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Nº 524 | Ano XVIII | 18/6/2018

Junho de 2013
Cinco Anos depois. Demanda de uma
radicalização democrática nunca realizada
Rodrigo Nunes
Henrique Costa
Bruno Cava
Moysés Pinto Neto
Carlos A. Gadea
Alana Moraes
Giuseppe Cocco
Luiz Werneck Vianna
João Paulo Medeiros
Guilherme Kranz

Leia também

Mary Hunt ■
Ezio Manzini ■
Bruno Lima Rocha ■
Renato Janine Ribeiro ■
EDITORIAL

Junho de 2013. Cinco Anos depois.


Demanda de uma radicalização democrática nunca realizada

J
unho de 2013 passou pelas ruas do Brasil ao PT, mas talvez com um último chamado: ‘de
e arrastou qualquer ilusão de radicalização que lado vocês estão?’”, assinala.
democrática que a Nova República, dos pac- Segundo Giuseppe Cocco, professor da
tos oligárquicos, sequer foi capaz de sonhar. Com UFRJ, as lutas de Junho não respondiam às ca-
as estruturas da política partidária e institucional tegorias da lógica e da coerência, de modo que
abaladas, o fino reboco da democracia representa- vem daí sua força vital. “Em Junho, todas as lu-
tiva desmanchou de vez e, finalmente, transpare- tas que sonhávamos aconteciam, a começar pela
ceu a fachada da crise da representatividade. Se de contestação geral do bloco do biopoder e da go-
um lado os corpos não mais interrompem as vias vernamentalidade mafiosa”, destaca.
internas das metrópoles, tampouco os caminhões
as vias externas, como ocorreu recentemente, de Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisa-
outro os espectros de Junho de 2013 continuam a dor da PUC-Rio, destaca que o “‘terremoto” de
assombrar e desafiar a política institucional. Para Junho de 2013 não foi capaz de propiciar mu-
fazer um balanço e uma análise sobre o fenômeno, danças substanciais na sociedade brasileira.
a revista IHU On-Line, cinco anos depois, reúne João Paulo do Vale de Medeiros, doutoran-
uma série de pesquisadores e pesquisadoras para do da Universidade Federal Fluminense, debate
discutir os limites, os desafios e as perspectivas o apelo religioso da política ao Estado e sobre a
das Jornadas de Junho. fetichização do progresso. “Somos uma esquerda
Rodrigo Nunes, professor da PUC-Rio, des- viciada em Estado, que não consegue enxergar a
taca que há quem diga que as manifestações de utopia para além das estruturas burocráticas”.
Junho não deixaram um legado concreto. “Mas Guilherme Kranz, mestrando em Letras pela
2 esta é apenas uma das dimensões em que um UFRGS, considera que “assim como Maio de 68
acontecimento pode ser medido, e algo capcio- suscita amor e ódio até hoje entre os franceses,
sa, porque resultados são objeto de disputas e durante as próximas décadas ainda vamos nos
sempre podem ser desfeitos”, analisa. digladiar pelos sentidos de Junho”.
De acordo com Henrique Costa, doutorando Complementam ainda a edição as entrevistas
em Ciências Sociais na Unicamp, “a população com Renato Janine Ribeiro, sobre conjun-
passou a questionar a gestão lulista para os mais tura nacional e os desafios contemporâneos,
pobres que vinha acompanhada dos ganhos Mary Hunt, teóloga feminista estadunidense
exorbitantes de setores selecionados do empre- que discute o papel das mulheres no pontifica-
sariado, como empreiteiras e bancos”. do de Francisco, e Ezio Manzini, professor na
Para Bruno Cava, pesquisador associado à Universidade Politécnica de Milão, na Itália, so-
rede Universidade Nômade, Junho de 2013 tra- bre design e bem comum. Leia também a Crítica
çou o mapa dos desafios contemporâneos. “Com Internacional do curso de RI da Unisinos, sobre
isso, o levante foi estrangulado várias vezes, por El Salvador e a integração com os Estados Uni-
meio de uma orquestração de técnicas: repressão dos, de autoria de Bruno Lima Rocha.
e cooptação, chantagem e concessão”, pontua. A todas e a todos uma boa leitura e uma exce-
Moysés Pinto Neto, professor na Ulbra, ana- lente semana!
lisa: “há dois grandes grupos na esquerda sobre
isso. Para o primeiro, Junho foi o ‘embrião do
golpe’, espécie de ovo da serpente. Já o segundo
grupo vê de forma totalmente oposta o processo”.
Para Carlos A. Gadea, coordenador do Pro-
grama de Pós-Graduação em Ciências Sociais
da Unisinos, Junho de 2013 foi capaz de produ-
zir uma nova estética. “Pode-se considerar que a
virada estética pós-2013 é uma virada eclética e,
assim, desafiadora da institucionalização de uma
cultura popular via esquerdismo governamental”.
Foto: Fábio Rodrigues
Alana Moraes, antropóloga, analisa que o Pozzebom/Agência
Brasil
movimento “não tinha a ver com uma rejeição

18 DE JUNHO | 2018
REVISTA IHU ON-LINE

Sumário
4 ■ Temas em destaque
6 ■ Renato Janine Ribeiro: Eleições 2018 e os desafios para o Brasil enfrentar os retrocessos
12 ■ Tema de capa | Rodrigo Nunes: Junho de 2013 aconteceu, mas não teve lugar
20 ■ Tema de capa | Henrique Costa: Insatisfações coletivas inauguram outras formas de manifestações
26 ■ Tema de capa | Bruno Cava: O horizonte dos desafios contemporâneos foi traçado no mapa
de Junho de 2013

30 Tema de capa | Moysés Pinto Neto: O interminável Junho de 2013
36 ■ Tema de capa | Carlos A. Gadea: Junho de 2013, a inauguração de uma estética nova e indefinida
40 ■ Tema de capa | Alana Moraes: O último chamado de uma geração que desejava apenas
fazer política

44 Tema de capa | Giuseppe Cocco: Nem coerentes, nem lógicas, as lutas de Junho de 2013
sobrevivem à revelia da compreensão da esquerda

49 Tema de capa | Luiz Werneck Vianna: O terremoto de Junho de 2013 foi sufocado e não
oxigenou a política brasileira

53 Tema de capa | João Paulo do Vale de Medeiros: A política para além do apego religioso ao
Estado, da fetichização do progresso e da secundarização das questões ambientais
58 ■ Tema de capa | Guilherme Kranz: Saldo de Junho de 2013 mostra potência da organização
para além das instituições políticas
62 ■ Mary Hunt: O lugar das mulheres no pontificado de Francisco 3
66 ■ Ezio Manzini: Design, uma estratégia de articulação pelo bem comum
70 ■ Crítica internacional | Bruno Lima Rocha: El Salvador e a integração forçada com os Estados Unidos
72 ■ Publicações | Rafael Lopez Villasenor: Interfaces da morte no imaginário da cultura popular
mexicana
73 ■ Publicações | José Roque Junges: Os documentos eclesiais pós-sinodais “Familiaris Consortio”
de Wojtyla e “Amoris Laetitia” de Bergoglio como respostas aos desafios da pastoral matrimonial
75 ■ Outras edições

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to Humanitas Unisinos - IHU. Esta Revisão Instituto Humanitas Unisinos - IHU
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das-feiras no sítio www.ihu.unisinos.br e Av. Unisinos, 950 | São Leopoldo / RS
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EDIÇÃO 524
TEMAS EM DESTAQUE

Entrevistas completas em www.ihu.unisinos.br/maisnoticias/noticias


Confira algumas entrevistas publicadas no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU na última semana.

A crise dos governos progressistas, 40 anos


depois da queda do socialismo real
“Se quisermos pensar os casos dos países latino-americanos nesses últi-
mos anos, é difícil dizer que houve um projeto claro que poderíamos cha-
mar de progressista.”
Paulo Kliass, graduado em Administração Pública pela FGV– SP, mestre em Economia pela USP e
doutor em Economia pela Université de Paris 10. Disponível em https://bit.ly/2JLEGtD.

Exportação de gado vivo não respeita a


dignidade animal
“É algo inadmissível, porque os bois vivem em meio a fezes e urina. Os
responsáveis pelo navio dizem que soltam esses excrementos no mar, mas
isso significa mais poluição ao meio ambiente.”
Silvana Andrade, jornalista, vegana e ativista pelos direitos animais. Presidente da Agência de
Notícias de Direitos Animais – Anda. Disponível em https://bit.ly/2sXJQwo.

4 Controle biológico como alternativa ao


consumo excessivo de agrotóxicos
“Controle biológico é um fenômeno natural que consiste na regulação de
plantas e animais por agentes de mortalidade biótica.”
José Roberto Parra, graduado em Engenharia Agronômica, mestre e doutor em Entomologia pela
USP. Professor da USP. Disponível em https://bit.ly/2HQFEU1.

Necessidades do Antropoceno e tecnologias


digitais pedem nova política
“Esse pensamento de bandeirante é que tornou possível vir das mãos de
governos que se reivindicaram de esquerda a liberação dos transgênicos,
a aposta nos combustíveis fósseis e a ênfase no pré-sal.”
Alexandre Araújo Costa, formado em Física, Ph.D. em Ciências Atmosféricas, professor da UFC.
Disponível em https://bit.ly/2LRJ7np.

Reforma tributária e a redução da


regressividade do imposto
“Como a base de arrecadação é baixa, os mais pobres acabam pagando
ainda mais imposto.”
Rodrigo de Losso, doutor em Economia pela Universidade de Chicago, professor da USP. Disponí-
vel em https://bit.ly/2yjRoyu.

18 DE JUNHO | 2018
REVISTA IHU ON-LINE

Textos na íntegra em www.ihu.unisinos.br/maisnoticias/noticias


Confira algumas notícias públicas recentemente no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU

Livro sobre intelectuais “A organização capitalista Aprovação do aborto


negros põe em xeque do trabalho privilegia o pode ser passo histórico
ideia de democracia poder ao lucro”. Entrevista na Argentina, que
racial no país com Thomas Coutrot deixaria Brasil para trás

Desde as primeiras dé- Não faz sentido esforçar-se O aborto legal venceu na
cadas do século passado, para ressuscitar um com- Câmara dos Deputados e
intelectuais negros mobili- promisso fordista que está nas ruas de Buenos Aires.
zavam-se, por meio de jor- há muito tempo morto e en- Em uma votação acalora-
nais, clubes e organizações terrado, estima o economis- da e muito apertada, que
próprias, inserindo-se em ta e estatístico francês Tho- se prolongou durante mais
debates e iniciativas com o mas Coutrot, cofundador de de 20 horas, os legisladores
objetivo de promover a ple- Economistes Atterrés e por- aprovaram o projeto de lei
na inserção dos afrodescen- ta-voz da Attac. para a interrupção voluntá-
dentes na sociedade brasilei- Entrevista de Catherine André, publica- ria da gravidez, por 129 vo-
ra. A atuação desses grupos da por Alternatives Économiques, 12-06- tos a favor e 125, contra.
é o tema do livro Termos de 2018, disponível em http://bit.ly/2tgDzv1.
Reportagem de Mar Centenera,
inclusão: Intelectuais negros publicada por El País em 14-6-2018,
brasileiros no século XX, da disponível em https://bit.ly/2yfs1y6.
argentina Paulina Alberto.
Reportagem de Marta Avancini, publica-
da por Jornal da Unicamp em 8-6-2018, 5
disponível em https://bit.ly/2HOHvZm.

Terras indígenas foram O desastroso legado O que acontece quando


invadidas com soja da Copa do Mundo de o poder público escolhe
transgênica, conclui Futebol de 2014 cortar investimento em
Ibama áreas sociais?

Gaza viveu o dia mais san- “A megalomaníaca propos- O que você faria se soubes-
grento desde que a onda ta de fazer ou reformar 12 es- se que a mortalidade infantil
de protestos palestinos em tádios de futebol para a Copa aumentaria? Que mais fa-
massa começou em 30 de do Mundo de 2014 só se jus- mílias ficariam desampara-
março. As manifestações tifica pelo interesse daqueles das? E que políticas públicas
de dezenas de milhares de políticos e empreiteiros que nas áreas de educação, saú-
moradores da Faixa — que visavam lucrar com a cor- de e proteção social seriam
lançaram pedras e pneus em rupção das obras superfatu- enfraquecidas, prejudican-
chamas — devido à mudan- radas.” do especialmente crianças e
ça da embaixada dos EUA Artigo de José Eustáquio Diniz Alves, adolescentes brasileiros? In-
para Jerusalém, matou pelo publicado por EcoDebate em 13-6-2018, felizmente, a projeção é que
menos 55 manifestantes e disponível em https://bit.ly/2l92NYO. isso ocorrerá nos próximos
deixou centenas de feridos a anos.
bala na fronteira. Artigo de Thaís Dantas, publicado por
Reportagem de Rubens Valente, publi- El País em 11-6-2018, disponível em
cada por Folha de S. Paulo, reprodu- https://bit.ly/2MqCg5v.
zida por Amazônia.org em 12-06-2018,
disponível em https://bit.ly/2HS0bHt.

EDIÇÃO 524
ENTREVISTA

Eleições 2018 e os desafios para


o Brasil enfrentar os retrocessos
Para Renato Janine Ribeiro, a saída para o estado de crises passa
essencialmente pela política e não pela repulsa desse campo
João Vitor Santos

O
Brasil chega ao final de um pri- te Dilma tivesse negociado com a oposição
meiro semestre de ano eleitoral e os setores responsáveis do PSDB tives-
mergulhado em impasses e in- sem dito que não valia a pena promover
certezas. Pesquisas apontam que, mesmo a aventura do impeachment, se uma po-
preso e tendo a possibilidade de ser impe- lítica econômica tivesse sido definida e
dido de concorrer, o ex-presidente Lula retomasse o crescimento econômico, nós
tem a maioria das intenções de voto. Em já teríamos superado essa crise há algum
segundo lugar, está Jair Bolsonaro e tempo”, analisa. Sobre as eleições de ou-
sua extrema direita reacionária, enquanto tubro, reitera que é o momento ideal para
a dita direita mais moderada, assim como enfrentar esses retrocessos. “Tem que mu-
demais partidos de centro e de esquerda, dar a política, melhorar os políticos, mas
“tateiam” para apontar um nome capaz de não pode ficar numa história de desquali-
fazer frente a esse cenário. Não obstante a ficar a política, porque é um retrocesso. O
6 nebulosa perspectiva de futuro, o país ain- Brasil está vivendo um grande retrocesso
da rema para superar a crise econômica hoje, e esse é um problema que temos de
e, a cada dia, parece afundar ainda mais enfrentar”, sugere.
nas crises políticas e institucionais. O pro-
fessor Renato Janine Ribeiro define esse Renato Janine Ribeiro foi ministro
quadro como um retrocesso, pois a crise de Estado da Educação por seis meses
de hoje está relacionada ao descrédito no segundo governo de Dilma Rousseff.
que a cúpula política do país vem provo- É professor titular da Universidade de
cando. Para ele, isso ficou claro no recen- São Paulo - USP, na disciplina de Ética
te episódio da greve dos caminhoneiros. e Filosofia Política. Possui doutorado
“Vemos um governo que não sabe o que em Filosofia pela USP, atua na área de
fazer quando o Brasil todo é praticamente Filosofia Política, com ênfase em teoria
paralisado em termos de produção e tra- política. Recebeu o Prêmio Jabuti de Li-
balho”, dispara. E acrescenta: “depois se teratura em 2001 pela obra A Sociedade
vê que ele está agindo de forma incoerente Contra o Social (São Paulo: Companhia
para tentar acalmar os caminhoneiros, os das Letras, 2000). Agora em 2018, está
acionistas da Petrobras e setores que estão lançando A Pátria Educadora em colap-
incompatíveis”. so (São Paulo: Três Estrelas, 2018), livro
em que narra os bastidores da política, à
Na entrevista a seguir, concedida por
época de sua passagem pelo Ministério
telefone à IHU On-Line, o professor
da Educação.
considera que o fato de o governo “não ter
rumo” “é fruto dessa ruptura grande que Confira uma parte da entrevista. A ín-
foi o impeachment”. Janine viu de muito tegra foi publicada nas Notícias do dia
perto toda a gestação do que culminou na de 15-6-2018, no sítio do Instituto Hu-
derrocada do governo petista. “Se não ti- manitas Unisinos - IHU, disponível em
vesse havido impeachment, se a presiden- http://bit.ly/2JOUAnl.

IHU On-Line — Como o senhor ra política de hoje, com vistas Renato Janine Ribeiro — O
tem acompanhado a conjuntu- às eleições de outubro? cenário deste ano é bem difícil. Veja-

18 DE JUNHO | 2018
REVISTA IHU ON-LINE

“Vemos um governo que não


sabe o que fazer quando o
Brasil todo é praticamente
paralisado em termos de
produção e trabalho”

mos a pesquisa do Datafolha que saiu que também não bate nos 10%. Na viram que Lacerda não era confiável,
ontem [10-06-2018]1: em primeiro centro-esquerda nós temos Ciro caçaram as eleições. Não sei se che-
lugar Lula, que está inelegível; em [Gomes]5 disputando com o nome garemos a esse ponto. Pode ser que
segundo lugar ninguém; em terceiro que ainda será indicado pelo PT, que impeçam Bolsonaro de concorrer,
Bolsonaro, com 27%. E aqueles que ainda não foi formalizado e que não mas será que conseguem eleger Al-
têm 5% ou 6%, como [Geraldo] Al- sabemos quem é, depende do Lula. ckmin com 7% dos votos? Não sei. E
ckmin2, estão apostando que conse- Acredito que toda essa mudança a própria esquerda e centro-esquer-
guirão chegar ao segundo turno com política que foi promovida pela opo- da dividida entre Ciro e o nome que
20% e disputar a final. Das três for- sição perde totalmente o sentido se não sabemos quem vai ser do PT, e
ças mais poderosas, hoje, no país, só Lula for eleito, pois fizeram de tudo ainda os pequenos nomes, [Guilher-
duas poderão ir para a final da “Copa para evitar isso. me] Boulos8 e Manuela D’Ávila9, que
do Mundo” das eleições no Brasil: estão concorrendo honrosamente
Nesse ponto, é muito parecido com
Bolsonaro está bem colocado, e na com as suas chapas.
1964, quando os golpistas diziam: 7
outra vaga não sabemos se iria, por
“vamos arrumar a casa, ano que Ainda tem a Marina [Silva]10, que é
exemplo, Alckmin, que está muito
vem, 1965, tem eleição”. No entan- candidata de centro, mas que ficou
fraco, ou qualquer outro candidato.
to, quando eles viram que [Carlos] um tanto queimada depois de duas
Então nós temos a extrema direi- Lacerda6 não iria ganhar, caçaram vezes ganhar 20% dos votos e não
ta com Bolsonaro, bem posicionado Juscelino [Kubitscheck]7, e quando estar trabalhando esse público de 1/5
nas pesquisas, temos a direita que da população brasileira que lhe fez
não está passando dos 20%, e ainda de março de 2018. (Nota da IHU On-Line) confiança. São quatro anos e depois
5 Ciro Gomes (1957): político, advogado e professor uni-
no mesmo espectro Alckmin, [Hen- versitário nascido em Pindamonhangaba (SP). Filiado ao
mais quatro anos sem ouvi-la. É uma
rique] Meirelles3 e Álvaro Dias4, mas Partido Democrático Trabalhista (PDT), do qual é vice-pre- situação extremamente indecisa.
sidente. Ocupou altos cargos políticos no país. Foi depu-
tado estadual por duas legislaturas no Ceará, prefeito de
Fortaleza, governador do Ceará e ministro da Fazenda do
1 Acesse detalhes da pesquisa em http://bit.ly/2taiFxA. Governo Itamar Franco, durante a implantação do Plano grande aumento da dívida pública. Sobre JK, confira a edi-
O IHU, na seção Notícias do Dia, em seu sítio, publicou Real, e ministro da Integração Nacional durante o projeto ção 166, de 28-11-2005, A imaginação no poder. JK, 50
alguns textos que analisam o cenário trazido pela pesqui- de transposição do rio São Francisco no governo de Luiz anos depois, disponível em http://bit.ly/ihuon166 . (Nota
sa. Entre eles Eleições: Três tendências e um grande erro, Inácio Lula da Silva. Seu último mandato político foi o de da IHU On-Line)
disponível em http://bit.ly/2sXPQoZ. Leia mais em ihu. deputado federal entre 2007 e 2010. Radicado em Sobral, 8 Guilherme Boulos (1982): ativista, político, professor e
unisinos.br/maisnoticias/noticias. (Nota da IHU On-Line) Ceará desde 1962, é formado em direito pela Universida- escritor nascido em São Paulo (SP). Membro da Coordena-
2 Geraldo Alckmin [Geraldo José Rodrigues Alckmin Fi- de Federal do Ceará. No setor privado, também ocupou ção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
lho] (1952): médico e político brasileiro nascido em Pinda- os cargos de presidente da Transnordestina S/A e foi um (MTST). Reconhecido como uma das principais lideranças
monhangaba (SP), filiado ao Partido da Social Democracia dos diretores da Companhia Siderúrgica Nacional. É pré- da esquerda no Brasil e pré-candidato à presidência pelo
Brasileira – PSDB. Foi governador de São Paulo entre 2001 candidato à presidência da República para 2018. (Nota da PSOL para as eleições de 2018, tendo a líder indígena
e 2006 e de 2011 a 2018, tendo renunciado no dia 6 de IHU On-Line) Sônia Guajajara como vice. Formado em filosofia pela
abril para disputar as eleições presidenciais. Em 2006, con- 6 Carlos Lacerda [Carlos Frederico Werneck de Lacer- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Uni-
correu à presidência da República pelo PSDB, sendo der- da] (1914-1977): jornalista e político carioca. Iniciou sua versidade de São Paulo (FFLCH-USP), onde ingressou em
rotado por Lula. Atualmente é pré-candidato à presidência carreira profissional em 1929, escrevendo artigos para o 2000. Também é psicanalista e leciona psicanálise. (Nota
da República. (Nota da IHU On-Line) Diário de Notícias, publicados numa seção dirigida por da IHU On-Line)
3 Henrique de Campos Meirelles (1945): executivo da Cecília Meireles. Em inícios de 1934, acadêmico de Direi- 9 Manuela d’Ávila [Manuela Pinto Vieira d’Ávila ] (1981):
área financeira e ex-ministro da Fazenda do Brasil. Foi to, aproximou-se da Federação da Juventude Comunista, jornalista e política brasileira, filiada ao Partido Comunista
presidente internacional do BankBoston e presidente do órgão do PCB. Durante um tempo foi comunista, passan- do Brasil (PCdoB). Foi deputada federal pelo Rio Grande
Banco Central do Brasil (BCB), cargo que ocupou de 2003 do para a extrema direita, nos anos 1940. Editava o jornal do Sul entre 2007 a 2015 e líder de seu partido na Câmara
a 2011, durante o governo Lula. Foi Chairman do Lazard Tribuna da Imprensa. Foi o principal inimigo do presidente dos Deputados, em 2013. Exerce atualmente o mandato
Americas, banco de investimento sediado em Nova York, Getúlio Vargas. Em 1955, publicou uma série de reporta- de deputada estadual em seu estado. Em 2017, foi indica-
senior advisor da Kolberg, Kravis and Roberts (KKR), uma gens denominada A Batalha do Rio, que puxou a favela da por seu partido como pré-candidata à Presidência para
empresa global de investimentos, membro do Conselho para a mídia e colocou-a no centro do conflito ideológico, a eleição de 2018. (Nota da IHU On-Line)
da Lloyd’s of London, empresa global de seguros, membro o qual não desaparecera com a simples prescrição jurídica 10 Marina Silva (1958): política brasileira, ambientalista e
do conselho consultivo da J&F Investimentos, membro do do Partido Comunista, que foi posto na ilegalidade. (Nota pedagoga. Foi senadora pelo estado do Acre durante 16
Conselho de Administração da Azul Linhas Aéreas Brasi- da IHU On-Line) anos. Foi ministra do Meio Ambiente no Governo Lula, do
leiras, entre outros. Atualmente, é pré-candidato à presi- 7 Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976): médico seu início (1/1/2003) até 13 de maio de 2008. Também foi
dência da República pelo MDB, antigo PMDB. (Nota da e político brasileiro, conhecido como JK. Foi presidente do candidata à presidência da República em 2010 pelo Par-
IHU On-Line) Brasil entre 1956 e 1961, sendo o responsável pela cons- tido Verde (PV), obtendo a terceira colocação entre nove
4 Álvaro Fernandes Dias (1944): historiador, professor trução de Brasília, a nova capital federal. Juscelino instituiu candidatos. Também foi candidata à presidência em 2015
e político brasileiro. Filiado ao Podemos (PODE), exerce o plano de governo baseado no slogan “Cinquenta anos pelo PSB, depois da morte de Eduardo Campos. Marina
atualmente o cargo de Senador da República Federativa em cinco”, direcionado para a rápida industrialização do era vice de Campos e acabou assumindo a chapa. Atu-
do Brasil, representando o Estado do Paraná. Lançou pré- País (especialmente via indústria automobilística). Além almente ela é pré-candidata à presidência da República.
candidatura para disputar as eleições à presidência em 23 do progresso econômico, no entanto, houve também um (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 524
ENTREVISTA

[Genro]12, Jaques Wagner13 ou Celso rantir até quase o fim a candidatu-


“Tem que mu- Amorim14. Portanto, creio que eles ra de Lula e, por outro lado, tentar
pretendem transferir essa intenção de transferir votos na alta. Agora, isso
dar a política, maneira compulsória para um eventu- significa um caminho de manter esse

melhorar os
al nome que surja no lugar. Quanto a nome oculto muito tempo, o que tem
quem seria esse nome, geralmente se uma vantagem, é verdade, pelo cená-

políticos, mas fala em Jaques Wagner, o qual, po-


rém, tem sérias ressalvas concernen-
rio. É o que houve com Marina em
2014. Enquanto Aécio, Dilma e Edu-

não pode ficar tes a sua vida pessoal. Parece que sua
família realmente quer sair da Bahia e
ardo Campos15 “levaram porrada”
durante um ano, um ano e meio, Ma-

numa história isso é absolutamente respeitável.


Aparentemente, entre esses nomes, o
rina, quando surgiu como candidata,
tinha um mês e meio de campanha e
de desqualifi- que tem mais chances é Haddad, que é
isso era pouco para “levar porrada”.
A desconstrução das candidaturas,
um nome do Sudeste. Uma curiosida-
car a política” de: até a década de 1960 e 1970, São
que é um traço forte, implacável e
até cruel das eleições brasileiras, não
Paulo era considerado região Sul, não
ocorreu com Marina e, infelizmente,
se tinha região Sudeste. Hoje, quando
IHU On-Line — Mesmo depois foi uma semi-inclusão, pois a própria
falamos de Sul e Sudeste, São Paulo
da prisão, o ex-presidente Lula Marina não segurou a onda leve que
tem muita coisa parecida com os três
segue sendo anunciado pelo PT recebeu; enquanto os outros rece-
estados do Sul — politicamente e eco-
como seu candidato à presidên- biam um tsunami, ela recebia uma
nomicamente. Então, se pegarmos
cia da República. Como compre- marola e não deu conta disso.
São Paulo mais Sudeste, Haddad é o
ender essa estratégia do partido? nome mais palatável entre os outros Fato é que um candidato que entre
Renato Janine Ribeiro — A es- nomes que surgem. É mais ou menos para concorrer em agosto, por exem-
tratégia do PT faz sentido por duas consenso hoje na política que o ideal plo, com 45 dias pela frente, terá
razões. Uma é a questão de honra e é ter uma aliança, se conseguir, com sido menos atacado que os demais
8 de ética: como Lula foi condenado em dois partidos, presidente e vice-pre- que já estão sendo atacados. Em-
um julgamento, pelo menos, duvido- sidente, um do Sul e Sudeste e outro bora já queiram também em outro
so, falta legitimidade na condenação do Nordeste. Isso porque são os gran- processo político indiciar Fernando
dele e essa condenação nos coloca des colégios eleitorais do país. Assim, Haddad, ele está com muito menos
muito próximos do que aconteceu na este seria um desenho: Haddad teria bombardeio do que outros.
Malásia, na Rússia e na Costa do Mar- um vice do Nordeste, Ciro teria um
fim, que são três países em que o can- vice do Sul/Sudeste, e por aí vai. Se Não é loucura
didato da oposição, às vezes até com tentar alguma coisa Sul puro ou Sul/
Sudeste puro, não tem muita chance; Desejo retomar um ponto: essa
grande intenção de votos, foi impedi-
por exemplo, Alckmin e Álvaro Dias, ideia de manter o candidato até o fim
do de concorrer por decisões judiciais,
ou, pior ainda, Alckmin e [João] Doria não é louca, pois em 1985, quando
no mínimo, duvidosas e de sentido
— é só um delírio, pois dois paulistas ocorreram as primeiras eleições para
basicamente político. E, do ponto de
tucanos na mesma chapa é uma coisa prefeito de capital depois da ditadu-
vista do PT, é querer garantir a forte
sem pé nem cabeça. ra, Jaime Lerner16 foi liberado para
convicção da inocência do presidente
concorrer em Curitiba cinco dias an-
e do seu direito de concorrer. Esse é
Menos tempo para “levar tes das eleições e ganhou. Logo, se o
um primeiro ponto que chamaria de
porrada” Lula for liberado cinco dias antes das
ético e até uma questão de honra.
eleições, ele ganha.
Um segundo ponto é a questão de Resumindo tudo isso, penso que a
garantir um percentual de intenções estratégia do PT é, por um lado, ga- 15 Eduardo Henrique Accioly Campos (1965-2014): foi
um economista e político brasileiro. Foi governador de Per-
de votos elevado. Existe muito mais nambuco por dois mandatos, presidente do Partido Socia-
gente disposta a votar em Lula do (PPPs) no Brasil. Atualmente, é um dos nomes cotados a
lista Brasileiro (PSB) e candidato à presidência da República
nas eleições presidenciais de 2014. Neto de Miguel Arraes
que em [Fernando] Haddad11, Tarso concorrer à presidência da República pelo PT, caso a cam- de Alencar, Eduardo, desde cedo, conviveu com nomes em-
panha de Lula seja impugnada. (Nota da IHU On-Line) blemáticos da política local e nacional. Campos era gradua-
12 Tarso Genro (1947): advogado e político nascido em do em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco
11 Fernando Haddad (1963): advogado, acadêmico e po- São Borja (RS). Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Foi (UFPE). Aprovado no vestibular desta instituição com 16
lítico nascido em São Paulo (SP). Filiado ao PT. Ministro da duas vezes prefeito de Porto Alegre, ministro da Educação, anos, concluiu a faculdade aos 20, sendo também orador
Educação entre julho de 2005 e janeiro de 2012, nos gover- das Relações Institucionais e da Justiça durante o governo da turma. Sua morte ocorreu na manhã de 13 de agosto
nos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e prefeito de de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 3 de outubro de 2010, ele- de 2014, quando o jato em que viajava do Rio de Janeiro
São Paulo entre 2013 e 2016. É professor de Ciência Política geu-se governador do Rio Grande do Sul no primeiro turno, a Guarujá caiu em um bairro residencial de Santos. (Nota
da Universidade de São Paulo, instituição onde graduou- com mais de 54% dos votos válidos. (Nota da IHU On-Line) da IHU On-Line)
se em Direito, fez mestrado em Economia e doutorou-se 13 Jaques Wagner (1951): é um político brasileiro filiado 16 Jaime Lerner (1937): político, arquiteto e urbanista
em Filosofia. Trabalhou como analista de investimento no ao Partido dos Trabalhadores. Foi governador da Bahia de brasileiro, filiado ao Democratas (DEM). Foi prefeito de
Unibanco e, de 2001 até 2003, foi subsecretário de Finanças 2007 a 2014 e ministro-chefe da Casa Civil de 2015 a 2016. Curitiba por três vezes (1971–75, 1979–84 e 1989–93)
e Desenvolvimento Econômico da prefeitura de São Paulo, (Nota da IHU On-Line) e governador do Paraná por duas vezes (1995–1999 e
na administração de Marta Suplicy. Integrou o Ministério 14 Celso Luiz Nunes Amorim (1942): diplomata brasileiro 1999–2003). Foi eleito presidente da União Internacional
do Planejamento do Governo Lula durante a gestão de Gui- e ex-ministro da defesa. Ao longo de sua carreira, ocupou de Arquitetos (UIA) em julho de 2002. Atualmente Lerner
do Mantega (2003–2004), oportunidade na qual elaborou por duas vezes o cargo de ministro das Relações Exteriores é urbanista e consultor das Nações Unidas para assuntos
o projeto de lei que instituiu as Parcerias Público-Privadas do Brasil. (Nota da IHU On-Line) de urbanismo. (Nota da IHU On-Line)

18 DE JUNHO | 2018
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Leia mais
- Num Brasil sem diálogo, escola vira arena para disputas. Entrevista com Renato Janine
Ribeiro, publicada na revista IHU On-Line número 516, de 4-12-2017, disponível em http://
bit.ly/2JKchEh.
- “A intolerância cresceu brutalmente na política”. Entrevista com Renato Janine Ribeiro,
publicada nas Notícias do Dia de 2-9-2014, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU,
disponível em http://bit.ly/2B7evd3.
- Dá para pensar a política eticamente, sim ou não? Entrevista com Renato Janine Ribeiro,
publicada na revista IHU On-Line número 398, de 11-8-2012, disponível em http://bit.ly/2jNwLEp.
- “PT permitiu que agenda social se dissociasse da agenda moral”. Entrevista especial
com Renato Janine Ribeiro, publicada nas Notícias do Dia de 27-3-2013, no sítio do Instituto
Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2AZBvtz.
- A essência da técnica não é nada de técnico. Entrevista especial com Renato Janine Ri-
beiro, publicada nas Notícias do Dia de 14-10-2014, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos
– IHU, disponível em http://bit.ly/2A1KN9g.

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

Baú da IHU On-Line


O Instituto Humanitas Unisinos – IHU publicou uma série de entrevistas, cadernos e re-
vistas sobre temas que dialogam com a temática de Junho de 2013. Acompanhe abaixo
a produção:
- #VEMpraRUA: Outono Brasileiro? Leituras. Cadernos IHU ideias, edição 191, publica-
do em 2013, disponível em http://bit.ly/2LUodnE;
- A potência das ruas em debate. Edição 434 da revista IHU On-Line, de 9-12-2013, dis-
ponível em http://bit.ly/2LRjumM;
- Movimentos tradicionais, autonomistas e um novo ciclo de lutas no Brasil. Entrevis-
ta especial com Alana Moraes publicada na Notícias do Dia, de 24-10-2017, no sítio do
Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2sXCid0.
- O 18 de brumário brasileiro. Artigo de Bruno Cava publicada nas Notícias do Dia,
de 8-12-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.
ly/2LKMsow;
- Qual será o novo ciclo político na América do Sul? O momento é de desconcertos
e reorganizações. Entrevista especial com Bruno Cava publicada nas Notícias do Dia,
de 13-1-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.
ly/2LLf5lf;
- A esquerda desconectada e o impasse das novas manifestações. Entrevista espe-
cial com Bruno Cava publicada nas Notícias do Dia, de 16-4-2015, no sítio do Instituto
Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2sU1vVI.
- Manifestação jovem de Porto Alegre. Uma crítica à instrumentalização da vida. En-
10 trevista especial com Carlos A. Gadea publicada nas Notícias do Dia, de 11-4-2013, no
sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2HMDEfm;
- O levante de Junho de 2013 atacou o “hard power” brasileiro. Entrevista especial
com Giuseppe Cocco publicada nas Notícias do Dia, de 27-9-2017 , no sítio do Instituto
Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2JM0hpf;
- “Toda a representação está num impasse”. Entrevista especial com Giuseppe Cocco
publicada nas Notícias do Dia, de 5-1-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos –
IHU, disponível em http://bit.ly/2JxPGPt;
- Uma saída pragmática, sem vestir vermelho, poderá promover grandes mudanças
para a crise brasileira. Entrevista especial com Moysés Pinto Neto publicada nas Notí-
cias do Dia, de 11-9-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em
http://bit.ly/2Jv2yFP;
- Da incompreensão das ruas à judicialização da política brasileira. Entrevista es-
pecial com Moysés Pinto Neto publicada nas Notícias do Dia, de 16-3-2016, no sítio do
Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2sRHLlw;
- O Brasil na era dos esgotamentos da imaginação política. Uma nação de zumbis
que têm na melancolia seu modo de vida. Entrevista especial com Vladimir Safatle
entrevista publicada nas Notícias do Dia, de 20-6-2016, no sítio do Instituto Humanitas
Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2JOLXJs.

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Junho de 2013 aconteceu,


mas não teve lugar
Rodrigo Nunes avalia que, apesar de Junho de 2013 ter sido o maior
fato político de massas desde as Diretas Já, cinco anos depois das
manifestações aquela geração está menos visível, porque o jogo
político voltou a ser dominado pela geração da redemocratização


Patricia Fachin

N
ão há nenhuma dúvida de que um certo medo de que a organização de
2013 foi o fato político de massas que se precisa para mudar o mundo é
mais importante do país desde também aquilo que pode nos impedir
as Diretas Já”. É assim que Rodrigo Nu- de fazê-lo, e a melancolia e o sentimen-
nes, professor de Filosofia da Pontifícia to de impotência que seguem daí. Mas,
Universidade Católica do Rio de Janeiro - por outro lado, ela é comparável à sele-
PUC-Rio, resume o significado das mani- ção brasileira derrotada em 2014: uma
festações que aconteceram há cinco anos. geração muito jovem e inexperiente que
Qualificar aqueles protestos desse modo, subitamente se viu com um peso enorme
explica, não significa “fetichizá-los” ou nas costas por conta do envelhecimento
“romantizá-los”, mas fazer justiça ao que precoce da geração anterior”.
eles representaram. “‘Fazer justiça’, para Cinco anos depois da efervescência de
mim, quer dizer: reconhecer que uma Junho de 2013, conclui, “esta geração
12 coisa daquelas não é trivial; perceber que está menos visível que antes – por conta
um novo momento político, para bem e dessa relativa fragmentação nos diversos
para mal, se abre ali; e insistir que o po- ativismos ditos ‘minoritários’, porque o
tencial que existia ali é muito maior que jogo político voltou a ser dominado pela
todos os desdobramentos posteriores, geração da redemocratização, e porque
e que não se esgotou em nenhum deles. este impasse segue sem ser elaborado”. E
Junho de 2013 aconteceu, mas não teve adverte: “O saldo organizativo de Junho
lugar; e tudo que temos vivido desde en- de 2013 é catastrófico. Fora os coletivos
tão decorre disto”, pontua. ditos ‘minoritários’ (e MBL e Fora do
Na entrevista a seguir, concedida por Eixo), há hoje menos espaços de encon-
e-mail à IHU On-Line, Nunes frisa que tro e coordenação do que havia há cinco
Junho de 2013 pode ser analisado em anos. Isto faz com que vários indivíduos
termos geracionais como se opondo à queiram atuar politicamente, mas não
encontrem maneiras de fazê-lo, enquan-
geração da redemocratização, aquela que
to muitos parecem ter abandonado a po-
participou da formação do PT, da CUT,
lítica por completo”.
do MST e se construiu no contexto de
grandes movimentos populares. Nessa Rodrigo Nunes é doutor em Filo-
perspectiva, compara, “o destino desta sofia pelo Goldsmiths College, Univer-
geração 2013 tem tudo a ver com a ideia sidade de Londres, e professor da Pon-
de que Junho não teve lugar, logo tam- tifícia Universidade Católica do Rio de
bém guarda semelhanças com o destino Janeiro - PUC-Rio. Na segunda metade
da geração 68. Aquela foi uma experi- deste ano, ele será pesquisador visitante
ência formadora para muita gente, mas na Brown University, nos Estados Uni-
também profundamente traumática. dos. Seu novo livro, intitulado Beyond
(...) Neste sentido, esta geração é inteira- the Horizontal. Rethinking the Ques-
mente herdeira de um certo ‘trauma da tion of Organisation, será publicado no
organização’ que atravessa a história da próximo ano pela editora Verso. 
esquerda no mínimo desde Maio de 68: Confira a entrevista.

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“Uma das provas do quanto


2013 importa é esta dificuldade
que se tem, no debate
político, de produzir análises
desapaixonadas a seu respeito”

IHU On-Line - Que análise faz Isto leva, terceiro, a um colapso do acontece quando temos no poder um
de Junho de 2013, cinco anos “centrismo”, o consenso ideológico partido que, ao mesmo tempo cada
depois? entre direita e esquerda mainstream vez mais integrado ao mainstream,
desde os anos 90 de que o único ho- representara uma novidade real na
Rodrigo Nunes - A coincidência
rizonte político possível seria gerir, história política do país, tendo tira-
do aniversário de cinquenta anos
com maior ou menor sensibilidade do milhões de pessoas da miséria,
de Maio de 1968 e os cinco anos de
social, o capitalismo neoliberal. Isto ampliado drasticamente o acesso à
Junho de 2013 nos facilita uma série
implica, por sua vez, no reforço de educação, e sido até ali bem-sucedi-
de comparações. A mais óbvia é que,
alternativas mais à esquerda e mais do do ponto de vista econômico. Mas
em ambos os casos, estamos falando
à direita. é preciso lembrar que o primeiro go-
de eventos locais que se inscrevem
Este colapso do centro do espectro verno Dilma desde o início estivera
em ciclos globais de contestação.
partidário tende a começar pela cen- alienando sua base política natural,
Isto já nos oferece uma chave de lei-
tro-esquerda, por motivos óbvios: é especialmente entre os mais jovens,
tura: o destino desses acontecimen-
no varejo: um retrocesso na cultu- 13
tos no Brasil tem de ser lido também ela que é vista como traidora ou hi-
pócrita ao abraçar valores, aliados e ra aqui, um retrocesso na questão
no interior de uma deriva política
políticas historicamente associados LGBT acolá... Mais que isso, o gover-
mundial na última década.
com a direita. Isso acontece em certa no hipotecara seu capital político em
Para além de fatores como a imen- medida com os Democratas norte-a- descalabros como Belo Monte — as
sa popularização das redes sociais, mericanos, com o PS francês, com críticas ao qual foram abundante-
podemos identificar aí três grandes o PSOE na Espanha, com o Labour mente comprovadas desde então — e
componentes de fundo. Primeiro, pré-Corbyn no Reino Unido, com os megaeventos esportivos, grandes
a crise econômica mundial iniciada o PASOK grego – este último vira farras de corrupção cujo legado, mais
em 2007 e a falta de resposta política praticamente sinônimo deste tipo que pífio, é negativo. Por último, tra-
a ela. Se pensarmos que a estagfla- de processo com o termo “pasokifi- tava-se também de um momento
ção dos anos 70 levou à morte do ke- cação”. Fatos como a eleição de Ma- de inflexão econômica, não só pela
ynesianismo e do Estado de bem-es- cron1 na França e a recente ascensão deterioração de indicadores como a
tar social, veremos a diferença para de um novo líder do PSOE devem ser inflação, mas porque — como já se
o que era para ter sido a debacle do vistos mais como arranjos temporá- dizia então, e Laura Carvalho clara-
capitalismo financeiro desregulado rios para estancar uma crise que não mente no ótimo Valsa Brasileira —
e virou, pelo contrário, uma descul- se resolveu do que uma estabilização o expansionismo fiscal do governo
pa para a intensificação de políticas de longo prazo. Dilma era bem menos progressista
austeritárias. do que se dizia e, na verdade, alta-
Junho de 2013 mente concentrador de renda.
Segundo, a modo como isto expôs o
quanto a política representativa, à di- Quer a lei do desenvolvimento de- Podemos distinguir dois momen-
reita e à esquerda, fora capturada por sigual e uniforme que o Brasil fosse tos bem claros nesta trajetória glo-
interesses corporativos e financeiros. um ponto um pouco fora da cur- bal. Na primeira metade da década,
Houve ali uma demonstração patente va nessa narrativa. Junho de 2013 os ventos sopram para a esquerda;
do quanto a democracia fora corrom- embora todos aqueles movimentos
pida, do quanto o modelo represen- 1 Emmanuel Macron [Emmanuel Jean-Michel Frédé- fossem bastante confusos e mistu-
tativo deixara de oferecer uma repre- ric Macron] (1977): é um político, funcionário público e
banqueiro francês, atual presidente do seu país. Macron
rados, a demanda por mais partici-
sentação minimamente fidedigna da estudou filosofia na Universidade de Paris X - Nanterre, pação e mais igualdade é clara em
concluiu um mestrado em políticas públicas no Instituto
sociedade e passara a funcionar como de Estudos Políticos de Paris, e depois se formou na Escola todos eles. Mas todos eles se con-
sistema de blindagem de alguns inte- Nacional de Administração em 2004. Em seguida, passou frontam ao mesmo tempo com seus
a trabalhar na Inspeção-Geral de Finanças antes de se tor-
resses econômicos. nar um sócio do banco Rothschild. (Nota da IHU On-Line) limites internos e com a resistência

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

do centro político, inclusive (ou es- Guattari4 publicaram um texto cujo IHU On-Line - Então o espírito
pecialmente) da centro-esquerda, título pode ser traduzido tanto como de Junho se manteve presente
que tenta barrá-los para assegurar “Maio de 68 Não Aconteceu” quanto nesses cinco anos?
a própria sobrevivência. Estas pos- “Maio de 68 Não Teve Lugar”. Trata-
Rodrigo Nunes - Quando diz
sibilidades são bloqueadas, e o que se de um jogo de palavras: eles que-
“junho de 2013”, muita gente tem
acontece em seguida? Na segunda rem dizer justamente que maio de 68
em mente os grandes protestos que
metade da década, os ventos sopram aconteceu, mas não teve lugar, isto
aconteceram nas áreas centrais das
a favor da extrema direita. As únicas é, a transformação que era possível
principais capitais brasileiras na-
relativas exceções talvez sejam, hoje, naquele momento não conseguiu se
quele mês. Aliás, é muito comum as
Espanha e Reino Unido, onde o que inscrever de fato na sociedade, ou
pessoas terem em mente os protes-
ocorre é uma espécie de empate en- se inscreveu de maneira amputada,
tos que aconteceram em apenas uma
tre a nova esquerda e o centro; tal- distorcida, de certa forma até contra
destas capitais — normalmente São
vez o México possa em breve trazer ela mesma.
Paulo — e fazerem grandes generali-
algum alento. Mas em países como
Há quem diga hoje que 2013 não zações a partir disso.
o Egito, o resultado é catastrófico:
tem importância porque deixou um Eu prefiro falar em “2013” ou “ju-
um regime tão ruim ou pior quanto
legado concreto insignificante. Mas nho” para me referir a um ciclo de
o que se tinha.
esta é apenas uma das dimensões protestos que começa em junho de
É nesta hora que alguns concluem: em que um acontecimento pode ser 2013 e se encerra na Copa de 2014.
“manifestantes ingênuos, deveriam medido, e algo capciosa, porque re- Este ciclo inclui manifestações em
saber que ia dar nisso”. Seria ridí- sultados são objeto de disputas e cidades grandes, médias e pequenas
culo se não fosse profundamente sempre podem ser desfeitos. Pela em todos os 27 estados, estimadas te-
desrespeitoso. Não era meia dúzia mesma lógica, poderíamos dizer que rem envolvido dois milhões de pesso-
de tontos nas ruas; eram países in- os governos do PT também não im- as, tanto no centro das cidades como,
teiros mobilizados, e isto não só não portaram, já que os avanços que re- em escala menor, nas periferias e fa-
é trivial, como é algo totalmente di- alizaram estão sendo tão facilmente velas; a onda de ocupações de câma-
ferente do tipo de cálculo seguro que revertidos. Se pensamos do ponto de ras municipais entre julho e agosto de
14 estes engenheiros das obras prontas vista da não redutibilidade, da não 2013; os protestos que continuaram
fazem. Uma lição que Michel Fou- trivialidade daquilo que aconteceu, acontecendo no Rio até outubro da-
cault2 tirou da Revolução Iraniana, não há nenhuma dúvida que 2013 quele ano; os grandes rolezinhos que
que ele acompanhou antes que se foi o fato político de massas mais im- aconteceram em São Paulo como res-
consolidasse a virada teológica, é portante do país desde as Diretas Já. posta à repressão, na virada do ano;
que há algo de irredutível na revol- a greve selvagem dos garis no Rio em
Dizer isto não implica dizer que
ta: as pessoas se revoltam porque fevereiro de 2014; e até mesmo coisas
foi perfeito, ou que o sonho importa
têm alguma coisa que as está inco- como o Bom Senso FC.
mais que os resultados. Não se trata
modando e este incômodo se tornou
de “fetichizar” ou “romantizar”, como Como podemos relacionar isto
insuportável. É isso, junto com a es-
frequentemente se acusa, mas de fa- tudo? Em alguns casos, porque os
perança que vem da força coletiva,
zer justiça ao acontecimento. “Fazer participantes são os mesmos, ou se
que contagia as pessoas quando uma
justiça”, para mim, quer dizer: reco- comunicam; em outros, porque as
revolta se propaga.
nhecer que uma coisa daquelas não pautas e os repertórios de ação são
O bloqueio destas alternativas, em é trivial; perceber que um novo mo- os mesmos, ou se comunicam; em
todo caso, oferece um segundo pa- mento político, para bem e para mal, outros, porque as pessoas estão ex-
ralelo com 68. Em 1984, Deleuze3 e se abre ali; e insistir que o potencial pressa e conscientemente respon-
que existia ali é muito maior que to- dendo umas às outras e ao contexto.
2 Michel Foucault (1926-1984): filósofo francês. Suas
obras, desde a História da Loucura até a História da sexu-
dos os desdobramentos posteriores, e Qual contexto? Em essência, este é o
alidade (a qual não pôde completar devido a sua morte), que não se esgotou em nenhum deles. traço que liga todas essas coisas: um
situam-se dentro de uma filosofia do conhecimento. Fou-
cault trata principalmente do tema do poder, rompendo Junho de 2013 aconteceu, mas não momento de crise simbólica do po-
com as concepções clássicas do termo. Em várias edições,
a IHU On-Line dedicou matéria de capa a Foucault: edição
teve lugar; e tudo que temos vivido der constituído e de alta mobilização
119, de 18-10-2004, disponível em http://bit.ly/ihuon119; desde então decorre disto. social, em que as pessoas estão indo
edição 203, de 6-11-2006, disponível em https://goo.gl/
C2rx2k; edição 364, de 6-6-2011, intitulada ‘História da para as ruas e redes sociais expressar
loucura’ e o discurso racional em debate, disponível em
https://goo.gl/wjqFL3; edição 343, O (des)governo biopolí- sua insatisfação com as instituições,
tico da vida humana, de 13-9-2010, disponível em https://
singularidades. (Nota da IHU On-Line)
a classe política, os serviços públicos,
goo.gl/M95yPv, e edição 344, Biopolítica, estado de exce-
ção e vida nua. Um debate, disponível em https://goo.gl/ 4 Pierre-Félix Guattari (1930-1992): filósofo e militante a qualidade de vida, a corrupção etc.
RX62qN. Confira ainda a edição nº 13 dos Cadernos IHU revolucionário francês. Colaborou durante muitos anos
em formação, disponível em http://bit.ly/ihuem13, Michel com Gilles Deleuze, escrevendo com este, entre outros, Este ciclo se encerra no dia da fi-
Foucault – Sua Contribuição para a Educação, a Política e a os livros Anti-Édipo, Capitalismo e Esquizofrenia e O que
Ética. (Nota da IHU On-Line) é Filosofia?. Félix Guattari, dotado de um estilo literário nal da Copa, com a prisão dos 23 no
3 Gilles Deleuze (1925-1995): filósofo francês. Assim incomparável, é, de longe, um dos maiores inventores
como Foucault, foi um dos estudiosos de Kant, mas tem conceituais do final do século XX. Esquizoanálise, trans- Rio de Janeiro — até hoje não ab-
em Bergson, Nietzsche e Espinosa, poderosas interseções.
Professor da Universidade de Paris VIII, Vincennes, Deleu-
versalidade, ecosofia, caosmose, entre outros, são alguns
dos conceitos criados e desenvolvidos pelo autor. (Nota
solvidos porque a justiça sabe não
ze atualizou ideias como as de devir, acontecimentos e da IHU On-Line) ter elementos para condená-los —,

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mas continuará reverberando e pro- turas, modos de organização, reper- Mas aqui entra uma questão. Usa-
duzindo desdobramentos os mais tórios de ação etc. O MBL aparece se a palavra “politização” em dois
variados pelos próximos anos. Aí en- em 2013 e depois lidera os protestos sentidos, indicando seja o desejo de
tram os protestos pró-impeachment pró-impeachment; alguns dos se- participar, seja a profundidade de
em 2015, as ocupações de escolas em cundaristas estiveram nos protestos análise e compreensão dos mecanis-
2016, a ampla adesão de setores não daquele período; os caminhoneiros mos da política. O que tivemos nes-
sindicais à greve geral de 2017, a gre- se organizam de maneira distribuída tes cinco anos foi um crescimento da
ve dos caminheiros em 2018. através do WhatsApp. politização no primeiro sentido, mas
que não foi acompanhado por um
Antagonismos crescimento proporcional no segun-
IHU On-Line - Em que sentido do. Há muita gente cuja leitura da
podemos dizer que os protes- No que o momento que vai de 2013 realidade, de como as instituições e
tos anti-impeachment, o movi- a 2014 difere do momento que vai os processos funcionam, de como in-
mento secundarista e a mobi- de 2015 até 2018, então? Num pon- tervir, ainda é bastante confusa. Pior
lização dos caminhoneiros são to fundamental: se naquele curto ainda, constatou-se que existe no
desdobramentos de Junho? intervalo as pessoas pareciam se país — especialmente naquelas ca-
compreender como participando de madas que supostamente têm mais
Rodrigo Nunes - Primeiro, por- uma mesma luta comum, agora cada acesso à educação e informação! —
que eles seguem respondendo a luta se situa como uma luta particu- um terreno fértil para fake news de
esse contexto aberto por Junho: a lar, isto é, como aliada de algumas e todos os tipos, para não falar no pre-
desmoralização das instituições, do inimiga de outras. Dito de outra for- conceito nu e cru.
sistema político e daqueles que o ma: de 2013 a 2014, o antagonismo
manejam. Falo em “crise simbólica” é entre sociedade e sistema político; É como se tivéssemos encontrado
porque ela não implica necessaria- de 2015 em diante, as linhas de an- aí um daqueles “gargalos estruturais”
mente uma crise do poder fático: o tagonismo se tornam mais comple- que travam a economia brasileira de
impeachment é justamente um gol- xas. Ainda há uma polarização forte tempos em tempos. É óbvio que o po-
pe da classe política para, em troca entre sociedade e sistema político, der que a mídia teve para influenciar
de uma promessa de blindagem pela como evidenciado pelo apoio popu- o impeachment e o poder que as fake 15
mídia e pelo grande capital, efetuar lar aos caminhoneiros; mas essa li- news ganharam estão diretamente li-
uma série de reformas de maneira nha de antagonismo agora é atraves- gados ao fato de que, em uma década
inteiramente unilateral — e eles ti- sada pela polarização entre petismo de governos petistas, não se fez nada
veram força para isso. Mas o preço e antipetismo, bem como por um para democratizar e diversificar a co-
disso, claro, foi aprofundar ainda jogo complexos de alianças, coopta- municação de massa. Esta fatura está
mais essa crise; o impeachment, ções e simbioses entre elementos do sendo paga com juros pesados.
neste sentido, foi uma tentativa de sistema político e setores sociais, or-
estabilização do sistema que só fez ganizados ou não.
criar mais instabilidade, como esta- IHU On-Line – Uma das lei-
mos vendo com as eleições. turas feitas de Junho de 2013
Espírito de Junho é que essas manifestações ti-
Segundo, porque, em todos estes veram como consequência o
O que seria o “espírito de junho”,
desdobramentos posteriores, tanto impeachment da ex-presidente
então? Por um lado, este desencanto
os participantes quando os gover- Dilma Rousseff. Na sua avalia-
com o poder constituído, a constata-
nantes estão trabalhando com a ção, Junho de 2013 causou o
ção de que aquele abismo entre socie-
memória de 2013, sua potência, os impeachment?
dade e poder constituído não só não se
afetos que animou, o impacto que
fechou, como ampliou-se ainda mais Rodrigo Nunes - É evidente que
teve. Cada nova iniciativa aparece
desde então. (Paradoxalmente, esta existe uma relação entre as duas coi-
com a expectativa de ser “o novo
descrença também pode se expressar sas. A questão é que relação é essa,
2013”, com esperança (por parte
como seu contrário, a fé numa apos- e sobre isso eu diria: 2013 cria um
dos participantes) ou medo (por
ta às cegas: “esses políticos são todos contexto, este contexto abre várias
parte dos governantes). Neste sen-
iguais, menos fulano, que vai dar um oportunidades, alguns agentes apro-
tido, se o desdobramento que mais
jeito em tudo isso aí”. As pessoas per- veitam suas oportunidades. Isso é
se pareceu politicamente com 2013
deram a fé no poder constituído, mas, totalmente diferente de afirmar que
foi o movimento dos secundaristas,
por isso mesmo, desejam acreditar uma coisa é a causa da outra sem
o que mais se parece com 2013 em
em algo.) Por outro lado, esse espírito qualificação alguma. É infantil dizer
termos de impacto foi a greve dos
também engloba uma certa “excitabi- que “Junho é o começo de tudo”, fa-
caminhoneiros.
lidade crítica”: uma desconfiança que zendo de conta que Junho não tem
Além dessa memória, há também se traduz em ânsia de participar, de também as suas causas, ou querer
um lastro prático deixado pelas mo- intervir nos rumos do país, mesmo reduzir Junho ao impeachment, ou o
bilizações de 2013: contatos, estru- sem saber exatamente como. impeachment a Junho.

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TEMA DE CAPA

Mais que isso: se aquela fase de achment de 2015, a conjuntura hoje gente que estava nas ruas em 2013
2013 a 2014 é bloqueada, e o fio é seria muito diferente — e, de novo, recua desse protesto mais geral, so-
retomado com os protestos pró-im- isso diz mais sobre quem reprimiu bre o país como um todo, para atuar
peachment de 2015, isso diz tanto que sobre quem foi reprimido. em questões mais específicas, e aí
sobre a composição daquela fase temos esse reflorescimento do ati-
Segundo, pela experiência que es-
inicial quanto sobre os resultados da vismo feminista, negro, LGBT, como
tes indivíduos tiveram de sua própria
ação de quem a bloqueou. não se via no Brasil desde os anos
singularidade. Enquanto a geração
80. O que é também, obviamente, o
Uma das provas do quanto 2013 da redemocratização se construiu
efeito de uma década de democrati-
importa é esta dificuldade que se no contexto de grandes movimen-
tem, no debate político, de produ- zação do acesso a um discurso crítico
tos populares (o novo sindicalismo,
zir análises desapaixonadas a seu (pela universidade) e à comunicação
as Comunidades Eclesiais de Base,
respeito; quase sempre, as pessoas o MST), esta geração foi apanhada (pela internet e pelos meios tradicio-
estão tentando marcar pontos para na contradição performativa de, ao nais). Por outro lado, muita gente
a posição que defendem. Digo isso dizer “não nos representam”, estar que foi protagonista em 2013, mas
não em nome de uma suposta neu- falando em nome de um país mui- agora tem uma consciência muito
tralidade científica, mas por uma to mais amplo e diverso do que eles mais aguda de seus próprios privilé-
questão política: nos movemos no eram. Tratava-se predominante- gios, passa a entender que seu papel
interior de uma conjuntura tanto mente de uma juventude de classe é assumir um papel mais de coadju-
melhor quanto mais desapaixonada média e da classe média baixa que vante em relação à luta das popula-
e mais precisa for nossa leitura da havia “ascendido” (isto é, chegado à ções periféricas e mais oprimidas.
realidade. Infelizmente, as pessoas universidade e aumentado seu poder Isto é positivo, mas evidentemente
frequentemente preferem negar a de consumo) no governo Lula. Pior também comporta limites. Um deles
realidade a revisar suas crenças ou que isso, 2013 os colocava de algum é que este foco no particular acabe
sua identidade. modo em oposição a estes grandes indiretamente reforçando uma divi-
movimentos populares da geração são do trabalho intelectual em que
anterior, na medida em que estes in- seguem sendo os mesmos aqueles
IHU On-Line - Na primeira
16 tegravam a base petista. que pensam o universal ou comum.
entrevista que nos concedeu
Com base nisso, havia quem disses- Para além de ter mulheres discutindo
sobre Junho de 2013, em 2014,
se que aquela juventude não tinha questões de mulheres, negros discu-
você afirmou que desde o sur-
“legitimidade” para protestar, por- tindo questões de negros, precisamos
gimento daquelas manifesta-
que “legítimos” seriam apenas estes também ter o país como um todo
ções, “se cristalizou uma nova
movimentos tradicionais. O que é pensado pelas mulheres, o país como
geração política no país”. Como
uma grande confusão, visto que “le- um todo pensado pelos negros. Outro
essa geração vem atuando des-
gitimidade” é uma questão de poder limite é que o modo como se discu-
de então?
constituído e de formas estabeleci- te a questão dos privilégios, que sem
Rodrigo Nunes - O que eu dizia das (quem é reconhecido como ator dúvida é muito importante, também
na época é que se, seguindo Karl num espaço político delimitado), pode ser muito contraproducente,
Mannheim, pensamos gerações enquanto o protesto é uma questão criando divisões onde haveria pos-
não em termos meramente etários, de poder constituinte e de relações sibilidades de diálogo e uma adesão
mas em relação a acontecimentos, de força (a delimitação de um novo superficial a determinados códigos
isto nos permitia opor uma “gera- espaço, o reconhecimento de novos ao invés de engajamento com proble-
ção 2013” à última grande geração atores). Que diferença fez dizer que mas concretos, cuja resolução exige
política formada no Brasil, que eu os manifestantes de 2015 não eram sempre mais complexidade do que
chamava de “geração da redemocra- “legítimos”? Eles foram lá e ajuda- cabe em qualquer esquema inter-
tização” — justamente, aquela que ram a derrubar o governo do mesmo pretativo. Há sempre o risco de que,
participou da fundação do PT, da jeito. Absolutamente todo mundo ao invés de ser um ponto de partida
CUT, do MST etc. tem o “direito” de fazer política; a para fazer política mais e melhor, isto
O destino desta geração 2013 tem questão é como, em nome de quê, vire uma ferramenta de policiamento
tudo a ver com a ideia de que Junho junto com quem, construindo que e autocensura que tolhe mais do que
não teve lugar, logo também guarda tipo de relação. potencializa.
semelhanças com o destino da gera-
ção 68. Aquela foi uma experiência Geração de Junho Limites internos de Junho
formadora para muita gente, mas
Em todo caso, essa geração de Ju- Mas creio que há um terceiro nó
também profundamente traumática.
nho sente esse desconforto, o que é traumático em 2013, muito menos
Primeiro, pela repressão. Se Junho saudável em vários sentidos. A partir discutido e, portanto, elaborado. Se
de 2013 tivesse sido tratado como fo- daí, temos dois desdobramentos in- é evidente que a janela de possibili-
ram tratados os protestos pró-impe- ter-relacionados. Por um lado, muita dades aberta por Junho foi fechada

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em grande parte por motivos exter- É como se as pessoas desejassem petista é que era o caminho certo;
nos — a repressão e a reimposição do um conjunto de fins e desejassem que ou se aceitam todas as conci-
antagonismo petismo/antipetismo obtê-los por um conjunto de meios; liações ou não se faz nada. Aconte-
—, já era claro desde o fim de 2013 e quando sentiram que talvez aque- ce que o problema está justamente
que os protestos haviam encontrado les meios não servissem para aque- nesta maneira binária, “ou tudo ou
grandes limites internos. Nos protes- les fins, entraram num dilema do nada”, de pensar.
tos de outubro de 2013 no Rio, que qual não conseguiram sair. Daí que,
O que se deve criticar nos governos
foram os últimos grandes em todo a partir de um certo momento, os
do PT, me parece, não é o fato de não
o país, havia uma palpável sensação protestos entrassem claramente em
terem correspondido a algum ideal do
de impasse: um desejo de continuar modo repetição.
que seria um governo de esquerda, mas
ocupando as ruas, mas uma falta de
Neste sentido, esta geração é intei- a ausência de uma estratégia para que
clareza sobre como e com quais fins.
ramente herdeira de um certo “trau- as mudanças que introduziu se retroa-
Isto se verificava na falta de ino- ma da organização” que atravessa limentassem, se reforçassem ao longo
vação do repertório de ação: eram a história da esquerda no mínimo do tempo, lançassem raízes e crias-
sempre os mesmos tipos de manifes- desde Maio de 68: um certo medo sem as condições para mudanças mais
tação, reprimidas da mesma manei- de que a organização de que se pre- ambiciosas no futuro. Isto fica claro
ra, que acabavam sempre do mesmo cisa para mudar o mundo é também quando comparamos a facilidade com
jeito. Verificava-se, também, numa aquilo que pode nos impedir de fa- que os avanços da última década estão
constatação que ficaria ainda mais zê-lo, e a melancolia e o sentimento sendo revertidos com a longa continui-
transparente no governo Temer: um de impotência que seguem daí. Mas, dade histórica da era Vargas. O projeto
sistema político emparedado, lutan- por outro lado, ela é comparável tinha pés de barro, na medida em que
do pela sobrevivência, pode simples- à seleção brasileira derrotada em dependia de condições (sobretudo o
mente se acostumar a operar com 2014: uma geração muito jovem e ganha-ganha permitido pelo boom das
baixíssima legitimidade, de modo inexperiente que subitamente se viu commodities) que não poderiam durar
que instrumentos de pressão como com um peso enorme nas costas por para sempre, e não se preparou para
protestos se tornam praticamente conta do envelhecimento precoce da quando estas acabassem.
irrelevantes, a não ser que sejam gi- geração anterior. 17
O que se deve criticar não é o prag-
gantescos. Ou seja, percebia-se um
Esta geração está menos visível matismo em si, mas um pragmatismo
total descompasso entre o único tipo
que antes — por conta dessa relati- tacanho que diz “é preciso fazer o pos-
de ação de que se dispunha e o desa-
va fragmentação nos diversos ativis- sível” sem entender que o “possível”
fio que se tinha pela frente.
mos ditos “minoritários”, porque o não é uma quantidade fixa, mas justa-
Sobretudo, porém, o que se pres- jogo político voltou a ser dominado mente o objeto de uma política trans-
sentia era um descompasso profundo pela geração da redemocratização, e formadora. A luta é sempre para mo-
entre uma teoria da transformação so- porque este impasse segue sem ser dificar o possível, isto é, para ampliar
cial difusa e a realidade com a qual os elaborado. O saldo organizativo de a esfera das transformações possíveis.
manifestantes estavam se deparando. Junho de 2013 é catastrófico. Fora Se você não faz isso, fica ao sabor da
Algo que se apontou bastante na épo- os coletivos ditos “minoritários” (e sorte: quando as condições mudam,
ca foi a contradição entre uma grande MBL e Fora do Eixo), há hoje menos sua estratégia se torna inviável. É ób-
recusa do Estado e todo tipo de media- espaços de encontro e coordenação vio que ninguém pode se dar ao luxo
ção institucional, por um lado, e uma do que havia há cinco anos. Isto faz de simplesmente ignorar a Realpoli-
série de demandas implicitamente com que vários indivíduos queiram tik; mas não é dado que a Realpolitik
colocadas ao Estado (qualificação dos atuar politicamente, mas não encon- só possa ser cínica, tacanha, burra. Ela
serviços públicos, reforma eleitoral, trem maneiras de fazê-lo, enquanto também pode ser investida de desejo e
fim da polícia militar). Havia, além muitos parecem ter abandonado a ambição de transformação.
disso, todo um imaginário e repertório política por completo. Mas nada ga- IHU On-Line – Outra análise
insurrecional que dissonava de uma rante que isso não possa mudar. que você fez à época era a de
pauta que propunha reformas e uma
que esse tipo de manifestação
situação que ninguém, salvo os muito Realpolitik demonstrava a convergência
afoitos, considerava sequer pré-re-
de três tendências históricas:
volucionária. Havia, por último, um No que poderia consistir a elabora-
o uso das redes para a autoco-
desejo muito grande de conquistar o ção do impasse? Digo uma coisa que
municação de massa, a queda
apoio da população, mas um medo da ela não precisa significar. A pior con-
dos custos de organização e a
população tal como ela efetivamente clusão que se poderia tirar de tudo
crise dos mecanismos de repre-
pode ser — enrolada na bandeira na- isso é que, se 2013 não encontrou os
sentação. Ainda mantém essa
cional ou dizendo coisas não imedia- meios de produzir a transformação
análise?
tamente assimiláveis (embora não ne- desejada, e acabou provocando uma
cessariamente incompatíveis) àquelas reação tão violenta na direção con- Rodrigo Nunes - Integralmente.
da esquerda. trária, isto prova que a Realpolitik O que ainda não estava tão claro na

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TEMA DE CAPA

época era esta potência fissípara das via gente escrevendo que “a questão novos tipos de ação política num
redes sociais, o quanto elas podem mais importante hoje no Brasil é se momento em que os protestos de rua
dividir ao invés de organizar. E isto foi ou não foi golpe”. Era um exem- pareciam estar perdendo seu valor,
tem a ver, por um lado, com o pró- plo perfeito de que, para alguns, o esta greve aponta pistas interessan-
prio desenho destas plataformas e, Facebook havia deixado de ser uma tes. Mais que a própria greve geral
por outro, com o refluxo das ruas. parte do mundo para virar o único de 2017, ela ameaçou parar o país,
mundo que há. porque toca num dos pontos mais
Dado que a mercadoria que as redes
frágeis do capitalismo contemporâ-
vendem é a nossa participação — e Não se trata de dizer que as redes neo, que são suas cadeias logísticas.
os dados que esta produz —, elas são são más, mas que elas devem ser É por aí que passa a invenção de no-
desenhadas para atrair participação usadas com moderação. Se há muito vas formas de intervenção — pela
através de mecanismos de gratifica- acontecendo no mundo, passar mui- capacidade de voltar a bater onde
ção altamente viciantes: like, retuíte, to tempo on-line não fará tanto mal; dói (a economia), num momento
compartilhamento... É isto que vai mas se o mundo está devagar, talvez em que a classe política parece cada
constituindo ao mesmo tempo gru- você deva reduzir o tempo nas redes vez menos preocupada com sua le-
pos de pessoas com gostos e opini- também, para não perder o senso de gitimidade (a política). A oposição
ões semelhantes e nos constituindo proporção. que se fazia em 2013 entre “protesto
como integrantes desses grupos: simbólico” e “ação direta”, onde esta
como desejamos nossa dose de grati- última era praticamente sinônimo
ficação, passamos a fazer postagens IHU On-Line - Que tipo de
da tática Black Bloc, esconde o fato
com nosso “público” em mente, di- relação é possível estabelecer
de que uma vidraça quebrada, para
zendo aquilo que achamos que quem entre Junho de 2013 e a recen-
um banco, é um ataque inteiramente
nos segue quer ouvir. Este processo, te greve dos caminhoneiros?
simbólico, que pode questionar sua
iterado várias vezes, é o que cria as Quais foram os erros e acertos
imagem pública, mas sequer arra-
chamadas “bolhas”, e passa também da esquerda no seu entendi-
nha suas operações. Sem quebrar
a individuar algumas bolhas como mento dos dois momentos?
um vidro que fosse, a ação direta
inimigas de outras: “nós somos as Rodrigo Nunes - A greve dos dos caminhoneiros foi muito mais
18 pessoas cuja identidade inclui não caminhoneiros foi a comprovação eficiente.
gostar daquelas outras pessoas lá”. de algo que poderíamos chamar de 2013 também foi fora da curva
É um espaço de exibicionismo, só o “hipótese da terceira força”, com a internacional no sentido de que, a
que muda é o tipo de exibição; pode qual algumas pessoas (eu incluído) partir de um certo ponto, a mídia
ser física, financeira, intelectual, mo- temos trabalhado desde 2015. Se Ju- abraçou os protestos e passou a ten-
ral. E é um espaço onde o motor do nho de 2013 pôde chegar àquelas di- tar pautá-los, com algum sucesso.
engajamento é a busca da gratifica- mensões, era porque era transversal Com a greve dos caminhoneiros vi-
ção, do reforço positivo, do reconhe- à oposição petismo/antipetismo; e mos o quanto mais insidiosa tornou-
cimento pelos pares. Se você está nas dado que essa oposição voltou a do- se essa possibilidade, com grupos
redes sociais, está lá para “lacrar”. minar o debate a partir das eleições de extrema direita se apresentando
Cada grupo tem seu estilo próprio de de 2014, só teria força suficiente para nas redes sociais, no WhatsApp etc.
“lacração”: pode ser fotos de viagem, embaralhar o jogo da classe política como representantes legítimos do
textos a favor ou contra o feminis- (fosse para impedir o impeachment movimento, projetando uma pene-
mo, pode ser inclusive a crítica da ou as reformas, fosse para derrubar tração entre os caminhoneiros que
cultura da lacração. Mas a moeda do Temer, ou qualquer outro fim) algu- não necessariamente possuíam.
reino é essa. ma coisa que se constituísse a partir
de um terceiro ponto não facilmente Repetiu-se, em 2018, aquilo que se
Ora, estar nas ruas embaralha tudo vira na reação de uma parte grande
mapeável nesta oposição. Um coro-
isso. Você encontra as pessoas frente da esquerda em 2013: uma extrema
lário disso era que, se o PT tentas-
a frente, o que não só faz você enten- dificuldade de compreender e dialo-
se hegemonizar os protestos contra
dê-las melhor, mas impede certos gar com qualquer elemento que es-
Temer, estes protestos jamais che-
arroubos retóricos. Você tem que cape às coordenadas esquemáticas
gariam a “engatar”. Confirmou-se o
lidar com situações concretas, onde da oposição petismo/antipetismo.
corolário e confirmou-se a hipótese:
o que está em jogo é resolver um Os erros foram muito semelhantes,
se não em termos de adesão efetiva,
problema e não marcar pontos dian- fosse no recurso à teoria da cons-
pelo menos em termos de apoio de-
te do seu “público”. Quando não há piração (CIA em 2013, golpe mili-
clarado, a greve dos caminhoneiros
rua, as pessoas passam a agir como tar agora), fosse na interpretação
foi a mobilização de maior alcance
se o Facebook fosse o mundo, e ga- equivocada da composição social
desde Junho, e sabe lá onde poderia
nhar discussões ali passa a parecer dos protestos (ignorando a partici-
ter levado.
a maior ferramenta de transforma- pação e apoio dos “batalhadores”
ção social. Às vésperas da votação Outro ponto: se 2013 continha em 2013, reduzindo uma greve ao
da PEC do teto de gastos, ainda ha- aquele impasse de uma busca por mesmo tempo autônoma e patronal

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a um mero locaute agora), fosse na maneira que nós os usamos, somos ria suficiente para resolver todos os
tendência a taxar de saída todos os capazes de apreender seu funcio- problemas nacionais.
envolvidos como de direita (efetiva- namento no interior de um sistema
Podemos, é claro, dizer que tanto o
mente abrindo mão de disputá-los conceitual distinto do nosso.
diagnóstico de que a crise atual seria
e potencialmente entregando-os de
Relatos da greve como o de Rosana causada pela corrupção quanto a re-
mão beijada à direita).
Pinheiro Machado5 sugerem que talvez ceita de uma mítica “intervenção mi-
precisemos levar isto em conta para en- litar” como panaceia são imaginários.
Hábitos nocivos tender mesmo uma palavra de ordem O importante, porém, é entender em
Na base destes erros estão dois há- repulsiva como “intervenção militar”. que medida estas são respostas imagi-
bitos nocivos de pensamento. Um É óbvio que há quem realmente deseje nárias a causas reais, isto é, o quanto
é o binarismo que só reconhece a uma ditadura ou tenha uma nostalgia de racionalidade, apesar de tudo, há
possibilidade de as coisas serem A imaginária dos militares, ou seja, use neste sistema conceitual. Pois “cor-
ou não-A, nunca B ou C. O outro é o conceito com o mesmo valor que ele rupção”, ao mesmo tempo que é uma
a falta de perspectivismo: não en- tem no nosso sistema conceitual. Mas eterna pista falsa, nomeia de maneira
tender que o mundo é diferente visto a popularidade do conceito e o modo imprecisa a percepção absolutamente
como ele circula sugerem a possibilida- correta desta autonomização do siste-
de diferentes pontos, e não podemos
de de que ele também opere de outra ma político, bem como de sua captura
supor que aquilo que o outro está
forma, nomeando o desejo por uma permanente por interesses e setores
vendo é exatamente o que eu estou
solução mágica que, interrompendo o determinados; e o desejo por um deus
vendo, ou aquilo que ele está dizen-
business as usual de um sistema políti- ex machina ou “violência divina” ex-
do é exatamente o que eu estou ou-
co que se autonomizou completamente pressa uma conclusão que, diante do
vindo. Tampouco podemos supor
em relação à população, zerasse um modo como o sistema se blindou de
que o antagonismo pelo qual enten-
jogo que muitos veem como irremedia-
demos o mundo é aquele pelo qual 2013 para cá, está longe de ser irrazo-
velmente viciado.
as outras pessoas se entendem. ável: que uma mudança do tamanho
Como solução mágica, “interven- que é preciso nas relações entre socie-
Entre as lições mais úteis do cha-
ção militar” responde a um outro dade e estado dificilmente será pro-
mado perspectivismo ameríndio 19
conceito — “corrupção” — que no- movida pela classe política existente,
para a política está a ideia de que a
meia a causa mágica que seria a ori- visto o quanto sua sobrevivência de-
sensação de que entendemos aqui-
gem direta ou indireta de todos os pende de que tudo se mantenha igual. 
lo que uma pessoa diz porque en-
males e cuja supressão, portanto, se-
tendemos as palavras que ela usa é Em resumo: nem todo mundo que
frequentemente enganadora. Come- 5 Rosana Pinheiro-Machado: é graduada em Ciências So-
fala em corrupção está destinado a
çamos a compreender um discurso ciais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e ser reacionário, nem todo mundo
doutora em Antropologia Social pela mesma universidade. Foi
apenas quando começamos a enten- professora de Desenvolvimento Internacional na Universidade que fala em intervenção militar está
de Oxford de 2013 a 2016. Atualmente é professora visitante
der a maneira como diferentes con- no Departamento de Sociologia da Universidade de São Pau- necessariamente condenado a votar
ceitos, que podem ser nominalmente lo - USP. Ela já concedeu algumas entrevistas ao site do IHU, em Bolsonaro. Mas só vamos conse-
entre elas, Esquerda e direita disputam regimes de verdade.
iguais a conceitos que reconhecemos Entrevista especial com Rosana Pinheiro-Machado, publicada guir dialogar com estas pessoas se
no site do IHU no dia 6-11-2017, e disponível no link https://
do nosso dia a dia, relacionam-se bit.ly/2MDyLce e Ética confucionista X espírito capitalista: efetivamente dialogarmos com elas,
entre si — isto é, quando, ao invés ‘’Não são lógicas opostas’’. Entrevista especial com Rosana
Pinheiro-Machado, publicada no dia 15-5-2012, e disponível
o que passa por entendê-las na sua
de supor que são usados da mesma em https://bit.ly/2LXdxov. (Nota da IHU On-Line) diferença em relação a nós. ■

Leia mais
- As manifestações renovarão os mecanismos existentes ou criarão novos? Entrevista
especial com Rodrigo Nunes publicada nas Notícias do Dia, de 17-2-2014, no sítio do Insti-
tuto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em https://bit.ly/1mnOJHA;
- “Vai ter luto e luta, ou não vai ter nada”. Ou seja, a Fortuna existe. Será preciso ter ‘vir-
tù’. Entrevista especial com Rodrigo Nunes publicada nas Notícias do Dia, de 8-5-2016, no
sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em https://bit.ly/24vPAfe;
- A esquerda pós-PT: “Chega uma hora em que a realidade precisa vencer o medo”. En-
trevista especial com Rodrigo Nunes publicada nas Notícias do Dia, de 17-4-2017, no sítio
do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em https://bit.ly/2yiwRL2;
- Tudo que se refere à eleição de 2018 é sintoma da gravidade da crise política. Entrevista es-
pecial com Moysés Pinto Neto, Rodrigo Nunes e Caio Almendra publicada nas Notícias do Dia, de
17-10-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em https://bit.ly/2MA2YZD.

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

Insatisfações coletivas inauguram


outras formas de manifestações
Para Henrique Costa, o maior legado de Junho de 2013 foi
desmistificar a rua e desautorizar as organizações tradicionais
Vitor Necchi

H
enrique Costa lembra que “as autopreservação e boas relações com
manifestações de Junho de setores-chave do empresariado, tudo
2013 nasceram com a bandeira isso mediado pelo dinheiro”. Junho de
da revogação de aumento do transporte 2013, no seu entendimento, também
em São Paulo e ganharam um dimensão aprofundou a crise da representação.
espantosa com a violentíssima repressão No que tange à periferia, Costa en-
policial”. Na sequência, “muitas outras tende que ela não teve papel relevante,
bandeiras surgiram, vinculadas à reivin- apesar de ter sido tocada pelos acon-
dicação de melhores serviços públicos e, tecimentos. Isso não impediu que as
em seguida, de denúncia da corrupção”. manifestações captassem “um mal-es-
Cinco anos depois, entende que o maior tar difuso e que existia nas sombras da
legado daquela mobilização “foi ter des- euforia lulista: ao incluir uma massa
mistificado a rua e desautorizado as or- de jovens precarizados em um merca-
20 ganizações tradicionais”. do de trabalho que cresceu sobretudo
A cara dos protestos foi dada pela classe para as ocupações que pagavam até 1,5
média, que compareceu em peso, lembra salário mínimo, frustrava expectativas
Costa na entrevista a seguir, concedida de quem tanto se dedicava (e se endi-
por e-mail à IHU On-Line. “A propor- vidava) para conseguir qualificações
ção que eles atingiram, contudo, impac- que não dariam retorno à altura”. As-
tou todas as classes, mesmo aqueles que sim, “as manifestações de Junho foram
se mantiveram afastados.” A partir da como uma revelação de que a insatis-
movimentação, “como um nocaute, a fação não era individual e havia pene-
população passou a questionar a gestão trado nos poros da sociedade”. Depois
lulista para os mais pobres que vinha que passaram “o susto e as tentativas
acompanhada dos ganhos exorbitantes desesperadas e estapafúrdias de dar
de setores selecionados do empresariado, respostas às demandas das ruas”, Costa
como empreiteiras e bancos”. entende que “a política tentou se resol-
ver nos velhos esquemas e conspirações
Para Costa, o lulismo, “ao despolitizar palacianas”.
e atrelar os órgãos vitais da sociedade à
sua existência”, esvaziou os movimen- Henrique Costa é doutorando em
tos sociais de seu teor crítico. Isso apro- Ciências Sociais na Universidade Esta-
fundou a crise da representação, pois dual de Campinas - Unicamp, mestre
o lulismo “caiu na armadilha de que a em Ciência Política e graduado em Ci-
política se trata apenas de gestão racio- ências Sociais pela Universidade de São
nal de recursos escassos, amansamento Paulo - USP.
de um Parlamento disposto a tudo pela Confira a entrevista.

IHU On-Line – Cinco anos de- de 2013 e que leituras podem Henrique Costa – O cenário que
pois, qual teu entendimento em ser feitas daquele ciclo de ma- levou a Junho deve ser visto com
relação ao que houve em Junho nifestações? as lentes da contradição de um país

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“As manifestações de Junho de 2013


nasceram com a bandeira da revogação
de aumento do transporte em São Paulo
e ganharam um dimensão espantosa
com a violentíssima repressão policial”

que, como diz Chico de Oliveira1, As manifestações de Junho de 2013 leira e dos pressupostos de um de-
“não é isso nem aquilo”, isto é, não nasceram com a bandeira da revo- senvolvimentismo tardio ativaram
é nem mais subdesenvolvido, quan- gação de aumento do transporte em um mecanismo violento de progres-
do superar o atraso já não é mais São Paulo e ganharam um dimensão so a todo custo, cujo capítulo mais
possível (e nem desejável), nem tem espantosa com a violentíssima repres- dramático se deu pela construção
condições de atingir um novo regime são policial. A partir daí, muitas outras de Belo Monte4, digna dos regimes
de acumulação que o coloque com- bandeiras surgiram, vinculadas à rei- mais autoritários da história do país.
petitivamente no capitalismo globa- vindicação de melhores serviços pú- A conclusão a que chegou Fernando
lizado. Diante disso, a opção da es- blicos e, em seguida, de denúncia da Henrique Cardoso5 em 1964 de que a
querda que governou o país a partir corrupção. A classe média compare- burguesia brasileira havia renuncia-
de 2003 foi abdicar de reformas de ceu em peso e acabou dando a sua cara do à modernização brasileira para
qualquer alcance em favor da gestão aos protestos. A proporção que eles aceitar o papel de sócio menor do ca-
de populações, com políticas públi- atingiram, contudo, impactou todas as pitalismo internacional, bloqueando
cas focalizadas e que, em ambiente classes, mesmo aqueles que se manti- a via do desenvolvimento endógeno, 21
econômico favorável, melhoram a veram afastados. Como um nocau- deveria ter sido admitida desde o co-
vida do chamado “subproletariado”, te, a população passou a questionar meço, o que teria poupado muita dor
mas sem provocar mudanças susten- a gestão lulista para os mais pobres de cabeça, uma crise econômica que
táveis, que sobrevivessem às turbu- que vinha acompanhada dos ganhos tem efeitos até hoje, além de muitos
lências externas e às resistências in- exorbitantes de setores selecionados bilhões de reais.
ternas. De fato, foi o que aconteceu do empresariado, como empreiteiras
Há dúvidas sobre se Dilma tentou
com o “reformismo fraco” do lulis- e bancos. A reflexão individual e co-
aprofundar o lulismo ou romper
mo2 por volta de 2013. letiva provocada pelas manifestações
com ele, de todo modo, o resulta-
arruinaria a planejada apoteose do lu-
do não foi brilhante. Ao tentar fa-
1 Francisco de Oliveira (1933): sociólogo nascido em Re- lismo com a Copa do Mundo no ano
zer algo para o qual não tinha nem
cife (PE), doutor honoris causa pela Universidade Federal seguinte, também extremamente re-
do Rio de Janeiro – UFRJ, professor emérito pela Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade jeitada em Junho, e estabeleceu uma
de São Paulo – USP e doutor honoris causa pela Univer- 4 Belo Monte: projeto de construção de usina hidrelétri-
sidade Federal da Paraíba – UFPB. Graduado em Ciências
nova determinação mental no país – ca previsto para ser implementado em um trecho de 100
Sociais na Faculdade de Filosofia da Universidade do Reci- de uma certa anestesia a uma impaci- quilômetros no Rio Xingu, no estado do Pará. Planejada
fe, atual Universidade Federal de Pernambuco, pertenceu para ter potência instalada de 11.233 MW, é um empreen-
aos quadros técnicos do Banco do Nordeste (1956-1957) ência generalizada. dimento energético polêmico não apenas pelos impactos
e da Sudene (1959-1964), onde trabalhou com Celso Fur- socioambientais causados pela construção. Outra contro-
tado. Após o golpe de 1964, ficou preso por dois meses. A incompreensão de Dilma3 quanto vérsia sobre essa usina envolve o valor do investimento
Posteriormente, deixou a cidade do Recife e mudou-se do projeto e, consequentemente, o seu custo de geração.
para o Rio de Janeiro. É professor aposentado da USP e ao colapso da modernização brasi- Saiba mais na edição 39 dos Cadernos IHU em formação,
fundador do PT, com o qual rompeu em 2003. Autor de O Usinas hidrelétricas no Brasil: matrizes de crises socioam-
ornitorrinco (São Paulo: Boitempo Editorial, 2003). Sobre bientais, em http://bit.ly/ihuem39; e nas entrevistas publi-
a obra, os leitores podem conferir uma entrevista na IHU social conservador, que combina a manutenção da política cadas no sítio do IHU: Belo Monte: a barreira jurídica, com
On-Line nº 77, de 29-9-2003, e outra concedida à edição econômica do governo Fernando Henrique Cardoso (1995- Felício Pontes Júnior, dia 26-4-2012, disponível em http://
nº 80, de 20-10-2003, por ocasião de sua vinda à Unisinos, 2002) com fortes políticas distributivistas sob o governo bit.ly/ihu260412; Belo Monte. “O capital fala alto, é o maior
no dia 1-10-2003, quando participou do Ciclo de Estudos Lula (2002-2010). (Nota IHU On-Line) Deus do mundo”, com Ignez Wenzel, dia 28-1-2012, dis-
sobre o Brasil, abordando o tema Perspectivas do Brasil 3 Dilma Rousseff (1947): economista e política brasileira, ponível em http://bit.ly/ihu280112; Belo Monte e as muitas
com o novo governo. Ainda há uma entrevista publica- filiada ao Partido dos Trabalhadores – PT, eleita duas vezes questões em debate, com Ubiratan Cazetta, dia 23-1-2012,
da na série Cadernos IHU em formação, nº 9, de 2006: presidente do Brasil. Seu primeiro mandato iniciou-se em disponível em http://bit.ly/ihu230112; “Belo Monte é
Política Econômica. É Possível mudá-la?. A IHU On-Line 2011 e o segundo foi interrompido em 31 de agosto de o símbolo do fim das instituições ambientais no Brasil”,
entrevistou-o na edição 123, de 16-11-2004, sobre o im- 2016. Em 12 de maio de 2016, foi afastada de seu cargo com Biviany Rojas Garzon, dia 13-12-2011, disponível em
pacto das eleições no cenário político nacional. (Nota da durante o processo de impeachment movido contra ela. http://bit.ly/ihu131211; Não é hora de jogar a toalha e
IHU On-Line) No dia 31 de agosto, o Senado Federal, por 61 votos fa- pendurar as chuteiras na luta contra Belo Monte, com Dom
2 Lulismo: termo cunhado pelo cientista político André Sin- voráveis ao impeachment contra 20, afastou Dilma defini- Erwin Krautler, dia 3-8-2011, disponível em http://bit.ly/
ger, que também foi porta-voz do ex-presidente Luiz Inácio tivamente do cargo. O episódio foi amplamente debatido ihu030811. (Nota da IHU On-Line)
Lula da Silva de 2002 a 2007. Nascido durante a campanha nas Notícias do Dia no sítio do IHU, como, por exemplo, a 5 Fernando Henrique Cardoso (1931): sociólogo, cientis-
de 2002, o lulismo representou o afastamento em relação Entrevista do Dia com Rudá Ricci intitulada Os pacotes do ta político, professor universitário e político brasileiro. Foi
a componentes importantes do programa de esquerda Temer alimentarão a esquerda brasileira e ela voltará ao o 34º presidente do Brasil, por dois mandatos consecuti-
adotado pelo PT e o abandono das ideias de organiza- poder, disponível em http://bit.ly/2bLPiHK. Durante o go- vos, entre 1995 e 2003. Conhecido como FHC, ganhou no-
ção e mobilização. Busca um caminho de conciliação com verno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu a toriedade como ministro da Fazenda (1993-1994) com a
amplos setores conservadores brasileiros. Sob o signo da chefia do Ministério de Minas e Energia e posteriormente instauração do Plano Real para combate à inflação. (Nota
contradição, o lulismo se constitui como um grande pacto da Casa Civil. (Nota da IHU On-Line) da IHU On-Line)

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

condições políticas, nem estofo in- tudo isso mediado pelo dinheiro. do, observei que poucos estiveram
telectual, o governo extrapolou seu nas ruas, ou por medo de violência,
Junho de 2013 aprofundou a crise
autoritarismo, como na famigerada ou por sentirem que aquele não era
da representação. Não é preciso ser
Lei Antiterrorismo6, que por si só “lugar” para eles, isto é, se encaixa-
leitor de Guy Debord8 para perceber
era também resultado de outro es- vam no que Singer9 analisou como
que a separação entre uma massa
petáculo construído a partir do arbí- uma indisposição ou mesmo rejeição
precária e sem perspectivas e o es-
trio e da velha obsessão pelo “Brasil dos mais pobres a ruídos na ordem.
petáculo que acontece nas cúpulas
Grande”, a Copa do Mundo. Lula7 Assim mesmo, de certa maneira as
partidárias, nos parlamentos e na
teve a fortuna e a virtude de conter manifestações daquele mês capta-
mídia ameaça ter atingido um ponto
o fracionamento da sociedade e o ram um mal-estar difuso e que exis-
de não retorno. No momento em que
desmanche que se anunciava desde tia nas sombras da euforia lulista: ao
a representação se torna puramente
os anos 1980 e a crise da dívida, mas incluir uma massa de jovens preca-
uma fantasia enquanto no chão so-
a barragem construída pelo lulismo rizados em um mercado de trabalho
cial sobra desalento, como fica claro
atingiu seu limite. que cresceu sobretudo para as ocu-
na volta da informalidade e na explo-
pações que pagavam até 1,5 salário
Creio que o lulismo, ao despoliti- são da população que simplesmente
mínimo, frustrava expectativas de
zar e atrelar os órgãos vitais da so- desistiu de procurar trabalho, planos
quem tanto se dedicava (e se endi-
ciedade à sua existência, esvaziando de reforma e projetos que se autoin-
vidava) para conseguir qualificações
os movimentos sociais de seu teor titulam moderados e racionais per-
que não dariam retorno à altura. As
crítico e alimentando-os como um dem totalmente seu apelo.
manifestações de Junho foram como
grande gestor de políticas sociais,
Outro detalhe a se observar é que, uma revelação de que a insatisfação
tenha não apenas alienado a socie-
desde então, nada se aprendeu. Ain- não era individual e havia penetrado
dade de escolhas próprias, de cará-
da em campanha pela reeleição, Dil- nos poros da sociedade.
ter reivindicativo, como aprofundou
ma redobrou a aposta no espetáculo
a crise da representação, pois caiu
com uma campanha que iludiu até
na armadilha de que a política se IHU On-Line – Como esquer-
mesmo observadores experientes.
trata apenas de gestão racional de da e direita entenderam aque-
Pela primeira vez em sua história, o
22 recursos escassos, amansamento las manifestações e que uso fi-
PT não apresentou um programa de
de um Parlamento disposto a tudo zeram delas?
governo e atribuiu a um marquetei-
pela autopreservação e boas relações
ro, hoje em regime de prisão domi- Henrique Costa – Até 2016, tan-
com setores-chave do empresariado,
ciliar, a elaboração de propostas que to a centro-esquerda quanto a cen-
aprofundaram o tudo ou nada eleito- tro-direita estavam comprometidas
6 Lei Antiterrorismo: denominação dada à Lei Nº ral. Ao assumir o mandato e abando- com a ordem democrática e com
13.260/2016, de autoria do Poder Executivo, que trata da
tipificação, julgamento e punição para crimes de natureza nar imediatamente sua plataforma alguns entendimentos tácitos, como
terrorista no território nacional do Brasil. A criação da lei
está vinculada à Convenção Interamericana contra o Ter-
supostamente progressista, Dilma a necessidade de frear as investiga-
rorismo (CICTE) de 2002, que, em seu artigo 4º, parágrafo escancarou não só o irrealismo do ções da Operação Lava Jato. Portan-
1º, estabelece que os Estados-Membros da Organização
dos Estados Americanos devem estabelecer parâmetros que apresentara antes, adotando o to, passados o susto e as tentativas
legais para combater e interditar o terrorismo. (Nota
da IHU On-Line)
programa do adversário, mas tam- desesperadas e estapafúrdias de dar
7 Luiz Inácio Lula da Silva (1945): Trigésimo quinto presi- bém a impotência do público em fa- respostas às demandas das ruas, em
dente do Brasil, cargo que exerceu de 2003 a 1º de janeiro
de 2011. É cofundador e presidente de honra do Partido zer valer seu voto. O aprofundamen- 2013, a política tentou se resolver
dos Trabalhadores - PT. Em 1990, foi um dos fundadores e
organizadores do Foro de São Paulo, que congrega parte
to da crise de representação viria a nos velhos esquemas e conspirações
dos movimentos políticos de esquerda da América Latina e cobrar seu preço no esvaziamento do palacianas. Com a irrupção de uma
do Caribe. Foi candidato a presidente cinco vezes: em 1989
(perdeu para Fernando Collor de Mello), em 1994 (perdeu apoio ao seu governo. nova direita nas ruas, a ascensão da
para Fernando Henrique Cardoso) e em 1998 (novamen-
te perdeu para Fernando Henrique Cardoso) e ganhou as Justiça como ator político e a pro-
eleições de 2002 (derrotando José Serra) e de 2006 (der- gressiva indisposição de parte da eli-
rotando Geraldo Alckmin). Lula bateu um recorde histórico IHU On-Line – Que papel a
de popularidade durante seu mandato, conforme medido te econômica com Dilma, o sistema
pelo Datafolha. Programas sociais como o Bolsa Família e periferia teve e desempenhou
Fome Zero são marcas de seu governo, programa este que foi acossado a dar respostas que hoje
em Junho de 2013? O que esse
teve seu reconhecimento por parte da Organização das se mostram desastrosas.
Nações Unidas como um país que saiu do mapa da fome. estrato da população pretendia
Lula teve um papel de destaque na evolução recente das
relações internacionais, incluindo o programa nuclear do Irã naquele momento? Mas a esquerda estava em situa-
e do aquecimento global. É investigado na operação Lava
ção “desconfortável” para fazer a
Jato e foi denunciado em setembro de 2016 pelo Ministério Henrique Costa – A periferia não
Público Federal (MPF), apontado como recebedor de vanta-
gens pagas pela empreiteira OAS em um tríplex do Guarujá. teve papel relevante naquele Junho,
No dia 12 de julho de 2017, Lula foi condenado pelo juiz
federal Sérgio Moro, em primeira instância, a nove anos e
apesar de ter sido tocada pelos acon- 9 André Singer (1958): cientista político, professor e jornalista
seis meses de prisão em regime fechado por crimes de cor- tecimentos. Na pesquisa que desen- nascido em São Paulo. Foi secretário de redação do jornal Fo-
rupção passiva e lavagem de dinheiro. No dia 24 de janeiro lha de S. Paulo (1987-88), secretário de Imprensa do Palácio do
de 2018, por unanimidade, os três desembargadores da 8ª volvi à época para o curso de mestra- Planalto (2005-2007) e porta-voz da Presidência da República
Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirma- no primeiro governo Lula, (2003-2007). Filho do economista
ram a condenação de Lula, elevando a pena para 12 anos Paul Singer. É professor do departamento de Ciência Política da
e um mês de prisão. No dia 7 de abril de 2018 Lula, após 8 Guy Debord (1931-1994): filósofo e sociólogo francês, au- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Univer-
mandado de prisão expedido pelo judiciário, entregou-se à tor de A sociedade do espetáculo – Comentários sobre a socie- sidade de São Paulo – USP. Graduado em Ciências Sociais e em
Polícia Federal, onde se mantém sob custódia na Superin- dade do espetáculo (Rio de Janeiro: Contraponto) e fundador Jornalismo, mestre, doutor e livre docente em Ciência Política
tendência do órgão em Curitiba. (Nota da IHU On-Line) da Internacional Situacionista (IS). (Nota da IHU On-Line) pela USP. (Nota da IHU On-Line)

18 DE JUNHO | 2018
REVISTA IHU ON-LINE

sua parte. Enquanto acreditava que tenha suas melhores performances classe trabalhadora devastada pela
governava para os mais pobres, boa entre os mais ricos e escolarizados. reestruturação produtiva se volta
parte da população, sobretudo nas É o que Thomas Piketty11 analisou para Bolsonaro12, que personifica o
periferias das grandes cidades, en- em relação às esquerdas dos Estados pulso firme contra a violência – que
tendia que a administração do con- Unidos e da França que progressiva- atinge sobretudo a periferia, é sem-
flito pelos programas do lulismo ti- mente se metamorfosearam em par- pre bom lembrar – e a corrupção nas
nha exatamente esse objetivo, vide o tidos de classe média alta escolariza- instituições. Não é um apoio majori-
fim que levou a política de pacifica- da. Ou seja, se tornaram os partidos tário, mas aqueles que o apoiam se
ção no Rio, apoiada pelos governos dos vencedores de uma guerra que destacam pela militância ativa, algo
do PT. À época, era comum ouvir, não é apenas cultural, mas também que nenhum outro candidato tem
sobretudo dos mais jovens – total- pelos melhores postos do capitalis- nas periferias. As pesquisas indicam
mente desconectados do que havia mo globalizado, fenômeno que tam- que a intenção de voto espontâneo
significado o petismo dos primeiros bém tem suas repercussões por aqui. em Bolsonaro já supera inclusive a
anos – que políticas públicas como de Lula, especialmente nas faixas de
o Prouni [Programa Universidade renda acima de 2 salários mínimos,
para Todos] eram nada mais que IHU On-Line – De que manei- e isso se constata nas ruas com uma
obrigação do governo para aqueles ra a esquerda tem se relaciona- observação mais atenta.
que já se esfolavam tanto no trajeto do com a periferia das cidades?
E a direita? Em um momento em que as classes
sofrido entre casa, trabalho e escola.
baixas se revoltam contra a gestão
Essas pessoas cansaram de “gestão”. Henrique Costa – Não existe de populações com objetivo de con-
A esquerda gosta de atribuir à mídia mais propriamente uma “relação” en- tenção de conflitos (a famigerada
esse quadro político como um enredo tre a esquerda tradicional e a periferia pacificação), é exatamente isso que
de manipulações, mas não percebe que não seja puramente instrumen- a esquerda propõe, um lulismo repa-
que ela mesma faz parte disso e ali- tal. De um lado, há o PT, pendurado ginado com retórica desenvolvimen-
menta esse sistema. Mandatos de es- unicamente no carisma de Lula e no tista. Curiosamente, apesar de ser a
querda que há alguns anos contavam seu potencial eleitoral. Tacitamente, esquerda quem repisa a ideia de que
com militância ativa e convencida de a compreensão de que a eleição que não há alternativa fora da política, o
se avizinha será um desastre para a 23
suas bandeiras hoje se resumem a ali- renascimento dela vem pela extrema
mentar a máquina com postagens pa- bancada do partido no Congresso, direita, cujo discurso se distancia da
trocinadas em redes sociais questio- especialmente para os parlamentares gestão e toca nas questões sensíveis
nadas no mundo todo, mas útil para do Sul e do Sudeste, é o que move a
partidos sem mais nenhuma conexão estratégia da cúpula petista, pois só
12 Jair Bolsonaro (1955): militar da reserva e deputado
com as classes trabalhadoras. Mes- Lula pode minimizar o desgaste do federal nascido em Campinas (SP). De orientação política
mo a esquerda considerada “radical” partido e de seus parlamentares cada de extrema direita, conservadora e nacionalista, cumpre
sua sétima legislatura na Câmara Federal. Em janeiro de
dá as costas ao mundo do trabalho e vez mais rechaçados em suas bases. 2018, anunciou sua filiação ao Partido Social Liberal (PSL),
o nono partido político de sua carreira. Foi o deputado
suas perversidades. Portanto, não há boas opções para mais votado do estado do Rio de Janeiro nas eleições ge-
o PT, que assim sacrifica as alianças rais de 2014. Ficou conhecido pela luta contra os direitos
LGBT, pela defesa da ditadura e da tortura. Seus embates
Hoje a esquerda sofre as conse- estaduais com as quais contam os go- contra os direitos humanos são constantes. Suas declara-
quências de seus próprios erros, ao vernadores do Nordeste. ções controversas já lhe renderam cerca de 30 pedidos de
cassação e três condenações judiciais, desde que foi eleito
ser rechaçada em qualquer espaço deputado em 1989. Documentos produzidos pelo Exército
popular, e se refugia sempre nos Enquanto o PT se acantona no resí- Brasileiro na década de 1980 mostram que os superiores
de Bolsonaro o avaliaram como dono de uma “excessiva
mesmo abrigos dos movimentos de duo sindical-parlamentar que lhe dá ambição em realizar-se financeira e economicamente”. Se-
cultura, nos bairros centrais e com sustentação – bastante simbolizado, gundo o superior de Bolsonaro na época, o coronel Carlos
Alfredo Pellegrino, “[Bolsonaro] tinha permanentemente
público de convertidos. É indiferen- aliás, pelo bunker armado em São a intenção de liderar os oficiais subalternos, no que foi
sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo
te que queira apoiar ou desconfiar Bernardo do Campo na iminência dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica,
de um movimento como o dos ca- da prisão de Lula –, parte da velha racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argu-
mentos”. É notório o seu machismo, como evidenciam as
minhoneiros, pois perdeu o bonde agressões e ofensas direcionadas a suas colegas parla-
mentares. Seu desrespeito à condição feminina não pou-
da construção política em Junho de 2000. Também é psicanalista e leciona psicanálise. (Nota pou nem a filha. Em abril de 2017, em um discurso no Clu-
da IHU On-Line) be Hebraica, no Rio de Janeiro, Bolsonaro fez uma menção
2013 ou na greve da categoria em 11 Thomas Piketty (1971): economista francês, concentra à caçula, então com seis 6 anos: “Eu tenho cinco filhos.
2015. Com exceção de Lula, não é seus estudos no acúmulo e desigualdade de renda. É di- Foram quatro homens, aí no quinto eu dei uma fraqueja-
retor de pesquisas da École des hautes études en sciences da e veio uma mulher”. Em uma entrevista para a revista
por acaso que, no último Datafolha, sociales (EHESS) e professor da Escola de Economia de Pa- Playboy, em junho de 2011, sua agressividade dirigiu-se
ris. Seu livro best-seller, O Capital no Século XXI (São Pau- aos gays: “Seria incapaz de amar um filho homossexual”.
Guilherme Boulos10, por exemplo, lo: Intrínseca, 2014), enfatiza as questões do acúmulo de Ainda disse preferir que um filho “morra num acidente
renda nos últimos 250 anos e argumenta que o acúmulo do que apareça com um bigodudo por aí”. Em abril de
de capital cresce mais rápido que a economia, o que gera 2017, durante um discurso no Clube Hebraica, no Rio de
10 Guilherme Boulos (1982): ativista, político, professor e desigualdade. A edição 449 da IHU On-Line, intitulada A Janeiro, afirmou que acabará com todas as terras indíge-
escritor nascido em São Paulo (SP). Membro da Coordena- desigualdade no século XXI. A desconstrução do mito da nas e comunidades quilombolas do Brasil caso seja eleito
ção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto meritocracia, inspira-se na obra O Capital no Século XXI presidente em 2018. Também disse que terminará com o
(MTST). Reconhecido como uma das principais lideranças e circulou meses antes de a obra ser publicada no Brasil. financiamento público para ONGs: “Pode ter certeza que
da esquerda no Brasil e pré-candidato à presidência pelo A edição está disponível em https://bit.ly/2LRSlQv. O IHU se eu chegar lá não vai ter dinheiro pra ONG. Se depender
PSOL para as eleições de 2018, tendo a líder indígena realizou no segundo semestre de 2016 o “Ciclo de Estudos de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de
Sônia Guajajara como vice. Formado em filosofia pela do Livro “O Capital no Século XXI” - A Estrutura da De- casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Uni- sigualdade”. Detalhes em http://bit.ly/2c3JDyh. (Nota da indígena ou pra quilombola”. Atualmente é pré-candidato
versidade de São Paulo (FFLCH-USP), onde ingressou em IHU On-Line) à presidência da República. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

de uma parte significativa do eleito- o lulismo houve uma trégua entre di- pela sobrevivência. A classe média
rado. Não à toa houve tanta comoção ferentes instâncias normativas – tra- pode até se incomodar com maiores
pela execução de Marielle Franco13, balho, crime, igrejas etc. – mediada gastos com trabalhos domésticos,
pois há décadas não surgiam novas pelo dinheiro. Como uma política de mas se sente segura na maior parte
lideranças de destaque atuando no emergência, essa trégua se esgotou e do tempo em seus bairros centrais.
meio popular. Mesmo ela acabou a represa que a continha, ruiu. Durante a ditadura militar, ela ain-
adotada pela Zona Sul e tinha difi- da tinha um peso desproporcional
culdades para atuar dentro do Com- É curioso quem diz que a política
na “intermediação sem mediações”,
plexo da Maré, de onde veio. “ganha-ganha” dos anos Lula não como diz Chico de Oliveira, pois a
pode ser reproduzida, enquanto classe trabalhadora se viu sufocada
se enaltece a gestão petista por ter pelo regime. Com o lulismo e a as-
IHU On-Line – A partir de olhado para os mais pobres. O con- censão da classe trabalhadora orga-
2013, ocorreram novas formas flito generalizado atual não se resu- nizada a postos chave do Estado e
de organização e mobilização me a um metafísico embate entre dos fundos públicos, por um lado,
das pautas políticas? O que hou- classe média (sempre vista como e a racionalização do Estado pelas
ve nas periferias em termos de “os ricos”) e classes baixas. Seu con- práticas empresariais, por outro, sua
canalização do descontentamen- torno dramático é um conflito entre importância política relativa se re-
to político, social, econômico? pessoas reais intraclasse, isto é, um duz drasticamente.
precariado formado pelo lulismo ir-
Henrique Costa – Falando es- Para “criar pontes” com a juventu-
ritado por não alcançar o que lhe foi
pecificamente da periferia de São de, a esquerda tenta correr atrás do
prometido, depois de anos de estu-
Paulo, é o antipetismo que se es- tempo perdido recorrendo a certos
do e dívidas a perder de vista e que
palhou pelo precariado que dará a coletivos de cultura anabolizados
passa tempo demais trabalhando
tônica novamente, assim como foi durante o lulismo, não apenas por
na eleição municipal há dois anos. por quase nada, famílias remedia-
das que sentiram no bolso a inflação sua incapacidade de dialogar com a
Noto que em bairros como o Capão juventude, exposta dramaticamente
Redondo, onde estou pesquisando, de serviços (efeito colateral de uma
bem-vinda melhora na remuneração em Junho, mas por sua pouca dis-
a apatia e indiferença com relação posição para tentar e descobrir que
24 ao processo eleitoral é um processo de manicures, garçons, domésticas
certas mudanças dependem de algu-
sem volta diante das opções à es- etc. cujo aumento nos rendimentos
mas cabeças rolarem. Abrir mão de
querda, com um certo resquício de acabaram repassados para os preços
princípios e práticas que desde sem-
apoio a Lula. desses serviços), universitários que
pre foram essência do movimento
tiveram acesso às melhores universi-
De todo modo, há clivagens impor- socialista torna-se então uma ques-
dades por conta das políticas de co-
tantes na periferia que não podem tão de sobrevivência. O que mais os
tas e aqueles que se mantiveram no
ser desconsideradas. A melhora nas preocupa não é a alienação da classe
mundo do crime porque o dinheiro
condições de vida na região duran- trabalhadora de seus instrumentos
que correu na periferia aqueceu in-
te a década lulista atingiram de ma- de representação, nem a ascensão
clusive esse mercado.
neira desigual famílias muito pró- da extrema direita: a luta desespe-
ximas geograficamente. É possível Por diversos motivos, que inclui a rada pela autopreservação serve, ao
encontrar desde um núcleo familiar inanição do trabalho de base, mas fim e ao cabo, para que tudo volte ao
em que os filhos tiveram melhores principalmente a dinâmica de com- que era, movimentos previsíveis e
oportunidades escolares, se apro- petição de um mercado de trabalho controlados pelas burocracias, como
veitaram das políticas públicas do cada vez mais dessolidarizado, es- nos acostumamos a ver durante o lu-
lulismo e conseguiram alguma es- ses indivíduos se veem em guerra lismo e antes de Junho.
tabilidade até regiões muito pobres
em que a viração nunca deixou de na École des Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS.

ser a regra, tudo isso a poucos quar-


Graduado em Medicina Veterinária pela Universidade de
São Paulo – USP. Professor do Departamento de Socio-
IHU On-Line – Os movimen-
teirões de distância e igualmente logia da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, tos de ocupação urbana – se-
coordenador de Pesquisa do Centro de Estudos da Me-
vulneráveis ao crime e à violência trópole – CEM e pesquisador do Núcleo de Etnografias cundaristas/universitárias e
policial. Como diz Feltran14, durante
Urbanas do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
– CEBRAP. Foi professor visitante no CIESAS Golfo (México,
de moradia – são tributários
2015) e na Humboldt University (Berlim, 2017). Pesquisa de Junho de 2013? Por quê? De
as dinâmicas sociais, políticas e de mercado nas periferias
13 Marielle Franco [Marielle Francisco da Silva] (1979- urbanas, a partir da perspectiva de grupos marginaliza- que forma?
2018): socióloga, feminista, militante dos direitos huma- dos e do “mundo do crime” em São Paulo. Coordena-
nos e política nascida no Rio de Janeiro. Filiada ao Partido dor do NaMargem – Núcleo de Pesquisas Urbanas, que Henrique Costa – Certamente
Socialismo e Liberdade (PSOL), elegeu-se vereadora do integra os projetos “As margens da cidade” (CEPID/CEM
Rio de Janeiro na eleição municipal de 2016, com a quinta – FAPESP), “A gestão do conflito na produção da cidade o movimento dos secundaristas fez
maior votação. Crítica da intervenção federal no Rio de contemporânea” (Temático FAPESP/USP) e “State Para- parte do legado de Junho de 2013.
Janeiro e da Polícia Militar, denunciava constantemente doxes” (CEM-Humboldt Universtity). Autor de Fronteiras
abusos de autoridade por parte de policiais contra mora- de Tensão: política e violência nas periferias de São Paulo Se há algo positivo que permaneceu
dores de comunidades carentes. Em 14 de março de 2018, (UNESP/CEM, 2011). Concedeu várias entrevistas para IHU
foi assassinada a tiros. (Nota da IHU On-Line) On-Line, entre elas, Periferia de São Paulo. “Polícia, crime, daquele mês é a desmistificação do
14 Gabriel Feltran: etnógrafo urbano. Doutor em Ciên-
cias Sociais e mestre em Ciência Política pela Universidade
igreja e trabalho são esferas de vida que se interpenetram’,
publicada nas Notícias do Dia de 05-07-2016, disponível
método tradicional de mobilização
Estadual de Campinas – Unicamp, com estágio doutoral em http://bit.ly/2smKfGS. (Nota da IHU On-Line) através de partidos e sindicatos e a

18 DE JUNHO | 2018
REVISTA IHU ON-LINE

revelação de que sim, é possível fazer autônomos, que são 70% da catego- aos golpes de 193719 e 196420, à pro-
movimento social auto-organizado e ria, têm uma renda mensal de qua- clamação da República etc.
que não dependa da aprovação de tro salários mínimos em média, sem
Aponto dois erros aqui: primeiro,
instâncias hierarquizadas. Foi com aposentadoria, seguro saúde, FGTS,
acreditar que um ciclo econômico
essa porta aberta e com o espírito 13º salário ou férias. Os demais es-
virtuoso como a década lulista po-
visionário daqueles que sofrem na tão sendo progressivamente pejoti-
deria ter represado definitivamente
carne a perspectiva de se tornarem zados. Para o bem ou para o mal, a
as enormes contradições de uma
o precariado de amanhã que esses possibilidade de que uma categoria
sociedade fraturada na origem, algo
jovens não tiveram paciência para extremamente precarizada possa
que nossos clássicos sempre aler-
acumular forças para um futuro que expressar seu descontentamento
taram. Segundo, o assombro com
já os oprime agora. sem a necessidade da mediação de
o aparecimento de uma extrema
políticos e organizações que se es-
Mas antes de 2013, houve o Pi- direita com adesão popular reve-
pecializaram nos últimos anos em
nheirinho15, por exemplo. Ali já la, como diria Walter Benjamin21,
gerir os conflitos, pela negociação
estava claro o papel desempenha- a insuficiência da própria esquer-
ou pela capitulação, é uma inovação
do pela esquerda tradicional que da, que ainda hoje entende que seu
sem precedentes.
chegou ao poder. Essas rebeliões motor é o progresso, enquanto para
que surgiram por dentro do mode- A greve dos caminhoneiros teve um os oprimidos o estado de exceção
lo gestionário de seguridade social elemento de auto-organização muito desse progresso é a regra geral. Se
do PT já informavam que ele tinha presente, facilitado pelas redes so- a esquerda não consegue capturar a
falhas e que, como em uma panela ciais, e também contou com a insa- “pulsão” que vem da massa precá-
de pressão, poderia implodir com tisfação generalizada com o governo ria, é porque está afogada em sua
um golpe brusco. Temer17, com os políticos de modo própria inadequação à realidade
geral e com os rumos da economia, dos oprimidos. ■
cuja retomada é a mais lenta da his-
IHU On-Line – Que balanço você tória. Em 2015 já havia acontecido
faz da greve dos caminhoneiros? uma greve semelhante, então não foi
Ela teve apoio na periferia paulis- uma surpresa tão grande. De modo de 1930”, que depôs o presidente da república, Washing-
ta? É possível estabelecer algum ton Luís, em 24 de outubro, e impediu a posse do presi- 25
que se trata de uma massa insatisfei- dente eleito, Júlio Prestes, e pôs fim à Primeira República.
tipo de relação entre essa greve ta, disponível para o confronto e sem (Nota da IHU On-Line)
19 Estado Novo: Período autoritário da história do Brasil,
recente e Junho de 2013? amarras, defendendo, em sua maio- que durou de 1937 a 1945. Foi instaurado por um golpe
de Estado que garantiu a continuidade de Getúlio Vargas
Henrique Costa – Há relação, ria, melhores condições de trabalho. à frente do governo central, tendo a apoiá-lo importantes
lideranças políticas e militares. (Nota da IHU On-Line)
pois o maior legado de Junho de Evidentemente, o fato de que parte 20 Golpe de 1964: movimento deflagrado em 1º de abril
de 1964. Os militares brasileiros, apoiados pela pressão in-
2013 foi ter desmistificado a rua e do movimento tenha inclinações au- ternacional anticomunista liderada e financiada pelos Esta-
desautorizado as organizações tra- toritárias e defenda absurdos como a dos Unidos, desencadearam a Operação Brother Sam, que
garantiu a execução do golpe, que destituiu do poder o
dicionais. Segundo Ruy Braga16, os “intervenção militar” não é desprezí- presidente João Goulart, o Jango. Em seu lugar, os milita-
res assumiram o poder e se mantiveram governando o país
vel, mas é necessário um esforço de entre os anos de 1964 e 1985. Sobre a ditadura de 1964 e o
15 Desocupação do Pinheirinho: foi uma operação de rein- compreensão. Assim como aconte- regime militar, o IHU publicou o 4º número dos Cadernos
tegração de posse realizada em janeiro de 2012 na comuni- IHU em formação, intitulado Ditadura 1964. A memória
dade do Pinheirinho, ocupação irregular localizada no muni- ceu em Junho, um desejo de rompi- do regime militar, disponível em https://goo.gl/a4e8VX.
cípio de São José dos Campos (SP). O número de habitantes Confira, também, as edições nº 96 da IHU On-Line, intitu-
era estimado entre 6 mil e 9 mil moradores (no começo de mento pela força com as instituições lada O regime militar: a economia, a igreja, a imprensa e o
2010, esse número era de 5.534), que ocupavam a área aban-
donada desde 2004. O bairro, cuja área era de 1,3 milhão de
democráticas, vistas como ineren- imaginário, de 12 de abril de 2004, disponível em https://
goo.gl/a2yUBr; nº 95, de 5 de abril de 2005, 1964 – 2004:
metros quadrados, contava com associações de moradores, temente corruptas, está presente na hora de passar o Brasil a limpo. 1964, disponível em https://
sete igrejas, sendo seis evangélicas e uma católica, chamada goo.gl/cU7FEV; nº 437, de 13 de março de 2014, Um golpe
Madre Teresa de Calcutá, estabelecimentos comerciais, espa- sociedade. É possível remontar esse civil-militar. Impactos, (des)caminhos, processos, disponível
ços de lazer e uma grande praça chamada Zumbi dos Palma- sentimento à Revolução de 193018, em https://goo.gl/gXbCaL; e nº 439, de 31 de março de
res. O terreno supostamente pertence a uma massa falida da 2014, Brasil, a construção interrompida – Impactos e con-
Selecta SA, que tem como proprietário Naji Nahas. Iniciada sequências do golpe de 1964, disponível em https://goo.gl/
no dia 22 de janeiro de 2012, a desocupação contou com wENVN6. (Nota da IHU On-Line)
conflitos entre moradores e autoridades, além de denúncias Nacional de Cuyo (Mendoza, Argentina), Universidade de 21 Walter Benjamin (1892-1940): filósofo alemão. Foi
que tiveram repercussão nacional e internacional. A decisão Coimbra e Universidade da Califórnia em Berkeley. Além refugiado judeu e, diante da perspectiva de ser captura-
de reintegração de posse foi tomada em meio a um imbró- disso, proferiu palestras e mini-cursos na Universidade de do pelos nazistas, preferiu o suicídio. Associado à Escola
glio jurídico, tendo a Justiça Federal suspenso a ação no dia Roma 1 “La Sapienza”, na Universidade Nova de Lisboa, no de Frankfurt e à Teoria Crítica, foi fortemente inspirado
20 e a Justiça Estadual ignorado tal suspensão. A legitimi- ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa), na Universidade tanto por autores marxistas, como Bertolt Brecht, como
dade e a validade jurídica da determinação estadual foram Católica de Louvain (UCL) e na Universidade de Witwaters- pelo místico judaico Gershom Scholem. Conhecedor
questionadas pela OAB, pela Procuradoria Federal dos Di- rand. Coordena o Centro de Estudos dos Direitos da Cida- profundo da língua e cultura francesas, traduziu para o
reitos do Cidadão e pelo Conselho Federal de Psicologia. No dania (Cenedic) na USP. Autor de A política do precariado alemão importantes obras como Quadros parisienses, de
entanto, o STJ validou a desocupação através de uma liminar (São Paulo: Boitempo, 2012) e de A rebeldia do precariado Charles Baudelaire, e Em busca do tempo perdido, de Mar-
emergencial que só foi anunciada horas após o começo da (São Paulo: Boitempo, 2017). (Nota da IHU On-Line) cel Proust. O seu trabalho, combinando ideias aparente-
operação. Mais tarde, foi requisitado que o STF julgasse a 17 Michel Temer [Michel Miguel Elias Temer Lulia] (1940): mente antagônicas do idealismo alemão, do materialismo
competência da Justiça Federal no caso, mas o presidente político e advogado nascido em Tietê (SP), ex-presidente dialético e do misticismo judaico, constitui um contributo
do tribunal, Cezar Peluso, negou-se a acatar esse pedido por do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB. original para a teoria estética. Entre as suas obras mais
motivos técnicos. (Nota da IHU On-Line) É o atual presidente do Brasil, após a deposição por im- conhecidas, estão A obra de arte na era da sua reprodu-
16 Ruy Braga [Ruy Gomes Braga Neto]: graduado em peachment da presidenta Dilma Rousseff naquilo que tibilidade técnica (1936), Teses sobre o conceito de história
Ciências Sociais, mestre em Sociologia e doutor em Ci- inúmeros setores nacionais e internacionais denunciam (1940) e a monumental e inacabada Paris, capital do século
ências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas como golpe parlamentar. Foi deputado federal por seis XIX, enquanto A tarefa do tradutor constitui referência in-
– Unicamp. É livre-docente da Universidade de São Pau- legislaturas e presidente da Câmara dos Deputados por contornável dos estudos literários. Sobre Benjamin, con-
lo – USP. Também realizou pesquisas de pós-doutorado duas vezes. (Nota da IHU On-Line) fira a entrevista Walter Benjamin e o império do instante,
na Universidade da Califórnia em Berkeley. Atuou como 18 Revolução de 1930: movimento armado, liderado pe- concedida pelo filósofo espanhol José Antonio Zamora
professor visitante nas seguintes universidades: École des los estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, à IHU On-Line nº 313, disponível em http://bit.ly/zamo-
Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Universidade que culminou com um golpe de Estado, chamado “Golpe ra313. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

O horizonte dos desafios contemporâneos


foi traçado no mapa de Junho de 2013
Bruno Cava analisa a dificuldade da esquerda em lidar com
as jornadas das ruas e com a nova realidade da multidão
Ricardo Machado

S
e, de um lado, Junho de 2013 é o Se Junho de 2013 deixou de existir con-
mês que não terminou, de outro cretamente devido às forças de restau-
é o mês que continua não sendo. ração, sua força vital tem a forma de um
Essa ambivalência não explica Junho espectro a assombrar a institucionalidade
de 2013, mas o situa em um contexto de nossa política em ruínas. “A gênese dos
de profunda repressão que levou à res- desafios de hoje só é inteligível no mapa
tituição das forças contra as quais ele que Junho traçou, bagunçando no pro-
lutava. “A restauração foi bem sucedi- cesso as categorias e binarismos prévios.
da em destruir Junho, de maneira que Junho foi kairós e potência e a esquer-
o levante não teve uma consequência da não soube se relacionar bem com ele.
direta. Com isso, o levante foi estran- Resta saber se foi um problema acidental,
gulado várias vezes, por meio de uma devido a uma contingência histórica, ou se
orquestração de técnicas: repressão e estruturalmente a esquerda não tem mais
26 cooptação, chantagem e concessão”, poder transformador, perdendo a sua pró-
analisa Bruno Cava em entrevista por pria razão de ser”, provoca.
e-mail à IHU On-Line. Bruno Cava é pesquisador
No arco do tempo, as Jornadas de associado à rede Universidade
Junho encontram a greve dos cami- Nômade (uninomade.net). Professor
nhoneiros. “Junho de 2013 e Maio de Filosofia, oferece cursos livres
de 2018 formam duas metades que em instituições culturais no Rio de
se complementam. Junho foi a greve Janeiro (Cinemateca do MAM, Casa
da metrópole que parou as principais de Rui Barbosa, Museu da República).
vias internas das grandes cidades, en- É graduado em Engenharia pelo
quanto Maio foi a greve da logística Instituto Tecnológico de Aeronáutica
que interrompeu as vias externas, as - ITA e em Direito pela Universidade
rodovias. Somadas, as duas colocam do Estado do Rio de Janeiro -
em questão a integralidade das cadeias UERJ, pela qual também é mestre
bioprodutivas que nos constituem, em em Filosofia do Direito. Autor de
seu duplo aspecto: na face dura dos vários livros, em 2018 publicou
corpos que precisam se locomover, se New Neoliberalism and the Other.
alimentar e sobreviver, e na face virtu- Biopower, antropophagy and living
al dos corpos que trafegam pelas vias money (Lanham: Lexington Books,
informacionais e se relacionam no re- 2018), com Giuseppe Cocco.
gime dos signos”, pondera. Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que foi o acon- meiros atos pela redução do preço (#NãoVaiTerCopa). Seus anteceden-
tecimento de Junho de 2013? da passagem, no começo de junho de tes imediatos foram o ciclo de ocupas
Bruno Cava – Junho foi o levante 2013, até a greve dos garis em feve- que se alastrou pelas cidades brasi-
da multidão que, no Brasil, disten- reiro de 2014 e os protestos contra leiras a partir de outubro de 2011,
deu-se no longo arco entre os pri- a organização da Copa do Mundo a primavera gaúcha de 2013 e uma

18 DE JUNHO | 2018
REVISTA IHU ON-LINE

“As esquerdas têm muita dificuldade


em lidar com a nova realidade da
multidão, tendendo a reduzi-la a
massas desorganizadas, histéricas
e a um passo do fascismo”

série de cenas de dissenso em várias g)3, se repetiram no Brasil e no mun- aos protestos de Gezi Park. O pon-
cidades, como Goiânia, Vitória ou do: protocolos de autoconvocação, to do golpe Termidor se deu com o
Santa Maria. O substrato do levante uso essencial das redes sociais aliado segundo turno eleitoral de 2014,
junhista foi, de um lado, a torrente à ocupação dos espaços urbanos, au- quando uma operação ortopédica
de indignações devido à saturação sência de unificação de liderança ou enquadrou as indignações numa po-
das condições de vida urbana, es- ideologia, rechaço da aparelhamen- larização artificial entre candidatos,
pecialmente quanto aos gargalos de tos partidários ou sindicais, presen- ao custo colateral de muitos bilhões
mobilidade, moradia, renda e polui- ça de símbolos nacionais. desviados dos fundos públicos para
ção. O acontecimento foi destituinte as respectivas campanhas. Esse foi
para os governos em todos os níveis o momento de aniquilação subjetiva
IHU On-Line – Como passa- de Junho, tendo disseminado uma
e o próprio modelo representativo ao mos de uma multiplicidade
explicitar, em sua estética de ações onda de rachas, autofagias, guerras
de pautas políticas das mani- culturais e sarampões identitários.
diretas, enxame e ativismo autoral, a festações de Junho de 2013 A instauração de um clima político 27
enorme defasagem entre o horizon- (transporte, educação, mora- de pânico moral também contribuiu
te de expectativas propagandeado dia, meio ambiente) para uma para dissolver as novas composições
pelos megaeventos e seus discursos radical polarização (petralhas surgidas em Junho. É a tática do “di-
ufanistas de Brasil Maior, e a experi- versus coxinhas)? Que implica- vidir para conquistar”: fragmenta-se
ência real das pessoas. ções políticas esse tipo de sub- a multidão em segmentos insulados
Nesse sentido, Junho de 2013 foi jetividade produz? e, a seguir, se prega a sua unidade a
a primeira greve metropolitana do Bruno Cava – Junho não continua título de disputa hegemônica contra
país, se considerarmos o conceito sendo. A restauração foi bem sucedi- o Mal da semana (o candidato X, o
de “metrópole” em seu aspecto deli- da em destruir Junho, de maneira fascismo, a direita, o imperialismo).
rante e congestivo, como na obra de que o levante não teve uma consequ- Então Junho não existe mais, tendo
Rem Koolhaas1. Por outro lado, Ju- ência direta. Como nas jornadas de sido absorvido pelo inferno das con-
nho de 2013 foi a emergência de uma junho de 1848, a partir do segundo junturas pós-2014, cuja subjetivi-
nova organização de corpos e uma semestre de 2013 se organizou infor- dade repleta de cargas paranoicas e
expressão de conteúdos que inscre- malmente um Partido da Ordem que neuróticas passou a ser guiada pelo
veu definitivamente as lutas no país reuniu a quase totalidade das insti- medo, o espírito gregário, uma mo-
no ciclo global das primaveras ára- tuições e forças político-partidárias ral de pertencimento e patota.
bes (2010-16). Várias práticas desse brasileiras. Com isso, o levante foi
ciclo, como pesquisado por Paolo estrangulado várias vezes, por meio
de uma orquestração de técnicas: IHU On-Line – Passados cin-
Gerbaudo2 (The Mask and the Fla- co anos, em que as Jornadas
repressão e cooptação, chantagem e
concessão. O roteiro foi semelhante de Junho de 2013 mantiveram
1 Remment Lucas ou Rem Koolhaas (1944): é um arquiteto,
urbanista e teórico da arquitetura neerlandês. É professor noutros países, como na Turquia do seu devir criativo e em que fo-
de arquitetura e desenho urbano na Universidade Har-
vard. (Nota da IHU On-Line) governo Erdogan4, como resposta ram domesticadas pela política
2 Paolo Gerbaudo: professor de Cultura e Sociedade Di- e pela mídia?
gital, o Departamento de Ciências Humanas Digitais no
King’s College London. Anteriormente, era docente as- 3 Oxford University Press, 2017. (Nota da IHU On-Line)
sociado em jornalismo e comunicação, no departamento 4 Recep Tayyip Erdoğan (1954): político turco, presidente da Bruno Cava – As várias causas
de mídia da Universidade Middlesex e professor adjunto
de sociologia na Universidade Americana do Cairo (AUC).
Turquia desde 28 de agosto de 2014, e anteriormente, entre
14 de março de 2003 e 28 de agosto de 2014, primeiro-
históricas não são suficientes, con-
Além de seu trabalho acadêmico, Paolo também atuou ministro de seu país. É também o líder do Partido da Justiça tudo, para esgotar o seu sentido. Ju-
como jornalista em áreas que abrangem movimentos so- e Desenvolvimento, em turco Adalet ve Kalkınma Partisi,
ciais, assuntos políticos e questões ambientais, e como um normalmente referido como AK Parti, que tem a maioria nho produziu um efeito que excede
novo artista de mídia que exibe festivais e shows de arte.
Ele possui um doutorado em mídia e comunicação da Gol-
dos assentos na Grande Assembleia Nacional da Turquia.
Teve diversos cargos públicos, entre eles o de prefeito de Is-
as próprias causas, uma espécie de
dsmiths College. (Nota da IHU On-Line) tambul, que ocupou de 1994 a 1998. (Nota da IHU On-Line) suplemento móvel que se destacou

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

da trama de causalidades e que pas- IHU On-Line – De que manei- IHU On-Line – Como a es-
sa a assombrar as conjunturas. Por ra a greve dos caminhoneiros querda institucional tem com-
isso que, embora não se possa dizer atualiza Junho de 2013 e que preendido fenômenos políticos
que o biênio de ocupas nas escolas rupturas ela produz (o pedido que escapam aos modelos tra-
brasileiras, o movimento anticor- de intervenção militar)? dicionais de política?
rupção de 2015-2016 ou mesmo a
Bruno Cava – Junho de 2013 e Bruno Cava – Junho foi kairós8
greve dos caminhoneiros de 2018 te-
Maio de 2018 formam duas metades e potência e a esquerda não soube
nham sido causados por Junho, fo-
que se complementam. Junho foi se relacionar bem com ele. Resta
ram lutas de toda maneira afetadas
a greve da metrópole que parou as saber se foi um problema acidental,
por ele. O próprio impeachment de
principais vias internas das grandes devido a uma contingência históri-
Dilma não se explica sem os protes-
cidades, enquanto Maio foi a gre- ca, ou se estruturalmente a esquer-
tos de Junho, ainda que, contraria-
ve da logística que interrompeu as da não tem mais poder transforma-
mente ao que alguns anti-junhistas
vias externas, as rodovias. Somadas, dor, perdendo a sua própria razão
defendem, não tenha sido causado
as duas colocam em questão a inte- de ser, senão como outro enunciado
pelas jornadas.
gralidade das cadeias bioprodutivas pacificado na paisagem. As únicas
No ensaio “O 18 de brumário brasi- que nos constituem, em seu duplo forças vermelhas que se amalga-
leiro”5, escrevi como o êxito total da aspecto: na face dura dos corpos que maram às jornadas de junho para
Restauração em acabar com Junho precisam se locomover, se alimentar viver um mundo desconhecido fo-
o fez continuar subsistindo como um e sobreviver, e na face virtual dos ram setores jovens ou militantes
espectro, que continuou nos afetando corpos que trafegam pelas vias infor- da oposição de esquerda. Porém,
na forma de sua ausência empírica. O macionais e se relacionam no regime nos anos seguintes, com as guerras
impeachment foi um trabalho dessa dos signos. culturais e a queda de Dilma9, o re-
força, assim como a tomada do poder puxo terminou por arremessar boa
Tanto 2013 quanto 2018 rapida-
pelo empolado sobrinho de Napoleão, parte dessas forças, como num es-
mente contagiaram para além daque-
na França de 1851. Para parafrasear tilingue gravitacional, de volta para
les diretamente envolvidos nos atos,
o que Pablo Ortellado6 escreveu, a o planeta do PT. E o PT preferiu
numa velocíssima imitatio afecti,
28 gênese dos desafios de hoje só é in- sempre que pôde ficar do lado do
como diria Spinoza7. Assim como Ju-
teligível no mapa que Junho traçou, poder e não da potência, seja para
nho, o Maio caminhoneiro pode vir
bagunçando no processo as categorias salvaguardá-lo a todo custo, até
a deixar de existir, ser destruído, ter
e binarismos prévios. Tentando então 2016, seja para nutrir a obsessão
suas lideranças neutralizadas e suas
alguma precisão conceitual, Junho é de voltar a ele, de 2017 em diante...
demandas neutralizadas/absorvidas,
quase-causa de acontecimentos poste- como se nada tivesse dado errado.
mas seguirá nos afetando, existin-
riores, um afeto e não um fator causa- As esquerdas têm muita dificulda-
do como fantasma inconjuntural.
dor, a “vertigem de Junho” (Alexandre de em lidar com a nova realidade
Ainda é cedo para analisar o slogan
Mendes e Clarissa Naback). da multidão, tendendo a reduzi-la a
da intervenção militar e, ao mesmo
massas desorganizadas, histéricas e
tempo, tarde demais. Outro timing
a um passo do fascismo. ■
“Junho foi provavelmente foi desperdiçado por
nossa percepção falha ou quem sabe
kairós e certa demais. Para não arriscar errar
muito, colocaria que exprime mais
potência e
8 Kairós (em grego καιρός): é uma palavra da língua gre-
uma vez a recusa destituinte dos go- ga antiga que significa “o momento oportuno”, “certo” ou
“supremo”. Na mitologia, Kairós é filho de Chronos (Deus
vernos e do modelo da representa-
a esquerda
do tempo e das estações). Os gregos antigos possuíam
ção e, paralelamente, é um grito de duas palavras para a moderna noção de “tempo”: chro-
nos e kairós. Enquanto a primeira era usada no contex-
indignação que anseia por um con- to de tempo cronológico, sequencial e linear, ao tempo

não soube duto direto, não mediado. Claro que


esse foi só um slogan entre milhares
existencial os gregos denominavam Kairós e acreditavam
nele para enfrentar o cruel e tirano Chronos. Enquanto o
primeiro é de natureza quantitativa, Kairós possui natureza

se relacionar de outros veiculados pelo movimen-


to que os caminhoneiros produziram
qualitatitva. Em grego antigo e moderno, kairós (em grego
moderno pronuncia-se kerós) também significa “tempo
climático”, como a palavra weather em inglês. (Nota da

bem com ele” em torno de si, segundo uma intuição


IHU On-Line)
9 Dilma Rousseff (1947): economista e política brasileira,
filiada ao Partido dos Trabalhadores – PT, eleita duas vezes
vital plena que ainda tem muitas re- presidente do Brasil. Seu primeiro mandato iniciou-se em
percussões a gerar. 2011 e o segundo foi interrompido em 31 de agosto de
2016. Em 12 de maio de 2016, foi afastada de seu cargo
5 O artigo em questão foi publicado nas Notícias do Dia, durante o processo de impeachment movido contra ela.
do sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível No dia 31 de agosto, o Senado Federal, por 61 votos fa-
no link: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/574415-o- voráveis ao impeachment contra 20, afastou Dilma defini-
18-de-brumario-brasileiro. (Nota da IHU On-Line) 7 Baruch Spinoza (ou Espinosa, 1632–1677): filósofo ho- tivamente do cargo. O episódio foi amplamente debatido
6 Pablo Ortellado: filósofo, com doutorado em Filosofia landês. Sua filosofia é considerada uma resposta ao dua- nas Notícias do Dia no sítio do IHU, como, por exemplo, a
pela Universidade de São Paulo - USP. É professor do curso lismo da filosofia de Descartes. Foi considerado um dos Entrevista do Dia com Rudá Ricci intitulada Os pacotes do
Gestão de Políticas Públicas e orientador no programa de grandes racionalistas do século 17 dentro da Filosofia Mo- Temer alimentarão a esquerda brasileira e ela voltará ao
pós-graduação em Estudos Culturais da mesma universi- derna e o fundador do criticismo bíblico moderno. Con- poder, disponível em http://bit.ly/2bLPiHK. Durante o go-
dade. É coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas fira a edição 397 da IHU On-Line, de 6-8-2012, intitulada verno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu a
Públicas para o Acesso à Informação - Gpopai. (Nota da Baruch Spinoza. Um convite à alegria do pensamento, dis- chefia do Ministério de Minas e Energia e posteriormente
IHU On-Line) ponível em https://goo.gl/GEGuI5. (Nota da IHU On-Line) da Casa Civil. (Nota da IHU On-Line)

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Leia mais
- O 18 de brumário brasileiro. Artigo de Bruno Cava publicado nas Notícias do Dia, de 8-12-
2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2LKMsow;
- Populismo pós-estrutural de Laclau e Multidão de Negri-Hardt: caminhos para com-
preender o nosso tempo. Entrevista especial com Bruno Cava publicada nas Notícias do
Dia, de 14-8-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.
ly/2HKKYYO;
- A esquerda precisa de um “impulso de despressurização”. Entrevista especial com Bru-
no Cava publicada nas Notícias do Dia, de 29-11-2016, no sítio do Instituto Humanitas Uni-
sinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2MlsMZk;
- Qual será o novo ciclo político na América do Sul? O momento é de desconcertos e
reorganizações. Entrevista especial com Bruno Cava publicada nas Notícias do Dia, de
13-1-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2LLf5lf;
- Eleições municipais espanholas e a relação de novas forças partidárias. Entrevista
especial com Bruno Cava publicada nas Notícias do Dia, de 29-5-2015, no sítio do Instituto
Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2t5pi4u;
- A esquerda desconectada e o impasse das novas manifestações. Entrevista especial
com Bruno Cava publicada nas Notícias do Dia, de 16-4-2015, no sítio do Instituto Humani-
tas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2sU1vVI.

29

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

O interminável Junho de 2013


Moysés Pinto Neto analisa os desdobramentos de Junho
de 2013 e as transformações que vêm ocorrendo nas
disputas políticas em torno do acontecimento
Ricardo Machado

J
unho de 2013 é um ano em aber- algo bem distinto de 2013. Por um lado,
to. As disputas narrativas e políti- carregou um sentido de indignação ci-
cas ainda são muitas, mas pode- dadanista capaz de evocar a solidarie-
ríamos, com o propósito de entender dade social. Esse lastro cidadanista foi
o debate — não o de reduzir sua com- amplamente vitorioso em 2013, quan-
plexidade —, trabalhar em duas ten- do os manifestantes convenceram a
dências interpretativas, como sustenta população de que a luta pelo transpor-
Moysés Pinto Neto, em entrevista por te era uma luta material, vital e justa”,
e-mail à IHU On-Line. “Há dois gran- frisa. “Por outro lado, também a luta
des grupos na esquerda sobre isso. Para dos caminhoneiros acabou engatada
o primeiro, Junho foi o ‘embrião do gol- a um ecossistema de ideias de extrema
pe’, espécie de ovo da serpente que per- direita, o que prejudicou o prolonga-
mitiu a liberação das forças fascistas e mento da luta e o entusiasmo popular.
30 conservadoras da sociedade brasileira, Embora a maioria das pessoas tenha se
desestabilizando um governo que vinha solidarizado com os motoristas, apenas
produzindo grandes resultados na área uma pequena parte estava sintonizada
social. Já o segundo grupo vê de forma com o desejo de golpe (e não interven-
totalmente oposta o processo. Junho ção) militar”, complementa.
teria sido uma explosão cívica inigualá- Moysés Pinto Neto é graduado em
vel, um verdadeiro acontecimento que Ciências Jurídicas pela Universidade
colocou o povo brasileiro como prota- Federal do Rio Grande do Sul - UFR-
gonista da sua própria história. Esse GS, mestre em Ciências Criminais pela
grupo, em geral, nega métricas estritas Pontifícia Universidade Católica do Rio
para medir o impacto de 2013. Ain- Grande do Sul - PUCRS e doutor em Fi-
da estaríamos vivendo esses efeitos. É losofia nessa mesma instituição. Lecio-
bom lembrar que 2013 não acabou em na no Programa de Pós-Graduação em
2013, como costuma dizer a esquerda Educação – ULBRA e no curso de Direi-
mais ligada ao PT refratária aos protes- to da Universidade Luterana do Brasil
tos”, analisa o entrevistado. - Ulbra Canoas. É autor, entre outros,
Segundo Moysés Pinto Neto, Junho do artigo Identidade de Esquerda ou
de 2013 teve uma força ainda maior de Pragmatismo Radical?, publicado na
parar o país que a recente greve dos ca- edição nº 259 dos Cadernos IHU ideias,
minhoneiros. “Junho conseguiu produ- e do artigo Esquecer o neoliberalismo:
zir um entusiasmo inédito, uma espécie aceleracionismo como terceiro espírito
de pulsão de vida que chamava ao enga- do capitalismo, publicado na edição nº
jamento. A Greve dos Caminhoneiros, 245 dos Cadernos IHU ideias
nesse sentido, tem algo em comum e Confira a entrevista.

IHU On-Line – Passados cinco Moysés Pinto Neto – A leitura cimentos estavam errados. Existe
anos, que leitura somos capazes de que, em primeiro lugar, todos os o Brasil antes e depois de 2013. Se
de fazer sobre Junho de 2013? que tentaram minimizar os aconte- isso é bom ou ruim, é questão de

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“Ao contrário da esquerda, a extrema


direita tem sido muito competente
no tópico de mobilizar e organizar
afetos, mesmo que sejam, na maioria
dos casos, basicamente suicidas”

avaliação. Mas a destituição da legi- PDT (Ciro Gomes2), Rede (Marina como mandatos coletivos, ocupação
timidade do poder que caracterizou Silva3) e até PSDB (Geraldo Alck- institucional, coletivos horizontais e
os acontecimentos é irreversível. O min4). O surgimento de novos atores liderança distribuída.
grande pacto que orientou a polí- envolve grupos da nova esquerda
Além deles, todo um ecossistema
tica brasileira de 1988 a 2013 desa- que combinam pautas como femi-
liberal inspirado na crítica ao inter-
bou e a polarização-com-peemede- nismo, antirracismo, direitos LGBT-
vencionismo na economia brasileira,
bismo tucanos versus petistas hoje TQ, urbanismo crítico e estratégias
alguns grupos mais centristas que
está dilacerada. Nesse processo, a de redução da desigualdade com
tentam combinar o “capitalismo ver-
sociedade brasileira se hiperpolitizou, novas modalidades de organização
de” com a “economia criativa” (algo
ainda que isso não tenha vindo – como
próximo do que Nancy Fraser5 cha-
era previsível e até inevitável – com a forme medido pelo Datafolha. Programas sociais como o
Bolsa Família e Fome Zero são marcas de seu governo, ma de “neoliberalismo progressis-
devida atenção à complexidade dos programa este que teve seu reconhecimento por parte
da Organização das Nações Unidas como um país que ta”) e, para a lástima geral, grupos
problemas e a organização suficiente saiu do mapa da fome. Lula teve um papel de destaque protofascistas e ultraconservadores 31
para produzir transformações consis- na evolução recente das relações internacionais, incluin-
do o programa nuclear do Irã e do aquecimento global. que também conseguiram abrigo nas
tentes. Fica a sensação de desconforto, É investigado na operação Lava Jato e foi denunciado em
setembro de 2016 pelo Ministério Público Federal (MPF), redes e tendem a ocupar lugar no ce-
a indignação difusa, a revolta. apontado como recebedor de vantagens pagas pela em- nário futuro.
preiteira OAS em um tríplex do Guarujá. No dia 12 de ju-
Além disso, há uma reorganização lho de 2017, Lula foi condenado pelo juiz federal Sérgio
Moro, em primeira instância, a nove anos e seis meses de Por fim, há os candidatos ao Exe-
geral das forças políticas derivadas prisão em regime fechado por crimes de corrupção pas- cutivo que claramente se posicionam
dessa politização, o surgimento de siva e lavagem de dinheiro. No dia 24 de janeiro de 2018,
por unanimidade, os três desembargadores da 8ª Turma como mediadores para um futuro
novos atores e a candidatura à me- do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmaram
a condenação de Lula, elevando a pena para 12 anos e que não lhes pertence mais. Mesmo
diação. A reorganização partidária um mês de prisão. No dia 7 de abril de 2018 Lula, após Lula parece ser visto pela parte me-
ainda depende do cenário eleitoral e mandado de prisão expedido pelo judiciário, entregou-se
à Polícia Federal, onde se mantém sob custódia na Supe- nos idolátrica do petismo como uma
da superação das tentativas de neu- rintendência do órgão em Curitiba. (Nota da IHU On-Line)
2 Ciro Gomes (1957): político, advogado e professor uni-
transição garantida para um novo
tralização dessas forças pelas oligar- versitário nascido em Pindamonhangaba (SP). Filiado ao momento. Ciro, Marina, Amoêdo6 e
quias, mas tudo indica que as três Partido Democrático Trabalhista (PDT), do qual é vice-pre-
sidente. Ocupou altos cargos políticos no país. Foi depu- Bolsonaro7 também se colocam des-
principais forças da Nova República tado estadual por duas legislaturas no Ceará, prefeito de
– PT, PSDB e PMDB – irão sofrer Fortaleza, governador do Ceará e ministro da Fazenda do
Governo Itamar Franco, durante a implantação do Plano 5 Nancy Fraser (1947): filósofa feminista estadunidense
um grande baque eleitoral em outu- Real, e ministro da Integração Nacional durante o projeto ligada à Teoria Crítica. É titular da cátedra Henry A. and
de transposição do rio São Francisco no governo de Luiz Louise Loeb de Ciências Políticas e Sociais da New School
bro. Nisso, forças como PSOL, Rede, Inácio Lula da Silva. Seu último mandato político foi o de University, Estados Unidos. Para ela, o conceito de justiça
Novo, Livres, entre outros, tendem a deputado federal entre 2007 e 2010. Radicado em Sobral, deve ser entendido a partir de três dimensões inter-rela-
Ceará desde 1962, é formado em direito pela Universida- cionadas, que seriam a distribuição (de recursos produ-
ocupar mais espaço. Da mesma for- de Federal do Ceará. No setor privado, também ocupou tivos e de renda), o reconhecimento (das contribuições
os cargos de presidente da Transnordestina S/A e foi um variadas dos diversos grupos sociais) e a representação
ma, o PSB aparece como principal dos diretores da Companhia Siderúrgica Nacional. É pré- (na linguagem e nos demais meios simbólicos). (Nota da
candidato a ser o fiel da balança da candidato à presidência da República para 2018. (Nota da IHU On-Line)
IHU On-Line) 6 João Dionisio Filgueira Barreto Amoêdo (1962): é
governabilidade, não por acaso pro- 3 Marina Silva (1958): política brasileira, ambientalista e um ex-executivo, engenheiro, administrador de empre-
pedagoga. Foi senadora pelo estado do Acre durante 16 sas, ativista político e palestrante brasileiro. Foi um dos
curado para alianças por PT (Lula1), anos. Foi ministra do Meio Ambiente no Governo Lula do fundadores do Partido Novo, no qual foi o presidente até
seu início (1/1/2003) até 13 de maio de 2008. Foi candida- julho de 2017. Atualmente é pré-candidato à presidência
ta à presidência da República em 2010 pelo Partido Verde da República (Nota da IHU On-Line).
1 Luiz Inácio Lula da Silva (1945): Trigésimo quinto presi- (PV), obtendo a terceira colocação entre nove candidatos. 7 Jair Bolsonaro (1955): militar da reserva e deputado
dente do Brasil, cargo que exerceu de 2003 a 1º de janeiro Também foi candidata à presidência em 2015 pelo PSB, federal nascido em Campinas (SP). De orientação política
de 2011. É cofundador e presidente de honra do Partido depois da morte de Eduardo Campos. Marina era vice de de extrema direita, conservadora e nacionalista, cumpre
dos Trabalhadores - PT. Em 1990, foi um dos fundadores e Campos e acabou assumindo a chapa. Atualmente ela é sua sétima legislatura na Câmara Federal. Em janeiro de
organizadores do Foro de São Paulo, que congrega parte pré-candidata à presidência da República. (Nota da IHU 2018, anunciou sua filiação ao Partido Social Liberal (PSL),
dos movimentos políticos de esquerda da América Latina On-Line) o nono partido político de sua carreira. Foi o deputado
e do Caribe. Foi candidato a presidente cinco vezes: em 4 Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho (1952): é um mais votado do estado do Rio de Janeiro nas eleições ge-
1989 (perdeu para Fernando Collor de Mello), em 1994 médico e político brasileiro, filiado ao Partido da Social rais de 2014. Ficou conhecido pela luta contra os direitos
(perdeu para Fernando Henrique Cardoso) e em 1998 Democracia Brasileira - PSDB e atual governador de São LGBT, pela defesa da ditadura e da tortura. Seus embates
(novamente perdeu para Fernando Henrique Cardoso) e Paulo, cargo que ocupa pela quarta vez. Em 2006 concor- contra os direitos humanos são constantes. Suas declara-
ganhou as eleições de 2002 (derrotando José Serra) e de reu à presidência da República pelo PSDB, tendo sido der- ções controversas já lhe renderam cerca de 30 pedidos de
2006 (derrotando Geraldo Alckmin). Lula bateu um recor- rotado nas urnas por Lula. Atualmente é pré-candidato à cassação e três condenações judiciais, desde que foi eleito
de histórico de popularidade durante seu mandato, con- presidência da República. (Nota da IHU On-Line) deputado em 1989. Documentos produzidos pelo Exército

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TEMA DE CAPA

sa forma. Talvez aí esteja a fragilida- zindo grandes resultados na área so- zados. Em compensação, já depois
de de Alckmin, que é quem menos se cial. Para ela, abriu-se uma “caixa de de Junho ainda perduraram as ocu-
coloca como mediador e mais parece Pandora” quando se resolveu con- pações nos Legislativos e as greves
afirmar que “está tudo bem”. Essa frontar o poder em bloco, e as lutas autônomas dos garis e professores
situação toda vem da instabilidade de 2013 teriam sido “sequestradas” no Rio. O ano de 2014 testemunhou
gerada por 2013 que não conseguiu pela pauta anticorrupção a partir da o #naovaitercopa ser perseguido
ser controlada e extirpada pelo siste- articulação midiática. Não por acaso por um amplo aparato de controle
ma político. essa esquerda foi colaboradora do – modernizado tecnológica e legis-
processo repressivo que foi desen- lativamente pelo próprio PT, com os
cadeado a partir de 2014, sobretudo policiais “robocops” e a Lei Antiterro-
nos protestos contra a Copa do Mun- rismo – e depois ainda tivemos os ro-
“O ano de 2014 do, com o lema #vaiterCopa. Um
famoso intelectual petista chegou a
lezinhos, as ocupações secundaristas
e, mais tarde (durante a PEC do fim
testemunhou o chamar o Movimento dos Trabalha- do mundo), universitárias, a Prima-
vera Feminista, entre outros. Tudo
dores sem Teto - MTST, hoje um dos
#naovaitercopa principais movimentos aliados ao legado de 2013.

ser perseguido
lulismo, de “vira-latas” quando re-
IHU On-Line – Em que senti-
solveram contestar as obras da Copa.
do Junho de 2013 se atualizou
por um amplo Ela também foi reforçada pelo afuni-
lamento propositalmente gerado na
como potência criativa e em
que sentido se atualizou como
aparato de eleição passada a partir da restaura-
ção da polarização entre tucanos e
potência destrutiva?

controle” petistas, que trataram de trabalhar


juntos para eliminar o terceiro ter-
Moysés Pinto Neto – Já desta-
quei a potencia criativa na resposta
mo (Marina Silva) que desestabiliza- anterior, pois boa parte do ecossiste-
va a oposição tradicional. Com essa ma de lutas atuais ganhou sua confi-
IHU On-Line – Como a es- contrarreforma, a polarização engo- guração desde Junho. É verdade que
32 querda encarou o fenômeno de liu o processo destituinte de 2013 e a organização ainda tem seus dilemas
Junho de 2013 ao longo desses acabou recalibrando-a em termos e impasses e o processo autofágico
cinco anos? de direita e esquerda – o que trouxe, desde então também foi muito duro.
aliás, vantagens consideráveis para Aliada à hiperpolitização, a fragmen-
Moysés Pinto Neto – Há dois
a direita. O ufanismo delirante da- tação hoje leva a um conjunto de lu-
grandes grupos na esquerda sobre
quele período agora se converteu em tas quase totalmente dispersas em
isso. Para o primeiro, Junho foi o
melancolia apocalíptica. pequenas células sem comunicação
“embrião do golpe”, espécie de ovo
com as demais. As redes sociais aju-
da serpente que permitiu a liberação Já o segundo grupo vê de forma to- daram a atrapalhar a aliança, poten-
das forças fascistas e conservadoras talmente oposta o processo. Junho cializando o narcisismo das pequenas
da sociedade brasileira, desestabili- teria sido uma explosão cívica inigua- diferenças. A utilização acrítica de
zando um governo que vinha produ- lável, um verdadeiro acontecimento uma tecnologia voltada para o fetiche
que colocou o povo brasileiro como da identidade e fortemente ególatra
Brasileiro na década de 1980 mostram que os superiores protagonista da sua própria história. acabou fazendo com que a luta políti-
de Bolsonaro o avaliaram como dono de uma “excessiva
ambição em realizar-se financeira e economicamente”. Se- Esse grupo, em geral, nega métri- ca fosse muitas vezes confundida com
gundo o superior de Bolsonaro na época, o coronel Carlos
Alfredo Pellegrino, “[Bolsonaro] tinha permanentemente
cas estritas para medir o impacto de o mercado das curtidas.
a intenção de liderar os oficiais subalternos, no que foi 2013. Ainda estaríamos vivendo esses
sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo
dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, efeitos. É bom lembrar que 2013 não Do ponto de vista destrutivo, acho
racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argu- acabou em 2013, como costuma dizer que por volta de 2015 eu já dizia – em
mentos”. É notório o seu machismo, como evidenciam as
agressões e ofensas direcionadas a suas colegas parla- a esquerda mais ligada ao PT refratá- entrevista aqui8 – que havia um risco
mentares. Seu desrespeito à condição feminina não pou- de a desconstrução produzir uma cer-
pou nem a filha. Em abril de 2017, em um discurso no Clu- ria aos protestos. Como já dito, 2013
be Hebraica, no Rio de Janeiro, Bolsonaro fez uma menção teria sido “distorcido” pela mídia e ta compulsão autoritária, uma vonta-
à caçula, então com seis 6 anos: “Eu tenho cinco filhos.
Foram quatro homens, aí no quinto eu dei uma fraqueja- levado aos MBLs da vida e todos os de de unificação forçada diante de um
da e veio uma mulher”. Em uma entrevista para a revista
Playboy, em junho de 2011, sua agressividade dirigiu-se movimentos pelo golpe parlamentar. caos prolongado. Aparentemente, o
aos gays: “Seria incapaz de amar um filho homossexual”. Errado. MBL e todo o ecossistema crescimento da extrema direita está
Ainda disse preferir que um filho “morra num acidente
do que apareça com um bigodudo por aí”. Em abril de canarinho recebem sua verdadeira ligado a isso. Diante de tanta indeter-
2017, durante um discurso no Clube Hebraica, no Rio de
potência em 2014, com a polarização minação, a demanda pela ordem ime-
Janeiro, afirmou que acabará com todas as terras indíge-
nas e comunidades quilombolas do Brasil caso seja eleito eleitoral, e crescem diante da inca- diata e vertical, a salvação falocêntri-
presidente em 2018. Também disse que terminará com o
financiamento público para ONGs: “Pode ter certeza que pacidade governamental de Dilma
se eu chegar lá não vai ter dinheiro pra ONG. Se depender 8 A entrevista em questão é intitulada Crise política e a
de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de cumulada ao estelionato eleitoral. desconstrução do país, publicada nas Notícias do Dia, de
casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva
indígena ou pra quilombola”. Atualmente é pré-candidato
Havia movimentos mais à direita em 23-09-2015, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos -
IHU, disponível em http://bit.ly/2Mm3sCl (Nota da IHU
à presidência da República. (Nota da IHU On-Line) 2013, mas eles não estavam organi- On-Line).

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ca e patriarcal sempre reaparece. E, o grande público saber que não está tem ido a esquerda partidária?
diante disso, os líderes carismáticos sendo instrumentalizado, que sua
Moysés Pinto Neto – Essa é
– não por acaso estão liderando as pauta está diretamente implicada na
uma pergunta em aberto no mundo
pesquisas. Infelizmente, chegamos a vida das pessoas, e não atendendo o
inteiro, pois não custa lembrar que
esse momento sem que a desconstru- interesse de X ou Y. Esse lastro cida-
2013 foi parte de um ciclo mundial
ção tenha conseguido ser performa- danista foi amplamente vitorioso em
de lutas que começou em 2011, com
da de modo afirmativo, como dizia 2013, quando os manifestantes con-
seus antecedentes na década ante-
Jacques Derrida9, produzindo uma venceram a população de que a luta
rior. Não há debate mais aceso hoje
transformação. pelo transporte era uma luta material,
no mundo que esse. Uma vez que –
vital e justa. Totalmente diferente, por quase de ponta-a-ponta – a esquerda
exemplo, das manifestações contra o institucional perdeu legitimidade,
“Mas Junho golpe, quando se tratava de – como
diziam os próprios militantes – “de-
pois está presa a esquemas (ideoló-

parou o país.
gicos e materiais) de que não pode
fender um governo indefensável”. O se desprender, a grande questão que
tipo de percepção abstrata que envol-
E de modo ve a luta pela institucionalidade ou
pela esquerda é totalmente impossível
hoje percorre Brasil, Argentina, Chi-
le, Espanha, EUA, Inglaterra, Síria

ainda mais de produzir contágio, embora nem por


(curdos), Egito, França, México – en-
tre tantos outros – é exatamente: e
isso seja menos importante. Porém,
radical que quando estamos presos a isso, certa-
o que fazer agora? As mobilizações
não levaram à conquista do poder,
a Greve dos mente vamos perder.
Por outro lado, também a luta
e nem era seu objetivo. Mas o espa-
ço acabou ocupado por forças ainda
Caminhoneiros” dos caminhoneiros acabou enga-
tada a um ecossistema de ideias de
mais reacionárias que as que estavam
no poder – ameaçando a própria in-
extrema direita, o que prejudicou o tegridade física dos militantes e da
IHU On-Line –A greve dos ca- prolongamento da luta e o entusias- diversidade em geral. Aqueles que
minhoneiros, com toda a sua mo popular. Embora a maioria das representam as forças sociais mais 33
complexidade, realizou o que pessoas tenha se solidarizado com resistentes a qualquer mudança es-
Junho de 2013 não conseguiu, os motoristas, apenas uma peque- tão melhor organizados e obtiveram
que era a vontade de parar o na parte estava sintonizada com o várias vitórias consecutivas (Brexit,
país? Por que um movimento desejo de golpe (e não intervenção) Trump etc.), embora agora todos es-
foi compreendido como demo- militar. A greve, por isso, já estava tejam mais atentos a isso, enquanto
crático e outro como vandalis- marcada por um certo imaginário antes não se os levava a sério.
mo? Que subjetividades estão bem demarcado, fechado. Não im- Experimentos por todo mundo
em jogo? porta se a maioria dos caminhonei- estão em andamento. Alguns falam
Moysés Pinto Neto – Mas Junho ros era contrário ou favorável. Não de populismo, outros da volta da
parou o país. E de modo ainda mais é com enquetes quantitativas que se esquerda radical ou do comunismo.
radical que a Greve dos Caminhonei- produz um discurso sobre um movi- Outros, de municipalismo, cidada-
ros: implicando subjetividades para mento. Houve um acoplamento en- nismo. Outros ainda da combinação
além de uma solidariedade na indig- tre a indignação dos trabalhadores entre eles. É um terreno fértil no
nação. Junho conseguiu produzir um e um arsenal ideológico reacionário qual tenho pesquisado nos últimos
entusiasmo inédito, uma espécie de e autoritário que acabou aos poucos meses e, sinceramente, não tenho
pulsão de vida que chamava ao enga- se tornando intragável para a par- resposta. Gosto do que Alana Mora-
jamento. A Greve dos Caminhoneiros, te mais liberal da sociedade. Não es10 escreveu ao rechaçar o populis-
nesse sentido, tem algo em comum se descarte, nesse sentido, quantos mo de esquerda e dizer que “muito
e algo bem distinto de 2013. Por um oportunistas não aproveitaram a si- desse caminho tem a ver com uma
lado, carregou um sentido de indig- tuação para formar pequenas comu- política no feminino: distribuída
nação cidadanista capaz de evocar a nidades eleitorais, lançar ideias es- ao invés de centralizada, que leve a
solidariedade social. Conta muito para tapafúrdias e acumular organização. sério as paixões que mobilizam no
Ao contrário da esquerda, a extrema cotidiano, tempo livre, afetos, coo-
9 Jacques Derrida (1930-2004): filósofo francês, criador do direita tem sido muito competente
método chamado desconstrução. Seu trabalho é associado, no tópico de mobilizar e organizar 10 Alana Moraes: antropóloga, doutoranda no Museu
com frequência, ao pós-estruturalismo e ao pós-modernis- Nacional-UFRJ. É coorganizadora dos livros Junho: potên-
mo. Entre as principais influências de Derrida encontram-se afetos, mesmo que sejam, na maio- cia das ruas e das redes (F. Ebert, 2014) e Cartografias da
Sigmund Freud e Martin Heidegger. Entre sua extensa pro- emergência: novas lutas no Brasil (F. Ebert, 2015). Pesquisa
dução, figuram os livros Gramatologia (São Paulo: Perspec- ria dos casos, basicamente suicidas. novas formas de politização no Brasil a partir da experiên-
tiva), A farmácia de Platão (São Paulo: Iluminuras), O animal cia das ocupações urbanas do Movimento dos Trabalha-
que logo sou (São Paulo: Unesp), Papel-máquina (São Paulo: dores Sem Teto - MTST na periferia de São Paulo. Estuda
Estação Liberdade) e Força de lei (São Paulo: WMF Martins os cruzamentos entre política, gênero e classe e epistemo-
Fontes). É dedicada a Derrida a editoria Memória, da IHU
On-Line nº 119, de 18-10-2004, disponível em http://bit.ly/
IHU On-Line – Para onde vai logia feminista. É parte do cursinho popular Dandara na
ocupação povo sem medo do Capão Redondo e da rede
ihuon119. (Nota da IHU On-Line) Junho de 2013? E para onde de pesquisa-luta Urucum. (Nota da IHU On-Line)

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TEMA DE CAPA

peração, cuidados compartilhados, complexificação das questões: com- cessidade de escuta) e a capacidade
prazer; que seja forte, mas não au- partilhar a imagem de que os pro- de errar (e portanto abdicar de fun-
toritária. Uma política de cozinha, blemas não se resolvem apenas com damentalismos). Ainda estamos ape-
de aldeia, de ocupação, de festa, de vontade, mas com pensamento, com nas começando essa experiência. Um
liberdade”. De alguma maneira, é organização e com atividade. primeiro momento (2014-2018) tam-
preciso recuperar esse contato visce- bém foi emperrado por uma dogmá-
ral, essa confusão constitutiva entre tica que viu na insurreição popular
o que se luta e a própria vida, que são IHU On-Line – Deseja acres- uma oportunidade de implementar
os elementos que produzem contá- centar algo? seu receituário e, diante da indife-
gio popular. A alternativa populismo Moysés Pinto Neto – 2013 produ- rença com que foi recebido, caiu na
parece-me uma regressão falocêntri- ziu uma estética – entendida no sen- melancolia. É preciso estar aberto a
ca, um voluntarismo infantilizante tido mais forte, de aisthesis – nova. não julgar, é preciso que saiamos do
e uma política contra o múltiplo em Não existe política fora de um campo nosso estado dogmático. Mas, para
prol da construção – sempre perigo- de experiência e justamente vemos que possamos experimentar, é preci-
síssima – do inimigo. Mas isso tam- na era atual o fracasso das grandes so também que tenhamos um labora-
bém não deve nos impedir em pen- totalizações intelectuais que organi- tório adequado – e por isso hoje, num
sar em linhas de longo alcance, em zariam a priori a realidade. Por outro contexto em que a própria democra-
um processo constituinte que aceite lado, essa nova experiência precisa cia está ameaçada –, é preciso ainda
a positividade para além da revolta ainda forçar-se a lidar com a própria afirmar, afirmar para aprofundar e
e que, contrariamente ao populismo, finitude, isto é: com a inexistência de transformar a democracia em uma
consiga produzir uma espécie de respostas prontas (e portanto a ne- experiência mais completa. ■

Leia mais
34 - Identidade de Esquerda ou Pragmatismo Radical? Artigo de Moysés Pinto Neto publica-
do no Cadernos IHU ideias, nº 259, disponível em http://bit.ly/2t2eUKK;
- Esquecer o neoliberalismo: aceleracionismo como terceiro espírito do capitalismo. Ar-
tigo de Moysés Pinto Neto publicado no Cadernos IHU ideias, nº 245, disponível em http://
bit.ly/2t2eUKK;
- Tensão e sombras após o julgamento do STF e a apressadíssima ordem de prisão de
Lula. Entrevistas especiais com Adriano Pilatti, Roberto Romano, Rudá Ricci, Ivo Lesbaupin,
Bruno Lima Rocha, Moysés Pinto Neto e Robson Sávio publicada nas Notícias do Dia, de
6-4-2018, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2y7eAA8;
- Uma saída pragmática, sem vestir vermelho, poderá promover grandes mudanças
para a crise brasileira. Entrevista especial com Moysés Pinto Neto publicada nas Notícias
do Dia, de 11-9-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.
ly/2Jv2yFP;
- Da incompreensão das ruas à judicialização da política brasileira. Entrevista especial
com Moysés Pinto Neto publicada nas Notícias do Dia, de 16-3-2016, no sítio do Instituto
Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2sRHLlw;
- Crise política e a desconstrução do país. Entrevista especial com Moysés Pinto Neto
publicada nas Notícias do Dia, de 23-9-2015, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU,
disponível em http://bit.ly/2Mm3sCl;
- A política brasileira com as vísceras expostas. Entrevista especial com Moysés Pinto
Neto publicada nas Notícias do Dia, de 15-12-2015, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos
- IHU, disponível em http://bit.ly/2LMlAob;
- O “voto crítico” reelegeu Dilma. Pós-eleições, as contradições voltam à cena. Entrevista
especial com Moysés Pinto Neto, publicada nas Notícias do Dia, de 7-11-2014, no sítio do
Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/1u5Vct0;
- ‘’A redução da alteridade do outro em mera representação do inimigo é pura violên-
cia’’. Entrevista especial com Moysés Pinto Neto, publicada nas Notícias do Dia, de 20-9-
2012, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2JDoWc6.

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TEMA DE CAPA

Junho de 2013, a inauguração de


uma estética nova e indefinida
Segundo Carlos A. Gadea, as transformações culturais produzidas
pelas manifestações construíram uma relação mais eclética
que rompe com o esquerdismo governamental
Ricardo Machado

D
o ponto de vista econômico, trouxe uma nova estética, mas sem
Junho de 2013 mostrou que definição clara. “Pode-se considerar
as estatísticas, às vezes, fun- que a virada estética pós-2013 é uma
cionam como ilusões de efeito quando virada eclética e, assim, desafiadora
assentadas sobre frágeis estruturas. da institucionalização de uma cultura
Politicamente o que o movimento dei- popular via esquerdismo governamen-
xou evidente foi uma certa ilusão de tal”, pontua. Diante do transe das ruas
pluralidade democrática. “Que hoje, e de seus efeitos posteriores, a políti-
praticamente, 14 milhões de brasileiros ca institucional abriu mão da reflexão
estejam no desemprego só é explicável e do senso crítico. “A realidade deve
porque se teria optado por desenvolver ser olhada e analisada com uma dose
políticas assistencialistas eventualmen- maior de pragmatismo, enquanto um
te frágeis (se não forem acompanhadas fenômeno relacional, e não com um
36 de outras medidas mais globais e per- mapa teórico e ideológico. Falta since-
manentes) em lugar de incorporar os ridade; sobram metarrelatos. Faltam
mais vulneráveis em alguma engrena- coragem e autocrítica; sobra mecanis-
gem possível de produção econômica”, mo de defesa”, completa.
avalia Carlos A. Gadea, em entrevista
por e-mail à IHU On-Line. “O ciclo Carlos A. Gadea é coordenador,
político caracterizado pelos governos professor e pesquisador do Programa
do PT teria, tão simplesmente, se ca- de Pós-Graduação em Ciências Sociais
racterizado por uma perversa prática da Unisinos. Pós-doutorado pela Uni-
de consensos e de ‘pacto social’, levan- versidade de Miami (Centro de Estu-
do a uma pacificação social ilusória”, dos Latino-americanos). Doutor em
complementa. Sociologia Política pela Universidade
Federal de Santa Catarina - UFSC. Re-
Se é verdade que a esquerda não com-
centemente foi professor visitante na
preendeu as mobilizações de Junho de
Universidade de Leipzig (Centro de
2013, a direita também ficou incógni-
Estudos Ibero-americanos), Alemanha.
ta. “A esquerda não compreendeu, mas
É organizador e autor, entre outros li-
não só ela, sejamos sinceros. O siste-
vros, de Ciências sociais e sociedade:
ma político não entendeu o que esta-
políticas e práticas sociais na contem-
va acontecendo. A Polícia tampouco.
poraneidade (São Leopoldo: Trajetos
A presidenta, no seu momento, achou
Editorial, 2017) e Fragmentos de la
que era para se sentar e dialogar, sem
posmodernidad. Cultura, política y so-
antecipar que, justamente, Junho de
2013 era sinônimo de ‘fim do pacto’”, ciabilidad en América Latina (Havana,
explica Gadea. É nesse sentido que o Cuba: TEMAS, 2017).
professor sugere que Junho de 2013 Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como com- Carlos A. Gadea – Em junho constante na busca de um espelho
preender Junho de 2013 cinco 2013 o Brasil perdeu sua inocência, que lhe possibilitasse “se compreen-
anos depois? e ingressou numa espécie de terapia der” minimamente. Há cinco anos de

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REVISTA IHU ON-LINE

“Economicamente, o país foi


aceleradamente descobrindo
que as estatísticas, por
momentos, são meras
ilusões de efeito”

2013, ainda não se conseguiu trans- briu que teria construído uma ilusão inimigos no ciclo político que levou
cender suas implicações. Economi- de vida democrática e plural quando, aos acontecimentos de 2013 e 2014.
camente, o país foi aceleradamente na realidade, o ciclo político caracte- Os efeitos residuais, e não menos im-
descobrindo que as estatísticas, por rizado pelos governos do PT teria, tão portantes, dessa crise política são pal-
momentos, são meras ilusões de simplesmente, se caracterizado por páveis quando se tornam legítimos
efeito, e que sua fragilidade estru- uma perversa prática de consensos e no jogo das preferências eleitorais
tural poderia implodir a qualquer de “pacto social”, levando a uma pa- narrativas políticas de baixo nível de
momento. Que hoje, praticamente, cificação social ilusória. O fato de a argumentação: o populismo à direita
14 milhões de brasileiros estejam no maioria dos mais ativos movimentos de Bolsonaro2 e o de esquerda do de-
desemprego só é explicável porque sociais ter se incorporado ao modelo sintegrado lulismo são exemplos da
se teria optado por desenvolver polí- político do ciclo petista não signifi- hiper-realidade à brasileira de hoje.
ticas assistencialistas eventualmente ca que as tensões sociais estivessem E culturalmente, junho de 2013 trou-
frágeis (se não forem acompanhadas adormecidas. A esperança de que es- xe um verdadeiro carnaval estético.
de outras medidas mais globais e tes governos tiveram o caminho livre Carnaval não no sentido pejorativo 37
permanentes) em lugar de incorpo- para a materialização das demandas a que possa se associar, mas sim no
rar os mais vulneráveis em alguma fez com que a inquietação social fos-
engrenagem possível de produção se diminuindo, instaurando-se uma uma teoria. De acordo com este pensamento, uma teoria
só será científica se puder ser falseada, isto é, colocada à
econômica. Políticas de assistên- cultura política caracterizada, em prova diante da experiência. (Nota da IHU On-Line)
2 Jair Bolsonaro (1955): militar da reserva e deputado
cia em casos específicos podem ser primeiro lugar, pela reprodução de federal nascido em Campinas (SP). De orientação política

bem-vindas, mas não se podem con- uma excessiva dependência da atu- de extrema direita, conservadora e nacionalista, cumpre
sua sétima legislatura na Câmara Federal. Em janeiro de
verter em simples bandeira política ação das instituições ou organismos 2018, anunciou sua filiação ao Partido Social Liberal (PSL),
o nono partido político de sua carreira. Foi o deputado
que justifica o caráter popular de um públicos (com o correlato de uma mais votado do estado do Rio de Janeiro nas eleições ge-

governo; aliás, o 1% do orçamento mentalidade “Estadocêntrica”) e, em rais de 2014. Ficou conhecido pela luta contra os direitos
LGBT, pela defesa da ditadura e da tortura. Seus embates
segundo lugar, por uma conseguinte contra os direitos humanos são constantes. Suas declara-
dedicado, por exemplo, ao Progra-
redução do embate político de seto- ções controversas já lhe renderam cerca de 30 pedidos de
ma Bolsa Família pode convencer, cassação e três condenações judiciais, desde que foi eleito
res da oposição do sistema político, e deputado em 1989. Documentos produzidos pelo Exército
da sua virtude, unicamente os mais Brasileiro na década de 1980 mostram que os superiores
dos demais setores da própria socie- de Bolsonaro o avaliaram como dono de uma “excessiva
fanáticos.
dade, de certa maneira. ambição em realizar-se financeira e economicamente”. Se-
gundo o superior de Bolsonaro na época, o coronel Carlos
Por outro lado, a ideia de que o Alfredo Pellegrino, “[Bolsonaro] tinha permanentemente
Com isso, descobriu-se que a cor- a intenção de liderar os oficiais subalternos, no que foi
consumo leva à possibilidade de sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo
rupção não só seria uma prática social
uma ampliação da cidadania, e que dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica,
na busca por privilégios de grupo ou racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argu-
elevando o conforto e a obtenção de mentos”. É notório o seu machismo, como evidenciam as
individuais, mas também que seria agressões e ofensas direcionadas a suas colegas parla-
certo padrão de vida material esta-
aquilo que teria permitido essa ilusão mentares. Seu desrespeito à condição feminina não pou-
ria garantido, por conseguinte, um de consensos e a ausência de gran-
pou nem a filha. Em abril de 2017, em um discurso no Clu-
be Hebraica, no Rio de Janeiro, Bolsonaro fez uma menção
capital cultural, simbólico e político des conflitos, abafados pelas espú-
à caçula, então com seis 6 anos: “Eu tenho cinco filhos.
Foram quatro homens, aí no quinto eu dei uma fraqueja-
acorde aos novos tempos, não resul- rias alianças entre o poder público e da e veio uma mulher”. Em uma entrevista para a revista
tou, da mesma maneira, empirica- Playboy, em junho de 2011, sua agressividade dirigiu-se
a atividade privada privilegiada. 2013 aos gays: “Seria incapaz de amar um filho homossexual”.
mente consistente. Inclusive porque abriu a sociedade, aparentemente, fe- Ainda disse preferir que um filho “morra num acidente
do que apareça com um bigodudo por aí”. Em abril de
esse consumo era sustentado a cré- chada. Parafraseando o livro de Karl 2017, durante um discurso no Clube Hebraica, no Rio de
Janeiro, afirmou que acabará com todas as terras indíge-
ditos, e com juros que logo se torna- Popper1, a sociedade aberta teve seus nas e comunidades quilombolas do Brasil caso seja eleito
riam insustentáveis. presidente em 2018. Também disse que terminará com o
financiamento público para ONGs: “Pode ter certeza que
1 Karl Popper (1902-1994): filósofo austríaco-britânico. se eu chegar lá não vai ter dinheiro pra ONG. Se depender
Politicamente, com 2013 veio à Destacou-se como filósofo social e político e como de- de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de
tona o descobrimento da crise de re- fensor da democracia liberal. É conhecido como o criador casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva
do conceito de falseabilidade, que a coloca como uma ca- indígena ou pra quilombola”. Atualmente é pré-candidato
presentação política. O Brasil desco- racterística fundamental para a demarcação científica de à presidência da República. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

sentido da espetacularização, do exa- Fora o significado cultural e estéti- duas caras da mesma moeda. Não
gero e da instauração de uma nova co do tropicalismo, Chico Buarque todos o compreendem assim, ad-
dinâmica mais assentada no conflito ou a liturgia das clássicas “músicas mito, mas não posso compreender
frontal. A cultura foi o âmbito que, de protesto”, pode-se considerar a popularidade de Bolsonaro sem
autonomizando-se, libertou novas que a virada estética pós-2013 é o anti-lulismo, nem a popularida-
energias que terminariam impactan- uma virada eclética e, assim, de- de de Lula sem a construção de um
do a política na sua fragilidade e vazio safiadora da institucionalização de cenário político de temor pelo su-
decorrente do ciclo político anterior: uma cultura popular via esquer- posto avanço da direita. Se um de-
feminismos, antirracismos, políticas dismo governamental. Por outro saparece, o outro, provavelmente,
do corpo, sexualidade, são exemplos lado, não sei se se pode afirmar que também. A legitimidade de um está
disso. Evidentemente, estes fenôme- existia um cenário de negação de sustentada na figura do outro.
nos foram efeitos, por vezes, de polí- lideranças. Vejo mais um cenário
ticas de governo concretas, mas tam- profundamente dependente das fi-
bém de uma circulação, na sociedade, guras que representam conduções IHU On-Line – Como a es-
de pautas e demandas que foram se políticas fortes: não esquecer que querda institucional tem com-
desenvolvendo como correlato ao o lulismo tem, na sua carne, a se- preendido os movimentos au-
esvaziamento da política tal qual es- mente do culto ao líder que “teria tonomistas como as Jornadas
paço de dirimir conflitos. Os conflitos feito coisas para o povo”, esse mes- de Junho de 2013, o Movimento
terminaram migrando, logo de 2013, mo povo que, provavelmente, mi- Secundarista e a greve dos ca-
para o âmbito da cultura. grou sua preferência de liderança minhoneiros? O que há de co-
para Bolsonaro. O que, sim, trouxe mum e de distinto entre esses
este processo é um aprofundamen- fenômenos?

“O populismo to desse modelo e a conseguinte


polarização política sustentada em
Carlos A. Gadea – A esquerda
não compreendeu, mas não só ela,
à direita de imaginários salvacionistas e messi-
ânicos. Nessa polarização partici-
sejamos sinceros. O sistema políti-

Bolsonaro e o
co não entendeu o que estava acon-
38 pam, desempenhando um papel in- tecendo. A Polícia tampouco. A
terdependente, Bolsonaro e Lula4,
de esquerda do presidenta, no seu momento, achou
que era para se sentar e dialogar,

desintegrado
músico, compositor, teatrólogo e escritor carioca. Um dos
mais famosos nomes da música popular brasileira (MPB),
sem antecipar que, justamente, Ju-
cuja discografia tem aproximadamente 80 títulos. Ganhou nho de 2013 era sinônimo de “fim
lulismo são
fama por sua música, que comenta o estado social, econô-
mico e cultural do Brasil. Começa a ter destaque a partir de do pacto”. Era para não se dialogar
1966, quando lançou seu primeiro álbum, Chico Buarque
de Hollanda, e venceu o Festival de Música Popular Bra-
que junho de 2013 surgiu. Junho
exemplos da sileira com a música A banda. Autoexilou-se na Itália em
1969, devido ao aumento da repressão da ditadura insta-
lada em 1964. Venceu três Prêmios Jabuti de literatura: o
de 2013 era o produto da ação em
rede, horizontal, amorfo e, por mo-
hiper-realidade de melhor romance em 1992, com Estorvo, e o de Livro do
Ano com Budapeste, lançado em 2004, e Leite Derramado,
em 2010. (Nota da IHU On-Line)
mentos, de formas variadas. O ci-
clo político petista nos tinha acos-
à brasileira 4 Luiz Inácio Lula da Silva (1945): Trigésimo quinto presi-
dente do Brasil, cargo que exerceu de 2003 a 1º de janeiro
de 2011. É cofundador e presidente de honra do Partido
tumado a um exercício do poder
em que se teria institucionalizado o
de hoje” dos Trabalhadores - PT. Em 1990, foi um dos fundadores e
organizadores do Foro de São Paulo, que congrega parte
dos movimentos políticos de esquerda da América Latina
protesto no formato que o próprio
e do Caribe. Foi candidato a presidente cinco vezes: em ciclo teria construído. O que surgia
1989 (perdeu para Fernando Collor de Mello), em 1994
(perdeu para Fernando Henrique Cardoso) e em 1998 fora dele era imediatamente bani-
IHU On-Line – Que mudanças (novamente perdeu para Fernando Henrique Cardoso) e do e deslegitimado. Era fascista,
estéticas foram produzidas na ganhou as eleições de 2002 (derrotando José Serra) e de
próprio da nova direita, coxinha,
2006 (derrotando Geraldo Alckmin). Lula bateu um recor-
política brasileira após Junho de histórico de popularidade durante seu mandato, con-
insensível com os pobres, autori-
forme medido pelo Datafolha. Programas sociais como o
de 2013? Como saímos de um Bolsa Família e Fome Zero são marcas de seu governo, tário, racista, machista, et cetera.
cenário de multiplicidade e ne- programa este que teve seu reconhecimento por parte
Curiosamente, muitos começaram
da Organização das Nações Unidas como um país que
gação de lideranças para outro saiu do mapa da fome. Lula teve um papel de destaque
na evolução recente das relações internacionais, incluin- a fazer parte desse grupo de críti-
de polarização e messianismo do o programa nuclear do Irã e do aquecimento global. cos que tiveram que se esconder
(à esquerda e à direita)? É investigado na operação Lava Jato e foi denunciado em
setembro de 2016 pelo Ministério Público Federal (MPF), para não ser definidos por tais ad-
apontado como recebedor de vantagens pagas pela em-
Carlos A. Gadea – Junho de preiteira OAS em um tríplex do Guarujá. No dia 12 de ju- jetivações. Novamente, a ideia era
2013 trouxe uma nova estética, lho de 2017, Lula foi condenado pelo juiz federal Sérgio hegemonizar o discurso da crítica,
Moro, em primeira instância, a nove anos e seis meses de
sem clara definição, mas, certa- prisão em regime fechado por crimes de corrupção pas- e paradoxalmente isso se fazia des-
siva e lavagem de dinheiro. No dia 24 de janeiro de 2018,
mente, foi ao encontro de superar por unanimidade, os três desembargadores da 8ª Turma de o governo e os governistas.
a hegemonia estética da esquerda do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmaram a
condenação de Lula, elevando a pena para 12 anos e um
melancólica à la Chico Buarque3. mês de prisão. No dia 7 de abril de 2018 Lula, após man-
dado de prisão expedido pelo judiciário, entregou-se à IHU On-Line – Em que Junho
Polícia Federal, onde se mantém sob custódia na Superin-
3 Chico Buarque [Francisco Buarque de Hollanda] (1944): tendência do órgão em Curitiba. (Nota da IHU On-Line) de 2013 se mantém criativo e em

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que se manifesta como uma for- rias de análises e paixão exacerbada. menos. Fake news5 é o exemplo
ça destrutiva e de desagregação? A realidade deve ser olhada e anali- disso: como a realidade parece ter
sada com uma dose maior de prag- se ausentado, o hiper-real me per-
Carlos A. Gadea – Toda emergên-
matismo, enquanto um fenômeno mite manifestar na frente da Polí-
cia social tem um caráter construtivo
relacional, e não com um mapa te- cia Federal gritando “Lula livre”,
e destrutivo simultaneamente. Mas
órico e ideológico. Que é justo? Que permite-me levantar nos ombros
incluir fenômenos entendidos como
é melhor? Ou para onde estamos Bolsonaro em algum aeroporto do
destrutivos ou construtivos levam
indo? Quando alguns, por exem- país, admitir que o Papa Francisco6
a um inevitável juízo de valor. Ven- plo, falam do crescimento político é pop porque um vídeo o mostra
cendo isto, e não querendo parecer da direita e de pautas conservado- dançando cumbia, e por aí vai. Mas
legislador do valor, 2013 desagregou ras no país, eu sempre me pergunto um fio de realidade entra de pe-
aquilo que era ilusão de agregação e onde estavam vivendo nos últimos netra e nos lembra de 2013 como,
foi muito criativo no que respeita a 30 anos. Ou como, de um dia para paradoxalmente, um acontecimen-
uma sociedade que se politizou na outro, na explicação de um supos- to onde alguma coisa aconteceu,
pancada, no grito, na rua, na hete- to “golpe” político, a realidade teria enquanto hoje esses exemplos são
rogeneidade de apresentações. Foi mudado tanto? Falta sinceridade;
criativo ao instituir uma discursi- acontecimentos em que não acon-
sobram metarrelatos. Faltam cora- tece nada; só a vontade, por anteci-
vidade com ausência de narrativa e gem e autocrítica; sobra mecanismo
metarrelato. Certamente, 2013 é vi- pação, de que aconteça. ■
de defesa.
sível em situações como a mobiliza-
ção de caminhoneiros recente, e no
seu desfecho também. Sem lógica e IHU On-Line – Para onde vai 5 A revista IHU On-Line publicou recentemente a edição
nº 520 dedicada ao tema, intitulada Fake news – Ambi-
sem possibilidade de compreender Junho de 2013? O que podemos ência digital e os novos modos de ser. A íntegra da edi-
tal qual uma mobilização social dos esperar daqui para frente? ção pode ser acessada no link ihuonline.unisinos.br/edi-
cao/520. (Nota da IHU On-Line)
anos 1960, 1970 e 1980. 6 Papa Francisco (1936): argentino filho de imigrantes
Carlos A. Gadea – O que espe- italianos, Jorge Mario Bergoglio é o atual chefe de esta-
do do Vaticano e Papa da Igreja Católica, sucedendo Papa
ramos é que outubro de 2018 nos dê Bento XVI. É o primeiro papa nascido no continente ame-
a possibilidade de um começo polí- ricano, o primeiro não europeu no papado em mais de
IHU On-Line – De onde vem a
tico e econômico que contemple a
1200 anos e o primeiro jesuíta a assumir o cargo. Em maio 39
de 2018 a revista IHU On-Line nº 522 publicou a edição A
dificuldade de análise conjun- virada profética de Francisco – Uma “Igreja em saída” e os
maioria dos brasileiros. Junho de
tural? Trata-se de um esgota- desafios do mundo contemporâneo, em que entrevistados
2013 não vai para lugar nenhum, internacionais debateram os cinco anos do pontificado de
mento das categorias políticas Bergoglio. Uma série de entrevistas e conferências foram
porque foi um acontecimento satu- realizadas durante o XVIII Simpósio Internacional IHU. A
do século 20 ou de uma paixão virada profética de Francisco, que podem acessadas no link
rado de sentido e sem um caminho
exacerbada pela institucionali- http://bit.ly/2MqSsne. A edição 465 da revista IHU On-Li-
traçado a priori. A sociedade se po- ne analisou os dois anos de pontificado de Francisco. Con-
dade política? fira em http://bit.ly/1Xw2tgu. Leia, ainda, a edição Amoris
larizou, está mais conflitiva, menos Laetitia e a ‘ética do possível’. Limites e possibilidades de um
Carlos A. Gadea – Evidentemen- tolerante, de todas as partes en- documento sobre ‘a família’, hoje, disponível em http://bit.
ly/1SseNSc, e a edição O ECOmenismo de Laudato Si’, dis-
te que sim. Esgotamento de catego- volvidas; não alguns mais e outros ponível em http://bit.ly/1S6Luik. (Nota da IHU On-Line)

Leia mais
- Breves e rápidos comentários sobre as eleições primárias parlamentares na Argenti-
na. Artigo de Carlos A. Gadea publicada nas Notícias do Dia, de 17-8-2017, no sítio do Insti-
tuto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2HSdM1w;
- Ernesto Laclau e a “razão populista”. Artigo de Carlos A. Gadea publicado na revista IHU
On-Line, nº 508, 7-8-2017, disponível em http://bit.ly/2JLFejj;
- Os “filhos de Marx e da Coca-Cola”: os Estudos Culturais e a sua aliança populista.
Artigo de Carlos A. Gadea publicado nas Notícias do Dia, de 28-11-2015, no sítio do Instituto
Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2ye36e4;
- Manifestação jovem de Porto Alegre. Uma crítica à instrumentalização da vida. Entre-
vista especial com Carlos A. Gadea publicada nas Notícias do Dia, de 11-4-2013, no sítio do
Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2HMDEfm;
- Os movimentos sociais e o lulismo. Entrevista especial com Carlos A. Gadea publicada
nas Notícias do Dia, de 27-11-2010, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponí-
vel em http://bit.ly/2sZyfwT;

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

O último chamado de uma geração


que desejava apenas fazer política
Alana Moraes analisa a forma como as manifestações de Junho
de 2013 buscavam um reordenamento da política como
alternativa à democracia representativa liberal
Ricardo Machado

A
forma da democracia represen- “Nesse tempo fomos também assis-
tativa liberal desvelou seu esgo- tindo ao crescimento do ‘estado má-
tamento com Junho de 2013. De ximo’: a explosão do encarceramento,
quebra, a política de conciliação com as a arbitrariedade da justiça, a atuação
elites e de pactos por cima veio à dança genocida da Polícia Militar, a militari-
como uma bailarina descompassada. “O zação das favelas e periferias. É óbvio
grito que mobilizava, o dos 20 centavos, que temos que continuar lutando por
tinha a ver com um desejo de retomar o políticas distributivas, pela ampliação
controle sobre as nossas próprias vidas, dos direitos sociais, não podemos dei-
uma rejeição ao lugar de ‘consumidores’ xar tudo para eles”, convoca Alana.
da política”, propõe Alana Moraes, em “Não acho que temos que abandonar
entrevista por e-mail à IHU On-Line. a democracia representativa, mas ela
“Eu gosto de pensar Junho, ao menos só poderá se reoxigenar coexistindo
40 em sua pulsão inicial, como um desejo com outras possibilidades democrá-
de destruição da ordem tal como ela es- ticas: mais diretas, mais autônomas e
tava apresentada, um esforço de desor- que levem em conta uma politização
denamento, portanto. Não tinha a ver permanente da vida. Uma política da
com uma rejeição ao PT, mas talvez com vida e na vida contra a necropolítica
um último chamado: ‘de que lado vocês do Estado neoliberal”, afirma.
estão?’”, complementa.
Alana Moraes, antropóloga, dou-
Como bem lembra Alana, ao citar o toranda no Museu Nacional-UFRJ. É
historiador E. P. Thompson, “quem faz
coorganizadora dos livros Junho: po-
revolução é a classe, não o ‘conceito’ de
tência das ruas e das redes (F. Ebert,
classe”. A entrevistada recorda que “em
2014) e Cartografias da emergência:
junho a ‘classe’ aparece em toda sua
novas lutas no Brasil (F. Ebert, 2015).
diferença: precários, estudantes, fave-
Pesquisa novas formas de politização
lados, jovens, mulheres”. Impulsiona-
no Brasil a partir da experiência das
das também pelas disputas narrativas
ocupações urbanas do Movimento
em torno da Guerra Fria, as categorias
dos Trabalhadores Sem Teto - MTST
políticas do século 20 produziram um
na periferia de São Paulo. Estuda os
acirramento das polarizações entre
cruzamentos entre política, gênero e
mercado e Estado, de modo que haveria
classe e epistemologia feminista. É
a necessidade de um Estado forte em
parte do cursinho popular Dandara
contraposição ao chamado “Estado mí-
na ocupação povo sem medo do Capão
nimo”. A esquerda, contudo, produziu,
por meio da obsessão pela instituciona- Redondo e da rede de pesquisa-luta
lidade, uma espécie de estado máximo Urucum.
alheia aos gritos das ruas. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Passados cinco postas conseguimos construir Alana Moraes – Nada ficou no lu-
anos de Junho de 2013, que res- para o movimento? gar depois de Junho. Se pensarmos a

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REVISTA IHU ON-LINE

“Uma nova geração foi às ruas


para retomar o controle dos fatos
e ao fazer isso revelou também
que o caminho da história é
tortuoso, cheio de encruzilhadas”

história como uma resultante de for- Passe Livre - MPL teve um papel “gestão do pacto democrático”, mas
ças que se movem em diversos sen- fundamental: eles e elas mostraram o outro lado do “pacto” logo mostrou
tidos (não necessariamente do jeito nas ruas que a gestão dos transpor- que nunca teve compromisso com
que desejamos, como diria Marx1), tes não tinha a ver com planilhas; ti- a “estabilidade democrática”. É que
não há dúvida de que a resultante de nha a ver com disputa, com relações democracia não se faz com estabili-
junho produziu deslocamentos. Para de força, ou seja, com política. Uma dade, mas o contrário. A radicaliza-
falar de um jeito simples e direto, Ju- nova geração foi às ruas para reto- ção da democracia nos exige estar
nho foi a primeira onda de protestos mar o controle dos fatos e ao fazer do lado da indignação, da mobiliza-
no Brasil a expressar o esgotamento isso revelou também que o caminho ção dos mais fracos. A gente precisa
completo da democracia representa- da história é tortuoso, cheio de en- entender que a “luta de classes” não
tiva liberal. O grito que mobilizava, cruzilhadas: um estado autoritário se dá só na dimensão do trabalho
o dos 20 centavos, tinha a ver com e violento entrou em cena para nos pelo antagonismo ao capital, mas
um desejo de retomar o controle so- lembrar que as forças da ordem são também se dá contra o Estado, con- 41
bre as nossas próprias vidas, uma ainda freios decisivos. No entanto, tra as forças conservadoras que os
rejeição ao lugar de “consumidores” eu gosto de pensar Junho, ao me- constitui. Por outro lado, parte da
da política. Por que não podemos nos em sua pulsão inicial, como um esquerda organizada ainda nutria
decidir se queremos Copa e Olimpí- desejo de destruição da ordem tal um desejo por dirigir as mobiliza-
adas? Por que não podemos decidir como ela estava apresentada, um es-
sobre nossa política de mobilidade? ções, por fazer política para as pes-
forço de desordenamento, portanto. soas e não com as pessoas. Esse tipo
Por que a representação se transfor- Não tinha a ver com uma rejeição ao
mou nesse jogo de cartas marcadas de disposição também foi deslocado.
PT, mas talvez com um último cha- Precisamos pensar a política a partir
que despreza a soberania popular? mado: “de que lado vocês estão?”
Temos hoje toda uma geração que desses momentos críticos de revolta
se formou politicamente pelas movi- descentralizada, eles nos dão muitas
mentações de Junho de 2013. IHU On-Line – Em que me- pistas. Não vejo como uma nova es-
Eu não tenho dúvidas de que uma dida o discurso que clama por querda pode se constituir sem estar
das principais estratégias do neo- uma “unidade da esquerda” aberta para essas conexões com a in-
liberalismo é nos convencer de que trai o movimento autonomista dignação que muitas vezes aparece
as decisões políticas são parte de um de Junho de 2013 e em que me- sem forma pronta, sem receita defi-
universo técnico, de especialistas, dida ele faz justiça às suas de- nida. É como dizia o historiador E.
de interesses que não conseguimos mandas? P. Thompson2: quem faz revolução é
compreender. Nisso o Movimento a classe, não o “conceito” de classe. E
Alana Moraes – A esquerda ‘or- em junho a “classe” aparece em toda
1 Karl Marx (1818-1883): filósofo, cientista social, econo- ganizada’ foi um dos campos mais sua diferença: precários, estudantes,
mista, historiador e revolucionário alemão, um dos pensa-
dores que exerceram maior influência sobre o pensamen-
deslocados por Junho. Por um lado, favelados, jovens, mulheres.
to social e sobre os destinos da humanidade no século 20. parte do PT tomou Junho como uma
A edição 41 dos Cadernos IHU ideias, de autoria de Leda
Maria Paulani, tem como título A (anti)filosofia de Karl ofensa, uma “desobediência”, uma 2 Edward Palmer Thompson (1924-1993): historiador
Marx, disponível em http://bit.ly/173lFhO. Também sobre
o autor, a edição número 278 da revista IHU On-Line, de
petulância juvenil. Havia até um britânico marxista. Em seus estudos, analisa como as ex-
periências de classe influenciam e determinam as relações
20-10-2008, é intitulada A financeirização do mundo e sua desejo de “dialogar” com a revolta, produtivas dentro das quais os homens nascem e são in-
crise. Uma leitura a partir de Marx, disponível em https:// seridos de modo involuntário. Suas pesquisas se estende-
goo.gl/7aYkWZ. A entrevista Marx: os homens não são o mas os espaços que o PT apresentou ram desde a história do trabalho à história da cultura, o
que pensam e desejam, mas o que fazem, concedida por
Pedro de Alcântara Figueira, foi publicada na edição 327
para isso eram espaços já viciados, que o inspirou a realizar estudos sobre sindicalismo, parti-
dos, movimentos sociais, escravidão, motins. Entre 1965 e
da IHU On-Line, de 3-5-2010, disponível em http://bit. uma cultura participacionista que 1971, foi docente na Universidade de Warwich. Na década
ly/2p4vpGS. A IHU On-Line preparou uma edição especial de 1970, lecionou em universidades estadunidenses como
sobre desigualdade inspirada no livro de Thomas Piketty não consegue ser verdadeiramente Pittsburg, Rutgers, Brown e Dartmoth Colloge. Em 1980,
O Capital no Século XXI, que retoma o argumento central
de O Capital, obra de Marx, disponível em http://www.
afetada por proposições mais ra- atuou como professor no Queen’s University de Kingston,
no Canadá, e, no final da década, trabalhou na Universida-
ihuonline.unisinos.br/edicao/449. (Nota da IHU On-Line) dicais. O PT assumiu um lugar de de de Manchester, na Inglaterra. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

Sempre que escuto esse apelo de o golpe – nos deixamos encurralar, mais conservadores parecem
“unidade” da esquerda penso que passamos a reagir em vez de pautar ter capturado esse “vazio” po-
pode ser mais uma armadilha para mais ativamente a disposição antis- lítico com soluções simplistas.
os homens dirigentes continuarem sistêmica. Como a esquerda tem interpre-
dirigindo as lutas. Eu gosto de pen- tado ambos os fenômenos?
Mas o campo das lutas é também
sar em alianças. As alianças nos exi- Alana Moraes – Parte da es-
cheio de tangentes. Em 2015 veio a
gem disposições práticas: como po- querda também interpreta de modo
onda de ocupações nas escolas em
demos fazer uma aliança para barrar São Paulo – que, em grande parte, simplista, dizendo que Junho foi
o patriarcado, o racismo, o etnocídio beneficiou-se muito do passe livre responsável pelo golpe e pela reação
presentes na nossa sociedade? Os estudantil conquistado em 2013, era conservadora. Mas também existe
homens estão dispostos a ceder lu- bem mais fácil circular pela cidade, uma outra parte disposta a procurar
gar para candidaturas feministas, costurar a articulação entre escolas. novas alternativas de organização.
por exemplo? A esquerda está dis- Em grande parte, também consegui- Existe uma crise econômica e política
posta a encarar a pauta do genocídio mos colocar em outro patamar a de- em todo o mundo, uma crise que tem
da juventude negra e da violência núncia contra a violência policial. Os a ver também com o esgotamento das
policial como as pautas mais urgen- presos da Copa em 2014, a campanha formas tradicionais de organização.
tes dos nossos tempos? As alianças pela liberdade de Rafael Braga3, tudo Isso não quer dizer que não temos
para a ação são muito mais eficazes isso foi ajudando a compor uma ge- mais que nos organizar, mas precisa-
do que unidades programáticas e ração política que tem muito mais mos entender que a tradicional res-
eleitorais. certeza da luta contra a violência de posta da “participação” não vai dar
Estado como uma luta inegociável. conta de conter essa insatisfação. É

“A radicalização O movimento negro ganhou muita


força e conseguiu também deslocar a
preciso estar aberto verdadeiramente
para novos processos de politização
da democracia pauta antirracista para lugares mui-
to mais visíveis no debate político. O
(mais do que uma “nova política”), e
esses processos têm a ver com a re-

42
nos exige estar papel da Rede Globo e dos grandes
canais de comunicação também foi
construção de espaços vinculares e
territoriais, com novas experiências
do lado da desestabilizado por novas formas de de auto-organização, com “coisas
simples, palpáveis e que se possam
documentação e transmissão das lu-
indignação, da tas, dos relatos, pela proliferação do medir”, como diz a canção do Ne-
gro Leo. Precisamos ser capazes de
mobilização dos
midiativismo. Não podemos esque-
cer o pedido de “desculpas” da Glo- construir outras relações e também
novas inteligências para a vida cole-
mais fracos” bo, em pleno Jornal Nacional, pela
participação no golpe de 1964. O fe- tiva. Grande parte da esquerda vai ter
que decidir se quer salvar o sistema
minismo também conquistou outros
patamares. Acho que novas imagina- ou produzir novos tecidos políticos
IHU On-Line – Que processos
ções estão sendo compostas, a grande de produção de formas de vida, vai
políticos e subjetivos ocorre-
mobilização dos caminhoneiros é um ter que decidir se quer mandar, diri-
ram nesses últimos anos que
outro bom exemplo, mas nesse mo- gir, ou se está disposta a se abrir para
transformaram a “biodiversi-
espaços sem comando.
dade” das pautas, sobretudo mento elas estão sendo produzidas
dos movimentos autonomistas, em outros lugares, não mais nos es-
em uma espécie de deserto da paços da esquerda mais tradicional. IHU On-Line – Como a prisão
imaginação política? de Rafael Braga e a do ex-pre-
Alana Moraes – Depois da aber- sidente Lula são ilustrativas
IHU On-Line – Se, por um
tura produzida por Junho, veio de como a esquerda enfrenta a
lado, Junho de 2013 foi o pri-
também a reorganização tática das crise de representatividade em
meiro tremor do edifício da
forças conservadoras. Eles tiveram seu sentido mais profundo?
nova república, pós-1988, por
mais disposição e inteligência para outro a direita e os movimentos Alana Moraes – Lula4 foi vítima
canalizar o campo de forças gerado
por Junho em ações mais concretas 3 Rafael Braga (1988): jovem, negro, pobre, catador de 4 Luiz Inácio Lula da Silva (1945): Trigésimo quinto presi-
latinhas e morador da Vila Cruzeiro, na cidade do Rio de dente do Brasil, cargo que exerceu de 2003 a 1º de janeiro
como foi o anti-petismo, o golpe e Janeiro, Rafael Braga foi o único condenado no contexto de 2011. É cofundador e presidente de honra do Partido
das manifestações de 2013, mesmo sem ter participado dos Trabalhadores - PT. Em 1990, foi um dos fundadores e
todas as medidas conservadoras delas. Preso porque portava uma garrafa de Pinho Sol e organizadores do Foro de São Paulo, que congrega parte
operadas depois disso. Nós ficamos água sanitária na mochila. Em janeiro de 2018, a caminho dos movimentos políticos de esquerda da América Latina
da padaria na favela onde morava, foi novamente preso a e do Caribe. Foi candidato a presidente cinco vezes: em
na defensiva, um pouco congelados partir de um flagrante forjado, conforme apontaram várias 1989 (perdeu para Fernando Collor de Mello), em 1994
testemunhas, e foi acusado de associação e tráfico de dro- (perdeu para Fernando Henrique Cardoso) e em 1998
pela polarização PT versus antipetis- gas, mesmo estando sob vigilância. Na calada da noite, às (novamente perdeu para Fernando Henrique Cardoso) e
mo, e não sei se, de fato, havia ou- vésperas do feriado de 21 de abril, Rafael foi condenado
a 11 anos de prisão. Os advogados que defendem Rafael
ganhou as eleições de 2002 (derrotando José Serra) e de
2006 (derrotando Geraldo Alckmin). Lula bateu um recor-
tro caminho a não ser lutar contra Braga tentam recorrer da decisão. (Nota da IHU On-Line) de histórico de popularidade durante seu mandato, con-

18 DE JUNHO | 2018
REVISTA IHU ON-LINE

do sistema de justiça arbitrário, ra- investigação que, no fundo, sabemos tempo fomos também assistindo ao
cista e autoritário do qual a popula- fazer parte também das negociações crescimento do “estado máximo”: a
ção negra e pobre é vítima já faz tem- de um Estado feito por forças legais explosão do encarceramento, a ar-
po. Acontece que a arbitrariedade e e ilegais. bitrariedade da justiça, a atuação
o autoritarismo estão alcançando genocida da Polícia Militar, a milita-
A milícia tem assento na Câmara
agora outros lugares, estão também rização das favelas e periferias. É ób-
dos Vereadores do Rio de Janeiro,
atuando como atores políticos, pro- vio que temos que continuar lutan-
como lidar com isso? Temos que se-
curando hegemonia e legitimidade do por políticas distributivas, pela
guir as pistas de Marielle. Sua mili-
popular. O punitivismo, as práticas ampliação dos direitos sociais, não
tância, sua vida era perseguir outros
de linchamento estão presentes em podemos deixar tudo para eles. Mas
caminhos de politização que tinha
todos os lugares, estão infiltradas em precisamos entender que não basta
a ver com os laços, com o posicio-
nossa sociedade. As pessoas desejam mais ganhar eleições para dirigir esse
namento, com afetos fortes que se
mais prisão, mais punição, mais ex- Estado. Precisamos pensar formas
produzem quando compartilhamos
termínio. Esse é um lugar dificílimo de atuação autônomas que fortale-
o sofrimento, quando nos cuidamos.
de atuar. Passados três meses da çam experiências outras de organi-
Mas ela também sabia que o nosso zação da vida coletiva (algo que aliás
execução de Marielle5 e ainda assis- grande problema estava nessa dis- já se faz em quilombos, territórios
timos paralisados os rumos de uma seminação das práticas punitivistas, indígenas, ocupações de sem-teto,
nas relações cada vez mais íntimas espaços de vizinhanças), mas tam-
forme medido pelo Datafolha. Programas sociais como o
Bolsa Família e Fome Zero são marcas de seu governo, entre Estado e crime, entre poder bém novas formas de disputar esse
programa este que teve seu reconhecimento por parte militar e a desdemocratização da Estado, que seja também contra ele
da Organização das Nações Unidas como um país que
saiu do mapa da fome. Lula teve um papel de destaque nossa sociedade. próprio, uma política ativa de dis-
na evolução recente das relações internacionais, incluin-
do o programa nuclear do Irã e do aquecimento global. solução desse Estado para a cons-
É investigado na operação Lava Jato e foi denunciado em
setembro de 2016 pelo Ministério Público Federal (MPF), trução de outras formas de gover-
apontado como recebedor de vantagens pagas pela em-
IHU On-Line – Como Junho
no mais amparadas na democracia
preiteira OAS em um tríplex do Guarujá. No dia 12 de ju- de 2013 despertou um ponto de
lho de 2017, Lula foi condenado pelo juiz federal Sérgio direta, na autonomia de territórios,
Moro, em primeira instância, a nove anos e seis meses de interrogação sobre o que é ser
prisão em regime fechado por crimes de corrupção pas- na desmilitarização da vida. Não
siva e lavagem de dinheiro. No dia 24 de janeiro de 2018,
de esquerda? De que manei- 43
acho que temos que abandonar a
por unanimidade, os três desembargadores da 8ª Turma ra as esquerdas institucionais
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmaram a democracia representativa, mas
condenação de Lula, elevando a pena para 12 anos e um tendem a interpretar as lutas
mês de prisão. No dia 7 de abril de 2018 Lula, após man- ela só poderá se reoxigenar coe-
dado de prisão expedido pelo judiciário, entregou-se à
autonomistas?
Polícia Federal, onde se mantém sob custódia na Superin-
xistindo com outras possibilidades
tendência do órgão em Curitiba. (Nota da IHU On-Line) Alana Moraes – Eu acho que tem democráticas: mais diretas, mais
5 Marielle Franco [Marielle Francisco da Silva] (1979-
2018): socióloga, feminista, militante dos direitos huma- a ver, sobretudo, com a concepção autônomas e que levem em con-
nos e política nascida no Rio de Janeiro. Filiada ao Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), elegeu-se vereadora do
de Estado que a esquerda tem ela- ta uma politização permanente da
Rio de Janeiro na eleição municipal de 2016, com a quinta borado. Passamos anos dizendo que vida – a produção permanente de
maior votação. Crítica da intervenção federal no Rio de
Janeiro e da Polícia Militar, denunciava constantemente o inimigo era aquele que defendia o tempo livre! Uma política da vida
abusos de autoridade por parte de policiais contra mora- “estado mínimo”, que a luta era en- e na vida contra a necropolítica do
dores de comunidades carentes. Em 14 de março de 2018,
foi assassinada a tiros. (Nota da IHU On-Line) tre mercado contra Estado. E nesse Estado neoliberal. ■

Leia mais
- Contato e improvisação: O que pode querer dizer autonomia? Artigo de Alana Moraes
publicado no Cadernos IHU ideias, nº 268, disponível em http://bit.ly/2sWfMBd;
- Marielle e os dois pilares do poder e do capitalismo: o patriarcado e o aparato do Es-
tado penal racista. Entrevista especial com Alana Moraes e José Cláudio Alves Moraes
publicada na Notícias do Dia, de 23-3-2018, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU,
disponível em http://bit.ly/2JRSIxs;
- Não existe ‘outro mundo para se construir’. Existem outras relações e modos de vida
a se construir nesse mesmo mundo. Entrevista especial com Alana Moraes publicada na
Notícias do Dia, de 24-10-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em
http://bit.ly/2JVrFRE;
- Movimentos tradicionais, autonomistas e um novo ciclo de lutas no Brasil. Entrevista
especial com Alana Moraes publicada na Notícias do Dia, de 24-10-2017, no sítio do Institu-
to Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2sXCid0.

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

Nem coerentes, nem lógicas, as lutas


de Junho de 2013 sobrevivem à revelia
da compreensão da esquerda
Giuseppe Cocco analisa como as jornadas de Junho se
reproduzem a cada tentativa de negação
Ricardo Machado

L
á se vão cinco anos dos levantes de vendendo a nossa, a greve dos caminho-
Junho de 2013. Diferentemente de neiros traz às vistas o desmoronamento
uma perspectiva que pudesse com- institucional que vivemos. “Mesmo que
preender o fenômeno como algo isolado, a greve não tenha se consolidado como o
as jornadas de Junho parecem emergir a levante que suas bases autônomas procu-
cada tentativa de invisibilizá-la. Assim foi ravam, esse pacto acabou. Da ponte para
com a greve dos garis no Rio de Janeiro o futuro sequer sobrou a pinguela da qual
em 2014, com as ruas contra o esteliona- falava FHC, apenas um abismo: os gre-
to eleitoral em 2015, com as ocupações vistas afirmaram, pois, que a economia
universitárias e secundaristas em 2016 não é contabilidade, mas economia po-
e, mais recentemente, com a greve dos lítica. Dizem também que a política não
caminhoneiros, lembra Giuseppe Cocco, é pura racionalidade e ainda menos mar-
em entrevista por e-mail à IHU On-Li- cha para um futuro já dado. O que conta é
44 ne. “Oras, essa brecha era, em 2013, cla- a invenção do futuro”, pontua Cocco.
ramente democrática. Hoje ela é muito Giuseppe Cocco é graduado em Ciên-
mais complexa e indeterminada. Em cia Política pela Université de Paris VIII
Junho de 2013, a multidão declarou que e pela Università degli Studi di Padova,
‘queria tudo’, queria as cidades como es- mestre em Ciência, Tecnologia e Socieda-
paços comuns de sua reprodução produ- de pelo Conservatoire National des Arts
tiva e indicava claramente como obstácu- et Métiers e em História Social pela Uni-
lo a essa apropriação do comum o bloco versité de Paris I (Panthéon-Sorbonne), e
mafioso do biopoder. Em Junho, todas doutor em História Social pela Université
as lutas que sonhávamos aconteciam, a de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Atual-
começar pela contestação geral do bloco mente é professor titular da Universidade
do biopoder e da governamentalidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e editor
mafiosa”, destaca. das revistas Global Brasil, Lugar Comum e
Na avaliação do professor, a esquerda Multitudes. Coordena a coleção A Política
tem uma enorme dificuldade de compre- no Império (Civilização Brasileira). Publi-
ender os movimentos sociais, especial- cou entre outros livros New Neoliberalism
mente os de Junho de 2013. “O levante and the Other. Biopower, antropophagy
de Junho – apesar das responsabilidades and living money (Lanham: Lexington
petistas no agravamento das condições Books, 2018), em parceria com Bruno
de vida metropolitanas – não enxergava o Cava; Hélio Oiticica para além dos mi-
PT como sendo uma peça fundamental do tos (Rio de Janeiro: CMAHO, 2016), em
pacto de poder mafioso, mas apenas como parceria com Barbara Szaniecki e Izabela
uma peça marginal e constrangida. Quem Pucu; e Creative Capitalism and Multi-
entendeu que o levante só podia ser anti tudinous Creativity (Lanham: Lexington
-PT foi o próprio PT e o Lula”, critica. Books, 2015), também em parceria com
Barbara Szaniecki.
O paradoxo que se estabelece é que a
mesma elite que apoiou os megaeventos A entrevista foi originalmente publica-
– Copa do Mundo e Olimpíadas – ma- da nas Notícias do dia de 13-07-2018, no
nifestou “surpresa” diante das revela- sítio do Instituto Humanitas Unisinos,
ções da Lava Jato. Nesse impasse, em disponível em http://bit.ly/2yibsl3.
que a classe política salva a própria pele Confira a entrevista.

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REVISTA IHU ON-LINE

“Oras, essa brecha era, em


2013, claramente democrática.
Hoje ela é muito mais
complexa e indeterminada”

IHU On-Line – Como Junho Oras, essa brecha era, em 2013, o ajuste se desajustou: as multidões
de 2013 sobrevive passados claramente democrática. Hoje ela é estavam nas ruas e nas janelas, con-
cinco anos? muito mais complexa e indetermi- tra o estelionato (em 2015) e pelo
nada. Em Junho de 2013, a multidão impeachment (em 2016). A brecha
Giuseppe Cocco – Junho de declarou que “queria tudo”, queria foi continuamente reaberta, mas ela
2013 sobrevive hoje no sentido pró- as cidades como espaços comuns mesma passou a ser atravessada por
prio da palavra: “super” vive. Depois de sua reprodução produtiva e in- sinais trocados.
de junho de 2013, quem sobrevive, dicava claramente como obstáculo a
no sentido tradicional do termo, é essa apropriação do comum o bloco
a governabilidade mafiosa da qual mafioso do biopoder. Em Junho, to- IHU On-Line – Como as es-
o “PT realmente existente” tinha se das as lutas que sonhávamos acon- querdas compreenderam o mo-
tornado vergonhosamente uma peça teciam, a começar pela contestação vimento de Junho de 2013? No
articuladora, juntamente com aque- geral do bloco do biopoder e da go- que ele mantém sua potência
las tradicionais herdadas do regime vernamentalidade mafiosa. criativa e no que mantém sua 45
colonial e escravagista. O apoio que potência destrutiva?
PT, PCdoB e PSOL oferecem a (Nico- Toda a crítica que circulava hori-
zontalmente nas redes e nas ruas Giuseppe Cocco – Em geral, as
lás) Maduro1 hoje não é apenas um
passou a se expressar pelo ataque esquerdas não compreendem os
marco do cinismo dessas forças para
direto ao sistema que parasita a vida movimentos e, no caso de Junho de
com a tragédia do povo venezuelano
das multidões. Foi uma revolta da so- 2013, não entenderam nada mesmo.
reduzido à fome pelo “socialismo
realmente existente”, é mesmo um ciedade contra os partidos e contra o Junho de 2013 decretou a morte
sinal do que a esquerda realmente é, Estado enquanto dispositivos parasi- política do sistema de poder, mas
inclusive o “voto crítico”. tários de acumulação primitiva con-
tinuamente renovada. Depois disso,
A formidável mobilização dos cami- sabemos como o bloco mafioso que dente do Brasil, cargo que exerceu de 2003 a 1º de janeiro
nhoneiros bem como a incrível apro- de 2011. É co-fundador e presidente de honra do Partido
nos governa reagiu: inicialmente pa- dos Trabalhadores – PT. Em 1990, foi um dos fundadores e
vação popular desse movimento são cificou a Copa do Mundo; em segui-
organizadores do Foro de São Paulo, que congrega parte
dos movimentos políticos de esquerda da América Latina
os marcos da vitalidade do levante da conseguiu polarizar as eleições de e do Caribe. Foi candidato a presidente cinco vezes: em
de Junho. A cada vez que se tenta es- 2014 por meio da grande vitória que
1989 (perdeu para Fernando Collor de Mello), em 1994
(perdeu para Fernando Henrique Cardoso) e em 1998
quecê-lo, Junho reaparece com toda lhe ofereceu a nebulosa do “voto crí- (novamente perdeu para Fernando Henrique Cardoso) e
ganhou as eleições de 2002 (derrotando José Serra) e de
sua potência: lembremos a greve au- tico”; enfim lançou mão da narrativa 2006 (derrotando Geraldo Alckmin). Lula bateu um recor-
tônoma dos garis no Rio de Janeiro do “golpe” para embrulhar a reorga-
de histórico de popularidade durante seu mandato, con-
forme medido pelo Datafolha. Programas sociais como o
em fevereiro de 2014, as multidões na nização do pacto de governo. Bolsa Família e Fome Zero são marcas de seu governo,
programa este que teve seu reconhecimento por parte
rua contra o estelionato eleitoral em da Organização das Nações Unidas como um país que
2015, o movimento em apoio à Lava Mas não adiantou nada, pois o efei- saiu do mapa da fome. Lula teve um papel de destaque
na evolução recente das relações internacionais, incluin-
Jato e pelo impeachment em 2016. to de poder gerado pelas eleições do o programa nuclear do Irã e do aquecimento global.
Não se trata, obviamente, de repeti- compradas pelos bilionários desvios É investigado na operação Lava-Jato e foi denunciado em
setembro de 2016 pelo Ministério Público Federal (MPF),
ções de Junho, mas de reaberturas de dinheiro público apareceu nitida- apontado como recebedor de vantagens pagas pela em-
preiteira OAS em um triplex do Guarujá. No dia 12 de ju-
daquela brecha em termos cada vez mente como um estelionato e isso lho de 2017, Lula foi condenado pelo juiz federal Sérgio
diferentes e mais complexos. impediu qualquer forma de ajuste: Moro, em primeira instância, a nove anos e seis meses de
prisão em regime fechado por crimes de corrupção pas-
quando a arrogância autoritária da siva e lavagem de dinheiro. No dia 24 de janeiro de 2018,
por unanimidade, os três desembargadores da 8ª Turma
1 Nicolás Maduro Moros [Nicolás Moros] (1962): é um
presidente Dilma Rousseff tentou do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmaram
político venezuelano, atual presidente da República Bo- se adequar à esperteza do mentor a condenação de Lula, elevando a pena para 12 anos e
livariana da Venezuela. Depois de, como vice-presidente um mês de prisão. No dia 7 de abril de 2018 Lula, após
constitucional, assumir o cargo com a morte do presiden- (Lula2), já não havia mais margens e mandado de prisão expedido pelo judiciário, entregou-se
te Hugo Chávez, foi eleito em 14 de abril de 2013 para à Polícia Federal onde se mantém sob custódia na Supe-
mandato como 57º presidente da Venezuela. (Nota da rintendência do órgão em Curitiba. Atualmente é pré-can-
IHU On-Line) 2 Luiz Inácio Lula da Silva (1945): Trigésimo quinto presi- didato à presidência da república. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

o bloco do poder está bem vivo e (de cunho neoliberal ou trabalhista) ros e a interpretação da esquer-
determinado a se defender. O que fossem boas em si, pelos efeitos de da sobre o fenômeno?
houve de novo em Junho foi o fato “inclusão” e de “compensação” que
Giuseppe Cocco – Francamente,
que os objetivos, as manifestações, essas determinavam nas estatísticas
não sei nem dizer qual é a interpreta-
as práticas, por serem autorgani- que alimentavam o marketing eleito-
ção da esquerda. Fica tão “à côté de
zados entre as redes e as ruas, não ral. O “esquerdismo” criticava essas
la plaque” (uma expressão francesa
passavam mais pela pasteurização reformas por não se enquadrarem
para dizer fora do lugar, totalmente
das esquerdas: nem da dogmática e nos modelos de reformas (ou revo-
errada, inútil) que nem encontro o
supostamente radical, nem daquela luções) que a doxa da questão social
tempo de procurar saber. Prefiro ler
corrupta e supostamente pragmá- ditava. O fato é que o proletariado do
um livro sobre os Gulags, ou um livro
tica. Essa foi a grande novidade: as trabalho metropolitano não se inte-
do Camus4. Os caminhoneiros lutam
multidões iam para as ruas quando ressa nem pela adesão servil (lulista)
dando uma lição prática de autono-
e como queriam e atacavam o poder a uma determinada política social,
pelo que ele realmente era (e conti- mia e tem gente do voto crítico que
nem pela sua crítica formal (esquer-
nua sendo), sem mediações. Isso foi até a noção de autonomia querem
dista), mas em como isso muda suas
mortal para as esquerdas. levar para a mesma cova onde o PT
condições materiais de vida: mudan-
(e o socialismo real em geral) levou a
ça que se firma realmente como au-
Por um lado, os dogmas do esquer- própria ideia de esquerda.
mento da capacidade de lutar, como
dismo, sua liturgia marxista, sua
aprofundamento democrático. No Brasil, a intelectualidade e as
sociologia industrialista, suas ban-
deiras vermelhas apareceram pelo Contrariamente ao discurso infan- elites são totalmente autorreferen-
que são: abstrações que sufocam a til (e na realidade arrogante) do voto ciais: elas podem se chamar de es-
criatividade das lutas e dispositivos crítico que pretende “ensinar” à es- querda ou de direita, progressistas
que apenas visam à reprodução dos querda como se deve compreender ou conservadoras, inclusive uma
aparelhos das organizações (e de a subjetividade, Lula e o PT não têm parte da elite acusar a outra parte
suas repartições). Por outro, o PT e o nem a condição nem a vontade de de ser “elite branca”, “coxinha” etc.,
lulismo em geral, apesar de o movi- entender a produção de subjetivida- como no caso patético daqueles ví-
mento não ser inicialmente contra o deos nos quais uma filósofa uspeana
46 de: o que lhes interessa é dominá-la,
bradava seu ódio... contra si mesma.
governo Dilma, apareceram pelo que esvaziá-la, domá-la. Aqui está a iro-
tinham se tornado: peças centrais da nia: o levante de Junho – apesar das O fato é que se trata de um sistema
governamentalidade mafiosa. responsabilidades petistas no agra- fechado, esse sim elitista, que inclui
vamento das condições de vida me- a mídia também. Os mesmos que
Lula tropolitanas – não enxergava o PT apoiaram os megaeventos e todos
como sendo uma peça fundamental esses investimentos absurdos passa-
Ao passo que os intelectuais do PT do pacto de poder mafioso, mas ape- ram a manifestar seu estupor diante
não entendiam nada, Lula e seu apa- nas como uma peça marginal e cons- das “revelações” da Lava Jato e da
relho, depois do susto, passaram a trangida. É por isso que inicialmente inutilidade das obras. Os mesmos
entender perfeitamente que o levan- o levante não era declaradamente que gritam contra a mídia “golpista”
te – atacando o bloco mafioso do po- anti-PT nem anti-Dilma. Quem en- se tornam colunistas e comentado-
der – não deixaria nenhuma margem tendeu que o levante só podia ser res dessa mesma mídia. Os mesmos
para as mágicas do PT: não havia anti-PT foi o próprio PT e o Lula, que sociólogos, cientistas sociais e políti-
mais espaço para uma dissociação sabiam qual era o real pacto de san- cos que nada viram acontecer, con-
retórica do Bloco Mafioso esconder gue (para usar as palavras do Anto- tinuam pontificando e decidindo o
os esforços que o PT multiplicava nio Palocci3) ao qual o PT tinha, mais que é bom e o que é ruim. Os outros
para salvá-lo realmente. Esse foi um do que aderido, fornecido uma nova continuam patrulhando. É assim
fenômeno curioso e paradoxal. força, com a Nova Matriz Econômica que funcionava e assim que o bloco
De tanto acreditar em sua propa- e os dois Programas de Aceleração do poder quer que volte a funcionar.
ganda e nas análises de seus consul- do Crescimento - PACs. Mas a cada vez que essa restauração
tores que o Brasil tinha se transfor- parece definitiva, acontece algo que
mado no Eldorado da (nova) classe mostra que não é mais assim: quan-
média, o PT foi pego de surpresa e IHU On-Line – Como compre- do o PT conseguiu o criminoso es-
não sabia o que dizer, além de gritar ender a greve dos caminhonei- telionato eleitoral de 2014, logo de-
contra a ingratidão das massas. Não pois as multidões estavam na rua e
entendia nada do levante e de seus
3 Antonio Palocci Filho (1960): político e médico brasilei-
ro, membro do Partido dos Trabalhadores, nacionalmente
nas janelas; quando o impeachment
processos de produção de subjetivi- famoso por ter ocupado o cargo de ministro da Fazenda parecia ter permitido instaurar um
no governo Lula até 27 de março de 2006, quando foi
dade. Nisso, a esquerda corrupta e substituído pelo então presidente do BNDES, Guido Man-
tega. Exerceu, desde 1 de janeiro até 7 de junho de 2011, o 4 Albert Camus (1913-1960): escritor, novelista, ensaís-
a esquerda radical eram (e são) to- cargo de Ministro-chefe da Casa Civil do Brasil, escolhido ta e filósofo argelino. Confira a entrevista Camus entre a
talmente especulares: o PT pensava pela Presidente Dilma Rousseff, onde pediu demissão por
denúncias de improbidade administrativa das quais ele foi
emoção e a graça, concedida por Waldecy Tenório e ao
IHU On-Line em 03-02-2010, disponível em http://bit.ly/
mesmo que suas políticas sociais absolvido. (Nota da IHU On-Line) ihu030210. (Nota da IHU On-Line)

18 DE JUNHO | 2018
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pacto de transição para que a casta querda teve medo diante de Junho, Não houve, não, esse descompas-
“salvasse a pele vendendo a dos po- agora tem medo diante dos cami- so que é colocado na pergunta. Ju-
bres”, a radicalidade dos caminho- nhoneiros. Só não tem medo quando nho era e continuou popular mesmo
neiros e o enorme apoio popular que se trata de roubar, defender quem quando a mídia e o PT faziam esse
receberam mostrou que tudo isso já roubou, colocar o Exército na Maré discurso dos vândalos. No caso dos
acabou. ou decretar operações de Garantia caminhoneiros foi igual: inicialmen-
da Lei e da Ordem - GLO. te se disse que era locaute e depois se
Só que tudo isso tem um preço. Até
passou a dizer que havia os “infiltra-
que o PT conseguia mistificar sua Os caminhoneiros decretaram o fim
dos”, ao passo que, apesar da ame-
corrupção, política e moral antes do que sobrava do pacto de sustentação
aça do desabastecimento, a popula-
que material, havia como que uma de Temer. O “pacto do pato da Fiesp”
ridade se manteve firme e altíssima,
válvula de escape, a ilusão de um era esse: o governo Temer faz as refor-
como aconteceu com o movimento
horizonte de mudança possível na mas neoliberais e tem espaço livre para
de Junho de 2013.
renovação democrática. Hoje tudo acabar com a Lava Jato, a esquerda
isso foi para o brejo e a solidariedade fica no play ground gritando ao golpe Há uma outra questão, bem mais
de praticamente “toda” a esquerda (que na realidade deseja) e os pobres importante, aquela de se saber por
(mais uma vez, com o papel nefasto e os trabalhadores pagam o pato! Em que essa greve selvagem fez do tema
do voto crítico) ajudou a destruir a outros termos, a classe política salva da Intervenção Militar seu mote. Do
credibilidade geral da democracia a pele dela vendendo a nossa. Mesmo que a demanda por “intervenção mi-
como um todo. que a greve não tenha se consolidado litar” é o nome? A demanda popular
como o levante que suas bases autôno- por “intervenção militar” vem de lon-
mas procuravam, esse pacto acabou. ge e é o produto da insegurança civil
IHU On-Line – Até que pon- Da ponte para o futuro sequer sobrou que os pobres vivenciam por causa da
to a greve dos caminhoneiros a pinguela da qual falava FHC7, apenas guerra generalizada que os oprime:
atualiza Junho de 2013 e até um abismo: os grevistas afirmaram, o sistema constitucional de seguran-
que ponto produz rupturas ra- pois, que a economia não é contabili- ça (polícias, magistratura e outros
dicais? dade, mas economia política. Dizem corpos estatais) funciona como um
Giuseppe Cocco – Totalmente: também que a política não é pura ra- conjunto de dispositivos (milícias, 47
passamos das ruas para as estradas, cionalidade e ainda menos marcha máfias, lobbies, partidos, câmaras de
do Facebook para o WhatsApp, dos para um futuro já dado. O que conta a é vereadores etc.) que todos os dias e
20 centavos da passagem de ônibus invenção do futuro. em todos os lugares oprimem e espo-
aos 46 centavos do diesel. Foi um liam os pobres com taxas, pedágios,
momento potentíssimo. roubos, passagens etc. A demanda
IHU On-Line – Que subjetivida- por mudança é mesmo demanda por
O que a luta dos caminhoneiros des produzem um apoio maciço uma “intervenção”, e quem poderia,
está dizendo? Que os que vivem de da população à greve dos cami- nesse quadro onde todos os aparelhos
seu trabalho não querem pagar as nhoneiros e uma desconfiança estatais funcionam como partes dos
contas de Temer5 e de Dilma6 e que às jornadas de Junho, não raro dispositivos de opressão, ser o ator
o “fora Temer” do PT e seus puxa- classificando-as como vândalas? de “intervenção”? A única instituição
dinhos e tríplex é de mentirinha. Por que a esquerda institucional que tem força e ao mesmo tempo está
Mais uma vez, a quase totalidade da parece não ser capaz de compre- fora desse jogo: as Forças Armadas.
esquerda se apavora diante dos mo- ender nem uma nem outra? A “popularidade” da intervenção no
vimentos de luta real. É irônico, a es- Rio de Janeiro é talvez emblemática
Giuseppe Cocco – Quem man-
dessa primeira dimensão. Se trata de
5 Michel Temer [Michel Miguel Elias Temer Lulia] (1940): tém e reproduz essa ilusão de que a
político e advogado nascido em Tietê (SP), ex-presidente uma demanda constituinte. Claro,
do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB. esquerda vai se renovar é, mais uma
uma demanda “paradoxal”, pois nada
É o atual presidente do Brasil, após a deposição por im- vez, o voto crítico, que chega até a
peachment da presidenta Dilma Rousseff naquilo que que seja “demanda” é constituinte e
inúmeros setores nacionais e internacionais denunciam se dizer “autonomista” e na realida-
como golpe parlamentar. Foi deputado federal por seis o Exército, que está sendo legitima-
legislaturas e presidente da Câmara dos Deputados por de procura ocupar um espacinho de
do por essa difusa demanda popular,
duas vezes. (Nota da IHU On-Line) poder, um mandato de deputado fe-
6 Dilma Rousseff (1947): economista e política brasileira, será o mesmo que reprimirá os cami-
filiada ao Partido dos Trabalhadores – PT, eleita duas vezes deral, alguma organização do medo,
presidente do Brasil. Seu primeiro mandato iniciou-se em nhoneiros se isso vir a ser necessário
enfim, alguma migalha do espólio,
2011 e o segundo foi interrompido em 31 de agosto de para o restabelecimento da “ordem”.
2016. Em 12 de maio de 2016, foi afastada de seu cargo uma cura política da paranoia que os
durante o processo de impeachment movido contra ela. Mas as lutas não são nem coerentes
No dia 31 de agosto, o Senado Federal, por 61 votos fa- caracteriza.
voráveis ao impeachment contra 20, afastou Dilma defini- nem lógicas. O que importa é apre-
tivamente do cargo. O episódio foi amplamente debatido
nas Notícias do Dia no sítio do IHU, como, por exemplo, a 7 Fernando Henrique Cardoso (1931): sociólogo, cien-
endermos por onde passam as linhas
Entrevista do Dia com Rudá Rici intitulada Os pacotes do tista político, professor universitário e político brasileiro. dos paradoxos e das contradições.
Temer alimentarão a esquerda brasileira e ela voltará ao Foi o 34º presidente do Brasil, por dois mandatos conse-
poder, disponível em http://bit.ly/2bLPiHK. Durante o go- cutivos, entre 1995 e 2003. Conhecido como FHC, ganhou Esse trabalho funciona na realidade
verno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu a
chefia do Ministério de Minas e Energia e posteriormente
notoriedade como ministo da Fazenda (1993-1994) com a
instauração do Plano Real para combate à inflação. (Nota
como um enigma que ainda demanda
da Casa Civil. (Nota da IHU On-Line) da IHU On-Line) ser enfrentado. ■

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

Leia mais
- O levante de Junho de 2013 atacou o “hard power” brasileiro. Entrevista especial com
Giuseppe Cocco publicada nas Notícias do Dia, de 27-9-2017 , no sítio do Instituto Humani-
tas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2JM0hpf;
- A novidade da Lava Jato. Ataque ao modo de reprodução do patrimonialismo mafioso e
neocolonial. Entrevista especial com Giuseppe Cocco publicada nas Notícias do Dia, de 21-
11-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2HH8TbF;
- A preocupação com a verdade, com a democracia e com os pobres - Desafio para
uma esquerda ética e não nominalista. Entrevista especial com Giuseppe Cocco publica-
da nas Notícias do Dia, de 16-9-2016 , no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, dispo-
nível em http://bit.ly/2JFPqdd;
- Da Aletheia à Parresia. Vamos sair da passividade e ousar na perspectiva das práti-
cas de inovação da democracia? Entrevista especial com Giuseppe Cocco publicada nas
Notícias do Dia, de 6-3-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em
http://bit.ly/2t6epPY;
- “Toda a representação está num impasse”. Entrevista especial com Giuseppe Cocco
publicada nas Notícias do Dia, de 5-1-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU,
disponível em http://bit.ly/2JxPGPt;

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O terremoto de Junho de 2013 foi sufocado


e não oxigenou a política brasileira
Na avaliação do sociólogo Luiz Werneck Vianna, o desejo de
renovação política que emergiu pelos levantes foi engolido
pelo sistema político que se sentiu ameaçado
Patricia Fachin

O
“terremoto” de Junho de 2013 qual não estávamos preparados”. “Isso
não foi capaz de propiciar significa uma ruptura, um afastamen-
mudanças substanciais na so- to e uma distância muito grande com a
ciedade brasileira. “A sociedade ficou política centrada no Estado, com a qual
igual, o governo e o legislativo não vivemos desde 1930. Nós estamos viven-
providenciaram mudanças, e tudo isso do agora uma nova configuração do Es-
terminou no impeachment, como uma tado-Sociedade sem que a sociedade te-
derivação natural, uma falta de reação nha pensado nisso, esteja querendo isso.
a um grande sinal de que algo precisava Aliás, há candidatos que preconizam a
mudar”, avalia o sociólogo Luiz Werne- volta do status quo anterior, quer dizer,
ck Vianna na entrevista a seguir, con- a volta à experiência do governo de Dil-
cedida por telefone à IHU On-Line, ma Rousseff, que foi uma experiência
ao fazer um balanço das manifestações desastrosa para o país, com desemprego
que ocorreram cinco anos atrás. e inflação altíssimos”, menciona.
49
Apesar de as jornadas de 2013 terem Luiz Werneck Vianna é professor
expressado o desejo por uma mudança -pesquisador na Pontifícia Universida-
na política, com o slogan “Vocês aí em de Católica - PUC-Rio. Doutor em So-
cima não nos representam; queremos ciologia pela Universidade de São Paulo
uma outra política”, a mensagem não - USP, é autor de, entre outras obras, A
foi compreendida à direita e à esquerda, revolução passiva: iberismo e america-
ao contrário, as manifestações assusta- nismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan,
ram os governantes, que sufocaram as
1997), A judicialização da política e das
possibilidades de oxigenação da polí-
relações sociais no Brasil (Rio de Ja-
tica. Essa reação, adverte, “levou a um
neiro: Revan, 1999) e Democracia e os
distanciamento ainda maior entre par-
três poderes no Brasil (Belo Horizonte:
tidos e a sociedade, e a uma indiferen-
UFMG, 2002). Sobre seu pensamento,
ça, sobretudo da juventude, em relação
leia a obra Uma sociologia indignada.
à política”, porque “não se aproveitou
Diálogos com Luiz Werneck Vianna,
aquele movimento que vinha de baixo,
organizada por Rubem Barboza Filho
com tanta intensidade, para renovar o
e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed.
sistema político, para oxigená-lo. Aba-
UFJF, 2012). Werneck acaba de lançar
fou-se a força daquele movimento e o
seu mais novo livro, Diálogos gramscia-
resultado disso foi o enfraquecimento
nos sobre o Brasil atual (Brasília: Fun-
da política, dos partidos e do fenômeno
dação Astrojildo Perreira, 2018).
político enquanto tal”, resume.
A entrevista foi originalmente pu-
A principal consequência de Junho de
2013, na avaliação do sociólogo, foi uma blicada nas Notícias do Dia de 17-07-
mudança de rota política, com o fim do 2018, no sítio do Instituto Humanitas
governo Dilma e a introdução de uma Unisinos – IHU, disponível em http://
nova lógica na condução da política eco- bit.ly/2MvdZvj.
nômica, “uma política econômica para a Confira a entrevista.

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TEMA DE CAPA

IHU On-Line — Que balan- 1930. Nós estamos vivendo agora uma força nessa movimentação dos cami-
ço faz de Junho de 2013, cinco nova configuração do Estado-Socieda- nhoneiros. Por toda parte assistimos
anos depois? de sem que a sociedade tenha pensado a um processo de desinstitucionali-
nisso, esteja querendo isso. Aliás, há zação e isso enfraquece a democracia
Luiz Werneck Vianna — As so-
candidatos que preconizam a volta do e a vida política, e torna a vida social
ciedades democráticas, quando co-
status quo anterior, quer dizer, a vol- imprevisível, sujeita a chuvas e tro-
nhecem pequenos abalos, têm meca-
ta à experiência do governo de Dilma voadas, flutuando de lá para cá sem
nismos de sintonia com eles e mudam,
Rousseff, que foi uma experiência de- nenhum sistema de orientação visí-
procuram identificar a fonte desses
sastrosa para o país, com desemprego vel. Qual é o regimento dessa greve
abalos e mudam. Quando uma so-
e inflação altíssimos. dos caminheiros para a democracia
ciedade não é tão democrática assim,
brasileira? Zero, negativo. Para os
nem um terremoto como aquele foi
sindicatos? Zero, negativo.
capaz de propiciar mudanças: a socie-
dade ficou igual, o governo e o legisla- “Qual é a
tivo não providenciaram mudanças e
tudo isso terminou no impeachment, previdência de IHU On-Line — Mas por que
ela recebeu apoio de grande
como uma derivação natural, uma fal-
ta de reação a um grande sinal de que
um magistrado parte da população?

algo precisava mudar. E como esse


sinal grande não foi registrado, meta-
e qual é a Luiz Werneck Vianna — Por-
que tudo que seja contra a política e
bolizado e assimilado, entramos numa
descendente que terminou no impea-
previdência de contra esse governo está com apoio
da população. A mídia tem tido um
chment, que é sempre um processo
doloroso, que deixa marcas, as quais
um operário? É papel muito negativo em todos es-
ses processos: perde a complexidade
estamos experimentando agora. uma diferença dele, trabalha de modo positivo-ne-
gativo, parte do suposto de que está

IHU On-Line — Nada mudou


abissal” tudo errado; tudo errado não está.
Muitas das medidas que foram assu-
50
desde Junho de 2013 para cá, midas pelo governo que sucedeu ao
IHU On-Line — Além dessas
ou houve mudanças em decor- de Dilma são ajuizadas e estão sendo
mudanças políticas que men-
rência do impeachment? bem-sucedidas.
ciona, Junho gerou consequ-
Luiz Werneck Vianna — As jor- ências sociais ao longo desses
nadas de Junho foram uma sinaliza- cinco anos? IHU On-Line — Quais, por
ção forte, mas nada se fez para mu- exemplo?
Luiz Werneck Vianna — É difícil
dar o curso dos acontecimentos que
de qualificar. Mas Junho de 2013 le- Luiz Werneck Vianna — A po-
estavam sendo desenhados nessas
vou a um distanciamento ainda maior lítica econômica, por exemplo. Exis-
mesmas jornadas de 2013. As mani-
entre partidos e a sociedade, e a uma tem medidas de natureza democrá-
festações levaram a uma mudança,
indiferença, sobretudo da juventude, tica, como a reforma da Previdência
mas não a uma mudança controlada,
em relação à política. Não se apro- ante as desigualdades brasileiras que
e sim a uma mudança que acabou
veitou aquele movimento que vinha perpetuam. Qual é a previdência de
sendo precedida pelas instituições
de baixo, com tanta intensidade, para um magistrado e qual é a previdên-
democráticas para o impeachment,
renovar o sistema político, para oxige- cia de um operário? É uma diferen-
que faz parte da nossa Constituição.
ná-lo. Abafou-se a força daquele movi- ça abissal. O sistema previdenciário
O impeachment introduziu outra ló- mento e o resultado disso foi o enfra- mantém as desigualdades sociais. O
gica: nós nos desprendemos da políti- quecimento da política, dos partidos e nosso inimigo real agora, aliás, há
ca anterior, que deu sinal de exaustão, do fenômeno político enquanto tal. muito tempo, são as desigualdades
e foi isso que 2013 quis dizer — “não sociais, elas é que impedem um bom
nos representam”. Junho de 2013 andamento da democracia brasileira.
deu as costas ao sistema e aos parti- IHU On-Line — Como avalia E os setores altos da população, que
dos políticos, deu as costas à política a greve dos caminhoneiros dominam as rédeas do Estado, têm
econômica que o governo Dilma pra- que aconteceu no final do mês sido capazes de defender, com suas
ticava e abriu-se a possibilidade de passado? fortíssimas corporações, todos os
outra política econômica, uma política seus interesses, enquanto o sindica-
econômica para a qual não estávamos Luiz Werneck Vianna — É um lismo dos setores subalternos perdeu
preparados. Isso significa uma ruptu- acontecimento que deve ser levado a força. Inclusive porque, quando dos
ra, um afastamento e uma distância um passivo desse desmonte dos par- governos do PT, eles foram trazidos
muito grande com a política centrada tidos, dos sindicatos — os sindicatos para dentro do Estado, controlados
no Estado, com a qual vivemos desde não estiveram presentes com tanta pelo Estado e perderam autonomia.

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Tenho a impressão de que agora IHU On-Line – Mas o enfren- Pestana3. Ainda tem tempo de isso
estamos iniciando um caminho de tamento das desigualdades de- fertilizar o solo árido em que nos
volta, de autonomia da vida sindical, pende dos sindicatos nos dias encontramos.
que é fundamental para lutar contra de hoje? Na atual configuração
as desigualdades sociais. Sindicatos do mundo do trabalho, os tra-
livres, autônomos, fortes e aguer-
ridos que sejam capazes de forçar,
balhadores ainda têm interesse
em sindicatos?
“O que a
como já ocorreu nas grandes demo-
cracias, um processo de igualação
Luiz Werneck Vianna – O sin- esquerda tem
social mais efetivo. A social-demo-
dicalismo está fraco e ele se enfra-
queceu por essa política que veio dos que fazer é dar
cracia nasceu assim na Europa.
Os anos 30 nos trouxeram a legis-
anos 30, mas essa política tem que
ser interrompida. Ao meu ver o que
todo o poder
lação social e com ela direitos sociais
do mundo do trabalho, mas não para
a esquerda tem que fazer é dar todo
o poder aos sindicatos, para ficar
aos sindicatos
todos; o mundo do campo ficou fora.
Isso foi feito com uma condição que
numa fórmula fácil. É preciso refor-
çar a vida sindical e a vida associati-
para ficar numa
veio a ter uma importância funda-
mental: a de que os sindicatos que
va em geral e isso foi anunciado de
maneira meio torta pelo movimento
fórmula fácil”
ganharam direitos foram manti- de Junho de 2013, só que isso não
dos sob uma tutela estatal que não encontrou respostas e terminamos IHU On-Line – Como, na sua
concedeu autonomia aos sindicatos com a política da presidente Dilma, avaliação, partidos, movi-
e, consequentemente, livre movi- que acabou sendo interrompida por- mentos e políticos à direita e
mentação para lutar por melhores que levou a um desastre político, à esquerda compreenderam e
salários. A política salarial de lá até econômico e social. tentaram oferecer respostas à
recentemente, passando pelo regi- insatisfação política que emer-
me militar, pelo governo Juscelino giu em Junho de 2013?
Kubitschek e por períodos democrá- IHU On-Line – Por que neste
ano de eleições não estão surgin- Luiz Werneck Vianna – A direita 51
ticos, foi a de restrição de movimen-
tação dos trabalhadores, inclusive do grandes manifestações como reagiu de forma absolutamente nega-
em certos momentos, negando até o aquelas de Junho de 2013? tiva, invocava repressão e tudo mais.
direito de greve. Isso fez com que os A esquerda institucionalizada — o PT
Luiz Werneck Vianna – Não — viveu 2013, reagiu contra 2013, se
direitos fossem concedidos e manti- estão, o que não quer dizer que
dos a um mínimo sem que a luta sin- sentiu ameaçada por 2013. A esquer-
não haja possibilidade para que a da não entendeu que era necessário
dical pudesse ampliá-los. nossa crise seja melhorada, para instituir mudanças que abrissem o
Nós vivemos um momento de que encontremos alternativas para sistema político para os de baixo. Eles
possibilidade efetiva de os sindi- ela. Estamos procurando, meio em estavam dizendo claramente: “Vocês
catos lutarem por mais igualdade cima da hora, saídas que não sejam
aí em cima não nos representam;
entre capital e trabalho e por mais nem uma volta à política anacrôni-
queremos uma outra política”. Eles
igualdade na vida social. Essa é a ca anterior, nem a interrupção da
não disseram: “Não queremos polí-
mudança mais importante que te- vida política e social brasileira pela
tica”. Os jovens de 2013 disseram:
mos à nossa frente para realizar. direita. O sinal positivo que ainda
“Queremos outra política, uma polí-
Ela depende, a meu ver, de os se- não deu seus frutos foi o Manifesto
tica que nasça de baixo, que admita
tores subalternos começarem a se por um polo democrático e refor-
mais participação na elaboração das
auto-organizar e a lutar por seus di- mista1, lançado pelo senador Cris-
políticas públicas”. Para mim foi isso
reitos no sentido de diminuir o pa- tovam Buarque2 e pelo deputado
que 2013 quis dizer.
drão de desigualdade da sociedade federal de Minas Gerais, Marcus
brasileira. Isso leva ao conflito, leva Eu era estudante, ainda secunda-
à luta. É para essa luta que temos 1 Manifesto por um pólo democrático e reformista: é um rista, quando uma greve contra o
manifesto lançado em junho de 2018 em Brasília, propon-
que nos preparar. O Estado não vai do a unificação de candidaturas à presidência da Repúbli- aumento da passagem dos bondes
ca para evitar o crescimento de candidatos considerados
trabalhar – e nem tem como – para extremistas. São signatários do documento Cristovam afetou a capital federal onde à época
que a igualdade social ou políticas Buarque, Fernando Henrique Cardoso, Marcus Pestana e era a sede do governo da República.
Aloysio Nunes Ferreira. (Nota da IHU On-Line)
de igualdade social se estabeleçam. 2 Cristovam Buarque (1944): nascido em Recife, é enge- O que Juscelino [Kubitscheck]4 fez?
nheiro mecânico, economista, educador, professor uni-
Isso tem que ser feito pelos pró- versitário e político. Filiado ao Partido Popular Socialista
(PPS). É o criador da Bolsa-Escola, que foi implantada pela 3 Marcus Pestana: é um político brasileiro do estado de
prios interessados: os trabalhado- primeira vez em seu governo no Distrito Federal. Foi reitor Minas Gerais. Foi vereador de Juiz de Fora. Atualmente é
res. É essa pequena reflexão que da Universidade de Brasília – UnB de 1985 a 1989. Go- deputado federal por Minas Gerais e foi presidente do PS-
vernador do Distrito Federal de 1995 a 1998. Elegeu-se DB-MG de 2011 a 2013. (Nota da IHU On-Line)
temos que fazer quando pensamos senador pelo Distrito Federal em 2002. Foi ministro da 4 Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976): médico
nas possibilidades que estão aber- Educação entre 2003 e 2004, no primeiro mandato de
Lula. Reelegeu-se em 2010 para o Senado, com mandato
e político brasileiro, conhecido como JK. Foi presidente do
Brasil entre 1956 e 1961, sendo o responsável pela cons-
tas para a democracia brasileira. até 2018. (Nota do IHU On-Line) trução de Brasília, a nova capital federal. Juscelino instituiu

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

Chamou a liderança do movimento com ele e o movimento acabou. Com e continuou a ser exatamente o que
estudantil: o presidente da União a tempestade que ocorreu em 2013, era. E era exatamente isso que a so-
não se mexeu um dedo para se pro- ciedade estava dizendo: mude, e ele
Nacional dos Estudantes - UNE5 foi
curar uma alternativa; é diferente. O não mudou. Na esteira disso, o que
chamado ao Palácio, foi negociado PT se achava o senhor, o titular dos tivemos? Um segundo governo Dil-
movimentos sociais e foi ameaçado ma, que foi ruim, e o impeachment.
o plano de governo baseado no slogan “Cinquenta anos
em cinco”, direcionado para a rápida industrialização do por esse movimento espontâneo da
País (especialmente via indústria automobilística). Além
juventude e não soube responder. Agora é hora de um novo começo,
do progresso econômico, no entanto, houve também um
grande aumento da dívida pública. Sobre JK, confira a edi- Procure a presença do PT em 2013. mas esse novo começo tem que co-
ção 166, de 28-11-2005, A imaginação no poder. JK, 50
anos depois, disponível em http://bit.ly/ihuon166 . (Nota Não encontraremos. É isto: ele não meçar pela reflexão. Nesse sentido, o
da IHU On-Line)
5 União Nacional dos Estudantes – UNE: é a principal en- se aproveitou de um movimento de tema da entrevista é muito relevante
tidade estudantil brasileira. Representa os estudantes do regeneração e de democratização porque nos faz refletir, e não há saí-
ensino superior e tem sede em São Paulo, possuindo sub-
sedes no Rio de Janeiro e Goiás. (Nota da IHU On-Line) da vida social, se fechou em copas da para nós sem a reflexão. ■

Leia mais
- O aperfeiçoamento da democracia política. Entrevista com Luiz Werneck Vianna, publi-
cada na Revista IHU On-Line n. 519, de 9 abril de 2018, intitulada 30 anos da Constituição. A
experiência cidadã incompleta, disponível em https://bit.ly/2JQ65xP.
- “O Judiciário usurpou o papel que era da política”. Entrevista especial com Luiz Werneck
Vianna, publicada nas Notícias do Dia de 18-1-2018, no sítio do Instituto Humanitas Unisi-
nos - IHU, disponível em https://bit.ly/2Jp1fET.
- A Carta de 88 e a democracia brasileira estão em risco. Ou aparece uma política de
moderação, ou vamos ladeira abaixo”. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna, pu-
52 blicada nas Notícias do Dia de 22-9-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU,
disponível em https://bit.ly/2GDgg4g.
- É preciso coragem, paciência e ética de responsabilidade para interromper a moder-
nização autoritária. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna, publicada nas Notícias
do Dia de 3-7-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em https://bit.
ly/2GK8y8A.
- O nevoeiro persiste e as bolas de ferro nos pés nos mantêm no mesmo lugar. Entrevis-
ta especial com Luiz Werneck Vianna, publicada nas Notícias do Dia de 14-8-2016, no sítio
do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em https://bit.ly/2qgBQoj.

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A política para além do apego religioso ao


Estado, da fetichização do progresso e da
secundarização das questões ambientais
João Paulo do Vale de Medeiros analisa a maneira pela qual
a esquerda obcecada pelo Estado é incapaz de imaginação
política para além das estruturas burocráticas de poder
Patricia Fachin

O
“apego religioso” da esquerda América do Sul e frisa que os atuais mo-
ao Estado, sua “fetichização delos de Estado e democracia não nos
do progresso” e a “secundari- servem mais. “O Estado que temos hoje
zação das questões ambientais”, espe- é a continuidade de um projeto que co-
cialmente na América Latina, demons- meçou a nascer na Europa no final sé-
tram que a esquerda tem “dificuldade culo X, por uma necessidade de merca-
em lidar com cenários mais complexos, do. Esse Estado, ao contrário do que se
como foi o caso dos atos de junho de diz, não surge por uma vontade de bem
2013, cujo erro de análise quase era comum, mas pela imposição de uma
cometido mais uma vez com a greve classe, a burguesa, que o dirige segun- 53
dos caminhoneiros, onde uma parte da do suas vontades. (...) Somos uma es-
esquerda, dessa vez minoria, adotou o querda viciada em Estado, que não con-
pensamento cartesiano”, avalia João segue enxergar a utopia para além das
Paulo do Vale de Medeiros, professor estruturas burocráticas de poder. Como
de Direito na Universidade Federal do diz Raúl Zibechi, ‘o poder estatal é um
Rio Grande do Norte. problema grave que transforma os re-
volucionários em uma nova burguesia
 Na entrevista a seguir, concedida por
de gestores, que não são proprietários
e-mail à IHU On-Line, ele frisa que a
dos meios de produção, mas, a partir do
esquerda precisa saber se inserir nos
poder, os administram em benefício da
cenários mais complexos, que são co-
nação e de si mesmos’”.
muns na América Latina. No caso da
greve dos caminhoneiros, exemplifica, A entrevista foi originalmente pu-
“creio que acertadamente, tivemos que blicada nas Notícias do dia de 07-06-
abandonar mais uma vez os manuais 2018, no sítio do Instituto Humanitas
importados, deixando de exigir do povo Unisinos – IHU, disponível em http://
tão sofrido e vítima de alienação, um bit.ly/2lhvh2F.
purismo ideológico que nem nós temos. João Paulo do Vale de Medeiros
Ela foi, ao mesmo tempo, um grito dos é graduado em Direito pela Universida-
oprimidos e uma estratégia do empre- de do Estado do Rio Grande do Norte
sariado”. E acrescenta: “A greve dos ca- - UERN, mestre em Meio Ambiente e
minheiros foi um rasgo na história po- Desenvolvimento pela Universida-
lítica deste país. Ela conseguiu algo que de Federal do Rio Grande do Norte –
sempre tentamos, que foi não apenas UFRN e atualmente faz doutorado no
uma paralisação de impacto nacional Programa de Pós-graduação em Socio-
duradouro, mas o apoio da população logia e Direito da Universidade Federal
que, mesmo prejudicada, aderia ideolo- Fluminense - PPGSD/UFF. É coorde-
gicamente ao paro”. nador do Projeto Ser-tão de assessoria
 Medeiros também comenta as seme- jurídica e educação popular no semiá-
lhanças e a transição do neoliberalis- rido.
mo para o neodesenvolvimentismo na  Confira a entrevista.

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TEMA DE CAPA

IHU On-Line – Em artigo re- mos economicamente — ao mesmo para que pudéssemos nos localizar
cente você menciona a tran- tempo que crescia o fosso entre os melhor temporalmente e geogra-
sição do neoliberalismo para mais ricos e os mais pobres. ficamente no que acontecia. Não
o neodesenvolvimentismo. seria um erro, acredito, dizer que o
Como isso se deu e que aspec- neodesenvolvimentismo é uma evo-
tos políticos e econômicos mar-
cam essa transição?
“É dito que em lução do neoliberalismo, parte das
mutações a que o pensamento e a
 João Paulo do Vale de Medei- uma política política neoliberal já se permitiram
em outros momentos da história.
ros – Essa é uma reflexão que se faz
da América Latina, especialmente da neoliberal o Adaptado a novas épocas e com no-
vas estratégias, mas sem perder sua
América do Sul. A parte da América
Central, apesar de economicamente Estado está essência, algo como um neoliberalis-

ausente – o que
muito parecida com a parte Sul, não mo tropical. Por isso, acho que não
viveu o bloco de governos progres- seria bom situarmos neoliberalismo
sistas das bandas de cá. Gosto de di-
vidir a reflexão sobre as últimas dé-
sabemos que e neodesenvolvimentismo em cam-
pos opostos, mas como uma conti-
cadas em blocos, ou períodos: o dos
regimes militares, do neoliberalismo
é uma grande nuidade ou evolução diabólica.
 
e do “neodesenvolvimentismo”. Mas
também é importante não perder de
mentira” IHU On-Line – Como o Estado
atua no neoliberalismo e no ne-
vista os limites dessa análise mais odesenvolvimentismo? Quais
geral devido às especificidades de   são os pontos de convergência
cada país, sob o risco de cair numa   IHU On-Line – Quais são os da atuação do Estado nesses
leitura homogênea ou linear da his- aspectos distintivos do neoli- dois modelos?
tória. De qualquer forma, os eixos de beralismo e do neodesenvolvi-
interligação são muito fortes, e per- mentismo? João Paulo do Vale de Medei-
mitem essa digressão. ros – É dito que, em uma política
54  João Paulo do Vale de Medei- neoliberal, o Estado está ausente —
  As mazelas sociais acumuladas ros – Afirmei em outro texto: Neo- o que sabemos que é uma grande
nos dois primeiros períodos deram liberalismo, de uma maneira geral, é mentira. Os capitalistas não seriam
origem a grupos de esquerda com- quando as empresas — internacio- ingênuos. Nos liberalismos não exis-
bativos (movimentos sociais, par- nais e nacionais — gerem a política te uma repulsa religiosa ao Estado,
tidos, sindicatos, igrejas etc.) que econômica de uma nação. Não são tanto que as forças repressivas esta-
conseguiram/optaram canalizar os tanques e a tortura que impõem tais são sempre bem-vindas. O que
suas forças também na via eleito- amarras à população — como nas ocorre é o impedimento da interfe-
ral, acumulando vitórias. Eis o ciclo ditaduras militares —, é o mercado rência do Estado na livre dinâmica
dos governos progressistas, que se globalizado, com uma fantasiosa da sociedade de mercado; é uma
confunde com o período neodesen- aparência de liberdade, que é o res- organização e estruturação seletiva
volvimentista. Nosso continente car- ponsável pelo julgo. No neodesen- do Estado. Ele aparece em pontos
rega uma complexidade política de- volvimentismo a política econômica estratégicos para a manutenção do
safiadora. As categorias sociológicas é bem parecida, só que com a parti- modelo, como nas forças repressivas
mais tradicionais, às vezes, não dão cipação do Estado, que, ao mesmo e na salvaguarda das empresas por
conta de explicar tudo. Esses gover- tempo, potencializa o modelo capi- meio dos bancos públicos.
nos progressistas, uma vez no poder, talista e efetua políticas públicas não
não cambiaram as bases estruturais estruturais com os dividendos acu- Parece-me que no neodesenvol-
da política econômica, mas realiza- mulados. Como disse Lula uma vez: vimentismo — ou neoliberalismo
ram uma mistura de Estados fortes, “no meu governo todo mundo ga- tropical — essa atuação estratégica
ideologias de esquerda ou centro-es- nha, rico e pobre”. Sem, contudo, di- ganha novos contornos, já que o Es-
querda e modelo capitalista de de- zer que os ricos ganharam bem mais, tado é mais presente, ele atua tam-
senvolvimento. A alta do preço das bém para impulsionar a economia
como exemplo os bancos, que nunca
commodities deu legitimidade eco- capitalista, seja através de partici-
acumularam tanto lucro quanto nos
nômica a esse processo — viramos pação econômica em empresas pri-
governos petistas. Ou o agronegócio,
o celeiro do mundo. De um lado, vadas ou no seu financiamento por
escolhido como mola do desenvol-
reprimarizando a economia e conso- meio de bancos públicos, ou ainda
vimento. Ele tinha tanta força nos
lidando o modelo de dependência e na regulação das taxas de juro. Os
governos petistas que era ao mesmo
colonialidade; de outro, permitindo neoliberais perceberam que melhor
tempo oposição e situação.
o investimento em políticas públicas que um Estado inimigo e ausente, é
sem, contudo, tocar nas estruturas   Ao que me parece, o termo neo- um próximo e amigo. Se a esquerda,
de poder e desigualdade. Nós cresce- desenvolvimentismo foi cunhado antes das conquistas eleitorais, era a

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principal inimiga do capital, uma vez terior, não é isso? Eu não preciso  É claro que há saída. Não pode-
no poder ela optou por sua parceria repetir aqui as conquistas sociais mos nos render aos fatalismos que
no modelo de desenvolvimento. Em dos governos petistas, que são mui- dizem que as coisas só podem ser
resumo: ruim é a interferência esta- tas e inegáveis. Os governos que assim. Isso é o que os poderosos
tal anticapitalista. Um Estado forte, optaram por esse modelo conse- querem que acreditemos. Mas o
mas que use sua estrutura em bene- guiram vários avanços comparados modelo não está dado — ainda bem,
fício das grandes empresas, é sem- aos períodos anteriores, de redução ele deve estar em permanente cons-
pre bem-vindo. da pobreza a políticas de inclusão. trução. Este é um dos problemas:
Como afirmei, esse rearranjo do achar que existe um único modelo
  neoliberalismo permitiu que o Es- fixo no espaço e no tempo. Existem,
IHU On-Line – Por que, na tado efetuasse políticas públicas porém, premissas centrais: uma de-
sua avaliação, os governos inclusivas. O problema é quando a las é romper com o capital, ou per-
progressistas apostaram no reflexão começa e acaba aí. Existem maneceremos nessa insistente con-
neodesenvolvimentismo na coisas antes e depois que não po- tradição de espoliar os pobres para
América Latina? dem ser deixadas de lado. É muito poder conceder-lhes algo; abando-
  João Paulo do Vale de Me- contraditório não haver, em geral, no do modelo extrativista — já pas-
deiros – Somos muito apegados à uma reflexão sobre os limites dessa sou do tempo de percebermos que
ideia de progresso e modernidade, aposta no neodesenvolvimentismo. a luta dos/as oprimidos/as é a luta
que seriam etapas fundamentais na A aposta da inclusão desses países da natureza; construção a partir de
emancipação que um dia viria. Uma na geopolítica internacional através baixo e da pluralidade, horizontali-
romantização de uma suposta evo- do mercado de commodities e da zando os processos e trocando a luta
lução linear da história, que nega, emancipação das pessoas através do por poder pela luta por um outro
inclusive, a própria dialética. Muita consumo provocou feridas graves, mundo possível e necessário.
gente acredita que o problema cen- seja na destruição dos territórios e
tral não é o modelo, mas quem o di- da natureza ou nas subjetividades.
rige. Basta apenas trocar o motorista
que tudo caminhará bem. É o que
A aposta neoliberal — ou neodesen-
volvimentista — nos torna também “Os neoliberais
55
lembra Immanuel Wallerstein [1]:
“a adesão marxista ao modelo evolu-
sujeitos neoliberais, onde tudo é
permitido mercantilizar, de nossos perceberam
cionário do progresso tem sido uma
enorme armadilha, da qual os socia-
corpos, sonhos e mentes às fontes
de água e aos ventos.
que melhor
listas só começaram a desconfiar re-
centemente, como um elemento da
   que um Estado
crise ideológica que é parte da crise
IHU On-Line – Quais são as
dificuldades da esquerda lati- inimigo e
estrutural global da economia mun-
dial capitalista”.
no-americana em considerar
as questões ambientais em ausente, é
 Quando a esquerda chega ao po-
der, vê como possibilidade forte de
seus projetos de desenvol-
vimento? Ainda nesse senti- um próximo
crescimento econômico o mode-
lo extrativista e de exportação de
do, haveria uma alternativa
à esquerda em contraposição
e amigo”
commodities. E como isso não seria a essa aposta no desenvol-
vimentismo que faz uso dos   
contra a sua agenda de progresso,
recursos naturais, ou não há IHU On-Line – Você declarou
adota-os como eixos econômicos.
saída? Se sim, o que seria um recentemente que o modelo
Os governos oferecem ao merca-
modelo adequado à esquerda? de Estado moderno não serve
do algo que não lhes pertence — a
mais. O que seria um modelo
natureza —, e o mercado oferece as João Paulo do Vale de Medei-
de Estado para os dias de hoje,
tecnologias e o dinheiro. Está feito ros – Considerar as questões am-
especialmente considerando o
o acordo. bientais é, necessariamente, mudar o
caso do Brasil?
modelo de desenvolvimento. É total-
 
mente incompatível o modelo neode- João Paulo do Vale de Medei-
IHU On-Line – Quais são as
senvolvimentista e extrativista com a ros – O modelo de Estado e o mo-
consequências positivas e ne-
preservação da natureza e dos povos delo de democracia não nos servem
gativas dessa aposta no neode-
da natureza. Ora, esse modelo depen- mais. O Estado que temos hoje é a
senvolvimentismo?
de da espoliação dos recursos naturais continuidade de um projeto que co-
 João Paulo do Vale de Medei- para a geração de capital e ampliação meçou a nascer na Europa no final
ros – Quando você me pergunta de seus lucros. É inadmissível que tan- século X, por uma necessidade de
coisas positivas, interpreto que está ta gente de esquerda se diga defensora mercado. Esse Estado, ao contrário
fazendo relação com o período an- de obras como Belo Monte. do que se diz, não surge por uma

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TEMA DE CAPA

vontade de bem comum, mas pela Como você avalia a crise da es- o apoio da população que, mesmo
imposição de uma classe, a burgue- querda? Diria que se trata de prejudicada, aderia ideologicamente
sa, que o dirige segundo suas vonta- um projeto esgotado ou não? ao paro. O povo está em tempos de
des. E aí vem essa mesma burguesia Que propostas a esquerda ain- revolta, o nosso desafio enquanto es-
e diz que democracia é a possibili- da tem para oferecer num país querda é a canalização, é a disputa de
dade de votar. E consolidamos a como o Brasil? consciências. A direita faz isso todo
democracia de baixa intensidade, dia e o dia todo: televisão, jornal,
  João Paulo do Vale de Me-
como diz Boaventura, onde prati- igreja, universidade. Não dá para se
deiros – Tudo está em crise, a
camente só essa mesma burguesia eximir e achar que todo mundo que
humanidade, a civilização está em
ocupa os cargos de Estado. apoia Bolsonaro é golpista; na ver-
crise. A ideia é que essa crise, inclu-
dade o pensamento fascista se impõe
 Mas também é fato que os/as sive da esquerda, dê origem a algo
justamente nos momentos de medo
oprimidos/as passaram a lutar bom. Mas é importante também se
e insatisfação. Recuar é abrir mão
pelo seu controle, conseguindo reconhecer enquanto em crise, que
do povo. Sem ele, qual nossa razão
importantes vitórias e mudanças. é um pouco mais complicado. De
de lutar?
Sem, contudo, alterar sua lógica qualquer forma, acho que temos
centralizada e vertical. Um dos pri- que falar de esquerdas, porque elas  Acredito que temos que voltar a ter
meiros desafios para a construção são diversas, apesar de existir o raiva do capitalismo, raiva mesmo,
de um outro modelo de Estado é pensamento de esquerda hegemô- sabe? Essa raiva se transforma em
a sua dessacralização. Somos uma nico, cuja figura central é o lulismo. indignação e depois em rebeldia.
esquerda viciada em Estado, que Não acredito que as coisas se esgo- Acho que o que pode ajudar é
não consegue enxergar a utopia tam, elas se transformam. Vão para se aproximar cada vez mais das
para além das estruturas burocrá- um lado, ou vão para outro. Aquilo periferias, rurais e urbanas. E essa
ticas de poder. Como diz Raúl Zibe- que estávamos conversando, ape- aproximação não pode ser somente
chi, “o poder estatal é um problema go religioso ao Estado, fetichização em reuniões ou ações políticas, mas
grave que transforma os revolucio- do progresso, secundarização das no dia a dia, sentindo, junto com o
nários em uma nova burguesia de questões ambientais, já não há mais povo, as suas dores. É preciso estar
56 gestores, que não são proprietários sentido ser assim, não cabe mais no territorializado na pobreza para que
dos meios de produção, mas, a par- horizonte utópico. o alicerce revolucionário seja o chão
tir do poder, os administram em dos subalternos e não as estruturas
  Existe uma dificuldade nossa em
benefício da nação e de si mesmos”. de poder.  
lidar com cenários mais complexos,
O Estado, na trilha da síndrome do
como foi o caso dos atos de junho de
pensamento monocultural, quando
“Não acredito
2013, cujo erro de análise quase era
único pilar de um projeto de uma
cometido mais uma vez com a greve
nova sociedade, dirigido por um
grupo que se considera vanguarda
e tenta impor sua leitura de gover-
dos caminhoneiros, onde uma par-
te da esquerda, dessa vez minoria, que as coisas
no popular, será sempre homoge-
neizador e uma gaiola de aprisio-
adotou o pensamento cartesiano. É
importante entender e saber se inse- se esgotam,
nar liberdades.
rir nos cenários mais complexos, tão
comuns na América Latina. Até hoje
elas se
 Esse Estado que queremos, que po-
derá ser antropófago, pegando o que
a esquerda Europeia ainda balança
com a inserção do fenômeno da reli-
transformam”
tem de bom do passado, mas sem- giosidade nas lutas políticas. No caso
pre em construção, deve necessaria- da greve dos caminhoneiros, creio  
mente reconhecer e ser construído que acertadamente, tivemos que IHU On-Line – Por que, na sua
a partir da diversidade de sujeitos abandonar mais uma vez os manuais avaliação, o semiárido tem rea-
coletivos que vivenciam seus territó- importados, deixando de exigir do parecido como uma nova fron-
rios. Deverá ser necessariamente an- povo tão sofrido e vítima de aliena- teira do capital e como esse am-
ticapitalista, construído desde baixo, ção, um purismo ideológico que nem biente tem sido explorado?
com profundo e cotidiano processo nós temos. Ela foi, ao mesmo tempo,
 João Paulo do Vale de Medei-
de participação direta e não homo- um grito dos oprimidos e uma estra-
ros – O semiárido aparece na his-
geneizante, respeitando, inclusive, tégia do empresariado.
tória do Brasil como colônia da co-
quando os sujeitos optam por não
 Na verdade, acho que a greve dos lônia. Já que o litoral era território
dialogarem com o Estado.
caminheiros foi um rasgo na his- exclusivo da cana-de-açúcar, o inte-
   tória política deste país. Ela conse- rior, o sertão, foi sendo ocupado pela
IHU On-Line – Hoje são fei- guiu algo que sempre tentamos, que pecuária, cujo objetivo era fornecer
tas muitas análises sobre a si- foi não apenas uma paralisação de carne, leite, couro e animais de carga
tuação da esquerda no país. impacto nacional duradouro, mas à economia açucareira. Ou seja, en-

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quanto o litoral existia para satisfa- princípios que são eixos e estão bem dos partidos e sindicatos, mas talvez
zer o exterior, o sertão era reinventa- presentes em diversos povos tra- a sua atualização a partir de novos
do para dar sustento ao litoral. Não dicionais, como solidariedade, co- desejos políticos. O autonomista tem
era tida como atividade econômica munitarismo, autonomia, cuidado, uma vantagem, que é a impaciência
principal, mas era essencial para o afeto, respeito com a natureza, não — que não pode ser confundida com
bom andar da exploração colonial. apaixonamento pelo poder e dinhei- falta de paciência histórica. A impa-
Dessa marcha para o interior resul- ro, e, mesmo não chamando assim, ciência autonomista é a coragem de
tou o genocídio dos índios do sertão anticapitalismo. Lembrando que mudar coisas sem esperar a tomada
em razão da disputa por água e terra. povos tradicionais não são apenas do poder, é o já ir fazendo, ou uma
Sempre foi assim, o sertão foi esco- os indígenas e os quilombolas, mas nova história já em construção. A
lhido na geopolítica para ser uma também ribeirinhos, pescadores, ci- ideia de mudar o mundo sem tomar
das zonas de sacrifício, inclusive zo- ganos, catingueiros... o poder. Não esperar.
nas nômades, como é o caso dos re-
tirantes, corpos em movimento em  
IHU On-Line – Que cenários
razão da indústria da seca.
  Porém, especialmente na última
“É muito con- vislumbra em relação às elei-
ções deste ano?
década, o semiárido deixa de ser,
aos olhos do capital, espaço de so-
traditório não   João Paulo do Vale de Me-
frimento (mas também de muita haver, em geral, deiros – Nesses tempos, qualquer
análise para mais de um mês à fren-
vida e resistência para o povo do
sertão) e vira local da moderni- uma reflexão te tende a ser muito frágil. Acho que
existem duas coisas. A instabilidade
sobre os limites
dade. A tecnologia tem permitido
a exploração do território serta- política não nos dá a certeza de que
teremos eleições, ou pelo menos
nejo por meio da privatização dos
territórios e a espoliação dos seus dessa aposta eleições democráticas. É uma nova
modalidade de golpe, não mais de-
recursos naturais. Posso citar três
exemplos: a fruticultura irrigada, no neodesen- pondo, mas usando as estruturas 57
seja por águas superficiais ou po-
ços profundos (de até mais de um
volvimentismo” legais do Estado. Acho que se Lula
fosse de fato concorrer, dificilmente
quilômetro de profundidade) tem haveria eleições. A outra coisa é que
secado lençóis freáticos, expulsado pode haver eleições, mas apenas
pequenos agricultores e envene-   com os candidatos que a direita per-
nado o solo; a energia eólica tem IHU On-Line – Hoje há uma mite. A questão é que não devemos
privatizado os territórios e des- aposta em movimentos autono- esperar para ver. Parece-me que a
territorializado comunidades; e a mistas. Quais são as vantagens cada dia cresce a insatisfação. Con-
monocultura de energia solar tem desse tipo de movimento e que fesso que estou esperançoso, tanto
reconfigurado e impactado espaços papel eles podem desempenhar com a reação que a esquerda está
da agricultura sertaneja. Isso fora na cena política hoje? esboçando nos últimos tempos, mas
as mineradoras e as tentativas de principalmente com o que vem das
  João Paulo do Vale de Me-
instalação de usina nuclear etc. pessoas que não são ligadas a mo-
deiros – Quem aposta? Infeliz-
vimentos sociais ou partidos. Acho
   mente pouca gente. Os movimen-
que a greve dos caminhoneiros nos
IHU On-Line – Como, a partir tos autonomistas questionam o
ensinou, o povo não se adivinha.
dos povos tradicionais, é possí- modelo exterior, amplo de política,
vel pensar em um novo mode- mas também as próprias relações  
lo de desenvolvimento para o estruturais de esquerda. Ainda so- IHU On-Line – Deseja acres-
Brasil? mos apegados a figuras de grandes centar algo?
líderes, que guiarão as massas,
João Paulo do Vale de Medei-   João Paulo do Vale de Me-
cujo papel é apenas seguir. É um
ros – Existe aquele discurso entre deiros – Agradecer pela conversa.
patriarcalismo político. Os autono-
desenvolvimento ou alternativas ao Acredito que é isso, que as ideias vol-
mistas questionam isso, e também
desenvolvimento. Mas, fora o jogo tem a ser perigosas, e que estejamos
a sacralização do Estado, como
semântico, o que estamos falando sempre incomodado/as. O Povo está
conversamos há pouco.
é de um novo modelo de sociedade. incomodado, muito. Vivemos um
Não sei se teria um modelo pronto,  De qualquer forma, não acredito momento de convulsão, de rebeldia,
mas acredito em princípios de uma que tudo deva virar autonomista, cabe à gente funcionar como chama
nova sociedade. Não dá para dizer mas me parece que as velhas estru- — e não como quem apaga clarões.
que existe um modelo matemático, turas merecem ser reformadas e de- Como diz Frei Betto, “deixemos o
mas podemos afirmar que existem mocratizadas. Isso não pede o fim pessimismo para dias melhores”. ■

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Saldo de Junho de 2013 mostra potência


da organização para além das
instituições políticas
Para Guilherme Kranz, aqueles acontecimentos mostraram que a
massa na rua é capaz de abalar estruturas até então inabaláveis
Vitor Necchi

E
m junho de 2013, Guilherme que não deve nunca mais retornar.” Os
Kranz estudava em São Paulo, petistas, por sua vez, desenvolveram a
militava na Juventude às Ruas narrativa de que Junho deflagrou o im-
– que agora se chama Faísca – Anti- peachment de Dilma Rousseff.
capitalista e Revolucionária – e par- Ao identificar que Junho enfrentou
ticipou ativamente das manifestações todo o establishment, aponta que “um
que ocorreram em junho de 2013. Ele curioso fenômeno de polarização polí-
conta que o movimento começou con- tica foi ganhando cada vez mais espaço
tra o aumento de 20 centavos no valor no cenário político nacional, com uma
da passagem de ônibus. “Na medida crescente crise de autoridade estatal”.
em que a polícia ia batendo, a raiva ia Assim, “na medida em que o centro foi
aumentando, e o tamanho dos atos se atacado (PSDB, PMDB e PT, em espe-
multiplicando. Tudo cresceu de forma cial), as pessoas passaram a buscar po-
58 espantosamente rápida”, recorda. “Os sições radicais à esquerda e à direita”.
20 centavos deflagraram a ida às ruas?
Sim. A violência da polícia também? Neste contexto, a política pelas redes
Também. Mas esses dois elementos digitais ganha força. “Mas o essencial
explicam apenas superficialmente o fe- não é a novidade das redes, e sim como
nômeno.” Em entrevista concedida por Junho abriu uma crise importante em
todo o regime político, polarizando a si-
e-mail à IHU On-Line, Kranz afirma
tuação política.” Kranz reconhece uma
que “uma profusão de insatisfação com
ofensiva da direita e também inúme-
as coisas e a vida explicam a ida de mi-
ros fenômenos à esquerda, mas aponta
lhares às ruas, como se nada tivessem
uma debilidade: “O saldo final (ainda)
a perder”.
não conseguiu ser revertido em organi-
“Assim como Maio de 68 suscita amor zação política, em partido”.
e ódio até hoje entre os franceses, du-
rante as próximas décadas ainda vamos Guilherme Kranz é graduado em
nos digladiar pelos sentidos de Junho”, Letras – Português pela Universidade
compara Kranz. Ele entende que aque- de São Paulo - USP e mestrando em Le-
les acontecimentos mudaram o país, e tras pela Universidade Federal do Rio
o ciclo ainda não se fechou. “A burgue- Grande do Sul - UFRGS.
sia identifica Junho como um perigo Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em junho de Guilherme Kranz – Começou lência da polícia também? Também.
2013, estudavas em São Paulo contra o aumento de 20 centavos no Mas esses dois elementos explicam
e eras militante da Juventude busão. Na medida em que a polícia ia apenas superficialmente o fenôme-
às Ruas – que agora se chama batendo, a raiva ia aumentando, e o no. Uma profusão de insatisfação
Faísca – Anticapitalista e Revo- tamanho dos atos se multiplicando. com as coisas e a vida explicam a ida
lucionária. Como foi a mobili- Tudo cresceu de forma espantosa- de milhares às ruas, como se nada
zação, o que deflagrou a ida às mente rápida. Os 20 centavos de- tivessem a perder. Era o preço do to-
ruas e o que era pretendido? flagraram a ida às ruas? Sim. A vio- mate, o desemprego, as mentiras dos

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“Assim como Maio de 68 suscita


amor e ódio até hoje entre os
franceses, durante as próximas
décadas, ainda vamos nos digladiar
pelos sentidos de Junho”

políticos, a violência policial, a edu- pela CIA2, como Lula3 já sugeriu. A de 2013, teve a pachorra de nos com-
cação e saúde sucateadas… As ma- filósofa Marilena Chaui4, em agosto parar com uma fila para o show da
nifestações gigantescas de 2011 em Madonna.
países como Chile, Grécia, Espanha e Educação entre julho de 2005 e janeiro de 2012, nos go-
Essas caracterizações não fazem sen-
outros também embalaram o espírito vernos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e prefeito
de São Paulo entre 2013 e 2016. É professor de Ciência tido e não sobrevivem à primeira ve-
do momento. O que era pretendido? Política da Universidade de São Paulo, instituição onde
graduou-se em Direito, fez mestrado em Economia e dou- rificação. O que houve foi a explosão
Abaixar o preço do busão, passe livre, torou-se em Filosofia. Trabalhou como analista de investi-
de uma panela de pressão que chiava
estatizar o transporte, acabar com a mento no Unibanco e, de 2001 até 2003, foi subsecretário
de Finanças e Desenvolvimento Econômico da prefeitura desde pelo menos 2008, com o es-
polícia, disputar a consciência de mi- de São Paulo, na administração de Marta Suplicy. Integrou
o Ministério do Planejamento do Governo Lula durante a topim da crise internacional, e que se
lhões, derrubar todos os poderosos, gestão de Guido Mantega (2003–2004), oportunidade na agravava na medida em que o custo de
fazer uma revolução no país, acabar qual elaborou o projeto de lei que instituiu as Parcerias
Público-Privadas (PPPs) no Brasil. (Nota da IHU On-Line). vida ia crescendo e os horizontes do
com o capitalismo… Isso tudo e um 2 CIA: sigla em inglês para Central Intelligence Agency
(Agência Central de Inteligência). É uma agência de inte- gradualismo lulista diminuíam. A ver-
pouco mais, tudo de maneira bem ligência civil do governo dos Estados Unidos responsável dade é que o PT chama de direita tudo 59
difusa, desigual e numa velocidade por coletar, avaliar e distribuir informações que sejam de
uso da administração norte-americana na tomada de de- o que não consegue controlar. Faça
incomparável. O MPL [Movimento cisões sobre segurança nacional. Também pode se enga-
jar em ações secretas, a pedido do presidente, mas não uma crítica ao PT, logo fará coro com
Passe Livre] depois deu aquela deplo- lhe é permitido espionar as atividades domésticas dos a direita. É com essa lógica grosseira e
rável declaração de que “era só pelos americanos ou participar de assassinatos, apesar de já ter
sido acusada de tais atos. A CIA responde tanto ao poder binária que o petismo atua. Uma das
20 centavos”. Mas eu não vejo dessa Executivo como ao Legislativo. Por muitos anos, durante a
principais leituras de Junho tem a ver
forma. Pretendia-se tanta coisa que Guerra Fria, a principal missão da agência era proteger os
Estados Unidos contra o comunismo e a União Soviética. com isso: em mais ou menos 30 anos,
de fato não cabiam nos cartazes. Atualmente, a agência tem um trabalho bem mais com-
plexo: proteger os Estados Unidos das ameaças terroristas um forte movimento de massas não
de todo o globo terrestre. (Nota da IHU On-Line)
3 Luiz Inácio Lula da Silva (1945): Trigésimo quinto presiden-
conseguiu ser controlado e contido
IHU On-Line – Cinco anos de- te do Brasil, cargo que exerceu de 2003 a 1º de janeiro de pelo PT – daí o pavor deles.
2011. É cofundador e presidente de honra do Partido dos
pois, qual teu entendimento em Trabalhadores - PT. Em 1990, foi um dos fundadores e or-
O PT tem mais medo da luta de clas-
ganizadores do Foro de São Paulo, que congrega parte dos
relação ao que houve e que lei- movimentos políticos de esquerda da América Latina e do ses do que da direita: por isso se alia
Caribe. Foi candidato a presidente cinco vezes: em 1989 (per-
turas podem ser feitas daquele deu para Fernando Collor de Mello), em 1994 (perdeu para com a última e demoniza a primeira
ciclo de manifestações? Fernando Henrique Cardoso) e em 1998 (novamente perdeu
quando foge às suas asas. Depois que
para Fernando Henrique Cardoso) e ganhou as eleições de
Guilherme Kranz – Existem vá- 2002 (derrotando José Serra) e de 2006 (derrotando Geraldo os atos ganharam proporções imen-
Alckmin). Lula bateu um recorde histórico de popularidade
rias narrativas sobre aqueles dias. durante seu mandato, conforme medido pelo Datafolha. sas, a grande mídia começou a tentar
Programas sociais como o Bolsa Família e Fome Zero são sequestrar nossas pautas, transfor-
Assim como Maio de 68 suscita marcas de seu governo, programa este que teve seu reco-
amor e ódio até hoje entre os fran- nhecimento por parte da Organização das Nações Unidas mando-as em luta contra a corrup-
como um país que saiu do mapa da fome. Lula teve um papel
ceses, durante as próximas décadas de destaque na evolução recente das relações internacionais, ção, autonomia do MP [Ministério
ainda vamos nos digladiar pelos sen-
incluindo o programa nuclear do Irã e do aquecimento glo-
bal. É investigado na operação Lava Jato e foi denunciado
Público] etc. Arnaldo Jabor5 se des-
em setembro de 2016 pelo Ministério Público Federal (MPF),
tidos de Junho. Na minha avaliação, apontado como recebedor de vantagens pagas pela emprei-
Junho mudou o país, e o ciclo ainda teira OAS em um tríplex do Guarujá. No dia 12 de julho de participação efetiva no contexto do pensamento e da polí-
2017, Lula foi condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, em tica brasileira. Já foi secretária municipal da Cultura de São
não se fechou. A burguesia identifi- primeira instância, a nove anos e seis meses de prisão em Paulo durante o mandato da ex-prefeita Luiza Erundina
regime fechado por crimes de corrupção passiva e lavagem (1988-1992). (Nota da IHU On-Line)
ca Junho como um perigo que não de dinheiro. No dia 24 de janeiro de 2018, por unanimidade, 5 Arnaldo Jabor (1940): cineasta, roteirista, diretor de
deve nunca mais retornar. Os petis- os três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional cinema e TV, produtor cinematográfico, dramaturgo, crí-
Federal da 4ª Região confirmaram a condenação de Lula, ele- tico, jornalista e escritor nascido no Rio de Janeiro (RJ).
tas possuem uma narrativa mais ou vando a pena para 12 anos e um mês de prisão. No dia 7 de Formado no ambiente do Cinema Novo, participou da
menos uniforme de que Junho foi “o abril de 2018 Lula, após mandado de prisão expedido pelo
judiciário, entregou-se à Polícia Federal, onde se mantém sob
segunda fase do movimento, que buscava analisar a re-
alidade nacional, inspirando-se no neorrealismo italiano
estopim do impeachment”, nas pa- custódia na Superintendência do órgão em Curitiba. (Nota e na nouvelle vague francesa. Seu primeiro longa-metra-
da IHU On-Line) gem foi o inovador documentário Opinião pública (1967),
lavras do Haddad1, ou organizados 4 Marilena Chaui (1941): filósofa e professora de filosofia uma espécie de mosaico sobre como o brasileiro olha sua
política e história da filosofia moderna da Faculdade de própria realidade. Ainda no início de sua carreira, dirigiu
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo um dos maiores sucessos de bilheteria do cinema brasi-
1 Fernando Haddad (1963): advogado, acadêmico e po- - USP. É especialista na obra de Baruch Espinoza. Reco- leiro, Toda nudez será castigada (1973), adaptado da peça
lítico nascido em São Paulo (SP). Filiado ao PT. Ministro da nhecida não só pela sua produção acadêmica, mas pela homônima de Nelson Rodrigues. Na década de 1990,

EDIÇÃO 524
TEMA DE CAPA

culpou, Datena6 tomou uma bronca crise política para descarregar a crise isso. A luta de classes entrou num
em rede nacional e a burguesia subiu econômica em nossas costas e reti- fervilhão imparável.
os olhos. A disputa foi brava. Mas rar direitos democráticos, inúmeros
quem só vê cara, não vê coração, e fenômenos à esquerda foram vistos
tem gente que insiste em achar que depois de Junho também, como as IHU On-Line – Houve novas
o programa de Junho era o editorial greves dos garis do Rio de Janeiro, organizações, novas maneiras
da Veja, mas a realidade é bem dis- dos rodoviários de Porto Alegre, as de se articular politicamente a
tante disso. Junho se enfrentou com ocupações secundaristas e universi- partir daquele momento, fren-
todo o establishment, esse é um pon- tárias que permearam todo o final de te ao esgotamento das formas
to fundamental. 2015 ao final de 2016, a greve geral tradicionais de representação
de 28 de abril do ano passado… Ju- política?
nho em Porto Alegre teve uma par- Guilherme Kranz – Surgiram
IHU On-Line – Como esquer- ticularidade diferente do que houve novas velhas maneiras de se articu-
da e direita entenderam as ma- em São Paulo, pois a organização lar politicamente a partir daquele
nifestações e que uso fizeram passou diretamente pela esquer- momento. “Novas” porque a minha
delas? da através do Bloco de Lutas. Mas geração foi formada na ideia do “fim
Guilherme Kranz – Como Ju- a maior debilidade, ao meu ver, foi da história”, de que nada muda, de
nho se enfrentou com todo o esta- que o saldo final (ainda) não conse- que seremos eternamente meros
blishment, um curioso fenômeno guiu ser revertido em organização produtos do consumo e do individu-
de polarização política foi ganhando política, em partido. alismo, de que política é coisa de po-
cada vez mais espaço no cenário po- lítico e alheia à rua e ao povo. Nesse
lítico nacional, com uma crescente sentido, a democracia da rua, com
IHU On-Line – Sobre Junho
crise de autoridade estatal. Ou seja, demandas substanciais sendo levan-
de 2013, escreveste que quem
na medida em que o centro foi ataca- tadas, foi nova para toda uma gera-
não entende o ocorrido não
do (PSDB, PMDB e PT, em especial), ção. Mas “velhas” porque essa forma
governa nunca mais. Comenta
as pessoas passaram a buscar posi- de fazer política é mais velha do que
esta frase, por favor.
60 ções radicais à esquerda e à direita. andar para trás, é a expressão demo-
Daí o surgimento da criançada do Guilherme Kranz – O comentá- crática das massas nas ruas.
MBL [Movimento Brasil Livre], que rio foi em polêmica com Fernando
Desse ponto de vista, hoje se vê
só veio no ano seguinte, com direi- Haddad que, ano passado, fez um
como a democracia das ruas é mui-
to a dinheiro e incentivo pesado da extenso artigo acabando com Junho.
to superior à democracia vigente em
gringa. Todo o formato de política A crítica se mantém. Junho se man-
que votamos de dois em dois anos.
pelas redes digitais ganha força aí tém presente nas mentes e corações
Na primeira, somos sujeitos. E ob-
também. Mas o essencial não é a no- de muitos. Parece piegas, mas a frase
viamente essa “nova velha manei-
vidade das redes, e sim como junho tem intenção analítica. As demandas
ra de se articular” tem seus limites.
abriu uma crise importante em todo e os anseios de então seguem vi-
Ocupar as ruas, por si só, não garan-
o regime político, polarizando a situ- vos, não apenas porque o preço da
te nada, como vimos a turma verde
ação política. passagem não parou de subir, mas
e amarelo depois. Mas o principal
porque os problemas gerais se apro-
Reconhecer uma ofensiva da direi- limite foi a ausência da entrada em
fundaram, e quem não souber lidar
ta, que ganha estatuto ainda mais cena da classe trabalhadora orga-
com eles, não governa nunca mais.
violento com a arbitrariedade da nizada que pudesse dar um caráter
A crise econômica se mantém, a cri-
Lava Jato e a culminação do golpe, classista para o movimento.
se de representatividade não para
não significa enxergar uma “onda
de aumentar, os ataques entraram Os frutos de junho, nas greves ra-
conservadora”, e sim que não existe
num turbilhão ainda mais acelerado dicais e ocupações que vieram, de
vácuo político. Ao passo que setores
– a inevitável resistência a tudo isso certa forma apontam para uma for-
da direita vêm se aproveitando da
será respondida com bomba e bala ma superior de se organizar, com
por conta do desmonte das estruturas de produção do
de borracha que nem o PT e o PSDB paralisações nos locais de trabalho,
cinema brasileiro ocorrida no governo Fernando Collor de fizeram em Junho,  ad  aeternum? assembleias sendo organizadas de-
Mello, Jabor passou a atuar na imprensa. Estreou como
colunista de O Globo no final de 1995 e mais tarde levou Podem até tentar, mas vão seguir mocraticamente, representantes
para a Rede Globo, no Jornal Nacional, Jornal da Globo e
no Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Fantástico e também para
tropeçando. Experiências massivas sendo eleitos pelas bases das catego-
a Rádio CBN, o estilo irônico com que comenta os fatos deixam marcas profundas em toda rias etc. Em São Paulo, por exemplo,
da atualidade brasileira. Seus dois últimos livros Amor
É prosa, Sexo É poesia (Editora Objetiva, 2004) e Porno- uma geração, molda subjetividades por mais avançado que tenha sido o
política (Editora Objetiva, 2006) se tornaram best-sellers
instantâneos. Outros de seus filmes: Pindorama (1970), O
e altera os desejos e os ímpetos das movimento até um certo momento,
Casamento (1975), Tudo Bem (1978), Eu Te Amo (1980), Eu pessoas. Já não aceitamos mais as ele nunca foi organizado de manei-
Sei que Vou Te Amar (1986) e A Suprema Felicidade (2010).
(Nota da IHU On-Line) coisas como eram, e a quantidade ra democrática. O MPL sempre se
6 José Luiz Datena (1957): jornalista, locutor esportivo,
apresentador de televisão e radialista nascido em Ribeirão
sem tamanho de lutas e greves ra- negou a organizar assembleias para
Preto (SP). (Nota da IHU On-Line) dicalizadas depois de Junho mostra que os estudantes e trabalhadores

18 DE JUNHO | 2018
REVISTA IHU ON-LINE

pudessem debater os rumos da mo- política, em dar corpo político para Guilherme Kranz – A esquerda
bilização, as pautas pelo que lutáva- cada luta relativamente isolada. como um todo errou bastante nesse
mos etc. processo. A meu ver, apoiar o movi-
mento era apoiar as reivindicações

IHU On-Line – O esponta-


“Junho mudou patronais para diminuir o preço do
diesel e reduzir impostos, e na me-
neísmo foi uma marca do
movimento, o mesmo se veri-
o país, e o dida em que as pautas ultrarreacio-
nárias ganhavam peso, como a de
ficando nas ocupações secun-
daristas e universitárias de
ciclo ainda não intervenção militar, o apoio à greve

se fechou”
dos caminhoneiros ganhava contor-
2015 e 2016. O que esta carac- nos cada vez mais problemáticos. A
terística sugere para compre- contradição estava no fato de que ti-
ensão da realidade? nha muito apoio popular, mas nem
IHU On-Line – Na recente gre-
Guilherme Kranz – Vejo duas ve de caminhoneiros, discursos por isso devemos marchar ao lado
grandes lições desse fenômeno es- ultrarreacionários se formaram dos intervencionistas e dos megaem-
pontaneísta: a primeira é que so- a partir da movimentação nas presários do transporte. O caminho
mos permanentemente pegos pela estradas, gerando nas cidades para disputar a situação estava na
esquerda “de surpresa”, e a segunda manifestações de apoio, como possibilidade de os petroleiros en-
é que o espontaneísmo necessaria- o pedido de intervenção militar. trarem com tudo em cena, erguendo
mente encontra seus limites. Nin- Como isso se forma? Por que a suas próprias bandeiras, contra o
guém esperava Junho. Ninguém direita tem sido mais hábil e es- aumento de todos  os combustíveis
esperava que os secundaristas pau- perta em faturar com as crises? e a privatização da Petrobras, com a
listas derrotariam Alckmin7 em seu defesa de uma Petrobras 100% esta-
projeto de reorganização escolar. Guilherme Kranz – Essa questão tal controlada pelos próprios traba-
Ninguém esperava que uma onda é bastante complexa. Nessa greve de lhadores. Ou seja, disputar a insatis-
de mais de mil instituições federais caminhoneiros, a direita conseguiu fação popular pela esquerda.
ganhasse corpo contra Temer8. E canalizar a ampla insatisfação po-
pular com o governo Temer e a alta 61
as ocupações secundaristas de 2015
dos preços dos combustíveis. Olhan- IHU On-Line – Deseja acres-
em São Paulo foram realmente sur-
do numa fotografia, é fácil dizer que centar algo?
preendentes – os secundaristas se
articulavam com representantes por eles são “mais hábeis” ou “espertos”, Guilherme Kranz – Resgatar a
escolas para coordenar a luta esta- mas acho que não é isso. Temos que experiência de Junho, disputar os
dualmente, com eleições democrá- olhar o processo em movimento. seus sentidos e aprender com seus
ticas nas escolas e direito à revoga- A greve geral do 28 de abril era um limites é uma grande tarefa que te-
bilidade e revezamento. O que, sim, caminho também muito apoiado pela mos pela frente. Trata-se de uma
muito se falava era a velha reza de população, aquele sentimento de que batalha inesgotável, cuja resolução
que “não há disposição de luta” ou “tem que parar tudo”, com deman- apenas a história mostrará. Minha
coisa do tipo. Nunca há “disposição das progressistas contra as reformas geração teve a ideia de revolu-
de luta” até que ela se torne inevitá- neoliberais. Mas os acordos entre as ção extirpada de seu imaginário.
vel. O problema do espontaneísmo é centrais sindicais e o governo Temer Foram os anos de triunfo total do
o limite que carrega em seu DNA, ele para negociar o fim do imposto sin- neoliberalismo, e isso está acaban-
tende a ser efêmero. O espontâneo dical acabaram rifando esse caminho do. Junho não foi uma revolução,
tende a se limitar a pautas corpora- do 28 de abril, e a reforma trabalhista mas teve ares. Mostrou que a mas-
tivas de cada setor de onde proveio. foi aprovada. Isso acabou desmora- sa na rua é capaz de abalar estrutu-
A questão é como traduzir essa ex- lizando muito os trabalhadores, e a ras até então inabaláveis. Durante
plosão espontânea em continuidade direita aproveita. O agravante na si- anos, disseram ser impossível levar
tuação é que o movimento foi impul- milhares às ruas contra o status
7 Geraldo Alckmin [Geraldo José Rodrigues Alckmin Fi-
lho] (1952): médico e político brasileiro nascido em Pinda- sionado pela patronal, com grandes quo, contra o capitalismo, mas essa
monhangaba (SP), filiado ao Partido da Social Democracia empresários organizando diretamen- crença caiu por terra em algumas
Brasileira - PSDB. Foi governador de São Paulo entre 2001
e 2006 e de 2011 a 2018, tendo renunciado no dia 6 de te os bloqueios e a paralisação, bem poucas semanas. O alerta pós-Ju-
abril para disputar as eleições presidenciais. Em 2006, con-
correu à presidência da República pelo PSDB, sendo der- como os pitorescos pedidos de inter- nho, para além das lições expostas
rotado por Lula. Atualmente é pré-candidato à presidência venção militar. anteriormente, deve passar pela
da República. (Nota da IHU On-Line)
8 Michel Temer [Michel Miguel Elias Temer Lulia] (1940): preservação dessa ideia de perma-
político e advogado nascido em Tietê (SP), ex-presidente
do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB.
nente possibilidade do impensável.
É o atual presidente do Brasil, após a deposição por im- IHU On-Line – E a esquerda, Caso contrário, deixaremos a direi-
peachment da presidenta Dilma Rousseff naquilo que
inúmeros setores nacionais e internacionais denunciam desta vez, soube entender e li- ta canalizar toda a revolta que in-
como golpe parlamentar. Foi deputado federal por seis dar com o movimento dos cami- variavelmente cresce e continuará
legislaturas e presidente da Câmara dos Deputados por
duas vezes. (Nota da IHU On-Line) nhoneiros? crescendo. ■

EDIÇÃO 524
ENTREVISTA

O lugar das mulheres no


pontificado de Francisco
Mary Hunt, teóloga feminista dos Estados Unidios, considera
que o pontificado de Francisco não representa uma
abertura à questão das mulheres na Igreja
Ricardo Machado | Edição: Patricia Fachin | Tradução: Ricardo Machado

“ S
erá muito mais difícil trabalhar Francisco, mas não estou convencida de
o tema das mulheres durante o que tenha mudado muito as relações de
pontificado de Francisco do que poder entre o Vaticano e as congregações
foi antes, porque ele aparece como uma religiosas”, pontua.
abertura ao mundo feminino, mas, de Mary Hunt frisa ainda que as mulhe-
fato, não é”, adverte a teóloga feminista res “não buscam um olhar feminino” na
Mary Hunt na entrevista a seguir, conce- Igreja, mas antes “uma visada feminista
dida pessoalmente à IHU On-Line, du- que significa uma análise e um compro-
rante sua participação no XVIII Sim- misso com igualdade de gênero, raça,
pósio Internacional IHU. A virada salários, com a preocupação com o meio
profética de Francisco. Possibilidades e ambiente”. E conclui: “Isso é uma postu-
limites para o futuro da Igreja no mun- ra feminista que está incluída em todo o
do contemporâneo, no qual ministrou pastoral e o teológico e não é uma coisa
62 a conferência O lugar das Mulheres na nova. A ideia de feminino é uma outra
Igreja: possibilidades e limites na Igre- maneira de estereotipar as mulheres”.
ja hoje, no dia 23-05-2017. Na avaliação
dela, a proposta de que mulheres atuem Mary E. Hunt é teóloga feminista,
como diaconisas “pode parecer uma cofundadora e codiretora da Women’s
coisa boa, mas nessa possibilidade está Alliance for Theology, Ethics and Ritual
implícita uma série de restrições, então - WATER em Silver Spring, Maryland,
é mais do mesmo”. EUA, um centro educacional feminista
iniciado em 1983. Integrante do movi-
Segundo ela, a “única importância” mento feminino da Igreja, faz palestras
de um sacerdócio feminino “é o poder”. e escreve sobre teologia e ética com
Entretanto, esclarece, “o poder deve ser atenção especial para questões da liber-
compartilhado e é nesse sentido que não tação. Graduada em Filosofia pela Uni-
sou a favor da ordenação de mulheres, versidade de Maquette, fez mestrado na
porque não sou a favor da ordenação de Escola Jesuíta de Teologia em Berkeley
ninguém. Sou a favor de um discipulado e em Estudos Teológicos na Escola de
de iguais no qual imaginamos e constru- Divindade em Harvard.
ímos outros modelos mais adequados
às necessidades das pessoas. Não vejo Recebeu o título de doutora em Teolo-
o clericalismo com mulheres como um gia, pela União Teológica em Berkeley.
avanço, um passo adiante”. Também possui formação em Educa-
ção Pastoral Clínica. Passou vários anos
Para a teóloga, o papa Francisco tem ensinando e trabalhando em questões
abordado melhor as questões relaciona- de mulher e direitos humanos na Ar-
das aos gays, ao passo que não vê “com gentina como conselheira no Internato
clareza” a situação das mulheres. “Nunca Fronteiriço no Programa de Missão.
se ouviu falar que ele tenha se reunido
A entrevista foi originalmente pu-
com uma lésbica ou uma família de lés-
blicada nas Notícias do dia de 08-06-
bicas para saber sobre suas realidades,
2018, no sítio do Instituto Humanitas
tampouco com as monjas norte-ameri-
Unisinos – IHU, disponível em http://
canas, que têm muitos problemas com o
bit.ly/2JWJS1p.
Vaticano. É claro que houve vários pro-
blemas que foram atenuados pelo papa  Confira a entrevista.

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REVISTA IHU ON-LINE

“Creio que será muito mais


difícil trabalhar o tema das
mulheres durante o pontificado
de Francisco do que foi antes”

IHU On-Line – Qual é o papel os homens são mais capazes de to- seus limites e possibilidades?
das mulheres na Igreja de hoje? mar decisões, enquanto as mulheres,
Mary Hunt – O modelo de fa-
por sua forma de pensar, não têm a
Mary Hunt – Se estamos falando mília em todos os documentos, não
mesma capacidade. Isso tem muitas
da Igreja institucional, em muitos somente em Amoris Laetitia, é o pa-
implicações não somente nas estru-
sentidos não há papel oficial das mu- drão heterossexual, casados e com
turas da Igreja que produz uma bi-
lheres, contudo, elas estão no traba- filhos. Agora, novamente, como ve-
nariedade que é falsa, mas também
lho pastoral e ministerial da Igreja mos nos estudos das ciências sociais
no que diz respeito ao papel da mu-
em muitas partes do mundo. Entre- e da antropologia, sabemos que há
lher no mundo pós-moderno, como
tanto, com a falta de ordenação das muitos tipos distintos de família em
um ser humano. Produzir essas dife-
mulheres, não há a possibilidade de todas as partes do mundo. Eu estive
renças é uma maneira de distinguir e
elas tomarem decisões. Então, en- recentemente na Coreia e as pessoas
diminuir o papel da mulher. Eviden-
quanto papel oficial, não existe espa- não falam em famílias, mas em lares,
temente esses dois problemas estão
ço para as mulheres entre as lideran- de modo que eles não falam de famí- 63
relacionados e formam um proble-
ças da Igreja. Há algumas mulheres lia no sentido de marido, mulher,
ma grave.
que são consultoras de algumas con- filhos e o cachorro da casa, mas de
gregações, mas a ocupação desse es- lares, perguntando uns aos outros
paço oficial e ativo ainda não existe. IHU On-Line – Como fazer onde é e como é o lar onde vivem.
para transformar a mulher em Essa é uma proposta muito inte-
um sujeito de protagonismo ressante para repensar e sair desse
IHU On-Line – Quais são as
dentro da Igreja? Esse é um esquema muito reduzido, o qual não
principais travas impostas à
problema somente político ou existe em várias partes do mundo,
igualdade de gênero no âmbito
da estrutura da Igreja? porque há grupos que são tribos,
da Igreja Católica?
Mary Hunt – São duas coisas clãs, há famílias com dois homens
Mary Hunt – Há dois problemas ou duas mulheres, há inclusive fa-
que caminham lado a lado. O fato
bastante graves. O primeiro deles é a mílias com três pessoas. Acredito
de distinguirmos seres humanos por
falta do uso das ciências sociais para que a teoria teológica pós-moderna
questões de gênero, ou o que seja,
fazer teologia. Todo o paradigma da deve nos dirigir para essas modali-
afinal agora sabemos que não há
teologia está fundado em uma antro- dades de pensamento e responder às
somente dois gêneros, mas muitos,
pologia muito alheia ao cotidiano e perguntas que nós temos, e parar de
é um equívoco enorme. Pelo menos
isso gera um problema metodológi- produzir respostas para perguntar o
é isso que eu percebo desde minha
co, que é o de fechar a porta às ciên- que não fazemos.
formação feminista-teológica. Fo-
cias sociais dentro da teologia insti-
ram essas divisões que fundaram
tucional. O segundo problema é que
uma instituição como a Igreja, tanto
a própria antropologia da Igreja está IHU On-Line – O Papa pare-
na sua estrutura quanto em seu en-
fora do cotidiano, de modo que as ce ouvir bastante as mulheres,
sino, que são baseadas neste tipo de
ciências sociais como fonte de infor- mas na prática qual o protago-
equívoco. É verdade que temos des-
mações sobre questões de gêneros – nismo dentro da Igreja?
coberto esses equívocos agora, mas é
LGBTQ –, as novas ondas feministas
justamente agora o tempo de mudar. Mary Hunt – Bem, o Papa está
e outros debates não entram nas dis-
ouvindo, mas não como mulheres
cussões internas.
que somos. Ele tem supostamente
Por isso, há distinções entre ho- IHU On-Line – Que noção de uma ideia estrutural do que é uma
mens e mulheres, que no fundo não família está posta no documen- mulher, baseada em sua avó Rosa.
existem. Diz-se, por exemplo, que to Amoris Laetitia? Quais são Isso é um problema, e como um je-

EDIÇÃO 524
ENTREVISTA

suíta, sacerdote e um homem imerso res pobres. Então é uma idealização vor. Porém, nós mulheres estamos
em um mundo homossocial, que é o que serve para marginalizar ainda fazendo um trabalho pastoral, ce-
mundo do clero, não tem nem muita mais as mulheres. lebrando missas, escutando con-
informação nem experiência sobre o fissões há muito tempo.
mundo das mulheres.
IHU On-Line – Como fazer Além disso, há mulheres ordena-
Creio que será muito mais difícil para que a Igreja tenha um das por grupos como a Association
trabalhar o tema das mulheres du- olhar feminino? of Roman Catholic Women Priests e
rante o pontificado de Francisco grupos católicos que estão ordenan-
do que foi antes, porque ele apare- Mary Hunt – Não buscamos um do mulheres, ainda que não sejam
ce como uma abertura ao mundo olhar feminino, mas uma visada fe- reconhecidos por Roma. Não estou
feminino, mas, de fato, não é. A minista que significa uma análise e muito entusiasmada porque isso po-
ideia de que mulheres atuem como um compromisso com igualdade de deria se transformar numa nova ma-
diaconisas pode parecer uma coisa gênero, raça, salários, com a preocu- neira de reinventar o clericalismo,
boa, mas nessa possibilidade está pação com o meio ambiente etc. Isso de modo que eu preferiria um mode-
implícita uma série de restrições, é uma postura feminista que está in- lo mais horizontal das comunidades
então é mais do mesmo. Não creio cluída em todo o pastoral e o teoló- de base, que estão mais bem relacio-
que esse Papa veja com clareza gico e não é uma coisa nova. A ideia nados entre as lideranças, tanto sa-
a situação das mulheres: parece de feminino é uma outra maneira de cramental quanto políticas.
que ele se sente mais cômodo com estereotipar as mulheres.
A ordenação das mulheres pode
questões relacionadas aos homens
ser um avanço, mas muito peque-
que são gays. Por exemplo, nun-
IHU On-Line – Como a se- no, e há o risco de frear as mu-
ca se ouviu falar que ele tenha se
nhora vê a possibilidade do danças mais profundas para as
reunido com uma lésbica ou uma
sacerdócio feminino? Qual a próximas gerações. Nesse sentido,
família de lésbicas para saber so-
importância? poder-se-ia nomear mulheres car-
bre suas realidades, tampouco
deais, porque é possível ser carde-
com as monjas norte-americanas, Mary Hunt – A única importân- al sem ser ordenado e esse gesto
64 que têm muitos problemas com o cia é o poder, no seu sentido mais seria um símbolo de compartilha-
Vaticano. É claro que houve vários genuíno. O poder deve ser com- mento de poder, mas não vejo isso
problemas que foram atenuados partilhado e é nesse sentido que como uma possibilidade real. A
pelo papa Francisco, mas não es- não sou a favor da ordenação de razão pela qual isso não ocorre
tou convencida de que tenha mu- mulheres, porque não sou a favor me parece estar relacionada a uma
dado muito as relações de poder da ordenação de ninguém. Sou a forma, também, de esconder os
entre o Vaticano e as congregações favor de um discipulado de iguais abusos sexuais dentro da Igreja
religiosas.
no qual imaginamos e construí- e o acobertamento de bispos por
Há uma visão de perceber a mu- mos outros modelos mais adequa- irregularidades financeiras. Per-
lher sempre como um ser dócil, a dos às necessidades das pessoas. mitir que as mulheres ocupem es-
quem se deve falar com docilidade, Não vejo o clericalismo com mu- ses espaços de tomada de decisão
ternura e um sorriso no rosto, mas lheres como um avanço, um passo dentro da Igreja vai fazer com que
tudo isso são estupidezes que não adiante. Se essa é a única maneira se abram todas as janelas e se per-
representam a vida de mulheres de começar a compartilhar as to- cebam os graves problemas estru-
migrantes, mães solteiras, mulhe- madas de decisões, eu estou a fa- turais, morais e financeiros. ■

Leia mais
- A noção de sexo entre iguais é uma contribuição lésbica ao pensamento ocidental.
Entrevista especial com Mary Hunt publicada na revista IHU On-Line, nº 199, de 9-10-2006,
disponível em http://bit.ly/2sS4qxk;
- Os novos nomes de Deus e o empoderamento feminino. Entrevista especial com Mary
Hunt publicada na revista IHU On-Line, nº 308, de 14-9-2009, disponível em http://bit.ly/2J-
vXXiZ;
- Discurso feminista sobre o divino em um mundo pós-moderno. Artigo de Mary E. Hunt.
Publica no Cadernos Teologia Pública nº 66, disponível em http://bit.ly/2HwD70S.

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REVISTA IHU ON-LINE

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EDIÇÃO 524
ENTREVISTA

Design, uma estratégia de


articulação pelo bem comum
Ezio Manzini analisa as transformações do campo
e demonstra como projetos colaborativos podem
mudar pessoas e os mundos que as cercam
João Vitor Santos | Tradução: Ramiro Mincato

O
professor Ezio Manzini com- em conjunto” por um bem coletivo. “O
preende que é no projeto que design é um agente político porque, ao
residem as maiores poten- afetar os sistemas em que opera, também
cialidades do design visto enquanto modifica as relações de força que se ma-
ferramenta colaborativa de transfor- nifestam neles”, acrescenta. “Nesse modo
mação. “Um projeto é uma sequência de agir, o design também pode favorecer
de conversas e ações sobre o mundo, a vida democrática de uma sociedade.
cujo objetivo é aproximá-lo do que se Pode, de fato, criar condições sistêmicas
deseja que seja”, define. “É, portanto, para que as decisões sejam mais próxi-
designer, qualquer sujeito, individual mas das pessoas diretamente interessa-
ou coletivo, que intervém no mundo das”, completa.
de maneira consciente. Isto é, ciente
Ezio Manzini é italiano, professor
das próprias intenções e do campo de
66 possibilidades de que dispõe”, acres-
na Politecnico di Milano, onde dirige o
Centro Interdepartamental de Pesquisa
centa. Assim, é por essa perspectiva
em Inovação para a Sustentabilidade -
que provoca a pensar no design como
instrumento agregador, partindo dos Ciris. É considerado uma das referên-
seus modos de operar até constituir re- cias no mundo do design sustentável e
des que, pela soma de ações que podem tem se concentrado na área de inovação
congregar, têm em potencial a transfor- social. Também é um dos coordenado-
mação. “Sabemos que o design é uma res do Desis, uma rede internacional
capacidade aplicável a todos os proble- de escolas de design e outras organiza-
mas complexos. E isso no que diz res- ções relacionadas ao design, ativas no
peito tanto ao design difundido quanto campo do design para inovação social
ao de especialistas”, destaca. e sustentabilidade. Seu livro mais re-
cente é Politiche del quotidiano (Roma:
Na entrevista a seguir, concedida por
Edizioni di Comunità, 2018). Das obras
e-mail à IHU On-Line, Manzini ainda
traduzidas para português, destacamos
exemplifica. “Quem projeta é uma pessoa
Design. Quando Todos Fazem Design
que participa de uma variedade de con-
(São Leopoldo: Unisinos, 2017) e O
versas e trabalha sobre um ambiente físi-
Desenvolvimento de Produtos Sus-
co e biológico, que é seu contexto de vida,
adotando estratégias que são, como vere- tentáveis. Os Requisitos Ambientais
mos, seus projetos de vida”. Para ele, “em dos Produtos Industriais (São Paulo:
última análise, ‘inclusão social’ significa EDUSP, 2011).
isto: pessoas diferentes que fazem coisas Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em seu livro, presença do design no dia a dia rentes interpretações. Em particular,
o senhor afirma que “todos fa- das pessoas? refiro-me à ideia em si de “projeto”,
zem design”1. Mas que design e àquelas que derivam dele, de “de-
Ezio Manzini – Para discutir este
é esse? E como compreender a signer” (projetista) e de capacidade
tópico é útil dar um passo atrás, e in-
troduzir alguns conceitos de uso co- do designer. O conceito de “projeto”
1 Design. Quando Todos Fazem Design (São Leopoldo: Uni-
sinos, 2017) mum que se prestam a possíveis dife- é muito rico e, ao longo do tempo, e

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REVISTA IHU ON-LINE

“Um projeto é uma sequência


de conversas e ações sobre o
mundo, cujo objetivo é aproximá-
lo do que se deseja que seja”

em vários campos culturais, prestou- mos todos dotados de capacidade colaborativas. Os resultados para os
se a muitas definições. Para mim, de design: uma capacidade com- quais tendemos podem ser muito di-
neste contexto, um projeto é uma se- plexa que, por sua vez, resulta da ferentes: jogar futebol, cuidar de um
quência de conversas e ações sobre o combinação de diferentes capacida- jardim, trabalhar em uma coopera-
mundo, cujo objetivo é aproximá-lo des humanas. São elas: senso críti- tiva, mas o modo para obtê-los tem
do que se deseja que seja. Fazê-lo im- co (que nos permite ver o que não aspectos comuns: o importante é que
plica: avaliação crítica do estado de se encaixa na realidade com a qual um projeto tenha sido pensado e co-
coisas, imaginação de como gostarí- somos confrontados), criatividade locado em prática.
amos que fossem, disponibilidade do (com a qual imaginamos como as
IHU On-Line – No que con-
sistema de relacionamentos e ferra- coisas poderiam ser), capacidade de
sistem os conceitos de “design
mentas necessárias para implemen- análise (para reconhecer e avaliar as
difuso” e de “design especiali-
tar sua transformação. E isso, tanto restrições do sistema e os recursos
zado”? Como interagem, e de
no plano do seu funcionamento práti- disponíveis) e sentido prático (para
que forma podem ser aplicados 67
co (pro-blem solving), quanto do seu implementar estratégias de ação
com vistas à inclusão social?
significado (sense making). que, tendo em conta as restrições, e
fazendo o melhor uso dos recursos Ezio Manzini – Parece que já res-
Desta definição deriva aquela de disponíveis, nos permitam chegar o pondi, de alguma forma, à primeira
“projetista”, entendida como qualquer mais perto possível do que havíamos parte desta pergunta: o design difun-
pessoa que faz o que foi dito acima. É, imaginado). dido é a expressão da capacidade hu-
portanto, designer, qualquer sujeito, mana de projetar. Dizia antes, todo
individual ou coletivo, que intervém Obviamente, a capacidade de design
mundo pode cantar em um coral. Mas
no mundo de maneira consciente. resultante, como todas as outras, não
isto não significa, para ficar na metá-
Isto é, ciente das próprias intenções é a mesma para todos e, sobretudo,
fora musical, que não se precise de um
para ser utilizável quando realmente
e do campo de possibilidades de que regente de música que saiba treinar e
serve ser exercitada. Em outras pala-
dispõe (na verdade, ambas, tanto as coordenar o coral. O designer especia-
vras, a capacidade de projetar é como
intenções como o campo das possibi- lista é como o maestro de música. Es-
a de cantar: todos podem cantar, nem
lidades nunca são bem claras). Perce- tudou, desenvolveu suas habilidades
todos têm os mesmos dotes, mas to-
be-se que esta definição de designer com inúmeras experiências e, portan-
dos, se praticarem, poderão cantar
é muito ampla e inclui não somente to, pode ajudar todo mundo a proje-
em um coral.
aqueles que institucionalmente ope- tar. E a projetar em conjunto.
ram como tal (aos quais me referirei
como especialistas em design), mas IHU On-Line – Até que ponto
também aqueles que, embora não se- IHU On-Line – Que experiên-
o design é capaz de fornecer es-
jam oficialmente designers, atuam no cias podem ser indicadas no
tratégias de inclusão social?
modo ora descrito. Portanto, quem uso de design para o desenvol-
projeta é uma pessoa que participa de Ezio Manzini – Acredito que, vimento de inovação social e
uma variedade de conversas (e, por- em última análise, “inclusão social” sustentabilidade?
tanto, de formas sociais) e trabalha significa isto: pessoas diferentes que
Ezio Manzini – Existem já mui-
fazem coisas em conjunto. E que,
sobre um ambiente físico e biológico, tas experiências em que se verifica
para isso, quebram paredes físicas e
que é seu contexto de vida, adotando boa colaboração entre design es-
bolhas de comunicação em que foram
estratégias que são, como veremos, pecializado e difuso. No meu livro,
colocadas. Naturalmente, os modos
seus projetos de vida. Design When Everybody Designs2,
pelos quais isso pode acontecer são
Se cada um de nós pode fazê-lo, é diferentes. O que conheço melhor é
2 Massachusetts, EUA: The MIT Press, 2015. (Nota da IHU
porque, como seres humanos, so- baseado na definição de estratégias On-Line)

EDIÇÃO 524
ENTREVISTA

mencionei várias. A que mais gosto festam neles. É claro que o design não fundido quanto ao de especialistas. As
é a experiência de vida colaborativa faz política da maneira como fazem, novas disciplinas que surgiram, como
promovida na Itália pela Fundação por exemplo, os partidos. Ou seja, o design de serviços e design estratégi-
Housing Social: a projeção de me- design, por si só, não defende um pro- co, são dois aspectos importantes, mas
todologias e instrumentos úteis em grama político articulado e completo particulares, dessa nova realidade,
ativar processos de coplanejamento, (como fazem, ao invés, ou deveriam mais ampla e mais complexa.
capazes de ajudar os moradores de fazer, os partidos). Como dizia, o de-
um complexo residencial a projeta- sign é político, porque cria condições
rem espaços e serviços que seriam que incidem sobre os sistemas exis- IHU On-Line – Em tempos de
gerenciados de forma compartilha- tentes. Por essa razão, portanto, pode- redes sociais e alta incidência
da. E, ao fazer isso, produziram novo mos dizer que ele não faz política, mas de dispositivos tecnológicos
tipo de comunidade de vizinhos. é político em si mesmo. que medeiam relacionamen-
tos, de que forma o design é
Nesse modo de agir, o design tam-
capaz de promover e estimular
IHU On-Line – Em que consiste bém pode favorecer a vida democrá-
outras formas de convívio so-
o conceito de “cidade colaborati- tica de uma sociedade. Pode, de fato,
cial e de vida comunitária?
va”? E qual é o papel do design criar condições sistêmicas para que
na construção dessa cidade? as decisões sejam mais próximas das Ezio Manzini – Projetar, ou me-
pessoas diretamente interessadas lhor, projetar em conjunto o que aju-
Ezio Manzini – O que quero com o
(processos de democratização). Ou, ao da as pessoas a interagirem de forma
cenário da cidade colaborativa é ima-
contrário, pode funcionar na direção colaborativa. E fazer isso colocando-se
giná-la como rede de interações entre
oposta, criando sistemas que afastam também no mundo físico. Isto é, no
pessoas capazes e dispostas a colabo-
do povo a possibilidade de decidir mundo em que se habita. Isso também
rar. Seja “horizontalmente” entre pa-
(processos de “desdemocratização”). é, em suma, o que para mim significa
res, isto é, entre cidadãos, seja “vertical-
mente”, entre cidadãos e instituições. IHU On-Line – De que forma o design para inovação social. Tudo o
design industrial foi se transfor- que tentei fazer nestes anos, e o que
Como já disse antes, as diferentes in- escrevi em meus livros, vai ou tenta ir
mando ao longo dos anos, e como
terações colaborativas não acontecem nessa direção.
68 ele chegou aos nossos tempos e à
por si mesmas, mas requerem a exis-
abertura de novos campos disci-
tência de um ecossistema favorável,
plinares, como design de servi-
isto é, de condições materiais, norma- IHU On-Line – Como imagina
ços ou design estratégico?
tivas e culturais que as tornem viáveis. que deveria ser o designer pro-
Essas condições serão projetadas e Ezio Manzini – O que no século fissional do século 21? E quais
realizadas. Como é óbvio, o design XXI deve ser entendido por design são os desafios para se investir
especializado pode desempenhar im- é muito diferente do que se preten- na formação transdisciplinar
portante papel para que isso aconteça. dia no século passado. Um século dessa figura profissional?
atrás, de fato, acreditava-se que essa
atividade fosse limitada a produtos Ezio Manzini – Uma pessoa cria-
IHU On-Line – Que relação po- tiva, dotada de cultura e de visão
industriais (e se falava em design do
demos estabelecer entre política própria do mundo, capaz de ouvir os
produto industrial). Naqueles tempos,
e design? E até que ponto o de- outros e de mudar de ideia. O desafio
havia algumas boas razões para pen-
sign pode ser uma maneira para de projetar o futuro é desenvolver esta
sar assim. Mas era uma ideia errada.
construir uma democracia? cultura e esta visão de mundo, man-
Retomando novamente o que disse na
Ezio Manzini – O design é um primeira resposta, hoje sabemos que tendo, ao mesmo tempo, a capacidade
agente político porque, ao afetar os o design é uma capacidade aplicável a dialógica de confrontar-se com os ou-
sistemas em que opera, também mo- todos os problemas complexos. E isso tros. E, portanto, com outras culturas
difica as relações de força que se mani- no que diz respeito tanto ao design di- e com outras visões do mundo.■

Leia mais
- Design e criação de significados. Revista IHU On-Line, número 189, de 31-7-2006, dispo-
nível em http://bit.ly/2JNjO8L
- Articulação em rede para “um mundo melhor”. Entrevista especial com Carlo Franzato,
publicado nas Notícias do Dia de 7-1-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU,
disponível em http://bit.ly/2Mj7wDy
- Design e antropologia: novas interações para pensar as questões sociais. Entrevista
especial com Zoy Anastassakis, publicada nas Notícias do Dia de 28-7-2016, no sítio do
Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2JEyqnt.

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REVISTA IHU ON-LINE

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CRÍTICA INTERNACIONAL

El Salvador e a integração forçada


com os Estados Unidos
Bruno Lima Rocha

“ A
integração com o imperialismo é defendida inter-
namente, reforçando a condição de dependência.
O projeto neoliberal é defendido pelos partidos de
direita e conta com um think tank no apoio desta posição
subordinada. A principal instituição doméstica de direito
civil, a Fundação Salvadorenha para o Desenvolvimento
Econômico e Social (FUSADES), avalizada pelo FMI e o
Banco Mundial”, escreve Bruno Lima Rocha.
Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em economia po-
lítica na UFRGS, doutor em ciência política e professor nos
cursos de relações internacionais e jornalismo na Unisinos.
Eis o artigo.

70
A América Central foi palco de uma luta encarniçada, onde estava em jogo tanto a geopolítica
do Continente - e também da defesa da área de domínio exclusivo do Império – como a possibili-
dade de soberania dos povos da região. Na década de 1980, na chamada Era Reagan (seguida de
Bush Pai), Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Honduras, Costa Rica e Panamá foram alvos de
alguma forma de intervenção do Comando Sul, do Departamento de Defesa dos EUA. A projeção
de poder do norte hegemônico aplicava a chamada “teoria do dominó”, para conter a presença
da terceira onda pós-revolução cubana, na esquerda latino-americana.
A base da insurgência e do governo revolucionário do sandinismo vitorioso, a partir de 1979, na
Nicarágua, era formada por famílias camponesas, oriundas ou originárias de povos indígenas,
organizadas contando com a presença impactante da Teologia da Libertação. No caso salvado-
renho, o martírio do padre jesuíta Rutilio Grande (março de 1977), antecedido pelo sequestro
do sacerdote colombiano, Mario Bernal Lodoño (janeiro de 1977) e, posteriormente, com o as-
sassinato do arcebispo de San Salvador, monsenhor Óscar Arnulfo Romero (março de 1980),
marcaram o padrão de eliminação física e extermínio de religiosos, envolvidos diretamente ou
no apoio às pastorais sociais e comunidades eclesiais de base.
A antiga província de El Salvador, o território de Cuzcatlán (de maioria “Pipil” e “Lenca”)
sofreu a chamada “política de terra arrasada”. Forças especiais - como os facínoras Atlacátl,
equivalente aos kaibiles guatemaltecos -, rondas de vigilância e “assessores” estadunidenses,
promoveram centenas de massacres. As vítimas quase sempre eram camponeses, indígenas, re-
ligiosos e sindicalistas. O pequeno país centro-americano teve uma longa guerra civil, incluindo
a opção militar plena, a partir da unidade da esquerda nacional. As organizações políticas Forças
Populares de Libertação (FPL), Exército Revolucionário do Povo (ERP), Partido Comunista
Salvadorenho (PCS), Resistência Nacional (RN) e Partido Revolucionário dos Trabalhadores
Centroamericanos (PRTC) unificaram suas estruturas e criaram uma formação político-militar
denominada Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), iniciando em outubro de
1979 e só finalizando com os acordos de janeiro de 1992.
Após a “pacificação”, o país foi quase “anexado” no Plano Puebla-Panamá, de integração for-
çada do istmo centro-americano. Por um lado, não recebeu a ajuda correspondente para a re-
construção da infraestrutura arrasada, tanto pela falta de investimentos, como pelos efeitos da

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“El Salvador está vivendo sob o marco da


integração forçada, tanto na moeda como
em parte dos usos e costumes populares”

guerra antipopular. Ao assinar o acordo de paz, El Salvador já se viu sem alternativas no cenário
internacional, combinando com o desmonte da União Soviética e, por tabela, o pior momento de
escassez em Cuba, o que levou o país centro-americano a uma rota, aparentemente, sem saída
na busca por fundos de reconstrução do pós-guerra interno e intervenção militar dos EUA. Por
outro lado, a população salvadorenha tinha (e segue tendo), no seu maior inimigo, o destino
e refúgio de uma importante parcela da população. A história é paradoxal. Comunidades de
agricultores com apoio dos serviços pastorais católicos montavam acampamentos de refugiados
na fronteira com Honduras. E, estas mesmas redes, mantinham corredores de passagem para
abrigar vítimas da perseguição do Estado. A unificação da esquerda na FMLN deu-se em 1979,
justamente no governo da última Junta Militar, que fraudara as eleições de 1980, até assegu-
rarem um acórdão com chefes políticos e empresariais, entreguistas em 1982. Na sequência, os
oligarcas da Ação Democrática, PDC e ARENA, governaram durante toda a guerra civil, sendo
que os Arenistas ultrapassaram o armistício, governando até 2009. No período do extermínio
em El Salvador, um pacto entre civis, militares e “consultores” estadunidenses levou a milhares
de salvadorenhos a buscarem abrigo e refúgio justamente nos Estados Unidos, com apoio das
redes solidárias coordenadas pela Teologia da Libertação.
As estimativas mais conservadoras afirmam que existem mais de dois milhões e meio de salva- 71
dorenhos vivendo nos EUA e as comunidades ativas, de naturais e descendentes de primeira e
segunda geração, já ultrapassariam os três milhões e 600 mil (chegando a quase 1% da popula-
ção estadunidense). Já o último censo de El Salvador aponta que a população residente no país
é de 6.344.722; logo, quase a metade dos cidadãos salvadorenhos é de imigrantes no Império.
Para agravar a situação de dependência, em 1º de janeiro de 2001, o governo da ARENA dola-
rizou a economia, transformando o dólar em moeda corrente. Com isso, o país que entrou em
guerra contra a oligarquia e o Império, passa a depender integralmente do ingresso de dólares e,
obviamente, do fluxo de pessoas e remessas de naturais, residindo no país que quase os destruiu.
Outra herança advinda da guerra de extermínio, terra arrasada e integração forçada são as
“maras”, versão mesclada entre máfia e gangue salvadorenha. A mais antiga e forte, a Mara
Salvatrucha (MS 13) tem redes conectadas nas comunidades imigrantes - com ênfase na Grande
Los Angeles, California - e domínio territorial na zona metropolitana de El Salvador, sua rival
principal, Barrio 18 (com duas subdivisões, Sureños e Revolucionários), opera como espelho da
inimiga estratégica. A atividade de ambas as “maras” oscila entre 30 e 60 mil membros ativos, e
a associação indireta e influência em zonas e famílias chega a meio milhão de pessoas.
Na seara política, assim como na Nicarágua, a FMLN saiu com alguma coerência interna,
transformando-se em um partido socialdemocrata. Disputou as eleições presidenciais após
1992, vindo a ganhar em 2009 - com Mauricio Funes -, elegendo o sucessor em 2014, Salvador
Sánchez Cerén. É evidente que com tamanho grau de dependência e integração forçada com o
Império resta pouca margem de manobra para qualquer governo eleito praticar o exercício da
soberania. ■

Expediente
Coordenador do curso de Relações Internacionais da Unisinos: Prof. Ms. Álvaro Augusto
Stumpf Paes Leme
Editor: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha

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PUBLICAÇÕES

Interfaces da morte no imaginário


da cultura popular mexicana

A
edição número 272 do Cadernos IHU Ideias traz o ensaio de Rafael
Lopez Villasenor sobre a festa do dia dos mortos, com suas diversas
faces da morte, no México. A morte é vivida com muita alegria, muitas
flores, comida e caveiras sorridentes de açúcar; a morte é ridicularizada e
celebrada com músicas, bebidas alcoólicas e rezas. Partimos do princípio de
que o culto festivo da morte tem sua
origem na cultura indígena pré-his-
pânica. A festa marca o calendário
festivo do imaginário da cultura po-
pular, celebrada de maneira especial
e única. Mistura muito bem o sagra-
do e o profano, o medo e a ironia, por
meio do sincretismo religioso do culto
à morte.
72 Rafael Lopez Villasenor é dou-
tor em Ciências Sociais com ênfase
em Antropologia, mestre em Ciências
da Religião e graduado em Teologia
pela Pontifícia Universiade Católica
de São Paulo –PUC-SP e graduado
em Filosofia pelo Instituto de Filoso-
fia Xaveriana. Assessor e membro do
Centro de Estudos Bíblicos – CEBI.
Membro do grupo de pesquisa Pós
-religare – Pós-modernidade e re-
ligião. Pesquisa pentecostalismo e
religiosidades. Tem experiência de
gestão no terceiro setor. Faz parte da
equipe interdisciplinar de Assessores
da CRB - Conferência dos Religiosos
do Brasil. Coordena o Centro de Es-
tudos Missionários Latino Americano
- Missionários Xaverianos – CEMLA.
Acesse a versão completa do artigo
em PDF através do link https://bit.
ly/2HSbY8M.
Esta e outras edições dos Cadernos
IHU também podem ser obtidas dire-
tamente no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, no campus São Leopoldo
da Unisinos (Av. Unisinos, 950), ou solicitadas pelo endereço humanitas@
unisinos.br. Informações pelo telefone (51) 3590-8213.

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Os documentos eclesiais pós-sinodais


“Familiaris Consortio” de Wojtyla e “Amoris
Laetitia” de Bergoglio como respostas aos
desafios da pastoral matrimonial

O
Cadernos Teologia Pública, em seu número 133, apresenta o artigo
de José Roque Junges que analisa os dois documentos pós-sinodais
da Igreja Católica que trataram do matrimônio, nos últimos anos,
Familiaris Consortio, de Wojtyla (1982), e Amoris Laetitia, de Bergoglio
(2016), tendo como foco as respostas aos desafios da vivência matrimonial.
O primeiro documento tem uma perspectiva canônico-moral ao propor res-
postas aos problemas enfrentados pelos casais, enquanto que o segundo se
caracteriza por um enfoque mistagógico-espiritual da vida matrimonial.
Essa diferença de perspectiva poderia ser interpretada como uma reedição
da controvérsia que, no século XVIII, opôs os dois sistemas que, naquela
época, tentavam dar respostas aos problemas morais: o probabilismo que
acentuava a consciência, defendido
pelos jesuítas, e o probabiliorismo,
centrado na lei, assumido pelos do-
minicanos. Essa diferença aparece 73
quando se considera o modo de tratar
a questão da eucaristia aos divorcia-
dos nos dois documentos.
José Roque Junges é graduado
em Filosofia pela Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio Grande do Sul
(1973), especialista em História do
Brasil Contemporâneo pela Universi-
dade do Vale do Rio dos Sinos (1978),
mestre em Teologia pela Pontifícia
Universidad Catolica de Chile (1980)
e doutor em Teologia Moral pela
Pontifícia Università Gregoriana de
Roma, Itália (1985). Atualmente é professor de bioética nos cursos de gradu-
ação da área de saúde e professor/pesquisador, além de atual coordenador,
do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (Unisinos).
Acesse a versão completa do artigo em PDF através do link https://bit.
ly/2HQsUwz
Esta e outras edições dos Cadernos IHU também podem ser obtidas dire-
tamente no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, no campus São Leopoldo
da Unisinos (Av. Unisinos, 950), ou solicitadas pelo endereço humanitas@
unisinos.br. Informações pelo telefone (51) 3590-8213.

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Outras edições em www.ihuonline.unisinos.br/edicoes-anteriores

Partido dos Trabalhadores, 10 anos no poder.


Um governo de esquerda?
Edição 413 – Ano XIII – 1-4-2013

Nesse ano eleitoral a campanha estava nas ruas. Perplexa, a opinião


pública havia assistido às alianças partidárias feitas para as próximas
eleições municipais. A revista IHU On-Line entrou no debate e discutiu
a necessidade e os limites, também necessários, das alianças políticas.
Contribuem no debate Luiz Werneck Vianna, Roberto Romano, Renato
Janine Ribeiro, Maria Victoria de Mesquita Benevides, Marco Aurélio
Nogueira, José Antonio Spinelli e Jairo Nicolau.

A potência das ruas em debate


75

Edição 434 – Ano XIII – 9 -12-2013

Nos meses de junho a outubro de 2013, o Brasil foi sacudido pela mov-
imentação das ruas. As grandes manifestações do mês de junho não
cessaram nos meses seguintes. Os protestos foram tema de debate nas
publicações do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Nesta edição da IHU
On-Line, foi retomado. Pesquisadores e professores discutiram as mobi-
lizações e a violência que têm acompanhado as mesmas.

Brasil, a construção interrompida

Edição 439 – Ano XIV – 29-9-20014

“Não há tema mais atual do que a memória”, afirma o pesquisador José


Carlos Moreira. “Entender o passado como morto é o caminho mais
rápido para eliminarmos nosso futuro”, destaca em entrevista publicada
nesta edição. O direito à memória e ao não esquecimento são as princi-
pais razões para a IHU On-Line publicar esta edição sobre os 50 anos do
Golpe Civil-Militar.

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twitter.com/_ihu bit.ly/faceihu bit.ly/instaihu bit.ly/youtubeihu medium.com/@_ihu

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