar.

Tiago pressente que havia algo anormal por trás das


cortinas escuras e começa a tremer. Mas antes de levantar-se, a
figura do homem de Deus aparece, desejando paz a Tiago. Este
sente o impulso de correr, de levantar-se, porém o raciocínio o
chama de covarde. Já era conhecedor de muitos fenômenos
daquela natureza, por que agora iria desertar diante da verdade?
Contempla a figura respeitável e começa a ouvi-la. Malaquias
olha com bondade para Tiago e expressa-se, com delicadeza:

— Tiago, não temos tempo a perder. Quero e preciso te


falar com urgência, meu filho, acerca do teu futuro nas linhas da
religião e nos conceitos da revelação divina que está prestes a se
derramar do Céu para a Terra. Sei que já foste avisado várias
vezes, mas quero te falar mais, para que possas compreender
melhor o teu papel na disseminação da Boa Nova que o Príncipe
da Paz vem trazer para o mundo. Gostas muito da Fraternidade
e ela virá com maior fulgor nas mãos do Messias que vai te
chamar para o testemunho que deves dar, de fidelidade, de
cumprimento dos teus deveres. Sê honesto e operoso quando

354
V7íh » /3uz / ^7ra/«rnidac/e

lores chamado. Este será o último aviso que terás; o reslo depende
de ti. A moça que sentiu ligeiro cansaço me serve de apoio para
falar-te. Uso dela e um pouco de ti também. Isso é muito raro;
desdobramos esse esforço para conscientizar o teu coração para
os deveres que te competem realizar. Quando eu acabar de
conversar contigo, vá lá dentro e acorda a jovem moça, nada
dizendo sobre o que conversamos, pois ainda não é tempo que
ela saiba das suas condições. Ainda precisamos de segredo para
que a harmonia seja fortificada. Não perguntes nada, porque o
tempo já se acha esgotado. Todavia, em sonho, poderemos nos
encontrar novamente, com menores possibilidades do que hoje,
mas gravarei em tua consciência mais alguma coisa que a
necessidade pedir. Deus te abençoe e lembra-te: sê, entre os
judeus, um intermediário da nova filosofia nascente, aliviando
as opressões que poderão surgir pela vaidade dos sacerdotes e
pelo orgulho da política. Não deves esquecer a oração, para que
mantenhas um pouco de equilíbrio. Nós estamos às ordens d ’Este
que, a qualquer momento, vai surgir como o Messias que haverá
de visitar a Terra. Quando digo nós, refiro-me a todos os profetas,
cm companhia de Moisés. Deus te abençoe... sempre...

Tiago M enor, estático diante da figura am orável de


Malaquias, sente as lágrimas escorrerem nas faces e lembra-se
muito das palavras de Moisés acerca do Cristo. Analisa em seu
coração a necessidade deste Messias prometido e jura a si mesmo
toda a fidelidade, quando tiver a oportunidade de encontrá-lo.

Agora vamos encontrar Tiago andando pelas ruas de


Betsaida, em uma tarde encantadora. Buscando olhar para o fim
da rua por onde passava, vê ao longe Pedro, Tiago, filho de
Zebedeu e João, que caminhavam em direção à igreja dos
pescadores. Tiago procura acompanhá-los.

Cai a noite e, dentro do templo, ergue-se com uma prece o


discípulo do amor, João Evangelista, deixando extravasar todo

355
f/oão OGines JlCaia / S /ía oí/n

o seu carinho em busca de mais paz para todos os companheiros


de Jesus, terminando com essas palavras: “Deus, faze a Tua
vontade e não a nossa, porque não sabemos o que pedimos e Tu
sabes melhor do que nós do que necessitamos...”

Tiago Menor levanta-se com delicadeza e expõe, com


benevolência.

— Mestre! É grande a preocupação minha e de todos os


Teus discípulos, no sentido de conhecer e praticar a Fraternidade.
No entanto, aparecem-nos muitas dificuldades, interpondo-se
em nossos caminhos. Queríamos ouvir a Tua palavra sobre o
que é Fraternidade e como deveremos entendê-la, bem como a
hora propícia para esse exercício divino.

Cristo contem pla suavem ente seus com panheiros de


jornada educativa e expõe, com significativa propriedade:

— Tiago, a Fraternidade é uma força que universaliza o


amor. A Terra ainda não a conhece em toda a sua profundidade.
No entanto, meu filho, o tempo, impulsionado pelas bênçãos de
Deus, deverá glorificar essa intimidade entre os homens em
futuro próximo. Nós trazemos as sementes da Fraternidade pura,
mas nem sempre elas nascerão no tempo apropriado. A argila
dos corações se encontra sem condições de fazê-la prosperar. E
a água que enriquece o solo dos sentimentos somente poderá vir
dos próprios indivíduos. Essa é a lei. Determinadas coisas como
esta não podem ser doadas, para que o esforço próprio não se
desvalorize. Destarte, poderemos ajudar muito com o exemplo
daquilo que falamos. O preço do afeto é exorbitante, mas não se
trata de moedas sonantes que circulam nas mãos humanas. E o
ouro do coração. O nosso empenho maior, e disso já falamos
muito em todas as oportunidades que nos surgiram, é o de
granjear amizades. Que cada um de vós possa multiplicar amigos
em todos os campos de lazer, eis o início da Fraternidade universal,
~7hm L u t / rjh'atarnidarÎQ

onde a cor não impede nem a raça enfraquece, onde os bens não
esfriam os laços de entendimento, onde a sabedoria não cria
divisas entre as criaturas, onde as posições não empanam os
contatos das pessoas. Somos todos da mesma procedência e,
certamente, estamos fazendo parte de um rebanho, por laços
que a vida ligou, em nosso próprio benefício. Meus filhos! Não
pode existir felicidade entre os homens, sem carinho, sem troca
de amor de uns para com os outros. Quando os homens e almas
moradoras da Terra sentirem as necessidades de uns para com
os outros, quando tivermos a certeza de que o semelhante é a
nossa continuação, quando a caridade começar a ser o dever
diário e um prazer de cada instante, quando o perdão for força
das intenções para harmonizar os seres, quando o amor for
apreciado como indispensável para o alimento do espírito, eis
que aí se aproxima dos homens, senão das nações, a Fraternidade,
que tanto foi falada e esperada pelos povos. E quando se
aproximar esse dia, os céus vão se regozijar e os anjos cantando
louvores pela alegria das criaturas e felicidade dos corações.
Deus espera de todos vós essa conquista, porque sabe que ireis
alcançá-la pelos múltiplos esforços, em sequências sem conta.

Jesus deixa passar algum tempo na sedimentação do que


havia dito e prossegue:

— Tiago! Não há hora de praticar a Fraternidade. Toda


hora é hora de ser feliz, e como todo serviço do bem tem suas
reações pela evolução em que se encontra a Terra, o exercício
da Fraternidade tem, igualmente, seus percalços. As contradições
virão para que se esfriem os teus mais altos ideais. Não obstante,
se persistires até o fim, conquistarás tua tranquilidade de
consciência, consolidada em teu coração. Tiago! A Fraternidade
é uma feição tão divina que não nos compromete. Podes ser
fraterno com alguém que ignora essa ação superior. Podes ser
fraterno com os ofensores de todos os tipos, pois é uma delicadeza

357
tfoão OCunes J‘ K aia / S /ja o f/n

que não apóia a perversidade nem alimenta a ignorância. É força


de Deus que deixa em quem recebe uma luz agradável ao coração,
como gota de esperança e paz. Deixa em quem transmite um
bem-estar indizível, que nos promete a riqueza da alegria e da
felicidade. Podes, se esse for o caso, corrigir alguém envolvido
na Fraternidade. Ela é o amor na dimensão divina e, desse modo,
o ig n o ra n te a p re n d erá o certo com m ais p re c isã o e o
entendim ento irá ao seu íntim o com m ais facilid ad e. A
Fraternidade é sol composto de todas as virtudes de Deus e, por
certo, deverá ser patrimônio dos homens, assim como o amor
universal é atributo do Criador. Falo a todos e que todos me
ouçam. A Fraternidade haverá de unir os povos, para que eles
levantem uma só bandeira na Terra, aquela que esquece tudo,
para somente amar...

João estava radiante com a exposição de Jesus. Tiago


M enor e Pedro pensavam em meios de divulgar e viver a
Fraternidade e os outros discípulos sentiram uma nova dinâmica
de se engrandecerem os barulhos naturais da vaidade: amar sem
condições, diante de tudo e na frente de todos, buscando a Deus.
Caridade

«
ffu ã o DCi/nes JJCaia / ô /ja o í/n

turistas com os homens da ordem, vai adentrando a casa um


homem todo deformado, de nome Hergon. Pela pele, notava-se
a lepra em estado bem avançado. O dono da estalagem, homem
de sentimentos bem formados, teve compaixão do doente, mas
não podia aceitá-lo na estalagem por vários motivos: primeiro,
por não haver quarto vazio; segundo, porque leproso não podia
se m isturar com pessoas sãs, ainda mais em uma casa de
hospedagem e terceiro, os homens da lei estavam perseguindo o
leproso pela sua desobediência às regras de, em plena festa, estar
em contacto com as pessoas de fora, com perigo de transmitir a
enfermidade. O homem da estalagem, piedoso e sabedor das
idéias de Judas na caridade sem distinção, bate apressadamente
à porta do apóstolo. Este se levanta apressado e depara com o
quadro. É conhecedor do drama e sente uma repulsa pelo homem
mal cheiroso quase a entrar pelo seu aposento, mais por medo
do que mesmo para se agasalhar. Iscariotes, que tinha receio
dessa doença, deu algumas desculpas e pediu licença, fechando
a porta e acomodando-se silenciosamente na confortável cama
coberta de pelos de camelo. Logo apagou-se em pesado sono,
parecendo que se secara todo aquele entusiasmo do bem que
seu coração despertara. Fugiu-lhe também aquela serenidade que
começara a radiar no seu íntimo pela Caridade que intentava
fazer, avolumando-se cada vez mais. Os vigilantes da ordem
agarraram o doente sem piedade, quando o mesmo saía da porta
da estalagem. Depois, induziram-no a desaparecer para as ermas
encostas das montanhas, onde uma multidão deles se desfazia
como animais, pelos desgastes do tempo, da falta de higiene e
da fome. E Judas, com o corpo quentinho pelas bênçãos do
agasalho e do teto, esqueceu-se de acolher, por faltar-lhe a
verdadeira Caridade a um seu irmão com carência de uma palavra
e de um sorriso.

Iscariotes, no outro dia, amanheceu mal humorado. O


entusiasmo pela Caridade, esfriara-se. Queria ser útil; no entanto,

IM)

É
C7Joa L u i / C 'cu idada

linha de escolher a sua maneira de ajudar. Dormir com um leproso


em um quarto? Era demais, além de correr o risco de ser
descoberto pela polícia e acusado de cumplicidade. Nada queria
com a lei, sabia da violência desses homens... Teve grande
arrependimento. Vinha à sua mente a vontade de ir atrás daquele
homem, mas onde? A sua consciência acusava-o por todos os
meios, Judas pensava: Por que sua consciência não o acusara
antes que o doente chegasse à estalagem? Se assim fosse, ele
leria deixado o doente entrar. Sentia inexplicável dor no coração.
Mas, e agora? Como fazer para reparar o erro? Teve ímpetos de
chorar...

O homem da estalagem não quis ver seu rosto, porque o


que parecia não era. Somente Judas poderia naquela noite salvar
o leproso; as outras acomodações estavam cheias de famílias
desconhecidas, as salas repletas de redes com pessoas e a decisão
tinha que ser rápida por causa da violência dos homens da ordem.
Porém, Judas se esquecera daquilo que pretendera fazer e a
oportunidade passou.

A noite em Betsaida estava quente e as estrelas piscavam


como olhos de anjos. A mente de Judas parecia mais um cálice
transbordando de fermentação corrosiva. A cabeça parecia querer
estourar de revolta e arrependimento, de indecisão e medo.

Simão, o cananita, ergue o corpo e a mente em sentida


prece, abrindo a reunião na igreja dos pescadores. Judas, inquieto,
olha para Jesus, que lhe transmite, pelo olhar tranqüilo e amoroso,
uma cota nova de energia, animando-o a expressar-se. Judas,
entendendo a intenção do Cristo, levanta-se e dirige-se ao Mestre:

-— Mestre! Todas as decisões que porventura tomo para


me lib e rta r da o p ressão ín tim a, falham nas p rim eiras
experiências. Sinto-me fracassado. Será que isso se passa
somente comigo? Será que somente eu estou preso por laços

361
(joõo OCunes JlCaia / <S/jaofw

cujas pontas não consigo desatar? Eu te peço, Senhor, que me


dê uma orientação de como me erguer nos caminhos difíceis da
Caridade.

O Cristo, imensamente compadecido de Judas, deixa


transparecer na feição certa melancolia, que se mistura com
bondade, e recorre às palavras:

— Judas! Eu compreendo, meu filho, as tuas lutas que se


processam mais na intimidade da alma, mas que se manifestam
também externamente, por mais queiramos esconder. E força
que se esvai espontaneamente. Tu estás em um estado depressivo
que não condiz com a Caridade, porque, ao entrares em contacto
com teus semelhantes, eles já herdam de ti tuas vibrações
negativas. Entrementes, temos meios de lutar e continuar a lutar,
buscando a felicidade. Quando surgem em tua mente idéias de
transformação, tu as coloca em prática imediatamente, mas, com
a mesma pressa, esfrias-te com o trabalho divino. A tua fraqueza
no bem procede de indecisões, por não alcançares, no momento,
o discernimento que precisas ter no caminho da luz. Tu estás
como a pessoa faminta que, ao deparar com a comida, come
tudo e tal impulso a faz ficar novamente sem alimento. Pensa
no equilíbrio das emoções, sejam elas quais forem. Quando fores
fazer uma grande caminhada, somente podes ir passo a passo;
quando fores conhecer um texto sagrado, analisas palavra por
palavra, assunto por assunto; quando fores escutar alguém sobre
qualquer tema, registras nos aparelhos auditivos som por som;
quando fores te alimentar, só podes fazê-lo bocado por bocado.
Essa é uma lei, para tudo e para todos, em seqüência universal.
Como queres fazer a Caridade, beneficiar os outros de uma
maneira que não suportas? Todo o exagero é caminho para a
desistência e, quase sempre, na hora em que dévias fazer a
verdadeira beneficência, tu foges com medo das consequências.
O amor não pode ter medo. Quando nos agregamos à idéia de
~71u0 U m / ( Hu hJadti

sermos úteis por caridade, os pensamentos de bem-estar, de


conforto, de orgulho, não devem tomar o lugar da beneficência,
para que não nos esfriemos nos processos de Caridade elevada.
Judas, procura aparar as arestas dos teus próprios pensamentos,
escolher a hora em que eles vão se transformar em idéias e,
depois, examina o momento em que eles poderão se transmutar
em atos, pois assim ficará mais fácil a prática do bem. Todas
essas revoltas são carências de seleção, nos princípios do
raciocínio. Podes fazer muita caridade pelas possibilidades que
tens no coração. O modo pelo qual exercitas essa virtude é que
tem de mudar. Avança devagarinho, mas sempre. O tempo não
exige que tu dispares nas reformas. No entanto, pede que não
pares nos caminhos. Quem corre desesperado cansa logo e quem
anda vagaroso e sempre, alcança a meta com mais presteza e
sem distúrbios. Tudo o que temos de bom, colocado por Deus
em nós, haverá de ser despertado por nossas mãos. E o trabalho
que nos compete realizar em nosso próprio benefício. Não serás
néscio como muitos, nem violento como alguns. A Caridade é o
mesmo amor que viaja aproveitando metodicamente todos os
meios que a vida oferece e que tem como vigilância o bom senso,
para que o exagero não a mude de nome.

Judas estava atento à palavra do Senhor. Bebia todas as


experiências de Jesus e pretendia começar novamente o trabalho
que esfriara em seu coração. O Cristo, altivo, ardendo em
sabedoria, avança seu raciocínio:

— Judas! A Caridade, na sua feição mais fácil de doar


alguma coisa material aos outros, nos parece transitória, quando
não é acompanhada pela doação interna. Todos os companheiros
que se iniciam ou que se dispõem a ajudar somente no campo
exterior, logo se esfriam nas suas decisões, por falta de conteúdo
nos alicerces do coração. Foi a própria Caridade que te visitou,
usando um leproso. Pela tua indecisão, fizeste o doente sofrer

363
í/u ã a ! yCunes J K a ia / ô /ía o fin

mais. Para servir, temos de renunciar à cama, ao sossego, ao


descanso, às vestes, para que sirvamos de instrumento dos anjos,
a serviço de Deus. Falaste que a consciência deveria acusar antes
do ocorrido. Isso é impossível, pois ela é, por assim dizer, um
tribunal dentro de nós, e um juiz só pode julgar depois dos fatos.
Todavia, nós mesmos, usando da inteligência e dos sentimentos,
é que devemos policiar nossas atitudes, para não cairmos em
tentações que favorecem o desleixo espiritual e o descuido dos
nossos deveres. Judas! Não te condeno por nada, meu filho. Eu
te quero como parte do meu coração e espero de ti grandes coisas
para o futuro. H averás de erguer-te mesm o no m eio das
incom preensões, m esm o sendo apedrejado, escarnecido,
queimado e vendido como um pária, banido das mentes como
inconveniente para a sociedade. Eu te amo e disso te darei provas.
Sabemos, por conhecermos as leis de Deus mais de perto, que
somente a dor, em todas as suas linhas de instrução, nos levará à
verdadeira Caridade, dotando-nos de amor, proporcionando-nos
aquele amor que irradia sem cogitar de preços e de exigências.
Não temas, Judas, as doenças da carne. Elas são aparências,
porque a enfermidade mais grave é a do espírito. E Deus, o grande
médico da vida, nos envia, pela Boa Nova, a receita para todos
os desequilíbrios e o remédio para todos os males, que é o amor.
Vamos am ar, que, d ia n te d esse e x e rc íc io d iv in o ,
desconheceremos todas as doenças e passaremos a ver em todas
as criaturas e em nós mesmos, o reflexo da amplitude divina.
Judas, cultiva a oração com humildade e vamos trabalhar, de
mãos dadas, em busca de Deus, amando-o sobre todas as coisas,
que depois haveremos de sentir a necessidade de amar ao
próximo, onde encontraremos mais vida. Que Deus te abençoe.
Amor

João, filho de Salomé e Zebedeu, foi um


discípulo grandioso. Tinha no coração algo mais que faltava aos
outros, de maneira a atrair a atenção do Mestre. João, em vários
momentos da história de Jesus, estava com Ele de maneira mais
profunda, mais íntima. Esse discípulo, além de compreender o
amor na sua mais pura dinâmica, era dotado de uma visão
extraterrena. João, desde pequeno, era surpreendido pela mãe
conversando com alguém que ela, Salomé, não via; falava sempre
com o invisível. Para ele era natural. E os anjos, aproveitando
suas faculdades, prepararam-no bem cedo para sua grande missão
junto ao Nosso Senhor Jesus Cristo. Teve a felicidade de ficar
por último na Terra, dentre os membros do colégio apostolar,
fechando o Evangelho com o magistral Apocalipse, profeta na
função da luz.

João estava sentado ao lado de André e Pedro na igreja de


Betsaida. Naquela noite, ele parecia hipnotizado, sentindo-se
mais fora do corpo do que dentro dele. Sem que os companheiros
percebessem, entrega-se à oração, no silêncio da própria vida. E
eis que o discípulo amado passa a ver, no plano espiritual, o
desenrolar de trabalhos nunca antes suspeitados pelos homens

365
$oãu OCunes JK aia / ô/ia o Jtn

da Terra. O céu deixa cair o véu do mistério e João passa a ver,


nitidamente, o movimento espiritual em completa conexão com
os trabalhos de Jesus Cristo. Pedro e André com eçaram a
desconfiar do estado do companheiro. No entanto, cooperam com
firmeza, por reconhecerem os dons do irmão em Cristo. Os dois
discípulos oram com confiança. João percebe, pela visão espiritual,
como se fosse um outro casarão sobreposto àquele onde se
encontravam, divisando uma grande sala onde os personagens
tratavam do mesmo assunto que eles na igreja dos pescadores,
mas com maior interesse em divulgar o Evangelho de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Todos estavam ali para servi-lo com todo
respeito e humildade. E quem estava ali? Os grandes personagens
da história que João podia reconhecer: Samuel, Ezequiel, Daniel,
Jacó, José, Jó, Abrahão, Zacarias e muitos outros profetas que
não conseguia distinguir. Depois, deparou com um grande
personagem de nome Hermes Trimegisto, além de outros como
Cícero, Hipócrates, Heródoto, Homero, Teofrasto, Ésquilo,
Esquino, Arquimedes, Demóstenes, Epicuro, Sólon, Zenão, ao
lado daqueles já mencionados em outras passagens deste livro.

O panorama que se desenrola para João era deslumbrante.


A assembléia era composta de mais de três mil espíritos e grande
parte deles era formada pelos mais ilustres que já pisaram a Terra,
todos planejando meios e elaborando métodos de espalhar o
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo em toda a face da Terra.
Pelo que se notava, todos eles vieram para cooperar em vários
ramos do entendimento em aberturas, de forma a que a moral
evangélica pudesse ter acesso quando jogada a semente pelo Cristo,
o maior de todos. Via-se no fundo do salão uma pintura do Cristo
espiritual, reunido com essa legião de anjos, debatendo meios e
entrelaçando compromissos com eles para a Sua vinda à terra.

Dos olhos de João derramavam-se lágrimas de gratidão por


poder observar aquela nesga dos céus. Parece que ia acordar, mas
7 1 oe S u z / T im o r

continua a chorar, sentindo a pequenez das suas possibilidades.


O que ele, João — assim monologa — poderia fazer para ajudar
ao Senhor? E o que seria de Jesus, o máximo de todas as somas
de valores, no meio daqueles homens ainda desajustados para o
Amor? M eu D eus! M eu Deus! Com o desce um Sol das
constelações do infinito para juntar-se às escuras almas sem
nenhum brilho que lhe pudesse ajudar? Tudo o que fizesse seria
pouco pelo que ele vira, e o que ele vira talvez não fosse nada,
pois a grandeza de Jesus é inconcebível para os homens...

Pedro, meio preocupado, quer interrogar João, mas este


faz sinal com a mão para que o deixe. André também fica inquieto,
olha para o Senhor e Ele se encontra sereno, de m odo a
tranqüilizar todos os outros. Nunca viram João naquele estado...

João começa a escutar uma súplica feita por Filipe e no


ambiente da prece, ouve uma voz suave, de dignidade angélica,
dizer:

— João, o que viste, na verdade, não corresponde ao que


é. A verdade não pode aparecer de uma vez, porque ela é um Sol
que pode ofuscar a vista ou até tirar-te a visão. Cada luminar
desses que observaste, empenhado em trabalhar sob as bênçãos
de Jesus Cristo, tem um grande rebanho ao seu comando. E a
voz do Mestre ecoa de infinito a infinito, no reino da Terra e dos
céus. Deus assim o quer e nós todos o seguimos por Amor à
grande causa do Pai Celestial: difundir a Boa Nova na Terra...

João esforça-se para limpar os olhos, que não obedecem


ao dono e as lágrimas molham seu manto. O silêncio dava a
entender que todos os discípulos esperavam por João, assim como
o Cristo. E o discípulo do Amor levanta-se com delicadeza e
pede desculpas, voltando-se com profunda humildade para Jesus,
de modo que o Mestre entendesse suas emoções, pedindo, com
meiguice:

367
,/oãn )C unes 'JlCaia ! ô /ta o lin

— Mestre, perdoa as minhas fraquezas emotivas, mas


gostaria de aproveitar a oportunidade para que o Senhor nos
aju d asse a e n ten d er a virtu d e de m aio r a m p litu d e que
conhecemos. Faze o favor de explicar-nos o que é o Amor.

O Nazareno, ereto e tranqüilo, no toco de cedro que lhe


servia de banco, ajustou o manto de maneira delicada e falou
com sabedoria:

— João, meu filho! Lembras-te do Amor, que faz lembrar


Deus, na sua glória. O Amor é a irradiação mais pura que
poderemos perceber e é ele que sustenta a vida em todos os
seus ângulos, todos os dons nas suas particularidades, todas
as filosofias nos seus conceitos, todas as religiões na arte de
educar, todas as ciências nos estímulos de curar os enfermos
enfim, toda a vida na profusão infinita. Se não houver Amor,
a pessoa vive sem existir, é uma peça na forma. Sem Amor
desaparece a verdadeira vida. O Amor é o único nome que
pode substituir Deus.

João parecia que não estava na Terra, chegava à beira


da felicidade. Aquela noite, para os discípulos, era noite de
fe sta e sp iritu a l, pois esta v a fin d an d o a fase dos m ais
e m o c io n a n te s c o n v ív io s com o M estre na ig re ja dos
pescadores, na cidade de Betsaida. Iria ficar indelével nos
corações de todos os discípulos.

Judas Iscariotes olha constantemente para o toco em que


Jesus sentara e via faiscar o nom e gravado na m adeira
espiritualmente: Ave Luz! Aquilo tranqüilizava seu estado
psíquico meio agitado.

Jesus prossegue destilando magnetismo no seu mais alto


teor. João olhava para a boca do M estre e via que de seus
lábios partiam chamas de luzes de todos os cambiantes. Seus

WiK
C71ue S u z / Z71mor

lindos dentes davam a entender que eram estrelas juntas, os


seus cabelos pareciam raios de sol. O Mestre retomou a palavra
de modo agradável:

— João! Quando me refiro a um de vós, estou falando


com todos e quando falo com todos divido os assuntos
particularmente para cada um. Nós não temos tempo a perder
no aprendizado do Amor. Tudo aquilo em que nos esforçamos
para a concretização do bem é algo de Amor projetado no
próximo e, se nasceu dentro de nós, ilumina-nos primeiro. O
Amor, meus filhos, não precisa de nenhuma das virtudes, para
que possa viver, mas todas as outras carecem do Amor, porque
sem ele, elas morrem. O Amor esclarece o perdão; o Amor
firma a dignidade; o Amor enriquece os dons espirituais; o Amor
eleva as idéias; o Amor espiritualiza a alegria; o Amor coordena
as emoções; o Amor valoriza a razão; o Amor traz o respeito
aos gestos; o A m or b u rila a fala; o A m or sin te tiz a os
conhecimentos; o Amor é o selecionador dos ouvidos; o Amor
sustenta a benevolência; o Amor dá vida na vida de Deus. O
Amor reuniu a vós e a mim para o grande programa da caridade
na Terra e, se for preciso, daremos os corpos que nos forem
pedidos, para que o Amor fique com os homens.

Silencia por instantes e continua:

— Meus filhos ! Eu sou a ave e vós as avesitas. Recebereis


de mim todo o calor para viver enquanto pequeninos. Ao
crescerdes, devereis andar por conta própria. Todavia, jamais
vos perderei de vista, eu e os anjos que nos servem. Estou para
ir e dar grandes testemunhos, em qualquer lugar, pois servir
para que Deus cresça nos homens é a minha meta. Todos vós
estais vos preparando como ovelhas que deverão seguir para o
sacrifício, mas mesmo depois de passardes pelas lâm inas
afiadas dos carrascos, vossas peles servirão para aquecer os que

369
í/oão OCunes JTCaia / ó /ía o ln

sofrem frio no seio dos que gastam e desperdiçam as coisas


sagradas da vida. Isto vós deveis fazer por Amor a Deus e ao
próximo, por Amor a vós mesmos e por Amor a tudo o que
existe.

Finalizando, acrescenta:

— Estou na Terra, por Amor aos homens. E qualquer


martírio que eu venha a sofrer, será por Amor a eles. Esse Amor
que tenho a todas as criaturas é o Amor de Deus que passa por
mim, por achar sintonia em meu coração.

Todos se levantam apressadamente. Jesus se ergue e


procura sair da igreja, onde a multidão o esperava. Ele, alegre,
toca vários doentes, curando-os. Pedro avança daqui, avança
dali, abrindo caminho para o Mestre e pedindo ao povo para ir
embora, pois a madrugada era alta. Porém, os enfermos não
escutavam a ninguém, procuravam pelo menos tocar as vestes
de Jesus. Duas moças leprosas se jogam no caminho do Mestre
e Este abaixa-se com compaixão e as abençoa, restabelecendo
seus corpos em chagas. Um velho cego pede a Cristo que tivesse
piedade dele, que não podia ver. O Mestre toca de leve os dedos
em seus olhos e o ancião vê, claramente. Todos avançam a beijar
os pés do Cristo, mas não o conseguem, por causa da multidão.
Eis que, somente naquela noite, foram curadas mais de trinta
pessoas com doenças incuráveis na época.

Jesus desapareceu no meio do acúmulo de gente, e os


discípulos também.

470
O Cristo Orador

A última reunião em Betsaida estava trazendo


já aos corações o am biente de saudade daquelas noites
inesquecíveis ju n to ao M estre de Nazaré. Os discípulos,
aparentemente tristes, sabiam que a escola de Betsaida iria ser
fechada. A igreja dos pescadores tornaria a voltar às suas
atividades de casa dos pescadores, onde os homens da pesca
poderíam descansar e se distrair em falas informais, contando
histórias. O apóstolo Pedro estava encarregado, na reunião de
despedida, de pedir ao Cristo que falasse, sem que viesse à baila
alguma pergunta, para que o M estre fechasse a assembléia
e n d ereç an d o aos céus um a ro g a tiv a , dando aos seus
companheiros um exemplo mais condizente de como orar.

Pedro levanta-se dentro de sua habitual espontaneidade,


hum ilde com o o aluno diante do professor, e pede com
simplicidade:

— Mestre! Nós todos esperamos por Ti! Hoje, segundo


combinamos, a noite é toda Tua; compete a Ti, se for do Teu
agrado, falar sozinho e nos instruir acerca da oração. O que nos
resta hoje é agradecer a Deus pelo que nos deu através de Ti.

371
t/oâo DCunes TK aia / S /ía o fin

O Cristo acomoda-se tranqüilamente no toco de cedro,


perpassa Seus olhos por todos os discípulos, como se quisesse
colocá-los sob a proteção das Suas asas de luz, e inicia uma
prece:

— Grande Força Universal da Vida, permite que tenhamos


a tolerância em todas as afeições diárias e que possam os
compreender a execução das leis nas lides que nos importa
prosseguir. É de nosso agrado, Senhor, que a Tua Justiça nos
envolva permanentemente no impulso que julgues adequado,
para que possamos ser justos nos labores de todos os dias. É
nosso ideal de amizade multiplicar todos os dons que nos deste,
de sorte que tais dons se tornem estrelas nos nossos corações. E
que as provações que surgirem a cada passo não perturbem a
nossa serenidade, garantindo assim a fé que alicerça a vida na
vida de Deus. Pai Celestial, queremos ir até o fim com a maior
dignidade, absorvendo a herança do Teu amor para conosco,
sustentando-nos nos labores que nos cabem a mais elevada
compreensão da vida e das coisas. Que q entendimento não nos
escape nos momentos elas aflições. E que não nos esqueçamos
nunca de nos solidarizar com os sofredores, para que eles
compreendam o valor da dor na educação dos sentimentos. Que
cada companheiro carregue seu fardo sem reclamar, sem exigir,
sem distrair-se na sua jornada, mostrando ao mundo, e onde
transita a ignorância, que somos todos iguais. Andando contigo,
Senhor, haverem os de nos resp eitar uns aos o u tro s, no
aprendizado da escola u niv ersal. C heios de felic id a d e,
levantaremos os braços e o coração para os céus, agradecendo-
Te com eterna gratidão, porque nos ensinaste, no borburinho
das coisas, a ouvir a Tua voz por todos os lados, e a falar
condignamente em todos os momentos em que a necessidade
nos pedir. Com a pureza indispensável, ensina-nos, Meu Deus,
a aceitar o que deve ser aceito, para que o arrependimento não
nos castigue. Ajuda-nos a contribuir com todas as criaturas nos

r/2
L u i / O ( </•/.»/« M r W o / '

elevados princípios da moral e do amor. E nesse sucedei de


avanços, faze com que possamos sentir o perfume da felicidade,
onde poderá germinar aquilo que mais apreciamos: a libertação,
fecundando todos os nossos interesses do bem nos princípios dc
ouro que existem em cada alma de Deus. Cura, Senhor, as
enfermidades dos homens, para que esses mesmos homens
vençam a dor, compreendendo seus objetivos. Dá-nos o poder
de saber usar a inteligência, para que ela se possa transformar
em bondade, nos caminhos da oração.

A melodia do Mestre pede um intervalo! E de novo a Sua


fala se estende a todos os Seus comandados:

— Eis, meus filhos, que deveis sair pregando o Evangelho


dois a dois, procurando dar tudo o que tendes, para que eu, na
força do meu Pai, possa estar convosco, esperando a vitória do
bem. Jamais deveis esquecer o otimismo nas lutas, em que o
bem deve prevalecer em todos os seus aspectos. E aí, então,
podereis alcançar a solicitude, na energia do esforço em todas
as dimensões da caridade. Se não é pedir-vos muito, que useis a
brandura, mesmo que a violência vos atinja, e não vos esqueçais
da hospitalidade aos que sofrem , aos que choram e aos
encarcerados. Assim fazendo, sereis os Bem-Aventurados nos
caminhos da luz, porque é nesse subir que conhecereis a verdade,
tornando-vos livres. Aí podereis vos sentir estudando na
Universalidade do Criador e sereis benfeitores uns dos outros,
no mais elevado trabalho da Terra e dos Céus, que é o labor de
ajudar com desprendimento, na mais plena confiança que a
inspiração divina nos favorece. Não esqueçais, meus filhos, em
todas as vossas realizações, da força da alegria, para que possais
perdoar na mais intensa fraternidade. E depois de tudo isso, é
bom que noteis gerar em todos os vossos corações o perfume da
caridade que, pela sua divina essência, se transformará em amor.
E esse amor é Deus vivo dentro de nós.

373
Modo OCunes 'JKaia / S /ía o tin

O silêncio é a tônica do ambiente. O Mestre tira os olhos


dos discípulos e levanta-os aos céus, parecendo conversar com
as estrelas, senão com o próprio Criador, orando desta forma:

Grande Força do Universo!


Permite que Tua bondade nos faça bons,
Que Tua alegria nos faça alegres,
Que Tua luz nos ilumine,
Que Teu labor nos faça trabalhar,
Que a Tua perfeição nos faça melhores,
Que a Tua sabedoria nos faça saber,
Que o Teu amor nos faça amar,
E que Tu, morando em nós, Senhor,
A renúncia se transforme em contentamento,
A compreensão em bem-estar,
O desprendimento em dever,
A instrução em hábito,
A educação em norma de vida,
A gentileza em doação diária,
E a caridade em gema divina que brilha em todos
os nossos sentidos.
Glória a Ti, por todas as glórias do Universo.
Assim seja.
Luzes, cores e perfumes riscavam e recendiam no ambiente,
como se fossem deuses destampando frascos de essências raras e
despejando policromia divina nos homens de Deus. O Cristo se
tornara um Sol e a igreja dos pescadores, aos olhos espirituais,
transbordava de anjos transitando em difíceis labores que o dever
chamava.

E todos os discípulos, ao término da oração, choraram com


Ele.
Vida Sensitiva
MEDIUNIDADE

SENSITIVA

Vida Sensitiva
Marcy Calhoun
Tradução: Júlia Barany
A Editora Fonte Viva se uniu à Editora Mercuiyo para produziro livro
Vida Sensitiva.
Você vivência sentimentos, pensamentos e sensações que não podem ser
explicados pela lógica ou por experiências passadas.
Este livro tem o propósito de auxiliar o ultra-sensitivo a encontrar um
significado mais profundo em sua liabilidade e como entender e desenvolver
sua sensitividade como força que ela é.

Formato: 14x21
N" «Ic Páginas: 160
Conheça os lançamentos
Da Editora Fonte Viva;
Vivência Evangélica (José Carlos de Moura)
Rimas de A mor e Luz (Lúcio de Abreu)
A Espiral do Tempo ( Carmen Imbassahy)
Abra e Leia ( Alaor Borges Júnior)
Fluidoterapia (Petrônio Batista Filho)
Em Perfeita Sintonia ( João Cuin)

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