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Carlos Augusto da Rocha Freire

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA PRODUTORA CULTURAL

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Carlos Augusto da Rocha Freire
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Freire, Carlos Augusto da Rocha

F866r Rondon: a construção do Brasil e a causa indígena. / Carlos


Imagem de capa
Augusto da Rocha Freire. – Brasília : Abravideo, 2009.
Rondon apresenta um relógio aos índios Kahyana/Cena do
ISBN 978-85-61467-05-0
filme Parima | Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do Índio/
1. Cândido Rondon. 2. Linhas telegráficas. 3. História do Funai
Brasil. 4 Indigenismo. I Título.

CDD 918.1
Sumário
Apresentação 5
Introdução 7
Rondon 9
O que era o Positivismo? 10
O Positivismo no Brasil 11
Rondon e o Positivismo 13
A linha telegráfica de Cuiabá ao Araguaia 16
A comissão de linhas telegráficas em Mato Grosso (1900-1906) 22
A Comissão Rondon (1907-1915) 34
A expedição científica Roosevelt-Rondon 58
Os trabalhadores das linhas telegráficas 62
Os cientistas da Comissão Rondon 66
Rondon e o spiltn 70
Rondon e as revoltas militares de 1924-25 80
A inspeção de fronteiras 86
Revolução de 1930 94
A comissão mista de Letícia 96
Marcha para oeste 98
Cnpi 100
Rondon e as terras dos índios do Paraná 102
Escola Santa Claudina 105
O projeto do Parque Indígena do Xingu 106
Rondon e o caso Diacuí 109
Museu do índio 113
A consagração 116
Prêmio Nobel da Paz 121
Falecimento 122
Homenagens póstumas 125
A funai e o indigenismo do estado brasileiro 126
Projeto Rondon 126
Cronologia – Cândido Mariano da Silva Rondon 129
Pranto geral dos índios 132
Apresentação
Neste ano, em sua 12.ª edição, o Projeto Memória homenageia Cândido Mariano da Silva
Rondon, o Marechal Rondon, um dos mais importantes nomes na defesa da questão indígena
e da integração nacional. Com a missão de trabalhar no desenvolvimento da infraestrutura no
País, Rondon abraçou a defesa dos Direitos Humanos e lutou pelo respeito e pela proteção
dos povos indígenas brasileiros. Assim, o projeto, mais uma vez, resgata e valoriza a história
de um personagem pouco lembrado e pouco estudado, cujo nome deu origem à denominação
do Estado de Rondônia.
Todo o trabalho desenvolvido pelo Projeto Memória baseia-se em dados históricos – livros,
documentos e iconografia. São feitas pesquisas em importantes acervos documentais. Com
seriedade e comprometimento com uma informação de qualidade, espera-se que o público
aprenda mais sobre o homenageado.
A questão indígena, por exemplo, esteve e está sempre em voga, presente na mídia,
nas discussões políticas e acadêmicas, entre índios e não índios. Rondon, por sua vez, era
descendente de índios Guaná, Terena e Bororo. Nascido em maio de 1865, em Mimoso,
próximo a Cuiabá, nunca deixou de lutar por seus ideais. Aos sete anos, mudou-se para
Cuiabá, onde tornou-se soldado, com a intenção de cursar a Escola Militar da Praia Vermelha
no Rio de Janeiro.
Em 1884, matriculou-se na Escola Militar; no ano seguinte, ingressou na Escola Superior
de Guerra, onde, em 1890, tornou-se engenheiro-militar e bacharel em Matemática e Ciências
Físicas e Naturais. Formava, assim, a base para sua história. O segundo passo foi a adesão
ao Positivismo e aos ideais republicanos. Foi com essa bagagem ideológica e cultural que,
em 1889, foi trabalhar na construção da linha telegráfica que ia de Cuiabá ao Araguaia. A partir
daí, Rondon também desenvolveu seu interesse e suas habilidades na pacificação e defesa
dos índios.
No início do século XX, chefiou a Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato
Grosso ao Amazonas, denominada Comissão Rondon. Em sua companhia, seguiram cientistas,
pesquisadores e fotógrafos, que catalogaram espécies animais e vegetais e realizaram
levantamentos cartográficos e geográficos.
Um pouco de toda essa história pode ser visto aqui, no livro fotobiográfico, uma das cinco
peças do Projeto Memória, interligadas à mesma temática e distribuídas em alcance nacional:
videodocumentário, conjunto pedagógico (Almanaque Histórico, Guia do Professor e DVD-
ROM), exposição itinerante e sítio na internet www.fundacaobancodobrasil.org.br (Programas
e Ações/Educação/Projeto Memória).
O Projeto Memória 2009 é uma parceria entre a Fundação Banco do Brasil e a Sociedade de
Amigos do Museu do Índio (SAMI) e traz à tona histórias de valorização do cidadão brasileiro
e de defesa dos Direitos Humanos, direitos que devem ser iguais para todos.
Introdução
O alvorecer do ano de 1865 via o exército paraguaio invadir a vila de Corumbá, na Província de Mato
Grosso. Desde novembro de 1864, o Paraguai agredia o Brasil naquela região. Com grande facilidade,
diante de uma Província pouco povoada, com escassas defesas militares e sem comunicação telegráfica
com a Corte, o exército paraguaio avançava sobre o sul de Mato Grosso, saqueando propriedades e
afugentando a população brasileira.
O conflito estabelecido envolvia inúmeros interesses políticos e econômicos em jogo e deu origem
à Guerra do Paraguai, que até hoje mobiliza interpretações polêmicas sobre a sua violência e as
consequências que atingiram todos os países nela envolvidos. Entretanto, o ano de 1865, na Província
de Mato Grosso, também ficaria marcado pelo nascimento de um personagem da nossa história.

Guerra do Paraguai. Esquadra e tropas de várias nações, 1866. | Cándido Lopez | Museu Nacional de Bellas Artes de B. Aires
Índios Terena trajando uniforme militar da Guerra do Paraguai | Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do Índio/Funai 7
Rondon
Descendente de índios Guaná, Terena e Bororo, Cândido Mariano da Silva nasceu a 5 de maio
de 1865, em Mimoso, distrito do Município de Santo Antônio de Leverger, próximo a Cuiabá (MT). O
sobrenome Rondon será acrescentado em 1890, em homenagem ao tio Manoel Rodrigues. Seu pai,
Cândido Mariano da Silva, morreu alguns meses antes do seu nascimento. Sua mãe, Claudina Lucas
Evangelista, faleceu quando Rondon tinha dois anos e meio de idade.
Rondon foi criado pelo avô materno, em Mimoso, até os sete anos, quando foi levado pelo tio Manoel
Rodrigues da Silva para estudar em Cuiabá.
No distrito de Mimoso, havia aprendido as primeiras letras. Em Cuiabá, após terminar o primário e
o curso normal, tornou-se soldado com a intenção de cursar a Escola Militar da Praia Vermelha no Rio
de Janeiro. Entretanto, já no Rio, precisou revalidar os exames da escola normal para ter acesso ao
curso superior. Finalmente, em 1884, matriculou-se na Escola Militar, sendo promovido, em 1888, a
alferes-aluno. No ano seguinte, foi transferido para a Escola Superior de Guerra, encerrando o curso de
Estado Maior e Engenharia em 1890. Promovido a tenente, formou-se engenheiro-militar e bacharel em
Matemática e Ciências Físicas e Naturais.
Rondon casou-se, em 1892, com Francisca Xavier, com quem teve sete filhos: Heloísa Aracy, Bernardo
Tito Benjamin, Clotilde Teresa, Marina Sylvia, Beatriz Emília, Maria de Molina e Branca Luiza.
Só é possível compreender sua trajetória, uma longa vida pública, se lembrarmos a influência que o
Positivismo teve em sua vida, direcionando suas iniciativas e sua visão de mundo.

Rondon com esposa, filhas, genro e netos | Acervo Maria Beatriz Rondon Amarante
O jovem Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai
A carreira militar | Alberto Brand | Acervo Museu do Índio/Funai 9
O que era o
Positivismo?
A doutrina positivista tinha por base a razão e o espírito científico. Seu criador, o filósofo francês
Auguste Comte, elaborou uma filosofia da história a partir de uma lei fundamental da evolução social.
Segundo Comte, haveria uma ordem social natural, tendo a experiência humana que passar por três
estados: a) o estado teológico, com três períodos, segundo o qual os índios do Brasil seriam associados
ao período fetichista; b) o estado metafísico; c) o estado positivo. No estado teológico, predominariam
as explicações sobrenaturais dos fenômenos físicos. No metafísico, a fé se sobreporia à razão, enquanto
no positivo, finalmente, prevaleceria o pensamento científico.
Comte prestigiava o estudo da Engenharia e da Matemática por indivíduos esclarecidos, uma elite
que dirigiria a sociedade ao progresso social. A doutrina positivista regeria o comportamento moral das
pessoas, valorizando a fraternidade humana.
Comte também criou a “Religião da Humanidade”, para difundir as ideias positivistas, levando
sentimento à ciência. A busca de um pacto entre classes sociais que associasse empresários e proletários
permitiria a unificação da sociedade na “humanidade”, substituindo Deus na crença dos positivistas.
A Religião da Humanidade destacou personalidades históricas, elaborou um calendário próprio e
valorizou as mulheres no culto religioso, veneradas por serem transmissoras das crenças positivistas. Na
França e no resto do mundo, inclusive no Brasil, o Positivismo dividiu seus seguidores entre os religiosos
10 e os que adotaram a parte científica de sua doutrina.
O Positivismo no Brasil
Dois positivistas brasileiros, Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, ao estudarem na França,
aproximaram-se dos positivistas religiosos deste país. De volta ao Brasil, instalaram, no Rio de Janeiro,
em 1881, uma Igreja Comtiana, o Apostolado Positivista do Brasil. Adaptando algumas determinações
dos positivistas franceses, os brasileiros do apostolado homenagearam patriarcas da história do Brasil,
como Tiradentes e José Bonifácio de Andrada e Silva.
Os positivistas queriam influenciar nossa história, agindo como um quadro técnico de vanguarda.
No plano político, atacavam a escravidão e propagandeavam o regime republicano – o caminho para o
progresso e o melhor regime de transição para a etapa positiva da humanidade.
Ao defender o progresso científico, a industrialização e a modernização do Brasil, o ideário positivista
alcançava as camadas médias urbanas, principalmente os militares, os engenheiros, os professores e
os médicos.
Para reformar o Brasil sem violência, a Igreja Positivista, por intermédio de artigos de opinião divulgados
na imprensa, desejava construir um projeto político baseado em um poder executivo centralizado num
ditador republicano, que governaria sem apoio parlamentar. O ditador contaria com o patriciado – uma
elite esclarecida –, que guiaria o proletariado para a sociedade positiva. Apesar do caráter hierárquico da
doutrina, os positivistas defendiam liberdades civis e religiosas, além do casamento e do Estado laico.
Os positivistas do Apostolado adotavam posturas rigorosas e seguiam um código moral extremamente
rígido. Após participarem da Proclamação da República, conseguiram influenciar algumas decisões do
novo regime, como a separação do Estado da Igreja Católica e a escolha dos novos símbolos cívicos,
principalmente a Bandeira Nacional. Entretanto, os projetos republicanos positivistas não predominaram
na primeira Constituição Republicana do Brasil (1891).
Miguel Lemos e Teixeira Mendes participavam dos mais importantes debates nacionais. Durante
a polêmica da campanha de vacinação obrigatória, posicionaram-se contra a iniciativa sanitária do
governo. Desde o projeto constitucional de 1891, argumentavam que os brasileiros tinham uma dívida a
ser saldada com os indígenas brasileiros. No final, a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), em
1910, foi um dos poucos projetos positivistas vitoriosos.

Auguste Comte (1798-1857) e Folheto positivista | Reprodução | Acervo Museu do Índio/Funai 11


12
Rondon e o Positivismo
Reconhecido como um dos grandes divulgadores do Positivismo no Brasil, Benjamin Constant foi
quem apresentou a doutrina a Rondon. Em 1885, Constant era professor de matemática na Academia
Militar, onde aproximou Rondon dos ideais republicanos. Num contexto em que as ideias positivistas
predominavam na academia, seus alunos se envolviam com o ensino científico, deixando em segundo
plano o aprendizado de técnicas militares.
Rondon começará a forjar aí sua visão de mundo, consolidada com a adesão ao Apostolado Positivista
em 1898. Sua geração de engenheiros-militares irá trabalhar no desenvolvimento da infraestrutura
do País. A subordinação à moral positivista para servir à Pátria e, consecutivamente, à família e à
humanidade encontrou, na transmissão do progresso científico, a contrapartida do comportamento
religioso. Ao acreditar nos benefícios do progresso, os positivistas defendiam a universalização de povos
e indivíduos. Assim, era preciso forjar a Pátria e estender o alcance do Brasil republicano, trabalhando
para a superação do estado metafísico.
O ataque ao Positivismo revelaria os adversários dos ideais rondonianos: o clero e os missionários, os
militares belicistas e os políticos católicos. A determinação pelo cumprimento do dever delimitaria seus
aliados: os oficiais positivistas das Comissões de Linhas Telegráficas, os cientistas naturalistas.
Em campo, o proselitismo positivista de Rondon revelava-se na compulsão cívica – hasteamento
diário da bandeira, canto do Hino Nacional, discursos comemorativos –, que promovia a integração
nacional, construindo o Brasil republicano.

Folhetos positivistas | Acervo Museu do Índio/Funai


Protótipo da Bandeira Nacional | Elizabete Braga | Acervo Igreja Positivista do Brasil 13
Escola Militar da Praia Vermelha, Rio de Janeiro | Marc Ferrez | Acervo Inst. Moreira Salles
Igreja Positivista do Brasil, Rio de Janeiro | Elizabete Braga
Benjamin Constant | Fundação Getúlio Vargas/CPDOC
A LINHA TELEGRÁFICA
DE CUIABÁ AO ARAGUAIA
Em dezembro de 1889, Rondon havia sido designado ajudante do major Antônio Ernesto Gomes
Carneiro na Comissão de Linhas Telegráficas de Cuiabá ao Araguaia. Enquanto trabalhava em Mato
Grosso, foi nomeado professor-substituto na Escola Militar, cargo que assumiu por pouco tempo, optando
por continuar o trabalho nas linhas telegráficas de Mato Grosso, a convite de Gomes Carneiro.
A organização da Comissão Construtora da Linha Telegráfica de Cuiabá ao Araguaia, em 1890,
seguia a estratégia de fortalecimento defensivo da Província de Mato Grosso, estabelecida desde o
final da Guerra do Paraguai. Centenas de quilômetros de linhas telegráficas tinham que ser instaladas
numa região habitada por índios Bororo, ainda hostis ao contato com regionais. Para realizar o trabalho,
Gomes Carneiro optou por não agredir os índios e proibiu os soldados de atirar neles. Rondon lembrava
que essa atitude de respeito aos índios permitia a realização das instalações. Essa resolução e suas
consequências marcaram definitivamente a figura de Rondon, que passaria a vida lembrando a influência
de Gomes Carneiro no seu destino.

Rondon na colônia de Sangradouro | Acervo Museu do Índio/Funai


Inauguração da estação Capim Branco. Gomes Carneiro e Rondon estão na foto | Acervo Museu do Índio/Funai
16 Trabalhador abrindo picada | Acervo Museu do Índio/Funai
A finalização dos trabalhos celebrou a ligação de Cuiabá ao Rio de Janeiro, via Uberaba (MG). Entretanto,
a má qualidade dos materiais empregados na instalação impôs a necessidade da reconstrução da linha.
Entre 1892 e 1898, Rondon serviu como engenheiro-chefe do 16.º Distrito Telegráfico, inspetor dos
destacamentos militares e da linha telegráfica existente entre Uberaba e Cuiabá.
As linhas telegráficas eram, para Rondon, as “sondas do progresso”. Estendendo sua ação pacificadora
aos índios, ele adotou nos trabalhos das linhas o lema “Morrer se preciso for; matar, nunca!”.

Expedicionários na colônia de Sangradouro | Acervo Museu do Índio/Funai


Rondon e Gomes Carneiro no Araguaia | Acervo Museu do Índio/Funai
Major Antonio Ernesto Gomes Carneiro | Reprodução João Domingos Lamônica |
Acervo Museu do Índio/Funai

Pág. 20-21 | Índios Bororo que trabalharam na construção das linhas telegráficas. |
Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do Índio/Funai 19
A COMISSÃO DE LINHAS TELEGRÁFICAS EM
MATO GROSSO (1900-1906)
Os principais objetivos estratégicos da instalação das linhas telegráficas em Mato Grosso eram a
vigilância e a colonização de regiões remotas das fronteiras com a Bolívia e o Paraguai. Entretanto, tais
metas enfrentavam doenças como o impaludismo, que grassavam durante os trabalhos de instalação das
linhas telegráficas em áreas alagadas. Junto com as deserções, o quadro de pessoal apto à construção
foi reduzido a menos da metade.
O convívio com os Bororo na reconstrução da linha de Cuiabá ao Araguaia, durante a última década
do século XIX, possibilitou a Rondon aprender a língua indígena daquele povo. Os Bororo auxiliavam
na instalação do telégrafo sempre que havia mortes, doenças ou deserções de soldados. Foram os
Bororo de duas aldeias do Alto São Lourenço que, entre 1901 e 1902, ajudaram nos trabalhos nas linhas
telegráficas. Rondon conseguiu que dividissem as atividades de limpeza das picadas após a derrubada
22 das matas.
Rondon (de pé) realiza observações técnicas | Alberto Brand | Acervo Museu do Índio/Funai
Estação Telegráfica de Margarida | Alberto Brand | Acervo Museu do Índio/Funai 23
Pág. 24-25 | Homens caminhando próximo a acampamento do Porto Murtinho, durante
trabalho nas linhas telegráficas de Mato Grosso | Luiz Leduc | Acervo Museu do Índio/Funai
Pág. 26-27 | Contingente de trabalhadores em Bela Vista | Alberto Brand | Acervo Museu do Índio/Funai
Mapa da Aldeia do Ipegue demarcada por Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai
Índios Terena na dança do Bate-Pau | Harald Schultz | Acervo Museu do Índio/Funai
Rondon procurava retribuir aos índios a
colaboração efetiva nas linhas, sem a qual
a sua missão não chegaria a bom termo. A
participação dos Bororo foi essencial quando
os soldados adoeceram de impaludismo e
polinevrite. Entretanto, das centenas de índios
envolvidos nessas atividades, muitos morreram
numa epidemia de sarampo após contágio em
área urbana próxima aos trabalhos nas linhas
telegráficas. Na década de 1920, os Bororo ainda
construíram a linha telegráfica entre Rondonópolis
e a Povoação Indígena de São Lourenço.
A participação dos Bororo fez Rondon acreditar
na viabilidade da incorporação dos índios à
civilização. A iniciativa dos Bororo foi identificada
como sendo de “espontânea brasilidade”.
Segundo Rondon, buscar afeição e colaboração
era o caminho para a civilização dos indígenas.
Diversos rios foram explorados durante o
reconhecimento de mais de 4 mil quilômetros de
terras em Mato Grosso.
De 1900 a 1906, foram inauguradas 16
estações, num trecho de linha construído de 1.667
quilômetros, sendo realizados, também, estudos
geográficos, cartográficos, zoológicos, botânicos
e geológicos nos pantanais de Mato Grosso.

Índios Bororo | Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai


O sentimento de fraternidade motivou Rondon
a se envolver na demarcação das terras da aldeia
dos índios Terena do Ipegue, diante do quadro de
perseguição e miséria por ele encontrado. Rondon
combateu as fraudes dos fazendeiros nos marcos
divisórios existentes, conseguindo que o governo
estadual reconhecesse legalmente as terras como
pertencentes aos indígenas das aldeias de Ipegue
e Cachoeirinha. Seus esforços possibilitaram,
ainda, a salvaguarda de um grupo de índios Ofaiés
que estava sendo dizimado por um fazendeiro.
Durante os trabalhos nas linhas telegráficas
no início do século XX, Rondon defendia que os
índios tinham direito à propriedade das terras que
habitavam e deviam ter garantidos seus hábitos
e costumes e sua organização social. Entretanto,
em várias ocasiões, pouco conseguiu diante do
ímpeto assassino de alguns fazendeiros.
Uma dessas carnificinas foi documentada
por Rondon. Ele não conseguiu convencer os
fazendeiros do Tabôco e da Serra de Maracaju (MT)
a estabelecerem relações de comércio e amizade
com os índios Uachiri (Guachi). Homens, mulheres
e crianças foram trucidados – muitos degolados;
outros, aprisionados para serem escravizados.
Estes últimos foram encontrados por Rondon em
regime de servidão.
Rondon também encontrou índios Terena
trabalhando para fazendeiros. Um regime
permanente de dívidas e submissão fazia com que
fossem explorados, criando, segundo Rondon,
uma nova espécie de escravidão. Os índios que
fugiam eram agredidos ou mortos.
No contato com os índios nos sertões, os relatos
que ouvia de esbulhos e massacres aproximaram
Rondon do drama indígena.

Rondon com oficiais da Comissão de Linhas Telegráficas


de Mato Grosso. | Alberto Brand | Acervo Museu do Índio/Funai 33
A COMISSÃO RONDON (1907-1915)
No início de 1907, Rondon foi convocado pelo Presidente Afonso Pena para conhecer um novo
plano governamental que tinha por objetivo ligar, pelas linhas telegráficas, a vasta região do Acre,
Alto Purus e Alto Juruá ao restante do Brasil. Era importante consolidar a ocupação daquele território,
antes pertencente à Bolívia e recém-conquistado pelo Tratado de Petrópolis (1903), região de grande
significado econômico durante o ciclo da borracha na Amazônia. Ao mesmo tempo, todo o oeste de
Mato Grosso seria cortado pelas linhas telegráficas e novas estradas, ampliando as comunicações e
possibilitando a instalação de núcleos de povoamento ao longo das linhas. Além disso, seria realizado
o mapeamento científico da flora, da fauna, do território e das populações indígenas envolvidas pelos
trabalhos estratégicos da nova Comissão.

34
Caderneta de campo de Rondon |Acervo Museu Histórico do Exército
Máquina fotográfica da Comissão Rondon | Acervo Museu Histórico do Exército
Aparelho topográfico da Comissão Rondon | Acervo Museu Histórico do Exército
Índio no marco da Comissão Rondon/Posto Bacairi | Photo Wulfes | Acervo Museu do Índio/Funai
Trajetos percorridos pela Comissão Rondon conforme indicação de cor |
O Acervo Imagético da Comissão Rondon, Denise Portugal Lasmar, p. 26

Pág. 36-37 | Para facilitar o trânsito dos integrantes da Comissão sobre os iguapós, foram construídos pontilhões |
Joaquim de Moura Quineau | Acervo Museu do Índio/Funai

Pág. 38-39 | Turma da construção reunida sobre a ponte feita por eles | Joaquim de Moura Quineau | Acervo Museu do Índio/Funai 35
Assim, em março, Rondon foi nomeado para chefiar
a Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do
Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA), doravante
conhecida como Comissão Rondon. Os trabalhos
nas linhas telegráficas foram divididos em três
seções:
A. Construção de um ramal entre as cidades de São
Luís de Cáceres e Mato Grosso, na fronteira da
Bolívia;
B. Construção do ramal da linha tronco que ligaria
Cuiabá a Santo Antônio do Madeira;
C. Na terceira seção, chefiada pelo próprio Rondon,
a expedição procederia ao reconhecimento dos
sertões para determinar o traçado da linha tronco
até Santo Antônio do Madeira.
Havia vários problemas para o estabelecimento
da linha tronco. A região, desconhecida, era
marcada pela presença de povos indígenas hostis à
invasão de seus territórios tradicionais. Preocupado
com o contato com os índios e suas consequências,
Rondon reforçou a Comissão, criando os serviços
sanitário, meteorológico e astronômico, e utilizou a
infraestrutura da empresa seringalista existente na
região dos índios Paresi para iniciar os trabalhos de
desbravamento.
As atividades da Comissão seriam ampliadas
com a criação da seção de História Natural e
a participação de vários naturalistas do Museu
Nacional, entre outros cientistas. Rondon chegou ao
território Paresi no início dos trabalhos da CLTEMTA.
No auge da febre da borracha, os índios estavam
dominados por seringalistas, que espoliavam as
suas terras e exploravam a sua mão-de-obra. Como
os Paresi mantinham contato e comércio com os
regionais desde o século XVIII, Rondon não teve
dificuldade em conseguir guias e trabalhadores
indígenas para as linhas telegráficas. Junto a
esses índios, inaugurou a 1.ª estação construída
pela Comissão Rondon, a Estação Pareci. Novas
estações surgiram no território dos Paresi – Ponte de
Pedra, Aldeia Queimada e Utiariti –, possibilitando
o crescimento de pequenos núcleos urbanos. Em
alguns deles, a Comissão Rondon instalou escolas,
enquanto os índios trabalhavam na pacificação de
grupos hostis, na conservação das linhas ou mesmo
nas estações telegráficas. 37
39
40
Pág. 40-41 | Rondon com índios Paresi na cachoeira de
Utiariti | Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do Índio/Funai
Pág. 42-43 | Rondon e expedicionários no rio Juruena |
Luiz Leduc | Acervo Museu do Índio/Funai

Acampamento da Comissão Rondon |


Acervo Museu do Índio/Funai

Rondon com seu cachorro Cahy | Benjamin Rondon | Acervo


Museu do Índio/Funai

Pág. 46-47 | Thomaz Reis entre os Paresi | Luiz Thomaz Reis |


Acervo Museu do Índio/Funai 45
Na primeira expedição, em 1907, dirigida para alcançar o desconhecido rio Juruena com um pequeno
grupo de homens, Rondon conviveu com índios Paresi de várias aldeias. Para chegar ao Juruena, o
grupo deixou o território Paresi para trás, percorrendo a região dos índios Nambiquara até o rio. Durante
a expedição, os homens foram atacados por esses índios. As flechas que foram atiradas contra Rondon
passaram perto de sua cabeça e uma delas atingiu a bandoleira de couro de sua espingarda. Rondon
reagiu disparando a esmo, afugentando os índios e impedindo que fossem perseguidos pelos demais
expedicionários.
No ano seguinte, Rondon chefiou uma segunda expedição de exploração da linha tronco, com a
intenção de chegar ao rio Madeira. Dessa vez, contava com um numeroso contingente de trabalhadores
e soldados bem equipados, demonstrando força e vigilância para evitar os ataques de índios hostis. A
ordem para os integrantes da expedição era que nenhuma represália fosse realizada em caso de ataque,
pois os índios defendiam suas terras e famílias.

Hora do rancho num acampamento | Luiz Leduc | Acervo Museu do Índio/Funai


48 Acampamento em Rosário | Luiz Leduc | Acervo Museu do Índio/Funai
A expedição instalou um destacamento militar no Juruena, tendo percorrido mais de 400 quilômetros
antes de retornar à base em Cáceres.
A terceira expedição, em 1909, tinha por objetivo alcançar finalmente o rio Madeira, explorando o rio
Jaci-Paraná. Os expedicionários cruzaram muitas aldeias indígenas abandonadas. No final, a coluna
comandada por Rondon chegou ao rio Madeira, através do rio Jamari, sem ter entrado em conflito com
grupos indígenas, embora muitas vezes estes fugissem, deixando suas terras.
Um ano depois, Rondon foi recebido festivamente no Rio de Janeiro. O trabalho dos fotógrafos da
Comissão, divulgando imagens das florestas, dos índios e dos trabalhos nas linhas telegráficas para o
público das metrópoles brasileiras contribuiu para a sua progressiva consagração. No Rio de Janeiro,
Rondon preparou os relatórios das expedições e, em agosto daquele ano, foi nomeado diretor do recém-
criado Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN).
Em 1911, retomou o trabalho nas linhas telegráficas. Inaugurou estações e realizou estudos e
explorações até 1912. Após inspecionar a Seção Norte da linha tronco, em 1913, assumiu a chefia da
instalação das linhas da Seção Sul.
Rondon ao lado de tapiri para atrair índios | Benjamin Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai
Rondon tomando nota entre os índios Kepkiriwát | Emanuel Silvestre do Amarante | Acervo Museu do Índio/Funai

Rondon e Cap. Tibúrcio em marco de fronteira | Benjamin Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai

Rondon entre índios Jari | José Louro | Acervo Museu do Índio/Funai


Almoço dos expedicionários | Luiz Leduc | Acervo Museu do Índio/Funai
Pág. 52-53 | Sala de Transmissões em Vilhena | Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do Índio/Funai 51
52
54
Estação Telegráfica Jamary | José Louro | Acervo Museu do Índio/Funai
Estação Telegráfica Juruena | José Louro | Acervo Museu do Índio/Funa
Estação Telegráfica Presidente Pena | José Louro | Acervo Museu do Índio/Funa
Grupo de índios Nambiquara | José Louro | Acervo Museu do Índio/Funa
Sala da Comissão Rondon na Exposição do Centenário da Independência (1922) | Luiz Thomaz Reis |
Acervo Museu do Índio/Funai

Índios Paresi cabeceando a bola no jogo do zicunati | José Louro | Acervo Museu do Índio/Funai 55
Rondon em conferência no Palácio Monroe, revista O Malho, n.º 447, 1911 | Acervo Fundação Casa de Rui Barbosa
Índio olhando foto de Rondon | Photo Wulfes | Acervo Museu do Índio/Funai
Charge da revista Careta, n.º 316, 1914 | Acervo Fundação Casa de Rui Barbosa
Rondon e a República, caricatura da revista O Malho, n.º 387, 1910 | Acervo Fundação Casa de Rui Barbosa 57
A Expedição Científica Roosevelt-Rondon
Rondon, Roosevelt e seu filho Kermit estavam à frente da equipe expedicionária que desceria o rio da
Dúvida, composto em sua maioria por soldados e trabalhadores. A travessia do rio da Dúvida – cheio de
correntezas, com diversos tipos de quedas d’água – foi uma tragédia que resultou em duas mortes, além
da perda de equipamentos e de boa parte das amostras coletadas. O impaludismo e a fome atingiram
todo o grupo, que, no final da expedição, foi socorrido por seringueiros. Tomado pela febre e com
ferimentos, por pouco Roosevelt não morreu no percurso. Em péssimas condições de saúde, o grupo
expedicionário chegou a Manaus em maio de 1914. Seus naturalistas conseguiram catalogar milhares
de espécies, entre aves, mamíferos, peixes e répteis, que integrariam as coleções do Museu de História
Natural de Nova York e do Museu Nacional do Rio de Janeiro. A expedição fez, ainda, o levantamento
geográfico de vários rios, além do rio da Dúvida, renomeado, desde então, de rio Roosevelt.
No exterior, mais precisamente em Londres e Nova York, Roosevelt divulgou os resultados da
expedição, elogiando o trabalho de Rondon nas selvas brasileiras. Seus artigos foram publicados no
livro Through the Brazilian Wilderness (Através do Sertão do Brasil), enquanto o filme da viagem e os
filmes da Comissão Rondon eram exibidos em Nova York.
Rondon ganhou consagração internacional com essa expedição científica, recebendo o prêmio
Livingstone da Sociedade de Geografia de Nova York. Ainda em maio do mesmo ano, deixou sua equipe
em Manaus e seguiu para o rio Jamari, para inspecionar os trabalhos da Seção Norte e a instalação dos
últimos postos das linhas telegráficas.
Em 1.º de janeiro de 1915, Rondon inaugurou a linha tronco entre Cuiabá e Santo Antônio do Madeira.
Incluindo os ramais, foram instalados 2.270 quilômetros de linhas telegráficas e construídas 32 estações
de telégrafo. Milhares de índios foram pacificados e atraídos para as proximidades das estações
telegráficas ou dos postos indígenas, onde se pretendia consolidar o desenvolvimento de núcleos de
povoamento e centros agrícolas. Todo o levantamento geográfico dos rios e as pesquisas de história
natural foram editados pela Comissão Rondon numa série de publicações iniciadas na década de 1910

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e reeditadas pelo Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI) na década de 1940.
De 1915 até sua extinção, em 1930, os trabalhos da Comissão de Linhas Telegráficas abrangeram a
exploração de inúmeros rios em Mato Grosso, as atividades de levantamento cartográfico e geográfico
e a manutenção das linhas e dos postos instalados. Nesse período, Rondon também inspecionou as
obras contra as secas no Nordeste e foi nomeado diretor de Engenharia do Exército, comandando a
construção de unidades militares até 1925.

As refeições eram servidas no couro estendido no chão | João Salustiano Lyra | Acervo Museu do Índio/Funai
Roosevelt e Rondon com o produto da caçada | João Salustiano Lyra | Acervo Museu do Índio/Funai
Pág. 60 | Detalhe – retrato de Theodore Roosevelt, ex-presidente dos EUA | Acervo Museu do Índio/Funai
Pág. 60-61 | Inauguração do marco do rio Roosevelt, antigo rio da Dúvida. Da esquerda para a direita, George Cherrie,
naturalista americano, Ten. Lyra, Cap. Médico Dr. Cajazeira, Roosevelt, Rondon e o engenheiro Kermit, filho de
Roosevelt | Antonio Pyrineus de Souza | Acervo Museu do Índio/Funai

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OS TRABALHADORES
DAS LINHAS TELEGRÁFICAS
Desde o início, a instalação das linhas telegráficas pela Comissão Rondon dependeu da sua capacidade
de arregimentação de trabalhadores civis e da incorporação de praças.
Como ocorreu com Rondon, indivíduos de origem humilde buscavam na carreira militar a possibilidade
de ascensão social e uma forma de sobrevivência. Entretanto, os soldados que eram deslocados
dos batalhões militares para os serviços nas linhas telegráficas eram considerados os piores do seu
contingente, sendo estigmatizados como indisciplinados. Já os civis tinham que se adequar à disciplina,
ao regime militar adotado nos trabalhos de desbravamento e de fixação dos postes telegráficos.
Os civis tinham diversas origens: podiam ser trabalhadores regionais, peões de fazendas e até presos
comuns ou políticos, engajados compulsoriamente nas linhas. Esse era o grupo com que Rondon contava
além dos seus oficiais. Restava introduzi-los numa rígida rotina de trabalho, torná-los úteis ao projeto das
62 linhas e transformá-los em elementos produtivos.
A reação a essa realidade deu origem a várias rebeliões de soldados e civis. Havia fugas, deserções
e até tentativas de assassinato, uma das quais enfrentada por Rondon.
Nas comissões, a repressão aos atos de rebeldia era rigorosa desde o final do século XIX. Nessa época,
Rondon ainda empregava o castigo físico, logo abandonado. A intenção era disciplinar e desestimular as
rebeliões, disseminando o temor da repressão entre os rebeldes. Esta podia envolver serviços pesados
e prisões.
A Comissão Rondon recebeu como trabalhadores inúmeros presos políticos da Revolta da Chibata,
deportados para a Amazônia no vapor Satélite. O nível de tensão nos acampamentos propiciava a
circulação de ideias conspiratórias. Entretanto, a principal causa das rebeliões devia ser buscada nas
condições de vida e de trabalho enfrentadas por soldados e civis. À dura rotina de trabalhos pesados
associavam-se a alimentação precária e a insalubridade, com a disseminação de doenças palustres.
Não havia condições ideais de infraestrutura nas linhas; sempre se enfrentavam carências de alimentos,
roupas, remédios e assistência sanitária. Algumas explorações geográficas foram suspensas devido à
desarticulação provocada pela fome, por doenças e pelas mortes de seus integrantes.
Mesmo nas estações telegráficas consolidadas, ocorriam surtos de doenças e ataques de índios,
resultando na morte de trabalhadores. Pequenos cemitérios ficaram dispersos pela floresta no caminho
das linhas. Rondon sempre se lembrou dos sacrifícios ocorridos nesses trabalhos.
No discurso pronunciado durante a sessão cívica da Comissão Mista Peru-Colômbia, no Ministério
das Relações Exteriores, em 1938, Rondon recordou que mais de 650 indivíduos, entre oficiais, soldados
e civis, morreram por doenças, acidentes ou ataques de índios durante os trabalhos de instalação e
conservação das linhas telegráficas.

O esticamento do fio telegráfico | Joaquim de Moura Quineau | Acervo Museu do Índio/Funai


Trabalhadores executando o esticamento do fio telegráfico | Luiz Leduc | Acervo Museu do Índio/Funai
O esticamento do fio telegráfico | Joaquim de Moura Quineau | Acervo Museu do Índio/Funai
Pág. 64-65 | Acampamento no rio Jamari | Joaquim de Moura Quineau | Acervo Museu do Índio/Funai
OS CIENTISTAS DA COMISSÃO RONDON

O que diferenciou a Comissão Rondon das demais comissões de linhas telegráficas foi a importância
dada ao desenvolvimento de atividades de pesquisa científica.
A Comissão Rondon foi concebida de forma a valorizar a exploração científica junto com os trabalhos
de instalação de linhas telegráficas e de ocupação do território nacional. Isso foi determinado pelo
próprio ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, engenheiro Miguel Calmon du Pin e Almeida.
Como projeto de Estado, a Comissão propôs o inventário dos recursos naturais de forma sistemática,
agregando especialistas aos trabalhos de campo das expedições desbravadoras.
Para Rondon, os territórios seriam efetivamente incorporados à civilização por meio da exploração
científica. Ele próprio se responsabilizaria por estudos etnográficos e pela coleta de vocabulários de
inúmeros povos indígenas.
As iniciativas científicas, nas expedições do século XIX, estavam relacionadas a atividades econômicas
agrícolas preocupadas em avaliar a potencialidade dos solos. Com as linhas telegráficas do início do
século XX, ganhou maior ênfase o conhecimento dos recursos geográficos do Brasil.
As explorações científicas envolveram trabalhos de Zoologia, Botânica, Geologia, Cartografia
e Etnografia. Tais atividades eram inicialmente fotografadas, sendo criada, em 1912, uma seção
cinefotográfica da Comissão, dirigida pelo major Thomaz Reis.
Enquanto se construía a linha telegráfica, abriam-se estradas, instalavam-se povoações, lavouras e
núcleos de pecuária. Trabalhava-se, também, nos levantamentos geográficos e minerais. O potencial
do solo e a riqueza da fauna e da flora foram estudados por naturalistas originários, em sua maioria, do
Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Alípio Miranda Ribeiro, zoólogo do Museu Nacional | Acervo Museu do Índio/Funai


João Geraldo Kulhmann, cientista do Museu Nacional | Acervo Museu do Índio/Funai

Frederico Carlos Hoehne, botânico do Museu Nacional | Acervo Museu do Índio/Funai


66 Edgard Roquette-Pinto com crianças Nambiquara | Arquivo da Academia Brasileira de Letras
Nesses trabalhos, destacaram-se os zoólogos Alípio de Miranda Ribeiro e Arnaldo Santana, os
geólogos Cícero de Campos e Euzébio de Oliveira e os botânicos Frederico Carlos Hoehne e João
Geraldo Kuhlmann, além de oficiais da Comissão, como os tenentes Pyrineus de Souza e Júlio Caetano
Horta Barbosa.
Foram inúmeras as conquistas científicas no território percorrido. Apenas o botânico Frederico Hoehne
investigou mais de 7 mil quilômetros de matas e campos para coletar espécies para o Museu Nacional.
A descoberta de rios possibilitou também a correção de erros cartográficos.
Segundo Alípio Ribeiro, todo o patrimônio recolhido ao Museu Nacional em oito anos de trabalhos nas
expedições da Comissão Rondon superava proporcionalmente os 100 anos anteriores de constituição
de acervo. Havia mais diversidade e variação de exemplares no material recolhido pela Comissão:
8.837 exemplares botânicos, 5.676 espécimes zoológicos e 3.380 artefatos indígenas. Desde 1910,
começaram a ser publicados relatórios e artigos sobre os resultados da Comissão. Os relatórios de
campo elaborados por Rondon eram fartos em informações científicas.
Alguns especialistas se debruçaram sobre esse acervo da Comissão Rondon – Carlos Moreira, Adolpho
Lutz, Alberto Betim Paes Leme, entre outros –, publicando artigos científicos e realizando conferências.
A divulgação do trabalho dos naturalistas brasileiros contribuiu para ampliar a institucionalização dessas
áreas de conhecimento.
O Museu Nacional se encarregou de homenagear Rondon com uma série de conferências públicas,
cujos oradores foram Alípio Ribeiro, Alberto Sampaio e Edgard Roquette-Pinto. Antes mesmo de viajar
à Serra do Norte, em 1912, o médico e antropólogo Roquette-Pinto defendeu, no ano anterior, perante a
comunidade científica, no Congresso Internacional das Raças, o trabalho indigenista desenvolvido por
Rondon.
Roquette-Pinto viajou com a Comissão Rondon, em 1912, para estudar os índios Nambiquara. O
resultado do seu trabalho está no livro Rondônia, publicado em 1917, que apresenta um diário de campo
com artefatos, vocábulos e canções daquele povo. Também positivista, Roquette-Pinto, no início das
conferências do Museu Nacional, propôs a denominação “Rondônia” para toda a região desbravada por
Rondon, homenagem só institucionalizada em 1956.

Rondon com Roquette-Pinto, Alípio Miranda Ribeiro,


Heloísa Alberto Torres e outros na porta do Museu
68 Nacional | Acervo Museu Nacional
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RONDON E O SPILTN
No início do século XX, denúncias sobre escravidão e massacre de índios revelavam a necessidade
do estabelecimento de uma política governamental para os povos indígenas. Na ocasião, surgiram
posições polêmicas, como a do diretor do Museu Paulista, Herman Von Ihering, que acreditava que os
índios eram um empecilho ao progresso econômico do País. No debate público, por meio da imprensa
e de revistas especializadas, diferentes vozes se faziam ouvir: os católicos queriam que a catequese
religiosa continuasse a “civilizar” os índios, independentemente da separação entre Igreja e Estado
estabelecida pela Constituição de 1891; indivíduos, como a professora Leolinda Daltro, que desenvolvia
trabalhos educacionais com os índios, propunham a incorporação destes à sociedade por intermédio da
educação leiga; e naturalistas do Museu Nacional repudiavam as ideias de Von Ihering, mobilizando-se
para cobrar iniciativas do governo.

Medalha do SPI com efígie de José Bonifácio | Reprodução João Domingos


Lamônica | Acervo Museu do Índio/Funai

Irmãs salesianas educam crianças Bororo | Acervo Museu Histórico Nacional


Abaixo | O encarregado do posto de pacificação do rio Ipixuna
trabalhando com os meninos Parintintin | Meninos Parintintin na oficina de
alfaiate da Escola de Aprendizes Artífices de Manaus - Meninos Parintintin
na oficina de ferreiro da Escola de Aprendizes Artífices de Manaus |
Anastácio Queiroz | Acervo Museu do Índio/Funai

Índios Bororo trabalhando em oficina do posto São Lourenço | Photo Wulfes |


Acervo Museu do Índio/Funai

Pág. 72-73 | Pai e filho Terena costurando roupas, ofício ensinado pelo
SPI, posto indígena Cachoeirinha (MS) | Photo Wulfes | Acervo Museu do Índio/Funai
Índia Jamamadi costurando roupa, posto indígena do Tuiní (AM) | Anastácio
Queiroz | Acervo Museu do Índio/Funai

74-75 | Índios da banda de música de Utiariti | José Louro | Acervo Museu do


Índio/Funai
74
Rondon e outros positivistas entraram no debate defendendo propostas para a formulação de uma
política indigenista. Baseado na experiência dos trabalhos das linhas telegráficas em Mato Grosso e
nas ideias de José Bonifácio de Andrada e Silva, o grupo positivista articulou redes sociais envolvendo
instituições como o Museu Nacional, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC) e o Apostolado
Positivista. O objetivo era criar uma agência indigenista leiga, de âmbito nacional, com a finalidade, entre
outras coisas, de garantir a sobrevivência física das populações indígenas e de estabelecer contatos
pacíficos com os índios hostis, fixando esses grupos à terra, tornada produtiva, enquanto, gradualmente,
os indígenas adotariam os hábitos da “civilização”. Isso seria obtido pela agência indigenista pelo ensino
e pela difusão de tecnologias agrícolas.
O confronto contribuiu para o governo de Nilo Peçanha decidir implementar, no MAIC, um serviço de
“civilização” dos índios. Graças à experiência adquirida nos trabalhos das linhas telegráficas e às ideias

Escola indígena Paresi | Acervo Museu do Índio/Funai


O chefe Kaingang Vahuin, enrolado na bandeira brasileira, com a esposa. À direta da foto, a intérprete Kaingang Vanuire |
76 Acervo Museu do Índio/Funai
positivistas de progresso econômico já adotadas pelo governo, Rondon foi convidado para dirigir a nova
instituição. O SPILTN (Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais) foi
criado em 20 de junho de 1910, renomeado apenas SPI (Serviço de Proteção aos Índios) a partir de 1918.
O Estado brasileiro passaria a se responsabilizar pelas ações frente às populações indígenas, instituindo
códigos legais reguladores da ação indigenista, implementadas por uma nova malha administrativa
baseada em postos indígenas e inspetorias.
O SPI adotou normas sobre atração e pacificação de povos indígenas desenvolvidas por Rondon e
seus colaboradores. O contato pacífico tinha várias etapas: do uso de intérpretes à fase de troca de
presentes, o “namoro”. O primeiro teste envolveu os índios Kaingang, de São Paulo, e a construção da
estrada de ferro Noroeste do Brasil. Depois de três anos de tentativas, servidores do SPI e índios Kaingang
já pacificados atraíram para o posto um grupo de índios liderados pelo cacique Vauhin. Logo os demais
grupos vieram morar no posto. Entretanto, em pouco tempo, os Kaingang começaram a ser dizimados
por doenças, enquanto eram deslocados de suas terras originais por fazendeiros. Com dificuldades, a
Inspetoria do SPI conseguiu instalar dois postos de proteção para assistir aos sobreviventes.
Nas diretrizes para o SPI, Rondon questionou práticas equivocadas de catequese desenvolvidas pelas
missões salesianas de Mato Grosso. Além de não definir o território indígena, os padres tornavam os
índios dependentes das missões, ao mesmo tempo em que impunham novas crenças. A legislação que
regulava as práticas indigenistas garantia a liberdade de crença.
Essa legislação, que estabeleceu a tutela dos índios pelo Estado brasileiro, encerrava a definição legal
de índio, tipos de índios, direito à terra, assistência econômica e educacional etc. Assim, abrangia os
regulamentos do SPI, o Código Civil de 1916, o Decreto-Lei 5.484, de 1928, e as Constituições Federais
de 1934 e 1946.

78
Charge ironiza trabalho indigenista de Leolinda Daltro, revista O Malho, nº. 339, 1909 | Acervo Fundação Casa de Rui Barbosa
Ata de instalação do SPILTN |Acervo Museu do Índio/Funai 79
RONDON E AS REVOLTAS MILITARES
DE 1924-25
A década de 1920 foi marcada por rebeliões militares no Brasil. Do governo de Epitácio Pessoa
até a Revolução de 1930, havia intensa agitação política, com confrontos, entre outros, de setores do
Exército contra oligarquias regionais. Um dos opositores ao regime, o marechal Hermes da Fonseca,
foi preso, em julho de 1922, após criticar iniciativas do governo. A reação a esse ato foi um movimento
comandado por tenentes, quando algumas guarnições militares rebelaram-se, passando a combater
tropas legalistas. Nessa ocasião, ocorreu o episódio dos 18 do Forte. Os revoltosos acabaram mortos
ou feridos. Candidato do governo à sucessão, Artur Bernardes ganhou a eleição e tomou posse sob
estado de sítio.
A agitação política continuou em 1923, no Rio Grande do Sul, enquanto o governo federal intervinha
em governos estaduais dissidentes. Aumentaram as tensões entre setores do exército e o governo
federal na época do julgamento dos rebeldes de 1922. Dois anos depois da revolta, irrompeu, em São
Paulo, outro movimento militar dos tenentes contra o governo federal e estadual.
Rondon foi designado por Artur Bernardes para chefiar o combate aos revoltosos. Sempre agindo
como um pacificador de renome internacional, o positivista viveu um drama particular ao ir à guerra. A
saída foi enfrentar o confronto também como pacificador, diminuindo o número de vítimas, enquanto
restaurava a ordem política.

80
A 25 de setembro de 1924, Rondon foi nomeado comandante-em-chefe das forças governamentais
que atuavam no Paraná e em Santa Catarina. Inicialmente, Rondon contava com 12 mil homens das
diversas tropas legalistas contra 3 mil rebeldes no Paraná. Logo surgiriam outras forças revolucionárias,
no Rio Grande do Sul, que se uniriam aos rebeldes.
Entrincheirados na região de Catanduvas, no Paraná, os militares rebeldes foram cercados pelas forças
legalistas. Após concentrar tropas para o combate, Rondon dividiu seus comandados em colunas para
envolver os flancos do inimigo. Utilizava principalmente os efetivos dos regimentos de polícia estaduais,
pois suspeitava da simpatia dos quadros do Exército pela rebelião.
Catanduvas caiu após intenso bombardeio legalista. O general Isidoro Dias Lopes, comandante
revolucionário, retirou-se com o que restou das tropas para Foz do Iguaçu. Luiz Carlos Prestes, chefiando
a coluna rebelde originária do Rio Grande do Sul, foi ao encontro de Isidoro para demovê-lo do exílio,
mas só conseguiu incorporar à sua coluna tropas remanescentes de Catanduvas. Prestes saiu, então,
de Foz do Iguaçu na tentativa de combater Rondon pela retaguarda, enquanto este mandava as tropas

Rondon e seu estado-maior no Paraná, durante o combate aos rebeldes de 1924-25 | Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do
Índio/Funai

Integrantes da Coluna Prestes em Goiás, 1925 | Fundação Getúlio Vargas/CPDOC 81


legalistas cercarem os rebeldes em Foz do Iguaçu, desconhecendo o movimento de Prestes. Ao mesmo
tempo, o governo de Bernardes explorava politicamente a vitória em Catanduvas.
A manobra de Prestes fracassou, obrigando os rebeldes a escaparem do cerco de Rondon fugindo para
o Paraguai, de onde voltariam ao Brasil por Mato Grosso. Rondon se equivocara, pois havia comunicado
a Artur Bernardes que não acreditava na continuação da rebelião. Reconheceu depois não ter conseguido
evitar a fuga dos militares revolucionários. Ao mesmo tempo em que Bernardes comemorava a “vitória
82 final” em mensagem enviada ao Congresso, a coluna Miguel Costa-Prestes entrava em Mato Grosso.
A luta de Rondon se encerrou, a 12 de junho de 1925, com a extinção do comando militar que
combatera os rebeldes. Após o conflito, o general chegou a pensar em se recolher à vida familiar. Nas
suas memórias, disse que se sentiu feliz ao pacificar o País poupando vidas, embora a luta no Paraná e
em Santa Catarina tivesse produzido centenas de mortos entre as forças legalistas e rebeldes.

Soldados legalistas no combate aos militares revoltosos de 1924-25 | Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do Índio/Funai
Pág. 84-85 | Rondon, oficiais e tropas que combatiam os militares revoltosos de 1924-25 | Acervo Museu Histórico do Exército 83
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A INSPEÇÃO DE FRONTEIRAS
Em janeiro de 1927, Rondon foi nomeado para dirigir os trabalhos de inspeção de mais de 10 mil
quilômetros de fronteiras do Brasil. O ministro da Guerra, general Nestor Passos, ordenou que o trabalho
de avaliação do povoamento e das condições de segurança das fronteiras fosse efetuado até o fim do
governo do presidente Washington Luís.
Para realizar a tarefa, Rondon convocou militares experientes nas atividades das antigas Comissões de
Linhas Telegráficas. O estudo geográfico das fronteiras enfrentaria problemas pendentes em diferentes
regiões, questões relativas a tratados ou acordos ainda não definitivamente formalizados.
Rondon começou a organizar as expedições de 1927 pela fronteira Norte, com duas áreas de ação:
a) três turmas atuariam nas fronteiras do Pará com as Guianas, estudando percursos terrestres e fluviais
para povoamento e incremento econômico; b) cinco turmas explorariam as fronteiras do Amazonas,
realizando levantamentos geográficos com a mesma finalidade. Algumas turmas tinham que identificar
os marcos de limites existentes e restaurá-los. No final dos trabalhos, as turmas do Pará e do Amazonas
haviam percorrido mais de 12 mil quilômetros.
Em julho de 1928, começou a segunda campanha de inspeção das fronteiras. Uma turma comandada
pelo major Boanerges Lopes de Souza seguiu para a fronteira da Venezuela, via Manaus. O grupo
chefiado por Rondon embarcou, em agosto, para a fronteira da Guiana Holandesa. Penetrando os rios
Trombetas e Cuminá, Rondon se dirigia para a Cordilheira do Tumucumaque, até então vista como
inacessível pelo lado do Brasil.
A turma de Rondon teve que enfrentar inúmeras corredeiras e cachoeiras, além do forte impaludismo
que atingia o baixo Trombetas. Em Cucuí, na fronteira com a Venezuela, o grupo de Boanerges Souza
fotografou os marcos de limites. Logo seguiriam para o rio Xiê, até chegar ao rio Negro, alcançando o
Içana, o Uaupés e o Querari, na fronteira com a Colômbia.
Rondon atingiu o cume da Cordilheira Tumucumaque, na fronteira com a Guiana Holandesa, só no
final de dezembro. Um marco de limite foi lavrado para ser fincado em 1.º de janeiro de 1929, em
cerimônia cívica com o hasteamento da bandeira. Ao seu lado, foi enterrada uma garrafa contendo as
informações da campanha, identificando a fronteira e a posse brasileira. Da mesma forma, dez dias
depois, ele colocou um segundo marco de limite nas cabeceiras do ribeirão Mani. Além do levantamento
geográfico e fotográfico, Rondon conseguiu recolher para o Museu Nacional urnas funerárias e louças
indígenas valiosas.
Na terceira campanha de inspeção, iniciada ainda em 1929, Rondon se dirigiu para as fronteiras
Oeste e Sul do Brasil, inspecionando limites territoriais com a Venezuela, o Peru, a Bolívia, o Paraguai e
a Argentina.
Viajando em direção ao Amazonas, Rondon aproveitou para inspecionar as atividades do SPI,
seguindo pelo interior do Brasil via rio Araguaia até Belém e, daí, até Manaus. No trajeto, visitou os índios
Karajá, na Ilha de Bananal, e conheceu um posto indígena de atração dos índios Paracanã em Pucuruí
(PA). Esses índios vinham sofrendo violências e sendo espoliados por castanheiros. Antes de alcançar
Manaus, Rondon conheceu a coleção arqueológica recolhida pelo etnólogo João Barbosa Faria após os
trabalhos da segunda inspeção de fronteiras.
Rondon encontrou os militares do contingente de fronteira com a Venezuela trabalhando em péssimas
86 condições, sem qualquer possibilidade de patrulhar e fiscalizar com eficácia aquela região. Na Cordilheira
Parimã, na Pedra de Cucuí, a turma de Rondon deixou gravadas inscrições sobre a façanha expedicionária,
tendo conseguido produzir fotografias e filmes, além de inúmeras informações geográficas.
Da Venezuela, Rondon voltou a Manaus, viajando, então, ao Solimões para inspecionar o contingente
da fronteira do Peru. Daí, dirigiu-se para o Alto Acre e o Noroeste de Mato Grosso, fiscalizando os limites
com o Peru e a Bolívia. Rondon conheceu, na região do Guaporé, estabelecimentos instalados no lado
boliviano da fronteira que mantinham índios escravizados. Mesmo assim, Rondon conseguiu repatriar
índios que viviam no Brasil. Na viagem, conviveu com índios Pacaa Nova, num posto de atração e
pacificação, e encontrou com os Nambiquara da região de Vilhena. Refez os marcos de limites na região
de Rio Verde, destruídos por seringueiros, tendo encontrado bolivianos vivendo no Brasil e alegando
ocupar terra boliviana.
Rondon percorreu milhares de quilômetros de fronteiras verificando os limites geográficos, realizando
censo e defendendo os índios. Depois da Bolívia, inspecionou as fronteiras do Brasil com o Paraguai
e a Argentina, reavivando marcos e assinalando um ano de trabalhos ininterruptos até ser detido, em
outubro, por militares rebeldes que começavam a Revolução de 1930. Encerrava, assim, três anos de
trabalho, durante os quais levantou as potencialidades econômicas de algumas regiões, colaborando
com estudos científicos e com a documentação cinefotográfica do interior do Brasil.

Pág. 87 | Rondon ao lado de marco da inspetoria de fronteiras | Benjamin Rondon | Acervo Museu Histórico do Exército
Pág. 88 | O trabalho etnográfico de Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai
Pág. 89 | Rondon apresenta um relógio aos índios Kahyana | Benjamin Rondon | Acervo Museu Histórico do Exército
Pág. 90-91 | Rondon, equipe e índios no cume do Monte Roraimã | Benjamin Rondon | Acervo Museu Histórico do Exército
Pág. 92-93 | Rondon, ao lado do filho Benjamin, e demais militares, índios e trabalhadores no marco de identificação
88 da fronteira entre o Brasil e a Guiana Holandesa, rio Curipini | Benjamin Rondon | Acervo Museu Histórico do Exército
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REVOLUÇÃO DE 1930
Rondon foi detido pelo general Miguel Costa no trem em que viajava, ao chegar à estação de Marcelino
Ramos, no Rio Grande do Sul. Levado a Porto Alegre, ficou detido num hotel por vários dias até ser
liberado pelo governo provisório da Revolução de 1930.
Ainda em Porto Alegre, Rondon tomou conhecimento da reportagem em que o tenente Juarez Távora
o acusava de “dilapidador dos cofres públicos”. Em resposta, Rondon pediu a sua reforma ao governo
provisório. Ao contrário de Juarez Távora, Getúlio Vargas reconheceu os serviços de Rondon ao País
e solicitou-lhe a preparação dos relatórios das expedições de inspeção de fronteiras. Vargas impediu
que Rondon fosse julgado por qualquer tribunal. Entretanto, este teve o dissabor de ver a extinção das
atividades da Comissão de Linhas Telegráficas em Mato Grosso.

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Rondon comenta sua prisão em 1930, Correio do Povo,
09/10/1930 | Acervo Museu do Índio/Funai
Rondon é detido pelos revolucionários de 1930, Diário
de Notícias, 14/10/1930 | Acervo Museu do Índio/Funai 95
A COMISSÃO MISTA DE LETÍCIA
Em 1922, uma questão de limites entre a Colômbia e o Peru foi resolvida por um tratado que estabeleceu
que o porto fluvial da Vila de Letícia ficaria pertencendo ao território colombiano. Entretanto, em 1932,
peruanos descontentes com o tratado invadiram a vila armados para controlar o porto.
Com o acirramento do conflito, o Brasil se ofereceu como mediador, propondo aos dois países um
Protocolo de Amizade e Cooperação, firmado a 24 de maio de 1934. O artigo 4.º do Protocolo assinalava
que o Peru e a Colômbia adotariam acordos especiais sobre alfândega, comércio e livre navegação
dos rios. Para velar pelo cumprimento desse artigo, foi nomeada uma Comissão Mista composta
por representantes do Peru, da Colômbia e do Brasil, arbitrada por este último. Como a comissão
internacional não se baseava na força coercitiva, e sim na autoridade moral, e seria instalada numa
região da Amazônia com condições precárias de subsistência, Getúlio Vargas optou por indicar Rondon
para a chefia da delegação brasileira.
Em Letícia, a Comissão principiou seus trabalhos visitando as populações colombianas e peruanas
dos rios da região. Rondon determinou o levantamento geográfico e censitário da área aos delegados
brasileiros. Atividades de assistências médica e sanitária, chefiadas pela Comissão, estabeleciam a
paz. A cordialidade adotada trazia êxito às reuniões e ações assistenciais. Concluídos os acordos do
Protocolo, Rondon deu por encerrados os trabalhos da Comissão Mista em 1938. Sem se afastar da
96 região durante quatro anos, Rondon foi afetado com glaucoma, perdendo a visão de um dos olhos.
Rondon teve uma recepção apoteótica ao voltar ao Rio de Janeiro. As mais altas autoridades militares
e civis, o prefeito do Rio, ministros e representantes de instituições científicas vieram recepcioná-lo. Uma
multidão lotou a Avenida Rio Branco para acompanhar o cortejo comemorativo, enquanto centenas de
vozes regidas pelo maestro Villa-Lobos cantaram, entre outros, o hino Heróis do Brasil.
O Itamaraty organizou uma sessão para homenagear a obra e a pessoa de Rondon. Uma enorme
resenha dos serviços prestados por ele ao País foi apresentada na ocasião. Agradecendo as homenagens,
Rondon pediu justiça para seus antigos companheiros de jornada, importantes colaboradores nos
trabalhos das linhas telegráficas e no SPI. Lembrando a situação vivida pelos índios da Amazônia, citou,
especialmente, todos os que contribuíram para o estabelecimento da paz em Letícia.

Rondon e integrantes da Comissão Mista celebram acordo |Acervo Museu Histórico do Exército
Hino “Heróis do Brasil”, de Villa-Lobos | Acervo Museu Villa-Lobos
Publicação sobre o conflito em Letícia , jornal A Nota, 13/5/1936 | Acervo Museu do Índio/Funai 97
MARCHA PARA OESTE

98
Após a Revolução de 1930, intensificou-se a interferência do Estado na ocupação do território
brasileiro. Ao deixar de privilegiar a imigração estrangeira, o governo Vargas valorizava o trabalhador
nacional como agente de desenvolvimento do interior do Brasil, mão-de-obra desejada para os novos
projetos de colonização em gestação.
O dirigismo burocrático-estatal dos projetos governamentais consolidou-se com o centralismo
político e econômico do Estado Novo. Até as tensões internacionais impulsionavam deslocamentos
populacionais: no período entre guerras, era preciso reduzir a cobiça de nações superpovoadas e
fortalecer o projeto nacionalista.
Vargas lançou, em 1938, a Marcha para Oeste, projeto governamental de colonização que visava
ampliar as fronteiras econômicas e consolidar o mercado interno brasileiro. Em 1943, surgiu a Fundação
Brasil Central (FBC), responsável pela execução do programa da Marcha para Oeste. No mesmo ano, foi
criada a Expedição Roncador-Xingu, organizada para estabelecer vias de comunicação e povoamento
no Brasil Central.
Em meados da década de 1940, Rondon celebrou a colaboração da FBC com o SPI como uma
reconstituição do projeto republicano de criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização
dos Trabalhadores Nacionais, que existiu entre 1910 e 1918. Com a atuação conjunta FBC-SPI, havia
a esperança de que os índios e seus descendentes, os caboclos, identificados como trabalhadores
nacionais, povoassem o Brasil Central. A cooperação entre os órgãos possibilitou assistência médica
e agrícola aos povos indígenas do Alto Xingu. A FBC deveria garantir a sobrevivência física dos índios,
evitando confrontos com grupos hostis, como os Xavante.
Ao defender a Marcha para Oeste, Rondon afirmou que Vargas pretendia proteger os índios e suas
terras. Rondon combatia o loteamento das terras indígenas, tendo que negociar com o Interventor do
Estado de Mato Grosso a garantia das posses indígenas frente à especulação imobiliária regional. A
defesa da demarcação de terras para os índios, conforme estabelecia a Constituição em vigor (1934),
possibilitaria a progressiva adaptação dos índios à “civilização”, sem reduzi-los a meros objetos de
exploração e produção.

Getúlio Vargas com índio Carajá, publicação oficial do


DIP, s.d.| Acervo Museu do Índio/Funai
Frase de Rondon na manchete do jornal O Radical,
04/9/1940 | Acervo Museu do Índio/Funai
Getúlio Vargas com criança Carajá, publicação oficial
do DIP, s.d. | Acervo Museu do Índio/Funai 99
CNPI
No final de 1939, o governo Vargas criou o Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI) e começou
a reestruturar o SPI. Vargas indicou Rondon para presidir o CNPI. O Conselho tinha por competência
estudar e sugerir políticas para o trabalho de assistência e proteção dos costumes indígenas. Indivíduos
de ilibada reputação, dedicados a iniciativas para a integração dos índios, os Conselheiros eram oriundos
de vagas institucionais – SPI, Museu Nacional, Serviço Florestal – ou escolhidos para as vagas avulsas.
Aí se destacaram, dentre outros, os antropólogos Edgard Roquette-Pinto e Heloísa Alberto Torres e os
militares Júlio Caetano Horta Barbosa e Raimundo Vasconcelos Aboim.
Rondon dirigiu mais de 200 sessões do CNPI entre 1940 e 1954. A maioria das sessões eram demandas
originárias do SPI, envolvendo problemas relativos às terras dos índios, conflitos entre índios e regionais,
atividades de atração e pacificação de grupos indígenas, atuação das missões religiosas perante os índios,
divulgação da cultura indígena, estabelecimento de relações com agências indigenistas interamericanas
e autorização, financiamento ou acompanhamento de expedições científicas e/ou desbravadoras aos
territórios indígenas.
Rondon centralizava as incumbências deliberativas do Conselho, assumindo iniciativas doutrinárias
para que as atividades do CNPI fossem fiéis às diretrizes do indigenismo brasileiro. Os discursos retóricos
de Rondon em datas comemorativas e homenagens póstumas eram, sobretudo, declarações de “fé de
ofício”. A própria composição do Conselho, integrado por vários positivistas, estimulava a busca de
consenso nas resoluções – baseadas numa hierarquização da experiência indigenista, em que a última
palavra era de Rondon. Excepcionalmente, só em casos polêmicos, essa unidade era rompida.
Durante a gestão Rondon, o CNPI procurou se aproximar do Instituto Indigenista Interamericano (I.I.I.)
e das diretrizes que se estabeleciam para o indigenismo latino-americano. O intercâmbio, iniciado com a
participação de Roquette-Pinto no 1.º Congresso Indigenista Interamericano (Pátzcuaro, México, 1940),
possibilitou a institucionalização do Dia do Índio três anos depois, no Brasil, e a filiação do SPI ao I.I.I.
Em conjunto com a Seção de Estudos (SE) do SPI, o CNPI promoveu expedições etnográficas a
diversas regiões de Mato Grosso, entre as quais a expedição científica e documentária que explorou, em
1944, os rios Culisevu e Culuene, no Alto Xingu. Após receber, em 1942, o acervo da Comissão Rondon,
o CNPI iniciou a reedição das publicações científicas e dos relatórios dessa Comissão, ampliando o
trabalho de divulgação cultural desejado por Rondon.
Em 1946, o SPI e o CNPI comemoraram os primeiros contatos amistosos entre índios Xavante e
integrantes da frente de atração do Posto Indígena Pimentel Barbosa. Ao discursar numa sessão do
CNPI, Rondon assinalou a eficácia dos métodos de pacificação que fez adotar pelo SPI, consagrando
uma técnica desenvolvida por Gomes Carneiro, baseada nos ensinamentos de José Bonifácio de
Andrada e Silva.

Reunião na sala do CNPI, com o general Rondon à cabeceira da mesa | Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai
Conselheiros do CNPI, entre os quais o Gal. Vicente de Paulo Vasconcelos, Gal. Rondon, Gal. Manoel Rabelo e Heloísa
Alberto Torres | Acervo Museu Histórico do Exército 101
RONDON E As TERRAs
DOS ÍNDIOS dO PARANÁ
Em junho de 1947, o CNPI recebeu para análise uma proposta de acordo do governo do Estado do
Paraná relativa às terras indígenas reservadas naquele Estado. A proposta visava diminuir o espaço dos
índios, privilegiando os colonos. Cada família indígena ganharia a propriedade de uma área.
Rondon discordou da iniciativa, afirmando que os índios do Paraná mantinham sua organização
fetichista e reiterou o entendimento que orientou a institucionalização do SPI: não se transforma
rapidamente a organização da vida indígena. Enfatizando que não existia propriedade individual de
terras entre os índios, apenas posse tribal, Rondon notou que as tradições indígenas, a “terra sagrada”
dos antepassados, os arraigavam ao solo que habitavam, local que, ao contrário do proposto, podia
necessitar de ampliação com o desenvolvimento da tribo. Dentro do Conselho, Rondon combateu o
acordo, pois o considerava uma violência contra os índios e um “atentado à liberdade e à independência
da tribo”, defendendo o direito dos índios às terras.

Indios Kaingang do posto indígena Apucarana (PR), 1947 | Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai
Mulheres Kaingang reunidas em um engenho de moer cana-de-açúcar, no posto indígena Apucarana (PR), 1920-1929 |
102 Acervo Museu do Índio/Funai
O CNPI aprovou, por unanimidade, um parecer contrário ao acordo. Um ano depois, o projeto foi
reapresentado, agora com o endosso do diretor do SPI, Modesto Donatini. Rondon voltou a reafirmar o
direito dos índios à posse da terra que habitavam, mas foi derrotado na votação interna do Conselho.
A proposta implementada pouco diferia daquela recusada pelo CNPI. Só em 1951, na gestão de José
Maria da Gama Malcher no SPI, Rondon conseguiu que fosse revisto e denunciado o acordo. Decorridos
poucos anos, o governo do Paraná já havia cedido para uma sociedade de direito privado as áreas das
antigas reservas indígenas. Com o apoio de Rondon, Malcher recuperou para os índios uma parcela da
área doada à Fundação Paranaense de Colonização e Emigração.
O projeto colonizador, envolvido permanentemente por denúncias de irregularidades e conflitos
fundiários, atingiu no Paraná as reservas indígenas de Apucarana, Queimadas, Ivaí, Faxinal, Rio das
Cobras e Mangueirinha. O governo do Paraná ainda tentou transformar em projeto nacional, aplicável
a todas as áreas indígenas, o projeto estadual de fracionamento das terras, mas foi derrotado por um
parecer do SPI.
Desde o final dos anos 1940, Rondon defendia, quando era possível, o afastamento dos índios do
contato com a sociedade nacional. Nessa perspectiva, o objetivo do SPI era garantir a integridade das
terras dos índios, base de sua sobrevivência física e cultural.

103
A ESCOLA SANTA
CLAUDINA
Com os vencimentos que obtivera durante a
Comissão Mista (Letícia), Rondon realizou seu
sonho de construir uma escola na sua cidade natal,
Mimoso (MT), onde inclusive sepultara os restos
exumados de sua mãe. A 8 de agosto de 1947,
numa missa campal com a presença de autoridades
estaduais, foi lançada a pedra fundamental da
escola. Menos de um ano depois, a 13 de junho
de 1948, era inaugurada a Escola Santa Claudina,
batizada em homenagem à Claudina Evangelista,
mãe de Rondon.

Inauguração da Escola Santa Claudina, 1948 | Heinz


Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai
O PROJETO DO PARQUE
INDÍGENA DO XINGU
A cooperação entre as agências indigenistas e a Fundação Brasil Central (FBC) foi consolidada no
final da década de 1940. A vanguarda da Expedição Roncador-Xingu, chefiada pelos irmãos Orlando,
Cláudio e Leonardo Villas Bôas, contatou pacificamente grupos indígenas xinguanos, instalando um
posto indígena de assistência. Tais iniciativas aproximaram os irmãos Villas Bôas de Rondon e do
CNPI. Os irmãos começaram a enviar a Rondon inúmeros artefatos indígenas, ao mesmo tempo em
que consolidavam uma correspondência regular de estímulo e aconselhamento. Servidores da FBC, os
irmãos Villas Bôas foram nomeados delegados não remunerados do SPI, no Alto Xingu, cuja função era
controlar o acesso às áreas indígenas.
Na correspondência trocada com Rondon, os irmãos revelavam as dificuldades que enfrentavam,
entre elas, principalmente, a pressão de missionários que desejavam se instalar no Xingu. Escrevendo
para Rondon, em 1951, Orlando Villas Bôas denunciava que o governo de Mato Grosso havia liberado
requerimentos de terras na zona de influência dos índios do Alto Xingu. Villas Bôas cobrava uma iniciativa
urgente do SPI antes que os índios fossem desalojados de suas terras. A direção do SPI respondeu
propondo a ampliação da assistência, iniciando o registro da reserva indígena do Xingu, enquanto
proibia a circulação de pessoas estranhas aos índios nessa área.
Desde o final dos anos 40, circulavam entre indigenistas, cientistas e jornalistas algumas ideias a
respeito da criação de uma reserva indígena para os índios do Alto Xingu. Rondon solicitara ao general
Jaguaribe de Mattos que procurasse ouvir Orlando Villas Bôas para estabelecer uma proposta de reserva.
O vice-presidente da República, Café Filho, já havia viajado ao Xingu e conhecia o problema. No início de
1952, ele convocou uma mesa redonda de indigenistas, cientistas e militares para debater o problema.

106
Nessa ocasião, consolidou-se a ideia de “Parque Indígena”, tendo Café Filho sugerido a formação
de uma comissão para elaborar um anteprojeto de lei que criaria o Parque Indígena do Xingu. Essa
comissão, formada por Darcy Ribeiro e Orlando Villas Bôas, entre outros, em abril de 1952, encaminhou
a Café Filho e a Rondon a proposta de anteprojeto de lei. Rondon já aplaudira, com entusiasmo, o
surgimento da denominação Parque Indígena para enquadrar as novas finalidades da entidade – inclusive
a preservação da flora e da fauna – frente ao SPI. Para Rondon, era um projeto grandioso, baseado na
ciência e na experiência anterior de proteção aos índios, devendo ser desenvolvido com cautela para
que os índios não fossem prejudicados e de modo que se possibilitasse o incremento de sua “evolução
natural e gradativa”.
Em maio de 1952, Rondon e Café Filho, acompanhados de indigenistas e antropólogos, foram recebidos
por Getúlio Vargas para solicitar as medidas constantes do anteprojeto, principalmente a criação do
Parque Indígena do Xingu. Rondon não veria o estabelecimento do Parque no projeto encaminhado por
Vargas ao Congresso Nacional, pois aquele só seria criado em 1961, três anos após sua morte, com o
nome de Parque Nacional do Xingu.

Getúlio recebe do Vice-pres. Café Filho o projeto do Parque do Xingu. Estavam presentes na cerimônia o antropólogo
Darcy Ribeiro, Rondon, o diretor do SPI José Maria da Gama Malcher, o sertanista Orlando Villas Bôas e a Diretora do
Museu Nacional Heloísa Alberto Torres | Arq. Público do Estado de São Paulo
Orlando Villas Bôas ao lado do jipe da FBC | Helmut Sick | Acervo Museu do Índio/Funai 107
108
RONDON E O CASO DIACUÍ
Em 1952, Rondon foi envolvido pelos Diários Associados nas manchetes sensacionalistas de inúmeros
jornais e revistas. Era o Caso Diacuí, debate público sobre a permissão do SPI para a realização do
casamento da índia Diacuí, do povo Kalapalo (MT), com o sertanista da FBC Ayres Câmara Cunha.
Havia casos de relacionamento entre sertanistas e índias durante os trabalhos da Expedição Roncador-
Xingu. Alguns casos que chegaram ao CNPI receberam de Rondon decisão favorável ao casamento.
O caso da índia Diacuí tornou-se público porque envolvia interesses econômicos contrariados na
região do Alto Xingu: os irmãos Villas Bôas divergiam das políticas de loteamento das terras dos índios
impulsionadas pelo governo de Mato Grosso e pela direção da Fundação Brasil Central.
Solicitados a dar um parecer a respeito do pedido de casamento do sertanista Ayres, os conselheiros
do CNPI requereram a assessoria de vários cientistas sociais. Todos foram contrários ao casamento,
entendendo que tal fato contribuiria para a desarticulação (destribalização) do povo Kalapalo. Pela
imprensa, Rondon teve que desmentir, várias vezes, afirmações a ele atribuídas. Rondon lamentava
o exibicionismo e o sensacionalismo que faziam com a índia. No final, apoiou a posição do CNPI
contrária ao casamento. Entretanto, o ministro da Agricultura, João Cleofas, autorizou as núpcias. Com
o presidente dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, como padrinho, o casamento de Diacuí e
Ayres foi realizado na Igreja da Candelária, evento que emocionou a população do Rio de Janeiro.

Encontro de Rondon com Diacuí antes do casamento, Diário da Tarde, 25/11/1952 | Acervo Museu do Índio/Funai
Jornal denuncia conflito envolvendo o casamento Ayres-Diacuí, Folha da Noite, 28/11/1952 | Acervo Museu do Índio/Funai
Rondon denuncia manipulação de informação no caso Diacuí, Última Hora, 27/11/1952 | Acervo Museu do Índio/Funai 109
Ainda em 1952, Rondon lançou a 1.ª edição da
nova carta de Mato Grosso. O trabalho, coordenado
pelo general Francisco Jaguaribe Gomes de
Mattos, era produto das informações geográficas
levantadas por militares e civis ao longo das
comissões dirigidas por Rondon. A nova carta iria
retificar erros e revelar a localização de inúmeras
aldeias indígenas e acidentes geográficos omitidos
na carta de Mato Grosso elaborada pelo geógrafo
Pimenta Bueno em 1880.

Trecho da Carta de Mato Grosso, editada pelo Gal.


Jaguaribe de Mattos | Acervo Museu do Índio/Funai 111
MUSEU DO ÍNDIO
A 19 de abril de 1953, Dia do Índio, Rondon inaugurou, no Rio de Janeiro, o Museu do Índio, órgão
cultural da Seção de Estudos (SE) do SPI. Desde sua criação, em 1942, a SE tinha como atribuição
o recolhimento de acervos etnográficos e da documentação sonora, linguística e cinefotográfica dos
povos indígenas. A partir desse material, seria criado um museu etnográfico.
A concepção do Museu era inovadora, voltada para a divulgação da cultura de diversos povos de
forma a aproximar o público urbano da realidade indígena. Chefiando a SE na época, o etnólogo Darcy
Ribeiro divulgava o Museu do Índio como “um museu contra o preconceito”, enquanto Rondon acreditava
que a nova instituição daria maior brilho às comemorações do Dia do Índio.
Desde 1944, Rondon celebrava o Dia do Índio com discursos em que reiterava que o caráter de
reparação às injustiças históricas sofridas pelos indígenas orientava a política indigenista oficial. As
comemorações eram realizadas junto às estátuas do líder indígena Asteca Cuauhtemoc, no bairro do
Flamengo, ou do líder indígena Temiminó Arariboia, no centro de Niterói (RJ). A realização de exposições
e palestras e a exibição de filmes, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e em outras instituições,
caracterizavam, desde 1945, a programação do Dia do Índio. Com a inauguração do Museu do Índio, as
comemorações foram centralizadas nesse órgão cultural.
Além do acervo de artefatos indígenas e do bibliográfico, o Museu do Índio herdou grande
documentação imagética e textual produzida pela Comissão Rondon. Filmes, fotografias e documentos
raros das expedições e dos trabalhos nas linhas telegráficas foram salvos e preservados pelos técnicos
do museu. Sobre Rondon e a Comissão Rondon, no Rio de Janeiro há ainda material preservado no
Museu do Exército (Forte de Copacabana/RJ) e no Arquivo Histórico do Exército (Palácio Duque de
Caxias/RJ).
Em agosto de 1954, Rondon participou como presidente de honra do 31.º Congresso Internacional
de Americanistas, realizado em São Paulo. O etnólogo Herbert Baldus, secretário-geral da Comissão
Executiva do Congresso, identificou Rondon como o “maior protetor do índio brasileiro”. Na sessão de
encerramento, Rondon agradeceu a homenagem com uma mensagem na qual reconheceu a dedicação
de todos os seus colaboradores militares e civis na obra da Comissão de Linhas Telegráficas. Rondon
comparou os objetivos científicos da Sociedade de Americanistas aos do CNPI, envolvendo estudos
sobre as origens e a evolução dos povos indígenas e do continente americano.

O antigo Museu do Índio, em prédio no bairro do Maracanã |


Acervo Museu do Índio/Funai

O Museu do Índio contemporâneo, em Botafogo |


Roberto Beckert | Acervo Museu do Índio/Funai

Estátua de Cuauhtemoc localizada no bairro do Flamengo |


Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai 113
Rondon conversa com o antropólogo Darcy Ribeiro | Acervo Museu Histórico do Exército
Rondon com autoridades, inclusive o prefeito Jânio Quadros, nas comemorações do 4.º Centenário de São Paulo
114 (1954), quando foi realizado o Congresso dos Americanistas | Folha Imagem
115
A CONSAGRAÇÃO
Baseado na Lei n.º 2.409, de 27 de janeiro de 1955, o Congresso Nacional, em sessão conjunta da
Câmara e do Senado, outorgou a patente de Marechal do Exército Brasileiro a Cândido Mariano da Silva
Rondon, a 5 de maio de 1955, data em que completava 90 anos.
Também em 1955, o CNPI terminou a publicação da série de três álbuns fotográficos produzidos
por Rondon, intitulados Índios do Brasil. O primeiro álbum, sobre os índios de Mato Grosso, foi editado
em 1946. O segundo, dedicado aos índios da bacia do rio Xingu, do rio Araguaia e do Oiapoque, foi
publicado em 1953. O último abrangeu, principalmente, os povos dos vales dos rios Trombetas, Cuminá,
Jarí, Negro, Uraricoéra, Branco e Uaupés.
Ainda em vida, Rondon foi homenageado com a criação do Território de Rondônia, nova denominação do
Território do Guaporé. Este havia sido constituído por áreas dos Estados do Amazonas e de Mato Grosso,
pelo Decreto-Lei n.º 5.812, de 13 de setembro de 1943. Abrangendo a região que o antropólogo Edgard
Roquette-Pinto havia denominado Rondônia, território desbravado por Rondon, a nova denominação foi
consagrada, a partir de 17 de fevereiro de 1956, pela Lei n.º 2.731. Postos telegráficos instalados pela
Comissão Rondon haviam crescido, tornando-se importantes núcleos populacionais nessa região.

Rondon com o Pres. Getúlio Vargas | Arq. Público do Estado de São Paulo
116 Rondon com o Pres. Juscelino Kubitschek | Arq. Público do Estado de São Paulo
Rondon no lançamento do livro Índios do Brasil
| Acervo Museu Histórico do Exército

Rondon com o Pres. Café Filho; | Arq. Público do Estado de São Paulo
Rondon recebe a divisa de Marechal | Arquivo Nacional
118
Publicações de autoria de Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai 119
120
PRÊMIO NOBEL DA PAZ
Ao se despedir de uma viagem ao Brasil, em 1925, o físico Albert Einstein dirigiu uma carta ao
Comitê Nobel, indicando o general Rondon para o Prêmio Nobel da Paz. Não obteve êxito. Anos
depois, em 1953, uma segunda indicação foi feita pelo escritor francês Henri Charles Badet, autor do
livro Rondon, Charmeur d’Indiens, em uma mensagem ao Comité Nobel de la Paix.
Criados por Alfred Nobel, os diferentes prêmios consagravam escritores e cientistas. Já o prêmio
da paz tinha um perfil distinto, permitindo homenagear qualquer indivíduo ou organização que tivesse
trabalhado para a fraternidade das nações, contra a guerra e pela paz.
Imediatamente, algumas personalidades públicas, além de organizações brasileiras e internacionais,
aderiram à indicação de Rondon, enquanto este declarava em entrevistas ter apenas cumprido o seu
dever. Entretanto, sem uma coordenação de campanha, a indicação de Rondon ao Nobel da Paz de
1953 fracassou. Foi laureado o general George Marshall, dos Estados Unidos, pelo plano Marshall de
socorro à Alemanha no pós-guerra.
Em 1957, o Explorer’s Club de Nova York assumiu a nova indicação de Rondon ao Prêmio Nobel
da Paz. Logo surgiram moções de apoio internacional, da Universidade de Columbia, do Instituto
Indigenista do México, da Universidade de Coimbra e da Sociedade Suíça de Americanistas, entre
outros. No Brasil, diversas instituições abonaram a escolha de Rondon, baseadas na importância do
seu trabalho na questão geográfica, na construção de linhas telegráficas, no contato com os povos
indígenas e na pesquisa em História Natural. Entre as instituições brasileiras, estavam o Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, a Academia Brasileira de Ciências e a Academia Brasileira de Letras.
Rondon faleceu antes da decisão. O Prêmio Nobel da Paz de 1957 foi entregue a Lester Bowles
Pearson, canadense, presidente da 7.ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas, envolvido na pacificação da crise de Suez.

Rondon por Portinari | Acervo Maria Luisa Rondon da Rocha Miranda


Jornal comenta em 1953 a candidatura de Rondon ao prêmio Nobel, A Gazeta, 05/05/1953 | Acervo Museu do Índio/Funai 121
FALECIMENTO
Rondon faleceu a 19 de janeiro de 1958. Vinha com o organismo debilitado e, nas suas últimas
semanas de vida, contraiu pneumonia.
O marechal foi velado no Clube Militar por altas autoridades militares e civis, inclusive o presidente
da República, Juscelino Kubitscheck. O corpo, a caminho do cemitério, foi homenageado por seus
pares positivistas, em cerimônia na Igreja Positivista. Enterrado com honras de chefe de Estado, Rondon
foi homenageado pelo antropólogo Darcy Ribeiro por meio de um necrológio apresentado durante a
cerimônia. O antropólogo, ao relembrar as condições de vida e de trabalho do marechal, assinalou os
quatro princípios formulados por Rondon para a política indigenista brasileira:

1. Os brasileiros não devem revidar os ataques defensivos dos índios, mas buscar a paz:
“Morrer se preciso for; matar, nunca!”;
2. Deve-se respeitar as tribos indígenas como povos independentes, permitindo sua
evolução sem quaisquer pressões;
3. É necessário assegurar aos índios a posse de suas terras;
4. O Estado deve garantir a assistência aos índios.

Na ocasião, Darcy Ribeiro destacou que, mesmo quando Rondon estava vivo, mais de 80 povos
indígenas já haviam sido extintos desde o início do século XX.

Manchete sobre a morte de Rondon, O Globo,


20/01/1958 | Acervo Museu do Índio/Funai
O Pres. Juscelino Kubitschek no velório de Rondon |
Arquivo Nacional

Cerimônia de enterro de Rondon | Arquivo Nacional


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HOMENAGENS PÓSTUMAS
Pelo Decreto n.º 51.960, de 26 de abril de 1963, o Marechal Rondon foi agraciado com o título de
Patrono da Arma de Comunicações do Exército Brasileiro. Em 27 de abril de 1971, Rondon foi reconhecido
como Patrono das Comunicações Nacionais e o dia do seu nascimento, 5 de maio, tornou-se o Dia
Nacional das Comunicações.
Desde sua morte, Rondon vem sendo lembrado em inúmeros monumentos, nomeando lugares,
cidades e unidades do Exército Brasileiro. Seu nome já esteve presente em premiações, em selos e na
cédula de mil cruzeiros, lançada pela Casa da Moeda, em 1990, no Museu do Índio.

Rondon em quadrinhos | Acervo Museu do Índio/Funai


Cédula lançada em 1990 homenageando Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai
Selos homenageando Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai 125
A FUNAI E O INDIGENISMO
DO ESTADO BRASILEIRO
Em 5 de dezembro de 1967, pela Lei n.º 5.371, foram extintos o Parque Nacional do Xingu, o CNPI e o
SPI, sendo criada a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
A instituição manteve objetivos semelhantes ao SPI: a tutela dos índios e o respeito à sua cultura,
associados à aculturação e à progressiva integração do índio na sociedade brasileira.
O Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001), sancionado a 19 de dezembro de 1973, regulou a vida dos índios e
de suas comunidades até a Constituição de 1988, novo marco no estabelecimento de direitos indígenas.
Desde a morte de Rondon, as mudanças que ocorreram na política indigenista brasileira não alteraram
o lugar central dos quatro princípios básicos rondonianos. Hoje, a política de assistência do Estado
Nacional busca o contato pacífico com os índios, respeitando as suas culturas, conforme determina a
atual Constituição, enquanto procura assegurar aos povos indígenas a posse de suas terras.

PROJETO RONDON
Pelo Decreto n.º 62.927, de 28 de junho de 1968, o governo brasileiro criou o Projeto Rondon, tendo por
finalidade a promoção de estágios para os estudantes universitários, por meio de prestação de serviços
às áreas e às populações carentes de recursos no Brasil. Na prática, essas atividades começaram, em
11 de julho de 1967, com a primeira viagem de um grupo de estudantes e professores a Rondônia, local
escolhido para o início da operação de assistência social.
Desativado no final dos anos 80, após treinar milhares de estudantes, o Projeto Rondon foi reativado
em 2005 com as mesmas finalidades.

126 Os índios Kamaiurá estão escutando música | Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai
127
CRONOLOGIA
Cândido Mariano da Silva Rondon
de maio de 1865
5
nasce em Mimoso – Distrito de Santo Antônio de Leverger (Mato
Grosso).
1878 conclui o primário na Escola Pública do Mestre Chico.
1881 termina o curso normal.
1884 matricula-se na Escola Militar.
1885 conhece a doutrina positivista por intermédio de Benjamin
Constant.
1888 é promovido a alferes-aluno.
1889 é transferido para a Escola Superior de Guerra. Em dezembro, é
nomeado ajudante do major Antônio Ernesto Gomes Carneiro.
1890 recebe o título de engenheiro militar e o diploma de bacharel em
Matemática e Ciências Físicas e Naturais.
1891 assume o cargo de professor na Escola Militar.
1892 casa-se com Francisca Xavier, no Rio de Janeiro. É nomeado chefe
do 16.º Distrito Telegráfico e Inspetor Geral dos destacamentos
do Sertão, em Mato Grosso, chefiando a reconstrução da linha
telegráfica de Cuiabá ao Araguaia.
1898 ingressa na Igreja Positivista, no Rio de Janeiro.
1899 é nomeado técnico da Intendência Geral da Guerra.
1900 a 1906 é nomeado chefe da Comissão Construtora de Linhas
Telegráficas no Estado de Mato Grosso.
1907 é nomeado engenheiro-chefe da Comissão Construtora de Linhas
Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas.
1910 é nomeado o 1.º diretor do recém-criado Serviço de Proteção aos
Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais.
1913-1914 organiza e chefia a Expedição Científica Roosevelt-Rondon.
1915 inaugura a linha tronco de Cuiabá a Santo Antônio do Madeira,
com 2.270 quilômetros de linhas telegráficas e 32 estações de
telégrafo.

Rondon com criança indígena | Acervo Museu do Índio/Funai 129


1916 é homenageado pelo Museu Nacional com uma série de
conferências.
1917 o antropólogo Edgard Roquette-Pinto denomina Rondônia a região
do Noroeste de Mato Grosso.
1919 é promovido a general de brigada e nomeado diretor de
engenharia do Exército.
1921-1922 serve à Missão Militar Francesa.
1922 inspeciona as obras contra a seca no Nordeste.
1923 é promovido a general de divisão.
1924-1925 é nomeado para reprimir os militares rebeldes que, sob o
comando de Isidoro Dias Lopes, combatiam o governo federal
nos Estados do Paraná e de Santa Catarina.
1925 trabalha na inspeção das linhas telegráficas.
1927-1930 é designado para realizar a inspeção das fronteiras do País,
estudando seu povoamento e segurança, enquanto mantém a
inspeção das linhas telegráficas.
1930 com a Revolução de 1930, solicita passagem para a reserva
do Exército. 1931-1934: prepara os relatórios da inspeção de
fronteiras.
1934-1938 chefia a Comissão Mista Peru, Colômbia e Brasil, destinada a
solucionar os conflitos na região de Letícia.
1939 é nomeado presidente do Conselho Nacional de Proteção aos
Índios.
1943 o Dia do Índio é instituído no Brasil.
1948 constrói em Mimoso, com recursos próprios, as Escolas Reunidas
Santa Claudina.
1952 encaminha ao presidente da República o projeto de criação do
Parque do Xingu, elaborado por antropólogos e indigenistas.
1953 junto com Darcy Ribeiro, inaugura o Museu do Índio.
1955 lança o último volume da sua obra Índios do Brasil.
1955 recebe a patente de Marechal do Exército brasileiro, outorgada
pelo Congresso Nacional.
1956 o território de Guaporé é renomeado Rondônia.
1957 surge, no exterior e no Brasil, um movimento apresentando a sua
candidatura ao Prêmio Nobel da Paz.
1958 com 92 anos, falece a 19 de janeiro em sua residência no Rio de
130 Janeiro.
Acampamento do córrego Uailein, Rondon recebe a visita de André, chefe dos índios Taulipang |
Benjamin Rondon | Acervo Museu Histórico do Exército

Pág. 132-133 | Índios Umutina | José Louro | Acervo Museu do Índio/Funai


Pág. 134-135 | Rondon apresenta um relógio aos índios Kahyana. Cena do filme Parima |
Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do Índio/Funai 131
PRANTO GERAL DOS ÍNDIOS
Chamar-te Maíra
Dyuna
Criador
seria mentir
pois os sêres e as coisas respiravam antes de ti
mas tão desfolhados em seu abandono
que melhor seria não existirem
As nações erravam em fuga e terror
Vieste e nos encontraste
Eras calmo pequeno determinado
teu gesto paralisou o mêdo
tua voz nos consolou, era irmã
Protegidos de teu braço nos sentimos
O akangatar mais púrpura e sol te cingira
mas quiseste apenas nossa fidelidade

Eras um dos nossos voltando à origem


e trazias na mão o fio que fala
e o fôste estendendo até o maior segrêdo da mata
A piranha a febre a queixada a cobra
não te travavam o passo
militar e suave
Nossas brigas eram separadas
nossos campos de mandioca marcados
pelo sinal da paz
E dos que se assustavam pendia o punho
fascinado pela fôrça de teu bem-querer
Ó Rondon, trazias contigo o sentimento da terra

Uma terra sempre furtada


pelos que vêm de longe e não sabem
possuí-la
terra cada vez menor
onde o céu se esvazia de caça e o rio é memória
de peixes espavoridos pela dinamite
terra molhada de sangue
e de cinza estercada de lágrimas
e lues
em que o seringueiro o castanheiro o garimpeiro o
bugreiro colonial e moderno
celebram festins de extermínio

Não nos deixastes sós quando te fôste


Ficou a lembrança, rã pulando nágua
Do rio da Dúvida: voltarias?
Os amigos que nos despachaste contavam de ti sem luz
antigo, entre pressas e erros, guardando
em ti, no teu amor tornado velho
o que não pode o tempo esfarinhar
e quanto nossa pena te doía

Afinal já regressas. É janeiro,


tempo de milho verde. Uma andorinha
um brôto de buriti nos anunciam
tua volta completa e sem palavra
A coisa amarga
girirebboy circula nosso peito
e karori a libélula pousando
no silêncio de velhos e de novos
é como o fim de todo movimento

A manada dos rios se cala


Um apagar de rastos um sossêgo
de errantes falas saudosas paz
coroada de fôlhas nos roça
e te beijamos
como se beija a nuvem na tardinha
que vai dormir no rio ensangüentado

Agora dormes
Um dormir tão sereno que dormimos
nas pregas de teu sono
Os que restam da glória velha feiticeiros
oleiros cantores bailarinos
extáticos debruçam-se em teu ombro
ron don ron don
repouso de felinos toque lento
de sinos na cidade murmurando
Rondon
Amigo e pai sorrindo na amplidão

Carlos Drummond de Andrade
Publicado no Correio da Manhã de 21 de janeiro de 1958.
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Impressão e acabamento: Athalaia Gráfica e Editora
Capa e miolo em papel Couché Fosco 150g
Guarda em papel Offset 180g
Impresso em 2010
ISBN 978-85-61467-05-0

9 788561 467050

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