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Com o fim da Guerra da Paraguai (1864 – 1870), quando um número¹ ainda desconhecido
de combatentes negros escravizados defendeu o exército brasileiro durante o conflito, e por
representarem os interesses da monarquia nos campos de batalha conseguiram suas cartas
de alforria; e com a promulgação da Lei do Ventre Livre (1871), em um curto período de
tempo o número de negros alforriados e libertos aumentou consideravelmente no Brasil. Ao
mesmo tempo em que, com o fim do tráfico negreiro, os donos de engenhos de açúcar em
decadência no Nordeste passaram a vender os seus cativos para os barões do café do Vale
do Paraíba e de Minas Gerias, resultando na maior migração forçada de pessoas em toda a
história brasileira. Estima-se que, entre 1864 e 1874, a população escrava nas regiões
cafeeiras saltou de 645 mil para 809 mil, o que contribui e muito para que um enorme
contingente de negros (escravos, ex-escravos e mestiços livres) passasse a habitar as áreas
rurais e os centros urbanos da região sudeste do país.
Políticos do império, temerários por essa alta concentração de negros no sudeste brasileiro,
viam na movimentação o estopim para rebeliões e fugas na região. Previsões que se
confirmaram com o inicio da campanha abolicionista, na década de 1880, promovida, em
especial, pela Confederação Abolicionista de André Rebouças (1838 – 1898) e José do
Patrocínio (1854 – 1905).
Os abolicionistas ajudaram na libertação e na fuga de muitos escravos de São Paulo e Rio
de Janeiro, em ação semelhante à de jangadeiros do Nordeste. Os fugitivos formavam
quilombos ao invadir terras e fazendas abandonadas próximas aos núcleos urbanos,
ameaçando a sociedade escravista que tinha receio desta proximidade entre a elite branca e
os negros.
O medo de uma grande rebelião escrava foi comentado pela historiadora Célia Marinho de
Azevedo (1987), que concluiu em sua obra Onda Negra, medo Branco: o Negro no
Imaginário das Elites – Século XIX (1ª edição – 2005), que a pressão política para o fim da
escravidão estava relacionada ao receio de uma revolta de negros semelhante aos embates
no Haiti.
No meio urbano, os negros que permaneciam escravos prestavam serviços nas casas de
veraneio dos Barões do Café, como escravos domésticos ou alugados (de ganho) para
outros senhores. Muitos deles adquiriram sua liberdade ao pagar pelas alforrias com a
prestação de serviços aos comerciantes, principalmente na Corte do Rio de Janeiro.
Na Corte e nos arredores da cidade, muitos desses ex-escravos, porém, não encontravam
moradia fixa ou acolhida pela população local. Somente as irmandades de negros como os
de Nossa Senhora do Rosário, de Santa Efigênia e de São Benedito prestavam assistência
aos ex-escravos que se instalavam nas redondezas das igrejas.
A população urbana vivia em constante apreensão com estes grupos que adentravam a corte
e se integravam as maltas de capoeiras².
Os Nagóas integravam os africanos que vieram da Costa dos Escravos (região nordeste da
África) para a região sudeste através do tráfico interprovincial, enquanto os Guaiamús
viviam na região portuária fluminense.
Estes grupos se confrontavam entre si nas ruas da cidade do Rio de Janeiro durante o
período de crise na sociedade escravista, ou seja, entre os anos de 1850, com o fim do
tráfico negreiro estabelecido pela Lei Eusébio de Queirós (1850) até o advento da
República, em 1889. Essa crise surgiu diante do dilema de libertar os escravos ou prorrogar
o regime escravista por alguns anos. Os conflitos ideológicos e a disputa entre os partidos
sobre a emancipação escrava gerou o aliciamento de maltas de capoeiras. O recrutamento
era feito de acordo com os interesses políticos da região a qual pertenciam os negros e
mestiços na cidade do Rio de Janeiro.
A violência das maltas foi apoiada por grupos e membros dos partidos Conservador e
Liberal, que se utilizavam das mesmas como milícias armadas para assassinar inimigos
pessoais e desafetos políticos.
Os Nagóas eram protegidos por membros do Partido Conservador, que recrutavam estes
bandos para invadir residências, lojas comerciais ou jornais abolicionistas Já os Guaiamús
eram apoiados pelos liberais e depois escolhidos como guardas costas de políticos contra as
ameaças de membros do Partido Conservador.
Para ilustrar este domínio, na década de 1870, Soares³ – conta que o controle das ruas do
Rio de Janeiro era dividido entre as milícias de capoeiras que repartiam entre si o domínio
das zonas urbanas e rurais, conforme o domicilio e o local de trabalho de negros, escravos
de ganho e libertos. Essas milícias recebiam libertos que haviam atuado na Guerra do
Paraguai e retornado em 1870 com patentes do exército, mas sem prestigio social.
Relatos de documentos da época apontam que os grupos que lutavam capoeira na área de
Mata Atlântica e morros da zona portuária pertenciam ao grupo Nagóa, enquanto os
Guaiamús se concentravam nas áreas residenciais e no centro da Corte Imperial.
As maltas do grupo Nagóa habitavam em áreas de chácaras e grandes sítios que ocupavam a
parte rural da cidade do império, pois eram em sua maioria escravos ou prestavam serviços
como negros de ganho no centro. Seu domínio se estendia da região do Glória até os limites
do Campo do Santana, e seus membros eram divididos pelos bairros e freguesias conforme
o local em que residiam. Por exemplo, a malta Cadeira da Senhora controlava a região do
Santana e a Flor da Gente exercia seu domínio sobre a freguesia do Glória.
Os Guaiamús tinham seu território restrito ao centro comercial, periferia e portos perto da
orla marítima, como o Morro da Providência e do São Bento, cujo limite natural ia do Largo
do Rocio (atual Praça Tiradentes) até uma parte do Campo do Santana. As maltas Três
Cachos, da freguesia de Santa Rita e Franciscanos, da freguesia de São Francisco de Paula,
eram as mais conhecidas dessa região.
Com o apoio de partidos políticos, o poder e repercussão das atividades destas maltas
cresceram em importância perante a imprensa carioca que passou a escrever em seus
periódicos os distúrbios provocados pelos capoeiristas, a violência e a rivalidade entre os
grupos. Segundo a imprensa, os Guaiamús e os Nagóas pretendiam dominar todo o meio
urbano carioca com a conivência da elite política. Para coibir suas ações, a delegacia da
Freguesia do Glória incorporava capoeiras como integrantes da força policial para controle
da região.
Por isso, os crimes das maltas eram destaque nos jornais que atribuíam aos negros ou
brancos, de descendência portuguesa, a pratica da violência associada à capoeira e a
responsabilidade das mesmas pelo aumento da criminalidade urbana.
Dessa união surgiu a Guarda Negra da Redentora. E o início de uma campanha para dar aos
ex-escravos educação e alfabetização para se adaptarem a liberdade e se integrarem a
sociedade. A integração seria pelo trabalho no comércio urbano ou nas áreas rurais como
assalariados, seguindo as orientações da Confederação Abolicionista.
Só que Patrocínio não pensava que essa inclusão deveria incorporar as impressões dos
negros em seu meio social. Uma vez que eles tiveram contato com esta sociedade no
cotidiano quando ainda eram escravos. Vale lembrar que os negros que integravam as
maltas já viviam no meio urbano seja como livres ou escravos. Também tiveram contato
com o meio político através dos interesses mútuos entre as maltas e os partidos. Para eles, a
abolição significava criar um partido político para eliminar à discriminação dos brancos e
promover o acesso a terra para os negros. Mesmo com a perspectiva de transformações
advindas com a promulgação da Lei Áurea, a condição social e econômica do negro não
mudou com a abolição. Seu status como cidadão só foi permitido através do controle
político e ideológico dos partidos no periodo de transição entre Monarquia e República.
Houve várias versões sobre a formação de milícias negras no Rio de Janeiro e em outras
províncias como Maranhão, Amazonas e Bahia. Algumas fontes também apontam para o
envolvimento de conservadores como Ferreira Viana, João Alfredo e de abolicionistas
como Patrocínio e Emile Rouéde com grupos de capoeiras.
Na formação da Guarda Negra, pós abolição, há relatos de dois grupos criados ou reunidos
por abolicionistas e membros do Partido Conservador. O primeiro foi reunido por Emile
Rouéde, em julho de 1888, na casa de amigos em que convidou os negros libertos do 13 de
maio para criar uma associação que representasse a submissão dos mesmos a sociedade
branca.
O segundo foi à milícia de brancos e negros alforriados reunidos pelo gabinete de João
Alfredo, que repetia a forma empregada pelo Partido Conservador, contra os inimigos
políticos do regime monárquico. O grupo deveria agir de forma clandestina para que
espalhasse o medo entre os adversários, permitindo ao Partido Conservador incorporar a
camada popular mais pobre a sua tutela.
A primeira versão dada sobre a origem do grupo foi narrada pelo escritor Oswaldo Orico⁴ –,
biógrafo de José Patrocínio. A Guarda Negra, para Orico, foi constituída a partir de um
grupo de negros apoiados por monarquistas que se reuniram para formar uma irmandade
negra, a Sociedade Recreativa Habitante da Lua, na região de Santana – reduto dos Nagóas.
Essa irmandade era formada por negros alforriados e, posteriormente, passou a aceitar
negros libertos pela Lei Áurea. Os dados mais precisos sobre essa irmandade sugerem que o
grupo dos Nagóas foram os elementos que formaram a Guarda Negra, por terem no passado
apoiado o Partido Conservador.
O grupo esperava o advento do terceiro reinado e deveria reagir a qualquer ameaça pessoal
à Princesa Isabel. O Isabelismomotivou o grupo a agregar novos adeptos quando a
irmandade mudou de nome para Sociedade Beneficente Isabel A Redentora, cujos dados
sobre a origem do grupo e seus membros ainda são ocultos.
Segundo Magalhães Junior (1976)⁵ – a formação da primeira versão da Guarda Negra foi
iniciativa não de José do Patrocínio, mas do abolicionista e monarquista Manuel Maria
Beaurepaire Pinto Peixoto. Magalhães Júnior explica que os republicanos ficaram
indignados pelo aliciamento de homens de cor (negros) para engrossar as hostes
monarquistas e insinuavam que a Guarda Negra estava ligada ao ministro da Justiça,
Ferreira Viana, com total apoio de João Alfredo.
Para Maria Lúcia Rangel Ricci (1990)⁶ – os idealizadores da Guarda Negra foram os
abolicionistas mais exaltados, como José do Patrocínio, que queriam combater a influência
do Partido Republicano perante a população do Rio de Janeiro. Patrocínio queria que a
ideologia de proteção à Redentora Isabel, construída por esse grupo, se estendesse para as
demais províncias do Império.
A Guarda Negra, segundo Robert Daibert Júnior (2004)7 – foi uma milícia política com
ares religiosos. Seus membros comportavam-se como arruaceiros e tinham como principal
foco de ação desestabilizar as conferências republicanas.
Augusto Mattos (2009)8 – aponta que a Guarda Negra teve sua formação iniciada na casa
do abolicionista e monarquista Emilio Rouedé, em 10 de julho de 1888, com o total apoio
de José de Patrocínio, que se intitulou o criador e mentor do grupo.
Segundo Mattos, nos estatutos sobre o grupo, publicados em Cidade do Rio, os negros
escolhiam os membros de uma diretoria que autorizava admissão de novos integrantes.
Mattos ainda descreve os integrantes da Guarda Negra como negros alfabetizados que
tinham a missão de agregar outros ex-escravos para o grupo, sobre a proteção dos
abolicionistas.
Patrocínio solicitou o apoio da Confederação Abolicionista à Guarda Negra, para que suas
idéias fossem divulgadas nas demais províncias do Brasil para o que contava também com o
apoio da imprensa. Os republicanos por sua vez não aceitaram a formação de milícia
armadas apoiadas por abolicionistas e o Isabelismo de Patrocínio, e em seus jornais
como Província de São Paulo, Gazeta da Tarde e O Paiz criticavam a postura da
Confederação Abolicionista de aceitar semelhante ideia e apoiar o fanatismo de Patrocínio.
A cisão dentro do próprio Partido Republicano levou à formação de dois grupos. Um deles
pregava que a República teria êxito com a participação dos militares e o outro,
principalmente o do Rio de Janeiro, queria o apoio popular.
Com o fim da aliança entre Patrocínio e o Partido Conservador, o jornal Cidade do Rio se
torna alvo constante de ataques dos republicanos, e entra numa crise interna. O apoio ao
gabinete de João Alfredo foi justificado por Patrocínio como gratidão pela Abolição. Com a
queda do mesmo e diante das reformas propostas por D. Pedro II, ao retornar da Europa, em
agosto de 1889, não havia razão para continuar seu apoio à Monarquia.
Essa atitude levou à reestruturação do jornal Cidade do Rio, que perdeu velhos
colaboradores. A crise no jornal leva à saída do redator chefe, Bandeira Júnior, em 12 de
junho de 1889.
Neste período, as maltas de capoeiras iam sendo dissolvidas pouco a pouco, por causa da
repressão e do aumento das prisões, após os distúrbios de 14 de julho. Osvaldo Orico diz
que “o golpe militar de 15 de novembro operou o milagre desejado: sacudiu o alicerce e fez
desabar a cariótide negra que devia servir de coluna mestra ao advento do terceiro reinado”.
Também o afastamento do Partido Conservador que apoiavam as maltas enfraqueceu o
poder que os grupos tinham nas ruas da cidade. Somente um ataque da Guarda Negra
ocorreu após o 14 de julho. Foi o atentado contra o redator do jornal Arquivo
Contemporâneo Ilustrado, Castro Soromenho, em agosto de 1889.
Desde o último ataque aos comícios republicanos não houve mais nenhuma ocorrência
violenta do grupo nas ruas do Rio de Janeiro que fosse relatada pela imprensa. Houve, de
fato, uma total desarticulação das maltas com a repressão imposta pela policia e pelo
Gabinete Ouro Preto, devido as criticas da imprensa á violência dos capoeiras.
A segurança e a ordem eram necessárias nas ruas da capital do Rio de Janeiro. O exército
foi posto nas ruas para evitar badernas e motins de monarquistas descontentes com o
banimento da família Imperial.
O advento da República foi o inicio do banimento das maltas para as prisões na Ilha
de Fernando de Noronha. O principal responsável por esta repressão foi o chefe de policia
João Batista Sampaio Ferraz, advogado e promotor de justiça em casos que envolviam as
capoeiras, além de ser membro do Partido Republicano. Ele foi redator de jornais como A
República e O Paiz até ser nomeado como chefe da policia da corte. Sua tarefa era manter
as ruas da cidade seguras e evitar atos violentos por parte da população carioca.
A ação policial contra as maltas durou entre 1889 a 1890 com inúmeras deportações como
forma de impedir a intervenção do Partido Conservador (extinto) e de políticos que
apoiavam os capoeiras. Uma dessas prisões foi a de Fernão Diogo vulgo Diogo da Lapa ou
Diogo Francisco de Oliveira que participou da Guarda Negra do largo da Lapa assim como
de dez capoeiras no bairro do Santana em meados de dezembro de 1889.
Essa ação tinha o intuito de desarticular os grupos e por fim ao domínio das maltas na
cidade do Rio de Janeiro a partir de 1890. Isso foi somente o inicio de ações que visou o
banimento das maltas e o fim da criminalidade atribuída a capoeira nas ruas do Rio de
Janeiro durante toda a República Velha.
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