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SENSAÇÕES E PROCESSOS CEREBRAIS

SUPONHA que eu relato que tenho neste momento uma pós imagem arredondada de arestas
embaçadas que é amarelada em direção às bordas e laranja em direção ao centro. O que é isso que
eu estou relatando?1 Uma resposta para esta questão poderia ser que eu não estou relatando coisa
alguma, que quando digo que parece para mim como se houvesse uma mancha arredondada laranja-
amarelada de luz na parede, eu estou expressando algum tipo de tentação, a tentação de dizer que
há uma mancha redonda laranja-amarelada de luz na parede (embora eu possa saber que não há uma
tal mancha na parede). Esta talvez seja a visão de Wittgenstein nas Investigações Filosóficas (veja
parágrafos 367, 370). Similarmente, quando eu "relato" uma dor [pain], não estou realmente
relatando coisa alguma (ou, se você quiser, estou relatando um sentido estranho de "relatar"), mas
estou fazendo uma espécie sofisticada de estremecimento. (Veja o parágrafo 244: "A expressão
verbal da dor substitui o grito e não a descreve." Nem descreve qualquer outra coisa?) 2 Eu prefiro
na maior parte do tempo discutir uma pós-imagem em vez de uma dor, porque a palavra "dor" traz
consigo alguma coisa que é irrelevante para meu propósito: a noção de "aflição". Penso que "ele
está com dor" envolve "ele está em aflição", isto é, que ele está numa certa condição-de-agitação.3
Similarmente, dizer "Eu estou com dor" pode fazer mais que "substituir comportamento de dor":
pode ser em parte relatar alguma coisa, apesar de essa alguma coisa ser completamente não-
misteriosa, sendo uma condição-de-agitação, e assim suscetível de análise comportamental. A
sugestão que eu desejo se possível evitar é uma diferente, a saber, que "eu estou com dor" é um
relato genuíno, e que o que ele relata é alguma coisa irredutivelmente psíquica. E similarmente a
proposta a que eu desejo resistir é também que dizer "eu tenho uma pós-imagem laranja amarelada"
é relatar alguma coisa irredutivelmente psíquica.
Por que eu desejo resistir a essa sugestão? Principalmente por causa da navalha de Occam.
Parece-me que a ciência está cada vez mais nos dando um ponto de vista no qual organismos são
aptos a serem vistos como mecanismos físico-químicos:4 parece que mesmo o comportamento do

1 Este paper parte de argumentos encontrados em “Is Consciousness a Brain Process?” de U. T. Place (British Journal
of Psychology, XLVII, 1956, 44-50). Eu tive o benefício de discutir a tese de Place em boa quantidade de
universidades nos Estados Unidos e Austrália, e espero que o presente paper responda objeções à sua tese que Place
não considerou e apresente sua tese em uma forma quase inobjetável. Este paper também tenciona suplementar “The
'Mental' and the 'Physical',” de H. Feigl (em Minnesota Studies in the Philosophy of Science, II, 370-497), que
discute uma tese que é quase a mesma que a de Place.
2 Alguns filósofos que me são familiares, que têm a vantagem sobre mim de terem conhecido Wittgenstein, poderiam
dizer que esta interpretação dele é muito behaviorista. No entanto, parece-me uma interpretação muito natural de
suas palavras impressas, e se é ou não o ponto de vista real de Wittgenstein é certamente um ponto de vista
interessante e importante. Eu desejo considerá-la aqui como um rival possível para ambos, para a tese de “processo-
cerebral” e para o dualismo à moda antiga.
3 Veja Ryle, Concept of Mind (New York, 1949), p.93.
4 Nesse ponto, veja Paul Oppenheim e Hilary Putnam, “Unity of Science as a Working Hypothesis,” em Minnesota
studies in the Philosophy of Science, II, 3-36; também minha nota “Plausible Reasoning in Philosophy,” Mind,
próprio homem será um dia explicável em termos mecânicos. Realmente não parece haver nada no
mundo, até onde a ciência está comprometida, além de arranjos de constituintes físicos cada vez
mais complexos. Tudo exceto por um lugar: na consciência. Isto é, para uma descrição completa do
que está acontecendo em um homem você teria de mencionar não apenas os processos em seus
tecidos, glândulas, sistema nervoso, e assim por diante, mas também seus estados de consciência:
suas sensações visuais, auditivas e tátis, suas ânsias☺ e dores. Que elas possam ser correlacionadas
com processos cerebrais não ajuda, pois dizer que elas são correlacionadas é dizer que são alguma
coisa “mais além” desses processos. Você não pode correlacionar alguma coisa consigo mesma.
Você correlaciona pegadas com ladrão, mas não Bill Sikes, o ladrão, com Bill Sikes, o ladrão. Então
sensações, estados de consciência, realmente parecem ser o tipo de coisa deixada de fora da pintura
fisicalista, e por várias razões eu simplesmente não posso acreditar que isso possa ser assim. Que
tudo deva ser explicado em termos da física (junto, é claro, com descrições dos modos nos quais as
partes são postas juntas – grosseiramente, a biologia é para a física como a engenharia de rádio é
para o eletromagnetismo) exceto a ocorrência de sensações parece ser, para mim, francamente
inacreditável. Tais sensações seriam "osciladores nomológicos", para usar a expressão de Feigl.5
Não são poucas as vezes em que se percebe como essas leis, por meio das quais esses "osciladores
nomológicos" oscilam, seriam singulares. Algumas vezes é perguntado, "Por que não pode haver
leis psicofísicas que são de um novo tipo, assim como as leis da eletricidade e magnetismo foram
novidades do ponto de vista da mecânica newtoniana?" Certamente estamos bastante certos de no
futuro nos depararmos com novas leis últimas de um novo tipo, mas espero que elas digam respeito
a constituintes simples: por exemplo, quaisquer que sejam as últimas partículas então em volga.
Não posso acreditar que as leis últimas da natureza possam relacionar constituintes simples para
configurações consistindo de talvez bilhões de neurônios (e só Deus sabe! quantos bilhões de
bilhões de partículas últimas) todas postas juntas por todo o mundo como se o principal propósito
delas na vida fosse ser um mecanismo de feedback de uma espécie complicada. Tais leis últimas
seriam como nada até então conhecido na ciência. Elas têm um "cheiro" estranho pra eles. Eu
realmente sou incapaz de acreditar nos próprios osciladores nomológicos, ou nas leis pelas quais
eles oscilam. Se quaisquer argumentos filosóficos pareceram nos compelir a acreditar em tais
coisas, eu suspeitaria de um embuste no argumento. De qualquer modo, é o objetivo deste artigo
mostrar que não há argumentos filosóficos que nos forcem a sermos dualistas.
O que foi dito acima é largamente uma confissão de fé, mas explica porque eu acho a
posição de Wittgenstein (como eu a construo) tão adequada. Pois nesse ponto de vista, em um certo

LXVI (1957), 75-78.


☺ Em inglês há uma distinção entre ache e pain, porém não fazemos essa distinção em português, usando a palavra dor
indistintamente na tradução das duas palavras. Neste caso, traduzi aches por ânsias.
5 Feigl, op. cit., p.428.
sentido, não há sensações. Um homem é um vasto arranjo de partículas físicas, mas não há, mais
além disso, sensações ou estados de consciência. Há apenas fatos comportamentais sobre esse vasto
mecanismo, tais como que ele expressa uma tentação (disposição comportamental) para dizer “há
uma mancha vermelha-amarelada na parede” ou que efetua uma espécie sofisticada de
estremecimento, isto é, diz “eu estou com dor”. Admitidamente, Wittgenstein diz que embora a
sensação “não seja alguma coisa”, ela, a despeito disso, “também não é um nada” (parágrafo 304),
mas isso só precisa significar que a palavra “dor”☺ tem um uso. Uma dor é uma coisa, mas apenas
no sentido inóquo no qual o homem comum, no primeiro parágrafo de Foundations of Arithmetic de
Frege, responde a questão “o que é o número um?” por “uma coisa”. Deveria ser notado que quando
eu afirmo que dizer “eu tenho uma pós-imagem laranja-amarelada” é para expressar uma tentação
de declarar a afirmação do objeto-físico “há uma mancha laranja-amarelada na parede”, eu tenciono
que dizer “eu tenho uma pós-imagem laranja-amarelada” é (em parte) o exercício da disposição6
que é a tentação. Isso não é para relatar que eu tenho a tentação, não mais que “eu te amo” é
normalmente um relato de que eu amo alguém. Dizer “eu te amo” é apenas parte do comportamento
que é o exercício da disposição de amar alguém.
Embora, pelas razões dadas acima, eu seja muito receptivo à explicação “expressiva” de
afirmação de sensações, não sinto que ela dará conta do assunto. Talvez seja assim porque eu não
tenho pensado nisso suficientemente, mas realmente me parece que quando uma pessoa diz “eu
tenho uma pós-imagem”, ela está fazendo um relato genuíno, e que quando diz “eu tenho uma dor”,
está fazendo mais que “substituir comportamento de dor”, e que “esse mais” não é apenas dizer que
está em aflição. Não estou certo, no entanto, que admitir isso é admitir que há correlatos não físicos
de processos cerebrais. Por que não poderiam sensações ser apenas processos cerebrais de uma
certa espécie? Há, é claro, bem-conhecidas (assim como menos-conhecidas) objeções filosóficas
para o ponto de vista que relatos de sensações são relatos de processos-cerebrais, mas eu tentarei
argumentar que esses argumentos não são por nenhum meio tão irrefutáveis como é comumente
pensado ser o caso.
Deixe-me primeiro tentar estabelecer mais acuradamente a tese que sensações são processos
cerebrais. Não é a tese que, por exemplo, “pós-imagem” ou “dor” significam o mesmo que
“processo cerebral da espécie X” (onde “X” é substituído por uma descrição de uma certa espécie
de processo cerebral). É a tese que, tanto quanto “pós-imagem” ou “dor” é um relato de um
processo, é um relato de um processo que acontece de ser um processo cerebral. Segue-se que a

☺ Aqui aparece novamente a palavra ache.


6 Wittgenstein não gostava da palavra “disposição”. Estou usando ela para colocar resumidamente (e talvez
inacuradamente) o ponto de vista que estou atribuindo a Wittgenstein. Eu gostaria de repetir que não desejo sustentar
que minha interpretação de Wittgenstein é correta. Alguns daqueles que o conheciam não o interpretam desse modo.
É meramente um ponto de vista que eu me encontrei extraindo das suas palavras impressas e que acho que é
importante e valoroso discutir para o seu próprio bem.
tese não sustenta que afirmações de sensações podem ser traduzidas em afirmações sobre processos
cerebrais.7 Nem sustenta que a lógica de uma afirmação de sensação é a mesma que a de uma
afirmação de processo cerebral. Tudo que ela sustenta é que tanto quanto uma afirmação de
sensação é um relato de alguma coisa, essa alguma coisa é de fato um processo cerebral. Nações
não são nada “mais além” de cidadãos, mas isso não previne a lógica de afirmações de nação ser
muito diferente da lógica de afirmações de cidadão. (Eu não desejo, no entanto, afirmar que a
relação de afirmações de sensações para afirmações de processos cerebrais é muito semelhante
àquela de afirmações de nação para afirmações de cidadão. Nações não apenas acontecem de ser
nada mais além de cidadãos, por exemplo. Eu apresento o exemplo das “nações” meramente para
fazer um ponto negativo: que o fato de que a lógica de afirmações-A é diferente daquela de
afirmações-B não assegura que A's são algo mais além de B's.)
Comentários sobre identidade. Quando digo que uma sensação é um processo cerebral ou
que relâmpago é uma descarga elétrica, estou usando “é” no sentido de identidade estrita.
(Igualmente na proposição – neste caso necessária – “7 é idêntico ao menor número primo maior
que 5”.) Quando digo que uma sensação é um processo cerebral ou que relâmpago é uma descarga
elétrica eu não quero dizer apenas que a sensação é de algum modo espacial ou temporalmente
contínua com os processos cerebrais ou que o relâmpago é apenas espacial ou temporalmente
contínuo com a descarga. Quando, por outro lado, digo que o general bem sucedido é a mesma
pessoa que o menininho que roubou as maçãs, quero dizer apenas que o general bem sucedido que
eu vejo à minha frente é uma fatia temporal8 do mesmo objeto de quatro dimensões do qual o
menininho roubando maçãs é uma fatia de tempo anterior. No entanto, o objeto quadridimensional
que tem o general-que-vejo-à-minha-frente para sua última fatia de tempo é idêntico no sentido
estrito com o objeto quadridimensional que tem o menininho-roubando-maçãs para uma fatia de
tempo anterior. Eu distinguo esses dois sentidos de “é idêntico a” porque desejo tornar claro que a
doutrina do processo-cerebral afirma identidade no sentido estrito.
Gostaria agora de discutir várias objeções possíveis para o ponto de vista de que os
processos relatados em afirmações de sensação são de fato processos no cérebro. A maioria de nós
tem encontrado algumas dessas objeções em nosso primeiro ano como estudantes de filosofia. Uma
boa razão para dar uma boa olhada nelas. Outras das objeções serão mais recônditas e sutis.
Objeção 1. Qualquer camponês iletrado pode falar perfeitamente bem sobre suas pós-
imagens, ou como as coisas parecem ou são sentidas por ele, ou sobre suas aflições e dores ☺, e
ainda pode não saber nada sobre neurofisiologia. Um homem pode, como Aristóteles, acreditar que

7 Veja Place, op. cit., p. 45, perto do topo, e Feigl, op. cit., p. 390, perto do topo.
8 Veja J. H. Woodger, Theory Construction (Chicago, 1939), p.38 (International Encyclopedia of Unified Science, Vol.
2, No. 5). Aqui eu me permito falar negligentemente. Para advertências contra possíveis modos de ir errado com
esse tipo de conversa veja minha nota “Spatialising Time”, Mind, LXIV (1955), 239-41.
☺ Novamente, Smart utiliza as palavras ache e pain.
o cérebro é um órgão para resfriar o corpo sem qualquer impedimento de sua habilidade para fazer
afirmações verdadeiras sobre suas sensações. Por isso, as coisas das quais falamos quando
descrevemos nossas sensações não podem ser processos no cérebro.
Resposta. Você poderia igualmente dizer que uma nação de lesmas-dorminhocas, que nunca
viu a estrela da manhã ou soube de sua existência, ou que nunca pensou na expressão “a Estrela da
Manhã”, mas que usou a expressão “a Estrela Vespertina” perfeitamente bem, não poderia usar essa
expressão para se referir à mesma entidade como nós nos referimos (e descrevemos como) “a
Estrela da Manhã”.9
Você pode objetar que a Estrela da Manhã, num sentido, não é a mesma coisa que a Estrela
Vespertina, mas apenas alguma coisa espaçotemporalmente contínua com ela. Isto é, você pode
dizer que a Estrela da Manhã não é a Estrela Vespertina no sentido estrito de “identidade” que eu
distingui anteriormente. Talvez eu possa interceptar esta objeção pela consideração de lesmas-
dorminhocas como sendo novazelandeses e os madrugadores para serem ingleses. Então, a coisa
que os novazelandeses descrevem como “a Estrela da Manhã” poderia ser a mesmíssima coisa (no
sentido estrito) que o inglês descreve como “a Estrela Vespertina”. E eles ainda poderiam ser
ignorantes desse fato.
Há, no entanto, um exemplo mais plausível. Considere relâmpago.10 A ciência física
moderna nos diz que relâmpago é um certo tipo de descarga elétrica devida à ionização de nuvens
de vapor de água na atmosfera. Isto, acredita-se agora, é a natureza verdadeira do relâmpago. Note
que não há duas coisas: um clarão de relâmpago e uma descarga elétrica. Há uma coisa, um clarão
de relâmpago, que é descrita cientificamente como uma descarga elétrica para a terra de uma nuvem
de moléculas de água ionizadas. O caso não é completamente semelhante àquele de explicar uma
pegada por referência a uma ladrão. Nós dizemos que o que o relâmpago realmente é, o que é sua
verdadeira natureza revelada pela ciência, é uma descarga elétrica. (Não é a verdadeira natureza de
uma pegada ser um ladrão).
Para impedir objeções irrelevantes, eu gostaria de deixar claro que por “relâmpago” eu
quero dizer o objeto físico observável publicamente, relâmpago, não um dado do sentido visual de
relâmpago. Digo que o relâmpago objeto físico observável publicamente é de fato a descarga
elétrica, não apenas um correlato dele. O dado do sentido, ou pelo menos o ter do dado dos sentidos,
o “olhar” de relâmpago, pode muito bem, no meu ponto de vista, ser um correlato da descarga
elétrica. Pois, no meu ponto de vista, ele é um estado cerebral causado pelo relâmpago. Mas nós
não poderíamos confundir mais sensações de relâmpago com relâmpago do que confundimos
sensações de uma mesa com uma mesa.
Em resumo, a resposta à objeção 1 é que pode haver afirmações contingentes da forma “A é
9 Cf. Feigl, op. cit., p. 439.
10 Veja Place, op. cit., p. 47; também Feigl, op. cit., p.438.
idêntico a B”, e uma pessoa pode muito bem saber que alguma coisa é um A sem saber que ela é um
B. Um camponês iletrado poderia muito bem ser capaz de falar sobre suas sensações sem conhecer
seus processos cerebrais, igualmente ele pode falar sobre relâmpago embora ele não conheça nada
de eletricidade.
Objeção 2. É apenas um fato contingente (se é um fato) que quando temos uma certa espécie
de sensação há uma certa espécie de processo em nosso cérebro. Na verdade, é possível, embora
talvez no mais alto grau improvável, que nossas teorias fisiológicas presentes estarão tão
desatualizadas e antiquadas como a antiga teoria conectando processos mentais com acontecimentos
no coração. Segue-se que quando relatamos uma sensação nós não estamos relatando um processo
cerebral.
Resposta. A objeção certamente prova que quando dizemos “eu tenho uma pós-imagem” não
podemos significar alguma coisa da forma “eu tenho tal e tal processo cerebral”. Mas isso não
mostra que o que reportamos (ter uma pós imagem) não é de fato um processo cerebral. “Eu vejo
relâmpago” não significa “vejo uma descarga elétrica”. Na verdade, é logicamente possível (embora
altamente improvável) que a explicação de relâmpago como descarga elétrica poderá um dia ser
abandonada. De novo, “eu vejo a Estrela Vespertina” não significa o mesmo que “eu vejo a Estrela
da Manhã”, e ainda “a Estrela Vespertina e a Estrela da Manhã são uma e a mesma coisa” é uma
proposição contingente. Possivelmente, a Objeção 2 deriva alguma de sua aparente força de uma
“Fido” – teoria Fido de significação. Se o significado de uma expressão fosse o que a expressão
nominou, então é claro que poderia se seguir do fato de que “sensação” e “processo cerebral” têm
significados diferentes que eles não podem nomear uma e a mesma coisa.
Objeção 3.11 Mesmo se as Objeções 1 e 2 não provam que sensações são algo mais além de
processos cerebrais, elas realmente provam que as qualidades das sensações são alguma coisa além
de processos cerebrais. Isto é, pode ser possível escapar de afirmar a existência de processos
psíquicos irredutíveis, mas não é o caso de não ter mais de afirmar a existência de propriedades
psíquicas irredutíveis. Pois suponha que nós identifiquemos a Estrela da Manhã com a Estrela
Vespertina. Então deve haver algumas propriedades que implicam logicamente aquela de ser a
Estrela da Manhã, e propriedades muito distintas que acarretam aquela de ser a Estrela Vespertina.
Novamente, deve haver algumas propriedades (por exemplo, aquela de ser uma clarão amarelo) que
são logicamente distintas daquelas na história fisicalista.
Na verdade, pode ser pensado que a objeção sucede num pulo. Pois considere a propriedade
de “ser uma clarão amarelo”. Pode-se ver que essa propriedade repousa inevitavelmente fora da
estrutura fisicalista dentro da qual eu estou tentando trabalhar (ou por “amarelo” ser uma
propriedade emergente objetiva de objetos físicos, ou então por ser uma força para produzir dado do
11 Penso que esta objeção foi primeiro submetida a mim pelo Professor Max Black. Penso que é a mais sutil de
qualquer uma daquelas que eu tenho considerado, e a que eu sou menos confiante de ter resolvido.
sentido amarelo, onde “amarelo”, nessa segunda instanciação da palavra, refere-se à qualidade
puramente fenomenal ou introspectiva). Eu devo portanto digredir por um momento e indicar como
eu lido com qualidades secundárias. Eu me concentrarei em cor.
Primeiro de tudo, deixe-me introduzir o conceito de um percipiente normal. Uma pessoa é
mais percipiente normal que outra, se ela pode fazer discriminações de cores que a outra não pode.
Por exemplo, se A pode retirar uma folha de alface de um monte de folhas de repolho, ao passo que
B não pode embora ele possa retirar uma folha de alface de um monte de folhas de beterraba, então
A é mais normal que B. (Estou assumindo que a A e a B não é dado tempo para distinguir as folhas
pelas suas suaves diferenças de forma, e assim por diante). A partir do conceito de “mais normal
que” é fácil ver como podemos introduzir o conceito de “normal”. Claro, esquimós podem fazer as
discriminações mais finas na extremidade azul do espectro, hotentotes na extremidade vermelha.
Neste caso, o conceito de um percipiente normal é levemente idealizado, um tanto como aquele de
“o meio sol” em cronologia astronômica. Não há necessidade de entrar em tais sutilezas agora. Eu
digo que “Isto é vermelho” significa aproximadamente alguma coisa como “Um percipiente normal
não poderia tirar facilmente isso de um monta de pétalas de gerânios embora ele possa retirá-la de
um monte de folhas de alface.” É claro que não significa exatamente isto: uma pessoa pode saber o
significado de “vermelho” sem saber nada sobre gerânios, ou mesmo sobre percipientes normais.
Mas o ponto é que uma pessoa pode ser treinada para dizer “Isto é vermelho” de objetos que não
poderiam ser facilmente retirados de pétalas de gerânios por um percipiente normal, e assim por
diante. (Note que mesmo uma pessoa cega para cores pode afirmar razoavelmente que alguma coisa
é vermelha, embora, claro, ela precise usar outro ser humano, não apenas ela mesma, como seu
“metro de cor”.) Esta explicação de qualidades secundárias explica sua falta de importância em
física. Pois, obviamente, as discriminações e falta de discriminações feitas por um mecanismo
neurofisiológico muito complexo são duramente semelhantes para corresponder a distinções
simples e não arbitrárias na natureza.
Portanto, elucido cores como poderes, no sentido de Locke, para evocar certas espécies de
respostas discriminatórias em seres humanos. Eles também são, é claro, poderes para causar
sensações em seres humanos (uma explicação ainda mais próxima daquela de Locke). Mas essas
sensações, estou argumentando, são identificáveis com processos cerebrais.
Agora, como eu levo a cabo a objeção de que uma sensação pode ser identificada com um
processo cerebral somente se ela tem alguma propriedade fenomenal, não possuída por processos
cerebrais, por meio da qual uma metade da identificação pode ser, por assim dizer, fixada?
Minha sugestão é como se segue. Quando uma pessoa diz “Eu vejo uma pós-imagem
laranja-amarelada”, ele está dizendo alguma coisa como: “Há alguma coisa acontecendo que é
semelhante ao que está acontecendo quando tenho meus olhos abertos, estou desperto, e há uma
laranja iluminada em boa luz na minha frente, isto é, quando eu realmente vejo uma laranja”. (E não
há razão por que uma pessoa não poderia dizer a mesma coisa quando ela está tendo um dado do
sentido verídico, já que nós construímos “semelhante” na última sentença em um tal sentido que
alguma coisa pode ser semelhante a ela mesma). Note que as palavras em itálico, nomeadamente
“há alguma coisa acontecendo que é semelhante ao que está acontecendo quando”, são todas
palavras quase-lógicas ou tópico-neutras. Isso explica porque os relatos do antigo camponês grego
sobre suas sensações podem ser neutros entre metafísica dualista ou minha metafísica materialista.
Explica como sensações podem ser processos cerebrais e ainda como aqueles que as relatam não
precisam saber nada sobre processos cerebrais. Pois ele os reporta apenas muito abstratamente
como “alguma coisa acontecendo que é semelhante ao que está acontecendo quando...”
Similarmente, uma pessoa pode dizer “alguém está no quarto”, assim relatando verdadeiramente
que o doutor está no quarto, mesmo que nunca tenha ouvido falar de doutores. (Não há duas pessoas
no quarto: “alguém” e o doutor.) Essa explicação de afirmações de sensação também explicam a
singular ilusão de “sensações brutas” – por que ninguém parece ser capaz de alfinetar quaisquer
propriedades nelas.12 Sensações brutas, em meu ponto de vista, são descoloridas pela mesma razão
que alguma coisa é descolorida. Isso não significa que sensações não têm propriedades, pois se elas
são processos cerebrais elas certamente têm propriedades. Apenas significa que falando delas como
sendo semelhantes ou dessemelhantes umas das outras nós não precisamos conhecer ou mencionar
essas propriedades.
Isso, então, é como eu poderia responder a Objeção 3. A força de minha resposta depende da
possibilidade de nossa capacidade de relatar que uma coisa é semelhante a outra sem sermos
capazes de afirmar o aspecto no qual ele é semelhante. Não estou certo se isso é ou não é assim, e é
por isso que considero a Objeção 3 como a mais forte com a qual eu tenho que lidar.
Objeção 4. A pós-imagem não está no espaço físico. O processo cerebral está. Então a pós-
imagem não é um processo cerebral.
Resposta. Isto é uma ignoratio elenchi. Não estou argumentando que a pós-imagem é um
processo cerebral, mas que a experiência de ter uma pós-imagem é um processo cerebral. É a
experiência que é relatada no relato introspectivo. Similarmente, se é objetado que a pós-imagem é
laranja-amarelada mas que um cirurgião olhando dentro de sua cabeça poderia não ver nada laranja-
amarelado, minha resposta é que é a experiência de ver laranja-amarelada que está sendo descrita, e
essa experiência não é alguma coisa laranja-amarelada. Então dizer que um processo cerebral não
pode ser laranja-amarelado não é dizer que um processo cerebral não pode de fato ser a experiência
de ter uma pós-imagem laranja-amarelada. Não há, num sentido, tal coisa como uma pós-imagem
ou um dado do sentido, embora haja tal coisa como a experiência de ter uma imagem, e essa

12 Veja B. A. Farrell, “Experience”, Mind, LIX (1950), especialmente 174.


experiência é descrita indiretamente em linguagem objeto material, não em linguagem fenomenal,
pois não há tal coisa.13 Descrevemos a experiência ao dizer, na verdade, que é semelhante à
experiência que temos quando, por exemplo, nós realmente vemos uma mancha laranja-amarelada
na parede. Árvores e papéis de parede podem ser verdes, mas não a experiência de ver ou imaginar
uma árvore ou papel de parede. (Ou se eles são descritos como verdes ou amarelos isso apenas pode
ser em um sentido derivado.)
Objection 5. Poderia fazer sentido dizer de um movimento molecular no cérebro que ele é
rápido ou devagar, reto ou circular, mas não faz sentido dizer isso da experiência de ver alguma
coisa amarela.
Resposta. Até agora não demos o sentido de falar de experiências como rápidas ou lentas,
retas ou circulares. Mas não estou afirmando que “experiência” e “processo cerebral” significam o
mesmo ou até que eles têm a mesma lógica. “Alguém” e “o doutor” não têm a mesma lógica, mas
isso não nos leva a supor que falar sobre alguém telefonando é falar sobre alguém mais além, digo,
do doutor. Quando o homem ordinário relata uma experiência, está relatando que alguma coisa está
se passando, mas deixa aberto que espécie de coisa está acontecendo, se num meio sólido material
ou, talvez, em alguma espécie de meio gasoso, ou mesmo, talvez, em alguma espécie de meio não-
espacial (se isso faz sentido). Tudo o que estou dizendo é que “experiência” e “processo cerebral”
podem de fato referir à mesma coisa, e, se é assim, podemos facilmente adotar uma convenção (que
não é uma mudança em nossas presentes regras para o uso de palavras de experiência mas uma
adição a elas) por meio da qual poderia fazer sentido falar de uma experiência em termos
apropriados para processos físicos.
Objeção 6. Sensações são privadas, processos cerebrais são públicos. Se eu digo
sinceramente, “Tenho uma pós-imagem laranja-amarelada” e não estou cometendo um erro verbal,
então eu não posso estar errado. Mas posso estar errado sobre um processo cerebral. O cientista
olhando dentro do meu cérebro pode estar tendo uma ilusão. Além disso, faz sentido dizer que duas
ou mais pessoas estão observando o mesmo processo cerebral mas não que duas ou mais pessoas
estão relatando a mesma experiência interna.
Resposta. Isso mostra que a linguagem dos relatos introspectivos têm uma lógica diferente
da linguagem de processos materiais. É óbvio que até a teoria dos processos cerebrais ser muito
aperfeiçoada e altamente aceita não haverá critério para dizer “Smith tem uma experiência de tal e
tal tipo” exceto relatos introspectivos de Smith. Então adotamos uma regra de linguagem que

13 Dr. J. R. Smythies sustenta que uma linguagem de dado do sentido poderia ser ensinada independentemente da
linguagem objeto material (“A Note on the Fallacy of the 'Phenomenological Fallacy',” British Journal of
Psychology, XLVIII, 1957, 141-144.) Não estou seguro disso: deve haver algum critério público para uma pessoa ter
pegado uma regra errada antes de nós pudermos ensiná-la a regra. Suponho que alguém poderia acidentalmente
aprender palavras de cores pelo procedimento do Dr. Smythies. Não estou, claro, negando que nós podemos
aprender uma linguagem de dado do sentido no sentido que podemos aprender a relatar nossas experiências. Nem
Place poderia negar isso.
(normalmente) o que Smith diz acontece.
Objeção 7. Eu posso imaginar eu mesmo transformado em pedra e ainda ter imagens,
aflição☺, dores, e assim por diante.
Resposta. Eu posso imaginar que a teoria elétrica do relâmpago é falsa, que relâmpago é
alguma espécie de fenômeno puramente ótico. Posso imaginar que relâmpago não é uma descarga
elétrica. Posso imaginar que a Estrela Vespertina não é a Estrela da Manhã. Mas ela é. Tudo o que a
objeção mostra é que “experiência” e “processos cerebrais” não têm o mesmo significado. Ela não
mostra que uma experiência de fato não é um processo cerebral.
Essa objeção é talvez quase a mesma coisa que uma outra a qual pode ser resumida pelo
slogan: “O que pode ser composto de nada não pode ser composto de qualquer coisa.”14 O
argumento vai como se segue: na tese de processo cerebral a identidade entre o processo cerebral e
a experiência é uma identidade contingente. Então é logicamente possível que poderia não haver
nenhum processo cerebral, e nenhum processo de nenhuma outra espécie, tampouco (nenhum
processo cardíaco, nenhum processo renal, nenhum processo vital). Poderia haver a experiência mas
nenhum processo fisiológico “correspondente” com o qual nós podemos ser capazes de identificá-la
empiricamente.
Suspeito que o objetor está pensando na experiência como uma entidade fantasmagórica.
Então ela é composta de alguma coisa, não de nada, afinal. Nesse ponto de vista ela é composta de
matéria fantasma, e na minha ela é composta de matéria cerebral. Talvez a contra-resposta seja 15 que
a experiência é simples e não-composta, e afinal ela não é composta de nada. Isso parece ser uma
evasiva, pois, se fosse tomada seriamente, a observação “O que pode ser composto de nada não
pode ser composto de qualquer coisa” poderia ser remodelada como um argumento a priori contra
Demócrito e atomismo e para Descartes e divisibilidade infinita. E parece singular que uma questão
dessa espécie poderia ser estabelecida a priori. Devemos portanto construir a palavra “composto”
num sentido muito fraco, que poderia nos permitir dizer que mesmo um átomo indivisível é
composto de alguma coisa (nomeadamente, ele mesmo). O dualista não pode realmente dizer que
uma experiência pode ser composta de nada. Pois ele sustenta que experiências são alguma coisa
mais além de processos materiais, isto é, que elas são uma espécie de material fantasma. (Ou talvez
ondulações em uma matéria fantasma subordinada.) Digo que experiências não são para serem
identificadas com materiais fantasmas mas com material cerebral. Esta é outra hipótese, e no meu
ponto de vista uma muito plausível. O argumento presente não pode derrubá-lo a priori.
Objeção 8. Objeção do “besouro na caixa” (veja Wittgenstein, Investigações Filosóficas,

☺ Ache.
14 Eu devo esta objeção a Mr. C. B. Martin. Deduzo que ele não mais deseja manter essa objeção, de qualquer maneira,
em sua presente forma.
15 Martin não dá essa resposta, mas um de seus estudantes deu.
parágrafo 293). Como poderiam descrições de experiências, se há relatos genuínos, tomar uma base
na linguagem? Pois qualquer regra de linguagem deve ter critério público para sua correta
aplicação.
Resposta. A mudança de descrever como as coisas são para descrever como nós sentimos é
apenas uma mudança de dizer desinibidamente “isto é assim” para dizer “isso parece assim”. Isto é,
quando a pessoa ingênua pode ser tentada a dizer, “Há uma mancha de luz na parede que se move
quando eu movo meus olhos” ou “Um alfinete está sendo enfiado em mim”, aprendemos como
resistir a essa tentação e dizer “Parece como se há uma mancha de luz na parede” ou “Sinto-me
como se alguém estivesse cravando um alfinete em mim”. A explicação introspectiva nos fala sobre
estados de consciência do indivíduo do mesmo modo como faz “Eu vejo uma mancha de luz” ou
“Eu sinto um alfinete sendo enfiado em mim”: ele difere dessa afirmação de percepção
correspondente na medida em que (a) na afirmação de percepção o indivíduo “vai além da
evidência de seus sentidos” em descrever seu ambiente e (b) no relato introspectivo ele retém
epítetos descritivos que ele está inclinado a atribuir ao ambiente, talvez porque ele suspeita que eles
podem não ser apropriados para o estado atual de acontecimentos. Falando psicologicamente, a
mudança de falar sobre o ambiente para falar sobre o estados de consciência de alguém é
simplesmente um caso de inibir reações descritivas não justificadas apenas pelas aparências, e de
desinibir reações descritivas que são normalmente inibidas porque o indivíduo aprendeu que eles
são improváveis para prover um guia seguro para o estado do ambiente nas circunstâncias
prevalecentes.16 Dizer que alguma coisa parece verde para mim é dizer que minha experiência é
como a experiência que eu tenho quando eu vejo alguma coisa que realmente é verde. Em minha
resposta à Objeção 3, eu apontei a extrema abertura ou generalidade de afirmações que relatam
experiências. Isso explica porque não há linguagem de qualidades privadas. (Justamente como
“alguém”, diferente de “o doutor”, é uma palavra sem cor.)17
Se é perguntado qual é a diferença entre aqueles processos cerebrais que, no meu ponto de
vista, são experiências e aqueles processos cerebrais que não são, eu posso apenas responder que
isto é desconhecido no presente. Mas não me parece totalmente fantasioso conjecturar que a
diferença pode em parte ser aquela entre percepção e recepção (na terminologia do Dr. D. M.
MacKay) e que o tipo de processo cerebral que é uma experiência pode ser identificada com o
“matching response☺” ativa de MacKay.18

16 Devo este ponto a Place, em correspondência.


17 A objeção do “besouro na caixa” é, se faz sentido, uma objeção a qualquer ponto de vista, e em particular o
cartesiano, que relatos introspectivos são relatos genuínos. Então isso não é objeção para uma tese mais fraca que eu
estaria preocupado em sustentar, nomeadamente, que se relatos introspectivos de “experiências” são relatos
genuinamente, então as coisas de que eles são relatos são de fato processos cerebrais.
☺ Talvez possa-se traduzir como “comparar resposta”.
18 Veja seu artigo “Towards an Information-Flow model of Human Behaviour”, British Journal of Psychology, XLVII
(1956), 30-43.
Eu considerei um número de objeções para a tese do processo cerebral. Desejo agora
concluir com algumas observações sobre o status lógico da própria tese. U. T. Place parece sustentar
que ela é uma hipótese científica pura.19 Se for assim, ele está em parte certo e em parte errado. Se a
saída é entre (digamos) uma tese de processo cerebral e uma tese cardíaca, ou uma tese de fígado,
ou uma tese renal, então a saída é puramente empírica, e o veredicto é esmagadoramente em favor
do cérebro. As espécies corretas de coisas não ocorrem no coração, no fígado, ou rim, nem esses
órgãos possuem a espécie correta de complexidade de estrutura. Por outro lado, se a saída é entre
uma tese de cérebro-ou-coração-ou-fígado-ou-rim (isto é, alguma forma de materialismo) por um
lado e epifenomenalismo por outro lado, então a saída não é empírica. Pois não há experimento
concebível que poderia decidir entre materialismo e epifenomenalismo. Esta última saída não é
como a saída em linha reta puramente empírica em ciência, mas como a saída entre o naturalista
inglês Philip Gosse20 do século dezenove os geologistas ortodoxos e paleontologistas de seu tempo.
De acordo com Gosse, a terra foi criada em torno de 4000 a.C. Exatamente como descrito no
Gêneses, estratos de rocha retorcidos, “evidência” de erosão, e assim por diante, e toda espécie de
fósseis, todos em seus estratos apropriados, exatamente como se a história evolucionista usual fosse
verdadeira. Claramente, essa história é em um sentido irrefutável: nenhuma evidência pode
possivelmente ser contra essa opinião. Deixe-nos ignorar o cenário teológico no qual a hipótese de
Philip Gosse tinha sido posta, assim excluindo objeções de uma variedade geométrica, tais como
“que Deus estranho que iria a tais níveis de elaboração para nos iludir”. Vamos supor que é
sustentado que o universo começou apenas em 4004 a.C. com condições iniciais exatamente igual
em todos os lugares como elas eram em 4004 a.C., e em particular que nosso próprio planeta
começou com sedimentos nos rios, penhascos erodidos, fósseis nas rochas, e assim por diante.
Nenhum cientista poderia receber isso como uma hipótese séria, embora ela seja consistente com
toda evidência possível. A hipótese ofende os princípios de parcimônia e simplicidade. Poderia
haver de longe muitos fatos brutos e inexplicáveis. Por que os ossos de pterodáctilos são exatamente
como eles são? Nenhuma explicação em termos da evolução dos pterodáctilos a partir de formas
anteriores de vida poderia ser possível. Poderíamos ter milhões de fatos sobre o mundo como ele foi
em 4004 a.C. que apenas teriam de ser aceitados.
A questão entre a teoria do processo cerebral e o epifenomenalismo parece ser da espécie
acima. (Assumindo que uma redução behaviorista de relatos introspectivos não é possível.) Se for
concordado que não há argumentos filosóficos convincentes que nos force a aceitar o dualismo, e se
a teoria do processo cerebral e o dualismo são igualmente consistentes com os fatos, então os
princípios de parcimônia e simplicidade parecem para mim decidir esmagadoramente em favor da

19 Op. cit.
20 Veja a divertida explicação do livro Omphalos de Gosse por Martin Gardner em Fads and Fallacies in the Name of
Science (2nd ed., New York, 1957).
teoria do processo cerebral. Como eu apontei anteriormente, dualismo envolve um grande número
de leis psicofísicas irredutíveis (por meio das quais os “osciladores nomológicos” oscilam) de uma
estranha espécie, que apenas têm que ser tomadas como questão de fé, e é tão difícil de engolir
quanto os fatos irredutíveis sobre a paleontologia da terra com que nós somos afrontados na teoria
de Philip Gosse.

J. J. C. SMART

Adelaide University

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