Você está na página 1de 30

parte I

O valor da brincadeira
As perspectivas psicossociais,
educacionais e recreativas
1
Três perspectivas sobre a brincadeira
Pam Jarvis, Avril Brock e Fraser Brown

Introdução dos para garantir que o cuidado e a educa-


ção das crianças com idade inferior a 6 anos
Este livro foi escrito exatamente em uma épo- será conduzido por adultos na nova regra
ca emocionante do Programa de Atividades dos Early Years Professional (EYP), que se-
das Crianças na Grã­‑Bretanha, que foi lan- rão treinados para preencher uma função
çado em 2008, o mesmo ano em que o Ear- parecida com a do “pedagogo” escandina-
ly Year Foundation vo. Tais pedagogos têm a responsabilidade
Early Years Stages (EYFS) foi de desenvolver a criança por inteiro – o cor-
Foundation Stage lançado na Ingla­ po, a mente e as emoções – dentro de uma
Estabelece as linhas terra, que por sua prática histórica e cultural, enquanto facili-
gerais para a educa‑ vez foi endossado tam o potencial de cada criança para a cria-
ção e o cuidado das com intenções da tividade e socialização com os outros (Moss
crianças com até 5 parte do governo e Petrie, 2002). Desde setembro de 2008 a
anos. Introduzido de ter uma estrutu­ Escócia também oferece aos profissionais da
na Inglaterra em ra organizacional educação infantil, que proporciona um nível
setembro de 2008.
baseada na brin- equivalente ao EYP inglês.
cadeira e direcio- O Children’s Plan, publicado em de-
nada às crianças com até 5 anos. O País de zembro de 2007, dá início às aspirações
Gales também completou o lançamento de do Brown New Labour Government para
uma Foundation Stage baseada na brinca- o desenvolvimento dos serviços prestados
deira para crianças de 3 a 7 anos em 2008, às crianças na Inglaterra de 2008 a 2020.
enquanto a Irlanda do Norte introduziu um Isso compreende assegurar novas áreas para
novo Foundation Stage holístico, focado brincar e uma revisão abrangente do currí-
nas crianças de 5 a 7 anos, em setembro de culo, incluindo a consideração de uma tran-
2007. Como era esperado, o EYFS já cau- sição mais gradual da aprendizagem basea­
sa controvérsia na imprensa inglesa, com o da na brincadeira para um currículo mais
jornal The Times propondo que o EYFS é na formal para as crianças de 6 e 7 anos.
verdade um “currículo clandestino”, que é Esta é, então, uma época favorável
“uma ameaça para todas as crianças que es- para publicar um novo livro que apresen-
tão em idade de começar a andar” (Frean, te tantas facetas diferentes da brincadeira:
2007). Entretanto, o governo forneceu fun- apesar de não ter a pretensão de contemplar
brincar: aprendizagem para a vida 23

todos os aspectos singulares da brincadei- das as crianças das nações da Organização


ra, ele contém uma profusão de pesquisas para a Cooperação e Desenvolvimento Eco-
baseadas na prática e na reflexão sob um nômico (OCDE, UNICEF, 2007).
número de perspectivas bastante variadas. Tal descoberta destaca os problemas
Essas perspectivas mudam a partir de uma de uma iniciativa abrangente nacional para
síntese de cultura, biologia e evolução em “transformar a prática”, retirando a In-
uma nova teoria “biocultural” da brinca- glaterra em particular de uma era negra,
deira, para a utilização inovadora da brin- quando as crianças estavam firmemente
cadeira com uso da dramaterapia, do papel presas ao vício do Currículo Nacional des-
principal do playwork1 e da importância da de os 4,6 anos. As aulas do ano anterior
brincadeira na sala de aula e no playground à 1a série eram, portanto, conduzidas para
da educação infantil e dos anos iniciais do se dedicar às atividades quando as crianças
ensino fundamental. Os autores também que mal tinham completado o quarto ani-
explorarão as descobertas recentes sobre o versário passavam o primeiro ano escolar
desenvolvimento do cérebro que indicam em um regime opressivo, que prescrevia
um papel principal da brincadeira duran- que grandes períodos do dia deveriam ser
te os primeiros meses de vida, o lugar es- passados com uma aprendizagem dirigida
sencial da brincadeira na vida das crianças por resultados e com atividades desenvol-
com necessidades especiais e o impacto das vidas sobre mesas, dentro da sala de aula.
questões sociais, culturais e de gênero nas As mudanças sociológicas em muitas socie-
atividades relacionadas à brincadeira das dades pós­‑industriais, particularmente nas
crianças. nações anglo­‑americanas, incluindo um
O conceito de brincadeira e de apren- enorme aumento do número de veículos,
dizagem baseada na brincadeira está atual- a dispersão geográfica da família extensiva
mente surgindo de épocas muito desanima­ e uma diminuição no tamanho médio do
doras na Grã­‑Bretanha, culminando com a núcleo da família resultou no encurtamen-
publicação do relatório da UNICEF “Um pa- to das oportunidades para as crianças par-
norama do bem­‑estar da criança nos países ticiparem das brincadeiras sociais livres.
ricos” (2007), neste Um aumento gradual da sofisticação dos
OCDE documento o Reino meios de comunicação também aumentou
(Organização Unido foi avaliado a percepção dos pais para o tráfico e para
para a Coope­ e ficou em último o perigo do “estranho”, simultaneamente
ração e Desen­ lug­ar. As crianças causando um impacto negativo nas oportu-
volvimento inglesas tinham a nidades de brincadeiras ao ar livre para as
Econômico menor probabilida- crianças nessas sociedades.
Uma organização de de achar seus co- O período de tempo que compreen-
internacional que
legas e companhei- de o fim do século XX e o início do século
ajuda o governo
a lidar com os
ros de brincadeira XXI trouxe uma profusão de oportunidades
desafios econô‑ “gentis e atencio- para as crianças do mundo, mas cada novo
micos, sociais e sos” e maior proba- conjunto de oportunidades era acompa-
governamentais bilidade de consu- nhado por um novo conjunto de riscos. As
de uma economia mir álcool sem ter a novas tecnologias que revolucionaram os
globalizada (site idade regu­lamentar métodos de ensino também criaram novos
da OECD). e ter comportamen- e-foruns para crianças que as engajaram em
tos sexuais. Me- comportamentos inadequados e, algumas
nos de 20% das crianças inglesas relataram vezes, levando-as ao bullying. As oportuni-
“gostar muito da escola”. As crianças in- dades para viajar e o acesso em massa à in-
glesas também apresentaram o sentimento ternet permitiu viagens para o mundo intei-
mais baixo de bem­‑estar subjetivo entre to- ro e uma abundância de oportunidades de
24 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

aprendizagem multicultural para crianças e cessidade de brincadeira das crianças de to-


adultos. Entretanto, tal avanço tecnológico das as idades nos ambientes fora da escola.
também gerou indústrias internacionais de Os autores desse livro oferecem um
tráfico de drogas e de pornografia, resul- conjunto de ideias práticas e teóricas de
tando no aumento do risco de exploração grande amplitude para ajudar a facilitar
de crianças, tanto na condição de trabalha- a formação daqueles com vontade de ir
dores para essas indústrias ilegais quanto em frente para contribuir para as futuras
na condição de usuárias. O equilíbrio entre brincadeiras e iniciativas educacionais lo-
os riscos e as oportunidades também está cais, nacionais e internacionais. Para ofe-
injustamente distribuído entre as crianças recer uma introdução abrangente e ade-
das nações ricas do ocidente e pobres do quada para um texto assim, este capítulo
oriente, com muitas crianças das nações apresentará três pontos de vista sobre o
mais pobres sendo privadas da brincadeira papel da brincadeira na vida das crianças:
e da educação para trabalhar longas horas a psicossocial, a educacional e a recreati-
para produzir bens de luxo para as nações va (playwork), que proporcionam pontos
mais ricas. Essa é atualmente a principal de vista e construtos diferentes, mas não
preocupação internacional contínua, que incompatíveis, para examinar o conceito
felizmente levará a soluções derivadas complexo da brincadeira. Esse livro sur-
mais de um esforço multinacional, com um giu da nossa compreensão de que, quan-
potencial para apoiar uma maior coopera- do conversávamos na condição de colegas,
ção na direção das estratégias de interven- estávamos comunicando valores parecidos
ção positiva, conforme caminhamos para o e buscávamos resultados equivalentes.
futuro. ­Estávamos todos de acordo que a brinca-
À medida que a Inglaterra caminha deira é decididamente importante para o
na direção dos novos programas para os desenvolvimento, o aprendizado e o bem­
serviços prestados às séries iniciais que têm ‑estar das crianças, refletindo sobre o fato
sido claramente endossados pelo novo De- de que o próprio conceito de brincadeira é
partment for Children, Schools and Families infinitamente flexível, oferecendo escolhas
como sendo uma aprendizagem baseada e e permitindo uma liberdade de interpre­
apoiada na brincadeira, devemos lembrar tação.
que ainda há mui- O desafio oferecido ao leitor nesse ca-
Departament to mais a fazer pe- pítulo é acomodar e refletir sobre quais se-
for Children, las nossas crianças, melhanças e diferenças podem estar entre
School and incluindo a neces- cada perspectiva e, adicionalmente, se com-
Families sidade urgente de prometer com os seguintes debates:
Um novo desenvolver uma
departamento “rampa” mais sua- A brincadeira deveria servir às necessida-
do governo inglês, ve para a tendência des da criança, em vez de servir às neces-
que substitui o
atual da educação, sidades e expectativas dos adultos?
Departament of
Education and
com mais espaço Que oportunidades reais são oferecidas
Skills. para a aprendiza- às crianças atualmente nas suas ex­pe­
gem baseada na riências de brincadeira no seu dia a dia?
brincadeira e dire- A brincadeira trata de experimentar e fa-
cionada à criança no ensino fundamental e, zer ou de alcançar um resultado especí-
como parte da mesma iniciativa, pela Grã­ fico?
‑Bretanha como um todo, para explorar e O quão flexível deveria ser a brincadeira
facilitar a necessidade de brincadeira e re- das crianças com relação a oferecer li-
creação das crianças e adolescentes; e a ne- berdade de movimento e de expressão?
brincar: aprendizagem para a vida 25

A utilidade da brincadeira Genes


os animais jovens;
Pam Jarvis que eles podem
A unidade
funcional de usar os comporta-
Essa parte do capítulo enfatizará a utilidade herança que mentos que envol-
da brincadeira para o desenvolvimento da controla a vem a brin­cadeira
criança, particularmente no que diz respeito transmissão e para de­sen­volver
a fornecer uma base psicológica para as ha- a expressão de habilidades que
um ou mais utilizarão na vida
bilidades sociais e intelectuais que os adul- traços genéticos
tos necessitam para atuar em um ambiente adulta para ter uma
(Merriam Webster).
social cada vez mais complexo, que os so- vantagem quanto
ciólogos chamam de “aldeia global”. Dessa Psicólogos ao potencial para
do desen- sua sobrevivência e
maneira, a brincadeira é uma expe­riência
volvimento da sua própria pro-
flexível e autodirecionada, que serve tanto
Psicólogo le. Bruner (1976, p.
para as necessidades de uma criança indivi- especializado
dualmente como para a sociedade futura na 67) enfatiza a enor-
na compreensão
qual ela viverá na vida adulta. da psicologia
me importância da
dos bebês e das brincadeira em seu
crianças, comentário “os ani-
particularmente mais não brincam
Introduzindo a evolução em como elas porque são jovens,
se modificam na mas possuem sua
medida em que juventude porque
Se usássemos a teoria evolucionista como
amadurecem.
ponto de partida, deveríamos presumir que devem brincar”.
o ímpeto para a brincadeira que está pre- Etólogo Quanto mais
sente nos seres humanos jovens, e, também Quem estuda os complexa a socie-
em muitas espécies de animais, oferece van- animais em seu dade adulta, mais
tagens para a sobrevivência das criaturas hábitat. tempo os animais
de alguma manei- per­ma­necem no
ra. Se não hou­vesse perío­do de desenvol-
Teoria
evolucionista nenhuma vantagem vimento e mais complexas são as atividades
Teoria que
inerente aos com- de brincadeira empregadas por eles. As so-
propõe que as portamentos que en­ ciedades mais com-
características volvem a brincadei- plexas do mundo
Homo Sapiens
que dão a uma ra, os animais que que requerem uma
Nome latino para
criatura em brin­cam durante os grande variação de
a versão das
particular uma anos de desenvol- habilidades cogniti-
espécies humanas
vantagem no vimento não teriam vas, físicas e acima
que atualmente
ambiente em que
sobrevivido para vivem na terra. de tudo sociais são
habita tem maior
probabilidade de passar seus genes a aquelas encontra-
sobreviver, porque seus descendentes. das nos macacos
quanto mais bem Portanto, é genera- grandes: gorilas, orangotangos, chimpanzés
sucedidas são as lizado entre os psi- e a mais complexa de todas a nossa própria
espécies, mais cólogos do desenvol­ espécie, Homo Sapiens ou mais comumente,
chances elas têm vimento e etólogos seres humanos. Portanto, essa seção inicia
de reproduzir e a composição de que a brincadeira é pré­
que a brincadeira
passar adiante
proporciona uma ‑eminentemente, uma atividade útil através
seus genes para a
próxima geração. experiência práti- da qual uma grande aprendizagem é adqui-
ca essencial para rida.
26 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

Ideias em ação

O valor da experiência da brincadeira


(observação do autor)
Nathan, tem 5 anos, era um dos meninos da educação infantil, uma das crianças mais
ativas dentro da amostra de observação e era frequentemente encontrado entretido
com brincadeiras altamente ativas. Entretanto, quando chegou a sua vez de ser uma
das crianças para uma observação focal, ele se envolveu em uma situação relevan‑
te quando, acidentalmente, machucou outro menino durante uma
Observação brincadeira de luta. Suas ações foram confundidas com agressões
focal de uma de verdade por um dos adultos supervisores, que resultou em uma
punição do tipo “interrupção”. Quando o intervalo havia terminado,
criança
Nathan procurou o menino que tinha machucado acidentalmente, se
Uma observação desculpou e explicou que o incidente havia sido um acidente; o me‑
conduzida focando nino aceitou o pedido de desculpas. Nathan então pediu ao menino
apenas que fosse junto com ele falar com o adulto supervisor para contar
uma criança, o que havia acontecido. Ela escutou o que eles tinham para dizer
registrando tudo e pediu a eles que apertassem as mãos, o que eles fizeram. Então,
que a criança Nathan se afastou sozinho, ainda parecendo chateado e chupando o
faz e diz por dedo (que havia estado dentro e fora da boca desde que a situação
uma quantidade teve início). Ele continuou a parecer melancólico, enquanto Cris, um
determinada de de seus melhores amigos, pulava em volta dele claramente tentando
tempo. animá­‑lo. Nathan se virou e sorriu para Cris, mas continuou quieto no
meio do playground, com o dedo na boca.

O tempo para brincar é útil até mesmo quando não é uma “diversão”
Lembrei de uma reflexão nas minhas notas de observação que as medidas socialmente
sofisticadas adotadas por Nathan para tentar retificar seu acidente por um período de
meia hora (apesar do mecanismo de um dedo firmemente colocado na boca típico de
uma criança de 5 anos associado com estresse) estaria muito além do repertório social
de alguns adultos. Enquanto as experiências de Nathan certamente não contribuíram
para um período de brincadeira agradável para ele, pode ser fortemente argumenta‑
do que muitos desses eventos sociais com base nas brincadeiras, mesmo aqueles que
têm resultados totalmente negativos, são experiências de grande desenvolvimento para
a criança envolvida. Esses eventos formam um conjunto contínuo de experiências de
aprendizado relacionadas com o mundo social humano, que são relevantes para o ge‑
renciamento independente do dia a dia da criança e para afirmar o eventual potencial
adulto para lidar de forma competente com a grande extensão de situações sociais com‑
plexas, incluindo os mal-entendidos que qualquer pessoa encontra no mundo adulto.

Pare e reflita
Como os seres humanos aprenderiam a lidar independentemente com situações so‑
ciais difíceis se eles não vivenciassem oportunidades de brincadeira livre o suficiente
nas suas vidas cotidianas durante o desenvolvimento na infância?

O problema de definir discutir casualmente o conceito da “brinca-


“o que é brincadeira” e deira” sem especificar completamente o que
“o que não é brincadeira” isto quer dizer. Quais atividades desenvol-
vidas dentro de um ambiente pedagógico
É fácil (particularmente para os profissio- são “brincadeiras” e quais não são? Como
nais que trabalham na educação infantil) definimos a diferença entre o “trabalho” e
brincar: aprendizagem para a vida 27

a “brincadeira” das crianças? Reed e Brown ênfase do rótulo de ‘brincadeira’, pode ficar
(2000) sugeriram que a brincadeira pode ser mais fácil de resolver o problema de estudar
difícil de definir, pois ela é mais algo que se o desenvolvimento do comportamento” (Me-
“sente” em vez de algo “feito”, e comentam aney e Stewart, 1985, p. 11­‑12).
que não existe uma definição universal para
a brincadeira na literatura. Ramsay (1998,
p. 23) definiu a brincadeira como sendo um A brincadeira e o
veículo social para “explorar as diferenças desenvolvimento psicológico
e desenvolver assuntos comuns”. Mas como
isso inclui todos os tipos de brincadeira? A ligação da “brincadeira” com o “desen-
Como a brincadeira solitária se encaixaria volvimento do comportamento” é um foco
nessa descrição? comum para os pesquisadores do desenvol-
Os critérios a seguir para definir a brin- vimento.
cadeira foram propostos por Garvey (1977, Consequentemente, embora seja ge-
p.10): ralmente aceito que os seres humanos de
todas as idades brincam, as pesquisas sobre
É agradável para aquele que brinca. a brincadeira têm sido desenvolvidas princi-
Não possui objetivos extrínsecos, sendo o palmente dentro de um paradigma de desen-
objetivo intrínseco a busca pela diversão. volvimento humano, investigando as brinca-
É espontânea e voluntária. deiras das crianças e o papel da brincadeira
Ela envolve um comprometimento ativo dentro dos proces-
daquele que brinca. Paradigma sos de aprendiza-
Uma estrutura gem e de desenvol-
Mas serão essas definições excessiva- filosófica ou teó‑ vimento. Portanto,
mente restritas? Seria possível argumentar rica de qualquer muitas teorias sobre
que essa lista exclui os esportes, desde que as tipo (Merriam a brincadeira têm
atividades esportivas envolvem certos objeti- Webster).
focado nas funções
vos extrínsecos e a inibição de um compor- que di­ferentes tipos
tamento espontâneo, mas mesmo assim os de brin­cadeira podem existir para aspec-
esportes ainda são praticados como uma ati- tos específicos do desenvolvimento infantil,
vidade de lazer agradável para muitos seres em vez de buscar categorizações exclusivas
humanos, tanto adultos quanto crianças. Se do que “é e o que não é brincadeira”. Dessa
encararmos o termo “brincadeira” como um maneira, muitos pesquisadores têm tentado
equivalente de “diversão” (Anderson, 1998, categorizar os tipos mais comuns de brinca-
p. 107), se torna claro o quanto indivíduos e deiras observadas no comportamento infan-
grupos demográficos diferentes podem perce- til. Hutt (1979, p. 115) dividiu a brincadeira
ber muito diferentemente o que é brincadeira em três categorias principais, que ela referiu
e o que não é; e quantos compor­tamentos di- como sendo:
ferenciados podem ser qualificados de “brin-
cadeira”. Dessa forma, a brincadeira parece Epistêmica: a brincadeira associada com
ser uma categoria de comportamento relati- o desenvolvimento das habilidades cog-
va. Pode ser que quando indivíduos relatam nitivas/intelectuais.
que estavam brin- Lúdica: a brincadeira associada com o
Relativo cando, eles prova- desenvolvimento das habilidades sociais
Algo que possui velmente estavam: e criativas.
uma relação ou “é inútil perder tem- Jogos com regras: por exemplo, os espor-
dependência tes de equipes ou o xadrez.
po e esforços para
necessária de ou‑
tra coisa (Merriam definir o que é brin-
Webster). cadeira e o que não O modo como os adultos estudam as
é... por diminuir a brincadeiras das crianças está “baseado em
28 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

Ideias em ação

“Trabalho” ou “Brincadeira” (observação dos autores)


Uma tarde, enquanto estava conduzindo uma observação de uma das turmas da
educação infantil, a professora disse para as crianças organizarem seus materiais,
porque ela queria ler uma história pra elas antes que elas fossem para casa. Rory, de
4,6 anos arrumou brevemente um dos cantos da sala e então, com a área por trás
dele ainda por arrumar, começou a organizar cuidadosamente os garfos e as facas
de brinquedo em uma gaveta da sala. Ele estava levando muito tempo para fazer
aquilo, movendo-os de um compartimento para o outro, falando sozinho. Então,
ele parou e olhou na direção das outras crianças que estavam guardando alguns
lápis em uma mesa próxima, e comentou comigo: “elas estão só brincando”. “O que
você está fazendo então, Rory?”, perguntei. “Estou trabalhando”, disse orgulhosa‑
mente. “Guardando os garfos e as facas?”, perguntei. “Sim”, respondeu, voltando a
organizá­‑los nos compartimentos.

Pare e reflita
Os adultos realmente são mais competentes para definir as diferenças entre “traba‑
lho” e “brincadeira” do que as crianças, ou será que como Rory eles também podem
estar inclinados a definir o que estão fazendo como “trabalho” e o que os outros
estão fazendo como “diversão”?

um conjunto de valores a respeito da natu- ças faziam e que não merecia a atenção dos
reza e função da infância... apoiados pela adultos. Assim como é típico de muitos as-
sociedade em que a criança vive” (Sylva e pectos da cultura ocidental, existe uma bre-
Czerniewska, 1985, p. 40); entretanto, exis- ve referência às brincadeiras das crianças
tem muitas diferenças entre as culturas hu- nos escritos da Grécia Antiga, que não foi
manas no tempo e no espaço; e por causa reforçada até a época do “Iluminismo”, des-
disso, temos que aceitar no início de nossos de o fim do século XVIII em diante.
estudos sobre a brincadeira que é impossível
definir de maneira limitada e simples uma
atividade complexa como a brincadeira. Teorias da regulação de energia
Portanto, é improvável que algum dia che-
guemos a alguma definição do que “é brin- Essas teorias propõem que a brincadeira era
cadeira” e do que “não é brincadeira” que apenas uma maneira de “alívio” e de gastar
seja definitiva e apoiada universalmente. a energia que não havia sido usada de ou-
Apesar disso, muitas teorias criteriosas so- tras formas, ou de modo inverso, recuperar
bre a brincadeira foram criadas nos últimos energia através de atividades de relaxamen-
200 anos. As seções seguintes listam uma to. A ideia de “alívio” teve origem nos textos
pequena seleção dessas teorias. da Grécia Antiga com o conceito de catarse
de Aristóteles. No século XVIII, o filósofo
alemão Friedrich Schiller definiu a brinca-
Teorias clássicas (século deira como “gasto de energia abundante
XIX e início do século XXI) sem propósito” (Mellou, 1994, p. 91). Po-
rém, o poeta alemão Moritz Lazarus (1883,
Por um longo tempo se considerava que a em Mellou, 1994) propôs que a brincadei-
brincadeira era somente algo que as crian- ra é uma maneira de recuperar a energia
brincar: aprendizagem para a vida 29

gasta no trabalho, propôs que a brin-


Catarse Teoria da
opondo­‑se direta- evolução de cadeira ajudava as
Eliminação de
um complexo, mente as teorias de Darwin crianças a trabalhar
trazendo-o até energia excessiva. O Uma teoria que os instintos primi-
a consciência e filósofo inglês Her- propõe que carac‑ tivos que existem
permitindo a sua bert Spencer (1820­ terísticas que dão nos seres humanos
expressão (Mer‑ ‑1895) usou a teo­ria a uma criatura através do processo
riam Webster). evolutiva darwinia- em particular evolutivo, mas que
na para propor que vantagem no os mesmos não se-
Filósofo
ambiente em que
Uma pessoa que quanto mais desen- riam mais úteis em
habita tem maior
busca sabedoria volvido o animal, probabilidade um modo de vida
ou iluminação maior a sua energia de sobreviver na humano mais civi-
(Merriam Webster). exceden­te e, por- espécie em ques‑ lizado. Os estágios
tanto, mais comple- tão. Isso se deve de Hall seguem o
xa a sua brincadei- ao fato de que que ele propõe co­
ra (Mellou, 1994). quanto mais bem mo sendo o cami-
Mamíferos sucedidos são os
É verdade que as nho da evolução:
Um grupo de ani‑ animais, maior
mais com sangue únicas criaturas a probabilidade
animal, selvagem,
quente e pelos, e que parecem brin- de sobreviverem sociedade tribal e
que dão de ma‑ car são os pássaros para reproduzir sociedade moder­
mar aos filhos. (de modo muito e passar adiante na. Entretanto, sa­
Primatas simples) e os mamí- seus genes para a bemos que as so-
feros, principalmen- próxima geração. ciedades ocidentais
Membro de
um grupo de te os primatas que não são mais “de-
mamíferos que possuem as formas senvolvidas” do que
desenvolveram de brincadeira mais as sociedades que ainda vivem em um meio
particularmente extensivas e com- tribal, e que é a tecnologia que faz uma dife-
cérebros grandes plexas. Entretanto, rença superficial, não os instintos humanos
e uma habilidade atualmente sabemos básicos e comporta-
para segurar ob‑
que existem muitas mentos, que podem
jetos. Esse grupo
diferenças entre as Instinto ser observados em
engloba tanto os
espécies, particular- humano todos os ambientes
chimpanzés quan‑
mente em termos Uma aptidão humanos.
to os macacos.
ou capacidade
de fisiologia do cé- Consequente­
Fisiologia natural, ou
rebro, o que signi- inerente, mente, essa ­teoria
Os processos
e fenômenos
fica que a situação específica à foi desacreditada,
orgânicos de um não é tão simples espécie humana pois está baseada
organismo (Mer‑ como distinguir os (Merriam em interpretações
riam Webster). diferentes níveis de Webster). obsoletas de “ins-
“energia excedente” tinto” e “evolução”.
entre as espécies.

Teoria da prática ou do pré­‑exercício


Teoria da recapitulação
Teoria proposta por Karl Groos (1986,
G. Stanley Hall (1920) considerava a infân- 1901), que baseou a sua teoria em obser-
cia como uma ligação entre a forma animal vações práticas em vez das especulações
e humana de pensar e de se comportar. Essa filosóficas utilizadas pelos antecessores de
é uma teoria que se baseia na teoria da evo- teorias sobre a brincadeira. Groos propôs
lução de Darwin de maneira peculiar. Hall que animais jovens e crianças aprendiam
30 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

Ideias em ação

Estudo de caso: a teoria da recapitulação na ficção popular?


Em 1954, William Golding publicou sua obra conhecida mundialmente, O senhor das
moscas, que conta a história de alguns meninos ingleses pré-adolescentes que foram
abandonados em uma ilha tropical sem a presença de nenhum adulto. Conforme a
narrativa se desenrola, os meninos começam bem na tentativa de organizar a sua so‑
ciedade de acordo com as direções dos códigos sociais ocidentais, mas rapidamente
a situação se deteriora até eles se comportarem de maneira perigosa, bárbara e sel‑
vagem, o que inclui pintar seus rostos e utilizar danças tribais. Esse comportamento
finalmente resulta na morte violenta de dois integrantes do grupo. A análise racional
de Golding para esse romance parece ter sido retirada diretamente da teoria de Hall,
no que ele parece propor que as atividades de brincadeira que não são controladas
das crianças ocidentais possam levar a comportamentos rudimentares, primitivos
e selvagens, que no fim das contas seriam prejudiciais para a segurança delas. Os
personagens do livro são descritos como precisando desesperadamente de uma
direção firme de adultos ocidentais mais desenvolvidos.

Pare e reflita
O que isso pode nos dizer sobre a atitude da autora em relação às atividades de
brincadeira livres e independentes das crianças?

durante a brincadeira, praticando as habi- importante no desenvolvimento emocional


lidades que necessitavam desenvolver para das crianças. Freud reintroduziu o termo
a vida adulta. Groos (1901) também foi um catarse em termos de um “efeito catárti-
dos primeiros pesquisadores a considerar a co”, acreditando que, através da brincadei-
ideia de que os adultos podem usar a brin- ra, as crianças seriam capazes de remover
cadeira de maneira parecida. Ele desen- sentimentos negativos associados a eventos
volveu uma taxonomia inicial, muito bá- traumáticos. A filha de Freud, Anna desen-
sica, da brincadeira, listando os seguintes volveu subsequentemente a terapia através
tipos: brincadeira da brincadeira em meados do século XX. A
Taxonomia experimental (jo- terapia através da brincadeira pode ser usa-
Uma classificação gos orientados por da para ajudar as crianças que tiveram expe­
ordenada de um regras), brincadei- riências traumáticas, partindo as lembran-
grupo de concei‑ ra socioeconômi- ças em segmentos menores e encorajando
tos relacionados.
ca (brincadeiras de as crianças a “jogar” com os sentimentos
perseguição e luta) e perturbadores, oferecendo uma variedade
os jogos sociais e familiares (brincadeira de de experiências envolvendo a brincadeira
faz de conta). para esse propósito, por exemplo, bonecas,
areia, água e materiais artísticos (Gitlin Wei-
ner, 1998). A terapia através da brincadeira
Terapia através da brincadeira foi muito utilizada nos anos imediatamente
após a Segunda Guerra Mundial para ajudar
A teoria psicanalítica foi desenvolvida por as crianças que haviam sido traumatizadas
Sigmund Freud (1854­‑1938), que acredi- pelos eventos violentos na Europa ocupada
tava que a brincadeira possuía um papel pelos nazistas.
brincar: aprendizagem para a vida 31

Ideias em ação

Estudo de caso: a brincadeira como terapia


Van Dyk (2006) descreveu algumas sessões de terapia através da brincadeira que
ela utilizou com um menino de 4 anos chamado Jason, que havia testemunhado seu
pai agredindo sua mãe. Jason foi encorajado a usar “personagens de brinquedo” na
areia do playground, e durante a sessão ele escolheu Darth Vader para representar
o “pai perigoso”, com quem ele não deseja ser deixado a sós durante suas visitas.
Ele também foi encorajado a fazer desenhos representando seus sentimentos, des‑
crevendo um deles como “alguém... brigando com os filhos e eles irão levá­‑lo para a
cadeia”. À medida que Jason continuou com suas sessões de terapia, o seu compor­
tamento na escola melhorou, particularmente a sua habilidade para se concentrar.

Melhorando a prática
A “terapia” através da brincadeira na vida cotidiana
As crianças que não estão “em terapia” também podem se beneficiar das atividades
extraídas dos conceitos da terapia através da brincadeira. Um exemplo que funciona
bem com meninas com idade de 8 anos ou mais é colocar um pequeno grupo (de
quatro a oito) sentadas ao redor de uma mesa com vários esmaltes de unha de di‑
versas cores. Uma menina de cada vez fala sobre um sentimento que teve e escolhe
uma cor para representá­‑lo. Então o grupo é convidado para usar o esmalte para
pintar as unhas, escolhendo uma cor diferente para cada unha para representar os
sentimentos diferentes que tiveram, conversando a respeito deles enquanto pintam
suas unhas.

Pare e reflita
Você consegue pensar em uma atividade adequada para um dos gêneros parecidos
a essa, onde as crianças possam desenvolver durante uma atividade artística que
envolva o uso de cores diferentes para representar sentimentos diferentes? Con‑
sidere como isso poderia ser transposto para crianças em diferentes estágios de
desenvolvimento.

Figura 1.1
Uma infância moderna?
Fonte: UK21/Alamy.
32 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

Teoria da modulação do interesse uma criança do século XXI está eliminando


o desenvolvimento e a prática de atividades
A teoria da modulação do interesse foi desen- autodirecionadas independentes que regu-
volvida por Berlyne (1960), que propôs que lam os níveis de interesse das próprias crian-
a brincadeira era o resultado de um estímu- ças. O sociólogo Corsaro (1997) sugeriu
lo no sistema nervoso central para manter que, nas sociedades ocidentais modernas,
o interesse em um nível ótimo. Ellis (1973) o tempo das crianças está sendo absorvido,
propôs a ideia do que as crianças usam a cada vez mais, por atividades direcionadas
brincadeira para aumentar a estimulação e por adultos e “consequentemente, a infân-
o nível de interesse. No modelo de Berlyne, cia” nessas sociedades está sendo “coloniza-
as crianças respondem a um dado ambiente da” pelos adultos.
para aumentar o interesse; no de Ellis, as
crianças verdadeiramente criam esse inte-
resse nas suas ações a partir do ambiente. Teoria da brincadeira
A teoria da modulação do interesse pode ser metacomunicativa
relacionada com o debate atual a respeito
do papel do tédio versus uma potencial su- A teoria da brincadeira metacomunicativa foi
perestimulação na infância. A questão é se desenvolvida por Gregory Bateson (1955).
substituindo o tédio por uma rodada de ex- Bateson afirma que durante as brincadeiras
periências estimulantes, a prática de educar simuladas as crianças aprendem a operar

Ideias em ação

Um estudo de caso: a infância no século XXI


No dia de hoje, Aimee que tem 8 anos acordará às 6 horas da manhã, será vestida e
tomará café rapidamente para que sua mãe consiga deixá­‑la na casa de sua babá às
7:30, no caminho para o trabalho. Então Aimee estará na escola das 8:45 às 15:00.
Sua babá irá buscá­‑la e levá­‑la para sua aula de piano que dura meia hora e depois
será levada de volta para a casa de sua babá, onde sua mãe irá buscá-la às 16:30.
Então Aimee irá para casa, jantará e se arrumará para o ir ao grupo de escoteiros,
onde ficará entre 18:30 e 19:30. Seu pai irá buscá­‑la no grupo, levá­‑la para casa,
dar­‑lhe banho e colocá­‑la na cama às 20:30. Nos outros dias da semana Aimee tem
aula de hipismo e de ginástica. Nas manhãs de sábado ela frequenta uma aula de
dança. Ela é filha única e mora em uma rua com muito trânsito, onde não consegue
participar de brincadeiras ao ar livre sem supervisão de um adulto. A única oportuni‑
dade regular que ela tem para brincar sem a direção de um adulto é no playground
de sua escola. Todavia, sua escola recentemente reduziu a duração do recreio, então
o intervalo se resume a 15 minutos pela manhã e aproximadamente 20 minutos na
hora do almoço, dependendo de quanto tempo ela leva para terminar seu almoço.
A mãe de Aimee reclama que ela pode ser uma criança “difícil” durante os períodos
de férias escolares. Parece que ela não consegue ficar quieta em nenhuma atividade
(com exceção de assistir à televisão), apesar de estar cercada por brinquedos edu‑
cacionais caros, ela reclama constantemente para os adultos que está “entediada”.
Isso indica que Aimee não possui estratégias para equilibrar seu próprio nível de
interesse.

Pare e reflita
Como você pensa que essa situação pode afetar o futuro de Aimee na sua adoles‑
cência e vida adulta? Converse sobre o caso de Aimee com seus colegas.
brincar: aprendizagem para a vida 33

em dois níveis dife- rativas das brincadeiras relacionadas com


Brincadeira
metacomuni­ rentes, ou seja, nas o contexto de um playground, descobrindo
cativa cenas que elas es- que elas eram complexas e altamente rela-
Metacomunicação tão representando, cionadas ao gênero (veja o Capítulo 7).
é comunicar a enquanto mantém
respeito da co‑ sua existência no
municação, usada mundo real. Gar- Teorias de
para descrever vey (1977) propôs
conversas em que o termo “quebrar o
desenvolvimento cognitivo
as pessoas estão
falando sobre
quadro” para o que
as crianças fazem As teorias de desenvolvimento cognitivo
aspectos relacio‑
nados à comuni‑ quando problemas propõem que a brincadeira é uma parte vital
cação; as crianças ou desentendimen- para a construção de um conjunto de repre-
frequentemente tos surgem e elas sentações mentais (Piaget as chamou de es-
fazem isso nas têm que interrom- quemas) do mundo
suas interações per a fantasia para Esquema ao redor da criança.
durante as brinca‑ Isso é alcançado em
resolver a situação Um termo da
deiras. pequenos “pedaci-
e então voltar ao ce- teoria piagetiana
nário de faz de con- que refere a uma nhos”, cada pedaço
ta. Isso indica que as crianças não somente coleção de ações, de aprendizado em
aprendem sobre o papel, mas também sobre conceitos ou ideias uma área em par-
que estão alta‑ ticular é construí-
o conceito de interpretar um papel e como
mente organizadas
isso se relaciona com a realidade. do sobre o pedaço
dentro do cérebro.
anterior por todo o
período de desen-
Textos das brincadeiras volvimento, com o jovem adulto finalmente
alcançando um “mapa cognitivo” de como o
Tem sido demonstrado que as narrativas mundo em que ele ou ela vive funciona na
das brincadeiras, ou seja, o que as crianças verdade. Por exemplo, todos os seres huma-
fingem ser, está altamente relacionado com nos aprendem sobre a operação básica da
o ambiente e as ex- gravidade (porque não derrubaríamos pro-
periências verdadei- positadamente uma cesta de ovos), mas so-
Textos das
ras dessas crianças mente aqueles que vivem em uma área com
brincadeiras
(por exemplo, as automóveis sabem que você deve olhar e es-
Uma história
imaginária criada crianças ocidentais cutar atentamente
brincando de “fa- Assimilação antes de atravessar
por uma criança
ou por um grupo mília”, “escolas” ou Da teoria piage‑ uma rua que inicial-
tiana, usar um mente parece estar
de crianças para papéis imaginários
esquema existen‑
justificar e expli‑ inspirados em fon- livre de carros. Os
car suas ações te para lidar com
tes provenientes uma experiência dois teóricos mais
(também podem proeminentes nes-
dos meios de comu- nova; no ensino
ser chamadas
de “narrativas de nicação). Bateson o termo pode sa área são Jean Pia-
brincadeira”). (1955) propôs que ser usado com o get (1896­‑1980) e
a brincadeira de significado de ab‑ Lev Vygotsky (1896­
faz de conta dentro sorver, assimilar ‑1934).
e compreender Piaget propôs
desse contexto específico produz um adulto
completamente
com uma autoimagem cultural e social par- um elemento
um sistema de de-
ticular, uma parte necessária de tornar­‑se particular da senvolvimento de as-
um ser humano adulto completamente fun- aprendizagem. similação e acomodo-
cional. Jarvis (2006, 2007) estudou as nar- ção, onde a criança
34 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

assimila uma expe- da de um adulto ou


Acomodação Zona de de­
riência nova (levan- senvolvimento com a colaboração
Da teoria piagetia‑
na, construir um do ela até o pensa- proximal de pares com níveis
novo esquema mento sem criar um Da teoria de desenvolvimen-
em resposta a novo conceito, por Vygotskiana, a to equivalentes,
uma nova expe­ exemplo, você lam- lacuna entre o mas não é capaz de
riência. be uma casquinha nível atual de acessá­‑la sozinha.
de sorvete e você desenvolvimen‑ Por exemplo, uma
também lambe um picolé) ou a acomoda to do aprendiz criança construin-
comparado com
(criando um novo conceito no pensamento, o nível poten‑
do um brinquedo
por exemplo, você não consegue comer uma cial imediato de com lego pode não
massa espaguete desenvolvimento conseguir descobrir
Equilibração
somente com uma quando ele ou ela como usar as peças
Levar ao equilí‑
colher, ou com gar- é auxiliado/a por com tamanhos dife-
fo e faca, você tem um adulto ou par rentes para montar
brio. Na teoria
que aprender uma mais competente. a roda de um car-
piagetiana, refere­
‑se especifica‑ nova ação usando Pares ou ro, mas um adul-
mente a equilibrar a colher e o garfo). semelhantes to pode ajudar de-
as ideias de um A criança chega até Aqueles que monstrando e divi-
indivíduo com a a acomodação atra- pertencem ao dindo a ta­refa (Je-
realidade. mesmo grupo
vés de um processo rome Bruner mais
de equilibração, que social, especial‑ tarde chamou isso
mente no que diz
significa a necessidade de equilibrar todos de “andaimes con-
respeito à faixa
os esquemas relacionados com a imagem etária, série ou ceituais”). Duas ou
atual da realidade de uma pessoa (Piaget, status (Merriam mais crianças tam-
1955). Webster). bém podem “juntar
Vygostky propôs o conceito da zo- suas ideias” e resol-
na de desenvolvimento proximal (Vygotsky, ver problemas con-
1978). A “ZDP” é uma área de competên- versando e descobrindo como algo é feito
cia que uma criança pode acessar com a aju- pela tentativa e pelo erro.

Ideias em ação

Estudo de caso: um exemplo de “quebrar o quadro”


Sofia e Elizabete, ambas com 5 anos, estão brincando de casinha. Elas previamente
combinaram que Sofia seria a mamãe e Elizabete seria o bebê. Sofia coloca Elizabete
na cama e vai para a área da cozinha. Elizabete se levanta e vai em direção a cozinha,
pega uma panela de brinquedo e coloca sobre o fogão. Sofia se vira e “quebrando
o quadro” diz, “Você é o bebê, não pode usar o fogão”. Elizabete diz, “Mas e se o
bebê tentou usar o fogão?”. Sofia volta ao papel de mamãe (o quadro faz de conta),
adotando um tom repreensivo: “Bebê desobediente! Fique longe do fogão ou vai se
queimar”. Elizabete começa a fingir que está chorando e Sofia diz, “Oh não, bebê,
viu o que você fez?”. Ela pega a mão de Elizabete e diz, “Vamos fazer um curativo?”.
Elizabete diz que sim com a cabeça, ainda “fingindo chorar”.

Pare e reflita
O que Sofia e Elizabete aprenderam sobre cuidar de crianças mais novas e de bebês
nessa interação?
brincar: aprendizagem para a vida 35

Conclusão teó­ricas enraizadas na psicologia do desen-


volvimento, muitas das quais serão revistas
Essa parte do capítulo introduziu a utilida- e exploradas mais a fundo por vários auto-
de da brincadeira e, fazendo isso, também res nos capítulos finais deste livro. Também
explorou uma variedade de perspectivas delineou o elo vital entre a brincadeira e o

Ideias em ação

Textos das brincadeiras de playground (observação dos autores)


Em um dia de inverno extremamente frio, as crianças estiveram brevemente no
­playground enquanto nevava. Observei Rory, Elliot e Adam absorvidos em uma
­brincadeira de perseguição, a qual tiveram que abandonar quando foram chama‑
dos para voltar para a sala de aula. Imediatamente de volta a sala e sentei­‑me com
eles para perguntar sobre a brincadeira deles. O resultado da conversa está relatado
abaixo:
Pam Jarvis: De que vocês estavam brincando?
Rory (para Elliot): O que nós estávamos fazendo?
Elliot: Estávamos ajudando Adam.
Rory: Estávamos ajudando Adam a não congelar.
Pam Jarvis: Ajudando Adam a não o quê?
Rory: A não congelar. Estava nevando e caindo neve nos meus olhos.
Pam Jarvis: Sim, eu sei, estava muito frio.
Rory: Se você congela, não consegue se mexer. Parece que esse texto
da brincadeira reflete as narrativas de super­‑heróis que são frequentemente mostra‑
das nos desenhos de ação e filmes de animação ocidentais.

Narrativa
Pare e reflita
Literalmente O que esses meninos podem estar aprendendo a respeito dos papéis
algo que é falado dos homens adultos, das responsabilidades e dos relacionamentos
por fazer e representar coletivamente esse texto da brincadeira?
(narrado); o termo
é frequentemen‑
Melhorando a prática
te usado por
cientistas sociais Pesquisa sobre os textos das brincadeiras: atividade sugerida
para referir o Você poderia desenvolver uma observação focal de uma criança
modo como as em uma área de brincadeira externa, enfocando as narrativas que
as crianças criam em suas brincadeiras colaborativas durante a ses‑
pessoas explicam
são. Uma vez que se sinta confortável com a técnica da criança focal,
coisas ao contar
você poderia fazer subsequentemente várias observações, focando
uma “história”
nas crianças de cultura semelhante a sua e de culturas diferentes,
secundária. considerando o quanto as experiências culturais diferentes podem
(ou não podem) ter implicações nas narativas da brincadeira que as
crianças criam. Se você está em um estabelecimento onde conhece bem as crianças,
você também pode conversar sobre suas atividades na brincadeira com elas, na ten‑
tativa de descobrir o que as narrativas que elas estão criando significam para elas.
Certifique­‑se de cronometrar o tempo atentamente, cuidando para não interferir ou
interromper a brincadeira delas, ou ao contrário, deixar passar muito tempo, porque
crianças pequenas esquecem muito rapidamente. Para as crianças com idade média
entre 4 a 7 anos, “deixar passar muito tempo” significa que elas já mudaram para
uma outra atividade. Uma boa hora para conversar com as crianças sobre as brin‑
cadeiras no playground é no fim do horário do receio, enquanto elas caminham de
volta para sala de aula depois que a campainha tocou.
36 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

Ideias em ação

Melhorando a prática
Foco do esquema
As crianças de 3 anos podem aceitar mais facilmente a existência do Papai Noel,
dado o seu conhecimento muito limitado das coisas práticas do dia a dia, mas quan‑
do elas chegam aos 6 ou 7 anos, estarão fazendo perguntas como “Como ele con‑
segue passar pela chaminé se nós não temos uma?” e “Como ele consegue chegar
a todas as crianças do mundo em uma noite?”. Isso indica que o processo de equi‑
libração está ocorrendo e mais cedo ou mais tarde a criança se dará conta de que o
conceito de Papai Noel é um mito e não parte da realidade, conforme sua existência
não coincide com outros conhecimentos que elas têm sobre o mundo.

Pare e reflita
Focando nas questões específicas que as crianças perguntam, podemos descobrir
quais ideias elas podem estar envolvidas no momento, para levá­‑las a um novo es‑
tado de equilibração.

Melhorando a prática
Estudo da ZDP: atividade sugerida
Algumas aprendizagens podem implicar no estudo da ZDP com professores e pares.
Você pode considerar isso através da confecção/conversa/observação de qualquer
atividade que envolva a demonstração de um adulto seguida de um trabalho em
grupo. Por exemplo, mostre para crianças de 6 anos ou mais como fazer um modelo
lego simples ou algum trabalho artístico simples como uma flor de papel (que po‑
deria estar relacionada com alguma data festiva). Demonstre como executar a tarefa
e então compare como as crianças a executam trabalhando sozinhas, trabalhando
com um colega que tenha habilidade similar ou com um colega que seja um pouco
mais habilidoso. Você pode focar particularmente em como as crianças conversam
sobre a tarefa e o que elas parecem ganhar (ou ocasionalmente perder) durante
essas discussões.

desenvolvimento psicológico, e sugeriu que petência social atual ou futura da criança,


a brincadeira nem sempre tem que originar sendo ao mesmo tempo para o seu próprio
um resultado óbvio ou até mesmo positivo benefício e para o benefício da sociedade
para contribuir de maneira útil com a com- em que ele/ela vive.

Ideias em ação

Melhorando a prática
Observação de área focal
Observação de uma ideia focal:
Uma observação feita através do foco
atividade sugerida
em uma área, registrando tudo que
Por que não fazer uma observação de área
ocorre dentro dessa área por uma quan‑ focal por 10­‑15 minutos e então ver quantas
tidade de tempo determinada. das teorias abordadas anteriormente pode‑
riam ser aplicadas ao comportamento que
você registrou?
brincar: aprendizagem para a vida 37

Capitalizar ramenta mais valiosa para a aprendizagem.


com a brincadeira: A motivação intrínseca é valiosa porque ela
resulta na aprendizagem iniciada pela crian-
tirando proveito dela
ça. Os educadores precisam proporcionar
para a aprendizagem ambientes divertidos e estimulantes que
Avril Brock promovam atividades práticas e o uso de re-
cursos interessantes
Introdução Motivação e, dessa forma, per-
intrínseca mitir que as crian-
Esta seção sobre brincadeira educacional Estímulo para a ças iniciem as suas
promove a brincadeira para a aprendiza- aprendizagem ine‑ próprias aprendiza-
gem. As crianças são ao mesmo tempo pré­ rente nas crianças gens (os capítulos
independente de ao longo desse livro
‑programadas e motivadas a brincar – é bas-
fatores externos, fornecerão muitos
tante simples, como Susan Isaacs declarou como classe
na década de 1920, em seu trabalho “tra- exemplos significa-
social.
balho de suas vidas”. Sob uma perspectiva tivos).
Aprendizagem Por volta do
educacional, a disposição das crianças para
iniciada pela início do século de­
brincar, sua motivação inata e seu ­forte pro- criança
pósito para brincar deveriam ser aproveita- zenove, a ideia da
Permitir que
dos pa­ra promover a aprendizagem e pre- infância não sendo
as crianças
encher o potencial tenham opor‑
apenas uma prepa-
Cognição educativo. A brin- tunidade de ração para a vida
O processamento cadeira é importan- desenvolver seu adulta, mas existin-
de informação, te para a aprendiza- conhecimento do no seu próprio
como um indiví‑ e suas habilida‑ direito como sendo
gem, os educadores
duo compreende des através da um período espe-
o mundo. a “ordenham”, a se-
brincadeira sem a cial da vida estava
questram das crian- orientação de
Currículo ças; usam a brin- obtendo aceitação.
um adulto.
Um corpo de cadeira como um Filósofos, psicólo-
conhecimento/ gos e profissionais
veículo para desen-
habilidades a da educação infantil foram os pioneiros
ser transmitidas
volver a cognição e
todos os aspectos das teorias com respeito à importância da
ao aprendiz; o
conteúdo de um do currículo; e por brincadeira para a aprendizagem e para a
curso ensinado que não, se ela é ao educação. Aqui está uma breve introdução
em uma escola; mesmo tempo efi- a alguma dessas teorias:
um programa de ciente e agradável?
apendizagem As ideias de Pestalozzi (1746­‑1827) in-
As crianças brincam
fluenciaram Robert Owen quando ele
naturalmente atra-
estabeleceu a primeira escola infantil na
vés de um processo de desenvolvimento,
Escócia em 1816, promovendo ambien-
para descobrir o seu ambiente, para apren-
tes para uma aprendizagem adequada
der sobre o que acontece e porque as coi-
para as crianças pequenas, que incluía a
sas acontecem e, prioritariamente, para se
brincadeira em ambientes externos.
divertir.
Wilderspin (1792­‑1866) promoveu a al-
fabetização, a linguagem e a competên-
cia numérica através da aprendizagem
A importância da brincadeira e da disponibilidade de materiais e de
experiências práticas e ativas.
Por essa razão os educadores de crianças pe- Froebel (1782­‑1852) sugeriu a impor-
quenas acreditam que a brincadeira é a fer- tância da brincadeira educativa para o
38 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

Ideias em ação

Valorizando a brincadeira (entrevista da autora)


O que existe de tão errado em brincar nessa idade? Acredito que é de onde vem a
raiz de toda a aprendizagem, a exploração, a experimentação, é assim que penso
que as crianças aprendem melhor, e nosso trabalho é direcionar e canalizar a brin‑
cadeira. Nosso planejamento irá proporcionar suporte para desenvolver as coisas
que as crianças estão interessadas, enquanto cumprimos com as exigências dos
objetivos de aprendizagem iniciais. Estou falando de não só sermos práticos, mas
também criativos nas atividades que fazemos com as crianças, tentando estimulá­‑las
de todas as maneiras sensoriais possíveis.
As pessoas nem sempre enxergam o valor e não se dão conta do que a brincadei‑
ra engloba. Elas acham que aparecemos aqui, abrimos a escola e é isso; as crianças
chegam e você só brinca com elas, como se não houvesse horas de preparação, pla‑
nejamento, de buscar e preparar recursos. Sim, nem mesmo minha
namorada se dá conta disso.
Education
Mike, professor da educação infantil
Action Zone
Escolas que Melhorando a prática
recebem assis‑
Muitos educadores da educação infantil acham difícil entender por
tência especial
que certas pessoas, incluindo alguns educadores de crianças mais
do Departamento
velhas, depreciam a brincadeira quando ela é na verdade uma pode‑
de Educação e
rosa força motivadora que produz resultados tão ricos. O professor
Empregos para na citação acima foi entrevistado durante uma pesquisa para uma
conduzir projetos tese de doutorado. Ele trabalhava na educação infantil dentro de uma
desenvolvidos escola de cidade do interior em uma Education Action Zone, que ti‑
para aumentar o nha uma mistura de crianças bem variada, incluindo uma porcenta‑
nível de desempe‑ gem aprendendo o inglês como segunda língua. Ele trabalhava como
nho dos alunos. educador em um grupo de educação infantil que havia sido integrado
a pouco tempo na escola. O grupo estava desenvolvendo os elos e o
Inglês como
currículo para o Foundation Stage que havia sido recém introduzido.
segunda
Esse professor acreditava fortemente no poder e na importância da
língua (ISL) brincadeira, promovendo o currículo através de experiências de brin‑
Quando o inglês cadeira com qualidade. Ele também estava bastante ciente do status
não é a primeira da brincadeira e de que a percepção pública por parte dos pais, de
língua de uma outros educadores e de pessoas que fazem políticas de ensino nem
criança. sempre compreendia ou estava a favor da brincadeira sendo promo‑
vida nos estabelecimentos de ensino.
Portanto, é importante estar informado e ser articulado sobre a
importância da brincadeira nos contextos educacionais. Os educadores devem ser
bem formados e estar preparados para justificar a sua proposta para um currículo e
uma pedagogia baseados na brincadeira para uma variedade de públicos.

Pare e reflita
Precisamos justificar a brincadeira? Você se sente capaz de articular isso para uma
audiência externa? Ler este livro poderá ajudá­‑lo no processo de ser responsável
pela brincadeira!

desenvolvimento das crianças pequenas linguagem. Ele desenvolveu uma abor-


para que elas absorvam o conhecimen- dagem centrada na criança e enfatizou a
to e para desenvolver a imaginação e a aprendizagem ativa.
brincar: aprendizagem para a vida 39

Steiner (1861­‑1925) estava preocupado que elas trabalhassem em um nível mais


com a individualidade das crianças, do elevado.
seu completo desen­volvimento através Bruner (1915­‑presente) vê as crianças
da experiência de um currículo criativo como sendo aprendizes ativos, que ne-
e equilibrado. Ele propôs que o papel do cessitam de expe­
adulto, o ambiente e a provisão de recur- riências diretas pa­ra
Andaimes
sos na­turais como materiais para brinca- conceituais ajudá­‑las a desen-
deiras eram importantes. Assistência
volver o pensamen-
Montessori (1870-1952) defendia o va- fornecida por um to e a aprendiza-
lor da brincadeira na aprendizagem das adulto ou um par gem. Assim como
crianças e proporcionou ex­periências mais experiente, Vygostky, ele acre-
de aprendizagem da vida real em um em contexto, dita que os adultos
ambiente estruturado e planejado, que para auxiliar na são importantes pa­
desenvolvia a vida interior das crianças aprendizagem da ra criar andaimes
criança.
através das experiências sensoriais e conceituais para au-
científicas. xiliar na aprendiza-
Isaacs (1885­‑1948) promoveu a brin- gem das crianças.
cadeira e a exploração através do en- Piaget (1896­‑1980) estava preocupado
volvimento ativo, encorajando o pen- com os pensamentos e as ideias que as
samento claro e um comportamento crianças têm, exa­minando como elas
in­dependente. Ela estudou psicologia aprendem através de estágios, incluindo
infantil cientificamente, através da ob- como elas brincam e
servação sistemática das crianças, exa- Aprendizado como o aprendizado
minando a influência da lingua­gem sobre através das através das desco-
o pensamento e sobre as emoções. descobertas bertas é importante
McMillan (1860­‑1931) primeiramente Aprendizado ou para o desenvolvi-
forneceu ambientes para apoiar a saúde instrução baseado mento e que a brin-
das crianças, mas ela também acreditava na investigação. cadeira imaginária
na importância das experiências diretas precedia os jogos
e na aprendizagem ativa, particularmen- com regras. Adaptado de Beardsley e
te que a brincadeira Harnett (1998); Curtis e O’Hagan (2003);
era importante para Broadhead (2004); Bruce (2004).
Abordagem o desenvolvimento Esta é uma lista bastante extensa de
centrada na da imaginação, dos figuras renomadas, que proporcionaram
criança sentimentos e das evidências de suas crenças, demonstrando
Educação que emoções. amplo conhecimento sobre a importância da
adapta o estilo Vygotsky (1896­ brincadeira para a aprendizagem e para a
de ensino e de
‑1934) acredita- educação. Os educadores precisam não ape-
aprendizagem
de acordo com o
va que a qualidade nas considerar as teorias mencionadas ante-
interesse espe‑ das relações sociais riormente como também precisam estar ap-
cífico da criança, e culturais é cru- tos a explicar a sua proposta de experiências
por exemplo, cial; que os adul- de brincadeira para uma audiência mais am-
permitindo que a tos e pares apoia- pla. Eles precisam ter capacidade de articular
criança que tem vam a aprendiza- esse conhecimento de modo que os pais, as
um interesse em gem das crianças pessoas que fazem políticas de ensino e o pú-
trens possa ler
e que a brincadei- blico em geral entendam e aceitem que um
a respeito deles,
escrever uma ra criava uma zona currículo e uma pedagogia baseados na brin-
história sobre de desenvolvimen- cadeira é uma parte essencial na educação
trens, etc. to proximal (poten- das crianças. Os educadores de ambos, da
cial), que permitia educação infantil e do ensino fundamental,
40 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

Ideias em ação

Extraindo significados do mundo através da brincadeira


(observação da autora)
Visitei Mina, com 14 meses, e sua mãe para entrevistá­‑las sobre o desenvolvimento
precoce da linguagem de Mina. Mina foi extremamente tímida comigo pelos pri‑
meiros 30 minutos e manteve distância. Entretanto, ela tinha me visto colocar meu
pequeno gravador digital na mesa de centro e assim que criou coragem, ela veio
sentar­‑se junto a mim, pegando o gravador imediatamente. Ele cabia perfeitamente
em sua mão e em alguns segundos ela havia descoberto como ligar, desligar e es‑
cutar as gravações. Sua próxima tarefa foi “tirar fotos” com a minha máquina digital.
Esse era um objeto muito maior, mas novamente ela não teve problema algum para
manipulá­‑la, segurando­‑a corretamente para tirar fotos, enquanto modelava poses e
sorrisos apropriados para a situação. Então, ela fez uma manobra na direção da mi‑
nha bolsa e selecionou sistematicamente os itens, um por um. Primeiro ela tirou da
bolsa a carteira, seguida do meu porta cartões, batons, perfume, canetas, cartões de
memória, celular e óculos. Ela usou cada item apropriadamente, exceto os cartões
de memória! A bolsa foi parar na sua maleta de plástico, que ela usava como bolsa,
copiando exatamente o que sua mãe fazia com a própria bolsa. Ela rabiscou no meu
bloco de anotações com cada uma das canetas. Ela experimentou meus óculos, de‑
pois os colocou na parte de cima da cabeça e depois na parte de trás. Ela fez caretas
e cheirava o ar enquanto fingia passar o batom e o perfume. Como ela poderia saber
que o pequeno frasco tinha uma tampa que podia ser removida? “Ah, que bonita”,
afirmava sua mãe, cada vez que Mina mostrava cada nova aquisição.

Pare e reflita
Em suas observações das crianças, que contextos elas usam mais prontamente
como base para suas brincadeiras? Com que frequência elas brincam com compor‑
tamentos adultos “modelados” previamente?

Figura 1.2
Aprendizado
através das
descobertas.

(continua)
brincar: aprendizagem para a vida 41

Ideias em ação

Comentário
Minha bolsa naquele momento foi muito mais interessante que os diversos brinque‑
dos que estavam no chão. Então, será que Mina estava brincando, experimentando
ou trabalhando? Acho que ela estava fazendo todas as três atividades. Com 14 me‑
ses, ela já havia aprendido o propósito de cada item da bolsa através da observação,
da imitação e da exploração. Ela estava aprendendo enquanto manuseava os obje‑
tos, usando todos seus sentidos para usá­‑los e examiná­‑los. Ela quase não falava
durante essas atividades, mas era possível perceber que havia várias evidências que
indicavam seus processos de pensamento. Sua mãe comentou que ela e o pai de
Mina frequentemente sentiam que podiam observar sua filha refletindo sobre as coi‑
sas com as quais brincava. Conforme Hutchin (1996) observou, as crianças refletem
sobre várias experiências que elas têm em cada aspecto de suas vidas cotidianas.
Mina vem aprendendo através da observação, da escuta e da reflexão e já teve diver‑
sas oportunidades para imitar, imaginar e repetir ações através das suas atividades
de brincadeira.

precisam não somente compreender o valor lho? Quando uma criança escolhe plantar se-
da brincadeira e consequentemente colocá­‑la mentes no jardim, fazer um bolo ou escutar
em prática com as crianças, mas também es- uma história, isso é trabalho ou brincadeira?
tarem aptos a explicar e celebrar a aprendiza- Todas as crianças têm o direito de descansar,
gem com base na brincadeira com os outros. de brincar e de se en-
Foundation
Os educadores precisam fornecer ambientes volver com uma am-
Stage
para uma aprendizagem rica, que promovam pla variedade de ati-
Anterior a setem‑
todos os tipos de brincadeira – a espontânea, bro de 2008, esta
vidades (Artigo 31,
a estruturada, a imaginativa e a criativa – e, era a primeira par‑ Direitos da Criança
dessa forma, capacitar as crianças para pre- te de um currículo das Nações Unidas),
encher seu potencial de aprendizagem. Mina nacional, direcio‑ da brincadeira livre
está aprendendo através da brincadeira e os nado às crianças à aprendizagem es-
educadores da educação infantil se torna- com idade entre 3 truturada, e isso tem
ram hábeis para lucrar com a inclinação para e 5 anos. valor próprio como
aprender das crianças pequenas, com o ape- Direitos das parte do desenvol-
tite delas por novas experiências e seu desejo Crianças das vimento cognitivo e
para “brincar” antes de qualquer outra coisa. Nações Unidas criativo da criança.
O que então define uma experiência de “brin- Um acordo A brincadeira é di-
cadeira” como sendo diferente de uma expe- internacional que vertida, gratificante,
fornece um con‑
riência de “trabalho” na escola e em outros prazerosa e comple-
junto abrangente
ambientes educacionais? As experiências de de direitos para
ta em si.
“brincadeira” são apenas aquelas escolhidas todas as crianças.
livremente pelas próprias crianças? A diver-
são e o prazer são elementos­‑chave para de-
finir o que é brincadeira? Quando um adulto Um currículo
em um estabelecimento no Foundation Stage baseado na brincadeira
instrui as crianças a pintar um desenho, criar
um objeto usando blocos ou para montar um Dessa maneira, se pode observar que o brin-
quebra­‑cabeça, isso é brincadeira ou traba- car para aprender ocorre naturalmente.
42 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

O papel do educador é proporcionar uma deira, sempre observando e analisando as


variedade de oportunidades nas quais as realizações e os benefícios para a aprendiza-
crianças são motivadas a se envolver indi- gem. Isso não impede a diversão e o prazer,
vidualmente e colaborativamente. Essas ati­ que deveriam ser componentes essenciais
vidades precisam ser planejadas para que para a aprendizagem através da brincadei-
se obtenha uma aprendizagem potencial e ra. As necessidades individuais das crianças
ideal. O educador precisa estar apto a ana- devem ser satisfeitas para uma aprendiza-
lisar essas oportunidades de aprendizagem, gem e um desenvolvimento bem­‑sucedidos.
a tomar decisões sobre quando e como estar As atividades e experiências fornecidas pe-
envolvido e seguir em frente com a brinca- los educadores precisam ser estruturadas

Ideias em ação

Brincadeira social livre


Zack e seu irmão mais velho estavam brincando no jardim de casa. Eles arremessa‑
vam, pegavam, chutavam e batiam nas bolas, jogando golfe, futebol e basquete; su‑
biam escadas e em árvores fingindo ser bombeiros, usavam ferramentas de jardim
no solo e na caixa de areia, dirigiram um trator, um carro e um triciclo por volta do
jardim; e por fim, eram mecânicos usando macacões e uma variedade de ferramen‑
tas e instrumentos, fizeram brincadeiras em times e corridas com os adultos. Em
um período de três horas não houve nenhuma reclamação, houve muita brincadeira
colaborativa, pensamento imaginativo, linguagem exploratória e socialização com
os adultos. Zack (4 anos) estava brincando no meu jardim. Entre várias atividades
autoiniciadas, ele regou as flores e as minhocas cuidadosamente com uma pistola
d’água, observou os pardais comendo sementes em um alimentador para pássaros e
viu os remadores nadando na lagoa. Ele observou, fez perguntas e conversou sobre
o que estava acontecendo (veja a Figura 1.3).

Objetivos de
Melhorando a prática
aprendizagem Esses dois cenários oferecem insights para as experiências das
dos primeiros crianças em ambientes ao ar livre. Os adultos não iniciaram nenhu‑
anos ma dessas atividades, mas capitalizaram sobre elas ou pelo menos
eu o fiz (não existe “estar de folga” para os educadores das primeiras
As seis áreas de
séries!). Aproveitei para criar uma apresentação sobre o desenvolvi‑
desenvolvimento
mento físico e a brincadeira ao ar livre para a minha palestra daquela
e aprendizagem semana. Analisei as atividades dos meninos para a aprendizagem e
que definem o desenvolvimento para as explicações aos alunos. Zack e Kurt expe‑
que se espera rienciaram a maioria dos objetivos de aprendizagem dos primeiros
que as crianças anos do currículo para o desenvolvimento físico. No segundo cená‑
aprendam durante rio, Zack não apenas experienciou os objetivos de aprendizagem dos
o Foundation primeiros anos para o “conhecimento e a compreensão do mundo”
Stage nos no Foundation Stage nos primeiros anos, mas também cumpriu com
primeiros anos. aspectos do desenvolvimento pessoal, social e emocional e de co‑
municação, linguagem e alfabetização.

Pare e reflita
Obtenha o documento do Early Years Foundation Stage, se você não possui uma cópia,
entre no site do Department of Children and Family Service. Leia e reflita sobre os ob­
jetivos de aprendizagem para o desenvolvimento físico nos primeiros anos de vida.
brincar: aprendizagem para a vida 43

através de um ciclo 1996, 2005). A brincadeira é uma “palavra


Desenvolvimen­
to apropriado de planejamento, genérica” (Bruce, 1991) e uma “categoria
Prática baseada or­ganização, exe- gigantesca” (Hutt et al., 1989) que engloba
no que é conhe‑ cução e avaliação. uma multiplicidade de atividades, muitas
cido a respeito de Como Riley (2003) das quais são úteis para a aprendizagem.
como as crianças declara, uma com- Ao longo dos dois últimos séculos tem ha-
se desenvolvem, preensão rigorosa e vido uma variedade de teorias e todas elas
levando em con‑ abrangente de um proclamam a importância da brincadeira
sideração a idade, currículo holístico é sob diferentes perspectivas; como Bruce
a situação social
e o bem-estar
necessária não ape- (2004, p. 129) menciona, “diferentes teo­
emocional. nas na educação in- rias oferecem suporte de maneiras dife-
fantil, mas também rentes”. A complexidade dessa atividade
nos anos iniciais do “simples” chamada de brincadeira pode ser
ensino fundamental, com experiências de vista no Quadro 1.1.
aprendizagem de desenvolvimento apropria- Entretanto, existem críticas quanto a
do sendo oferecidas em todas as áreas do fornecer experiências de brincadeira como
currículo. uma maneira para aprender e sobre a quali-
Moyles e colaboradores (2002) no dade da proposta atual que pode ser ofere-
Study of Pedagogical Effectiveness in Early cida nos estabelecimentos de ensino, como
Learning (SPEEL) determinam que um en- demonstrado no Quadro 1.2.
sino e uma aprendizagem de qualidade são Existem evidências substanciais de
caracterizados pela habilidade do profissio- muitos pesquisadores de que as crianças po-
nal para aplicar o conhecimento no aprendi- dem demonstrar níveis mais elevados de co-
zado das crianças pequenas para promover municação verbal, de pensamento criativo,
avanços e realizações, e para identificar e de imaginação e de resolução de problemas
medir a efetividade da proposta. Uma pro- em situação de brincadeira (Wood e Attfield,
fessora de educação infantil me explicou so- 1996, 2005; Anning et al., 2004). A apren-
bre o sistema que ela e a coordenadora da dizagem baseada na brincadeira é altamen-
educação infantil tinham organizado para te motivadora e possibilita que as crianças
as crianças (ver “Ideias em ação”). pequenas autodirecionem seu aprendizado,
encorajando o envolvimento e a concentra-
ção (Riley, 2003). Moyles (1989) desenvolve
Teorias instrumentais o modelo de crescimento de Norman (1978)
de brincadeira para mostrar que a brincadeira forma as ex-
periências pessoais e o conhecimento para
Tem sido validado por muitos pesquisado- criar novos conceitos e novas experiências:
res contemporâneos na área da educação
infantil que a brincadeira é essencial para aquisição – adquirir novos conhecimen-
a aprendizagem, incluindo Hutt e cola- tos, fatos, informações e habilidades;
boradores, (1989); Moyles (1989); An- reestruturação – reorganizar o conheci-
ning (1991); Bruce (1991); Hall e Abbott mento existente para acomodar os pa-
(1991); Wood e Attfield (1996); Bennett drões, as estruturas e os princípios no-
e colaboradores (1997); Sayeed e Guerin vos;
(2000); Drake (2001); MacIntyre (2001); sintonização – a reestruturação guia a
Riley (2003) e Broadhead (2005). O pri- aquisição de novos conhecimentos.
meiro problema a ser encontrado é o da
definição: como “brincadeira” pode cobrir A brincadeira enfatiza a reestrutura­
uma variedade de comportamentos relacio- ção, o enriquecimento e as descobertas –
nados a várias atividades (Wood e Attfield, formando as experiências pessoais e os co­
44 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

Figura 1.3
Brincando no jardim.

nhecimentos para criar novos conceitos e crianças gradualmente desenvolvem con-


experiências. Isso é o que afirma a crença ceitos de relações causais, a capaci­dade
de Froebel (1782­‑1852) de que a brincadei- de discriminar, de fazer julgamentos,
ra é o modo como as crianças integram sua analisar e resumir, imaginar e formular.
aprendizagem, ganham compreensão, apli- As crianças ficam concentradas em sua
cam esse entendimento e começam a traba- brincadeira e a satisfação de terminá­‑la
lhar de maneira mais abstrata. Todas essas com uma conclusão satisfatória solidifica
teorias oferecem insight sobre como a brin- hábitos de concentração que podem ser
cadeira possibilita que a criança desenvolva transferidos para outros aprendizados.
(CACE, 1967; em Pollard, 2002, p. 143)
ideias, pensamentos, sentimentos, relacio-
namentos, conhecimento e compreensão do
Entretanto, tem havido críticas contí-
mundo ao redor delas.
nuas sobre a ideologia de Plowden no que
Em 1967, o Relatório Plowden endos-
ela permitia muita liberdade com muito
sou fortemente a brincadeira. Ele declara-
pouca instrução, que na verdade resultava
va que a brincadeira era importante para
em cada vez menos brincadeira ocorren-
o desenvolvimento das crianças e que uma
do nas turmas de educação infantil no fim
brincadeira diversificada e satisfatória é um
dos anos 1980 e 1990. Desde essa época,
meio de aprendizagem.
o debate foi para um lado e outro entre as
Os adultos que criticam os professores por duas polaridades da brincadeira livre e da
permitir que as crianças brinquem não es- instrução formal. O centro do debate pare-
tão cientes de que a brincadeira é o princi- ce ser a educação infantil, que deveria con-
pal modo de aprendizagem durante a pri- centrar os esforços para que as crianças pe-
meira infância. É o meio através do qual quenas se tornassem confiantes, membros
as crianças harmonizam sua vida interior capazes da sociedade, ou para que elas se
com a realidade externa. Brincando, as tornassem instruídas no que diz respeito
brincar: aprendizagem para a vida 45

Ideias em ação

Organizando e usando a brincadeira como um recurso de aprendizagem


(entrevistas da autora)
Há alguns anos atrás nossas crianças estavam entrada na escola sem nenhuma ex‑
periência anterior na pré­‑escola e tinham sido mandadas diretamente para a creche
e se esperava que trabalhassem de acordo com o estágio do currículo, quando tudo
que queriam fazer era brincar. Elas não estavam prontas para ficarem sentadas e
trabalhar ou para ficarem paradas por vinte minutos escutando uma história. Tudo
que elas queriam fazer era explorar e brincar com argila pela primeira vez, brincar
com água e brincar na areia.
Então agora, quando elas ingressam, existem muitas atividades à disposição
para elas – a areia a água e a casinha de brinquedo estão sempre prontas, al‑
ternamos a mesa de pintura, a pintura no chão e a pintura com os dedos. Elas
escolhem o que querem fazer por 20 minutos e então descobrimos que elas se
aproximam, sentam no tapete e estão muito mais dispostas e prontas para escu‑
tar uma história.
Quando elas estão brincando e falando umas com as outras, acredito que a lingua‑
gem delas se desenvolve muito melhor do que quando estão sentadas e escutando
uma história. Talvez você veja uma menina de Gujarat falando com outra de Punjab
(Gujarat e Punjab são regiões próximas da fronteira da Índia com o Paquistão), e elas
têm que falar em inglês porque não possuem a mesma língua materna.
Peta, enfermeira em escola de educação infantil

Melhorando a prática
Essa professora articulou a sua apreciação e aumentou a compreensão da apren‑
dizagem das crianças através da brincadeira. Das crianças daquela unidade, 98%
falavam inglês como segunda língua e os professores estavam fazendo mudan‑
ças para se adequar às necessidades diferenciadas das crianças.
Construindo sobre o conhecimento das experiências anteriores das
Profissionais
crianças e suas necessidades individuais, eles decidiram permitir
reflexivos
que as crianças brincassem livremente quando entrassem na sala
Profissionais de aula pela manhã. O grupo de professores que avaliava a prá‑
que avaliam tica das crianças através de observações contínuas e monitorava
ativamente a sua a aprendizagem, determinou que a proposta de brincadeira livre
competência era eficiente em suprir as necessidades das crianças. Eles desco‑
profissional e pro‑ briram que a brincadeira das crianças era focada, que eles se mo‑
curam maneiras vimentavam e selecionavam entre uma variedade de experiências,
de melhorar seu conseguiam se concentrar por períodos prolongados, envolvidos
conhecimento e com brincadeiras cooperativas, usando ao mesmo tempo o inglês e
suas habilidades. suas línguas maternas. Os professores davam suporte às crianças e
proporcionavam experiências que permitiam que elas cumprissem
Pedagogia com os objetivos da aprendizagem nessa fase. Os educadores pre‑
Arte, ciência cisam se preocupar em demonstrar que a sua provisão promove
ou profissão de uma aprendizagem eficiente. Eles deveriam se empenhar com uma
ensinar. análise contínua do aprendizado das crianças: precisam ser pro­
fissionais reflexivos, examinando ambos – o currículo e a pedago­
gia – que ocorre na sua prática.

Pare e reflita
Com que frequência você se afasta e analisa objetivamente a qualidade da proposta
e o impacto que ela tem na aprendizagem? Quais restrições você sente que inibem
a “brincadeira livre”?
46 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

aos conteúdos das matérias? Essas duas de cuidado e ensino, precisam tomar de-
polarizações não são de forma alguma re- cisões informadas sobre as propostas para
ciprocamente restritas e os educadores, in- as crianças na primeira infância. Muitos
cluindo os professores da educação infantil professores descobriram que é difícil jus-
e outros trabalhando em estabelecimentos tificar a aprendizagem através da brinca-

quadro 1.1
Teorias instrumentais da brincadeira

Panorama da brincadeira Fonte Data

Ambientes de aprendizagem adequados – brincadeira Pestalozzi 1805


ao ar livre
A brincadeira educativa; abordagem centrada na criança Froebel 1837
A brincadeira para desenvolver a vida interior; aprendi‑ Montessori 1900
zagem multissensorial
A brincadeira como ensaio para a vida adulta Groos 1920
A brincadeira como expressão dos conflitos internos Freud 1920
A brincadeira como trabalho das crianças Isaacs 1958
A brincadeira como meio de aprendizagem Piaget 1962
Bruner 1974
Vygotsky 1978
A brincadeira prática; simbólica; com regras Piaget 1962
A brincadeira no currículo espiral; aprendizagem atra‑ Bruner 1966
vés das experiências diretas – em primeira mão
Disposição das brincadeiras Katz 1967
A brincadeira concilia a vida interna das crianças com Plowden 1967
a realidade externa
A brincadeira é emocional e um meio para controlar Paley 1978
os medos
A brincadeira como uma ferramenta cultural; aprendi‑ Vygotsky 1978
zagem sociocultural na ZDP; apoiada por adultos
A brincadeira lúdica (exploratória) e epistêmica (criativa) Hutt et al. 1989
A brincadeira como uma espiral de aprendizado Moyles 1989
A brincadeira e os esquemas Athey; Nutbrown 1989
A brincadeira sociodramática importante para as habi‑ Smilansky 1989
lidades cognitivas, criativas e socioemocionais
A brincadeira como processo sem produto – fluxo livre Bruce 1989
Níveis de envolvimento Laevers 1996
Ensino através da brincadeira Bennett et al 1997
Wood e Attfield 1996, 2005
A brincadeira como diversão Parker­‑Rees 2001
A brincadeira em um continuum social Broadhead 2004
A brincadeira para promover a autorregulaçao e a Wood e Attfield 2005
metacognição Whitebread 2005
brincar: aprendizagem para a vida 47

quadro 1.2
Teorias críticas da brincadeira

Panorama da brincadeira Fonte Data

A brincadeira somente como meio para relaxar Spencer 1878


e se exercitar
As crianças pensam que trabalhar é sentar em
silêncio e produzir algo Tizard et al. 1984
A brincadeira é altamente idealizada Meadows e Cashdan 1988
A brincadeira não tem que ser trabalhada, é Cleave e Brown 1989
considerada menos importante que atividades que
têm resultados mensuráveis
As atividades da brincadeira podem ter baixo Hall e Abbott 1991
nível de desafio intelectual
A brincadeira tende ser vista como trivial por uma Anning 1994
sociedade dominada por homens que enfatiza a força
do pensamento racional
A brincadeira é vista como inimiga da educação First 1994
Diferença entre relatório e realidade nas propostas Bennett et al. 1997
baseadas na brincadeira

deira porque eles se sentem pressionados ricos contemporâneos da primeira infância


a agir de acordo com uma transferência – Rumbold (DfES, 1990); Bennett e cola-
de conhecimento mais formal. Essa pres- boradores (1997); a Câmara dos Comuns
são ocorre através da inspeção, dos coor- (2000); Qualificações e Autoridade Curri-
denadores, outros colegas de ensino e dos cular (QCA, 2000); Moyles e colaborado-
pais. Os educadores necessitam de uma res (2002) – o seu lugar no currículo não
base de conhecimento e compreensão das estava seguro e fixado até recentemente.
teorias psicológicas, socioculturais e ecoló- Seu status e valor continuaram a ser ques-
gicas e a relevância dessas teorias para ir tionados quanto ao nível de orientação por
ao encontro das necessidades das crianças, parte do governo até sua validação (QCA,
assim como do conhecimento de como os 2000). Infelizmente ainda existe uma fal-
educadores ensinam e de como as crianças ta de ratificação por parte dos pais e até
aprendem. Na década de 1990, a mudança mesmo dos professores e coordenadores,
na direção do currículo tradicional baseado no que diz respeito ao lugar da brincadeira
nos conteúdos originou a maioria dos cur- na escola.
sos de formação para professores que fo­ O estudo Pesquisas de Pedagogia Efe-
cavam principalmente em como transmitir tiva nos Primeiros Anos (Siraj­‑Blatchford et
o conhecimento dessas matérias. As ques- al., 2002) demonstra que alguns profissio-
tões sobre essas diferentes perspectivas nais têm um conceito estrito sobre a brin-
sobre a base do conhecimento, currículo e cadeira – que ela era apenas relevante para
pedagogia serão exploradas nos capítulos algumas áreas do currículo. Siraj­‑Blatchford
seguintes. e colaboradores propõem que esses profis-
Apesar da constante validação da sionais parecem acreditar que o envolvi-
brincadeira e de um acordo muito difun- mento da imaginação era um componente
dido de que a educação infantil deveria ser necessário antes que a brincadeira pudesse
baseada na brincadeira por parte dos teó- ser considerada brincadeira. Da mesma for-
48 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

ma, quando Siraj­‑Blatchford e Sylva (2005) escala, e embora não inclua a palavra “brin-
avaliaram a implementação da fase de fun- cadeira” em nenhum de seus 10 temas cen-
dação para o Congresso do Governo do País trais, ao menos inclui a compilação de um
de Gales, eles descobriram que alguns pro- corpo de dados de voz dos alunos, que sem
fissionais não estavam confiantes em relação dúvida fará referên-
ao que a pedagogia baseada na brincadeira Voz dos alunos cia à aprendizagem
englobava e fracassavam em compreender Pesquisa em‑ baseada na brin-
o que significava as crianças estarem envol- preendida para cadeira em alguns
vidas ativamente na sua própria aprendiza- coletar dados de pontos. Muitas au-
gem. Havia uma percepção geral de que a entrevistas com toridades locais de
brincadeira era aceita como parte do que as alunos que se educação estão não
crianças fazem ao ar livre, mas não em um comprometeram apenas encorajando
a dar opiniões
ambiente fechado. que essa pedagogia
honestas sobre
Os debates sobre o valor educacional suas experiências baseada na brinca-
da brincadeira derivam dessa falta de clare- na educação e deira continue até
za sobre o que é e o que não é brincadeira possivelmente a o primeiro ano do
(Riley, 2003). Consequentemente, isso rei- fazer sugestões ensino fundamen-
tera a importância dos educadores obterem para mudanças tal, mas também
uma compreensão total do que constitui a positivas. estão ativamente se
brincadeira em um ambiente educacional certificando de que
e como prover ambientes ricos de aprendi- ela esteja sendo colocada em prática. Essa é
zagem. Isso é importante tanto para a edu­ uma época emocionante para os defensores
cação infantil quanto para o ensino funda- da aprendizagem pela brincadeira; talvez os
mental. pioneiros da brincadeira logo poderão respi-
rar aliviados e suspirar “finalmente”!

Conclusão
Os educadores proporcionam tempo “de Playwork
qualidade” suficiente para que as crianças Fraser Brown
aprendam através da brincadeira? Existe
um entendimento verdadeiro por parte dos Introdução
educadores para fornecer e para justificar
por que o tempo empregado com as expe- Uma coisa que a observação das crianças
riências de brincadeira precisa ocorrer em torna claro... é como as crianças podem
ambientes ricos para a aprendizagem tanto brincar em qualquer parte e com qual-
nos estabelecimentos para os primeiros anos quer coisa.
quanto nas escolas? Siraj­‑Blatchford e cola- (Ward, 1978, p.86)
boradores propôs que as experiências com
brincadeiras mais ricas ocorrem na educa- Uma criança pode estar sentada na sala de
ção infantil, indicando que talvez as escolas aula ou indo de casa para a escola ou es­
precisem examinar a sua prática, visitando perando na fila do caixa de um supermerca-
essas áreas de excelência para ajudar a sua do. O tipo de ambiente não importa muito.
provisão a se tornar mais rica e para satis- Se alguma coisa estimula o seu desejo de
fazer as necessidades de desenvolvimento brincar, nada irá impedi­‑la. A maioria dos
das crianças. O novo Early Years Founda- adultos não consegue perceber isso. Eles
tion Stage promove um currículo e uma também não entendem os enormes bene-
pedagogia que são baseados na brincadeira fícios em relação ao desenvolvimento que
desde o nascimento até os 5 anos. O Prima- provem da brincadeira informal. Por outro
ry Review, um projeto de pesquisa de larga lado, os playworkers2 encaram a brinca-
brincar: aprendizagem para a vida 49

deira como sendo intrinsecamente impor- lução das espécies (Hughes, 2001). Como
tante. Por essa razão, eles sempre dizem isso funciona?
que a brincadeira é importante por si só.
Entretanto, sugerir que é a soma total do
ponto de vista do playworker seria tornar Princípios do Playwork
o assunto trivial, assim como a profissão. O
Os princípios do playwork descritos recente-
ponto de vista mais comumente expressa-
mente definem a brincadeira nos seguintes
do na lite­ratura do playwork é que a brin-
termos:
cadeira tem valor não somente em termos
de desenvolvimento da criança individual, 1. Todas as crianças e jovens necessitam
mas também que ela contribui para a evo- brincar. O impulso para brincar é ineren-

Ideias em ação

Brincadeira para uma aprendizagem rica


A pesquisa de Brock (1999) demonstra como as crianças de 5 a 8 anos obtiveram co‑
nhecimento do currículo através de experiências práticas em uma “Floresta Encan‑
tada”. Esse era um ambiente holístico e dramático, que possibilitava que as crianças
brincassem, explorassem, resolvessem problemas colaborativamente em um am‑
biente imaginativo, através de histórias, representação de personagens, produção
e encenação de peças de teatro. A principal área do currículo promovida na floresta
era a ciência, mas as crianças obtinham conhecimentos abundantes e habilidades
no campo da alfabetização, da tecnologia, da geografia e das artes. As crianças não
tinham apenas experiências significativas, através das quais elas obtinham conheci‑
mento de conceitos difíceis, elas também passavam momentos estimulantes e agra‑
dáveis. As crianças tinham tempo para refletir e articular o seu conhecimento e a sua
compreensão com adultos e, mesmo quando entrevistados muitos anos depois, elas
conseguiam lembrar desses conceitos.

Melhorando a prática
Broadhead (2006a) defende que, quando as crianças brincam, elas precisam de tempo:
para permitir reciprocidade e para construir quantidade de movimento;
para os objetivos partilhados serem construídos e para os temas das brincadei‑
ras serem desenvolvidos;
para se tornarem amigos;
para os problemas serem identificados e resolvidos social e cognitivamente.

Nossa sociedade atual geralmente tem tão pouco tempo que estamos sempre
apressando as crianças a desempenhar alguma atividade, seja nos ambientes edu‑
cacionais ou em casa. Dessa maneira, ensinamos as crianças que a conclusão é mais
importante que a qualidade, que o cumprimento é mais importante que pensar, e
que a realização é mais importante que uma compreensão profunda. Portanto, é cru‑
cial que levemos a sério o conselho de Broadhead (2006) e proporcionemos tempo
para que as crianças se desenvolvam holisticamente e com valor.

Pare e reflita
Você concorda com esse ponto de vista? Você é capaz de pensar em evidências na
prática que apoiam o seu ponto de vista?
50 Brock, Dodds, Jarvis & Olusoga

te. A brincadeira é uma necessidade bio- Obviamente, como Sutton­‑Smith (1997)


lógica, psicológica e social. A brincadeira apontou, definições como essas não podem
é fundamental para o desenvolvimento ser absolutamente precisas, já que clara-
saudável e para o bem­‑estar dos indiví- mente não são aplicáveis para todas os
duos e das comunidades. exemplos de brincadeira. Na verdade, ele
2. A brincadeira é um processo escolhido as representa como uma idealização da
livremente, direcionado pessoalmente brincadeira. Apesar disso, o mantra “esco-
e motivado intrinsecamente. Ou seja, lhido livremente, direcionado pessoalmen-
as crianças e os jovens determinam e te e motivado intrinsecamente” é agora
controlam o conteúdo e o propósito das bastante difundido entre os playworkers,
suas brincadeiras seguindo seus próprios provavelmente em resposta ao tipo de tra-
instintos, ideias e interesses, do seu pró- balho que eles reconhecem como o mais
prio jeito e por razões pessoais. (PPSG, eficiente. ­Diariamente os playworkers veem
2005) os bene­fícios positivos recebidos pelas
crianças que têm mais liberdade de esco-
Essa é uma crença que reflete muitas lha; possibilitando que elas controlem seus
declarações feitas anteriormente por organi- ambientes e aumentando a autoestima de-
zações de playwork respeitadas. Por exem- las. Como já foi mencionado anteriormen-
plo, o National Occupation Standards for te, isso não apenas beneficia o indivíduo,
Playwork declara: mas também bene­ficia a sobrevivência das
espécies humanas. Ironicamente, Sutton­
A brincadeira das crianças é escolhida ‑Smith é o mais mencionado para apoiar
livremente, é um comportamento di- essa opinião, porque foi ele quem ofereceu
recionado pessoalmente, motivado de um argumento assim tão convincente em
dentro para fora; através da brincadeira, relação à ligação entre a brincadeira e a so-
a criança explora o mundo e sua relação brevivência das espécies.
com ele, elaborando em todos esses mo- Sutton­‑Smith (2008) identifica a li-
mentos uma extensão flexível de respos- gação íntima entre as emoções primárias
tas para os desafios que encontra; brin- de Damásio (1994) – choque, medo, rai-
cando, a criança aprende e se desenvolve va, tristeza, felicidade e aversão – e várias
como indivíduo. formas de brincadeira: implicância, risco,
(SPRITO, 1992) competição, festas, experiências de cor-
rente e profanação. Ele leva esse estágio
E, finalmente, o Joint National Com- mais adiante para sugerir que, através de
mittee on Training for Playwork diz: um processo dialético de ação e réplica,
aprendemos as habilidades para sobreviver
A brincadeira é um estímulo inerente e que permitem que o indivíduo lide com os
essencial para o desenvolvimento hu- desafios cotidianos da vida. Por exemplo, a
mano. Ela é manifestada como um com- implicância envolve o assédio, que quando
portamento que é escolhido livremente, combinado com a resiliência pode parecer
direcionado pessoalmente e motivado nos preparar para os procedimentos de
intrinsecamente. O valor da brincadeira uma iniciação social para fases posteriores
deriva do próprio processo de brincadei- da vida. Os riscos envolvem perigos sendo
ra e não de nenhum objetivo extrínseco, confrontados com coragem, que nos pre-
recompensa ou produto final. Frequen- param para as escolhas que tomamos em
temente a brincadeira é espontânea e relação ao nosso destino físico e econômi-
imprevisível. Através da brincadeira as co, e assim por diante. Ele também suge-
crianças experimentam o mundo e sua re que a brincadeira pode ser vista como
relação com ele. um mecanismo evolucionário; o meio pelo
(JNCTP, 2002) qual os seres humanos se adaptaram a

Você também pode gostar