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DECOLONIZAR OS ESTUDOS CRÍTICOS DO DISCURSO: POR PERSPECTIVAS


LATINO-AMERICANAS

Conference Paper · October 2017

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Viviane De Melo Resende


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Conferência apresentada no XII Congresso Internacional da ALED.
Universidad Católica - Santiago do Chile, 18 de outubro de 2017

DECOLONIZAR OS ESTUDOS CRÍTICOS DO DISCURSO:


POR PERSPECTIVAS LATINO-AMERICANAS

Viviane de Melo Resende

Um teórico poderia dizer: são os exemplos que atrapalham a teoria; um empirista poderia
retrucar: a teoria congela os dados. Precisamos do reconhecimento intermediário. Teorias
são necessárias, mas precisam ser confrontadas com a realidade situada. Devem ser
consideradas válidas em um dado contexto apenas as teorias que servem como potência
explanatória. Isso nem sempre é considerado quando se trata de importar modelos teóricos
ou metodológicos nos estudos do discurso.
Em que pese uma tradição já consolidada dos estudos discursivos na América
Latina, com posição destacada nos programas de pós-graduação da área de Letras e
Linguística e um pulsante calendário de eventos anuais da área, pode-se dizer que há
muita aplicação do saber importado e pouca criatividade teórica ou metodológica local.
Os estudos do discurso dividem-se basicamente em duas grandes linhas: a análise de
discurso francesa e a análise de discurso inglesa. Só os nomes pelos quais conhecemos
essas vertentes de estudos discursivos já nos dizem da colonialidade do campo. Essa
colonialidade de saberes do discurso, de forma mais imediata, significa um grande esforço
de aplicação de teorias tomadas como universalmente válidas e pouco modificadas no
contexto situado, mas também tem implicações sobre o ser analista de discurso nesse
local de subalternidade no campo acadêmico – esse espaço que ocupamos as
pesquisadoras de discurso latino-americanas em relação a nossos pares do Norte global –
e sobre o poder pensar alternativas teóricas.
O esforço decolonial desse campo, então, deveria dirigir-se a três caminhos
convergentes: decolonizar o saber, no sentido de lograr criticar teorias e métodos,
compreendendo, que não há conhecimento universal; decolonizar o poder da ação criativa
no esforço de superação desse conhecimento universalizante, isto é, assumir a potência
de criação teórica e metodológica local, especialmente por meio do constante questionar
da separação disciplinar e suas imposições; e decolonizar o ser, fazendo uso estratégico
desse espaço paradoxal, o que carrega as potencialidades da comunhão de saberes,
incluindo também o conhecimento comum. Tudo isso deve ter impacto sobre a educação
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pós-graduada em estudos discursivos, num ciclo virtuoso entre consciência, crítica e


criatividade.
Para discutir essas questões, é preciso antes situar os conceitos de colonialidade e
decolonialidade. Maldonado-Torres explica que a colonialidade refere-se a padrões de
poder de longa duração que surgiram como resultado do colonialismo, mas que “definem
cultura, trabalho, relações intersubjetivas e produção de conhecimento muito além dos
limites estritos das administrações coloniais. Assim, a colonialidade sobrevive ao
colonialismo”. A colonialidade se reproduz em livros, nas escolas e universidades, nos
padrões culturais e estéticos, no senso-comum. Para Maldonado-Torres, em assuntos
modernos, “respiramos colonialismo todo o tempo e todos os dias”.
Quanto à decolonialidade, Catherine Walsh explica que o uso da palavra ‘decolonial’
nesse contexto, e não ‘descolonial’, como seria esperado em espanhol ou português, não
realiza um anglicismo, mas um neologismo, quando demarca uma distinção com o
significado de “des” em castelhano, língua de fundação do conceito: não se trata de
“desarmar, desfazer ou reverter o colonial”, mas de “identificar, visibilizar e alentar
‘lugares’ de exterioridade e construções alternativas”.
I
Em um texto bastante elucidativo a respeito dos estudos decoloniais promovidos pelo
grupo modernidade/colonialidade, Ramón Grosfoguel (2016, p. 26) discute o fato de que
as “estruturas epistêmicas contemporâneas [são] baseadas em homens ocidentais de cinco
países (França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e Itália)”. Grosfoguel afirma sua
surpresa a respeito de o conhecimento produzido nesses cinco países ser seguido e
aplicado nos campos das teorias social, histórica, filosófica, econômica, e se espanta:
como é possível que não haja “um escândalo nisso”? (p. 43). Para ele, a consequência
desse privilégio epistêmico, em universidades ao redor do mundo e também na América
Latina, é que “nosso trabalho na universidade ocidentalizada é basicamente reduzido a
aprender essas teorias oriundas da experiência e dos problemas de uma região particular
do mundo, com suas dimensões espaciais/ temporais muito particulares e ‘aplicá-las’ em
outras localizações geográficas, mesmo que as experiências espaciais/ temporais destas
sejam completamente diferentes daquelas citadas anteriormente”.
No caso dos estudos discursivos, esses locais de produção de conhecimentos
válidos e influentes no contexto latino-americano são reduzidos basicamente a três:
França, Inglaterra e Estados Unidos. Sobre isso, Laura Pardo sustenta que “estudar em
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universidades estadunidenses ou europeias sempre foi uma fonte de prestígio, sendo suas
contrapartes locais geralmente classificadas como menos qualificadas”.
Não se trata apenas do local geográfico de produção de conhecimento, mas
também de línguas de produção acadêmica: nascer em inglês ou em francês para os
estudos do discurso é sair na frente, e publicar textos nos locais de prestígio do campo,
nessas línguas, é poder ecoar sua voz. Mas a publicação de nossas pesquisas nesses
contextos de prestígio traz suas imposições, como salienta Pedro Santander: “com
objetivo de ser capaz de publicar ‘daqui’ para ‘lá’, normalmente se torna necessário
trabalhar sobre assuntos que contemplem os interesses dessa comunidade acadêmica [do
Norte Global] e, portanto, dentro de quadros ideológicos, teóricos e metodológicos”
específicos.
Sabemos que todo conhecimento é localmente produzido e tem validade situada,
mas quando a produção localiza-se no contexto da modernidade europeia, se disfarça sob
um discurso de universalidade que por vezes compartilhamos sem muita reflexão ao
aplicar teorias e métodos. Sobre a falácia do universalismo, Luciana Ballestrin argumenta
que “[a] diferença colonial epistêmica é cúmplice do universalismo”, na suposição, eu
diria ao mesmo tempo ingênua e perniciosa, da existência de um “ponto zero”, “um ponto
de partida de observação, supostamente neutro”.
Essa divisão geopolítica do trabalho acadêmico – teorizar, por um lado, e aplicar
teorias, por outro – mantém-se apesar da superação política do colonialismo. Isso
acontece por força do que Aníbal Quijano conceitua como colonialidade do poder – as
continuidades relacionais do colonialismo persistentes como colonialidade. E isso
impacta sobre as possibilidades do saber: é assim que “o conhecimento produzido a partir
das experiências sócio-históricas e concepções de mundo do Sul global é considerado
inferior”, nas palavras de Grosfoguel.
Assim, como discute Adriana Bolívar, em que pese a tradição de produção
acadêmica na área de análise de discurso na América Latina, “nós constantemente nos
deparamos com dependência cultural quanto à produção de conhecimento”, um aspecto
da colonialidade do saber.
Como já salientaram em nossa comunidade ALED pesquisadoras como Adriana
Bolívar (2010), Laura Pardo (2010) e Neyla Pardo Abril (2016), uma consequência da
colonialidade do saber nos estudos do discurso latino-americanos é que a competência no
domínio e na aplicação de teorias e métodos vem acompanhada de pouca confiança na
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validade das ideias próprias, que precisam ser legitimadas pelo pensamento de autores
estrangeires.
Para Laura Pardo, o assunto da colonialidade do saber nas academias latino-
americanas “já foi abordado por várias disciplinas, [mas] a linguística vem sendo, no
geral, relutante ao lidar com ele e ao olhar de forma crítica as suas próprias práticas
coloniais”. Essas são práticas ensinadas e aprendidas. Quantas pesquisadoras em
formação, no esforço de escrita de suas dissertações e teses, ao buscarem citar e referir
pesquisadoras nacionais, ouviram de suas orientadoras ou orientadores o indefectível
“você precisa beber direto na fonte”? Aí a miragem ilusória do ponto zero. Há uma fonte
original de todo conhecimento válido, e é lá que se deve beber, aprendemos desde cedo
nas universidades. Obviamente que essa desconfiança da validade da produção local
resulta numa descrença na própria capacidade de teorizar.
A participação em eventos acadêmicos internacionais das áreas de análise de
discurso, em que pesquisadoras latino-americanas apresentem trabalhos ao lado de
membros da comunidade acadêmica internacional, deixa ver sem dificuldade a qualidade
das análises que fazemos. Não deixamos nada a dever a nossos pares do Norte no que se
refere à aplicação de teorias e métodos. Mas se buscamos desvelar as fontes teóricas
tomadas como base para esses estudos, muito rapidamente se nota a ausência de vozes
locais: os sustentáculos de nossas vozes falam outras línguas.
Daí a crítica formulada por Pedro Santander (2010, p. 229): “a produção científica
da América Latina mostra um grande acúmulo de dados empíricos, os quais, de qualquer
forma, são teorizados em categorias, conceitos e interesses que são próprios de uma
agenda investigativa que é mais relacionada aos interesses ‘de lá’ do que ao nosso próprio
contexto”.
Nos processos pedagógicos em que se ensinam as tecnologias e práticas de um
campo do saber, a colonialidade do poder-saber-ser muitas vezes encontra, assim, terreno
fértil para prosperar. Mas há aí um problema elementar. É que a criatividade cumpre papel
fundamental na produção de saberes, na criação teórica, e a baixa autoestima científica
nos amarra, já que frequentemente não nos reconhecemos capazes de contribuir
efetivamente para a produção das teorias com as quais lidamos. Não é demais dizer que
no campo dos estudos do discurso latino-americanos, como consequência da
colonialidade do saber-ser, há um bloqueio do poder-saber resultante do ciclo de
retroalimentação entre a legitimação exclusiva de teorias importadas e a deslegitimação
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sistemática da ousadia da crítica a essas mesmas teorias. Uma questão a enfrentar, então,
é a colonialidade do ser acadêmica latino-americana. Sobre isso, Grosfoguel sugere que
a outra face do privilégio epistêmico é a inferioridade epistêmica que se impõe sobre o
conhecimento produzido a partir das experiências do Sul.
Mas sabemos que as maiorias são frequentemente conservadoras, e que as
inovações vêm das minorias. Nós analistas de discurso latino-americanas somos uma
minoria epistêmica, e temos um papel de renovação epistêmica a cumprir em relação aos
estudos críticos do discurso. Creio que isso passa pela superação disciplinar,
empreendimento difícil, mas que pode valer a pena; e a universidade não pode abdicar do
fato de que a territorialidade nos faz sujeitos de nosso espaço, além de sujeitos de nosso
tempo. Precisamos assumir a tarefa de definição de nossa própria pauta nos estudos
críticos do discurso.
A direção da crítica nessa pauta, creio, deve ser motivada pela superação
necessária de todo tipo de opressão, e a REDLAD, ambiente criado e consolidado no
interior da ALED, é um exemplo disso. Aqui podemos retomar Julio Navarrete, para
quem vivemos uma cultura que reproduz desigualdade na forma do imaginário que
naturaliza o sofrimento de uma parcela importante da população mundial, condenando-a,
nos termos de Frantz Fanon (2015). Nós analistas de discurso sabemos que isso é em
grande medida efeito de discursos que naturalizam privilégios e, ao fazê-lo, justificam a
opressão. A questão é: como podemos tornar o conhecimento que produzimos mais útil
para a superação dos abusos de poder? Depois de tantos anos criticando e depositando os
produtos de nossas críticas nas prateleiras das bibliotecas, já devemos saber que os
caminhos construídos até aqui são insuficientes ou pouco efetivos. Como superá-los?
Essa questão deve estar no centro de nossa reflexão nos estudos críticos do discurso
latino-americanos.
II
Laura Pardo nos lembra de um problema epistemológico crucial decorrente da
colonialidade dos estudos discursivos: se “a maioria da literatura que lemos e dos modelos
e métodos que seguimos se originaram na Europa e nos EUA, portanto não podem nos
levar a uma compreensão real dos fenômenos discursivos latino-americanos”.
Isso porque nenhum conhecimento é válido em si mesmo, e por isso precisa ser
validado no mundo social. Isso não equivale a uma opção pelo relativismo, nem se trata
de recusar o conhecimento já produzido, mas de não o tomar, de forma ingênua, como
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universalmente válido. Sobre isso, uma vez escrevi: “Entendo que não é o caso de
perdermos tempo negando o legado europeu ou questionando a validade de teorias pelo
simples fato de serem importadas – não, ao contrário: devemos nos aproveitar dos
recursos já existentes. O que importa é mantermos a vigilância crítica não só da validade
de teorias e discursos poderosos a nossos contextos locais, mas também da própria
coerência interna dessas teorias. E assumirmos a ousadia de propor novas e diferentes
reflexões”.
A questão, então, não é a ilusão de criar um novo ponto zero, mas reconhecer que
o ponto zero nunca existe, e manter-se vigilante a respeito da tentação de um
tranquilizante imaginário ponto zero. Realizar pesquisa na perspectiva decolonial, então,
não significa seguir um círculo de autores, ou abandonar teorias importadas, ou focalizar
temáticas restritas. Nesse sentido, para Luciana Ballestrin, “o processo de decolonização
não deve ser confundido com a rejeição da criação humana realizada pelo Norte global e
associado com aquilo que seria genuinamente criado no Sul”.
Por exemplo, a noção de ação estruturada, desenvolvida nos estudos sociais e
apropriada pela análise de discurso crítica formulada no contexto britânico, nos ajuda a
pensar a linguagem na sociedade. Nessa teoria, os estudos críticos do discurso são capazes
de sustentar explanação de problemas sociais particulares com base no uso da linguagem
porque esta mantém um tipo especial de relação com outros elementos sociais.
Sendo a linguagem parte de toda estrutura, na forma de semiose; de toda prática
social, na forma de ordem do discurso, e de todo evento social, na forma de texto, as
relações de linguagem-sociedade são internas, a linguagem interiorizando e realizando
traços de outros elementos de estruturas, práticas e eventos, conforme Norman
Fairclough. O uso situado da linguagem, ao produzir textos, que são parte e resultado de
eventos sociais, tem efeitos causais, gerando mudanças em nosso conhecimento sobre o
mundo e, consequentemente, em nossas crenças e atitudes a respeito desse mundo.
A figura agora projetada apresenta uma síntese dos pensamentos de Bhaskar sobre
o funcionamento da sociedade e de Fairclough sobre o funcionamento social da
linguagem. Este último toma por base o pensamento linguístico de Halliday, a respeito da
multifuncionalidade da linguagem, e o pensamento discursivo de Foucault, a respeito dos
eixos do conhecimento, do poder e da ética, para a proposição das noções teóricas de
discursos, gêneros e estilos como ordenadores intermediários do potencial semiótico.
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Podemos refinar essa teorização da linguagem na sociedade, definindo com mais


clareza as estruturas e estudando como pertencimentos identitários estruturantes limitam
a capacidade de ação transformadora possibilitada pelo uso criativo ou estratégico das
potencialidades estruturadas. Isso inclui necessariamente as fundantes estruturas de
classe, gênero, sexualidade, raça e etnia, e as instituições que ordenam a ação social.
Tomando a ordenação social do discurso como potência epistemológica e
incluindo o referencial do giro decolonial no entendimento dos eixos do poder, do saber
e do ser, represento assim (figura projetada) algumas dessas relações.
Destaco as estruturas sociais de classe, gênero, sexualidade, raça e etnia, que
atuam sobre as instituições ordenadoras das práticas sociais e o potencial semiótico,
enfatizando seu caráter abstrato, de maior permanência, embora nunca permanência trans-
histórica, haja vista, por exemplo, as modificações em estruturas de gênero e as pressões
que intentam reduzir essas modificações ao longo da história, em tensão com as forças
que as promovem.
Enfatizo, sobretudo, sua ampla penetração numa variedade de práticas: enquanto
a noção de prática social diz respeito a potencialidades já situadas em campos ou esferas
da atividade humana, a noção de estrutura é mais abstrata, já que uma estrutura como a
de classe (ou gênero, sexualidade, raça, etnia) transcende as práticas situadas, invade os
diferentes campos, exerce suas influências nas mais diversas esferas institucionais e
modalidades semióticas. Uma contribuição para uma compreensão mais complexa disso,
que pode ser considerada decolonial no sentido mais amplo, é a noção de
interseccionalidade, formulada por feministas negras. Para Collins (2016, p. 108), “esse
ponto de vista muda todo o foco da investigação, partindo de uma abordagem que tinha
como objetivo explicar os elementos de raça, gênero ou opressão de classe, para outra
que pretende determinar quais são os elos entre esses sistemas”.
Assim como as práticas sociais são compreendidas na inter-relação de seus
elementos constituintes – materiais potenciais (previstos no potencial da prática,
incluindo o uso de tecnologias); posições objetivas, com as relações sociais e
institucionais a elas articuladas; tempos e espaços como potencialidades organizacionais
das práticas em seus ambientes institucionais; linguagem e outras formas de semiose,
incluindo os modos de articulação previstos entre as modalidades semióticas
potencialmente articuladas e as tecnologias discursivas em jogo nas ordens discursivas –
, também os eventos realizados constituem-se de elementos. Mas os elementos
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constituintes da prática são elementos de potência, e os elementos do evento realizado são


concretizações dessa potência; por isso, é preciso distinguir entre ordens de discurso e
textos realizando esse potencial; posições objetivas e posições encarnadas,
subjetivamente preenchidas por pessoas assumindo posições; relações sociais potenciais
e relações interpessoais realizadas em eventos sociais; materiais potenciais e dispositivos
efetivados na ação material; espaço-tempo potencial e espaço-tempo realizado.
Essa distinção teórica também apela à necessidade de se refletir sobre as condições
de possibilidade em relações de emergência, e nesse aspecto coincido com Adriana
Bolívar sobre a relevância de se considerar a ação de pessoas encarnando posições em
eventos, com a complexidade epistemológica que disso decorre. Obviamente as
condições de possibilidade de atuação de pessoas em eventos, realizando diferentes
práticas, sofrem o impacto estruturante de raça, etnia, classe, gênero, sexualidade, e daí a
relevância de distinguir também entre posições objetivas e posições encarnadas.
Os eixos de possibilidades e realizações na figura sugerem, do pensamento de
Bhaskar, a percepção da profundidade ontológica da realidade como potência, com que
coincide Sousa Santos. Em suas palavras: “a realidade não pode ser reduzida ao que
existe”, porque precisa incluir “as realidades ausentes por via do silenciamentos, da
supressão e da marginalização, isto é, as realidades que são ativamente produzidas como
não existentes”.
Em outro texto, que já apresentei no âmbito da ALSFAL, discuto essas questões
em maior detalhe. Aqui interessa destacar que a fundação das sociedades coloniais a partir
de hierarquias encarnadas não se supera com a liberdade política das colônias: a invenção
da América enseja sentidos interseccionais de raça-classe-gênero que se mantêm
fundantes. Nos termos de Maldonado-Torres, “raça e casta, juntamente com gênero e
sexualidade, são talvez as quatro formas de diferenciação humana que serviram com
maior frequência” à manutenção das relações e realizações.
Assim, decolonizar os estudos críticos do discurso por perspectivas latino-
americanas implica reconhecer que nossa história colonial e a violência que nos constituiu
não podem ser ignoradas. Os eixos temáticos da violência de que nos fala Sousa Santos
(2015) podem ser epistemologicamente úteis para pensar as interseccionalidades entre a
colonialidade, o patriarcado e o capitalismo, num esforço de compreensão e superação da
violência relacional correspondente. Nesse esforço, os estudos do discurso possibilitam
uma contribuição importante.
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Nossa contribuição pode ser mais relevante se assumirmos uma postura decolonial
pela superação da colonialidade do poder, do saber e do ser. Nós trazemos nos estudos
críticos do discurso uma compreensão já teorizada sobre a constituição mútua desses três
domínios, nem sempre muito clara na bibliografia decolonial. Reconhecer a conexão
entre a colonialidade do poder e os gêneros discursivos de nossa ação, entre a
colonialidade do saber e os discursos que nos permitem compreender a práticas, e entre a
colonialidade do ser e os estilos com os quais nos identificamos é já uma contribuição
dos estudos discursivos críticos à discussão em torno da decolonialidade.
A colonialidade do saber está relacionada aos discursos por meio dos quais
compreendemos o mundo social, ligados ao classismo, ao racismo, ao sexismo e a sua
interseccionalidade. Esses discursos colonizam o ser, nos levando a padrões de
identificação que limitam nossa ação, ou seja, à colonialidade do poder – agimos
conforme padrões capitalistas, racistas e sexistas; e reproduzimos consciente ou
inconscientemente esses padrões de ação. Assim, para decolonizar o ser, é preciso
consciência emancipatória para denormalizar os quadros interpretativos que nos
conduzem a identidades subalternas. Nós analistas de discurso temos condições especiais
de realizar essa crítica, pela especialidade própria a nosso campo do saber. Mas para isso
é preciso deslocar-nos dos limites disciplinares da linguística, assumir francamente nossa
carência de outros saberes.
De toda forma, não se trata de propor outro ponto zero, como eu já disse. A
reflexão teórica e epistemológica nunca se encontra disponível, é sempre trabalho por
fazer. A construção teórica não deve tomar a priori conceitos, a menos que as análises
comprovem sua validade. É na prática que os conceitos são legitimados.
Na construção das reflexões que agora apresento de maneira abstrata, trata-se de
teorização atinente a análises situadas, coletivas, direcionadas à discussão da seletividade
racializada e classista do sistema penal no Brasil; da violência sistemática contra mulheres
no atendimento à saúde; da violência da representação pejorativa de populações
vulneráveis em veículos da comunicação social; da violência das políticas públicas de
gestão da pobreza no espaço urbano, e das potencialidades da resistência coletiva e
discursivamente construída. Cada um desses desafios situados demandou uma articulação
interdisciplinar compreensiva, impulsionando categorias e conceitos. Uma reflexão
necessária, então, é que a linguagem teórica, nossa metalinguagem, tanto liberta quanto
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aprisiona: o que perdemos quando adotamos uma metalinguagem insuficiente para


discutir certos problemas?
III

Penso que a superação dos caminhos já trilhados e a persecução de um fazer científico


engajado para além das linhas dos textos que escrevemos deveriam passar por um duplo
reconhecimento: de nosso lugar subalterno nas dinâmicas acadêmicas do campo e de
nosso lugar de privilégio nas dinâmicas sociais situadas para cuja transformação
trabalhamos. Esse aparente paradoxo nos posiciona entre a minoria e o privilégio; ambos
devem ser desconstruídos e dar lugar a um novo espaço de saber-ser, em que estejamos
suficientemente empoderadas para dizer “eu” e suficientemente engajadas para dizer
“nós”.
Isso significa, por um lado, superar a colonialidade do poder-saber discursivo de
que tratei nas seções anteriores, e assim ousar a criatividade teórica e metodológica,
rompendo com as amarras do cânone sem por isso cair no relativismo que não permite
avançar, e para isso é preciso decolonizar as possibilidades do ser analista de discurso
latino-americana. Por outro lado, significa também superar a posição de conforto do
privilégio local de ocupar a cadeira de quem pode dizer as ‘verdades’ acadêmicas que
parecem inquestionáveis fora dos muros da universidade. Para esse segundo desafio, há
quatro premissas que me parecem essenciais e estão interligadas ao ser: o cultivo à
autocrítica; o respeito à criatividade produtiva de nossos estudantes; o apreço à
diversidade e o abandono do jargão hermético.
Estar atentas à necessária e permanente autocrítica é o que nos permite confrontar
as próprias contradições, nunca chegando a uma ‘verdade’ final – o que seria voltar ao
ponto zero, pondo a perder todo o esforço anterior. De acordo com Nascimento,
precisamos criticar “nosso próprio repertório de sentidos, conceitos, categorias, já que os
modos de conhecer aos quais temos nos submetido causam silenciamentos,
invisibilidades e hierarquias, e isso também deve ser objeto de nossa crítica”. A
autocrítica, então, põe em evidência o fato de que os esforços se somam, e assim nos
permitimos atenção constante à inovadora criatividade potencial de nossos estudantes.
Livres das limitações impostas por conceitos e categorias de que buscamos nos
desconstruir, esses pesquisadores em formação carregam a potência da criatividade com
a qual podemos somar, se formos humildes.
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Isso significa também contrariar a percepção que se tem do trabalho intelectual


como algo abstrato, que apenas tangencia o mundo das coisas concretas, já denunciada
por Laura Pardo, que questiona o fato de que “intelectuais da América Latina aparecem
no imaginário coletivo como indivíduos isolados que passam todo seu tempo lendo,
ensinando e pensando; não como participantes ativos da vida social”. Mas é preciso
descer da torre e comungar no chão das práticas: “assistir e participar de uma construção
conjunta, estar com os outros e compartilhar nossas experiências é o que de fato
impulsiona uma pesquisa”, nas palavras de Pardo. O apreço à diversidade diz respeito,
também, à necessidade de exercitar a escuta – não simplesmente ouvir com a razão
estreita das coisas da ciência moderna, mas escutar com a razão sensível das coisas da
vida. Já disse em outro lugar que “é preciso entender de uma vez por todas que nunca se
trata de ‘dar voz’, expressão máxima da soberba acadêmica, mas sempre de ouvir e de ser
capaz de entrar em diálogo aberto”.
São necessárias às pesquisas crítico-discursivas parcerias de dois tipos: com
especialistas de outras disciplinas, que frequentemente falam ‘outra língua’ acadêmica, e
com a militância de movimentos sociais, a quem o jargão linguístico soa como um “arame
farpado” divisor de mundos, para usar a metáfora de Gnerre (1998). Por isso, nos estudos
críticos do discurso, não podemos ser apenas especialistas em linguagem; precisamos nos
esforçar em outras direções. O desafio interdisciplinar, diz Clara Keating (2015), “é antes
de tudo um desafio de tradução”. Devemos, então, ser capazes de falar de modo que possa
ser compreendido por qualquer pessoa que venha de qualquer lugar de fala.
Uma simplificação da linguagem do campo seria útil de pelo menos duas
maneiras: análises mais claramente comunicáveis a nossos parceiros de outras
especialidades, e análises mais eficientes para provocar transformações no mundo (as
estantes de bibliotecas e periódicos acadêmicos têm sido ineficientes nesse trabalho,
também em decorrência da língua que geralmente “falam”). O desafio decolonial propõe
a produção de conhecimento acessível e útil para a superação de problemas. Isso inclui
um pensamento mais próximo do cotidiano, uma superação da objetivação do outro, uma
ciência de sujeito para sujeito, um saber compartilhado e mutuamente relevante, uma
superação disciplinar.
Quanto mais pudermos nos aproximar da comunicação comum e do conhecimento
comum, mais úteis e “comunicáveis” serão nossas pesquisas. Pode-se acusar tal projeto
de perder profundidade analítica? Sim, talvez. Creio, contudo, que os ganhos potenciais
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valham a pena. Se os pressupostos que defendemos sobre a linguagem e seu


funcionamento são verdadeiros, devem ser capazes de sustentação em linguagem
ordinária.
Sem dúvida, temos técnicas especiais de análise, que conformam nosso papel em
equipes multidisciplinares e orientam nosso potencial explanatório. A questão então seria:
somos capazes de colocar essas técnicas em funcionamento de um modo comunicável e
mais apto a fazer diferença? Essa questão deve ser relevante para as ciências de modo
geral, mas ainda estamos por conquistar esse desafio em nossas academias. A separação
entre conhecimento científico e conhecimento comum, entre linguagem especializada e
linguagem comum é um discurso científico muito poderoso, mas que limita nossa
potência (as colonialidades do saber, do poder e do ser estão integradas neste ponto).
Precisamos desconstruir essas separações, e como analistas de discurso estamos em uma
posição especialmente favorável para fazer essa crítica.
Essa superação torna nossa tarefa mais difícil e mais complexa, mas também
multiplica nosso potencial crítico de transformação das situações de opressão que
estudamos e com cuja superação nos engajamos. Para isso, será imprescindível romper
com uma ciência disciplinar e que normaliza a classificação de saberes. Denormalizar a
ciência como verdade tem de ser o primeiro passo, porque isso poderá levar à
desconstrução de crenças limitantes e à decolonialidade: se formos capazes de pensar
sentindo, de realizar a ação sentipensante que Orlando Fals Borda (2008) aprendeu da
cultura anfíbia das populações ribeirinhas, poderemos superar, por exemplo, a separação
improdutiva entre razão e emoção, e isso já nos põe em outro caminho. Nas palavras de
Laura Pardo, trata-se de dar-se conta que o “compromisso ‘sem coração’ derrota nosso
próprio propósito”.
Nesse sentido, Lander sustenta que um marco nos processos de separação que
caracterizam a ciência moderno-colonial é a ruptura ontológica entre corpo e mente, entre
razão e emoção. Ele diz: somente sobre a base “de um conhecimento descorporizado e
descontextualizado é concebível esse tipo muito particular de conhecimento que pretende
ser des-subjetivado”. Uma superação dessa ruptura original pode conduzir a uma ciência
que alia razão e emoção para abordar problemas reais do tempo presente: o trabalho
acadêmico se enriquece com outros conhecimentos, admite o conhecimento comum,
considera o senso comum, recusa a hegemonia do conhecimento científico. Assim
miramos o mundo com olhos livres de certezas, mas com uma crença firme nas
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possibilidades do futuro, como quis Angela Davis (2016), ou, nas palavras de Fanon
(2015, p. 187): com a firme “recusa em aceitar a atualidade como definitiva”.
O desafio do diálogo é um desafio de solidariedade e de linguagem. Esse desafio
nos exige outros sentidos de ser acadêmicos, outros conteúdos e outras práticas. Por isso
a decolonialidade do ser, do saber e do poder é um desafio só, integrado, e sua persecução
está na ação consciente, na vigilância constante. Como nos diz Nascimento (2017a), os
movimentos sociais nos oferecem novos modos de pensar, novas agendas e novos
desafios, inclusive o desafio da representação: já não há espaço para uma academia que
se arvore a pretender representar esse outro, e assim a autorrepresentação se impõe e nos
impõe limites que devemos aprender a compreender e respeitar. A universidade deve
deixar de ser “o fim do conhecimento produzido”, passando a assumir-se como “meio”.
Se por um lado o desafio decolonial impõe novos limites à nossa atuação como
intelectuais, por outro estende limites que têm sempre reduzido as nossas possibilidades
de ação no mundo. É verdade que isso põe em xeque nosso protagonismo, e o que poderia
mais bem sinalizar o sucesso de nossa crítica que nos pôr em movimento?
IV
Em resumo, então, uma virada decolonial nos estudos críticos do discurso pressupõe uma
postura que inclui:
1. Reconhecer nas teorias do Norte global o que elas são de fato: teorias
territorializadas como quaisquer outras, que não são universalmente válidas ou
intrinsecamente superiores.
2. Reconhecer que todo conhecimento é localizado e toda teoria deve ser
contextualizada para tornar-se útil.
3. Interessar-se pelo conhecimento produzido localmente e reconhecê-lo em sua
potência explicativa.
4. Reconhecer que ocupamos um espaço academicamente subalterno, e reagir a isso.
5. Desconfiar da soberba do conhecimento científico, mantendo-se alerta ao
conhecimento produzido em outros campos.
Os itens em 1, 2 e 3 referem-se ao esforço de decolonizar o saber, e essa parece ser uma
tomada de consciência necessária a toda a academia periférica. O item 4 decorre desse
reconhecimento, e pode servir de impulso para decolonizar o ser. O item 5, por fim,
carrega a potência de uma mudança nos modos de fazer ciência e de pôr-se em diálogo;
por isso, na seara da ação acadêmica, refere uma possibilidade de decolonizar o poder.
Conferência apresentada no XII Congresso Internacional da ALED.
Universidad Católica - Santiago do Chile, 18 de outubro de 2017

Trata-se, no campo dos discursos, de recusar universalidades; no campo dos estilos, de


recusar o papel subalterno e de reconhecer humildemente as alteridades, e no campo dos
gêneros, trata-se de falar outra língua, de livrar-se do jargão tanto quanto possível, de
transitar outros espaços discursivos, de empreender autoria coletiva.
A decolonização do saber, do poder e do ser no que se refere especificamente aos
estudos críticos do discurso e de modo mais geral às universidades latino-americanas
implica três caminhos convergentes de reconhecimento. Devemos reconhecer nossas
capacidades de saber e construir conhecimento válido, reivindicando a capacidade
situada de pensar e conhecer, e a territorialidade de todo conhecimento humano. Também
precisamos reconhecer o poder de assumir posição crítica frente ao conhecimento
universalizado, reivindicando a potência explanatória do empreendimento analítico-
discursivo bem assentado no espaço-tempo. E, ainda, devemos conquistar o espaço de ser
pesquisadores crítico-discursivos sem por isso ver-nos acima ou ao largo das situações de
dominação e opressão que nos importa superar, estabelecendo relações de sujeito a
sujeito, o que tem implicações sobre nosso ser no mundo e nossa identificação pela
linguagem.
Tenho dito, a respeito da análise de discurso crítica, que se queremos realizar o
potencial de transformação social que atribuímos a nosso trabalho, precisamos aprender
a falar outra língua, mais acessível a outras especialidades acadêmicas, favorecendo a
interdisciplinaridade, mas principalmente mais acessível a outros grupos sociais, além
daqueles organizados em torno da universidade. Também é importante enfrentar o desafio
de saber ouvir. É curioso que para nós, estudiosas da linguagem, o desafio da interlocução
se coloque de forma tão importante quando decidimos que fazer apenas ciência não é o
suficiente. É preciso construir outro estilo de linguagem, equalizar diferenças,
respeitando-as, compreender capacidades e interesses, respeitar agendas e horizontes,
abrir-se para essa comunhão de sentidos, construção de sentidos, transformação de
sentidos.
Por isso a educação é peça fundamental. Uma vez que a submissão ao
conhecimento considerado universalmente válido é ensinada e aprendida na universidade,
é aí que precisa ser desconstruída, o que fomentará novas relações de poder-saber, e um
novo posicionar-se na política do conhecimento. O poder da criatividade teórica e da
inovação analítica é desafio a se construir no interior da mesma instituição que por longo
Conferência apresentada no XII Congresso Internacional da ALED.
Universidad Católica - Santiago do Chile, 18 de outubro de 2017

tempo nos tem ensinado a não criar e não inovar. Trata-se, então, da subversão de práticas
pedagógicas, o que nos põe nas mãos novos desafios.
Sabemos por premissa teórica nos estudos do discurso que o saber, o poder e o ser
estão em relação de constituição mútua. Os discursos sobre a prática, a partir dos quais
compreendemos a prática, relacionam-se aos poderes que ativamos em relação à mesma
prática e aos modos como com ela nos identificamos e somos. Daí a crença na cadeia
transformacional que se pode engendrar a partir do saber, a partir dos discursos sobre a
prática acadêmica e sobre o ser acadêmica: decolonizar as crenças que limitam as relações
horizontais entre saberes é um passo em direção à ecologia de saberes; decolonizar as
crenças que limitam a potência é um passo em direção à potência. Eu creio que a crítica
radical tem de guardar também ingenuidade, porque só o ingênuo é capaz de crer no
utópico a ponto de realizá-lo.

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