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Histórias do fado
As primeiras referências ao fado datam dos anos 1830-40. Situam-no nas tabernas,
bordeis, nos retiros (casas de pasto) dos bairros lisboetas e da periferia da cidade, nas
esperas de touros. Maria Severa Onofriana (1820-1846), a fadista mítica que funda a
origem do fado nas casas de prostituição dos bairros portuários da cidade de Lisboa,
cantava e tocava fado. O seu romance com o conde de Vimioso ilustra a presença do
fado nos meios boémios da aristocracia e alta burguesia e foi imortalizado em operetas,
revistas e inclusive no primeiro filme sonoro do realizador Leitão de Barros, intitulado A
Severa, de 1931. Já as primeiras publicações de fados (acompanhamento para piano e
poesia) datam da segunda metade do século XIX, destacando-se o Álbum de músicas
Nacionais de João Ribas, de 1858[1860] e o Cancioneiro de Músicas Populares de César
das Neves e Gualdino de Campos (1893, 1895 e 1898). Na segunda metade do século
XIX, o fado aparece documentado no centro-norte do país (Ribas 1858/1860), tendo no
contexto estudantil da universidade de Coimbra adquirido desenvolvimentos
particulares com a canção de Coimbra. Estas publicações revelam a expansão dos
contextos performativos e o alargamento social do fado aos sectores da burguesia.
Datam deste período os primeiros argumentos sobre as origens do fado (ver Nery 2011).
No século seguinte publicações periódicas como O Fado, conquistam um número
crescente de leitores aficionados. É a partir desses anos que se radicaliza a discussão em
torno do fado como canção nacional.
As primeiras gravações de fado em discos de 78 r.p.m. foram realizadas para a The
Gramophone Company por William Sinkler Darby, na cidade do Porto. Darby gravou o
conceituado guitarrista Reynaldo Varela e o fadista Souza (Losa 2013). Nesses anos, o
fado abordava não só os temas acima referidos, como narrava os factos do quotidiano,
ao mesmo tempo que servia de crítica social e de intervenção sindical e política,
dimensões travadas mais tarde pela censura no período da ditadura do Estado Novo
(1926-1974), pelo impacto da carteira profissional imposta por esse regime e pelo efeito
de eventos como “A Grande Noite do Fado”, que desde 1953 se realizou no Coliseu dos
Recreios em Lisboa.
A reprodução mecânica imortalizou as interpretações dos guitarristas Reynaldo Varela
(1867-1940) e Armandinho (1891-1946) e dos fadistas Alfredo Marceneiro (1891-1982)
e Amália Rodrigues (1920-1999), entre tantos outros. O fadista Alfredo Marceneiro é
uma das referências do século XX, tendo composto ele próprio fados que interpretou
com uma vocalidade muito própria (a alcunha ‘marceneiro’ deve-se à sua profissão).
“Estranha forma de vida”, um fado muito presente no repertório de fadistas, com
poema de Amália Rodrigues, foi composto por Alfredo Marceneiro. Mas a referência
incontestada do fado é, nos dias de hoje, a fadista Amália Rodrigues, ela própria autora
de poemas e também actriz de teatro, cinema e televisão (Nery 2010a). As suas
interpretações de fados como “Povo que lavas no rio” (música do “Fado Vitória”, com
poema em sextilhas de redondilha maior, da autoria de Pedro Homem de Mello) que se
distinguem pelas qualidades vocais, expressividade e constante recriação, conquistaram
os públicos das mais prestigiadas salas de espectáculo. O modo como se apresentava
em palco - quase sempre com xaile e longos vestidos pretos - transformou-se num ícone
do próprio fado (Nery 2010b).
A partir das últimas décadas do século XX, a audição dos registos dos grandes fadistas é
um recurso importante no processo de aprendizagem de fado, complementado sempre
que possível com a peregrinação aos contextos de memória. É este o trajeto de fadistas
emigrantes portugueses que iniciam as suas carreiras fora de Portugal.
No fado (o termo significa destino, sorte, fortuna) predominam no século XXI temas
como a saudade, destino, infortúnio, amor e ciúme. Desde 2011, o fado é Património
Imaterial da Humanidade.
Bibliography
Brito, Joaquim Pais de (coord.). 1994. Fado Vozes e Sombras. Lisboa: Museu nacional
de Etnologia
Castelo-Branco, Salwa. 1997. Voix du Portugal. Paris: Cité de La Musique/Actes Sud.
Elliot, Richard. 2016. Fado and the Palce of Longing. Loss, Memory and the City.
London and New Yoork: Routledge.
Grey, Lila Ellen. 2013. Resounding Fado. Affective politics and urban life.Durham and
London: Duke University Press.
Losa, Leonor. 2013. Machinas Fallantes. A música gravada em Portugal no início do
século XX. Lisboa: Tinta-da-China.
Nery, Rui Vieira. 2010. “Fado” and “Amália Rodrigues”. Enciclopédia da Música em
Portugal no Século XX, coord. Salwa Castelo-Branco, pp. 433-453 and 1132-38. Linda-a-
Velha: Círculo de Leitores.
Nery, Rui. 2012. A history of portuguese fado. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da
Moeda.
Nery, Rui Vieira. 2010a. “Fado”. Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX,
coord. Salwa Castelo-Branco, pp. 433-453. Linda-a-Velha: Círculo de Leitores.
Nery, Rui. 2010b. Pensar Amália. Lisboa: Tugaland.
Discography
Alfredo Marceneiro - The Fabulous Marceneiro. Columbia/ Valentim de Carvalho,
1961.
Amália Rodrigues - O melhor da Amália: Estranha forma de vida. 2 CD, EMI-Valentim
de Carvalho, 1995 [1965, 1985].
Armandinho – As sessões HMV de 1928-1929, Arquivos do Fado IV, CD Interstate
Music, Heritage HTCD 25 and Tradisom, 1994.
Sites
Fado Museum (http://www.museudofado.pt/)
Digital Sound Archive (http://arquivosonoro.museudofado.pt/)
(http://www.rtp.pt/arquivo/index.php?article=2352&tm=21&visual=4)