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Para início de conversa, vou repetir o que disse o filósofo John Austin ao se referir
ao sentido de performativo: “Sabe, não faço a menor ideia do que ele quer dizer, a
não ser que, talvez, ele queira simplesmente dizer o que diz. Pois bem, isso é o que
gostaria de ter querido dizer” (Austin, 1961, p. 233). E também empregar algumas
falas encontradas no livro “Aventuras de Alice no País das Maravilhas” para deixar
claro o meu desconforto diante dessa indagação:
1
Graduado em Comunicação Social e em Letras Português /Inglês (PUC/PR). Mestre
em Linguística (UFPR). Doutor em Ciências da Comunicação (USP). Pós-Doutor em
Pragmática (UNICAMP). Professor efetivo "Associado II " na Universidade Federal
do Paraná onde atua no ensino de graduação (Jornalismo, Relações Públicas e
Publicidade) e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR . Coordena o
Grupo de Pesquisa "Mídia, Linguagem e Educação" (MEDUC) credenciado pela UFPR
e registrado junto ao CNPQ . É membro do Grupo de Pesquisa "Linguagem e Identidade
- Abordagens Pragmáticas" coordenado pelo professor Dr. Kanavillil Rajagopalan no
Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) na Unicamp e membro associado à
International Pragmatics Association -IPRA.
- Quando eu uso uma palavra, disse Humpty-Dumpty em tom escarninho, ela significa exatamente
aquilo que eu quero que signifique...nem mais, nem menos.
- A questão, ponderou Alice, é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes.
- A questão, replicou Humpty-Dumpty, é saber quem é que manda. É só isso. (CARROLL, 1980, p.
196).
O fato é que em virtude do poder relativo que tenho sobre/neste artigo e da minha
impossibilidade em restringir os sentidos em uso, vou me limitar, inicialmente, ao
aspecto semântico do termo concepção, isto é, ao que está dicionarizado: “Ato ou
efeito de conceber ou gerar. Ato de conceber ou criar mentalmente. Maneira de
conceber ou formular uma ideia. Compreensão (...)” (Holanda Ferreira, 1975, p.
358). Mesmo assim, a digressão em torno dos significados é bastante temerária, haja
vista os rastros que permanecem na história, marcas das intervenções e
deslocamentos impostos por potências para ressaltar e representar interesses
hegemônicos. Poucos ousam, por exemplo, questionar a noção de “concepção” do
universo por um Ser Supremo e os mais ousados, antes de negarem, falam em um
“design inteligente” (criação inteligente). Ao lado da ironia desse comentário, cabe
ressaltar o que disse Derrida (1994, p.40): “(...) a polissemia ordenada da palavra
sempre comporta o sentido de um lugar político ou, mais geralmente, de lugar
investido, por oposição ao espaço abstrato”. De qualquer modo, a palavra concepção
pode ser entendida como criação; e, neste trabalho, seguindo as cosmogonias
antigas, vamos entender a ação criadora como uma ação organizadora, antes que um
começo absoluto. Numa perspectiva em que o Caos anterior já existia enquanto
realidade complexa e dinâmica, o acontecimento inicial: “Que a luz seja” (Gênesis,
1-3) consagra o primeiro performativo, cujo “fazer” destaca o início de um processo
de escolhas e no início da construção de representações. Dito de outro modo, a
palavra criadora irá consagrar um gesto que moldará para a eternidade o homo
depictor “(...) os seres humanos são representadores. Não homo faber, eu digo, mas
homo depictor. As pessoas fazem as representações” (Hacking, 1983, p. 19).
CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM
Hacking (1983, 139) afirmou: “Novas teorias são novas representações. Elas
representam em formas diferentes para que haja novas formas de realidade”. E
acrescento o que disse Rajagopalan (2003, p. 120): “Toda representação é política
porque se constitui num ato de intervenção”. Neste viés, não creio que haja a
necessidade de se elaborar uma concepção de linguagem, ou seja, uma teoria
inovadora (até, porque, não temos competência para tal). Uma abordagem que
privilegia o uso da linguagem nos contextos sociais é fornecida pela Pragmática,
cujo entorno são o processo de produção da linguagem e seus produtores, e não
exatamente o produto final, a linguagem em si. Essa abordagem privilegia o “mundo
dos usuários” (MEY, 1993), isto é, o universo dinâmico e sociossemiótico, em que
as interações acontecem em um permanente conflito de posições valorativas
(Oliveira, 2009). No escopo da Pragmática a linguagem é necessariamente
antirrepresentacional e performativa, ou seja: fazemos coisas com a linguagem;
coisas que não são traduzíveis em termos de verdade ou falsidade, mas em termos
de efeitos.
“Odeio a pobreza, mas não acredito em esmola para gente sã. Nem em milagres.
Sou católico, mas se ficar ajoelhado diante de um salame pendurado, rezando ‘Pai
Nosso que Estais no Céu! Morro de fome. E o salame não vem”. A declaração é de
Tranquilo Favero em entrevista concedida à Folha. Favero pilota um império que
inclui terras, produção de sementes, fábrica de agroquímicos, máquinas agrícolas,
linhas de financiamento à produção, silos de armazenagem e até um porto. Na
entrevista, Favero disse que é inútil lidar com os sem-terra na base da diplomacia,
que eles têm de ser tratados "como mulher de malandro, que só obedece na base do
pau" (Folha de São Paulo, Caderno Mundo, edição de 05/02/2012).
Esta situação não está restrita a uma categoria profissional, a um tipo específico de
organização ou de dirigente. É fácil constatar como a ansiedade, a pressão, a inveja,
o estresse a cobiça estão presentes na maioria das relações de trabalho da atualidade
e refletem o modo como nos relacionamos com as práticas cotidianas, ou seja: com
as diferentes crenças individuais pela/na linguagem. Cabe salientar que a ideia de
crença substitui a noção de representação como função da linguagem e neste
trabalho tem o seguinte sentido:
(...) como uma regra para a ação, uma ferramenta para lidar com a realidade, uma determinação
acerca de como responder a certas contingências. Somos levados a adquirir crenças, retê-las ou
modificá-las não por alguma simples deliberação racional, mas como respostas a eventos. (...) essas
crenças podem ser alteradas em contato com outros eventos. Mas a existência, a permanência e a
modificação das crenças não dependem do fato de que representem adequadamente ou não a
realidade (BEZERRA JÚNIOR, 1994, p. 156).
A perspectiva Pragmática em que as crenças são regras para a ação não possui um
objetivo final, como por exemplo, o “retorno ao Paraíso”, ou seja: não existe uma
finalidade última, uma explicação teleológica que justifique o seu uso nas
organizações. No entanto, pensando na necessidade que existe ao nível das relações
interpessoais nesses ambientes, onde o indivíduo ao ser admitido: “(...) deve vestir a
camisa da empresa. Isto é certo: seus objetivos, seu esforço e atividade devem estar
de acordo com os da empresa. O problema não está em vestir a camisa, mas em
precisar despir suas próprias roupas para fazê-lo” (Durand, 2000, p.14). Há que se
investigar como as pessoas estão usando as práticas institucionais para criar
linguagem e estabelecer relações políticas e hierárquicas. Uma reflexão feita a partir
de um viés Pragmático é muito mais útil para compreender os comportamentos
comunicativos organizacionais em virtude da multiplicidade de crenças e intenções
subjacentes a essas práticas. Por outro lado, é um estímulo para que as pessoas
tentem sair das contingências e teorias herdadas e possam convergir para uma
plataforma onde o campo ético é que irá definir as escolhas.
O recurso à Pragmática não deve ser encarado com uma “tábua de salvação” para
evitar os conflitos e eliminar as barreiras existentes na comunicação organizacional.
O emprego do termo barreiras denota como a linguagem em uso nesses contextos
ainda é controlada e regida por regras determinísticas e padece com a herança da
autonomia. A mudança de um vocabulário representacional para um vocabulário de
ações intencionais não eliminará as barreiras na comunicação organizacional; mas
os ruídos não serão considerados fatores estranhos à prática linguística e que por um
golpe de azar ou do destino, ou por culpa de Karl Marx ou de Freud, irão aparecer e
intervir no discurso, alterando os sentidos e dificultando a inteligibilidade do texto.
Dito de outra forma: em uma concepção que considera a linguagem como um
sistema autônomo (homogêneo, estável), imune às interferências externas e pré
existente ao próprio uso, tudo o que interferir na comunicação será considerados
como “desvio”, “erro” ou “inadequado” para essas circunstâncias. Para explicar
esses problemas foram criadas teorias, como a Análise do Discurso, que transformou
o usuário da linguagem em “Sujeito Assujeitado” (escravo do inconsciente e da
ideologia) sem lugar para uma intencionalidade accional. Esta Gramática do Texto
desdobrou-se na atualidade em uma série de estudos críticos cujo objetivo é verificar
como os discursos institucionais são alterados, distorcidos e manipulados pelos
conteúdos ideológicos e como os conflitos de classe e a questão da hegemonia
transformou a organização em um espaço agonístico (Oliveira, 2012). Com certa
regularidade, o objetivo desses modelos é restabelecer/alcançar a “ordem ideal” do
discurso (linguagem) que foi distorcida pelo poder (Wodak, 1996).
Neste imbróglio, também houve apelo para uma vertente Pragmática sustentada por
pressuposto logicistas e formais a fim de explicar os sentidos implicados,
subentendidos, não ditos, desditos e malditos da comunicação. A Pragmática, que
Bar-Hillel (1971) chamou de a “lata de lixo da linguística”, esteve sob domínio dos
filósofos analíticos e um deles, H. Paul Grice (1913-1988) exerceu uma influência
tão grande nesta área que a Pragmática pode ser dividida entre o “antes e depois” de
Grice. No clássico livro Pragmatics (Levinson, 1983, p.97) diz que as implicaturas
conversacionais propostas por Grice constituem uma das ideias mais geniais dentro
do escopo desta disciplina e as coloca como exemplo do poder de explicação dos
fenômenos linguísticos. Apesar do elogio, o trabalho de Grice não está isento de
críticas e Oliveira (1999, p. 31-39) elenca algumas idéias que devem ser colocados
“sob suspeita”: a) universalidade das máximas conversacionais; b) suposição de uma
racionalidade geral para a cooperação; c) descaso com as restrições socioculturais
das interações. Ou seja, critérios que estão centrados na ideia de “objetivo comum
estabelecido pela natureza humana” e não por esta ou aquela comunidade em
particular e que uma perspectiva Pragmática dos Performativos irá rejeitar e
denunciar. Cook (1990, p. 15) disse “A filosofia Pragmática não é uma técnica
pronta e acabada para a análise do discurso como ele se processa (...)” e depois
Rajagopalan (2002, p. 24): “(...) a maioria das teorias ditas pragmáticas se dedica à
tarefa de delimitar, circunscrever, ou até mesmo cercear ou imobilizara a prática
linguística ao invés de descrevê-la ou explicá-la”.
Isto não quer dizer que a Pragmática dos Performativos converge para a práxis
“intermundana”de Habermas (Pragmática Universal) com a função de “resolver
problemas”; pois não há espaço para o universalismo e para o racionalismo
iluminista na Pragmática dos Performativos.Tampouco busca acolhida no
Neopragmatismo de Richard Rorty, cuja atitude antiessencialista, antimetafísisica e
antifundacionista constitui uma “semelhança de passagem” com a noção dos
performativos. O distanciamento ocorre quando Rorty coloca a política apenas como
uma questão privada, isto é, restrita à tomada de decisões imediatas e concretas do
Sujeito sem nenhum apelo a uma “fundação”. A Pragmática dos Performativos
descarta o alinhamento da política com um pensamento fundador, uma associação a
grandes narrativas, uma filosofia política estabelecida em função de determinadas
crenças. O descarte não implica em deixar de lado os avanços democráticos
alcançados pelas instituições. No entanto, a Pragmática dos performativos apela para
uma Lógica de Cooperação (um termo marcado negativamente por causa da
filosofia de Grice) no momento em que o Sujeito, intencionalmente, entra no campo
das escolhas para construir representações de si ou do mundo a sua volta. E qual o
motivo do apelo à cooperação? Uma recaída metafísica? Ou a tendência apontada
por Barthes (1972, p.113) de colocar a cooperação como uma condição
indispensável para a existência da “grande Família dos Homens”? Nenhum dos dois
motivos justifica a opção. A questão converge para o que disse Derrida (2004, p.
38): “Não há acontecimento sem experiência” e toda experiência é prática de vida e
conhecimento concreto que o indivíduo aufere em sua relação com o Outro (obrar
com). Um acontecimento é sempre novo, mas sustentado pela experiência prévia. O
fato é que há uma conectividade entre os diversos atos de fala de uma organização e
por isso o contexto (local) de uso da linguagem é sempre definido de forma
relacional e a partir de certas perspectivas, criando um “em-torno” que é próprio da
cooperação, ou seja: um contexto de práticas linguísticas onde o indivíduo está a
“operar com o Outro” – conforme as exigências institucionais, embora nem sempre
exista uma somatória de interesses nesse trabalho em comum. No plano macro é
possível verificar como a lógica da cooperação funciona em instituições
internacionais, como por exemplo: na Unasul, na União Européia, entre outras. O
objetivo dessas organizações é criar bases para uma relação cooperativa entre os
vizinhos, promover a integração com todos os “irmãos” do continente onde estão
localizadas. No entanto, uma análise das concessões e contrapartidas, políticas e
econômicas, mostra que os países operam juntos, mas o lado mais fraco da relação
arcará com o ônus e o mais forte ficará com o bônus.
PERFORMATIVO ORGANIZACIONAL
(...) percebe-se a necessidade de resgatar o papel originariamente reservado por Austin aos atos
ilocucionários – o de serem unidades de análise indissoluvelmente culturais, compreensíveis apenas
enquanto fatos institucionais, específicos de cada comunidade. Torna-se também urgente rever toda a
tendência universalizante que imperou nas mais diversas abordagens pragmáticas que abrigam em
seu bojo o ato de fala como conceito central (RAJAGOPALAN, 2010, p.65).
O pressuposto desse argumento é que as pessoas, quando participam de um jogo linguístico, o fazem
com a intenção de se orientarem no universo cultural dos sentidos e, ao mesmo tempo, assumir uma
posição estratégica diante de outras atitudes valorativas expressas. Nessas circunstâncias, a
intencionalidade é vital para a Pragmática e deve ser entendida aqui como um processo ativo e
singular do indivíduo em responder às condições objetivas (sociais e corporais), e não como a
expressão de um estado interior que pretensamente atue em termos causais (OLIVEIRA, 2009, p.
191).
Na região da Malásia, é comum, apenas entre os homens, a ocorrência de uma crise chamada ‘amok’.
O indivíduo acometido por ela, um sujeito habitualmente dócil e pacífico, de repente salta no meio da
rua e, de posse de um facão, corre, grita com uma violência inusitada, e mata os seres que encontra
em seu percurso. (...) A previsibilidade dos atos de um indivíduo acometido por essa ‘crise de loucura
furiosa’ resulta de um poderoso condicionamento cultural. Dependendo da sitação em que se
encontra um jovem malaio, a solução que se lhe apresenta é o ‘amok’. Espera-se que ele se conduza
da maneira correta(...) (FRAYZE-PEREIRA, p.29-30).
CONCLUSÃO, AFINAL
REFERÊNCIAS:
AUSTIN, John. How to Do Things with Words. Oxford. Clarendon Press, 1962.
BARTHES, Roland. A Grande Família dos Homens. In: Mitologias. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, p.113-116, 1972.
CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no País das Maravilhas. São Paulo: Summus
Editorial, 1989
______. Por uma Pragmática Voltada à Prática Linguística. In: ZANDWAIS, Ana
(Org.). Relações entre Pragmática e Enunciação. Porto Alegre: Sagra Luzzatto,
p.22-35, 2002.
______. Nova Pragmática: fases e feições de um fazer. São Paulo: Editorial
Parábola, 2010.