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AS MEMÓRIAS DO OUTRO

Contribuições críticas sobre a dominação em contextos de repressão latino-americana no


século XX

Felipe Garzón Serna

Este artigo pretende contribuir para o debate sobre a interpretação crítica das diferenças existentes
na construção diferenciada da figura do outro, principalmente em relação à memória de
experiências de dominação em contextos de ditaduras militares na América Latina durante as
décadas de 1960, 1970 e 1980.

Lá pretende-se fazer este, não apenas um debate em termos historiográficos, mas também como
parte do processo de construção social e expansão dos estados modernos, da sociedade ocidental e
da moral burguesa, problematizando-os como quadros de produção e reprodução de grande parte
dos conflitos sociais, históricos e culturais que atingiram níveis dramáticos na região da América
Latina, principalmente durante o desenvolvimento da segunda metade do século XX, e que
continuam sendo um desafio para entender as realidades contemporâneas da região.

“O próprio curso da história recente, marcado pela queda do muro de Berlim em 1989 e
pela derrocada do ideal comunista trazido pelo futuro da Revolução, assim como a
escalada de múltiplos fundamentalismo, abalaram, de uma maneira brutal e duradeira,
nossas relações com o tempo. A ordem do tempo foi posta em questão, tanto no Oriente
quanto no Ocidente”1.

A história da América Latina durante o século XX foi em grande parte, mas não apenas, a história
da consolidação dos Estados Unidos como potência hegemônica nos níveis econômico, político e
militar. A expansão dos projetos republicanos liberais na região e, com ela, os ideais da democracia
foram gradualmente impostos como uma realidade sócio-histórica que, além das experiências

1 HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica,
2013, p. 19
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particulares, levou a região a pensar como um bloco, como um grupo composto de propriedades
coletivamente compartilhadas.

Esse espaço coletivo, coletivo, para melhor e / ou pior, teve uma forte influência direta e indireta do
projeto da nação desenvolvido pelo país norte-americano e, como resultado, uma série de
tendências foram marcadas na região latino-americana que, Entre outras coisas, foram influenciados
pelo contexto da Guerra Fria e, com ele, na configuração de um inimigo comum representado em
primeiro lugar pela figura do comunismo e depois em qualquer tipo de manifestação social, política
e cultural que questionasse a condição histórica do “mundo livre” como ideal burguês americano e
como modelo da historicidade ocidental.

Alguns casos emblemáticos dessa situação foram a Doutrina de Segurança Nacional dos Estados
Unidos e mais tarde a Doutrina de Contrainsurgência; experiências que determinariam de maneira
radical o desenvolvimento histórico na América Latina.

A Doutrina de Segurança Nacional dos Estados Unidos foi configurada em uma estratégia para
adotar um sistema de segurança hemisférica sob a liderança dos Estados Unidos após a Segunda
Guerra Mundial (FEIERSTEIN, 2016, p 254). Em 1947, o governo do país do norte assinou o ato
em questão, onde foram criados o Conselho de Segurança Nacional e a Agência Central de
Inteligência (CIA) que teria um papel decisivo no contexto da guerra fria.

Para Daniel Feierstein, a assinatura da Ata de Segurança Nacional em 1947 reflete o papel da força
hegemônica que os Estados Unidos assumiram nos níveis político, econômico e militar após sua
consolidação como potência após o fim da Segunda Guerra Mundial. "Esse documentos é a
ratificação formal da Guerra Fria e identifica a URSS como o principal inimigo e responsável
pelas guerras anti-coloniais"2 que estavam ocorrendo na Ásia e na África, principalmente contra as
colônias de seu histórico aliado ocidental: a França.

Lá, pela primeira vez, foi levantada a necessidade de usar os meios disponíveis para impedir a
propagação do comunismo, identificado como a principal ameaça contra o "mundo livre" e contra a
moralidade burguesa do Ocidente.

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FEIERSTEIN, Daniel. Introducción a los estudios sobre genocidio. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2016,
p. 255
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Isto foi ratificado com a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, assinado no
Rio de Janeiro em 1947, no qual se estabeleceu uma série de princípios de solidariedade coletiva no
caso de uma possível agressão extra-continental do comunismo soviético. Este tratado basicamente
elevou a integração das instituições militares dos diferentes países da América Latina como um
único bloco de guerra liderado pelos Estados Unidos (FEIERSTEIN, 2016, p 255).

Posteriormente, a assinatura da Carta de Bogotá ocorre em 1948, com a qual a Organização dos
Estados Americanos (OEA) é criada e a integração continental institucionalizada com os Estados
Unidos como chefe dos tratados bilaterais de assuntos militares como eixo principal. No entanto, as
circunstâncias históricas modificariam o panorama e, por sua vez, a abordagem dos Estados Unidos
em referência à ameaça comunista principalmente com o desenvolvimento da Revolução Cubana de
1959 mais também com as revoltas que estavam ocorrendo em outras regiões, como Vietnã e
Argélia.

O governo dos Estados Unidos liderado por John F. Kennedy identifica um novo ator social até
então indeterminado: a Insurgência Subversiva (FEIERSTEIN, 2016, p 256) identificando a
consciência política como uma fonte de agitação social e ameaça às instituições americanas, e
elevando a necessidade suprimir todos os possíveis focos revolucionários internos de cada um dos
países latino-americanos.

É assim que a Doutrina de Segurança Nacional dos Estados Unidos se transformará numa Doutrina
de Contrainsurgência para o ano de 1962, onde a ênfase de uma eventual agressão externa pela
URSS é substituída pela segurança interna e pela luta anti-subversiva para extinguir os surtos de
agitação e turbulências que supostamente estavam ligadas a uma rede global de luta revolucionária.
Essa abordagem exigiu uma redocrinização das forças militares latino-americanas pelos Estados
Unidos.

Com essa finalidade, em 1963, uma facção do comando sul do Exército dos Estados Unidos foi
transferida para o Panamá, atuando como um pequeno Pentágono e que seria conhecida como a
Escola das Américas (FEIERSTEIN, 2016, p 257); epicentro da difusão da Doutrina da
Contrainsurgência, onde milhares de oficiais militares latino-americanos foram treinados e
doutrinados com o propósito de se tornarem instrutores em seus próprios países de origem.

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Segundo Daniel Feierstein, no ano de 1975 já havia cerca de 33.197 oficiais formados na Escola das
Américas, que teriam um papel decisivo no desenvolvimento dos diferentes golpes militares que a
América Latina experimentaria desde a década de 1960; no caso do Brasil, 80% dos militares que
participaram do golpe militar de 1964 e posterior consolidação da Ditadura, graduaram-se na Escola
das Américas (FEIERSTEIN, 2016, p 259); ditaduras que implementariam as estratégias repressivas
disseminadas pela Escola das Américas no marco da Doutrina da Constrainsurgência, que incluía a
qualificação em práticas repressivas como o desaparecimento forçado, o massacre, o uso de
estruturas paramilitares ou esquadrões de morte, detenção indiscriminada de opositores políticos,
censura da mídia e da educação, aplicação de tortura, entre outros (FEIERSTEIN, 2016, p 301),
acompanhados de programas de assistência econômica dos Estados Unidos para contribuir ao
desenvolvimento dos países latino-americanos, mais também para garantir “condições favoráveis
para um certo tipo de modelo de desenvolvimento econômico funcional para multinacionais da
América Latina”3, pois a necessidade imperiosa de reafirmar, por qualquer meio, a consolidação de
um modelo de realidade também faz parte da necessidade invariável de garantir a rentabilidade dos
investimentos norte-americanos na América Latina para o fornecimento de matérias-primas e mão-
de-obra. barato.

Em geral, essas acões refletem o “papel de força hegemônica assumida pelos Estados Unidos” 4,
liderando e impondo um sistema de segurança hemisférico para contribuir na luta competitiva pelo
mundo livre contra a expansão do comunismo soviético na Europa, Ásia e África (FEIERSTEIN,
2016, p 256).

Nesse sentido, segundo Hartog, “Historicidade expressa a forma da condição histórica, a maneira
como um indivíduo ou uma coletividade se instaura e se desenvolve no tempo”5. Dentro desse
quadro específico de referência, o modelo histórico da ordem social, política e econômica da
América do Norte se estendeu na América Latina como o único e único tipo possível de nação e
região, resultando em um projeto onipresente, imposto como único e verdadeiro horizonte possível
da realidade e que constitui um debate muito atual, pois sua consolidação como matriz hegemônica
implica pensar na consequente exclusão e silenciamento sistemático de tudo o que não se enquadra
nesses interesses hegemônicos.

3
FEIERSTEIN, Daniel. Introducción a los estudios sobre genocidio. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica,
2016, p 263
4 FEIERSTEIN, Daniel. Introducción a los estudios sobre genocidio. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica,
2016, p 254
5 HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica,
2013, p. 12
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Esses fenômenos de influência política militar por parte dos Estados Unidos para a América Latina
foram cada vez mais impostos nas margens dos sistemas repressivos de autoridade. A figura do
inimigo configurava-se cada vez mais dentro do indeterminado, a tal ponto que "nenhuma distinção
crítica, oposição política, guerrilha ou terrorismo é reconhecida, todas as indicações de
inconformidade [são] manifestação de um único fenômeno: a guerra revolucionária", dando, por sua
vez, o papel de liderança das forças militares como uma figura legal racional dos estados modernos
para o monopólio do uso da força física com fins de manutenção da ordem institucional que
assumiriam a tarefa de executar ações repressivas durante as diferentes ditaduras militares que se
apresentaram na região durante as décadas de 1960, 1970 e 1980.

A Doutrina de Segurança Nacional dos Estados Unidos avançou num verdadeiro processo de
doutrinação das forças militares da América Latina, principalmente após a Revolução Cubana de
1959. Somente entre os anos de 1962 e 1966 foram realizados nove golpes militares contra
governos eleitos democraticamente na região através do voto popular (FEIERSTEIN, 2016, p 272).
A magnitude destes fenômenos foi aumentando ao longo do tempo e já na década de 1980 no
governo dos Estados Unidos à frente de Ronald Reagan, já se falava de uma verdadeira guerra
global de sobrevivência contra o comunismo como a principal ameaça para o desenvolvimento do
modelo da realidade do "mundo livre" (FEIERSTEIN, 2016, p 265).

Isto implica a possibilidade de pensar nesses eventos como parte da “luta pela proteção do modo de
ser ocidental e cristão como um dever inevitável”.”6; isto é, uma luta pela consolidação de uma
visão do mundo, da realidade histórico-social ocidental.

Nessa perspectiva, a expansão e consolidação do capitalismo, juntamente com o modelo de Estado


burguês liberal ocidental, também se desenvolveu como uma construção determinada de um modo
de conceber a realidade, de um estilo de vida social, de uma certa perspectiva histórica com uma
série de valores institucionais e morais bem definidos. Isso significa pensar que, nesse processo de
consolidação, era necessário negar sistematicamente e/ou suprimir outras perspectivas dos projetos
da nação na região latino-americana e, com ela, outras formas alternativas de conceber a realidade
histórica.

6
FEIERSTEIN, Daniel. Introducción a los estudios sobre genocidio. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2016,
p 268
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Nessa medida, o que é concebido como verdade, como realidade forçada pela implementação de
estratégias repressivas durante as ditaduras na América Latina, tem sido um fenômeno de evidente
caráter autoritário e até totalitário, já que o uso da violência física e simbólica serviu (e ainda hoje)
diretamente ao propósito de silenciar outras memórias, outras manifestações e representações da
realidade histórico-social; contexto em que, segundo Hartog: "certos tipos de história são possíveis
e outros não"7. A violência configura-se, assim, como um meio de garantir que o modelo de
sociedade projetado pelo Ocidente, principalmente pelos Estados Unidos em relação à região latino-
americana, seja a única e histórica realidade histórico-social, condenando a ilegalidade a muitas das
perspectivas alternativas e com isso ao seu silenciamento e sua eliminação física e histórica.

Ainda hoje, os discursos existentes sobre as lembranças dos acontecimentos do período das
ditaduras militares na América Latina são objeto de fortes controvérsias e grandes disputas.
Inúmeros grupos sociais emergem cotidianamente dentro da conjuntura por reivindicar o passado e
assim justificar o presente, dando significado a muitos atos que nesse período foram implementados
em nome da proteção dos valores e instituições do Estado e até em nome da Democracia. Um caso
recente diz respeito ao governo direitista do Brasil em março de 2019, à frente de Jair Bolzonaro,
em referência ao objetivo de relembrar as ações militares de março de 1964 que resultaram no golpe
militar contra o governo democrático de João Goulart e posterior consolidação da Ditadura Militar
no Brasil. Isto foi destacado por alguns diaros nacionais e internacionais:

Bolsonaro determina que militares celebrem golpe de 64


BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro determinou que as Forças Armadas comemorem
o golpe militar de 1964, que completa 55 anos no próximo domingo, dia 31 de março. A
informação foi confirmada na tarde desta segunda-feira pelo porta-voz da Presidência,
Otávio do Rêgo Barros, em declaração à imprensa...
Os anos de ditadura militar foram marcados pelo fechamento do Congresso Nacional,
cassação de direitos políticos, perseguição e tortura de adversários políticos, além de
censura à imprensa.
— O presidente não considera o 31 de março de 1964 golpe militar. Ele considera que a
sociedade, reunida e percebendo o perigo que o país estava vivenciando naquele momento,
juntaram-se civis e militares, e nós conseguimos recuperar e recolocar o nosso país num
rumo que, salvo melhor juízo, se tudo isso não tivesse ocorrido hoje nós estaríamos tendo
algum tipo de governo aqui que não seria bom para ninguém — disse o porta-voz, que
também é general.

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HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013,
p. 39
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Na última quinta-feira, no Chile, Bolsonaro falou sobre sua visão acerca da ditadura de
1964. Na ocasião, ele reverenciou o ditador chileno Augusto Pinochet, que comandou o
país de 1973 a 1990, em anos marcados por violência com a morte de mais de 3 mil
pessoas8.

Bolsonaro determina comemoração do golpe de 1964


O presidente brasileiro nunca escondeu que, para ele, não houve ruptura antidemocrática
por parte dos militares. Agora, 55 anos depois, ele ordena que a data seja comemorada
pelas Forças Armadas.
O presidente Jair Bolsonaro determinou ao Ministério da Defesa que sejam feitas
comemorações em unidades militares no próximo dia 31 de março para marcar o início da
ditadura militar no Brasil, em 1964, afirmou o porta-voz da Presidência, general Otávio
Rêgo Barros, nesta segunda-feira (25/03).
A data havia sido retirada do calendário oficial de comemorações do Exército em 2011 por
determinação da ex-presidente Dilma Rousseff, que foi torturada no regime ditatorial.
Agora, com Bolsonaro na Presidência e diversos militares ocupando cargos ministeriais, a
volta do 31 de março ao calendário oficial do Exército estaria sendo avaliada pelas Forças
Armadas.
Por sua parte, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, refutou o uso da
palavra "comemoração" para se referir aos eventos que marcarão o dia 31 de março, mas
afirmou que a data precisa ser lembrada e explicada aos mais jovens.
"O termo aí, comemoração, na esfera do militar, não é muito o caso. Vamos relembrar e
marcar uma data histórica que o Brasil passou, com participação decisiva das Forças
Armadas, como sempre foi feito. O governo passado pediu que não houvesse ordem do dia,
este, ao contrário, acha que os mais jovens precisam saber o que aconteceu naquela data,
naquela época", disse o ministro, que está em Washington.
O período da ditadura, que se estendeu de 1964 a 1985, teve início com a derrubada do
governo do então presidente democraticamente eleito, João Goulart, e foi marcado por
censura à imprensa, fim das eleições diretas para presidente, fechamento do Congresso
Nacional, tortura de dissidentes e cassação de direitos.
Bolsonaro sempre afirmou que o período de 21 anos não foi uma ditadura. Durante a
votação do impeachment de Dilma, ele chegou a homenagear o coronel Carlos Alberto
Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça de São Paulo como torturador durante o regime
militar.
A determinação do presidente foi condenada pelo Ministério Público Federal (MPF), que
disse que comemorar a ditadura é "festejar um regime inconstitucional e responsável por
graves crimes de violação aos direitos humanos".

8
Bolsonaro determina que militares celebrem golpe de 64. Agencia O Globo. 25 Março. 2019. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-determina-que-militares-celebrem-golpe-de-64-23549592>. Acesso
em: 18 ago. 2019.
Página 7
"É incompatível com o Estado Democrático de Direito festejar um golpe de Estado e um
regime que adotou políticas de violações sistemáticas aos direitos humanos e cometeu
crimes internacionais", afirma o órgão em nota pública.
Segundo o MPF, a medida "soa como apologia à prática de atrocidades massivas e,
portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas" 9.

É um tema de debate muito atual que demonstra a natureza ativa da história e também o papel da
memória como agente de interação social ao longo do tempo, entre o presente e o passado,
fundamental para a configuração e defesa da identidade individual e das coletividades que
compõem uma sociedade e que todo o tempo eles estão reagindo a favor e contra tais posições,
porque realmente toca as fibras mais sensíveis de uma sociedade e da cultura.

Isso ocorre porque:


“a produção de narrativas históricas envolve a desigual contribução de
grupos e pessoas concorrentes que têm um acesso desigual aos meios dessa
produção[...] A história é fruto do poder[...] significa tanto os fatos em
questão quanto uma narrativa sobre esses fatos, tanto o que ocorreu quanto
aquilo que se diz ter ocorrido”10.

Nesse contexto, a Doutrina de Segurança Nacional e Contra-Insurreição implementada pelos


Estados Unidos na América Latina durante grande parte do século XX, materializada através da
onda de ditaduras militares que ocorreram na região principalmente durante a década de 1960, 1970
e 1980, são um reflexo das disputas existentes sobre um discurso da realidade e, com ele, da própria
história. O processo de imposição de um modelo de ordenamento social pró-norte-americano e
anticomunista moldou o terreno das lutas pela verdade em que emergem setores que detêm o poder
econômico e político de uma determinada nação, juntamente com outros setores historicamente
excluídos e marginalizados, muitas vezes com o peso da ilegalidade na sua condição de ser e,
consequentemente, destinada a um processo de silenciamento histórico e à negação de sua condição
ontológica.

Como Jelin aponta, diferentes atores sociais estão envolvidos nos processos de construção da
memória, incluindo grupos marginalizados e excluídos, tudo dentro de um jogo competitivo de

9
Bolsonaro determina comemoração do golpe de 1964. DW Notícias. 26 Março. 2019. Disponível em:
<https://p.dw.com/p/3Ff9b>. Acesso em: 18 ago. 2019
10
TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da história. Curitiba: Huya, 2016, p. 21
Página 8
disputa e negociação para os sentidos do passado. Isso nos permite pensar na existência de histórias
e memórias que são impostas como dominantes e até hegemônicas. (JELIN, 2002, p 23).

As ações das ditaduras militares na América Latina, com a Doutrina de Segurança Nacional e
Contrainsurgência dos Estados Unidos como fundamento ideológico, mostram a complexa relação
do sujeito com a alteridade, com as lacunas na capacidade de reconhecer as pluralidades do outro e
com ele a configuração e representação da figura do inimigo como produto desse processo social de
diferenciação que resulta no declínio existencial e no silenciamento histórico dessas outras
memórias. Porém,

“Não há dúvida de que os crimes do século XX, seus assassinatos em massa


e sua monstruosa indústria da morte são as tempestades de onde partiram
essas ondas memoriais que acabaram unindo e agitando intensamente as
sociedades contemporáneas. O passado não havía passado”.11

11
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica,
2013, p. 22
Página 9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 Bolsonaro determina que militares celebrem golpe de 64. Agencia O Globo. 25 Março.
2019. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-determina-que-militares-
celebrem-golpe-de-64-23549592>. Acesso em: 18 ago. 2019.

 Bolsonaro determina comemoração do golpe de 1964. DW Notícias. 26 Março. 2019.


Disponível em: <https://p.dw.com/p/3Ff9b>. Acesso em: 18 ago. 2019

 FEIERSTEIN, Daniel. Introducción a los estudios sobre genocidio. Buenos Aires: Fondo de
Cultura Económica, 2016.

 HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo


Horizonte: Autêntica, 2013

 JELIN, Elizabeth. Los Trabajos de la Memoria. De qué hablamos cuando hablamos de


memoria. Madrid: Siglo XXI, 2002

 TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da história.


Curitiba: Huya, 2016, p. 21

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