Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
São Paulo
2007
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
LUCILENA VAGOSTELLO
Orientadora:
Profª Drª Leila Salomão de la Plata Cury Tardivo
São Paulo
2007
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Vagostello, Lucilena.
O emprego da técnica do desenho da pessoa na chuva: uma
contribuição ao estudo psicológico de crianças vítimas de violência
doméstica / Lucilena Vagostello; orientadora Leila Salomão de La
Plata Cury Tardivo. -- São Paulo, 2007.
185 p.
BF698.7
O EMPREGO DA TÉCNICA DO DESENHO DA PESSOA NA CHUVA:
UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
LUCILENA VAGOSTELLO
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr.
Instituição Assinatura
Prof. Dr.
Instituição Assinatura
Prof. Dr.
Instituição Assinatura
Prof. Dr.
Instituição Assinatura
Prof. Dr.
Instituição Assinatura
À Profª. Drª. Leila Salomão de la Plata Cury Tardivo, pelo conhecimento proporcionado nesse
longo trajeto, pela disponibilidade, atenção, paciência e sensibilidade na orientação do
trabalho, sobretudo nos momentos finais, tão extenuantes. Manifesto minha mais sincera
gratidão pelo incansável incentivo à pesquisa e pela imensa generosidade que me abriu tantas
portas.
Ao Prof. Dr. Antonio Augusto Pinto Junior pelas relevantes sugestões e contribuições por
ocasião do exame de qualificação e pelo material bibliográfico gentilmente cedido.
Às psicólogas do Tribunal de Justiça, Ana Claudia, Cristina, Enny, Lucimar, Márcia, Marília,
Marisa, Patrícia, Regina, Silvia, Yeda, pelas contribuições na seleção das crianças. Obrigada
pelo apoio, compreensão e respeito ao meu cansaço nos últimos meses de trabalho.
Aos diretores das escolas e pais ou responsáveis, que permitiram a realização da pesquisa.
i
Ou Isto Ou Aquilo
(Cecília Meireles)
ii
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar uma técnica projetiva praticamente desconhecida
no Brasil, o teste da Pessoa na Chuva. Por meio de um estudo exploratório, busca-se verificar
suas contribuições para a avaliação psicológica de crianças vítimas de violência doméstica. A
técnica consiste em solicitar o desenho de uma pessoa na chuva e foi elaborada para verificar
como o indivíduo reage a situações de tensão ambiental. No presente trabalho, tal
procedimento foi aplicado em 82 participantes de ambos os sexos, com idades entre 6 e 10
anos e residentes em regiões de baixo índice de desenvolvimento humano da periferia da
cidade de São Paulo. Dos participantes, 40 são crianças comprovadamente vítimas de
violência doméstica (grupo experimental), segundo avaliação na Seção de Psicologia de uma
Vara de Infância e Juventude de São Paulo. Os outros 42 sujeitos (grupo de controle) são
crianças sem queixa de vitimização. Cada desenho foi classificado de acordo com a presença
ou ausência de seis características gráficas gerais: dimensão pequena da figura humana,
ausência de pés, ausência de mãos, ausência de detalhes, chuva (chuva como lágrimas, chuva
setorizada e raios) e guarda-chuva. As freqüências de cada característica foram calculadas e
comparadas nos dois grupos através do teste de Qui-quadrado. Além da pesquisadora, foi
realizada análise às cegas por outros dois juízes, por meio do teste de correlação de Pearson.
Com isso, verificou-se concordância entre as avaliações, dando confiabilidade à análise
realizada. A análise dos dados indicou que três características foram capazes de discriminar o
grupo de crianças vitimizadas do grupo de controle: ausência de detalhes, ausência de guarda-
chuva e chuva setorizada, todas elas mais presentes nas crianças com a condição de
vitimização. O Desenho da Pessoa na Chuva pode auxiliar o psicólogo em sua investigação, a
qual, contudo, deve contemplar outras técnicas de avaliação e várias fontes de informação.
Como um instrumento projetivo, a Pessoa na Chuva pode ajudar a promover o
estabelecimento de vínculos de confiança e favorecer a comunicação entre criança e
profissional, permitindo, com isso, melhor compreensão do sofrimento inerente à experiência
abusiva. Espera-se, com esse trabalho, incentivar a realização de outros estudos, quantitativos
e qualitativos, com vistas à validação da técnica na população brasileira.
iii
ABSTRACT
VAGOSTELLO, L.V. The use of the ‘Draw a Person in the Rain’ technique: a contribution to
the psychological study of child victims of domestic violence. 2007. 185 f. Thesis (Doctoral) –
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
The purpose of this study is to present the ‘Draw a Person in the Rain’ test, a projective
technique practically unknown in Brazil. By means of a preliminary and investigative study,
its contributions to the psychological evaluation of child victims of domestic violence are
sought. This technique consists in asking the subject to draw a person in the rain and has been
designed to check how sole individuals react to situations of environmental stress. The test
was performed in 82 participants, male and female, from 6 to 10 years of age and living in
areas of low human development from the suburbs in the city of São Paulo. Among all the
participants, 40 were child victims of domestic violence (experimental group), according to
evaluations at the department of Psychology of a Childhood and Adolescence Court of Law in
São Paulo. The remaining 42 (control group) are children with no claims of victimization.
Each drawing was classified according to the presence or absence of six general graphic
characteristics: small dimension of the human figure, absence of feet, absence of hands,
absence of details, rain (rain as tears, rain in sectors and thunderbolts) and umbrellas. The
frequencies of each characteristic were estimated and compared in both groups, using the chi-
square significance test. Besides the researcher, two other judges performed blind testing,
using the Pearson’s correlation coefficient, which conferred reliability to the present analysis.
Data analysis indicated that three characteristics made it possible to discriminate the child
victims from the control group: absence of details, absence of umbrella and rain in sectors, all
of which were more present in children suffering from victimization. Although the ‘Draw a
person in the rain’ test may help the psychologist, his or her investigation must include other
evaluation techniques and various sources of information. As a projective tool, this test can
help establishing trust relationships and fostering child-psychologist communication, thus
making it possible to better understand the suffering connected to the experience of being
abused. This work also aims at encouraging the conduction of other studies, both quantitative
and qualitative, in order to validate the technique for the brazilian population.
Keywords: Draw a Person in the Rain technique, Projective Techniques, Human Figure
drawing, Psychodiagnostics, Violence in the Family, Child abuse
iv
RESUMÉ
Ce travail a pour but de présenter une technique projective méconnue au Brésil, le test de la
personne sous la pluie, et de vérifier, par le biais d’une étude d’exploration, ses contributions
dans l’évaluation psychologique d’enfants victimes de violences domestiques. Cette technique
projective, fondée sur la sollicitation de dessiner une personne sous la pluie, a été élaborée
pour vérifier comment l’individu réagit à des situations de tension environnementale. Dans ce
travail, la technique de la personne sous la pluie a été appliquée sur 82 participants, dont 40,
connus pour avoir subis des violences domestiques (groupe expérimental) ont été évalués par
la Section de Psychologie d’une Chambre de l’Enfance et de la Jeunesse de São Paulo les 42
restant n’ayant aucune réclamation de persécution (groupe de contrôle) ; les deux sexes étaient
représentés à proportion égale, les enfants, âgés de 6 à 10 ans, résidant dans des régions au
taux de développement humain bas dans les banlieux de la ville de São Paulo. Chaque dessin
a été classé selon la présence ou l’absence de six caractéristiques graphiques générales : petite
taille de la figure humaine, absence de pieds, absence de mains, absence de détails, pluie (pluie
en forme de larmes, pluie sectorisée et éclairs) et parapluie. La fréquence de chacune des
caractéristiques a été calculée et comparée dans les deux groupes par le test khi carré. Une
analyse en aveugle a ensuite été effectuée par deux autres juges, outre le chercheur, au moyen
du test de corrélation linéaire de Pearson, lequel a avéré la concordance entre les évaluations,
rendant ainsi l’analyse confiable. L’analyse des données a indiqué que trois caractéristiques
ont permis de distinguer le groupe d’enfants persécutés du groupe de contrôle : absence de
détails, absence de parapluie et de pluie sectorisée, des caractéristiques davantage présentes
chez les enfants en état de persécution. Le dessin de la personne sous la pluie peut aider le
psychologue dans son investigation, celle-ci devant obligatoirement inclure d’autres
techniques d’évaluation et diverses sources d’information. La personne sous la pluie peut
jouer le rôle d’outil de projection pour aider à promouvoir l’établissement de liens de
confiance et favoriser la communication entre l’enfant et le professionnel, permettant, ainsi,
une meilleure compréhension de la souffrance inhérente à l’expérience abusive. Nous
espérons que ce travail encouragera la réalisation d’autres études, quantitatives et qualitatives,
en vue de valider cette technique dans la population brésilienne.
Mots-clés: Test de la personne sous la pluie, techniques projectives, dessin de figure humaine,
psychodiagnostic, violence dans la famille, abus de l’enfant.
v
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
vi
LISTA DE TABELAS
vii
SUMÁRIO
Agradecimentos ........................................................................................................................ i
Epígrafe .................................................................................................................................... ii
Resumo ..................................................................................................................................... iii
Abstract .................................................................................................................................... iv
Resume ..................................................................................................................................... v
Lista de figuras ......................................................................................................................... vi
Lista de tabelas ......................................................................................................................... vii
Apresentação ........................................................................................................................... 1
viii
A. Participantes .................................................................................................................. 104
B. Instrumentos .................................................................................................................. 111
C. Procedimentos ............................................................................................................... 113
ix
1
APRESENTAÇÃO
experiência profissional com crianças vítimas de violência doméstica, como psicóloga de uma
dessas crianças, assim como as de seus pais, que também foram vitimizados dentro de suas
famílias na juventude e, atualmente, estão submetidos a uma forma de violência mais ampla, a
que realizam pesquisas com crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica por meio
de uma técnica projetiva, até então desconhecida por mim, denominada a Pessoa na Chuva
como Argentina, Uruaguai, Chile e Peru, que associa o desenho da figura humana (de Karen
Machover, 1949) a uma situação de tensão ambiental, representada pela chuva (Querol & Paz,
hipótese de que “em todo menor submetido a maltrato crônico intrafamiliar se produz um
2
comportamento”.
Pessoa na Chuva, e verificar as suas contribuições para o estudo de uma população específica,
científica, uma vez que não existem, no Brasil, estudos estatísticos normativos, de validade e
do estudo e é composto por quatro partes. A primeira delas apresenta as diferentes concepções
Justiça de São Paulo e sua atuação na proteção de crianças vulneráveis e/ou submetidas à
doméstica contra crianças. Esse trabalho se justifica pela originalidade do tema, na medida em
que é uma técnica projetiva desconhecida no Brasil, e porque pode oferecer contribuições
apresentados, discutidos e comparados com o estudo argentino (Barilari et al., 2000) e com
embora não seja o objetivo do trabalho, é uma tentativa de integrar as duas facetas da
quantitativo e qualitativo.
conhecimento da técnica da Pessoa na Chuva e que sirva de ponto de partida para a realização
CAPÍTULO I
como uma etapa necessária para a aquisição de recursos biológicos, psicológicos e sociais
Os estudos sobre a infância e o papel da criança nos diferentes períodos da história são
relativamente recentes e foram pouco explorados até a década de cinqüenta. Um dos trabalhos
mais conhecidos sobre o tema é a “Hstória Social da Criança e da Família” de Phillipe Áries
diferentes momentos históricos, bem como o lugar e a função social da criança na família até
relacionadas à infância são preocupações específicas da modernidade, pois até o século XVII
Ariès (1973/1981, p.50) apontou que, com exceção da arte grega, que retratou suas
crianças com características infantis, até o final do século XI, somente os adultos foram
5
representados nas artes, como se a figura da criança inexistisse no mundo social e como se
apareceram no final do referido século, porém não passavam da reprodução de adultos com
retrataram crianças com características infantis apareceram somente no século XIII, porém,
eram representações fortemente marcadas pela influência religiosa cristã (imagens de anjos e
A falta de uma clara distinção e separação entre o mundo adulto e o infantil evidencia,
mesmas atividades sociais (jogos de azar, eventos sociais, danças) e mantinham entre si pouco
social burguesa passou a almejar uma educação diferenciada para os filhos, o que culminou na
criança da família moderna representa a separação entre mundo adulto e mundo infantil e
o momento a partir do qual a criança passou a ser vista como um ser diferente do adulto.
das especificidades da criança por uma sociedade que, até então, as ignorava. Por outro lado,
esse autor destaca que o surgimento da infância promoveu a imposição de limites e de regras
educacionais mais rígidos para a criança e incentivou a adoção de castigos corporais para
de Ciências Sociais, mas suas teses encontraram oposicionismo por parte de outros
historiadores como DeMause (1975), Postman (1999) e Heywood (2004) por diferentes
sobre as atitudes e as práticas educativas de pais em relação aos filhos e constatou que os
cuidados infantis melhoraram ao longo do tempo, uma vez que, em séculos remotos, o
intensificou os castigos corporais da criança, uma vez que este último baseou-se,
revelam que o espancamento de crianças, com os mais diversos tipos de objetos, era uma
Além disso, DeMause (1995) também observa, criticamente, que muitos historiadores
encaram com naturalidade a prática social do infanticídio em períodos remotos e que até
castigos mais rigorosos na família burguesa, tratou as brincadeiras sexuais entre adultos e
vitimização infantil em séculos cada vez mais distantes, onde o infantício era socialmente
aceito. Para este último, ao longo da história, a relação entre pais e filhos modificou-se e
metodologia e suas fontes de pesquisa. Entre eles encontramos Heywood (2004), que contesta
precedeu o século XVII. Para Heywood (2004, p.29), a infância, na Idade Média, “não passou
tão ignorada, mas foi antes definida de forma imprecisa, e por vezes, desdenhada”.
sempre existiu alguma consciência de que crianças e adultos não são pessoas propriamente
David Archard sugere que todas as sociedades, em todas as épocas, tiveram o ‘conceito’
de infância, ou seja, a noção de que as crianças podem ser diferenciadas dos adultos de
várias formas. O ponto em que elas diferem é em suas ‘concepções’ de infância... elas
terão idéias contrastantes sobre questões fundamentais relacionadas à duração da infância,
às qualidades que diferenciam os adultos das crianças e à importância vinculada às suas
diferenças (Heywood, 2004, p. 22).
na Grécia antiga e que, embora o infanticídio tenha sido uma prática socialmente tolerada
naquela sociedade, os gregos foram os primeiros a criar escolas para educar crianças, ensinar-
cidadão em potencial pela sociedade grega e, por isso, essa concepção pode ser considerada
“certamente não inventaram a infância, mas chegaram suficientemente perto para que dois mil
educação e de escolarização gregos, mas, Postman (1999) acredita que os romanos superaram
idéia de vergonha é importante para a concepção de infância, pois representa a adoção de uma
8
atitude moral do adulto em relação à criança e porque insere o segredo como um limite
Aqui nos defrontamos com uma visão inteiramente moderna, que define a infância, em
parte, reclamando para ela a necessidade de ser protegida dos segredos adultos,
especialmente os segredos sexuais (Postman, 1999, p.23).
que todos convergem para a existência de uma distinção entre os mundos infantil e adulto na
Postman (1999) recorda que no ano de 374 dC, o infanticídio foi proibido por lei em
Roma, fato que poderia ser considerado o prenúncio histórico de uma preocupação com a
proteção da infância, porém, destaca que eventos como a queda do império romano (476 dC),
interesse pela criança. Observamos e lembramos que muitos séculos se passaram até a criação
sociedade medieval e, ao contrário de Ariès (1973/1981), não considera a Idade Média como
momento histórico marcado pelo desaparecimento dessa idéia. Para Postman (1999, p.66), a
desaparecimento da capacidade da leitura e da escrita nas relações sociais mais amplas, que,
na Idade Média, restringiu-se somente aos representantes da Igreja Católica. O autor lembra
que a escrita é uma produção cultural de uma sociedade e que o acesso ao mundo letrado
e escrever e, com isto, os segredos do mundo adulto tornaram-se mais acessíveis ao mundo
infantil, diluindo as fronteiras entre ambos. Assim, a Idade Média representa o período do
de Ariès (1973/1981) importante, pois foi o primeiro autor a chamar a atenção para a pequena
distância que separava a infância da vida adulta na Idade Média; contudo, para o primeiro, a
infância desapareceu nesse período e, para o último, ela simplesmente não existiu.
concordar que, na sociedade medieval, a infância foi, no mínimo, pouco valorizada. Elizabeth
Badinter (1985), por exemplo, mostra que a entrega dos filhos de famílias abastadas para as
amas-de-leite foi uma prática comum desde o século XIII na França, uma vez que as
atividades domésticas e o cuidado dos filhos eram atribuições desvalorizadas pelas mulheres
das camadas sociais mais elevadas. Gradativamente, essa prática foi incorporada por mulheres
de outras classes sociais, cujos filhos eram entregues para amas cada vez menos qualificadas.
mortalidade infantil na França chegou a atingir 25% das crianças no primeiro ano de vida, o
que é considerado por Badinter (1985) um “infanticídio disfarçado”. Além disso, o período
compreendido entre o final do século XVIII e início do século XIX caracterizou-se por
Volnovich (1993) e Heywood (2004) destacam que até o século XVIII o conceito de
infância predominante baseou-se nas idéias de Santo Agostinho, que concebia a criança como
10
deve ser orientada para a sua contenção e para a sua transformação em adulto.
Os autores apontam que nos séculos XVII e XVIII, o pensamento de Locke, herdeiro
impusesse primazia da razão sobre seus instintos. Diferente de Santo Agostinho, Locke não
concebeu a criança como um ser impuro e pecador, mas como um representante do erro e do
engano, ou seja, a antítese da razão. Com sua idéia de tábula rasa, Locke delegou a
responsabilidade sobre o futuro da criança ao adulto, sendo a função deste conduzi-la para a
razão, que deve ocorrer somente quando o jovem estiver preparado, ou seja, a partir dos 12
anos, aproximadamente. Rousseau recomendava (1999, p.92-3, apud Heywood, 2004, p.38):
“Respeitai a infância... deixai a natureza agir bastante tempo antes de resolver agir em seu
lugar”.
Norteada por Rousseau, na transição dos séculos XVIII e XIX, a concepção romântica
criança e sua inocência infantil. Neste mesmo período, o amor materno apareceu como um
facilitaram o aparecimento de condições favoráveis para um convívio mais estreito entre mãe
como, por exemplo, o fim da entrega dos filhos aos cuidados das amas-de-leite e aos criados
Assim, o despertar do interesse pela infância no final do século XVIII não foi
maternidade pelas próprias mulheres. Tal assimilação não ocorreu espontaneamente, mas às
Donzelot (1980) ressalta que a intervenção do Estado na vida privada, através dos
inaugurou as bases da família moderna, que, regida por princípios educacionais, colocou as
crianças sob a supervisão direta da família e, ao retirar este poder das amas, concedeu à
criança e transformou-se em reduto de privacidade. Donzelot (1980) destaca que esta aliança
entre o médico e a família, ao mesmo tempo em que favoreceu o fechamento desta última,
permitiu a sua invasão pelo poder público, que, por meio de “pedagogias médico-sociais”
12
XIX e XX, colocou a mulher no centro da família, tornando-a responsável pelo êxito ou
fracasso de seus filhos. Em oposição à concepção romântica de infância vigente, surgiu, nesse
inocência infantis, uma vez que de acordo com o pensamento psicanalítico, a criança é
Freud refuta Locke e confirma Rousseau: a mente da criança não é uma tábula rasa;... se
aproxima de um ‘estado de natureza’... Mas ao mesmo tempo Freud refuta Rousseau e
confirma Locke: as primeiras relações entre criança e os pais são decisivas para
determinar o tipo de adulto que a criança será.
Volnovich (1993, p.25) destaca que a psicanálise introduziu uma nova concepção de
criança, como um ser ativo em seu desenvolvimento, dotada de desejo, dotada de um “saber”,
um saber inconsciente: “A Psicanálise deste século terá a indigna missão de subverter o mito
Postman (1999) e Heywood (2004) lembram que se, por um lado, a criança passou a
assumir uma importância social dentro da família e da sociedade em meados do século XVII,
trabalho infantil das famílias pobres foi absorvido como mão-de-obra pela indústria e pela
situação perdurou até o início do século XX, quando surgiram as primeiras legislações para
piores condições, pois executavam os trabalhos físicos mais árduos, tinham alimentação
geralmente protegidos pela nobreza, executavam atividades mais amenas, como servir as
refeições, arrumar os camarotes, entre outras. As órfãs eram jovens pobres, muitas vezes
órfãs somente de pai, brancas, praticamente raptadas de suas famílias e enviadas às colônias
indígenas e as escravas.
Mais do que um ritual, Góes & Florentino (2004, p.182) lembram que o batismo
representava uma ampliação dos laços familiares e sociais, na medida em que a figura dos
padrinhos incorporava-se à família, visando fornecer apoio à criança, sobretudo na falta dos
1
Marinheiros iniciantes, escalão mais baixo da Marinha.
14
pais, o que era comum entre escravos: “Os laços de compadrio uniam, sobretudo, escravos e
este era o costume entre os cativos do Rio de Janeiro, em áreas rurais e urbanas.”
pastoreio. Quanto melhor o seu desempenho, maior o seu valor no mercado da escravidão;
por volta dos 14 anos de idade, os jovens negros já realizavam as mesmas atividades de
escravidão
Uma história de internações para crianças e jovens provenientes das classes sociais mais
baixas, caracterizados como abandonados e delinqüentes pelo saber filantrópico privado
e governamental... deve ser anotada como parte da história da caridade com os pobres e a
intenção de integrá-los à vida normalizada. Mas também deve ser registrada como
componente da história contemporânea da crueldade (Passetti, 2004, p. 350).
institucionalização de crianças, seja por abandono, seja pela exposição à criminalidade dos
No início do século XX, as políticas públicas passaram a ser vistas como um veículo de
bem-estar. Mais recentemente difundiu-se a idéia de que também as crianças deveriam
ser alvos dessas políticas com a concepção de que a criança é um ‘sujeito a ser protegido’
(Passeti, 2004, p.366).
De acordo com Passeti (2004), no Brasil, um decreto (nº 16.272) foi criado, em 1923,
Menores (decreto 17343/A de 10/10/1927) foi publicado em 1927 e, através dele, o Estado
15
Nações Unidas (ONU) publicou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 1959, a
Organização das Nações Unidas criou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e a
Declaração dos Direitos da Criança, que priorizou a família e a comunidade para a proteção
na eclosão de programas de apoio à família, para assegurar a permanência dos filhos no seio
No Brasil, em 1979, foi publicado o Código de Menores, Lei Federal nº 6697, com o
infantil e foi abolido, após aproximadamente uma década, com a substituição do Código de
criança contra abuso e exploração, o que levou vários países, inclusive o Brasil, a tornar
2
- Nações Unidas no Brasil - Convenção sobre os Direitos da Criança, recuperado em 12 dez. 2006:
http://www.onu-brasil.org.br/doc_crianca.php.
16
Adolescente, publicado em 1990, representou um grande avanço legal e social para a proteção
infância e juventude, concedendo voz aos seus sujeitos, que passaram a ser concebidos como
adolescente viola o direito alheio por meio de um ato infracional) privilegiam a manutenção
dos vínculos da criança e do adolescente com o seu grupo familiar e com a comunidade na
qual estão inseridos, buscando realizar uma intervenção que integre o indivíduo e seu grupo
social.
Apesar dos recentes esforços empenhados pela sociedade para a proteção da infância
e, das mudanças ocorridas na família nuclear moderna, que se organizou em torno das
necessidades da criança, a história de violência infantil continua, inclusive no local onde ela
O capítulo anterior mostrou que a concepção de infância é uma produção histórica que
criança tornou-se uma força potencialmente produtiva para a sociedade e, ao mesmo tempo,
por um lado, a protegeu, por outro, permitiu que a privacidade familiar se tornasse um lugar
privilegiado para exercer e ocultar as mais diversas possibilidades de violência contra crianças
e adolescentes.
Azevedo e Guerra (1995) encontraram os primeiros registros sobre esse assunto em 1860,
investigação da violência doméstica infantil (Azevedo & Guerra, 1995; Gonçalves, 2003).
De acordo com Gonçalves (2003), o primeiro estudo brasileiro sobre violência foi
publicado em 1973 por Coates, Ribeiro, Hercowitz e Keiserman e relata o caso de uma
criança de um ano e três meses de idade espancada e abandonada pela mãe na Santa Casa de
São Paulo.
científica nacional sobre esta temática menciona os estudos de Maria Amélia Azevedo e
USP, que, além de produzir e agregar estudos científicos, capacita profissionais de todas as
determina a sociedade e também é determinado por ela. Assim, as relações de poder que se
estabelecem dentro das instituições sociais e, mais especificamente, dentro da família, são
e suas vítimas são todos aqueles que não conseguem ter acesso aos bens e recursos
profissional, como uma forma compensatória de exercer nestes espaços o poder social que
lhes falta. Saffiotti (1989) denomina este mecanismo “Síndrome do Pequeno Poder”, que
19
geralmente é exercido, sob alguma forma de violência (não necessariamente física), contra
os mais adequados para se referir ao fenômeno da violência doméstica, pois, como vimos,
todos os envolvidos
...as características psicológicas dos pais, bem como sua posição de classe e sua visão de
mundo (ideário). Por outro lado esse padrão abusivo entra, por vezes, em interação com
‘condições concretas de vida familiar’ e com ‘características particulares da criança e do
adolescente. (Azevedo & Guerra, 1998, p.90)
no Brasil é a de Azevedo e Guerra (1995, p.36), que a concebem como uma manifestação
do adulto
Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou
adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima –
implica de um lado, numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro,
numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e
adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento.
emocionais) que, isoladamente, não são determinantes, mas, quando associados em condições
como características de personalidade dos pais (dificuldade de controle dos impulsos, auto-
planejamento familiar.
programas sociofamiliares) ou ainda pelo limitado relacionamento social com familiares e/ou
inseridas, geralmente receptivo e tolerante à violência, e que utiliza a punição física como
estão implicados psicologicamente na dinâmica relacional, seja quem pratica a agressão, seja
quem sofre a agressão, seja quem se omite, seja quem se rebela frente à violência (Furniss,
responsabilidade pelo abuso (Furniss, 1993; Linares, 2002). A seguinte definição, empregada
por Linares (2002, p.58), parece traduzir a concepção de violência intrafamiliar da abordagem
sistêmica:
21
incidam sobre as esferas familiar, individual e social da violência e não apenas uma atuação
profissional que privilegie o indivíduo e seu ambiente doméstico (Furniss, 1993; Linares,
2002).
interpessoais ulteriores.
ambiente. De acordo com Winnicott (1983), uma mãe suficientemente boa funciona como um
ego auxiliar da criança, apresenta-se como objeto de satisfação de seus impulsos e de suas
necessidades, o que permite o estabelecimento de uma confiança que leva o bebê a sentir-se
integração do bebê como unidade somática e psíquica, pois essa experiência de “eu”, capaz de
criar objetos, possibilita o desenvolvimento de uma relação que não seja insuportavelmente
necessidades de seu filho, é capaz de proporcionar a ele a segurança necessária para lidar com
as suas demandas instintivas e com ameaças do mundo interno e externo. A presença de uma
mãe suficientemente boa, portanto, protege a criança dos ataques da realidade externa e da
crueldade dos seus próprios impulsos destrutivos, possibilitando integrar impulsos eróticos e
O indivíduo só pode atingir o estado do “eu sou” porque existe um meio que é protetor; o
meio protetor é a mãe preocupada com sua criança e orientada para as necessidades do
ego infantil através da sua identificação com a própria criança. (Winnicott, 1983, p.35)
tolerada, permitindo que esta ansiedade não seja experimentada como culpa, mas retida para
A esta culpa que é retida, mas não sentida como tal, denominamos ‘preocupação’. Nos
estágios iniciais do desenvolvimento, se não há uma figura materna de confiança para
receber o gesto de reparação, a culpa se torna intolerável e a preocupação não pode ser
sentida. (Winnicott, 1983, p. 78)
cuidados, podemos pensar que crianças expostas à situação de violência doméstica estariam
muito mais vulneráveis a desajustes de natureza relacional do que outras pessoas. Conforme
veremos mais adiante, a violência doméstica, de fato, tende a produzir efeitos prejudiciais
nessa área, pois, com muita freqüência, observamos que pessoas submetidas à violência
próprios filhos ou, ainda, tendem a reproduzir nos relacionamentos sociais e/ou familiares o
importantes para o estudo da violência doméstica, porém, não podemos deixar de demarcar
23
uma vez que partem de premissas e de determinações distintas para explicar a ocorrência do
fenômeno. Não podemos deixar de apontar que o enfoque histórico-crítico é o mais completo,
porque abarca uma dimensão sociocrítica da produção da violência doméstica que não está
presente nos demais, que privilegiam intervenções focadas no grupo familiar, ainda que
doméstica.
notificados 57 mil homicídios de jovens menores de 15 anos, com maior incidência entre
Laudos do IML, Varas de Infância e Juventude, FEBEM) revelam que as vítimas de violência
doméstica de São Paulo são predominantemente do sexo feminino e que os agressores são, na
Sedes Sapientiae, “três entre dez crianças de zero a doze anos sofrem algum tipo de maus-
tratos dentro da própria casa, perpetrados por pais, padrastos ou parentes”. (Sousa & Vecina,
2002, p.73)
realizados pelo LACRI em todo o Brasil, entre 1996 e 2004, apontam que a negligência e a
violência física são as modalidades de violência doméstica mais notificadas e que o abuso
24
sexual encontra-se entre os menos registrados, conforme a tabela a seguir (Azevedo & Guerra,
2006) 3 :
de Guatinguetá, no estado de São Paulo, apontam que as crianças que recebem atendimento
feminino (61%). As meninas são as maiores vítimas de violência física (27 - 45%) e sexual
(26 - 43%), enquanto que os meninos são alvos mais freqüentes de violência física (61%).
3
- Fonte: Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) da USP,
http://www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/iceberg.htm#2, recuperado em 14 de dezembro de 2006.
25
social, porque encontra apoio em nossa cultura, que valoriza e banaliza práticas violentas,
naturais”. O emprego de castigos físicos, como surras ou “palmadas”, é aceito por muitas
famílias, porque ainda é considerada uma prática educativa, assim como outras punições
físicas como torturas e pena de morte também são meios defendidos para a solução de
ocorrem, invariavelmente, em todas as classes sociais, porém, a maioria dos casos notificados
exposição e a denúncia das ocorrências, uma vez que a sociografia da pobreza apresenta
Nos estratos sociais mais elevados, as fronteiras da intimidade conseguem ser muito
mais preservadas e o acesso às mazelas domésticas por terceiros, muito mais limitado e
controlado. Deslandes (1994) lembra que a vida privada da população de baixa renda acaba
sendo exposta também pela intervenção de poderes de diversas naturezas, – “públicos, locais
e paralelos” -, enquanto que os serviços privados desfrutados pelas classes média e alta
membros da família (Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Sanmartín, 2002; Linares, 2002;
Gonçalves, 2003).
internacionais é o de que, ao contrário do que se imagina, são poucos os casos nos quais os
vítima (Gonçalves, 2003; Sanmartín, 2002; Linares, 2002; Azevedo & Guerra, 1989 e 1995).
terceiros, entre outros), associadas a correlatos emocionais como ansiedade, baixa auto-
estima, insegurança, medo e desamparo (Azevedo & Guerra, 1989 e 1995; Sanmartín, 2002;
Linares, 2002;).
Pesquisas internacionais e brasileiras também apontam que cerca de 50% das famílias
com histórico de violência contra crianças e adolescentes contam apenas com a mãe como
chefe de família. Parece haver consenso entre os pesquisadores da área: estressores sociais
à violência doméstica (Gonçalves, 2003, Deslandes, 1994; Azevedo & Guerra, 1989).
pais e filhos. Na história de vida do adulto que pratica violência existe, quase que
invariavelmente, algum tipo de vivência de maus-tratos, porém, jamais se pode afirmar que
uma vítima será um futuro agressor, embora possa vir a sê-lo (Gonçalves, 2003, Sanmartín,
menos notificada pelos profissionais que, por força da lei (ECA, 1990) e da ética profissional,
realizadas em São Paulo e Campinas, no início da década de 90, que as maiores fontes de
Em duas pesquisas de nossa autoria (Vagostello, Oliveira, Silva, Moreno & Donofrio,
2003, 2006), com a participação de 159 professores e diretores de escolas públicas e privadas,
suspeitas de maus-tratos domésticos. Nesses estudos constatamos que a denúncia aos órgãos
pouco comum entre esses profissionais, que tendem a abordar a violência intrafamiliar da
mesma maneira pela qual resolvem os problemas pedagógicos, ou seja, por meio da
casos, temor da quebra de sigilo e ameaças recebidas pelo agressor), dificuldades estruturais
(falta de estrutura para atuação dos Conselhos Tutelares) e barreiras familiares (manipulação
28
obriga a denúncia por parte dos profissionais, ele não define objetivamente o que são maus-
doméstica. Gonçalves e Ferreira (2002) ressaltam, ainda, que a lei também não prevê a
capacitação profissional dos membros dos Conselhos Tutelares, o que prejudica a realização
adolescente.
dos estudos sobre violência doméstica, embora existissem alguns estudos precedentes. Em
1962, nos Estados Unidos, foi publicado um trabalho denominado “A Síndrome da Criança
Espancada” (The Battered Child Syndrome), de Kempe, Silverman e Steele, que se tornou um
estudo clássico sobre violência física contra crianças, citado por diferentes autores da área
definição de abuso físico, porque despertou a atenção dos profissionais da saúde para a
física saiu do domínio médico e se tornou objeto de investigação das ciências humanas, o que
danos físicos, nas definições de violência física doméstica. A definição de Monteiro Filho e
Phebo (1977, p.10 apud Gonçalves, 2003, p.146) ilustra essa tendência
A partir da década de 80, autores como Nowell (1989 apud Azevedo & Guerra, 2001a)
ampliaram o conceito de violência física, redefinindo-o não mais em função da lesão, mas da
dor. Desde então, considera-se agressão e violência qualquer punição física que provoque dor
toda ação que causa dor física numa criança, desde um simples tapa até o espancamento
fatal, representam um só continuum de violência’ (Nowell, 1989). Portanto, a punição
corporal de crianças e adolescentes seria considerada uma violência, mesmo a chamada
punição leve, na medida em que toda punição corporal para ter este caráter deve implicar
no conceito de dor física.
identificada, porque permite o seu reconhecimento imediato, assim como a gravidade do dano
causado à vítima. Por ser mais evidente, o abuso físico é a forma de violência mais
adolescentes (Deslandes, 1994; Azevedo & Guerra, 1995, 1998; 2001a; Silva & Vecina,
Se, por um lado, a violência física é a mais exposta ao conhecimento público, sua
prática amplamente aceita na sociedade por pais e educadores, constituindo o que Azevedo e
Guerra (1995, 2001a) chamam de uma “cultura oculta da violência”, que banaliza e legitima
o uso da coerção física dentro da família, a despeito da desigualdade de forças entre o adulto
e a criança.
A esse respeito Linares (2002) acrescenta que a violência física contra crianças e
adolescentes é mais tolerada socialmente do que a violência contra a mulher, apesar de esta
Azevedo e Guerra (2001a) alertam que a prática de bater nos filhos é uma violência
disfarçada que deve ser repudiada e combatida, pois a palmada, supostamente educativa, é,
na verdade, motivada e alimentada pela raiva, que pode disparar atos de violência sem
pessoas que mais vitimizam fisicamente crianças e adolescentes dentro do lar. Os próprios
pesquisadores não se surpreendem com essa informação, na medida em que as mães ainda são
as principais responsáveis pela educação dos filhos e também são as que permanecem por
maior período de tempo com os mesmos (Azevedo & Guerra, 2001a, 1995; Pinto Junior et al.,
São Paulo (Silva & Vecina, 2002), foram encontradas, todavia, estatísticas nas quais o abuso
(32,15%).
os sexos, de diferentes classes sociais (IDH alto e IDH baixo), revela que 50% desse total
apanham dos pais em suas casas, que os meninos apanham mais do que as meninas, que as
31
crianças de IDH baixo apanham mais e com mais severidade do que as de IDH alto, sendo as
Azevedo e Guerra (2001a) verificaram também que as práticas punitivas físicas geram
tendem a ser mais passivos, a apresentar representações muito negativas de si mesmos e das
contato corporal entre um adulto e um menor de 18 anos, como, por exemplo, em situações de
pornográficos (Gonçalves, 2003; Azevedo & Guerra, 1989 e 1995; Gabel, 1997; Furniss,
1993).
ditas (oral, anal ou genital), mesmo nos casos em que ocorre alguma forma de contato físico,
pois, na maioria das vezes, este não deixa sinais corporais detectáveis em exames ou perícias
médicas, como nas ocorrências de carícias corporais e genitais, atos masturbatórios; e essa
ausência de “provas materiais” costuma ser amplamente utilizada na defesa dos adultos que
coerção psicológica expressa sob a forma de ameaça à vítima ou a figuras de grande valor
emocional como mãe e irmãos (Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Rouyer, 1997; Furniss,
1993).
Azevedo e Guerra (1995, p.53) empregam uma definição completa, clara e precisa
todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual entre um ou mais adultos
e uma criança menor de 18 anos, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança ou
utilizá-la para uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa.
são predominantemente meninas e que os pais biológicos, seguidos pelos padrastos, são os
que respondem pela maior parte das agressões (Azevedo & Guerra, 1995; Sousa e Silva,
crianças e adolescentes do sexo feminino são muito superiores do que em jovens do sexo
(2006) 4 :
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Total
Masculino 8 7 18 113 192 350 326 522 589 602 677 3.404
Feminino 68 80 174 536 786 1.373 1.402 2.077 1.984 2.129 1.779 12.388
Sem
19 228 386 0 0 0 0 0 0 0 0 633
informação
Total 95 315 578 649 978 1.723 1.728 2.599 2.573 2.731 2.456 16.425
4
- Fonte: Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) da USP,
http://www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/iceberg.htm#2, recuperado em 14 de dezembro de 2006.
33
que, do ponto de vista social, esse fenômeno é ainda mais impregnado de preconceitos e
números oficiais se tornam ainda mais reduzidos, por ser a sua notificação menos freqüente
(apenas 18,6% do total dos casos registrados de violência sexual). Os agressores sexuais de
alguns casos, apresentam problemas metodológicos que comprometem seus resultados, tais
abuso com os sujeitos. Esses inconvenientes acabam por promover a difusão de idéias
enviesadas, equivocadas e até mesmo preconceituosas sobre o tema, conforme destaca Pinto
Junior (2003a).
obstáculos para o rompimento desse tipo de violência. A pessoa que pratica abuso sexual –
considerável valor afetivo para a criança, o que mobiliza intensa ambivalência emocional
(amor e ódio, vergonha e culpa) e reforça o segredo sobre a situação abusiva, que pode
34
perdurar por tempo indeterminado (Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Furniss, 1993; Gabel,
A adaptação ao abuso é uma das estratégias psicológicas adotadas por muitas crianças
que enfrentam abusos sexuais prolongados em segredo e que passam a encarar essa situação
como um evento “natural” em sua vida. Esse mecanismo de sobrevivência psíquica foi
denominado “Síndrome de Acomodação”, por Summit (1983, apud Azevedo & Guerra, 1995)
em um trabalho publicado em 1983, que se tornou muito famoso e citado até hoje na literatura
Quando o adulto desconsidera, ou não acredita, na palavra da criança que revela uma
situação de abuso sexual, ela perde a esperança de contar com a proteção do ambiente e não
lhe restam muitas saídas senão aceitar a situação abusiva. Summit (1983 apud Azevedo &
segredo; as três últimas são contingências da própria abordagem sexual: a criança adapta-se à
situação de abuso sexual; depois revela, tardiamente, mas sua palavra não encontra
(desintegração familiar, prisão do agressor, pressões familiares, entre outros) levam a criança
a desmentir o abuso, o que se torna um conveniente e poderoso aliado para a pessoa que
abusa. Esse movimento de retratação é tão comum entre as crianças vítimas de abuso sexual
que a sua presença em crianças muitas vezes é um indicador da ocorrência de abuso sexual
para os profissionais da área (Azevedo & Guerra, 1989; Furniss, 1993; Lamour, 1997; Ferrari
outro poderoso fator que sustenta o silêncio e reforça a violência sexual dentro de lar. Nos
casos de abuso sexual que se prolongam durante anos, a pessoa que pratica o abuso conta com
a omissão do parceiro, que não percebe, não enxerga ou não acredita, a despeito das tentativas
de revelação, diretas ou indiretas, da criança (Furniss, 1993; Azevedo & Guerra, 1995; Gabel,
Alguns autores consideram que o abuso sexual ocorre em famílias que apresentam
caracterizam por serem fechadas, por manterem relações erotizadas, pela falta de limites inter
disfunção familiar. Isso significa que as famílias incestuosas geralmente apresentam intensas
tensões conjugais de onde o abuso sexual emerge como um regulador de conflitos (para evitar
e as funções familiares modificam-se de tal modo que a função parental de proteção aos filhos
é subvertida pela ação abusiva do pai e pela omissão da mãe, que acabam por transformar a
dentro da família, de modo que um dos cônjuges estabelece uma com o filho(a) de exploração
e favoritismo. Isso significa que a situação de abuso sexual leva a vítima a acreditar que
36
mantém um relacionamento especial com seu pai e que, portanto, ocupa um lugar privilegiado
na família, em relação à mãe e aos outros irmãos (Furniss, 1993; Linares, 2002).
Furniss (1993) destaca que a manutenção do segredo no abuso sexual só é possível por
meio da atuação de poderosos mecanismos de dissociação da realidade que fazem com que a
criança negue e anule a experiência do abuso. Isso significa que a criança é capaz de passar
pela situação de abuso sem experienciá-la, sem conseguir nomeá-la e até mesmo sem
filhos e o assunto foi abordado por Freud (1905/1981) nos “Três ensaios sobre a sexualidade”.
Para Freud a sexualidade infantil encontra-se sob o domínio de instintos sexuais parciais
sexual. Na fase de latência, os instintos sexuais são desviados de sua finalidade original pela
até atingi-lo plenamente na vida adulta, período em que o instinto sexual encontra o seu
objeto no outro e encontra o seu fim nas atividades sexuais (coito e reprodução).
criança ainda não possui resistências instituídas, como o “pudor, a repugnância e a moral”,
para evitar essa estimulação e, tampouco, recursos psicológicos ou físicos para efetuar a
descarga da tensão sexual. Esse prazer preliminar intenso pode substituir o fim sexual e
produzir fixações que constituem a base das perversões sexuais (Freud, 1905/1981).
brusco desprazer não pela defesa, mas pela identificação ansiosa e a introjeção daquele que a
ameaça e a agride”.
confusão para a criança: o jogo sexual, inicialmente inócuo e vivido de forma lúdica, torna-se
vergonhoso e digno de castigo. A criança procura, na relação com a pessoa que pratica o
adolescentes que sofreram abuso sexual, seja porque eventualmente experimentaram alguma
forma de prazer durante a estimulação sexual, seja porque acreditam que se permitiram ser
com crianças e adultos) e de conhecimentos sexuais incompatíveis com a idade entre crianças
abuso sexual (Azevedo & Guerra, 1989; Furniss, 1993; Rouyer, 1997).
Os efeitos do abuso sexual também podem incidir sobre a sexualidade das vítimas,
quando se tornam adolescentes ou ingressam na vida adulta. Muitas delas, ainda quando
relacionamentos com vários parceiros, sem estabelecer com eles vínculos emocionais
(Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Furniss, 1993; Rouyer, 1997). Para Furniss (1993) a
38
ato sexual.
vitimização sexual, tanto para meninas quanto para meninos (Rouyer, 1997; Pinto Junior,
2003a). Além disso, Pinto Junior (2003a) destaca que o medo de ser considerado
homossexual é outro efeito que aparece com freqüência em vítimas do sexo masculino, o que
baixa auto-estima também são efeitos que aparecem na literatura sobre abuso sexual de
Verificamos, também, tanto na literatura (Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Furniss,
Juventude, que grande parte das mulheres que foram sexualmente vitimizadas na infância ou
juventude não conseguem proteger seus filhos e filhas da violência sexual perpetrada por seus
companheiros. Assim como não foram ouvidas, protegidas e cuidadas por suas próprias mães,
menor a criança, maior tempo de exposição ao abuso e maior vínculo afetivo com o agressor,
Rouyer (1997) destaca que os efeitos emocionais mais comuns, a curto e médio prazo,
Furniss (1993) destaca que as situações de abusos sexuais prolongados levam a formas
atendimento dessas crianças (Furniss, 1993; Rouyer, 1997; Lamour, 1997; Nogueira & Sá,
2004).
No estudo dos efeitos do abuso sexual, Finkelhor e Browne (1985) consideram que a
afetivas”.
A traição é a dinâmica que advém da descoberta da criança de que aquele que lhe
causa mal (agressor) é uma pessoa em quem confia e que as demais pessoas da sua confiança
(membros da família, professores, entre outros) não são suficientemente protetoras em relação
manifestam sob a forma de tristeza, depressão, desilusão, raiva e falta de confiança nos
relacionamentos interpessoais.
40
são constantemente violados pelo agressor, a quem a criança se sente incapaz de enfrentar. A
relacionados ao abuso sexual – maldade, vergonha e culpa – que acabam sendo incorporados
social, baixa auto-estima, abuso de álcool ou drogas, envolvimento com atividades ilícitas,
De acordo com Finkelhor e Browne (1985), algumas dessas dinâmicas também podem
estar presentes em outras situações traumáticas da vida da criança, como a violência física ou
ainda a separação dos pais, porém, o que torna o trauma do abuso sexual peculiar é a
coexistência das quatro dinâmicas traumáticas. Este modelo traumatogênico não se preocupa
com os efeitos (ou sintomas), mas com os processos dinâmicos traumáticos relacionados a
p. 94) sistematizaram os principais efeitos, em curto prazo, da violência sexual contra crianças
Quando comparamos este quadro aos autores já mencionados, verificamos que parece haver
41
vitimização sexual:
Negligência
pela omissão e não pela ação. Azevedo e Guerra (2000c, p.19) incorporam a dimensão social
De acordo com Lippi (1985), pais negligentes nem sempre atacam diretamente seus
filhos, não realizam ações diretas que possam comprometer sua integridade, mas possibilitam
definida como “... uma ausência de zelo e sensibilidade materna em relação à criança ou uma
recursos materiais, mas, em todas as classes sociais, podemos verificar que a manifestação da
negligência é disfarçada por uma postura excessivamente permissiva dos pais, a qual encobre
até mesmo para experientes profissionais. Casos de afogamento de crianças pequenas abrem
espaço para a discussão desses frágeis limites, na medida em que a criança ainda não possui
discernimento para discriminar uma situação de perigo e que pode ter havido falha dos pais na
A negligência é um ato violento de grande potencial letal, pois raramente consegue ser
maiores do que uma agressão ativa que, por ser explícita, poderia receber maior vigilância
social. Ela é a porta de entrada para a ocorrência de outras formas de violência como a sexual
e a física.
43
família, falta de rede social de apoio, presença de doenças como alcoolismo, drogadição,
distúrbios neurológicos ou psiquiátricos nos pais, apatia e desinformação dos pais sobre
necessidades infantis (Bowlby, 1981; Azevedo & Guerra, 1989; Belsky, 1993).
(1989 e 1995), Linares (2002), Sanmartín (2002) destacam que a violência psicológica pode
se manifestar de diferentes formas, seja como rejeição (hostilidade), seja como abandono
Gabarino, Guttmann e Seeley (1986, apud Azevedo & Guerra, 2001b, p.35)
condutas parentais em relação aos filhos: “rejeitar, isolar, aterrorizar, ignorar, corromper”.
contatos com outras pessoas), indiferença (falta de atenção, falta de amor, abandono), terror
Gil (1984, apud Azevedo & Guerra, 1989, p.41) define o abuso psicológico como um
enquanto que outros autores os tratam como fenômenos distintos como, por exemplo,
O´Hogan, que entende o abuso psicológico como uma violência que envolve atitudes menos
hostis e mais sutis do que o abuso emocional (Azevedo & Guerra, 2001b).
maior parte das vezes, aparece como coadjuvante em outras situações de violência, como a
física e a sexual.
pois é pouco perceptível para terceiros, seja porque a vítima é muitas vezes responsabilizada
por provocar o ato violento, seja porque nem mesmo a própria vítima, apesar do sofrimento,
consegue percebê-lo ou identificá-lo como violência. Essa peculiaridade foi constatada pelas
mais recente e, por isso, a realização de pesquisas sobre o tema torna-se mais difícil e rara do
que nas demais formas de violência. A ausência de uma definição clara e unânime do
fenômeno, bem como as dificuldades para identificá-lo e avaliá-lo, também contribuem para a
Para Winnicott (2002) as tendências anti-sociais têm por base a (de)privação emocional, ou
45
seja, perda de algo importante que não foi capaz de se manter na experiência emocional
precoce do indivíduo. O autor considera que condutas anti-sociais como roubos representam
uma busca do adolescente pela figuras materna (objeto perdido) e paterna (autoridade) que
freiem sua impulsividade e protejam o objeto de amor dos seus ataques. Trata-se, portanto, de
uma busca desesperada pelo que foi perdido, por figuras “fortes, carinhosas e seguras”.
O abandono dos filhos é uma das formas mais freqüentes e cruéis de violência
constatou que, quanto mais longa a separação da criança de seu lar, maior o prejuízo para o
De acordo com Bowlby (1981), as separações mais prejudiciais são as que ocorrem no
segundo semestre de vida da criança, seguidas por aquelas ocorridas após os doze meses, dois
e três anos de idade. Entre três e cinco anos de idade os riscos ainda são sérios, mas menores
do que no período anterior. Até os seis primeiros meses de vida, as separações produzem
vida do bebê, quando este já possui capacidade cognitiva de manter a imagem mental da
figura materna na ausência dela, a fim de discriminá-la entre os demais e de rejeitar pessoas
desconhecidas. Separações súbitas, ocorridas entre seis e nove meses de vida, podem produzir
estados depressivos em bebês, manifestos sob a forma de apatia, tristeza, perda de apetite,
perda de sono e suscetibilidade a infecções. Para Bowlby (1981 e 1988) a criança que foi
capaz de desfrutar de uma base segura de apego reage com menos angústia e maior tolerância
De acordo com Bowlby (1981), a privação parcial pode produzir angústia, intensa
relacional familiar, pois considera que a violência psicológica aparece, na maior parte dos
“alianças” entre pais e filhos. No primeiro caso, os pais saem de seus papéis de protetores e
psicótica nos filhos. No segundo caso, não ocorre a formação de alianças entre pais e filhos,
mas a falta de harmonia conjugal coincide com o fracasso das funções parentais, que pode se
de efeitos como tentativas de suicídio (por não corresponder às elevadas expectativas sociais),
Diante das diversas formas de violência apresentadas neste capítulo, verificamos que,
dos profissionais que trabalham com a população infantil e adolescente nas áreas da educação
entre outros) para identificar e denunciar eventuais suspeitas de violência é fundamental para
vítimas de violência doméstica é fundamental, seja nas instituições de saúde, seja na esfera
judicial. A prática do psicólogo que trabalha com a violência doméstica no Poder Judiciário
ainda é pouco conhecida até mesmo pelos profissionais da área de Psicologia e este capítulo
pretende mostrar como se realiza este trabalho no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
legal de maneira mais ampla e inclui suas atividades tanto no poder executivo (penitenciárias,
delegacias, FEBEM, por exemplo), quanto no poder judiciário (Castro, 2003). A psicologia
forense relaciona-se a uma esfera de atuação mais restrita e específica, que é “a psicologia
criminal. No Brasil, a psiquiatria forense originou-se no final do século XIX e parece ter se
inicialmente voluntário junto ao Serviço de Colocação Familiar (Lei Estadual 560 de 1949),
Bernardi (2000, p.105) pontua que o Código de Menores de 1979, abriu os caminhos
na medida em que “previa em seu art. 4º, III, ‘que o estudo de cada caso fosse realizado por
equipe técnica, sempre que possível’”. Com base nesse artigo foram criadas, em 1980, as
Foi instituída em São Paulo, capital, uma forma de atendimento dos casos em Juízo,
através de prévia apuração por equipe técnica, composta por Assistente Social e
Psicólogo, que participam ativamente das Audiências Interprofissionais e não só orientam
as medidas dentro de suas respectivas áreas, como, também, apresentam o relatório para a
pronta decisão do processo (Camargo, 1982, p. 22 apud Bernardi, 2000, p. 106).
Vale destacar que os psicólogos voluntários ingressaram com trinta anos de atraso em
relação aos Assistentes Sociais, que já estavam inseridos no Tribunal de Justiça desde 1950.
atendidas pelas Varas de Menores (Cerqueira & Ferreira, 1992; Bernardi, 2000).
reconhecida pelo Tribunal de Justiça paulista, pois foi o ano em que se realizou o primeiro
concurso público para o cargo de psicólogo judiciário, com atribuição de funções cumulativas
nas Varas de Menores e nas Varas de Famílias e Sucessões (Bernardi, 2000; Cerqueira &
Ferreira, 1992).
profissionais das áreas de Psicologia e Serviço Social nas Varas de Infância e Juventude
Art. 151. Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem
reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou
verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento,
orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à
autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico (Del
Campo & Oliveira, 2006, p.202).
primeiro lugar, a natureza dos processos atendidos nas Varas de Infância e Juventude. O
psicólogo atua, resumidamente, nas seguintes situações (Cerqueira & Ferreira, 1992 Bernardi,
2000):
cadastro de interessados;
risco à sua própria integridade (fugas do lar, uso de drogas, entre outras);
5
Na Capital do Estado de São Paulo existem as chamadas Varas Especiais de Infância e Juventude, destinadas
exclusivamente para o atendimento de adolescentes com práticas de atos infracionais. No interior, estes casos são
atendidos nas Varas de Infância e Juventude.
51
Infância e Juventude, embora requeira atuação avaliativa (estudo psicológico individual e/ou
técnico que servirá de subsídio para uma decisão judicial. A perícia exige conhecimento
especializado do profissional e seu resultado deve ser apresentado sob a forma de um laudo
judicial atende à função de responder a uma questão específica da esfera legal, que exige
pericial é bastante específico e a função do perito deve limitar-se a responder a uma pergunta
O estudo psicológico tem por objetivo, então, responder a uma questão que lhe é dirigida
nos autos. O perito deverá reportar-se a esta questão, quer para respondê-la, quer para
justificar o porquê de não conseguir elucidá-la o suficiente durante o estudo de caso.
envolvidos, sejam eles crianças ou adultos, discute medidas de proteção mais adequadas para
cada caso, realiza intervenções por meio de orientações diretivas, realiza acompanhamentos
programas de auxílio social, grupos de apoio, entre outros), mediante parceria com outras
instituições.
52
casos, devem conter pareceres, que são apresentados por escrito (ou oralmente, em
audiências), para auxiliar a decisão judicial. Cabe destacar que a decisão judicial pode ou não
Sucessões, porém, nestas últimas, a sua atuação é essencialmente pericial. O mesmo ocorre
em situações eventuais nas quais o psicólogo pode ser designado para atuar como perito em
visitas dos filhos. Nestas situações, o juiz solicita a perícia psicológica para avaliar qual dos
pais apresenta condições mais adequadas para permanecer com a guarda dos filhos e a
pertinência da visita do genitor que não detém a guarda dos filhos (Castro, 2003).
De acordo com Castro (2003), também são realizadas, em menor proporção, perícias
Trata-se de uma demanda muito distinta das Varas de Infância e Juventude, embora seja
possível encontrar situações de risco e/ou maus-tratos dos filhos, além da violência
O estudo psicológico nas Vara de Família e Sucessões também conta, muitas vezes,
pelas partes. Este profissional é chamado de assistente técnico e, segundo Rovinski (2004), as
diferenças entre os dois profissionais são bastante claras e objetivas: o perito é um técnico da
contratantes. Sua função é realizar um parecer crítico sobre o trabalho técnico do perito em
relação aos procedimentos empregados para a realização do estudo, aos resultados obtidos e
às suas conclusões:
...cabe ao assistente técnico a atividade posterior de crítica ao laudo... devendo este último
evitar que seu trabalho se constitua em um novo laudo, perdendo a função de crítica ao
trabalho do perito (Rovinski, 2004, p. 31).
Adolescentes
Família e Sucessões, aparentemente, são claras, mas não existe um consenso entre os
profissionais sobre o seu papel e o seu lugar dentro da instituição judicial. Contudo, a maioria
papel e ao lugar ocupado pelo perito judicial. Uma vertente histórico-crítica, inspirada em
autores como Foucault (2004), Castel (1991) e Donzelot (1980), aborda essas questões a partir
origem da loucura e do saber psiquiátrico do século XIX, que separou criminosos e loucos em
54
judiciários).
(doença) e do médico psiquiatra atendeu à necessidade emergente de uma ordem que, até
então, o poder público - Estado e Poder Judiciário - não teve capacidade de estabelecer:
de diferenciar o criminoso doente mental e o criminoso não doente, o louco e o não louco, o
que concedeu ao médico uma parcela de poder sem precedentes, até então exercida
Um trabalho realizado por Castro e Passareli (1992 apud Castro, 2003), publicado na
década de 90, revelou que a idéia de perícia psicológica predominante naquela época ainda
pericial do psicólogo judiciário incidem sobre o seu papel e a sua identidade profissional, que,
ajudá-los
Brito (2000) aponta que os profissionais das Varas de Família, nas disputas de guarda,
tendem a privilegiar o que chamam de “interesse da criança” e, com isso, dirigem sua
avaliação para verificar com qual dos pais a criança possui vínculos afetivos mais intensos ou
com quem deseja permanecer. Tendo em vista que os filhos tendem a fazer alianças com um
dos seus genitores após a separação, Brito (2000) questiona se o que os psicólogos judiciários
próprios pais.
poder ocupado pelo perito, defende a realização de intervenções alternativas pelo psicólogo
forense, orientadas para uma relação de ajuda, por meio de recursos e procedimentos que
Para tal, sugere-se a utilização mais ampla de mediação familiar nas disputas que
envolvam conflitos familiares, que consiste na busca de solução de conflitos por meio de um
56
terceiro neutro, cuja função é realizar a escuta, esclarecer as pretensões e auxiliar as partes
Fonseca (2003) observam que, em muitos casos de divórcio, a tentativa de mediação fracassa,
porque a dificuldade de separação dos papéis conjugais e parentais é muito intensa e nem
sempre é possível chegar a um acordo. Castro (2003, p.29) também constata, em sua
vez que “não serve para todos os casos periciados nas Varas de Família”.
separação conjugal, sem a recorrência a figuras de poder e de autoridade para definir o futuro
de suas vidas. As autoras destacam, porém, que não existem programas de atendimento
familiar e/ou conjugal especializados e acessíveis à população nos momentos de crise ou para
a única possível em situações de conflito (Castro, 2003; Rovinski, 2000, 2004). Ambas
referem que, em geral, os psicólogos têm muita dificuldade para realizar esse trabalho sem
referenciais da Psicologia Clínica. Rovinski (2004, p.183) afirma que, em suas supervisões de
57
perícia para psicólogos, o desafio para os profissionais é conseguir realizar uma avaliação
psicológica sem recorrer a intervenções terapêuticas, que visem promover mudanças nos
indivíduos avaliados:
A realização de uma avaliação psicológica para fins de perícia junto à área jurídica parte
de conhecimentos básicos da psicologia, mas necessita que se faça uma adaptação desses
conhecimentos junto a normas legais.
diagnóstico psicológico tradicional, que são procedimentos distintos. Castro (2003) destaca
demanda, na medida em que, no primeiro, existe uma busca espontânea dos pais e não uma
perícia, a realidade externa tem um grande peso, porque é necessário conhecer como são, de
fato, os pais da criança. Por último a autora destaca o alcance social da perícia, uma vez que a
Castro (2003, p. 32) destaca que, quando se realiza psicodiagnóstico em vez de uma
perícia, a avaliação psicológica pode tornar-se inócua, pois “corre-se o risco de realizar um
bom trabalho psicodiagnóstico, mas que será inútil para o magistrado poder fundamentar sua
sentença”.
pericial parece significativo em alguns tribunais de Justiça. De acordo com uma pesquisa
realizada por Rovinski e Elgues (1999 apud Rovinski, 2000), 87% dos psicólogos forenses do
Estado do Rio Grande do Sul utilizavam técnicas projetivas, sobretudo o HTP (House, Tree,
Apercepção Temática (TAT) de Murray. Infelizmente, não existem fontes oficiais sobre o uso
destes instrumentos entre os profissionais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mas
temos indicadores de que são utilizados com freqüência por alguns peritos de Varas de
por autores estrangeiros como Grisso. Rovinski (2000) defende a adaptação e validação
Parece haver certo consenso entre os profissionais que trabalham com crianças e
(Furniss, 1993; Azevedo & Guerra, 1995; Gabel, 1997; Ferrari & Vecina, 2002), contudo, as
agressor. Furniss (1993) compartilha esta idéia, mas defende, reiteradamente, que tais
medidas jamais podem ocorrer isoladamente, uma vez que o tratamento psicológico sem
Por outro lado, esses autores também entendem que punição sem tratamento, além de
ineficaz para quem praticou o abuso, torna-se prejudicial à vítima, pois tende a intensificar
sentimentos de culpa pelos danos causados (prisão, desintegração familiar, entre outros).
59
Deslandes (1994) defende uma intervenção que inclua todos os membros da família, o
atendimento familiar em rede, integrado com diferentes instituições, a visita domiciliar como
estratégia de atuação, a parceria com a vizinhança como aliada dos serviços de proteção, de
como princípio para a atuação constitui-se apenas em um paliativo para o problema e pode,
semelhantes, mas entendem a punição como uma conseqüência necessária para os agressores.
Furniss (1993) também condena a mera punição do agressor, mas defende que a assunção da
responsabilidade (pessoal e legal) do adulto que pratica abuso sexual pode tornar-se um aliado
Criança e do Adolescente (Del Campo & Oliveira, 2006) prevê que o trabalho nas Varas de
Infância e Juventude deve ocorrer em rede, ou seja, de maneira integrada e complementar aos
prestados e o seu funcionamento), o que nem sempre ocorre na realidade, por uma série de
Essa proposta de trabalho em rede pressupõe maior envolvimento dos profissionais, uma
vez que exige maior flexibilidade e abertura, haja vista a diversidade de formações
60
dedicação de uma parcela de tempo de trabalho para discussões com profissionais de outros
serviços. Além disso, vale lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado
serviços de atendimento em geral) para garantir sua efetivação. O exemplo abaixo ilustra o
risco (alcoolismo ou drogadição dos pais, violência doméstica, crianças ou adolescentes que
não recebem atendimento médico ou que não freqüentam escola), deve-se procurar
sanções, dando aos pais ou responsáveis a possibilidade de efetivar o cuidado dos filhos.
Abaixo seguem as medidas, do artigo 129 do ECA, que devem ser aplicadas aos pais ou
responsáveis (Del Campo & Oliveira, 2006, p.175), das quais apenas as quatro últimas são
penalidades
VII - advertência;
IX - destituição da tutela;
desfavorecidos ou em regiões de maior exclusão social de metrópoles como São Paulo não
como creches, por exemplo. Então, como cumprir o que está estabelecido na lei?
(psicólogos, médicos, assistentes sociais, advogados, juizes) que incidem diretamente sobre a
família. A autora considera que essas práticas são, na verdade, formas de controle social da
população, por meio da intromissão do poder público na vida privada, ou seja, são reedições
modernas dos dispositivos de vigilância empregados pelos higienistas na família nos séculos
XVIII e XIX e pelo sistema prisional, explicitado por Donzelot (1980) em “A Polícia das
Famílias”.
Nossa experiência como psicóloga de Vara de Infância e Juventude leva a crer que a
prática dos profissionais que trabalham com crianças e adolescentes vítimas de violência deve
estar sempre acompanhada por incertezas, ambigüidade e reflexão. Parece que não é possível
deixar de intervir na família, quando se depara com uma criança em sofrimento psicológico e
físico, exposta a uma situação de risco dentro da própria casa. Em contrapartida, não se pode
esquecer que a interferência do psicólogo judiciário na vida da família, ainda que para
proteger a criança, não deixa de ser uma forma de patrulhamento e de interferência do Estado
6
- Poder Familiar.
62
na intimidade dos indivíduos. Mas será que é realmente possível proteger sem vigiar e,
conseqüentemente, controlar?
Vale lembrar que o trabalho quotidiano dentro de uma estrutura de poder como a
do sistema judiciário merece constante autocrítica por parte dos profissionais, na medida em
que a identificação com essa instituição é uma armadilha tentadora e constante. O profissional
que representa a Justiça na Vara de Infância e Juventude estabelece, a priori, com os pais uma
encerra o que Foucault (2004) denomina “efeitos de poder”. A identificação com essa
normativas, contaminadas por crenças ideológicas, julgamentos moralistas ou, ainda, por
Por isso consideramos necessária uma reflexão crítica e contínua por parte dos
psicólogos do Poder Judiciário em relação à sua prática, a fim de que não introduzam,
institucional”,que é a terminologia empregada por Linares (2002, p.81) para designar aquelas
dominam sobre as terapêuticas impedindo que estas se exerçam com fluidez e eficácia”
Criança não se confirma. Os resultados dessas pesquisas sugerem que as pessoas estão
dispostas a denunciar, porém, são levadas ao erro por falta de esclarecimento sobre o que é
As autoras acreditam que a população não está consciente do que é, de fato, violência
et al. (1999) ressaltam que estratégias e programas educativos de longo alcance social ainda
denúncias – pode introduzir uma violência secundária nas famílias, sob a forma de um
profundo constrangimento. Não se pode negar que denúncia é uma prática de controle social
legitimada, mas, por outro lado, ela ainda é a principal via de acesso para uma intervenção de
secundário.
pouca incidência de falsas denúncias. Elas são exceções, mas, quando ocorrem, geralmente
Outra medida judicial que acarreta danos secundários à criança e que muitas vezes se
alternativa possível.
com um lar, de modo a romper com o modelo das antigas instituições denominadas pelo
64
Código de Menores internatos, orfanatos ou obras sociais, que comportavam grande número
acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Del Campo & Oliveira, 2006), as
instituições de abrigo devem atender pequenos grupos, organizados por faixa etária, preservar
Por outro lado, não se pode negar que o afastamento da criança de pessoas que representam as
suas únicas referências familiares – ainda que ruins do ponto de vista material e afetivo –
separação, sejam elas mobilizadas por sentimentos de culpa pela ruptura familiar.
Nesse último caso, a situação de abrigamento muitas vezes é sentida pela criança
como uma punição que recai sobre si mesma (sob a forma de perdas), como conseqüência de
sua delação. Afinal, se a criança é a vítima da violência, por que deve ser ela a pessoa retirada
do lar e não o agressor? A retirada da criança seria, portanto, uma punição à vítima e não ao
agressor. A esse respeito, o ECA prevê a retirada do agressor do lar 7 , porém, na prática, tal
Não é por acaso que, diante da iminência do abrigamento, grande parte das vítimas
assistentes sociais judiciários – na tentativa desesperada de evitar sua separação daqueles que
são seus únicos referenciais de família (Azevedo & Guerra, 1989; Furniss, 1993; Leoncio,
7
Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a
autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum
(Del Campo & Oliveira, 2006, p.177)
65
mas estudos realizados por Leoncio e Tardivo (2003), por meio do Procedimento de
são desligadas de sua família. Porém, esses sentimentos tendem a ser atenuados, quando a
outras permanecem com sentimentos depressivos diante da separação familiar, enquanto que
proteção alternativos como o “Projeto Família Guardiã”8 (Projeto de Lei 2680 de 2003), que
consiste numa parceria entre Poder Judiciário e Secretaria de Assistência Social e prevê a
com crianças e adolescentes abrigados sob jurisdição das Varas de Infância e de Juventude de
8
O projeto Família Guardiã é de autoria do Deputado Paulo Gouvêa (2003).
66
De modo geral, parece não haver muitas famílias receptivas à aceitação de uma
criança mediante guarda, em decorrência de uma série de fatores. Nos casos em que uma
um filho em adoção, sem vínculos com a família de origem e sem possibilidade de retorno à
mesma. Um outro aspecto muito importante e que merece ser discutido é a motivação dessas
famílias, uma vez que a concessão de um incentivo financeiro é uma medida justa, porém,
processuais e cujo contato com sofrimento humano se dá exclusivamente por meio de papéis,
o Psicólogo torna-se uma rara - senão a única - possibilidade de contato efetivamente humano.
emocionalmente seus filhos pode transformar-se em um momento acolhedor e (por que não?)
segurança que não desfrutaram com as próprias mães. No contato diário com pais negligentes,
ao contrário do que se pensa, não é a agressividade que se destaca, mas uma profunda
pode ser redimensionado para uma intervenção clínico-social, capaz de trabalhar a favor da
configurações familiares distintas dos padrões e valores conhecidos pela classe média.
As técnicas projetivas podem ser recursos úteis nas avaliações forenses quando nos
ajudam a conhecer o outro, porém quando não conseguem informar mais do que o desejado
pelo profissional, este é um limite que precisa ser aceito, caso contrário, tornam-se perigosos.
encontrar respostas que, muitas vezes, não se tem, tornam-se práticas arbitrárias e podem se
âmbito da Justiça deve ser incansavelmente questionada e repensada e que, talvez, o seu
revelia dos indivíduos por força judicial, em encontros (quase) voluntários, em razão do
Para tal, acreditamos que o uso clínico das técnicas projetivas com a população das
seio da família. Neste capítulo procuramos refletir sobre as limitações e os possíveis alcances
das técnicas projetivas, em especial das técnicas gráficas com figuras humanas, nos processos
completa possível, cada membro da família e como estão configuradas as relações entre os
intimidade, de emoções e experiências traumáticas torna-se uma tarefa penosa para as vítimas,
por uma série de fatores associados à natureza da violência doméstica, como a dificuldade de
observáveis, uma vez que facilitam o acesso aos aspectos mais profundos da personalidade,
...as técnicas projetivas enquanto instrumento diagnóstico podem contribuir para que o
indivíduo expresse o vivido e o pensado, da mesma forma que o intuído e o impensado na
relação com o outro. O indivíduo na situação projetiva pode informar verbal ou
graficamente suas defesas, ansiedades e fantasias (Pinto Junior & Koehler, 2000, p. 24).
apresentar instruções de aplicação mais amplas e estímulos menos estruturados, que oferecem
das quais o indivíduo manifesta sua subjetividade e as características não observáveis da sua
estímulos pouco estruturados, que tendem a organizar-se a partir da sua própria percepção de
obras derivadas desta, como a teoria das relações objetais, no princípio da interpretação dos
medida em que, o homem tende ver o mundo segundo a própria imagem. Essa “visão
objetos, entre outros) e empregam apenas instruções verbais para estimular a expressão
Trinca (1984), pois visa essencialmente à compreensão do outro e à busca do sentido para o
encontrar um sentido para o conjunto das informações disponíveis, tomar aquilo que é
2000a, p.29).
do Amazonas com elevada incidência de suicídio. Neste caso o instrumento projetivo foi
pedido de socorro por parte dos jovens que ainda buscavam algum sentido para o vazio
9
- O Procedimento de Desenhos-Estórias (D-E) foi desenvolvido, no início da década de 70, por Walter Trinca
(1997) e sua aplicação visa obter uma série de cinco desenhos livres associados às suas respectivas estórias
criadas pelos sujeitos. Este procedimento foi ampliado por Aiello-Vaisberg (1997), que desenvolveu o
Procedimento de Desenhos-Estórias com Temas, através do qual se solicita um desenho sobre uma temática
específica e, posteriormente, o desenho é usado como estímulo para a produção de uma estória.
71
contribuir muito para o sofrimento. Dessa maneira, pode embasar uma prática clínica
(Tardivo, 2004, p. 48).
personalidade
As figuras humanas são os desenhos espontâneos realizados com maior freqüência por
crianças, antes mesmo da sua alfabetização e, por isso, as técnicas com figuras humanas são
ampliada por Harris (Escala Goodenough-Harris, 1963), que a redefiniu não mais como
conceito de ser humano foi colocado como referência para a análise da formação dos demais
conceitos da criança:
o desenho de um objeto feito pela criança é um índice de seu conceito do objeto, isto é, da sua
compreensão das características essenciais que lhe permitem formar um conceito de classe
avaliação com Desenho da Figura Humana constituída por trinta itens evolutivos 10 , que
10
normativos de Koppitz (1973) indicaram que a presença desses itens varia de acordo com o
sexo e com a idade (dos 5 aos 12 anos) da criança. A freqüência que esses itens apareceram
nos desenhos de meninos e meninas, permitiu sua classificação em quatro grupos: itens
esperados (85 a 100% em cada faixa etária), itens comuns (51 a 84% em cada faixa etária),
itens incomuns (16 a 50% em cada faixa etária) e itens excepcionais (menor ou igual a 15%
empobrecida pela ausência de elementos esperados para a faixa etária da criança, isso pode
uma criança, resulta de uma dificuldade de natureza intelectual ou afetiva, a autora identificou
trinta e oito sinais (ou indicadores emocionais), cuja presença poderia indicar a existência de
conflitos emocionais.
Baseada em um estudo com dois grupos de estudantes, 76 com boa adaptação escolar,
12 anos, com desenvolvimento cognitivo médio ou superior, Koppitz (1973) selecionou trinta
itens que apareceram com freqüência significante no grupo de pacientes como indicadores de
menos de 16% das crianças normais e não apresentam relação com o desenvolvimento da
criança.
seguir:
73
Aspectos emocionais
Indicadores gráficos da Figura Humana
Pobre integração das partes Impulsividade/ Coordenação pobre
Assimetria acentuada dos membros (extremidades) Impulsividade/ Coordenação pobre
Figura grande; transparências Impulsividade/Imaturidade
Omissão do pescoço Impulsividade
Genitais Impulsividade/Angústia
Figura inclinada (15º ou mais) Instabilidade
Cabeça muito pequena Inadequação intelectual
Ausência de mãos Inadequação/culpa
Figura grotesca ou monstruosa Inadequação/auto-conceito pobre
Omissão de pés Insegurança/Desvalia
Dentes; braços longos; mãos grandes Agressividade
Estrabismo Agressividade/inadequação
Sombreamentos: rosto; corpo e/ou membros, mãos Ansiedade/Angústia
e/ou pescoço
Omissão do corpo ou tronco Ansiedade/Angústia de castração
Nuvens (chuva ou neve) Ansiedade
Omissão de pernas Angústia/ Insegurança
Omissão de braço Ansiedade/Culpa
Figura pequena Retraimento/ Timidez/Depressão
Braços curtos Retraimento/Inibição
Omissão do nariz Retraimento/ Timidez
Omissão da boca Retraimento/Insegurança
Braços unidos ao corpo Retraimento/ Rigidez
Pernas unidas Rigidez/tensão
Três ou mais figuras humanas Imaturidade/Identidade comprometida
Omissão dos olhos Negação dos problemas
John Buck (1948/2003). De acordo com Hammer (1991, p.14), estes últimos são os maiores
expoentes da história das técnicas projetivas, pois foram “os principais arquitetos e os
que aparece simbolizado de maneira mais consciente (na representação da pessoa) ou menos
sexo oposto.
Machover (1949, p.4) considera que o desenho da figura humana (Draw-a-Person test)
corpo”. Segundo esta autora, no desenho da pessoa, o corpo se torna “um veículo para a
própria expressão”.
por acaso que, entre os três desenhos solicitados no HTP, o desenho da pessoa é o que oferece
De acordo com Hammer (1991), a figura humana, no teste HTP, pode representar a
projeção de um “auto-retrato” do indivíduo, do seu ideal de ego ou ainda de uma outra pessoa
Machover (1949), foi difundido no Brasil em meados da década de 60, graças ao trabalho
pioneiro de Lourenção Van Kolck (1963), que introduziu este instrumento no Brasil em um
única técnica projetiva de desenho da figura humana válida e autorizada para uso profissional
Essa exigência do Conselho Federal de Psicologia introduziu maior rigor no uso dos
interpretação dos resultados, até então, baseava-se em grande medida na experiência clínica
dos profissionais. Vale destacar que, no caso específico das técnicas projetivas gráficas com
muitos deles sem fundamentação teórica e/ou empírica, com critérios imprecisos de
11
- Desde o ano de 2003, somente os instrumentos psicológicos padronizados e submetidos a estudos de
parâmetros psicométricos (validade, precisão e estudos normativos) são autorizados para uso profissional no
Brasil, mediante prévia aprovação de uma comissão especializada do Conselho Federal de Psicologia.
76
Gottsfritz (2000) realizou um estudo de precisão dos desenhos de figuras humanas, por meio
de avaliação cega realizada por psicólogos clínicos experientes. Do ponto de vista clínico,
esse estudo encontrou coerência nas conclusões gerais dos diferentes profissionais, porém,
dos profissionais para interpretar esse tipo de instrumento de avaliação, seja porque, na época,
característica gráfica, seja porque um mesmo elemento gráfico pode possuir, de fato,
diferentes significados.
diferentes versões de técnicas gráficas com figuras humanas, como o “Desenho da Família”, o
(KHTP) e diferentes variações de testes com a figura humana na chuva – “Pessoa na Chuva”,
Luis Morocho (2003), utilizada especialmente para seleção de pessoal e concessão de porte de
arma. Esta técnica, que consiste em solicitar o desenho de uma pessoa com uma arma,
12
- O DAP:SPED associa o desenho da figura humana de Machover (DAP) e um levantamento de transtornos
comportamentais e emocionais (SPED). Esta técnica solicita três desenhos de figuras humanas (homem, mulher
e si mesmo), realizados em três folhas de avaliação padronizadas. A avaliação baseia-se na combinação de
pontos para os três desenhos, na qual a pontuação mais elevada indica maior grau de distúrbio emocional.
77
pretende conhecer o valor “simbólico (fálico, punitivo)” da arma para o indivíduo e sua
Alves (2006) 13 revela que as três técnicas projetivas gráficas mais utilizadas na
produção científica nacional e internacional (teses, artigos e livros) entre 2000 e 2005 foram,
desenvolvido em 1974 por Walter Trinca (1997), ocupa a quarta colocação de publicações
entre as fontes consultadas. Este último, embora seja uma associação de procedimentos
ainda não existem no Brasil evidências de validade desses indicadores, pois, além de haver
10 a 11 anos de idade, de nível socioeconômico alto e não repetentes. Esse estudo não
pior desempenho e os outros dois e concluiu que os itens de Koppitz não são recomendáveis
13
- Alves (2006) utilizou como fonte bibliográfica o Banco de dados DEDALUS da USP, a base de dados
PsycInfo e outras fontes.
14
- A ETPC é um instrumento aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia, composto por 30 itens que
caracterizam traços de extroversão (tendência à espontaneidade, impulsividade, agressividade, abertura nos
relacionamentos interpessoais), neuroticismo (tendência à preocupação e instabilidade emocional), psicoticismo
(dimensão da personalidade normal que, quando acentuada, indica falta de preocupação com o outro, tendência à
78
encontrar nas técnicas projetivas uma importante via de expressão, uma vez que favorecem a
comunicação de conteúdos sobre os quais a própria criança não tem controle consciente.
Muitos profissionais que trabalham nessa área, como Pinto Junior (2006, p.738), reconhecem
criança vitimizada, uma vez que “...possibilita, devido ao seu conteúdo simbólico menos
reconhecido, uma manifestação mais direta de aspectos que a criança não tem conhecimento,
especial, podem ser utilizadas como importantes veículos de comunicação dessas vivências, já
que a vitimização incide diretamente sobre o corpo da criança nos casos das violências física e
relação à criança).
doméstica com técnicas projetivas, principalmente sobre abuso sexual, com resultados
doméstica, porém, esses mesmos indicadores também podem estar presentes em distúrbios
da Família e Desenho da Família Cinética) e das técnicas projetivas nos tribunais é muito
criticado por alguns pesquisadores internacionais. Lally (2001), Garb, Wood e Nezworski
(2000a, 2000b) denunciam falhas metodológicas nos estudos que procuram encontrar
destacando que esses instrumentos não foram construídos para diagnosticar abuso sexual e
Por outro lado, encontramos trabalhos de autores como Miller, Veltkamp e Janson
(1987) que defendem o uso das técnicas projetivas no tratamento e na avaliação judicial de
crianças sexualmente abusadas, pois acreditam que são capazes de fornecer informações cujo
Na defesa das técnicas projetivas, West (1998) foi além das premissas defendidas por
Miller et al. (1987), quando realizou a meta-análise 15 de doze estudos publicados com uso de
técnicas projetivas (gráficas, TAT e Rorschach) para avaliação de abuso sexual e concluiu que
abusadas.
Garb et al. (2000a, 2000b) publicaram, em duas renomadas revistas científicas 16 , o que
denominaram a “grande falha” do trabalho de West (1998). Garb et al. (2000a, 2000b)
15
- Meta-análise consiste na análise estatística de resultados de estudos realizados separadamente e da
integração dos resultados de vários estudos (West, 1998).
16
- Em 2000 os autores publicaram uma carta ao editor da revista Child Abuse and Neglect, na qual o artigo de
West foi publicado (1998), e outro artigo detalhado sobre o assunto na revista Child Maltreatment.
80
significância estatística dos estudos analisados, o que em muitos casos representava mais da
também não foram capazes de discriminar crianças abusadas e não abusadas. O trabalho
comparou três grupos de crianças – vítimas de abuso sexual (N=27), não vítimas de abuso
sexual com queixas comportamentais e/ou escolares (N=37) e não vítimas de abuso sexual e
sem queixas clínicas (N=39) –, por meio do Desenho da Figura Humana e do Louisville
abusadas (69,3%) e de não abusadas como abusadas (16,2% do grupo clínico e 5,1% do grupo
humanas (DAP:SPED de Naglieri, McNeish & Bardos, 1991) de meninas (N=40) com e sem
histórico de abuso sexual, também não encontrou diferenças significativas entre os grupos. Os
ansiedade, entre outros, e que tais sintomas, presentes tanto em meninas abusadas quanto não
resultados de um estudo exploratório com uma técnica que solicita a construção de uma
pessoa (Bild-a-Person), com várias opções de cabeças, cabelos, troncos e membros e roupas
sexual (N=19), sem histórico de abuso sexual, mas com queixas de problemas emocionais ou
81
emocionais (N=19). As figuras humanas construídas pelas crianças dos três grupos não
que o grupo de controle (N=30). O estudo não apresentou diferenças significativas quanto à
Blain, Bergner, Lewis e Goldstein (1981), que também estudaram indicadores gráficos
distintos de crianças – grupo clínico 17 de crianças fisicamente abusadas (N=32), grupo clínico
de crianças não abusadas (N=32) e grupo de crianças da população (N=45). Esse estudo
encontrou seis itens significativamente freqüentes nos desenhos das crianças com histórico de
abuso físico, entre os quais quatro se referem ao desenho da pessoa: acentuada diferença entre
tamanho das pernas e braços, ausência de pé, desproporção no tamanho da cabeça (mais de
25% do tamanho do corpo) e corpo em formato geométrico. Contudo, os autores alertam que
o HTP não é capaz de discriminar crianças abusadas e crianças não abusadas com distúrbios
emocionais, uma vez que algumas características gráficas apareceram com freqüência em
ambos os grupos. Os pesquisadores também sugerem que somente a presença dos seis itens
17
- O autor chama de grupo clínico o grupo de crianças que se encontram em processo psicoterápico.
82
crianças vítimas de abuso sexual e 64 crianças sem queixa de abuso. Os resultados revelaram
gráficas encontradas com maior freqüência no desenho da pessoa do teste HTP de crianças
vítimas de violência física são omissão dos pés, cabeça grande, assimetria acentuada dos
membros e pessoa desenhada apenas com formas geométricas. Nos desenhos das crianças
representação das genitálias, mãos grandes, pernas juntas e pressionadas, formas triangulares
enfatizadas no desenho da pessoa, olhos muito grandes ou enfatizados ou, ainda, pequenos e
omitidos e sombreamento de diversas partes da figura humana como face, corpo, membros,
mãos ou pescoço.
figuras humanas 18 em crianças e adolescentes vítimas de violência, constatamos que esse tipo
de pesquisa não é muito freqüente, sobretudo no Brasil. Esse dado já havia sido explicitado
por Tardivo, Pinto Junior e Koehler (2000b) num estudo de produção bibliográfica
(periódicos, livros, dissertações e teses) sobre técnicas projetivas, no período de 1995 e 2000,
onde foram encontradas 88 publicações, das quais somente uma é nacional e com vítimas de
18
- Foram excluídas pesquisas com técnicas projetivas gráficas que não incluam desenho da figura humana
(Desenho da Árvore), com técnicas projetivas temáticas (CAT, Teste das Fábulas) e com o Método de
Rorschach.
83
violência doméstica. Vale destacar que o abuso sexual é a modalidade de violência mais
Azevedo e Guerra (2001a, 2001b), com sua inestimável contribuição para o estudo da
violência doméstica, reconhecem o uso projetivo de desenhos de figuras humanas como meio
mesma, as autoras obtiveram 774 desenhos de figuras humanas de crianças, entre 7 e 12 anos.
apanham expressam sentimentos relacionados a atitudes favoráveis em relação aos seus pais
(tristeza, dor, raiva e revolta), enquanto as crianças que não apanham expressaram
técnicas projetivas gráficas em crianças vítimas de violência doméstica, sendo duas teses de
doutorado do Instituto de Psicologia da USP, ambas com crianças vítimas de abuso sexual
(Scherb, 2004), e uma especificamente com meninos (Pinto Junior, 2003a). Quanto às
dissertações de mestrado, uma é do IPUSP com crianças abrigadas (Leoncio, 2002) e outra da
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara - UNESP (Vollet, 2003) com crianças vítimas
de abuso sexual.
O trabalho de Pinto Junior (2003a) sobre violência sexual contra meninos apresentou
ser considerado homossexual por terceiros. Apesar das dificuldades relacionais, os meninos
Vollet (2003) também estudou um grupo de seis crianças vítimas de abuso sexual,
identificadas algumas defesas usadas com maior freqüência pelas crianças como fuga ou
presentes na maioria dos desenhos, foram localização no lado esquerdo da página, ausência ou
distância da linha de solo, dimensão muito pequena dos desenhos, traços trêmulos e nuvens.
No desenho da figura humana, a presença de pernas díspares foi uma característica comum
(Trinca, 1997), que se mostrou um importante recurso de comunicação para expressar suas
expressos com freqüência nas produções das crianças que participaram do estudo.
O trabalho de Scherb (2004, p.107) realizou estudos de caso em seis crianças vítimas
de abuso sexual, com técnicas projetivas gráficas e temáticas (desenho livre, Método de
Rorschach e Teste das Fábulas) e encontrou também características associadas aos quadros de
Hernandez et al. (2000), inspirado no conhecido estudo de Hibbard e Hartman (1990) 19 , que
Koppitz.
19
- O trabalho de Hibbard e Hartman (1990) é citado com freqüência entre os autores que estudam este tema.
85
criança também demonstrou contar com recursos egóicos para o estabelecimento de vínculos
contra a agressividade. Essa criança, a despeito de ter sido vitimizada com extrema crueldade,
figuras humanas (Koehler, 2003). O estudo, realizado com 516 adolescentes, solicitou o
desenho do pior professor, desde que o aluno começou a freqüentar a escola, além de um
questionário com 31 questões sobre o aluno, o pior professor e a vida do aluno com o pior
com atitudes desfavoráveis (36,2%), figuras mitológicas que causam medo como bruxas,
psicológica mais freqüentemente relatados pelos aos alunos foram gritos, humilhações e
comparações depreciativas.
Entre as publicações mais recentes, encontramos dois estudos com desenho de figuras
humanas publicados em 2006. Um deles (Fonseca & Capitão, 2006) comparou desenhos de
15 crianças vítimas de abuso sexual com um grupo controle (N=15) e verificou maiores
presença de nuvens entre as crianças vitimizadas. Contudo, o número reduzido da amostra não
O outro estudo (Beraldo, Capitão & Oliveira, 2006), realizado por meio do desenho da
humanas. Além do reduzido número de participantes (dez universitários com relatos de abuso
sexual), este estudo utilizou características gráficas de um manual de HTP criticado por
e por mostrar as características gráficas sem mencionar suas respectivas autorias (Alves,
2006).
técnicas gráficas de figuras humanas em vítimas de violência doméstica não seja volumoso, já
foi instaurada ampla discussão sobre o assunto, que divide a opinião de pesquisadores. No
Brasil, a discussão sequer foi iniciada, uma vez que o número de trabalhos ainda é escasso e
significância estatística.
vitimizados não pode ser negada. Contudo, o seu emprego deve ser realizado com bom senso
e prudência, pois algumas pesquisas internacionais alertam que as diferenças encontradas nas
técnicas projetivas e atribuídas como indicadores de abuso sexual podem refletir, na verdade,
violência doméstica.
87
com Querol e Paz (1997, p.15), ele teria sido inspirado pela técnica gráfica elaborada e
utilizada em 1924 por M. Fay, na qual solicitava a representação de uma mulher que passeia
na chuva, mediante a seguinte instrução: “Desenhe uma mulher que passeia pela rua,
chove” 20 .
da cena solicitada, a qual deve conter pelo menos cinco elementos: uma pessoa
passeio (rua, árvores, casas), a chuva e a idéia de proteger-se da chuva (guarda-chuva, capa de
esperada varia de acordo com a idade e o sexo da criança (Costa, 1957; Querol & Paz, 1997).
De acordo com Hammer (1991), não existem registros sobre a origem do teste da
ocorreu de forma predominantemente oral e sua autoria costuma ser atribuída a diferentes
O teste da Pessoa na Chuva (Querol & Paz, 1997) é uma técnica simples, que pode ser
sexos. O material necessário para aplicação é lápis grafite, borracha e folha de papel sem
20
- No artigo de Costa (1957, p. 42) a instrução apresentada para o teste da mulher que passeia na chuva não
inclui o local (rua), mas somente“Uma mulher passeia e chove”.
88
pauta que deve ser entregue ao sujeito na posição vertical com a seguinte instrução: “Desenhe
humana: a chuva simboliza uma situação de tensão ou de hostilidade do meio, contra a qual o
acordo com Querol e Paz (1997, p.19) a Pessoa na Chuva “agrega uma situação de estresse na
qual o indivíduo não consegue manter sua fachada habitual, sentindo-se forçado a recorrer a
indivíduo em situações livres de tensão. Nesse sentido, o teste da Pessoa na Chuva seria um
pressão sentida pelo indivíduo; já a ausência de chuva pode indicar oposicionismo ou ainda a
21
- Em espanhol esse instrumento é denominado “Persona bajo la Lluvia”, cuja tradução literal seria Pessoa
debaixo da Chuva. Optamos por adotar a terminologia Pessoa na Chuva por tratar-se de uma expressão de uso
mais freqüente no Brasil e por ter recebido esta tradução no livro de Hammer (1991). Cunha e Vasconcelos
(1987) também se referiram ao instrumento como Pessoa na Chuva.
89
respectivas interpretações são apresentadas a seguir, de acordo com o manual do teste (Querol
defesa”. (p.83)
22
- Tradução nossa.
90
que tome o seu lugar na defesa. Sem forças para lutar”. (p.84)
♦ Guarda-chuva fechado e no chão: “... sente que conta com pouca energia para se
de defesas” (Querol & Paz, 1977, p.83), ou seja, aponta para uma fragilidade ou
impossibilidade do indivíduo para empregar recursos defensivos que possam protegê-lo das
tensões ambientais.
em agosto de 2006 em Lima (Peru), foi possível verificar que em países sul-americanos como
Uruguai, Argentina e Peru, nos quais o Teste da Pessoa na Chuva é mais difundido, a
interpretação da ausência de guarda-chuva seja realizada com cautela, pois esta tem se
revelado uma característica relativamente comum em testes de adolescentes, o que pode ter
uma determinação essencialmente cultural, uma vez que os jovens habitualmente não usam e
eletrônicas com dois pesquisadores sul-americanos, Luis Morocho (Peru) e Gisella Moro
(Uruguai), que confirmaram a preocupação dos profissionais dos seus países na interpretação
assunto.
91
influência de fatores culturais em, basicamente, duas situações: quando o teste da Pessoa na
objeto desvalorizado ou, ainda, quando o teste é aplicado em períodos de estiagem no interior
de seu país, ocasião em que o banho de chuva pode representar uma situação prazerosa para o
examinando. A falta de necessidade também costuma ser uma justificativa usada para explicar
O teste da Pessoa na Chuva é uma técnica projetiva gráfica pouco difundida no Brasil,
desconhecida por grande parte dos psicólogos brasileiros, mas é utilizada na Argentina desde
1980 por educadores, psicólogos clínicos e até mesmo por profissionais de recursos humanos
como recurso complementar (Querol & Paz, 1997; Moro, Lema & Longo, 2003).
seleção de pessoal, já foi desenvolvida uma escala de pontuação para facilitar sua
Trata-se de uma escala de dez pontos 25 , que norteia a avaliação de três categorias
23
- Essas informações foram obtidas por meio de correspondências eletrônicas (e-mail) com Gisella Moro em
13/10/2006. Na data de 21/11/2006, a autora da pesquisa solicitou autorização de Moro para publicar, neste
trabalho, o teor de nossa correspondência, o que foi pronta e gentilmente autorizado em 23/11/2006.
24
- A experiência profissional de Moro é com população adolescente e adulta. Na ausência da representação do
guarda-chuva, Moro costuma fazer o seguinte inquérito ao examinando: “não se protege?”.
25
- A escala foi elaborada a partir de uma pesquisa com 113 adultos e, para esta população, são consideradas
boas produções aquelas que atingem valores entre 8 e 10 pontos.
92
Tabela 5 – Escala de avaliação do teste da Pessoa na Chuva para adultos (Moro et al., 2003)
Impressão Geral
2 pontos Desenho completo. Pode apresentar alguma distorção pequena na forma, localização e/ou
tamanho.
1 ponto Desenho incompleto ou com alguma distorção significativa da forma, localização e/ou
tamanho (ex. ausência de pés ou de mãos, de costas).
0 ponto Desenho muito distorcido na forma, localização e/ou tamanho.
4 pontos Detalhes essenciais (traços faciais, mãos, pés ou roupas) estão presentes nos lugares e nas
proporções adequadas.
3 pontos Detalhes essenciais estão presentes, mas podem apresentar pequenas distorções na forma,
localização ou tamanho. Estão incluídas as simplificações (ex. olhos substituídos por
pontos).
2 pontos Importantes distorções na forma, localização e tamanho (ex. transparências).
1 ponto Detalhes essenciais presentes, mas incompletos (ex. olhos sem pupilas ou fechados).
0 ponto Ausência de detalhes essenciais.
Guarda-chuva e Chuva
Além dos trabalhos com teste da Pessoa na Chuva já citados neste estudo,
Gomes, 1987) e cinco em inglês (Shilling, 2005; Lack, 1997; Carney, 1993; Taylor, 1977;
Verinis, Lichtenberg & Henrich, 1974). A mais recente (Shilling, 2005), refere-se ao
“Desenho da Pessoa na Tempestade” (Draw a Person in a Storm), que parece ser um derivado
encontramos somente uma pesquisa nacional publicada com o teste da Pessoa na Chuva, de
também uma publicação de Maria Irene Leite da Costa (1957), psicóloga portuguesa com o
O trabalho de Costa (1957) apresenta uma pesquisa realizada com 1450 crianças
de Fay, a “Mulher que Passeia na Chuva”. Essa pesquisa constatou que a chuva é a
representação mais freqüente depois da figura humana, que a idéia de se proteger da chuva é
freqüente somente após 8 anos de idade e que a representação do movimento aparece somente
a partir dos 9 anos. Segundo Costa (1957), esses resultados são compatíveis com os
internados (N=10) por delito contra o patrimônio (furtos) e não infratores (N=17). Os
Chuva nos três grupos e ausência de guarda-chuva, estatisticamente significativa, nos dois
teste da Pessoa na Chuva parece, de fato, representar a proteção contra situações estressantes,
Portanto, a ausência da representação do guarda-chuva entre os jovens em conflito com lei foi
Tal desvio pode representar a sua impotência em lidar com a ansiedade ou sua
desconsideração pelo que é convencional, habitual e lógico. De qualquer maneira, a
ausência de proteção, numa situação simbolicamente estressante, parece, realmente,
revelar a inadaptação subjacente, possivelmente não tão evidente em suas respostas às
situações de rotina (Cunha & Vasconcelos, 1987, p.41).
Esse estudo, após 20 anos de publicação, é um importante referencial pelo seu caráter
inédito e por ser, até o momento, o único publicado com a técnica da Pessoa na Chuva no
Brasil, merecendo ser retomado como ponto de partida para novas investigações acerca das
um instrumento muito pouco estudado, mesmo nos países sul-americanos que possuem
tradição no seu uso. A discussão sobre as variáveis socioculturais que intervêm na ausência da
questão.
Vale destacar que a Figura Humana de Machover (1949), embora seja uma técnica
clássica, muito difundida e utilizada mundialmente, ainda carece de estudos atuais de validade
fidedignidade do teste da Pessoa na Chuva em nosso meio. Por este motivo sugerimos que a
compreender a maneira pela qual o indivíduo enfrenta situações de tensão, nos colocamos
diante da seguinte questão: como as crianças que vivem sob o impacto de uma tensão
Colombo, 2000), iniciaram um estudo pioneiro para investigar as características gráficas mais
comuns do teste da Pessoa na Chuva em crianças vitimizadas. Barilari et al. (2000, p.8),
partiram da hipótese que “em todo menor submetido a maltrato crônico intrafamiliar se
produz um dano psíquico que se expressa através de suas representações gráficas e de seu
comportamento.”
com considerável freqüência nos desenhos de crianças vitimizadas (Barilari et al., 2000).
trabalhos no Chile (Giradi & Pool, 2005 26 ; Pool, 2006) com o teste da Pessoa na Chuva em
crianças vítimas de abuso sexual. O primeiro (Girardi & Pool, 2005 apud Pool, 2006)
(Barilari et al., 2000) de vítimas de abuso sexual (N=39) e do grupo de controle (N=39). Os
resultados indicam que o poder de discriminação da Pessoa na Chuva para vítimas de abuso
26
- Não conseguimos ter acesso ao estudo original de Girardi, K. & Pool, A. (2005) Evaluación de indicadores
gráficos asociados a agresiones sexuales en la prueba persona bajo la lluvia en niños victimizados
sexualamente de 9 a 11 anõs de edad.Um estúdio descriptivo-comparativo. Memoria para optar al título de
Psicólogo, Escuela de Psicologia, Universidad de Chile, Santiago, Chile.
98
maníaco 29 .
indicadores gráficos associados a abuso sexual (Girardi & Pool, 2005) às dinâmicas
impotência são representadas pelos indicadores ausência de solo, chuva setorizada, ausência
A partir de sua análise, Pool (2006) apresenta duas explicações possíveis para esses
resultados. A primeira delas seria a limitação do teste da Pessoa na Chuva para discriminar
dinâmicas não específicas de abuso sexual (impotência, traição e estigmatização), que podem
menos ao trauma sexual em si, o que explicaria a ausência de indicadores que representam a
sexualização traumática.
27
- Ausência de solo: “Falta de sustentação” (Barilari et al., 2004, p.24 apud Pool, 2006)
28
- Braços curtos: “inadequação” (Buck, 1995, apud Pool, 2006)
29
- Sorriso Maníaco: “negação” (Barilari et al., 2004, p.24 apud Pool, 2006).
30
- As dinâmicas traumatogênicas de Finkelhor e Browne (1985) foram apresentadas no capítulo 2 deste
trabalho.
99
Compartilhamos com a posição de pesquisadores como Vollet (2003), Pinto Junior (2003a e
2006), Pinto Junior, Azevedo e Guerra (2003c), que consideram esses instrumentos
importantes meios de acesso ao segredo familiar, mas, ao mesmo tempo, alertam que o seu
papel na avaliação de abuso doméstico deve ser encarado como mais um recurso auxiliar
revela que Barilari et al., (2000) são pioneiras no estudo de crianças vítimas de violência
doméstica com o teste da Pessoa na Chuva e que a realização de pesquisas sobre o tema ainda
é incipiente em países como Argentina, Uruguai, Chile e Peru, onde esse instrumento é mais
conhecido e possui mais tradição de uso profissional. Além do estudo das pesquisadoras
argentinas, foi encontrado apenas um trabalho publicado no Chile (Pool, 2006) sobre o
assunto.
instrumentos projetivos são, de fato, muito importantes para o psicólogo, porque possuem um
valor comunicativo que pode trazer à tona elementos peculiares que, integrados ao
CAPÍTULO II
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS
interessante para profissionais que trabalham com crianças, pois é a temática mais encontrada
nos desenhos livres infantis, o que torna essa atividade prazerosa e bem aceita pela criança no
002/2003 do CFP, o desenho da Pessoa do HTP (Buck, 2003) é o único instrumento projetivo
A violência doméstica contra crianças ganhou maior visibilidade nas últimas décadas,
trabalham com vítimas de violência sabem o quanto é doloroso falar sobre a experiência
abusiva e, nesses momentos difíceis, o uso projetivo do desenho de figuras humanas pode
O teste da Pessoa na Chuva (Hammer, 1991; Querol & Paz, 1997), instrumento
desenho da figura humana a uma situação de tensão ambiental representada pela chuva.
Como a maioria das técnicas projetivas gráficas, a Pessoa na Chuva apresenta vantagens
como baixo custo, aplicação simples, amplo alcance na população (adultos e crianças), além
de ser uma atividade motivadora e prazerosa para a criança. Há alguns anos esse instrumento
31
- O uso de outras técnicas é estimulado pelo Conselho Federal de Psicologia (Resolução 002/2003) para fins
de pesquisa.
101
é pesquisado, na Argentina (Barilari, Agosta & Colombo, 2000), com crianças vítimas de
violência doméstica, a fim de verificar sua eficácia para sinalizar experiências de vitimização.
Colombo (2000) com esse instrumento e a reduzida oferta de técnica projetiva com figura
humana em nosso meio, a realização de estudos com a técnica da Pessoa na Chuva pode
de vitimização infantil.
Além disso, a presença dessa nova técnica projetiva em nosso meio pode despertar e
A partir do acima exposto, este trabalho pretende apresentar em nosso meio uma
técnica expressiva gráfica pouco conhecida no Brasil, o teste da Pessoa na Chuva, a partir de
doméstica.
CAPÍTULO III
MÉTODO
por psicólogos clínicos e institucionais, porém, é muito importante que a experiência clínica
com esses instrumentos fundamente-se em pesquisas quantitativas que contribuam para torná-
los mais seguros e confiáveis, evitando o uso equivocado e, até mesmo, antiético dos mesmos.
O teste da Pessoa na Chuva é uma técnica que associa o desenho da figura humana ao
elemento chuva, que representa tensões ambientais. Esse instrumento propõe a verificação da
reação do indivíduo em situações de estresse (Querol & Paz, 1997; Hammer, 1991).
trabalho partiu do pressuposto de que o teste da Pessoa na Chuva pode ser um instrumento
crianças. Para verificar essa hipótese, o presente estudo realizou uma pesquisa quantitativa,
Como sugere Campos (2004, p.55), a pesquisa quantitativa “se utiliza da análise da
freqüência de ocorrência para medir a veracidade ou não daquilo que está sendo investigado”.
Assim, o uso desse método deve-se à necessidade de mensuração das características gráficas
do instrumento da Pessoa na Chuva, buscando, com isso, verificar a sua relação com o
p.32), o controle “serve para indicar os esforços feitos para se eliminar ou, pelo menos,
para o estudo das técnicas projetivas, uma vez que este último permite compreender as
(Turato, 2003).
A. Participantes
criança, limitada de seis a dez anos de idade. A comprovação de violência ocorreu por meio
anos de idade ainda é limitada e, após os 10 anos, apresenta características mais próximas da
2003).
do Município de São Paulo 32 (IDH-M) revela que 79% dos habitantes da cidade de São Paulo
concentram-se em regiões caracterizadas por índices médio e baixo e que apenas 17,4% e
São famílias de baixa renda e, em grande parte, a mulher é a única responsável pela
subsistência do grupo familiar, seja pela ausência da figura masculina, seja pela falta de
outras doenças. A composição familiar, em geral, também se caracteriza pelo elevado número
de filhos, na maioria das vezes provenientes de diferentes genitores, de quem não recebem
32
- O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um paradigma usado para medir indicadores de
desenvolvimento de uma unidade geográfica, que integra índices de longevidade, educação e renda per capita,
os quais se relacionam diretamente ao acesso (quantidade e qualidade) da população aos recursos sociais
disponíveis na região (saúde, educação, transporte, emprego, etc). O IDH-M é uma mensuração derivada do IDH
(Pedroso, 2003) e Quanto mais próximo do valor 1 (um), melhores as condições de desenvolvimento humano.
33
- Muito baixo:< 0,5; baixo: ≥ 0,5 e < 0,7; médio: ≥ 0,7 e < 0,8; alto: ≥ 0,8 e < 0,9; muito alto: ≥0,9 e ≤ 1.
106
ambulantes, ajudantes gerais, entre outras. Essas atividades são exercidas predominantemente
Cabe informar que as características das famílias atendidas em uma Vara de Infância e
importante marcar essa distinção, pois são deste último segmento que procedem as crianças
deste grupo.
entre meninos (05) do total de casos de violência sexual (08), o que é incomum nas
estatísticas de violência intrafamiliar (Azevedo & Guerra, 2006; Pinto Junior, 2003; Pinto
Essa distribuição atípica, com predominância de abuso sexual de meninos, pode ser
Juventude, cuja ocorrência só foi percebida, porque coincidiu com o período de coleta de
dados. Por outro lado, pode-se pensar que a configuração do grupo não ocorreu pela
intervenção do acaso, mas por uma incipiente tendência social na notificação de casos de
estão submetidas. A criança 14 (7 anos), por exemplo, nunca freqüentou pré-escola ou escola
As mães, que, muitas vezes, são as únicas responsáveis pelos filhos e geralmente as
que permanecem maior parte do tempo com eles, são responsáveis pela maioria das agressões
(18) deste grupo, sobretudo negligência e violência psicológica. Em seguida aparecem os pais
ocorrências de negligência e/ou violência psicológica praticada por ambos os cônjuges (cinco
109
por genitores e uma por mãe e padrasto) e três ocorrências de abuso sexual promovido por um
Estado, todas elas vítimas de negligência e/ou violência psicológica. Nesses casos a
familiar fracassaram (negligência) ou porque a criança foi rejeitada e/ou abandonada pelos
A distribuição das diversas formas de violência sofridas pelas crianças desta amostra é
nas quais a negligência é a modalidade de violência mais freqüente, seguida pela violência
física:
16
5
4 4
3
Vale destacar que todas as ocorrências de violência física e sexual deste grupo foram
acompanhadas por negligência como violência secundária (ausência de proteção por parte do
ocorrências de negligência associada à violência psicológica deste grupo (16, 27, 31 e 40)
ambiente emocionalmente violento, no qual presenciava agressões físicas do pai (ou padrasto)
emocional e de abandono.
periferia de São Paulo, com a participação de 371 crianças, 185 do sexo feminino e 186 do
dados foi realizada em seis escolas públicas: quatro estaduais (1ª a 4ª série do ensino
ocorrências de violência doméstica entre essas crianças e nenhum fato foi relatado. A
distribuição dos participantes em função do sexo e da idade pode ser observada na Tabela 3:
35
- Trabalho publicado nos Anais do VI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Rorschach e Métodos
Projetivos (ASBRo), 2006, Brasília (DF).
111
B. Instrumentos
foram os processos judiciais, entrevistas com as crianças e, em alguns casos, entrevistas com
Para a realização da pesquisa foi aplicada a técnica da Pessoa na Chuva (Querol &
1. Processos Judiciais
36
- Do número total (N=371), um, em cada nove protocolos, foi sorteado, totalizando 42 protocolos.
112
Foi realizada uma pesquisa documental 37 , nos processos judiciais, com o objetivo de
instituição de abrigo).
Para a coleta de dados foi utilizado o teste da Pessoa na Chuva, cuja descrição e
Vale destacar que, para esta pesquisa, em especial, foi realizada uma entrevista
37
- É importante pontuar que, na atuação profissional do psicólogo judiciário, são utilizadas outras técnicas de
avaliação psicológica (projetivas, horas de jogo, entrevistas com familiares, entre outras indicadas para cada
caso), para fundamentar o seu encaminhamento. Contudo, para o contexto deste trabalho, nos deteremos,
especificamente, no instrumento da Pessoa na Chuva.
38
- A maior parte das crianças com histórico de vitimização foi avaliada e acompanhada pela pesquisadora,
como parte da rotina de trabalho da Vara de Infância e Juventude, conforme referido no capítulo 1. No caso de
crianças avaliadas por outros profissionais (psicólogos) da mesma Vara, procurou-se garantir o estabelecimento
de um bom vínculo entre a pesquisadora e a criança, antes da aplicação da Pessoa na Chuva.
113
C. Procedimentos
A aplicação do Desenho da Pessoa na Chuva nas crianças foi realizada pela própria
pesquisa e, após sua anuência, os pais ou responsáveis foram consultados sobre a participação
seguidas todas as recomendações propostas por Querol e Paz (1997). A aplicação foi realizada
psicóloga. Por zelo e respeito às crianças, que muitas vezes chegam angustiadas para os
atendimentos forenses, optou-se pela aplicação individual, visando inserir esta atividade
Cada criança foi convidada a realizar uma atividade de desenho e, após sua
concordância, o material foi apresentado à sua frente, sobre a mesa. Optou-se pelo uso de
folhas de papel de tamanho A4, por ser o mais utilizado por crianças brasileiras nas
atividades escolares. Em seguida, o desenho foi solicitado à criança, por meio da instrução
(Querol & Paz, 1997, p. 18). Ao final da atividade, as eventuais dúvidas sobre representações
para realizar as atividades que desejasse (jogar, desenhar ou brincar), a fim de garantir a
da atividade livre foi útil, inclusive, para o processo de avaliação psicológica da criança, mas
não será apresentado, por fugir aos objetivos do presente trabalho e por merecer, por si
Esta etapa do trabalho contou com a colaboração de uma psicóloga que intermediou o
contato foi estabelecido pessoalmente com os diretores das escolas, para apresentar o objetivo
O contato com os pais foi realizado em dias de reunião de pais. Nas reuniões foram
termos de consentimento (Anexo B) dos pais que concordaram com a participação do(s)
filho(s).
pequenos de quinze crianças, durante o período de aula, deixando-as livres para se manifestar.
O material padronizado (lápis grafite nº2, papel tamanho A4 e borracha) foi fornecido pela
pesquisadora. As folhas de papel foram colocadas sobre a carteira de cada criança, na posição
vertical, sob a orientação de que não fossem manuseadas até o final das instruções (Querol &
Paz, 1997).
39
- Esse material, possivelmente, dará origem a outros estudos e publicações.
115
verso da folha, dados que, posteriormente, foram conferidos com a lista fornecida pela escola
(nome e data de nascimento dos alunos). Neste momento também foram esclarecidas
Para este estudo selecionamos seis características gráficas gerais que discriminaram as
crianças vitimizadas no estudo argentino (Barilari et al., 2000): dimensão pequena, ausência
Dada a natureza quantitativa do nosso estudo, escolhemos essas categorias, porque são
Incluímos outras duas subcategorias: presença de raios, por ter sido freqüente no
estudo argentino, e chuva como lágrimas, pelo significado emocional atribuído à mesma,
presença ou ausência das características gráficas, atribuindo valor 1 (um) para a presença e 0
características, foi necessário estabelecer a definição de critérios para cada uma delas,
1. Dimensão do Desenho
1.1. Grande: 2/3 e 1/2 da folha
116
2. Mãos
Presença: alargamento na extremidade final do braço ou um espaço demarcado entre o braço e
os dedos.
3. Pés
Presença: qualquer representação de pés que seja diferenciada das pernas.
4. Chuva
Presença de chuva: representação de chuva por traços (linhas retas, curvas) ou gotas.
4.1. Chuva setorizada: chuva localizada apenas sobre a pessoa
4.2. Como lágrimas: desenho do formato das gotas de chuva como se fossem lágrimas
4.3. Raios: representação de raios
5. Guarda-Chuva
Presença: representação de um guarda-chuva aberto (cabo e parte superior perpendicular ao
cabo)
6. Detalhes
Presença: representações de outros elementos além da pessoa, chuva e guarda-chuva, como
nuvens, bueiro, casa, flor, árvore, carro, casa, animais, paisagem (céu, sol, lua, estrela, arco-
íris e montanha).
aleatoriamente os protocolos do total de participantes (N=82), tentando, com isso, evitar que o
dos resultados.
117
A avaliação dos juízes foi realizada às cegas, pois, apesar de terem conhecimento da
juízes.
correlações para cada grupo de dois juízes (juízes 1 e 2, juízes 2 e 3, juízes 1 e 3). Os
concordância entre as avaliações. Os critérios adotados para a análise dos resultados foram os
de Guilford (1950), que considera aceitáveis coeficientes de precisão entre 0,70 e 0,98.
gráficas, avaliadas pela pesquisadora, dos grupos experimental e de controle foram calculadas
0,05.
categorias cujos resultados foram coincidentes entre os três juízes ou, pelo menos, entre dois
Além disso, buscou-se comparar os resultados com os do estudo argentino (Barilari et al.,
selecionados dois desenhos de crianças vitimizadas, uma menina vítima de violência física, e
A partir das histórias das duas crianças, realizamos uma breve leitura do material
CAPÍTULO IV
Este capítulo apresenta os resultados encontrados nas seis categorias gráficas, segundo
correlação dentro do intervalo esperado por três juízes ou, pelo menos, por dois deles. As
correlações foram significantes (α) ao nível de 0,01 e, na grande maioria, houve concordância
entre os três juízes; apenas em uma delas (mãos) houve concordância entre dois (Anexo C).
humanas com dimensão pequena e muito pequena, o que representa 82,5% do total. Apesar da
apresenta 29 desenhos (69,1%) com dimensões pequenas e muito pequenas, conforme mostra
a tabela a seguir:
(α=0,965) não discriminou os dois grupos. Do mesmo modo, nosso estudo preliminar de
da amostra, indicou que 76,8 % das crianças também apresentam essas mesmas características
Colombo (2000) para esta característica gráfica, pois não encontrou diferenças significantes
Essa característica também foi encontrada com maior freqüência em crianças vítimas
de abuso sexual em dois trabalhos nacionais (Fonseca & Capitão, 2006; Vollet, 2003), porém,
estatística.
encontradas com freqüência nas vítimas de violência física (Wenck & Rait, 2003; Finkelhor,
2002; Green, 1978), abuso sexual (Finkelhor & Browne, 1985; Furniss, 1993; Rouyer, 1997;
(Linares, 2001). Contudo, esses traços não são exclusivos de crianças vítimas de violência
doméstica.
Mãos e pés
também não foi capaz de discriminar os dois grupos (α=0,258), conforme apontam os
resultados abaixo:
Tabela 12 - Qui-quadrado e freqüências para os itens mãos e pés para o grupo de vítimas de
violência e o grupo de controle
de crianças vitimizadas. No estudo de Blain, Bergner, Lewis & Goldstein (1981), a ausência
mãos discriminou o grupo de crianças vítimas de abuso sexual. Nenhum desses resultados,
insegurança. A literatura especializada aponta que tais sentimentos são freqüentes em vítimas
de violência doméstica (Finkelhor & Browne, 1985; Furniss, 1993; Gabel, 1997; Azevedo &
Guerra, 1989, 1995, 2001; Linares, 2002), mas também podem estar associados a outras
Detalhes ou complementos
crianças vitimizadas (27; 67,5%), quando comparado ao grupo de controle (40; 95,2%). A
123
análise estatística revela que esta característica gráfica foi capaz de discriminar os grupos de
crianças com histórico de violência e sem queixa de violência (α=0,001), conforme indicam
os resultados a seguir:
al., 2006). Isso indica que a ausência de complementos é uma característica gráfica pouco
freqüente em outras crianças, mas comum nos desenhos das crianças vitimizadas da amostra.
Esse resultado converge com o estudo de Barilari et al. (2000), que também observou,
com freqüência significante, a ausência de detalhes no teste da Pessoa na Chuva entre crianças
vítimas de violência doméstica, embora esse critério não esteja claramente definido pelas
indicadores emocionais de Koppitz (1973), mas, como a ausência de detalhes não figura entre
esses indicadores, não foram encontrados estudos que incluíssem essa categoria gráfica como
de crianças vítimas de violência, o que nos leva a pensar nos prejuízos da vitimização para o
desenvolvimento infantil, pois sabemos que o contato emocional estabelecido entre pais
negligentes, ou violentos, e seus filhos é, de fato, muito pouco enriquecedor para a criança.
124
predominantemente, manifestou essa característica gráfica, o que nos leva a crer que a
Chuva
A chuva é uma característica gráfica presente em 95% dos desenhos das crianças
ocorreu com a presença de raios, que foi mais freqüente no grupo de controle, sem queixas de
40
- No total são 411 crianças, 40 do grupo experimental e 371 das quais foi constituído o grupo de controle.
125
direcionada exclusivamente para a figura humana e parece indicar que as pressões ambientais
ao grupo de controle e esse resultado confirma os de Barilari et al. (2000) e de Girardi e Pool
(2005, apud Pool, 2006), que também encontraram essa mesma característica associada às
Destacamos que a chuva setorizada não foi pouco freqüente somente no grupo de
controle (7,1%), mas, também, no grupo de escolares (N=371) do nosso estudo normativo
Esse dado evidencia que a chuva setorizada é uma representação peculiar do grupo de
crianças vitimizadas desta amostra. Isso pode revelar que as crianças vítimas de violência
doméstica são capazes de expressar, por meio de seus desenhos da Pessoa na Chuva, que as
criança é (ou, pelo menos, sente-se), especialmente, colocada como um alvo para aonde se
Por tratar-se de uma característica cuja presença parece ser relativamente rara na
psicológica com a técnica da Pessoa na Chuva, ou em atividades lúdicas com uso de desenho
livre, pode ser um sinal de alerta que merece uma investigação mais atenta do profissional.
(ainda que sem significância estatística) no grupo de crianças vitimizadas do estudo argentino,
41
- Em nosso artigo (Vagostello, Esteves, Pinto Junior & Tardivo, 2006). a categoria chuva setorizada não foi
contemplada, mas este dado se encontra em poder dos autores para futura publicação.
126
característica gráfica esperada para o grupo de crianças vitimizadas, uma vez que os raios
exclusão social e são vulneráveis à vitimação (Azevedo & Guerra, 1989) 42 que incide sobre
suas famílias, como desemprego, privação material, dificuldades financeiras, falta de acesso a
sob intenso estresse ambiental, expresso pelos raios, e que, se não estão submetidas a alguma
forma de violência psicológica doméstica (brigas ou agressões entre os pais, alcoolismo, entre
outras possibilidades), estão, certamente, sob impacto da violência explícita da periferia dos
grandes centros urbanos, protagonizada pelo crime organizado e pela segurança pública.
Guarda-chuva
controle (59,5%), quando comparado ao grupo de crianças vitimizadas (35,0%), o que indica
que esta característica foi capaz de discriminar os dois grupos (α=0,026). Os resultados
42
- Ver capítulo 1B.
127
Isso significa que 65% das crianças vítimas de violência doméstica não apresentaram
guarda-chuva em seus protocolos. Este resultado também converge com o de Barilari et al.
(2000) e o de Girardi & Pool (2005, apud Pool, 2006), onde a ausência de guarda-chuva foi
47,4%.
de 6 anos (30,9%), aumentou aos 7 anos (58,5%) e atingiu o ápice aos 8 anos (75%). Aos 9
anos de idade, essa porcentagem decresceu (53,7%) e caiu mais ainda aos 10 anos de idade
(46,6%).
Vale lembrar que nos países com tradição no uso da técnica da Pessoa na Chuva,
que modificam hábitos e comportamentos sociais. Essa hipótese deve ser investigada, pois em
nosso grupo (N=371), a queda na freqüência de guarda-chuva ocorreu a partir dos 9 anos e se
intensificou no grupo de crianças de 10 anos, idade que já pode ser considerada pré-
adolescência.
128
que não existem publicações que a fundamente ou estudos normativos que indiquem a
O único estudo publicado com a técnica da Pessoa na Chuva no Brasil foi o de Cunha
interpretada como uma resposta socialmente pouco adaptada diante de situações ambientais.
Não podemos esquecer que o estudo foi publicado há duas décadas e que, se a ausência de
guarda-chuva for sensível às modificações de hábitos sociais, essa interpretação deve ser
caso (ausência de detalhes) houve convergência com o trabalho de Barilari et al. (2000) e nos
Girardi e Pool (2005), os dois únicos encontrados na literatura, sobre esse tema.
setorizada) não são exclusivas de crianças vitmizadas, mas nosso estudo indica que elas estão
se relacionar com a realidade interna e externa. Oferecer para uma criança vítima de violência
CAPÍTULO V
Optamos por inserir neste capítulo duas ilustrações clínicas do uso do instrumento,
para exemplificar como, por meio dele, crianças vítimas de violência doméstica podem,
ilustrativa, não se configurando em estudos de caso completos, uma vez que decidimos não
inserir outros procedimentos, como sessões lúdicas ou, ainda, outros materiais projetivos.
generalizada, como vimos mostrando nos capítulos anteriores. Já as ilustrações, que compõem
A seguir, mostramos um breve histórico das crianças - uma do sexo feminino e outra
do sexo masculino, vítimas de violência física e abuso sexual –, os seus respectivos desenhos
e um breve comentário sobre cada desenho. Todos os nomes usados são fictícios.
Natureza do caso
Negligência paterna.
Vítima
Agressor
Joana (mãe)
Composição Familiar
Claudia reside com os pais, com o irmão mais novo e outros dois irmãos paternos
adolescentes (um casal). Também possui outra irmã paterna, casada, que não reside com a
família.
Histórico da violência
Joana era solteira quando conheceu o marido, viúvo, no interior de Minas Gerais.
Logo se casaram e Joana passou a conviver com os três filhos adolescentes do marido, com
físicos pela enteada mais velha. Joana agredia verbal e fisicamente os três filhos do marido,
que, por sua vez, nada fazia. O marido não apoiava a conduta da esposa, porém nada fazia
O marido de Joana também era alvo das agressões da esposa, mas era incapaz de
proteger os filhos. Quando o marido tentava impor-lhe algum limite, Joana ameaçava deixar a
Características do agressor
Joana não conseguia mais cuidar dos filhos e das atividades domésticas, que eram
delegadas à filha Claudia. A menina e seu irmão faltavam freqüentemente às aulas, porque a
mãe não era capaz de acordar cedo para chamá-los, o que levou a menina a acordar sozinha
para ir à escola com seu irmão. No período da tarde, as crianças eram obrigadas a comprar
grupos de apoio, mas Joana iniciou o tratamento somente quando os filhos estavam na
alternados com recaídas, mas melhorou o comportamento em relação aos filhos, marido e
enteados.
cardíaco.
133
comportamento, passivo. Ao contrário dos irmãos paternos, Claudia não enfrentava a mãe e
Descrição
Claudia desenhou uma figura humana do sexo feminino, chuva, raios, “trovões” (sic)
Comentários Gerais
contra o qual parece indefesa. A expressão facial e o olhar da pessoa desenhada reproduzem
com fidelidade o tom emocional predominanante em Claudia, que demonstra tristeza até
As gotas de água que escorrem pelo rosto e pelo corpo da figura humana assemelham-
se a lágrimas, como se estivesse chorando pelo rosto e pelo próprio corpo vitimizado, o que
sinalizando para alguma tensão em relação ao próprio corpo, que é alvo de ataque físico.
guarda-chuva.
A chuva torrencial, com presença de grandes raios, indica um ambiente muito tenso
ou, como diz Hammer (1991, p.301), “sob as mais pesadas condições ambientais de tensão”.
familiar conturbado, com uma figura materna dominadora e uma figura paterna enfraquecida
e não protetora.
ponto de vista gráfico, para a sua faixa etária, o que sugere que a criança possui bons recursos
Natureza do caso
Abandono materno.
Vítima
Agressor
Não sabemos exatamente desde quando e por quanto tempo Bruno sofreu abuso sexual
e quem o praticou. Tudo indica que a vitimização foi precoce, praticada por homem, em sua
Composição Familiar
Bruno reside, desde os 6 anos de idade, com um casal guardião e seus dois filhos. O
irmão mais velho de Bruno reside com essa família desde pequeno.
Histórico da violência
Sabemos que a mãe biológica de Bruno é traficante e o abandonou aos nove meses de
vida, na residência de uma colega, alegando que voltaria logo, e nunca retornou. A criança
permaneceu por cerca de três anos com essa mulher que, quando engravidou do primeiro
filho, entregou-o para outra pessoa, porque sua gravidez era de risco.
Essa pessoa, por sua vez, entregou-o, aos cinco anos de idade, a uma outra mulher,
Não se sabe exatamente o que ocorreu quando Bruno conviveu com a primeira família
substituta, mas a criança lembra-se que um homem, daquela família, introduzia o pênis em
seu ânus. A criança não lembra quem era essa pessoa, apenas que era um homem.
Bruno, aos cinco anos de idade, passou a conviver com o irmão mais velho e com a
de vítimas de abuso sexual, a guardiã não conseguiu lidar com o comportamento de Bruno e
casa da guardiã. Costumava acordar durante a madrugada e ingerir tudo o que encontrava na
com a calça manchada de sêmen, após relações anais com garotos mais velhos (o exame de
corpo de delito constatou que ele mantém atividade sexual anal, porém sem lesões que
caracterizem resistência por parte da criança). Foi flagrado em diferentes condutas sexuais
com o cachorro: carícias nos genitais, tentativa de penetração anal e tentativa de inserção de
Descrição do desenho
Desenho de uma figura humana do sexo masculino, com nuvens e chuva dirigida para
Comentários gerais
muito aquém do esperado para uma criança de oito anos de idade. Essas características não
138
que dificulta a capacidade de estabelecer laços afetivos. Sugere, ainda, o aviltamento do seu
corpo, que, usado precocemente como objeto de prazer do outro, hoje se oferece,
espontaneamente, como objeto a terceiros; do mesmo modo como foi manipulado, usa outro
clareza o sexo da figura humana, o que pode sugerir alguma confusão na identidade da
Com relação às características gráficas encontradas por este estudo como associadas à
a presença de uma situação desfavorável que atinge, ou pode ter atingido, diretamente a
criança.
outra forma de proteção, sugere sentimentos de desproteção e desamparo de quem foi lançado
Considerações
elementos explícitos de sofrimento e, em ambos os casos, pelo menos uma das características
gráficas que discriminaram o grupo experimental esteve presente. Conhecendo a triste história
de vida dessas crianças, é possível observar como cada uma delas explicita as suas vivências
de vitimização.
Para uma criança que já teve seu corpo algumas vezes violado, tanto pela experiência
sofrimento humano, esse instrumento projetivo pode auxiliar no contato inicial com crianças
vitimizadas, que podem começar a falar sobre suas experiências de forma mais espontânea e
menos dolorosa.
140
CAPÍTULO VI
REFLEXÕES
O presente estudo foi realizado com o cuidado e o rigor necessários para apresentação
de uma técnica, visando trazer uma contribuição inédita, original: o desenho da Pessoa na
Chuva. Por outro lado, buscou-se fornecer subsídios científicos para a reflexão e a prática
crianças vitimizadas. Trata-se de uma pesquisa quantitativa, que utilizou o método estatístico-
experimental para fundamentar uma prática clínica, pois acreditamos que, para abordar o
crianças, em seus desenhos, e porque permite conhecer como expressam a própria imagem
indivíduo que, quando atacado, invadido, violado, produz um impacto psicológico que
a barreira do silêncio em relação ao abuso doméstico é uma tarefa difícil, seja porque a
criança é muito pequena, seja pela dificuldade de falar sobre experiências tão dolorosas.
Nesses momentos, o uso do desenho é um recurso muito empregado, juntamente com outros
procedimentos.
141
contribuição da técnica da Pessoa na Chuva, como instrumento auxiliar nesse processo, que,
dentro de uma relação de confiança recíproca entre criança e psicólogo, pode favorecer a
Aiello-Vaisberg (1997, 2003) considera que o uso de uma técnica projetiva pode ser
vivido como um acontecimento lúdico, como uma “forma sofisticada de brincar”, tanto para o
profissional que propõe a “brincadeira”, quanto para quem a recebe e a aceita. A ludicidade
mergulhada na experiência lúdica com o psicólogo, que Nina, uma criança de oito anos de
abuso sexual cometido pelos tios paternos, além de atos de violência física, psicológica e
negligência, praticados pelos próprios pais (Pinto Junior & Koehler, 2000).
Com alguma freqüência, ouvimos que a atividade do psicólogo judiciário não é, e nem
pode ser, clínica. Entretanto, como um psicólogo que trabalha com o sofrimento decorrente de
psicólogo institucional?
142
A clínica pode ser definida como o ofício do encontro ou, conforme palavras de Aiello
alguém acolhedor e merecedor da sua confiança. Nesse sentido, entendemos que toda prática
ele. Este trabalho chega, agora, ao seu termo gerando outras indagações.
instigados pela curiosidade de estudar o uso desse instrumento nos mais variados contextos.
Será, por exemplo, que crianças vitimizadas de outras regiões do Brasil apresentam resultados
semelhantes aos dessas crianças da periferia de São Paulo? Como seria a distribuição das
guarda-chuva é uma variável sensível a mudanças de hábitos sociais dentro de uma cultura?
Será que, em regiões brasileiras mais quentes e áridas, a ausência de guarda-chuva é maior do
São Paulo. Pretendemos que o presente trabalho seja ampliado para colaborar com estudos de
validação da técnica.
estímulo aperceptivo para a produção de uma estória, após a realização da atividade gráfica. A
permitir a exploração da tristeza expressa nas figuras humanas, de maneira pouco invasiva e,
Como refere Tardivo (2004), o trabalho científico cumpre os seus objetivos, quando o
seu final se torna um ponto de partida. Esperamos que o presente trabalho se ofereça como
início de pesquisas com a técnica da Pessoa na Chuva e que esse instrumento proporcione
REFERÊNCIAS
Aiello-Vaisberg, T.M.J., Machado, M.C.L. & Ambrosio, F.F. (2003). A alma, o olho e a mão:
Alves, I.C.B. (2006). Situação atual das técnicas projetivas gráficas (pp. 144-152). In Anais, 6,
Ariès, P. (1973/1981). História social da criança e da família. (2a ed.). Rio de Janeiro: LTC.
Arzeno, M.E.G. (1995). Psicodiagnóstico clínico: novas contribuições. Porto Alegre: Artmed.
Azevedo, M.A. & Guerra, V.N.A. (2001a). Mania de bater: a punição corporal doméstica de
Azevedo, M.A. & Guerra, V.N.A. (2001b). Violência psicológica: Vozes da Juventude. São
Paulo: IEditora.
145
Azevedo, M.A. & Guerra, V.N.A. (2001c). Infância e violência doméstica no Brasil:
Azevedo, M.A. & GUERRA, V.N.A. (1998). Infância e violência fatal em família. São Paulo:
Iglu.
Azevedo, M.A. & Guerra, V.N.A. (1995). Violência doméstica na infância e na adolescência.
Azevedo, M.A. & Guerra, V.N.A. (Org.). (1989). Crianças vitimizadas: a síndrome do
Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova
fronteira.
Barilari, Z., Agosta, C.B. & Colombo, R.I. (2000).Indicadores de abuso y maltrato infantil en
Psic – Revista de Psicologia da Vetor Editora, 6(2), 11-21. Recuperado em 16 nov. 2006,
Beraldo, F.N.M., Capitão, C.G. & Oliveira, K.L. (2006). Indicadores sexuais no Desenho da
Relume Dumará.
146
Blain, G.H., Bergner, R.M., Lewis, M.L. & Goldstein, M.A. (1981). The use of objectively
Bowlby, J. (1981). Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: Martins Fontes.
Bolwby (1988). Una Base Segura: aplicaciones clínicas de una teoría del apego. Barcelona:
Paidós.
Brito, L.M.T. (1993). Separando: um estudo sobre a atuação do psicólogo nas Varas de
Brito, L.M.T. (2000). (Org). Temas de Psicologia Jurídica. (2 a ed.). Rio de Janeiro: Relume
Dumará.
Bruening, C.C., Wagner, W.G., & Johnson, J.T. (1997). Impact of rater knowledge on
sexuality abused and nonabused girl’s scores the Draw-A-Person: Screening Procedure
677.
Buck, J.N. (1948/2003). H-T-P: Casa – Árvore – Pessoa, técnica projetiva de desenho:
Campos, L.F.L. (2004). Métodos e técnicas de pesquisa em psicologia. (3ª ed.). Campinas:
Alínea.
Carney, S.M. (1993). Draw a person in the rain: A comparison of levels of stress and
Castel, R. (1991). A ordem psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo. (2a ed.). Rio de
Janeiro: Graal.
147
Castro, L.R.F. (2003). Disputa de guarda e visitas: no interesse dos pais ou dos filhos?. São
Cerqueira, M.P.S. & Ferreira, R.M. (1992). Histórico do serviço de Psicologia no Tribunal de
judiciários (pp. 196-201). São Paulo: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo/FCBIA.
Chantler, L., Pelco, L. & Mertin, P. (1993). The psychological evaluation of child sexual
abuse using The Louisville Behavior Checklist and Human Figure Drawing. Child Abuse
http://www.pol.org.br/legislacao/resolucoes.cfm?ano=2003.
Corrêa, V.M. (2003). Redes sociais e a Justiça: uma forma de romper limites e avançar. In
E.G.D. Lima, B.M. Martins, J.D.C. Santos & M.A.M. Fonseca (Coords.), Construindo
Costa, M.I.L. (1957). O desenho ao serviço do diagnóstico mental. Boletim de Psicologia, 31-
34, 41-56.
Cunha, J.A. & Vasconcelos, Z.B. (1987). A Pessoa na Chuva: um estudo de adolescentes
Del Campo, E.R.A. & Oliveira, T.C. (2006). Estatuto da criança e do adolescente. (2a ed.).
Barcelona: Ariel.
Feldman, K.W., Monastersky, C. & Feldman G.K. (1993). When is childhood drowning
ternura e da paixão. In Psicanálise IV - Obras Completas (pp. 97-106). São Paulo: Martins
Fontes.
Ferrari, D.C.A. & Vecina, T.C.C. (Orgs.). (2002). O fim do silêncio na violência familiar:
Finkelhor, D. & Browne, A. (1985). The traumatic impact of child abuse: a conceptualization.
Finkelhor, D. (2002). Efectos. In J. Sanmartín (Org.), Violência contra niños. (173-196). (2a
Fonseca, A.R. & Capitão, C.G. (2006). O DFH na avaliação de crianças abusadas
Vetor editora.
Freud, S. (1905/1981). Tres ensayos para una teoria sexual. In Obras Completas. Tomo 2. (pp.
Furniss, T. (1993). Abuso sexual da criança: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre:
Artes Médicas.
Gabel, M. (Org.). (1997). Crianças vítimas de abuso sexual. São Paulo: Summus.
Garb, H.N., Wood, J.M. & Nezworski, M.T. (2000a). Letter to Editor - Projective Techniques
and the Detection of Child Sexual Abuse. Child Abuse and Neglect, 24(4), 437-438.
Garb, H.N., Wood, J.M. & Nezworski, M.T. (2000b). Projective techniques and the detection
of child sexual abuse. Child Maltreatment, 5(2), 161-168. Recuperado em 25 out. 2006,
Góes, J.R. & Florentino, M. (2004). Crianças Escravas: crianças dos escravos. In M.Del Priori
(Org.), Histórias das Crianças no Brasil. (pp.177-191). (4a ed.). São Paulo: Contexto.
Gonçalves, H.S & Ferreira, A.L. & Marques, M.J.V. (1999). Avaliação de Serviço de Atenção
Gonçalves, H.S & Ferreira, A.L. (2002). A notificação da violência intrafamiliar contra
315-319.
Guilford, J.P. (1950). Fundamental statistics in psychology and education. (2a ed.). New
York: McGraw-Hill.
Grassano, E. (1996). Indicadores psicopatológicos nas técnicas projetivas. São Paulo: Casa
do Psicólogo.
Hammer, E.F. (1991). Aplicações Clínicas dos Desenhos Projetivos. São Paulo: Casa do
Psicólogo.
Harrington, D., Black M.M., Starr, R.H.& Dubowitz, H. (1998). Child Neglect: Relation to
108-116.
Harris, D.B. (1963). Children's drawings as measures of intelectual maturity. New York:
Hernandez, J.A.E., Rochefort, A.V., Neto, B.T., Sarmiento, C.S.B.L., Feijó, L.M.S., Nunes,
Hibbard, R.A. & Hartman, G.L. (1990). Emotional indicators in Human Figure Drawings of
sexually victimized and non abused children. Journal of Clinical Psychology, 46(2), 211-
219.
Hjorth, C.W. & Harway, M. (1981). The body image of physically abused and normal
Hutz, C. & Bandeira, D.R. (2000). Desenho da Figura Humana. In J.A.Cunha (Org.),
Koppitz, E.M. (1973). El Dibujo de la Figura Humana en los niños: evaluación psicológica.
www.usp.br/ip/laboratorios/lacri.
coping capacity: A concurrent validity study using rorschach, psychiatric, and life history
www.ip.usp.br/biblioteca/faq/psycinfo.htm.
Lally, S.J. (2001). Should Human Figure Derawings be Admitted Into Court? Journal of
Gabel (Org.), Crianças Vítimas de Abuso Sexual. (pp. 43-61). São Paulo: Summus.
Leoncio, W.A.H. & Tardivo, L.S.P.C. (2003). Trabalho de Encontros Terapêuticos Grupais
com Crianças que Vivem em Abrigos (53-57) In Anais, 1, Jornada Apoiar, 2003, São
Linares, J.L. (2002). Del Abuso y Otros Desmanos: el maltrato familiar, entre la terapia y el
Lippi, J.R.S. (1985). Maltrato: um grave problema humano. A Criança Maltratada. São
Paulo, ALMED.
Paulo.
Michaliszyn, M.S. & Tomasini, R. (2005). Pesquisa: Orientações e Normas para Elaboração
Miller, T.W., Veltkamp, M.S.W. & Janson, D. (1987). Projective measures in the clinical
(1), 47-57.
Moro, G., Lema, M. & Longo, A. (2003). Escala de evaluación del test de la Persona bajo la
Rorschach.
Morocho, L. (2003). La persona con arma. (pp. 665-666). In Anais, 12, Congreso
Nogueira, S.E. & Sá, M.L.B.P. (2004). Atendimento psicológico a crianças vítimas de abuso
Passetti, E. (2004). Crianças carentes e políticas públicas. In M.Del Priori (Org.), Histórias
Pedroso, M.M. (2003). Desenvolvimento Humano no Município de São Paulo (2000): uma
http://www.centrodametropole.org.br/pdf/IDH-M_marcel_pedroso.pdf.
Perez-Lagunas, E.R. & Lucio-Gomes, E. (1987). La prueba proyectiva grafica "persona bajo
Pinto Junior, A.A. (2006). O Desenho como instrumento diagnóstico da criança vitimizada.
Pinto Junior, A.A. (2003a). Violência Sexual Doméstica Contra Meninos: um estudo
São Paulo.
Pinto Junior, A. A., Tardivo, L.S.P.C., Chagas, A.F., Ferreira, D.A.S., Jorge, K.R.M. &
relato de experiência (pp. 32-39) In Anais, 1, Jornada Apoiar, 2003, São Paulo, SP:
Pinto Junior, A.A., Azevedo M.A. & Guerra, V.N.A. (2003c). Descobrindo o Desenho
Pinto Junior, A.A. & Koehler, S.M.F. (2000). O uso das técnicas projetivas como instrumento
2, 22-27.
Pool, A. (2006). Análisis del modelo traumatogénico de los indicadores gráficos asociados a
agresiones sexuales infantiles en la prueba Persona Bajo la Lluvia. Psykhe. 15(1), 45-55.
www.scielo.br.
Querol, S.M. & Paz, M.I. (1997). Adaptación y pplicación del Test de la Persona Bajo la
Ramos, F.P. (2004). A história trágico-marítima das crianças nas embarcações In M.Del Priori
(Org.), Histórias das Crianças no Brasil. (pp.19-54). (4a ed.) São Paulo: Contexto.
Rigonatti, S.P. & Barros, E.L. (2003). Notas sobre a história da psiquiatria forense, da
Antigüidade ao começo do século XX. In S.P. Rigonatti (Coord.)/ A.P. Serafim & E.L
Barros (Orgs.), Temas em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica. São Paulo: Vetor.
(Org.), Crianças Vítimas de Abuso Sexual. (pp. 62-71). São Paulo: Summus.
Saffioti, H.I.B. (1989). A Síndrome do pequeno poder. In M.A. Azevedo & V.N.A. Guerra
Sanmartín, J. (Org.). (2002). Violência contra niños. (2a ed.). Barcelona: Ariel.
separação dos casais. In E.G.D.Lima, B.M. Martins, J.D.C.Santos & M.A.M. Fonseca
Silva, M.A. & Vecina, T.C.C. (2002). Mapeando a violência contra crianças adolescentes.
(pp. 277-297). In D.C.A. Ferrari & T.C.C. Vecina (Orgs.), O fim do silêncio na violência
Sendín, M.C. (2000). Diagnóstico Psicológico: bases conceptuales y guía práctica en los
Silva, M.A.S. (2002). Violência contra crianças: quebrando o pacto familiar. In D.C.A. Ferrari
& T.C.C. Vecina (Orgs.), O fim do silêncio na violência familiar: teoria e prática. (pp.
Tardivo, L.S.P.C. (1992). Teste de Apercepçao Infantil com figuras de animais (CAT-A) e
teste das Fábulas de Düss : estudos normativos e aplicações no contexto das técnicas
Paulo.
Tardivo, L.S.P.C., Pinto Junior, A.A. & Koehler, S.M.F. (2000b). O uso e o estudo das
Tardivo, L.S.P.C. (2004). O Adolescente e Sofrimento Emocional nos Dias de Hoje: reflexões
www.ip.usp.br/biblioteca/faq/psycinfo.htm.
Vetor.
Vagostello, L., Oliveira, A.S., Silva, A.M., Moreno, T.C.M. & Donofrio, V. (2003). Violência
Vagostello, L., Esteves, C., Pinto Junior, A.A. & Tardivo, L.S.P.C. (2006). Desenho da
Verinis, J.S., Lichtenberg, E.F. & Henrich, L. (1974). The Draw-a-Person in the rain
technique: Its relationship to diagnostic category and other personality indicators. Journal
www.ip.usp.br/biblioteca/faq/psycinfo.htm.
Vollet, M.R. (2003). O uso de técnicas expressivas gráficas e verbais em casos de violência
CAMPINAS.
Wench, L.S. & Rait, D. (2003). Desenhos do H-T-P de Crianças Abusadas. In J.N. Buck. H-T-
West, M.M. (1998). Meta-analysis of studies assessing the efficacy of projective techniques in
discriminating child sexual abuse. Child Abuse and Neglect, 22(11), 1151-1166.
of the validity of human-figure features as evidence of child abuse. Child Abuse and
Imago.
Winnicott, D.W. (2002). Privação e delinqüência. (3a ed.). São Paulo: Martins Fontes.
159
ANEXO A
Participante 1
Participante 2
161
Participante 3
Participante 4
162
Participante 5
Participante 6
163
Participante 7
Participante 8
164
Participante 9
Participante 10
165
Participante 11
Participante 12
166
Participante 13
Participante 14
167
Participante 15
Participante 16
168
Participante 17
Participante 18
169
Participante 19
Participante 20
170
Participante 21
Participante 22
171
Participante 23
Participante 24
172
Participante 26
Participante 26
173
Participante 27
Participante 28
174
Participante 29
Participante 30
175
Participante 31
Participante 32
176
Participante 33
Participante 34
177
Participante 35
Participante 36
178
Participante 37
Participante 38
179
Participante 39
Participante 40
180
ANEXO B
TERMOS DE CONSENTIMENTO
181
2 – Para a realização do teste, a criança realizará o desenho de uma pessoa na chuva. O material
(papel, lápis e borracha) será fornecido pelo pesquisador.
3 – Os pais e/ou responsáveis serão informados sobre a pesquisa em reunião de pais, realizadas na
escola, e aqueles que concordarem com a participação dos filhos assinarão o termo de
consentimento.
4 - Será garantido o anonimato nessa participação (com os dados pessoais dos pais, das crianças / e
da Escola) estando ciente de que a pesquisa tem finalidades acadêmicas e científicas. Os resultados
do trabalho poderão ser apresentados em eventos e publicações científicas (artigos, livros, outros),
assegurando o anonimato dos participantes.
5 -A participação da criança não constitui risco a quem participe, sendo na verdade uma contribuição
efetiva para o estudo.
.
6 – O senhor (a) tem o direito de conhecer o estudo
7 – O senhor (a) poderá entrar em contato com o pesquisador responsável, sempre que julgar
necessário pelo telefone (11) 9630-5042.
2 – AUTORIZAÇÃO
3 - PESQUISADORA RESPONSÁVEL:
Lucilena Vagostello
R.G 14309673
CRP: 06/34206-2
182
2 – Para a realização do teste, a criança realizará o desenho de uma pessoa na chuva. O material
(papel, lápis e borracha) será fornecido pelo pesquisador.
3 - Será garantido o anonimato nessa participação (com os dados pessoais dos pais, das crianças,
local desta Vara de Infância) estando ciente de que a pesquisa tem finalidades acadêmicas e
científicas.
4 -A participação da criança não constitui risco a quem participe, sendo na verdade uma contribuição
efetiva para o estudo. Os resultados do trabalho poderão ser apresentados em eventos e publicações
científicas (artigos, livros, outros), assegurando o anonimato dos participantes.
.
5 – O senhor (a) tem o direito de conhecer o estudo
6 – O senhor (a) poderá entrar em contato com o pesquisador responsável, sempre que julgar
necessário pelo telefone (11) 9630-5042.
2 – AUTORIZAÇÃO
3 - PESQUISADORA RESPONSÁVEL:
Lucilena Vagostello
R.G 14309673
CRP: 06/34206-2
183
2 – Para a realização do teste, a criança realizará o desenho de uma pessoa na chuva. O material
(papel, lápis e borracha) será fornecido pelo pesquisador.
3 - Será garantido o anonimato nessa participação (com os dados pessoais dos pais, das crianças,
local desta Vara de Infância) estando ciente de que a pesquisa tem finalidades acadêmicas e
científicas.
4 -A participação da criança não constitui risco a quem participe, sendo na verdade uma contribuição
efetiva para o estudo. Os resultados do trabalho poderão ser apresentados em eventos e publicações
científicas (artigos, livros, outros) de caráter exclusivamente científico, assegurando o anonimato dos
participantes.
.
5 – O senhor (a) tem o direito de conhecer o estudo.
6 – O senhor (a) poderá entrar em contato com o pesquisador responsável, sempre que julgar
necessário nesta Vara de Infância e Juventude.
2 – AUTORIZAÇÃO
3 - PESQUISADORA RESPONSÁVEL:
Lucilena Vagostello
R.G 14309673
CRP: 06/34206-2
184
ANEXO C
Tabela 1. Correlações entre as avaliações dos juizes em relação a presença ou ausência de cada
uma das características dos desenhos para a amostra total (N=82)