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COLUNISTA

Monica De Bolle
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A Venezuela
Para entender e opinar sobre a Venezuela, é preciso primeiro compreender o arco
histórico

Monica De Bolle*, O Estado de S.Paulo


19 Dezembro 2018 | 04h00

A confusão sobre o convite-não-convite de Nicolás Maduro para a posse de Bolsonaro


deu o que falar nos últimos dias. Maduro teria sido convidado pelo Itamaraty para a
posse, a chancelaria da Venezuela recusou o convite, e em seguida Ernesto Araújo o
desconvidou. É claro que a ditadura venezuelana deve ser rechaçada. Contudo, o uso
constante do colapso venezuelano como arma ideológica é não apenas um equívoco,
mas demonstração de profunda ignorância. São poucos os que realmente sabem
alguma coisa sobre a história da Venezuela. Ao que parece, o próprio chanceler
brasileiro prefere os espantalhos ideológicos a um entendimento sério de como o país
chegou ao atual descalabro. Não é com desconhecimento que se faz boa política
externa.

Começo lá atrás, no pós-guerra. Entre 1948 e 1958 a Venezuela era uma ditadura.
Removido o ditador presidente Marcos Pérez Jiménez em janeiro de 1958, os três
maiores partidos políticos do país – AD, Copei e URD – firmaram um pacto que ficou
conhecido como Ponto Fixo (“Punto Fijo”). O pacto tinha como objetivo enraizar e
proteger a democracia em um país que havia sido governado por ditadores
praticamente desde sua independência, em 1830. O Ponto Fixo deu origem ao sistema
bipartidário formado pela AD e pelo Copei que permaneceu em vigor até a ascensão de
Hugo Chávez nos anos 1990. Durante as quatro décadas decorridas entre 1958 e 1998, a
Venezuela foi essencialmente uma democracia estável, tendo chegado a ser um dos
primeiros países latino-americanos a ser classificado como país de renda média alta
pelo Banco Mundial.

Entre 1960 e 1977, a renda por habitante crescera mais de 30%, alcançando US$ 16 mil
por pessoa. Contudo, entre o fim dos anos 70 e meados dos anos 80, a renda por
habitante perdera todo o ganho anterior, passando de US$ 16 mil para pouco menos de
US$ 12 mil. Ou seja, o país sofreu um colapso brutal do crescimento em virtude de
vários problemas, inclusive da queda dos preços do petróleo. Colapsos dessa magnitude
marcadas pela ausência de partidos e de candidatos tradicionais. Os partidos haviam
caído no mais absoluto descrédito. Chávez e os demais presidenciáveis de 1998 se
posicionaram como indivíduos com clara posição antissistema, capazes de atender aos
anseios do povo venezuelano. Chávez foi eleito em 1998 e horas após a vitória anunciou
referendo sobre a reforma constitucional que seria a base de sua “Revolução
Bolivariana”. A reforma foi aprovada e a Assembleia Constituinte foi formada com
maioria chavista, dando a Chávez o poder de reescrever a Constituição que encerrou de
vez o pacto Ponto Fixo. A nova Constituição, que ampliava o mandato presidencial de 5
para 6 anos, entrou em vigor pouco mais de um ano após a vitória de Chávez. Em 2000,
anos antes da eleição presidencial prevista pela nova Constituição, Chávez conseguiu
antecipar o pleito e se “reeleger” por seis anos. A partir daí estavam montadas as bases
que permitiriam seu plano de permanência não democrática no poder.

Portanto, para entender e opinar sobre a Venezuela, é preciso compreender o arco


histórico. É fácil demais plantá-la como espantalho para assustar ingênuos e
desinformados, sobretudo no contexto brasileiro atual.

Tamanho desconhecimento em nada ajudará a política externa brasileira a dar conta do


imenso desafio que a Venezuela de Maduro representa para a região. Dizem que o
Brasil não é para principiantes. Menos ainda a Venezuela.

*ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL


ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

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