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Análise aprofundada aos aspetos do

ato administrativo
Filipe Laurentino da Silva
O aspeto da «decisão»
É necessário serem feitas algumas considerações quanto à caracterização de um ato
administrativo como uma decisão

O ato administrativo caracteriza-se por ser uma conduta voluntária, sendo, portanto, um ato
em sentido próprio. Assim sendo ficam excluídos do conceito de ato administrativo os factos
naturais, (ainda que sejam juridicamente relevantes), os factos jurídicos (ainda que o Direito
lhes associe efeitos) e os comportamentos humanos não voluntários. A voluntariedade não
pode ser entendida do mesmo modo relativamente a todos os atos administrativos, tendo
diferentes alcances quer se esteja perante a margem de livre decisão ou perante uma
vinculação ou ainda consoante o âmbito e a extensão da liberdade que é legalmente conferida
à administração para a produção do ato. A crescente informatização da atividade
administrativa já ultrapassou o âmbito da organização e do funcionamento interno do aparelho
da administração pública para se projetar na própria formulação de decisões com carater
vinculativo para os cidadãos. Sendo certo que nem toda a atividade administrativa
informaticamente produzida pode ser reconduzida à noção de ato administrativo, também é
certo que a qualificação como ato administrativo não se pode basear apenas no aspeto da
voluntariedade. Através de uma decisão administrativa informatizada existe necessariamente
uma conduta humana voluntária manifestada através de um programa de computador. A
decisão para ser produzida necessita que estejam preenchidos os vários pressupostos. Na
medida em que estejam preenchidos, produz-se um ato administrativo, seja ele informatizado
ou não. Com isto pode dizer-se que as decisões administrativas produzidas e reveladas
constituem-se como atos administrativos. No que toca ainda ao campo informático, importa
referir que o CPA mostrou alguma relutância quanto ao facto da manifestação de um ato
administrativo processar-se por via informática.

O ato administrativo é um ato positivo, logo não se podem dizer que existem atos
administrativos por omissão. No máximo uma omissão poderia representar a decisão de não
agir. Ainda que a lei associe às omissões o regime substantivo ou processual do ato
administrativo elas não se constituem como tal. A doutrina abre ma exceção no que toca ao
ato tácito. O ato administrativo é também um ato imaterial. A utilização legal da expressão
«decisão» remete para uma realidade abstrata, portanto não se denota a existência de atos
administrativos no mundo físico. Atos imateriais não fazem parte do conceito de ato
administrativo. O ato administrativo é também um ato unilateral. Esta característica permite
distinguir o ato administrativo do contrato, que é bilateral. Importa fazer uma ressalva dado
que os critérios utilizados para caracterizar um ato jurídico como bilateral ou unilateral no
direto administrativo são diferentes dos que se utilizem no direito privado. Mediante os
critérios de direito privado, os atos administrativos praticados sob requerimento do particular
(como as autorizações e as licenças) e os atos administrativos que necessitam de ser aceites
pelos destinatários seriam considerados como contrato, pois os binómios
requerimento/deferimento e decisão/aceitação seriam reconduzidos ao binómio
proposta/aceitação, sendo uma estrutura que define o contrato. Mas em contrapartida, no
direito administrativo, a circunstância de um ato administrativo só poder ser emitido mediante
solicitação do interessado não obsta ao seu carácter unilateral, uma vez que a solicitação é
apenas vista como um pressuposto do ato e não como parte da sua estrutura. Do mesmo
modo, considera-se que os atos administrativos que necessitam de aceitação por parte dos
destinatários já estão “perfeitos” no momento anterior à aceitação, que é vista como um
aspeto extrínseco do ato em causa. Assim, quer o requerimento para a emissão de um ato
administrativo, quer a aceitação de um ato administrativo, não são constitutivos de tais atos
administrativos (embora sejam requisitos de validade e de eficácia). Certos efeitos jurídicos
podem ser obtidos de forma indiferente quer através de ato administrativo, quer através de
contrato administrativo: assim, uma concessão pode operar através de um ato administrativo,
estando neste caso dependente de iniciativa particular ou então pode operar por contrato
administrativo, sendo que aí temos uma dupla iniciativa do particular e da Administração. A
investidura de alguém na qualidade de funcionário público pode operar mediante ato
administrativo de nomeação, estando este ato sujeito a aceitação do destinatário do cargo ou
mediante contrato administrativo de provimento, em que a vontade de ambas as partes
assume carácter constitutivo.

O ato administrativo tem um conteúdo e visa a produção de efeitos jurídicos próprios. Mesmo
os atos integrativos, sendo atos que visam conferir eficácia a atos anteriores, não podem ser
considerados atos puramente instrumentais do ato integrado. Possuem em vez disso um
sentido autónomo. No caso de concordância expressa mediante aprovação ou visto que
provenha de um órgão supraordenado ou de controlo o ato tem um alcance que ultrapassa a
mera repetição do ato aprovado, exprimindo uma intenção que se pode considerar diversa. Os
atos confirmativos suprem um défice da função estabilizadora dos atos confirmados,
decorrente de uma intrínseca falta de capacidade para produzirem por si efeitos permanentes.
Com isto é possível distinguir os atos administrativos das simples atuações administrativas, que
não visam a produção de efeitos jurídicos próprios e são puramente instrumentais em relação
a outros atos jurídicos. O artigo 148 CPA define o ato administrativo como sendo uma decisão
e não como se fosse uma regulação de um determinado campo jurídico material. Enquanto
que a terminologia da lei alemã aponta para um conceito mais restrito que abrange
fundamentalmente as decisões que constituem, modificam ou extinguem situações jurídicas, a
terminologia utilizada na lei portuguesa implica apenas o caráter voluntário, positivo, imaterial
e unilateral do ato administrativo, permitindo qualificar como ato administrativo as decisões
que produzam efeitos jurídicos de qualquer tipo

O aspeto «órgãos da administração»


. Na caracterização que o artigo 148º faz do ato administrativo considera que ele é pertencente
a um órgão da administração pública, pressupondo necessariamente outro aspeto, consistindo
este de que se trata de um ato da função administrativa. É ponto assente que o ato
administrativo é um ato da administração, quer em sentido orgânico, quer em sentido material.
Traduz o exercício da função administrativa do Estado por um órgão de uma pessoa coletiva
integrada de forma orgânica na Administração Pública. Importa referir que estes dois aspetos
são cumulativos. A noção de administração pública em sentido orgânico para efeitos definição
do conceito de ato administrativo não apresenta qualquer especialidade. Os órgãos da
administração pública que têm capacidade para produzir um ato administrativo são o Governo
e órgãos dele dependentes, os órgãos dos Institutos Públicos, das empresas públicas, dos
privados em exercício de funções públicas (concessionários), Regiões Autónomas, as
Autarquias Locais, das associações públicas e das universidades públicas, bem como os órgãos
da administração independente. Se o ato administrativo é praticado por um órgão da
Administração Pública em sentido orgânico, ficam excluídos do conceito atos que se baseiam
em usurpações da função administrativa. Também os atos de privados que não estão
integrados de forma orgânica na Administração Pública não são atos administrativos, ainda que
conexos com a atividade administrativa e podem existir também atos de privados integrados na
administração pública que não correspondam ao exercício da função administrativa. Quer
estejamos pessoas coletivas públicas ou privadas que exerçam a função administrativa
(mediante poderes de autoridade ou não) as normas de direito administrativo são diretamente
aplicáveis a elas, uma vez que o direito administrativo é o direto comum da função
administrativa. Na fronteira do conceito de ato administrativo (mas situado fora dele)
destacam-se ainda os atos em matéria administrativa, constituindo-se estes em decisões que,
ao abrigo de normas de direito público , visam a produção de efeitos jurídicos em situações
individuais e concretas, praticados no exercício da função administrativa, mas a nível
instrumental, e por órgãos que estão integrados nos poderes político, legislativo e jurisdicional.
A grande questão quanto a estes atos materialmente administrativos praticados por órgãos
integrados nos 3 poderes do Estado centra-se no facto de os respetivos serviços estarem
organizados e funcionarem em termos similares aos serviços administrativos (têm corpos de
funcionários próprios estruturados em cadeias hierárquicas representadas nos respetivos
órgãos e atuam de modo procedimental. Como exemplo destes atos temos os atos unilaterais e
não normativos do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República e dos
tribunais que contenham ordens de serviço, delegação de poderes, classificações/ promoções
de funcionários e penas disciplinares.

Uma vez que o ato administrativo corresponde ao exercício da função administrativa, é


evidente que não podem ser considerados como atos desse tipo os atos do poder legislativo e
judicial, ou até mesmo o exercício da função política. A referência a esta limitação foca-se
numa atuação que seja praticada por um órgão da administração pública, como sucede com os
atos políticos e legislativos do governo. No limite do conceito do ato administrativo podem
estar os atos administrativos judicativos, que são atos de natureza híbrida administrativa e
jurisdicional mediantes os quais os órgãos administrativos acabam por exercer a função
jurisdicional em zonas de reserva relativa de jurisdição (confronto entre reserva de
administração e reserva jurisdicional

Aspeto «ao abrigo de normas de direito público».


Esta expressão desapareceu do CPA tendo sido substituída pela expressão «no exercício de
poderes jurídico-administrativos». A ideia que está detrás desta expressão pretende
demonstrar a importância e a natureza dos poderes que devem ser exercidos para se
considerar que estamos perante um ato administrativo. A expressão antiga (proveniente do ex
artigo 120º CPA dava ênfase à noção de gestão pública e que portanto, implicava uma primazia
do interesse público sobre os interesses privados com ele em conflito. Considerava o ex artigo
que os atos de gestão privada da administração não eram atos administrativos, ainda que
fossem unilaterais, individuais e concretos. O exercício de poderes jurídico-públicos está
intrinsecamente ligado às normas de direito público, pois são elas que fundamentam esta
poder, não esquecendo ainda as normas constitucionais, também elas da maior relevância no
que toca à atuação administrativa

Aspeto «que visem produzir efeitos jurídicos».


O ato administrativo é um ato jurídico que vez que visa produzir efeitos. O artigo 148º CPA não
considera o ato administrativo como um ato regulador. Apesar disso é claro neste artigo que os
efeitos jurídicos que o ato visa produzir abrangem toda e qualquer modificação na ordem
jurídica existente, não se resumindo apenas à constituição, modificação ou extinção de
situações jurídicas. Por exemplo, são atos administrativos as declarações de inexistência,
nulidade e caducidade, que têm por função eliminar as dúvidas e a incerteza que rodeava a
existência do ato, bem como a sua validade ou vigência. Pense-se nos atos administrativos
certificativos, que demonstram com força probatória determinados factos ou situações
jurídicas, que passam apenas a poder ser impugnados com base na falsidade do ato que os
certifica. O artigo 44º nº2 CPA assenta no pressuposto que os atos certificativos são atos
administrativos. Temos também os atos de esclarecimento que eliminam duvidas previamente
existente acerca do sentido de atos anteriores, da verificação de factos ou da configuração
situações e regimes jurídicos. Os atos confirmativos também são atos administrativos, pois
conferem estabilidade a tos anteriores que dela careciam ou cuja subsistência tenha sido
questionada. Até os atos preparatórios que contenham decisões são considerados atos
administrativos para efeitos do 148º CPA (podendo ser atos que determinam a abertura de
procedimento, a fixação e a prorrogação de prazos, a comparência de pessoas, a entrega de
coisas, solicitação de pareceres ou realização de outras diligências. Por fim importa referir os
atos de execução como sendo também considerados atos administrativos, visto que possuem
um conteúdo e produzem efeitos jurídicos autónomos em relação ao ato que visam executar. A
função estabilizadora do ato administrativo é particularmente visível nas declarações de
inexistência, nulidade e caducidade tanto nos atos certificativos, como nos atos de
esclarecimento ou como nos atos confirmativos. Não integram pelo contrário, o conceito de
ato administrativo aqueles atos a que não seja possível imputar-lhes efeitos jurídicos ou que
produzam efeitos jurídicos meramente instrumentais

Aspeto «situação individual e concreta»


Os efeitos que o ato administrativo visa produzir têm por objeto uma situação individual e
concreta, o que significa que duas coisas são determináveis à partida: quer os destinatários do
ato, quer as situações de facto a que se aplica. É necessário referir que o ato administrativo não
tem conteúdo normativo, característica basilar que o diferencia do regulamento. Na maior
parte dos casos não existem na verdade problemas de qualificação de atos jurídicos da
administração como normativos ou não normativos, mas existem algumas situações de
fronteira que devem ser referidas (é o caso dos atos coletivos, atos plurais e atos gerais

Os atos coletivos (afeta uma colectividade) têm apenas um único destinatário que se
caracteriza por ser subjetivamente complexo, produzindo efeitos em relação a todos os sujeitos
individualmente considerado que integrem esse sujeito mais abrangente. Exemplo típico de um
ato coletivo é o da dissolução de um órgão colegial. Por força da dissolução, todos os titulares
do órgão colegial perdem tal qualidade, mas não são eles os destinatários do ato: quem é o
verdadeiro destinatário é órgão globalmente considerado. Os atos coletivos são individuais e
por isso, administrativos. Em contrapartida, Professor Freitas do Amaral entende que estes atos
são gerais.

Os atos plurais são conjuntos de atos que produzem efeitos idênticos em relação a uma
pluralidade de pessoas, mas que por questões de economia e de eficiência procedimentais são
manifestados numa única exteriorização. Exemplos destes atos são o despacho que contém a
requisição de vários funcionários para integrarem uma estrutura de missão (28ºnº4 LOADE) ou
uma portaria que fixa os preços ou tarifas de venda de água a um município. Tanto um ato
como outro integram a nível instrumental uma pluralidade de atos administrativos reunidos
apenas num, que os agrega. Nestes casos, o destinatário da norma não é apenas determinável,
como também é determinado

Os atos gerais são atos dirigidos a um conjunto inorgânico de pessoas, delimitados através da
utilização de características genéricas. Por isso, os destinatários são indeterminados, mas
determináveis no contexto em causa que os atos são praticados. Um exemplo de ato geral é a
determinação, dirigida a empresas farmacêuticas ou a uma farmácia, da apreensão e
destruição de embalagens existentes no mercado de um medicamento perigoso. Este ato tem
um carácter concreto bastante visível, mas os seus destinatários são identificados com recurso
a categorias genéricas, sendo que a qualificação como ato individual ou geral é mais difícil do
que nos casos anteriores. Contudo, isso não tornaria impossível que o autor do ato pudesse
identificar individualmente os seus destinatários, dirigindo uma ordem a apenas cada um
deles, o que acabaria por demonstrar a determinabilidade dos destinatários no contexto em
que o ato foi praticado. Tendo em conta isto, importa ainda dizer que os atos gerais são
também atos individuais, e por isso, atos administrativos.

Dos verdadeiros atos administrativos gerais devem distinguir-se outros, como os sinais de
trânsito, que por sua vez são erroneamente considerados como tal. Trata-se atos de carácter
regulamentar (ou seja, são gerais e abstratos) na medida em que são indetermináveis, quer os
seus destinatários quer as situações de facto a que se aplicam

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