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O que é tempo? Uma pergunta como essa, tão filosófica, à primeira vista parece ter
pouco a ver com o mote desta coluna – refletir sobre a atividade dos gestores
escolares. Pretendo mostrar que o tempo é, sim, um componente fundamental no dia a
dia desses profissionais. Não apenas no que diz respeito à sua administração, mas
também em relação à sua vivência.
Peço ajuda aos gregos da Antiguidade para explicar melhor. Eles distinguiam dois tipos
de tempo: o cronos e o cairós. O primeiro é o tempo efetivamente medido, aquele do
relógio e da rotina. O segundo é o tempo vivido, que, diferentemente do cronos, não se
mede pelo tamanho, mas pela intensidade. É como se os ponteiros de hora, minuto e
segundo parassem e mergulhássemos num túnel fora da Terra. Quando entramos nas
portas infinitas do tempo cairós, o cronos fica sem importância. Como num reencontro
de dia inteiro com amigos queridos, que há muito não víamos, podemos dizer: “Nem
percebi que passou o tempo e já está na hora de ir para casa...”. Sinal de que a
atividade realmente foi boa e pudemos nos entregar ao cairós vivido, valorizado,
partilhado.
Não se pode esquecer, porém, que o cotidiano escolar está repleto de cronos, o tempo
que nos acompanha e nos enquadra, dando o sentido das tarefas, pondo-lhes metas e
balizando a organização coletiva. O cronos é frequentemente confundido com a
burocracia – e não há nada de mau nisso. Explico o porquê. Por exemplo, a
pontualidade no pagamento do salário é uma burocracia (já imaginou receber apenas
quando o patrão quisesse?). Mas é uma burocracia boa, assim como a dos prazos
cumpridos, a dos relatórios entregues e a das notas na secretaria no dia combinado.
Fazer esses dois tempos conversar entre si não é fácil. Rotinas atropeladoras, excesso
de demanda, mistura de urgências com condução do dia a dia... O conflito entre as
atividades “burocráticas” e as “nobres e pedagogicamente ricas” é uma contradição que
o gestor enfrenta diariamente. No limite, se faço só o prazeroso, abandono as
exigências burocráticas pelas quais serei cobrado. De outro lado, se não faço nada de
que gosto, meu trabalho fica sem sentido.
Núcleo Básico – Módulo 3
Na escola, tudo tem seu tempo
Sabemos que as duas atividades são importantes para nossa saúde mental e
profissional. Como administrar o tempo do gestor e da escola para responder a tantos
problemas? Como fazer o equilíbrio entre eles? A segunda edição da revista Nova
Escola Gestão Escolar mergulha fundo nessa difícil questão. Uma das reportagens
discute como o diretor pode organizar melhor seu tempo de trabalho, ensinando a
contemplar as tarefas planejadas e as rotineiras para evitar que o dia a dia seja
dedicado somente a apagar incêndios.
O bom administrador do tempo é aquele que consegue extrair dos mais corriqueiros
atos do cotidiano as maravilhas do cairós sem descuidar do cronos, estabelecendo
claramente os responsáveis pelas tarefas, expondo datas de entregas e cobrando o
cumprimento dos prazos ligados ao bem comum. Uma prática muito importante é
buscar, juntamente com a equipe, o sentido de todas as atividades da escola. Todos
conhecemos a afirmação de que as pessoas ocupadas são as que têm mais tempo. E
também seu reverso: “Quem não tem nada a fazer não tem tempo para nada”. Ou seja,
achar tempo para as coisas está ligado a uma disponibilidade interior. Se dou valor e
importância a uma atividade, então acho tempo para ela. Se a julgo desimportante, seu
tempo some.
Na prática, isso significa que os faxineiros debaterão com o gestor qual o significado da
limpeza na organização dos espaços. Isso fará com que, ao se verem reconhecidos,
deem mais valor à sua atuação e ao cumprimento dos horários de suas tarefas. Já os
professores, refletirão com a direção sobre os duros e promissores caminhos que
trilharam com suas classes durante todo o ano.
O próprio gestor precisa examinar seu fazer, buscando nas ações corriqueiras – como
ler o Diário Oficial, prestar contas dos recursos financeiros (por exemplo, do Dinheiro
Direto na Escola), verificar os rendimentos escolares dos alunos, cuidar da manutenção
e de seus prazos de validade – uma rica forma de trabalhar com o tempo individual e
com o tempo coletivo. Trata-se, portanto, de enxergar na burocracia de cumprir
calendários uma forma de tornar a escola de aprender em uma escola de aprender
Ciências, Geografia, leitura e Geometria. Tudo para saber viver a melhor dimensão dos
tempos da vida: a felicidade de conviver.
Ao proceder dessa forma, o gestor constrói um percurso que visa transformar o tempo
burocrático em tempo vivido e valorizado. O exercício de planejamento e a rotina,
assim, passam de mera prestação de contas a análise dos significados do ato de
educar. Cronos transformado em cairós.
Fonte: ALMEIDA, F. J. de. “Na escola, tudo tem seu tempo”. In: revista Nova escola.
São Paulo: ano XXIV, n. 223, p. 112-113, jun/jul. 2009.