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166 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº.

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Ensaios sobre a riqueza do soando esse misto de pretensão e modéstia que


flui pelo prólogo e é característico de sua escrita,
pensamento ameríndio “sou um estruturalista, como todo bom antropólo-
go; só não sei se sou um bom estruturalista...”.
Eduardo VIVEIROS DE CASTRO. A inconstância Está tudo dito. Mas uma resenha não se encerra
da alma selvagem, e outros ensaios de antropolo- assim; sigamos adiante.
gia. São Paulo, Cosac & Naify, 2002. 552 páginas A inconstância da alma selvagem é uma co-
letânea de textos escritos entre os anos de 1970 e
Clarice Cohn o início da década atual. Esta, claro, a razão para
tantos arrazoados em sua introdução. Trata-se, po-
Resenhar A inconstância da alma selvagem rém, de prática significativa na história da discipli-
não é tarefa simples. Não porque seja uma obra na, que conta com diversos clássicos no gênero
inconstante, pelo contrário: revela uma coerência (basta pensar em Radcliffe-Brown, ou no próprio
de temas, abordagens e modelos que merece des- Lévi-Strauss). Entre nós, as coletâneas de textos de
de já ser apontada. A dificuldade maior não consis- um só autor são menos freqüentes, mas Viveiros
te no exame dos textos ou dos eixos que dirigem de Castro não está sozinho. Para só citar duas:
sua reunião, já em si um desafio pela riqueza da uma, recente, que reúne ensaios de epistemologia
análise, mas em escapar ao que se oferece já no de Roberto Cardoso de Oliveira;1 outra, a coletâ-
Prólogo. O autor adianta-se a seus comentadores, nea de Manuela Carneiro da Cunha,2 talvez a pre-
e não só apresenta as razões para a escolha dos cursora editorial de fato, cujos textos, elaborados
textos como a razão mesma para a coletânea, e desde cerca de uma década da sua publicação con-
mesmo as críticas são de certo modo antecipadas junta, elaboram questões etnográficas de modo a
e respondidas. Significativamente, a primeira nota retratar o estado da arte da antropologia feita em
de rodapé traz um esclarecimento conceitual, en- território nacional como poucos poderiam fazê-lo;
fatizando tratar-se não de um mal-entendido, mas na realidade, isso só seria feito novamente com
de uma “pirraça” – o que lembra a frase de Glau- esta obra de Eduardo Viveiros de Castro.
ber Rocha a Rogério Duarte: “inventaria-te antes A diferença das obras está em sua construção
que os outros te transformem em um mal-entendi- interna. Enquanto Viveiros de Castro persegue na
do”. A tentação é resenhar apenas o prólogo, ele seleção e na apresentação dos textos sua coerên-
mesmo uma resenha ao livro. Tentemos escapar à cia e continuidade, optando pela organização cro-
armadilha, buscando apresentar o livro na sua po- nológica, Carneiro da Cunha divide seu livro em
tência e nas suas variadas atualizações, para em- temas e objetos diversificados, que abarcam desde
prestar uma distinção aristotélica cara ao autor. suas preocupações analíticas e teóricas até a polí-
Eduardo Viveiros de Castro se inventaria ma- tica da diversidade cultural. Ela não deixa escapar,
gistralmente, e apresenta-nos a continuidade dos no entanto, a coerência temática, ainda que “sob
textos – construídos, diz, a partir de uma preocu- uma aparente desconexão”3 das partes que com-
pação teórica e duas ou três intuições etnográfi- põem o livro; não obstante, a divisão permanece,
cas – e os fios condutores da coletânea: uma re- e as partes, nomeadas, dividem os textos em te-
visão do dualismo (representado nas dicotomias mas que remetem ao subtítulo (“mito, história, et-
natureza/cultura, sociedade/cosmologia e consan- nicidade”). Mas, antes de explorar a continuidade
güinidade/afinidade) e uma exploração dos “regi- dos textos reunidos por nosso autor, percorramos
mes de subjetivação e personificação”, seguindo outra trilha, a do inventário de um percurso inte-
as pistas da fabricação do corpo, do perspectivis- lectual (essa, aliás, a grande diferença em relação
mo, do canibalismo e da predação ontológica. à obra de Cardoso de Oliveira, que deixa de lado
Lembra-nos, ainda, a dívida para com a teoria (e seus textos etnológicos para apresentar uma fase
a prática) antropológica de Lévi-Strauss – porque, distinta da sua biografia intelectual, a que se dedi-
como diz na entrevista que fecha a coletânea, res- ca ao debate epistemológico na antropologia).
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Organizando cronologicamente os textos, a telectual à época.6 Mesmo para quem desconfie


coletânea desenvolve uma abordagem analítica da radicalidade das propostas pós-modernas, que,
que traz um jogo de ecos entre eles. Essa é a ra- com freqüência, levam a uma excessiva auto-re-
zão explicitada para a inclusão das análises feitas flexibilidade, informações como essas terão inte-
pelo autor no início de sua carreira, e que remon- resse em uma coletânea do gênero, ainda que o
tam à sua pesquisa de mestrado entre os Yawala- artigo necessitasse de reformulação, pela qual,
píti do Alto Xingu. A continuidade da temática, aliás, passaram grande parte dos textos. Mas re-
assim como a qualidade da análise, ressalte-se, ja- tornemos ao inventário dos temas e modelos.
mais ficaram despercebidas; a formação de todo Os textos incluídos nessa coletânea têm em
etnólogo passou, em um momento ou outro, por comum, para além das intuições e “obsessões”
essa leitura, ocasião para se surpreender com a desenvolvidas, um modo de construção que par-
sensação de que, no fundo, já estava tudo lá. te de questões postas pela etnografia e/ou etno-
Contudo, a organização cronológica dos tex- logia e rebate na teoria antropológica.7 Certamen-
tos engana, de certa forma. Diz respeito à ordem te, nisso reside a grande força do livro. Viveiros
de escrita, mas não necessariamente às posições de Castro manipula com maestria os dados cole-
que ocupam na formação do autor – e, portanto, tados e as monografias estudadas para endereçar
ao seu papel no desenvolvimento das discussões questões de fundo da disciplina – além daquelas
que enfrenta. Por exemplo, seu segundo grande que apresenta em seu inventário, noções como a
trabalho, uma pesquisa de doutorado entre os Ara- de cultura e a relação estrutura/história (no Capí-
weté, grupo tupi-guarani da Amazônia, cuja mo- tulo 3), a relação entre língua e cultura (Capítulo
nografia publicada4 se tornou, nas palavras de um 1), o sacrifício e o totemismo (Capítulos 4, 7 e 9),
americanista francês, “o livro-fetiche de uma nova o dom e a troca (Capítulo 2), o real e o imaginá-
geração de amazonistas”,5 aparece na coletânea rio ou o dado e o construído (Capítulos 1, 7 e 8),
por intermédio de um texto que repõe as questões sociologia e cosmologia (Capítulos 4 e 8), relati-
já desenvolvidas, embora tenha sido escrito poste- vismo e multiculturalismo (Capítulo 7) –, assim
riormente, tornando-se, assim, o Capítulo 4. O que como problemas relativos à construção de mode-
vem antes dele é posterior no tempo: a revisão da los etnológicos (mais explicitamente no Capítulo
análise do parentesco na Amazônia, e a retomada 6, embora presente em todos).
dos Tupinambá que lhe foi possibilitada pelas des- As incursões no debate antropológico jamais
cobertas entre os Araweté. O desenvolvimento perdem sua referência: o alcance dos conceitos e
dos temas no livro perde-se um pouco pela rees- dos modelos propostos é sempre explicitado, per-
crita, impedindo que uma espécie de arqueologia mitindo ao autor falar da inconstância dos Tupi-
do percurso acadêmico seja plenamente oferecida. nambá, da afinidade potencial como instituindo
O autor adianta-se também a quem lhe quisesse uma socialidade na Amazônia, ou do perspectivis-
fazer a biografia intelectual quando, em vez de re- mo ameríndio. É a partir deles que, como na me-
tomar a análise, reformula os textos. Isso não é um lhor das antropologias, pode repensar noções que
problema, tendo em vista a continuidade de fato mantêm em movimento o debate antropológico.
existente que marca esse percurso; mas, para des- Há, é verdade, um texto em que o debate se des-
gosto dos historiadores das idéias científicas, ficam cola de sua base etnológica. Trata-se do Capítulo
assim perdidas formulações que tiveram uma enor- 5, uma discussão sobre o conceito de sociedade
me importância em sua época. originalmente escrito como verbete de enciclopé-
As indicações que temos de seu percurso in- dia. Por brilhante que seja, podemos nos pergun-
telectual vêm na entrevista publicada como Capí- tar sobre o seu papel na coletânea. A dúvida fun-
tulo 10, mas vale lembrar de um artigo não incor- da-se na percepção de que a obra do autor tem
porado ao volume e que explicitamente recupera grande importância para a revisão corrente desse
a trajetória intelectual do autor, trazendo informa- conceito, na qual se questiona o pressuposto da
ções sobre esse desenvolvimento e o ambiente in- totalidade pondo em jogo noções como a de so-
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cialidade. Afinal, lembrando a revolução provoca- monstra que a questão da sociedade na Amazônia
da nesse conceito analítico pelos Araweté, pode- (já que ele é aplicado mais discretamente para os
se imaginar ter sido muito mais interessante tomar casos do Brasil Central ou do Alto Xingu) só pode
esse debate no corpo da coletânea a partir dessa ser devidamente apreendida se torcermos o pro-
reviravolta. Sobretudo porque a obra mesma de blema classicamente posto pela antropologia; lá,
Viveiros de Castro demonstra seu rendimento, e não nos vemos diante de uma reprodução de so-
porque o debate lhe é caro, no mínimo, desde ciedades, ou totalidades, mas de um contínuo tra-
quando conheceu os Araweté. Mas também por- balho de constituição de socialidades, eternamen-
que é este o movimento dos textos reunidos: te desfeitas para serem então refeitas.
partir de etnografias ou balanços da etnologia O valor constituinte da diferença é revelado
contemporânea da Amazônia para, então, rever também nos textos dedicados aos tupi-guarani.
conceitos correntes da antropologia. No Capítulo 3, tomando por base cartas e relatos
Para além da sua autonomia na origem, os de jesuítas, capuchinhos e viajantes, o autor inver-
textos entabulam um diálogo entre si. Poderíamos te a questão por eles posta, perguntando-se não
escolher dentre várias questões para mostrar esse por que os Tupinambá eram tão “inconstantes” em
diálogo. Exploremos essa revisão da cisão antro- sua conversão e no abandono dos “maus costu-
pológica de sociedade e cosmologia e do próprio mes”, mas, ao contrário, por que são tão constan-
conceito de sociedade. A complexidade encober- tes em sua inconstância. E sua resposta volta a
ta pela divisão entra em cena já no Capítulo 1. Ao abordar o valor da alteridade – essa inconstância,
explorar a classificação simbólica yawalapíti, o limitada, aliás, porque há coisas que são inegociá-
autor demonstra que os modificadores lingüísti- veis para os Tupinambá, é revelada como uma ne-
cos que a operam oferecem menos um diagrama cessidade do Outro ou, e aqui o autor remete a
tipológico da condição animal, vegetal, humana Lévi-Strauss,8 como uma abertura para o Outro. O
ou de espírito, e mais um modo de apreender o Capítulo 4, que trata dos Araweté por meio da fi-
mundo que jamais o divide em categorias estan- gura do matador e da fusão ritual de matador e ví-
ques. As condições de existência ganham no tima, remete à discussão do que seria o socius ara-
mundo yawalapíti um classificador cuja lógica weté, onde, emprestando outra formulação cara
exaustiva é destrinchada para mostrar que nenhu- ao autor, a sociologia está mais para um caso par-
ma delas escapa ou se destaca. ticular da cosmologia – ou onde não há cisão en-
O Capítulo 2, que se poderia dizer o mais tre a sociedade e as esferas cósmicas, mas, ao con-
sociológico de todos, trata de questões de classi- trário, é nas relações cosmológicas, nesse caso
ficações sociais – sistemas e tipos de parentesco, com os deuses canibais, que as relações sociais
constituição de coletividades – para ao final nos são vividas em seu modo forte.
fazer perceber que há algo mais por traz disso, a A noção de perspectivismo desenvolvida no
diferença constituinte que dá movimento e senti- Capítulo 7 retoma a questão: o que são relações
do a esses sistemas amazônicos. Trata-se do gran- sociais em um cenário ameríndio em que há mais
de aporte do conceito de afinidade potencial: ele sujeitos no mundo do que jamais poderíamos es-
não só remete a uma revisão do modelo geral da perar, ou em que animais e espíritos podem ocu-
troca e da aliança e, para os estudos de parentes- par legitimamente a posição de sujeitos? É impor-
co, do sistema dravidiano, modulando para a sua tante notar que, se os problemas são complexos,
existência amazônica a distinção entre consangüi- as propostas analíticas buscam sempre responder
nidade e afinidade, como permite compreender a a essa complexidade. Nesse caso, a resposta mais
estruturação dessas coletividades. No conjunto, simples, ou simplista – a de que esse é um mun-
tem um alcance maior, pois nos apresenta um do em que não se percebe a diferença de fato en-
mundo em que é a diferença, e não a semelhan- tre um humano e um animal, ou de um homem e
ça, o valor de base. Essa “intuição” é desenvolvi- um queixada –, é recusada em favor de uma ex-
da como modelo no Capítulo 8, no qual se de- ploração cuidadosa das condições de atualização-
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homem, ou -espírito, ou -animal. E aqui podemos Eduardo Viveiros de Castro nos diz que sua
vislumbrar a distinção que o autor oferece em seu intenção é “contribuir para a criação de uma lin-
inventário no prólogo de “regimes de personifica- guagem analítica à medida (à altura) dos mundos
ção e subjetivação”, fortemente relacionados, sem indígenas, o que significa dizer uma linguagem
dúvida. A questão é que um modo de subjetiva- analítica radicada nas linguagens que constituem
ção nem sempre é de personificação, e a Pessoa sinteticamente seus mundos. Sua elaboração en-
(humana, diríamos) indígena é literalmente fabri- volve forçosamente uma luta com os automatis-
cada e produzida, distinguindo-se em um meio de mos intelectuais de nossa tradição, e não por me-
subjetivação que de outro modo é indistinto. nos, e pelas mesmas razões, com os paradigmas
Mas, ao indagar o que significaria de fato di- descritivos e tipológicos produzidos pela antro-
zer que os animais são gente, o autor explora o es- pologia a partir de outros contextos sociocultu-
copo e a lógica dessa indistinção. Ao conceder aos rais” (p. 15). A inconstância da alma selvagem
animais uma existência cultural, o perspectivismo demonstra, como poucos, que é a partir dos
ameríndio não nega a diferença dos pontos de vis- mundos indígenas que os conceitos para se com-
ta. Afinal, ele não funda uma grande e única pers- preendê-los devem ser afiados e toma para si
pectiva reversível, mas uma confluência de pers-
esse embate em um mergulho de profundidade.
pectivas que têm em comum o substrato da
É por isso – pela coragem e pela competência ao
subjetividade. Os animais, assim como os humanos,
mergulhar – que podemos estar certos de, com
se vêem como humanos; isso não quer dizer, po-
Viveiros de Castro, estarmos cada vez mais perto
rém, que os animais vejam necessariamente os hu-
de fazer uma antropologia “à medida dos mun-
manos como animais, em uma perspectiva reversa,
dos indígenas”.
e as etnografias trazidas à discussão por Viveiros de
Jamais saberemos quão fiéis somos a esses
Castro mostram que os casos são muito mais com-
mundos, e, nesse sentido, quão à altura deles es-
plexos. A questão, para os ameríndios, é posta em
tamos, mas a obra de Viveiros de Castro (bom
termos do ponto de vista, da perspectiva, e não da
condição pétrea da humanidade. Ao contrário, ela estruturalista, diga-se de passagem) é digna da
é o denominador comum, e todo o trabalho exigi- maior aproximação que já conseguimos. Apre-
do é o de diferenciação, de personificação. senta-nos não apenas um exercício de afiação de
A humanidade é o denominador comum, a conceitos e modelos antropológicos, mas tam-
diferença é constitutiva, e a alteridade ganha, para bém de revisão dos automatismos intelectuais e
os ameríndios, as feições de afinidade, inimizade de dilatação de nossos termos para – sem aban-
e animalidade. Pensar a sociedade ameríndia é doná-los, porque, como lembra, não o podemos,
pensar a abertura ao Outro, é pensar o afim, o ini- mas sempre deles desconfiando – fazer jus à ri-
migo, o animal. Pensar as relações com a nature- queza desses outros mundos, nos quais, como
za é pensar a subjetivação, o ponto de vista. E lembra pelas palavras de Ítalo Calvino oferecidas
pensar o ponto de vista é pensar o canibalismo como epígrafe, a diferença da linguagem não
que os Araweté (ou os Tupinambá) revelam ser a está nas palavras, mas nas coisas.
aquisição de um ponto de vista outro. Enfim, pen-
sar essa abertura ao Outro é refletir sobre a “eco-
nomia simbólica da alteridade”. Chegando ao mo- NOTAS
delo etnológico proposto pelo autor, percebemos
que as revisões de dicotomias como socieda- 1 Roberto Cardoso de Oliveira, O trabalho do antro-
de/cosmologia e natureza/cultura se implicam mu- pólogo, São Paulo/Brasília, Paralelo 15/Editora da
tuamente, ao menos para o caso ameríndio, ou ao Unesp, 2000.
menos para uma etnologia “eduardiana” dos ame- 2 Manuela Carneiro da Cunha, Antropologia do Bra-
ríndios. Esse modelo amplia com os ameríndios a sil: mito, história, etnicidade, São Paulo, Brasilien-
fundação da Cultura, ampliando, com eles, a cul- se, 1986.
tura e a troca fundante. 3 Idem, p. 8.
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4 Eduardo Viveiros de Castro, Araweté: os deuses ca-


nibais, Rio de Janeiro, Zahar/Anpocs, 1986; From
Tupi-guarani, um caso de
the enemy’s point of view: humanity and divinity in fidelidade
na Amazonian society, Chicago, University of Chi-
cago Press, 1992.
Carlos FAUSTO. Inimigos fiéis: história, guerra e
5 Emmanuel Désveaux, Quadratura americana: es- xamanismo na Amazônia. São Paulo, Edusp,
sai d’anthropologie lévi-straussienne, Genebra,
2001. 587 páginas.
Georg Editeur, 2001, p. 229.
6 Eduardo Viveiros de Castro, “O campo na selva, visto João Dal Poz
da praia”. Estudos Históricos, 5/10, 1992, pp. 170-190.
7 Não se trata aqui da distinção que se tornou comum A etnologia das sociedades indígenas sul-
no Brasil, ou seja, da etnologia indígena, de um
americanas, nas últimas décadas, trouxe resultados
lado, e outras antropologias (urbana, rural, da reli-
gião etc.), de outro. Pelo contrário, frisa-se que esse bastante promissores. As descrições etnográficas,
é um exercício de antropologia em sua plenitude, no entanto, distribuem-se ainda de maneira desi-
como poderiam ser outros, cujos dados “etnográfi- gual, em extensão e densidade, o que se deve cre-
cos” não são propriamente “étnicos” ou indígenas. ditar a um pouco orquestrado, se não disperso
Lévi-Strauss comenta essa distinção gradativa e assi-
moto investigativo. Os percalços, não resta dúvida,
nala que essas podem ser “três fases de uma mesma
pesquisa”, diferenciando-se pelo distanciamento são variados e nada irrelevantes. Todavia, alguns
que se toma dos dados particulares e pelo escopo esforços continuados sobressaem, graças ao em-
da generalização. Cf. Antropologia estrutural I, Rio penho de sucessivas gerações de antropólogos.
de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975, pp. 394-396. A copiosa tradição de estudos acerca dos po-
8 Claude Lévi-Strauss, História de Lince, São Paulo, vos da família lingüística tupi-guarani, o ramo
Companhia das Letras, 1991. principal do tronco tupi, é um dos casos mais
exemplares. Aos trabalhos pioneiros de Curt Ni-
CLARICE COHN é doutoranda no Departa- muendaju (1914) entre os Apapokuva, no Brasil, e
mento de Antropologia da Faculdade de Filo- de Leon Cadogan (1959) entre os Guarani, no Pa-
sofia, Letras e Ciências Humanas da USP e raguai, tantos outros se agregaram, compondo um
bolsista do CNPq. amplo e consistente quadro etnográfico, com te-
mas bem delineados. Florestan Fernandes (1949;
1970) consolidou uma síntese ambiciosa da orga-
nização social e da função da guerra nos Tupi-
nambá, com base nos relatos de cronistas qui-
nhentistas e seiscentistas. A partir das mesmas
fontes, Alfred Métraux (1979; 1927; 1928) já havia
abordado em traços vigorosos o sistema religioso,
as migrações messiânicas e a cultura material tupi-
guarani. Egon Schaden (1954) e James Watson
(1952) trataram das mudanças culturais (na reli-
gião e na economia, respectivamente) entre os
Guarani contemporâneos, no centro-sul do Brasil
e no Paraguai. Sob um olhar também culturalista,
Herbert Baldus (1970) e Charles Wagley (1977)
investigaram os Tapirapé, no Mato Grosso, e Char-
les Wagley e Eduardo Galvão (1961) os Teheteha-
ra (ou Guajajara), no Maranhão. E na mesma re-
gião, Francis Huxley (1957) e Darcy Ribeiro (1996)
enfocaram aspectos típicos do cotidiano dos Uru-

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