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Alain rabatel
Se um conceito não existe de verdade sem palavra para dizê-lo, ele pode existir no
estado pré-teórico, e as incertezas de dominação, assim como no emprego
aparentemente sinônimo do locutor ou do enunciador, são, a mínima, o indício de um
problema. De fato, muitos lingüistas utilizam indiferentemente locutor ou enunciador,
para remeter ao produtor dos enunciados enquanto que outros empregam
exclusivamente um ou outro termo. Segundo o Tesouro da Língua Francesa, o locutor,
“sujeito que fala, que produz enunciados”, não se distingue do enunciador, definido
como “agente criador de um enunciado”, sob a pluma do Conselho internacional da
Língua Francesa. Essas definições não brilham por suas diferenças - sobretudo, se
juntamos as diferenças da enunciação (“ação de enunciar, fato de pronunciar ou
escrever sons ou letras”) – nem entram no detalhe do que é enunciado, escolhas de
referenciação e de responsabilização enunciativa, qualquer coisa importante para a
disjunção locutor/enunciador. Esta aparente equivalência é acrescida pelo fato que a
série de enunciação, enunciador, enunciado é ameaçada pela série fundada sobre a
etymon loquor/loqui que deu origem a termos mais antigos e mais utilizados na
linguagem ordinária do que na primeira (paralelamente aos termos técnicos,
contemporâneos da primeira série): elocução, locução, locutor, interlocutor, locuté,
délocuté, allocuté, alocutário, locutório, ilocutório, per locutório, sem contar os termos
tais como eloqüência, alocução, ventríloquo, solilóquio21, etc. a co-existência de séries
1“A partir do momento que o enunciador utiliza a língua para influenciar de certa
maneira o comportamento do alocutário, ele dispõe para esse fim de um aparelho de
função” (PLG 2 : 84 ; cf. PLG1 : 242). A dupla, enunciador (e não locutor) alocutário é
significante do entrelaço das séries lexicais e dos conceitos. As abreviações PLG e
VOC, seguidas de um número, remete ao volume dos Problemas da Lingüística geral ou
do Vocabulário das instituições européias.
2 não existe relação entre a origem do verbo latino e o lego/logos em grego (que
provem de uma origem indo européia *leg-/*log-). Mas, a cumplicidade semântica, é
substituída pela cumplicidade fonológica, coincidentemente, induziu os Romanos a
forçar as coisas: assim a imitação das palavras gregas em –logia ou em –logos deu
origem aos neologismos em –loquium ou –loquus. Cícero inventa veri-loquium para
imitar etymo-logia (“a fala autêntica”); a mesma coisa para soliloquium monólogos.
Obrigado a Christian Nicolas por esses exemplos do etimologismo popular.
pouco diferenciadas ou heterogêneas, tanto nos usos populares como entre os eruditos,
testemunha a dificuldade de pensar os fenômenos concomitantes, mas não
necessariamente solidários (Philippe 2002).
iii) Ato único, individual pelo qual o eu/aqui/agora se afirma como instância de
discurso (Benveniste, “A natureza dos pronomes”, 1956, in PLG 1 75-87; “da
subjetividade” (1958, in PLG 1, 258-266); “As relações do tempo no verbo
francês”(1959, PLG 1, 225-236).
2
3 Homo homini lupus não é uma variante da frase com o verbo (Homo homini lupus
est), mas retoma o modo de “enunciação distinta” (PLG 1966 : 166) : a frase com
predicado nominal nem cúpula é “uma afirmação nominal, completa em si”, que “
coloca o enunciado fora de qualquer localização temporal ou modal e fora da
subjetividade do locutor” (ibid. : 159-160).
4 O locutor encontrará em Homo narrans um grande número de exemplos (e análises de
marcas muito variadas) nas quais a referenciação dos objetos do discurso indica um
PDV. Por razões de lugar, nos limitamos ao exemplo (1) para distinguir a realidade dos
dois sujeitos modais distintos, realidade que é confirmada apenas por duas marcas, mas
é óbvio que mais freqüentemente é um conjunto de várias marcas convergentes que
constrói o PDV.
v) Atualização da frase na realidade do discurso (1970). Segundo Ono, esta concepção,
próxima de 2), difere nitidamente da importância dada a questão da referência, pela qual
Benveniste restabelece com preocupações antigas, expressas desde 1950 em seu artigo
“A frase nominal”(PLG 1, 151-167).
Certamente, é possível ter em vista uma outra explicação, segundo a qual o condicional
não exprime uma distanciação epistêmica, mas uma alteridade enunciativa. Podemos
também imaginar que esta atitude corresponde ao PDV de um bom conhecedor da
guerrilha apto a decodificar os sinais emitidos pela guerrilha: esta hipótese não muda o
plano5, ela confirma que o PDV é atribuído a uma instância distinta de L1/E1. Mas,
mesmo nesse caso, supor que 12/e2 desconfia do engajamento deste outro sujeito modal
que é a guerrilha, nos encontramos diante da responsabilização de 12/e2 que vem se
apoiando na quase responsabilização imputada pela guerrilha (e2’), no contexto
fundamentalmente dialógico, que aí é essencial.
Nesse sentido o PDV é uma problemática mais complexa que a da voz e do discurso
segundo.
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Podemos pensar que é uma pena utilizar o mesmo termo de enunciador, para remeter
aos fenômenos diferentes (E1 em sincretismo com 3L1, e2 em sincretismo com 12, ou
e2 sem 12), mas parece, por essa reflexão, que é interessante que seja precisamente o
mesmo, tendo em conta que
- não paramos de falar a partir dos PDV de outros, que reconstruímos conforme a nossa
necessidade, sob forma de fala, julgamentos incorporados nas percepções,
comportamentos, maneira de agir;
- não paramos de nos posicionar em relação a esses PDV, se responsabilizando por eles,
se distanciando ou ficando neutro (ter na conta de);