Você está na página 1de 27

Capítulo 9

A genética molecular na
análise forense e no estudo da
biologia das espécies
Termos
Análise de distribuição das A genética molecular contribui para a conservação ajudando na
diferenças, árvores gênicas, detecção da caça ilegal e na resolução de importantes aspectos
biparental, clado, coalescência, da biologia das espécies. As análises de coalescência e as árvores
endocruzamento, filogeografia, gênicas são ferramentas importantes para o entendimento de
forense, haplótipos, redes de muitos desses fatores.
haplótipos, teoria da neutralidade,
teste de atribuição, varredura
seletiva

norte
O marsupial criticamente em sul
alelos

perigo Lasiorhinus krefftii e a


localização de sua população
atual na Epping Forest, de
uma população extinta em
Deniliquin, uma localidade
onde ocorre a espécie do
sul, L. latifrons, e os níveis de
diversidade genética das duas
espécies
GENÉTICA FORENSE: DETECÇÃO DA CAÇA E DA EXPLORAÇÃO ILEGAIS 173

Genética forense: detecção da caça e da exploração


ilegais
A caça e a exploração ilegais ameaçam uma grande variedade de espé-
Marcadores genéticos baseados
cies, especialmente os grandes felinos, ursos, elefantes, rinocerontes, em PCR podem ser usados para
papagaios, baleias e algumas plantas. Embora muitos países tenham detectar a caça e a exploração
leis para protegê-las, muitas vezes é difícil se obter evidências para ilegal
condenar as pessoas que são flagradas capturando ou negociando es-
pécies protegidas. Por exemplo, uma pessoa pega transportando ovos
que se suspeitava ser de uma espécie de ave ameaçada de extinção
foi presa num aeroporto da Austrália. Ela se livrou de ser processada
simplesmente esmagando os ovos, de maneira que não pudessem ser
identificados. Atualmente, métodos de genética molecular podem ser
utilizados nesses casos para identificar a origem do material biológico,
o que inclui o marfim, chifres, ovos, cascos de tartarugas, carne, penas,
pêlos e materiais derivados de plantas. O Fish and Wildlife Service, EUA,
criou um laboratório de análises forenses em Oregon para levantar
provas em casos que envolvam importação, exportação e caça de espé-
cies ameaçadas.
Um dos casos mais fascinantes de genética molecular forense en-
volveu o comércio de carne de baleias no Japão e na Coréia (Quadro
9.1). Análises de DNAmt revelaram que parte da carne posta no mer-
cado não era de baleias minke, nas quais o Japão havia se engajado na
caça para fins “científicos”, mas sim de baleias azuis, jubartes, fin e
baleias de Bryde, as quais são protegidas por lei. Além disso, parte da
carne de “baleia” era na verdade de golfinhos, botos, ovelhas e cavalos.
Além da ilegalidade da caça das baleias, os consumidores estavam sen-
do enganados. De maneira similar, análises de DNAmt baseadas em
PCR revelaram que 23% do caviar vendido em Nova York traziam infor-
mações falsas no rótulo. Isto é algo preocupante, dado que a maioria
dos 27 membros do grupo dos esturjões está em perigo devido à pesca
excessiva e à degradação dos habitats. Métodos baseados em DNAmt
também estão sendo desenvolvidos para detectar produtos derivados
dos tigres na medicina asiática.
O seqüenciamento de DNAmt revelou que 26 chimpanzés caçados
e confiscados em Uganda, pertenciam à subespécie do leste. Com isso
foi identificada a região onde a caça estava ocorrendo e o local onde
os animais poderiam ser devolvidos para a natureza. A identidade
de um órix da Arábia caçado foi confirmada através de análises de
microssatélites.

Quadro 9.1 Detecção da venda de carne de baleias protegidas (Baker &


Palumbi 1996; Dizon et al. 2000)

Após muitos anos de exploração comercial, os números da maioria das espécies


de baleias colapsaram. A International Whaling Comission (IWC) instituiu uma
moratória global sobre a caça comercial de baleias em 1985-86. Alguns membros
do IWC continuaram a caçar algumas espécies de baleias (principalmente as minke)
174 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

para fins “científicos”, e a carne estaria sendo vendida para consumo humano. A
suspeita surgiu quando espécies protegidas estavam sendo comercializadas como se
fossem as espécies que poderiam ser caçadas legalmente. A pedido do Earthtrust,
Baker & Palumbi desenvolveram um sistema para monitorar o comércio utilizando
seqüências de DNAmt e PCR. Seus protocolos distinguiram com confiança uma
variedade de espécies de baleias umas das outras e de golfinhos.
Amostras de produtos de derivados de baleias foram posteriormente
compradas em mercados varejistas no Japão e na Coréia. Para evitar a possibilidade
de violar as leis que controlam o transporte de espécies ameaçadas, Baker &
Palumbi estabeleceram, no quarto de hotel, um laboratório portátil para realização
de PCR e amplificaram o DNAmt das amostras. Os DNAs amplificados foram
levados de volta para serem seqüenciados em seus laboratórios na Nova Zelândia
e nos EUA.
Os resultados das primeiras 16 amostras são mostrados na figura abaixo. Eles
foram incluídos numa árvore filogenética de DNAmt com amostras conhecidas de
baleias e golfinhos. Nove amostras próximas do topo da árvore são indistinguíveis
em relação às amostras conhecidas de baleias minke, representando carne
adquirida legalmente para fins “científicos”. Entretanto, a amostra 19b era de
jubarte e as amostras 41, 3, 11 e WS4 eram de baleias fin, ambas protegidas por
lei. Os consumidores estavam sendo enganados, dado que as amostras 16, 13 e 28
eram de botos e golfinhos.

Baleia Minke
Minke
Amostra #19a
Amostra WS3
Amostra #9
Amostra #15
Amostra #29
Amostra #30
Amostra #36
Amostra #6
Minke
Amostra #18
Amostra #19b
Jubarte
Jubarte
Cinza
Cinza
Azul
Azul
Amostra #41
Amostra #3
Amostra #11
Amostra WS4
Fin
Fin
Sei
Sei
Baleia de Bryde
Bowhead
Bowhead
Right
Right anã
Sperm
Baleia Sperm anã
Amostra #16
Boto-do-porto
Amostra #13
Amostra #28
Golfinho de Hector
Golfinho de Commerson
Baleia assassina
ENTENDER A BIOLOGIA DE UMA ESPÉCIE É FUNDAMENTAL PARA SUA CONSERVAÇÃO 175

Por volta de 1999, 954 amostras de “carne de baleia” foram compradas no Japão
e na Coréia e analisadas por grupos científicos. Destas, 773 eram de baleias, sendo
aproximadamente 9% de baleias azuis, jubartes, fin e baleias de Bryde, todas
protegidas. As amostras que não eram de baleias incluíram golfinhos, botos, ovelhas
e cavalos. A possibilidade de que a carne de espécies protegidas tenha sido originada
de estoques congelados coletados antes da proibição da caça não pode ser excluída,
mas isto não se aplica à carne fresca. Isto levou a um controle mais restritivo sobre
a distribuição da carne de baleia coletada para fins científicos e demonstrou a
necessidade de que as baleias capturadas legalmente e a carne estocada sejam
geneticamente identificadas para que a distribuição seja monitorada.

Entender a biologia de uma espécie é fundamental


para sua conservação
Aspectos importantes da biologia de muitas espécies são desconheci-
As análises de genética
dos, dado que detalhes das histórias de vida são comumente difíceis de molecular podem revelar
serem determinados de maneira direta e podem demandar muito tem- muitos aspectos da biologia das
po. Por exemplo, a paternidade é notoriamente difícil de ser detectada espécies que são críticos para a
sem dados genéticos. Da mesma maneira, a estrutura das populações conservação
não pode ser determinada sem análises baseadas em marcadores gené-
ticos. Pode-se suspeitar da ocorrência de introgressão, mas não se pode
ter certeza apenas com base em análises morfológicas. As taxas de dis-
persão também devem ser baixas e não confiáveis quando estimadas
por observação direta.
As análises de genética molecular podem resolver paternidades,
definir a estrutura das populações, detectar a introgressão de ou-
tras espécies, avaliar as fontes de novos fundadores para populações
pequenas e ameaçadas e podem indicar locais para reintrodução.
Comparações de seqüências de DNA também devem ser usadas para
a detecção de gargalos, de padrões de migração e para determinar
a história da demografia de populações. Por exemplo, utilizando-
se microssatélites, determinou-se as características da história de
vida do marsupial Lasiorhinus krefftii e identificou-se locais poten-
ciais para reintrodução (Quadro 9.2). Para as ameaçadas tartarugas
gigantes das Ilhas Galápagos, análises de microssatélites e DNAmt
têm sido utilizadas para investigar a origem das tartarugas, os pa-
drões de migração, o grau de diferenciação genética entre as popu-
lações e para definir unidades de conservação. O parente vivo mais
próximo das tartarugas de Galápagos é o jabuti-do-Chaco, uma
espécie relativamente pequena da área continental da América do
Sul. Os eventos fundadores nas Ilhas Galápagos em geral ocorreram
das ilhas geologicamente mais velhas para as mais novas. Nenhuma
migração de volta foi detectada, mas algumas ilhas foram coloniza-
das mais de uma vez. As populações das diferentes ilhas são todas
geneticamente distintas, com duas ilhas apresentando populações
distintas dentro delas. Os estudos também tornaram mais claros os
limites das unidades de conservação.
O restante deste capítulo examina os métodos utilizados e apresen-
ta exemplos de aplicações práticas.
176 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

Quadro 9.2 Censo e inferência sobre aspectos da biologia do marsupial


criticamente em perigo Lasiorhinus krefftii utilizando-se amostras
de pêlos (Taylor et al. 1994, 1997; Behegeray et al. 2000; Sloane et
al. 2000)
Os marsupiais Lasiorhinus krefftii são restritos a uma pequena localidade em
Queensland, Austrália (página de rosto do capítulo). Eles são noturnos, fossoriais e
difíceis de serem estudados diretamente. Capturas têm sido utilizadas para estimar
o tamanho da população e a razão sexual, mas são traumáticas para os animais,
causando riscos de injúrias ou de morte. Além disso, necessitam de construções ao
redor das tocas, demandam muito tempo e os resultados não são confiáveis.
Utilizando-se amostras de DNA de pêlos coletados em fitas adesivas colocadas
em estruturas que foram montadas na entrada das tocas dos marsupiais, foi possível
se caracterizar a população geneticamente para mais de 20 locos de microssatélites.
Isso permitiu a identificação de cada indivíduo da população e seus sexos foram
determinados pela amplificação de locos ligados aos cromossomos X e Y. Agora, o
censo pode ser rotineiramente refeito sem causar distúrbios.
Pedaços de peles depositadas em museus foram utilizadas para caracterizar
uma população extinta desses marsupiais em Deniliquin. Análises de microssatélites
revelaram que essa população era da espécie L. krefftii e não da espécie encontrada
mais ao sul, L. latifrons. Conseqüentemente, Deniliquin deve ser um local adequado
para o estabelecimento de uma população reintroduzida como segurança contra
catástrofes na população de Queensland.
Os dados também têm sido utilizados para se inferir sobre aspectos da
biologia de L. krefftii. Indivíduos do mesmo sexo que compartilham a mesma
toca são geralmente aparentados, mas os machos e fêmeas da mesma toca não
são parentes próximos. Os padrões de dispersão também têm sido deduzidos.
A proporção Ne/N foi estimada em 0,1, baseando-se na perda de diversidade
genética em relação a uma outra espécie que se distribui mais ao sul. Análises de
parentesco baseadas em oito a nove locos de microssatélites não tiveram sucesso
devido à baixa variação genética, mas será melhorada com o uso de locos adicionais
posteriormente desenvolvidos.

As metodologias atualmente disponíveis e suas aplicabilidades nas


questões aqui consideradas estão listadas na Tabela 9.1. Em geral, os
métodos baseados em DNA são adequados para a maioria dos propósi-
tos. Além disso, RAPD, DNAmt e microssatélites podem ser analisados
a partir da obtenção de amostras não-invasivas, seguido de PCR (Capí-
tulo 2).

Árvores gênicas e coalescência


As árvores gênicas e as análises As seqüências de DNA retêm informações sobre seus históricos evoluti-
de coalescência garantem vos dos tamanhos populacionais, fragmentação, seleção, etc. As análi-
informações sobre muitos ses das diferenças existentes nas seqüências de DNA, entre indivíduos
aspectos da biologia das e populações, permitem explorar os processos evolutivos e os eventos
espécies que são necessários demográficos do passado de uma espécie.
para a conservação efetiva A coalescência e as árvores gênicas são os dois maiores métodos
utilizados para se extrair essas informações. Baseados na teoria da
amostragem para alelos neutros (teoria da neutralidade), eles garan-
tem uma hipótese nula contra a qual os dados podem ser testados.
Além disso, possíveis razões para os desvios podem ser discriminadas
ÁRVORES GÊNICAS E COALESCÊNCIA 177

Tabela 9.1 |
Aplicabilidade dos métodos disponíveis para a caracterização genética de indivíduos e
populações. Técnicas com + podem ser utilizadas para o propósito especificado, vários + indicam que a
técnica tem grande utilidade, ? são casos em que a técnica é valiosa apenas ocasionalmente, enquanto –
indica que a técnica não é usual no referido contexto
Tema Morfologia Cromossomos DNAmt RAPD fingerprint Microssatélites
de DNA
Amostragem não-invasiva – – – +++ ++ – +++
Análise forense – – + +++ ++ +++ +++
Tamanho populacional + – – +++* + ? ++
Estimativa de Ne – – ++ ++* – ? +++
Histórico demográfico – – – ++* – ? +
Detecção e datação de – – ++ ++* ++ ? +++
gargalos
Detecção de seleção + + + +++ + ++ +++
Migração e fluxo gênico ? – ++ +* ++ ++ +++
Identificação e + – – ++ + – +++
rastreamento de
indivíduos
Estruturação populacional ? – ++ +? ++ ++ +++
Filogeografia – – – +++ – – +++
Populações fonte para +? – ++ + ++ +++ +++
a recuperação de
espécies ameaçadas
Introgressão + + ++ +* ++ ++ +++
Contato secundário – – – +++ – + +++
Status taxonômico + +++ ++ ++ +++ +++ +++
Locais para reintrodução – – – + + – +++
Populações para +? – ++ + ++ +++ +++
reintrodução
Sistemas reprodutivos – – ++ – + ? +++
Paternidade – – + – + +++ +++
Parentesco entre os – – ? – +++ +++ ++
fundadores
Fonte de novos +? – ++ + ++ +++ +++
fundadores para
populações ameaçadas
Sexagem de animais ? +++ – – – ? +
Detecção de doenças – – – ++? ++ ++ +
Dieta – – – +++ ++ ++ ++
* Pode detectar apenas a contribuição das fêmeas.

Coalescência é a análise de
(Capítulos 2 e 4). Os métodos de coalescência trabalham voltando no distribuição e diferenças entre
tempo e permitem que dimensões de tempo (gerações) sejam adicio- seqüências de DNA alélicas e os
nadas às análises. Conseqüentemente, elas são mais poderosas que as eventos e intervalo de tempo
análises convencionais que usam apenas distribuições atuais e padrões envolvidos no desenvolvimento
dessas seqüências
de diferenças de seqüências de DNA.
178 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

O método de coalescência é baseado no conceito de que, se tra-


A coalescência é uma teoria
que permite modelar a
çarmos as seqüências alélicas atuais numa população do passado
sobrevivência e a dispersão dos voltando tempo suficiente, elas coalescem na seqüência de um úni-
alelos ao longo do tempo nas co indivíduo (Fig. 9.1). Outros alelos, uma vez presentes no passado,
linhagens de uma população foram perdidos por deriva genética ou seleção, e novos alelos foram
gerados por mutação. O padrão evolutivo da distribuição dos alelos
existentes num loco pode ser representado na forma dos ramos de
uma árvore que coalesce de volta para uma única seqüência alélica
ancestral.
Os padrões de coalescência são geralmente representados por árvo-
res gênicas, que mostram a genealogia dos alelos da população atual.
Os nós (eventos de coalescência) e o comprimento dos ramos da árvo-
re refletem as origens e a estrutura temporal envolvida na derivação
dos padrões observados. As árvores gênicas traçam a história evolutiva
dos alelos (por exemplo, diferentes seqüências de DNAmt) da mesma
maneira que se traça a origem, ou a perda, de alelos em genealogias.
Por exemplo, o alelo da hemofilia, ligado ao sexo, de famílias reais da
Europa podem ser traçados de volta no tempo até a Rainha Victoria, da
Grã Bretanha.
A base do método de coalescência é o fato de que as diferenças
existentes nas seqüências de DNA dos diferentes alelos de um loco
retêm informações sobre a história evolutiva dessas seqüências.
Por exemplo, dois alelos da álcool desidrogenase de Drosophila que
diferem por duas bases são mais proximamente relacionados e di-
vergiram mais recentemente do que dois alelos que diferem por 11
pares de bases.

A1 A1 A1 A1 A1 A1 A1 A2 A2 A2 A2 A2 A2 A2
Tempo

Fig. 9.1 Árvores gênicas e coalescência: uma possível história de descendência das
seqüências de DNA de uma população que teve início no tempo 0 (topo da figura) com
14 cópias que representam dois alelos. Algumas seqüências deixam uma ou mais cópias
na geração subseqüente, enquanto outras se tornam extintas. As seqüências presentes
na parte inferior da figura são todas descendentes (coalescem em) de uma única cópia
ancestral do alelo A1 (esta linhagem é representada pelas linhas mais escuras da figura). Se
a falha das seqüências ancestrais para gerar descendentes for ao acaso, as seqüências da
parte inferior poderiam ter se originado de qualquer outra cópia ancestral da geração 0
com igual probabilidade (Futuyma 1998).
ÁRVORES GÊNICAS E COALESCÊNCIA 179

A teoria da neutralidade permite fazer predições sobre o tempo,


em gerações, até a coalescência, adicionando assim, uma dimensão
temporal à análise. Pela teoria da neutralidade, dois alelos devem
descender do mesmo alelo ancestral na geração anterior com a pro-
babilidade 1/Nef para DNAmt (onde Nef é o número efetivo de fêmeas),
ou 1/(2Ne) para um loco nuclear numa espécie diplóide. Alternativa-
mente, dois alelos devem derivar de dois alelos diferentes na geração
anterior (ou derivar do mesmo alelo muitas gerações atrás) com a
probabilidade 1 – 1/Nef, ou 1 - 1/(2Ne). Este é o mesmo raciocínio utili-
zado para se determinar a perda de diversidade genética (Capítulo 4).
Sob este modelo neutro de deriva genética, numa população diplóide
com k alelos, o tempo médio Tk de volta ao evento de coalescência
anterior (isto é, onde haviam k – 1 alelos) é:

4 Ne
Tk = gerações (9.1)
k(k – 1)

Portanto, os tempos nos quais haveria 5, 4, 3 e 2 linhagens seriam


4Ne/20, 4Ne/12, 4Ne/6 e 4Ne/2 gerações, respectivamente. O tempo
para que todos os alelos da população coalesçam é 4Ne [1 – (1/k)]
gerações (Fig. 9.2). Assim, a coalescência é mais rápida e as árvores
gênicas mais curtas em populações menores do que em grandes
populações.
Portanto, podemos verificar de imediato uma aplicação da análise
da árvore gênica. Ela pode revelar detalhes sobre as diferenças no ta-
manho populacional histórico de diferentes populações ou espécies.
O Exemplo 9.1 ilustra o cálculo dos tempos de coalescência em popu-
lações diplóides com tamanhos efetivos de 50 e 100. Note que os tem-
pos de coalescência aumentam em proporção direta ao tamanho das
populações.
A estrutura das árvores gênicas e os padrões de coalescência são Alterações nos padrões de
fortemente influenciados por desvios na neutralidade seletiva e nos coalescência permitem detectar
seleção, isolamento entre as
populações e mudanças no
tamanho das mesmas
Exemplo 9.1 Estimativa dos tempos de coalescência

Numa população de Ne = 50 com três alelos, o tempo esperado para a


coalescência anterior (quando a população tinha apenas dois alelos) é:
4 Ne ( 4 × 50)
T3 = = = 33 gerações.
k(k – 1) (3 × 2)

Portanto, três alelos coalescem para dois em média após 33 gerações


numa população de tamanho Ne = 50.

Para Ne = 100 a coalescência levaria:


4 Ne ( 4 × 100)
T3 = = = 67 gerações.
k(k – 1) ( 3 × 2)

Portanto, a coalescência leva o dobro do tempo numa população com o


dobro do tamanho.
180 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

Fig. 9.2 Árvores gênicas e tempo


de coalescência: um exemplo
de uma árvore gênica para Passado
cinco alelos (Hedrick 2000). Os T2 E(T2) = 2Ne
círculos grandes indicam eventos
de coalescência. Ti é o tempo
necessário para que os i alelos
presentes coalesçam em i – 1
alelos. Os intervalos são mostrados
na proporção do tempo esperado. T3 E(T3) = 2Ne/3

T4 E(T4) = 2Ne/6
Presente
T5 E(T5) = 2Ne/10

1 2 3 4 5

Alelos amostrados

acasalamentos aleatórios (Fig. 9.3). Diferentes formas de seleção afe-


tam o tempo de coalescência de maneiras características; a seleção
direcional reduz o tempo de coalescência, enquanto a seleção balan-
ceadora aumenta, quando comparado com a expectativa de apenas
deriva genética neutra. A coalescência de alelos dos locos MHC ou SI
(que são sujeitos à seleção balanceadora) freqüentemente se estendem
para antes dos eventos de especiação.
Após longos períodos de isolamento e ausência de fluxo gênico,
profundas divisões passam a existir entre as populações (Fig. 9.3e). A
migração produz sinais característicos quando as árvores gênicas são
mapeadas sobre a localização geográfica (Fig. 9.3f); alelos característi-
cos de uma região geográfica são encontrados em outra região. Flutu-
ações no tamanho populacional ou gargalos populacionais encurtam
o tempo de coalescência (Fig. 9.3d). As mutações geram diferenças nas
seqüências, desacelerando os tempos de coalescência.
Quando os padrões são similares, tais como o de seleção direcional
que leva à fixação (varredura seletiva) e o de gargalo populacional,
são necessárias informações adicionais para se identificar sua causa.
Por exemplo, informações em locos múltiplos não ligados permitem
a discriminação entre seleção direcional e gargalos (Fig. 9.3c e d); os
gargalos afetam todos os locos de maneira similar, enquanto a seleção
direcional afeta cada loco de uma maneira diferente.
Diferenças nas seqüências de DNA, na estrutura das árvores gênicas
e nas taxas de coalescência permitem inferir sobre detalhes da estru-
tura e evolução das populações que não poderiam ser facilmente, ou
precisamente, identificados utilizando-se outras técnicas. As análises
de árvores gênicas e de coalescência têm sido utilizadas para:
• estimar o tamanho efetivo populacional (utilizando-se seqüências
seletivamente neutras)
• medir as taxas de mutações neutras
• inferir sobre a seleção e determinar sua forma
TAMANHO POPULACIONAL E HISTÓRICO DEMOGRÁFICO 181

(a) Neutralidade (b) Seleção (c) Seleção Fig. 9.3 Árvores gênicas
balanceadora direcional mostrando os padrões de
coalescência para (a) neutralidade,
(b) seleção balanceadora, (c)
seleção direcional (varredura
seletiva), (d) gargalos populacionais,
(e) isolamento geográfico, e (f )
migração.

(d) Gargalo (e) Isolamento (f) Migração


populacional geográfico

Populações A B A B

• determinar eventos de migração e medir as suas taxas


• determinar as relações filogenéticas entre populações geografica-
mente separadas (e comparar entre espécies para determinar se os
padrões são concordantes)
• detectar o contato secundário de populações divergentes
• estimar os tempos de divergência entre as populações
• inferir sobre mudanças no tamanho populacional (gargalos, cresci-
mento exponencial vs. tamanho constante)
• determinar a recombinação em organismos patogênicos
• reconstruir as origens e o histórico das doenças epidêmicas.
Até o momento, a maioria das análises de coalescência tem utilizado
dados de DNAmt, dado que a recombinação é essencialmente ausente,
a herança é materna (na maioria das espécies) e tem taxas de mutação
maiores do que locos nucleares, podendo, portanto, detectar efeitos
mais recentes. Seqüências de DNA nucleares começaram ser utilizadas
apenas recentemente. As análises de árvores gênicas, coalescência e
padrões filogeográficos por si só se tornaram uma disciplina.
A seguir são apresentadas aplicações envolvendo as árvores gênicas
e as análises de coalescência, além de outros procedimentos molecula-
res. Dado que essas áreas de conhecimento têm se desenvolvido muito
rapidamente, com novos métodos surgindo regularmente, seremos
capazes de descrever apenas parte dos métodos e de suas aplicações.

Tamanho populacional e histórico demográfico


Tamanho populacional
É difícil se estimar diretamente o tamanho populacional em espécies Estimativas do tamanho mínimo
noturnas, fossoriais, raras ou tímidas. Estimativas do tamanho míni- populacional podem ser
mo populacional das populações podem ser feitas através da identifi- obtidas a partir do número de
genótipos únicos
cação de indivíduos utilizando-se análises multilocos fingerprinting de
182 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

DNA ou microssatélites. O DNA pode ser amostrado com a coleta de


pêlos, pele ou fezes, e os microssatélites podem ser genotipados via
amplificação por PCR. Por exemplo, dado que cinco genótipos diferen-
tes para múltiplos locos de microssatélites foram encontrados para o
urso pardo dos Pirinéus em perigo, estimou-se um tamanho popula-
cional mínimo de cinco indivíduos. Desses indivíduos, um era fêmea
e quatro eram machos, identificados pela utilização de marcadores de
DNA sexo-específicos (veja adiante).

Uso de marcadores genéticos baseados em PCR para identificação


de espécies e uso de fezes para estimativas de tamanho populacional
A contagem de fezes tem sido utilizada para estimar tamanhos de
populações de muitas espécies, por exemplo, ursos e coiotes. Entre-
tanto, isto não pode ser aplicado onde mais de uma espécie com fezes
similares vivem em simpatria. Análises de DNA têm sido utilizadas
para autenticar as fezes de ursos na Europa. De maneira similar, cinco
marcadores de microssatélites e um marcador sexo-específico foram
utilizados em amostras fecais de focas para se identificar a espécie, os
indivíduos e a razão sexual numa amostragem mista de espécies.

Histórico demográfico
A distribuição das diferenças A distribuição do número de diferenças dos pares de seqüências dos
entre as seqüências dos pares alelos (análise de distribuição das diferenças = mismatch analysis) apre-
de alelos pode ser utilizada senta formas características para populações com diferentes históricos
para identificar populações que demográficos (Fig. 9.4). Populações estáveis produzem distribuições ge-
apresentam tamanho estável, ométricas (Fig. 9.4a), enquanto espera-se que o crescimento exponen-
populações em expansão e cial gere uma suave distribuição unimodal (Fig. 9.4b). Gargalos podem
populações que tenham passado produzir uma distribuição próxima de zero ou uma distribuição bimo-
por gargalos dal, dependendo se o gargalo apenas reduziu a diversidade genética
ou a eliminou totalmente (de maneira que a diversidade represente
mutações a partir daquele ponto) (Fig. 9.4c). O contato secundário de
populações a partir de um longo período de isolamento produz uma
distribuição bimodal (Fig. 9.4d). Humanos exibem uma distribuição
unimodal característica de crescimento exponencial, o que está de
acordo com a história conhecida do homem.

(a) Estável (b) Crescimento exponencial


Freqüência

Fig. 9.4 Distribuição das (c) Gargalo populacional (d) Contrato secundário
diferenças dos pares de seqüências
de alelos em populações com
diferentes históricos (Avise 2000).
(a) População com tamanho
estável, (b) população com
crescimento exponencial, (c)
população sujeita a gargalo recente
e (d) contato secundário e fusão. Distribuição das diferenças
TAMANHO POPULACIONAL E HISTÓRICO DEMOGRÁFICO 183

Caracterização e datação de gargalos


Gargalos não documentados que ocorreram no passado, bem como
Sinais de gargalos passados
suas intensidades, podem ser detectados a partir da perda de diversi- podem ser identificados
dade genética. Mesmo quando não existem amostras das populações utilizando-se análises de genética
pré-gargalo, eles podem ser freqüentemente identificados utilizando- molecular
se as informações contidas em locos múltiplos de microssatélites.
Os coalas exibem sinais de gargalo populacional e de isolamento
pela distância em suas seqüências de DNAmt (Fig. 9.5). A maioria das
populações de Victoria e do sul da Austrália são indistinguíveis, o que
contrasta com a diversidade encontrada entre as populações localiza-
das mais ao norte. As populações do sul foram estabelecidas a partir
de indivíduos translocados de populações de ilhas, que passaram por
gargalos (Quadro 7.3). Os padrões de similaridade encontrados entre
outras populações continentais sugerem isolamento pela distância,
com populações de localidades próximas sendo geralmente mais simi-
lares do que aquelas de localidades mais distantes. Coalas
Os efeitos do gargalo têm sido medidos para o falcão-de-Maurício
através da comparação da diversidade genética de microssatélites pre-
sente nas populações atuais com a diversidade de espécimes de museu
(Quadro 4.1).
Além da detecção dos gargalos, a perda de diversidade genética
A intensidade e a duração de
permite também fazer inferências sobre a intensidade dos mesmos. um gargalo podem ser inferidos
a partir da perda de diversidade
genética

SP
MT
GC
IL
ML
WNSSW
CB
NC
SP
MT
SZ
SG
GC BR
WNSSW NC SR
IL
KI
FI
ML
PI
CB
KI
BR TB
SR SZ
PI FI SG

Fig. 9.5 Árvore gênica para populações de coalas baseada em divergências de


seqüências de DNAmt (Houlden et al. 1998). As populações de Victoria e do sul da Austrália
(na parte inferior) derivaram principalmente de populações de ilhas que sofreram gargalos e são
essencialmente indistinguíveis. As populações restantes geralmente mostram suas afinidades mais
próximas com as populações geograficamente adjacentes, como esperado pelo isolamento pela
distância.
184 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

Por exemplo, a intensidade do gargalo que atingiu o elefante marinho


do norte foi inferida através da modelagem matemática da perda de
diversidade genética em genes de DNAmt. Ela pode ser atribuída a
uma única geração em que a população foi reduzida para apenas 10-20
machos efetivos. Entretanto, um gargalo dessa magnitude não seria
suficientemente severo para explicar a completa ausência de variação
alozímica.
Um estudo realizado no ganso havaiano é um exemplo particular-
mente elegante que envolve o uso de amostras antigas de DNA. Existe
um único haplótipo de DNAmt (genótipo haplóide) presente nas aves
atuais, bem como nos espécimes de museu e nos ossos sub-fósseis da-
tados entre 100-500 anos. Entretanto, existem vários haplótipos em
ossos sub-fósseis datados de 850-2540 anos. Isso permitiu verificar que
o maior declínio da diversidade genética não resultou da colonização
ocidental, mas sim do estabelecimento anterior dos polinésios. A mo-
delagem indica que a população provavelmente tenha declinado para
menos de 10 fêmeas ao longo de 50-100 gerações.
Acreditava-se que as 13 espécies de tentilhões de Darwin das ilhas
Galápagos haviam divergido da progênie de um único casal. Entre-
tanto, a diversidade de seqüências de MHC indicou que eles provavel-
mente tenham divergido de um grupo fundador de pelo menos 30
indivíduos.
Defende-se a hipótese de que o gueopardo tenha perdido uma parte
A datação dos gargalos pode
ser inferida a partir de dados substancial de sua diversidade genética devido a um gargalo popula-
genéticos cional. Comparando-se os níveis de variação genética presentes em
aloenzimas (baixa taxa de mutação) com os níveis de variação presen-
tes no DNAmt, em fingerprints de DNA e em microssatélites (taxas de
mutação maiores), estima-se que o pressuposto gargalo tenha ocorrido
a aproximadamente 10000 anos atrás.

Estimativa do tamanho efetivo populacional evolutivo


A teoria da coalescência permite estimar o tamanho efetivo populacio-
O tamanho efetivo populacional
histórico pode ser determinado nal das fêmeas a partir de análises de DNAmt, como a seguir:
através do uso da teoria da
PS
coalescência, desde que sejam N ef = (9.2)
conhecidas as taxas de mutação 2u

onde PS é a proporção média de sítios nucleotídicos que diferem entre


pares randômicos de haplótipos e u é a taxa de mutação. O tamanho
efetivo populacional das fêmeas da ave Agelaius phoeniceus, nos EUA, foi
estimado por um método similar. Análises de RFLP e de DNAmt de 127
aves identificaram 34 haplótipos. A taxa de mutação por base é 10-8 por
geração. A partir disso, derivou-se uma estimativa de 36700 fêmeas, o
que é muito menor do que o número atual de 20 milhões de fêmeas
reprodutivas. A explicação mais provável é que o número tenha sido
muito menor durante a glaciação do Pleistoceno (10000 anos atrás),
tendo aumentado marcadamente desde então a partir da população
de um refúgio. Os tamanhos efetivos de fêmeas são tipicamente muito
menores do que o número atual de fêmeas adultas numa ampla varie-
dade de espécies.
FLUXO GÊNICO E ESTRUTURAÇÃO POPULACIONAL 185

Contato secundário entre populações


A existência de contato secundário entre populações previamente
O contato secundário
diferenciadas pode ser inferida quando a distribuição das diferenças
entre populações gera uma
entre os pares de seqüências dos pares de indivíduos é bimodal (desde distribuição bimodal das
que outras causas desse padrão possam ser excluídas). Por exemplo, diferenças das seqüências dos
dois grupos distintos de haplótipos de DNAmt (clados) estão presentes pares de indivíduos
em cada colônia reprodutiva amostrada do ganso das neves, no ártico
canadense e na Rússia (Fig. 9.6). Dentro de qualquer uma das colônias,
ambos os clados de DNAmt se intercruzam livremente. Os locais de re-
produção ocorrem em regiões que eram inabitáveis durante a glaciação
recente, a 5000-10000 anos atrás. As populações atuais são imensas, de
maneira que isto não representa um efeito de deriva genética recente.
Portanto, as colônias reprodutivas foram estabelecidas por migrantes,
possivelmente de duas populações divergentes de diferentes refúgios.
A vantagem dos heterozigotos pode ser excluída como sendo uma ex-
plicação, uma vez que isto não opera no DNAmt haplóide.

Fig. 9.6 Distribuição bimodal


0,4 das diferenças entre os pares de
DNAmt e RFLPs para o ganso da
0,3
Freqüência

neve, indicando contato secundário


(Avise 2000).
0,2

0,1

0
0 0,4 0,8 1,2
Divergência do DNAmt (%)

Fluxo gênico e estruturação populacional


Estruturação populacional
As recomendações para o manejo genético variam de maneira signi-
Análises com marcadores
ficativa dependendo da estruturação populacional. As populações genéticos são utilizadas para
presentes em diferentes fragmentos de habitats podem ser totalmente determinar a estrutura genética
isoladas, parcialmente isoladas, podem ser efetivamente uma única de populações
população ou podem compor uma metapopulação, dependendo do
grau de fluxo gênico e das taxas de extinção das populações (Capítulo
4). Populações pequenas e totalmente isoladas devem passar por en-
docruzamentos severos. A delineação da estrutura populacional geral-
mente só é possível utilizando-se dados genéticos.
O grau de diferenciação entre as populações pode ser determina-
do utilizando-se o FST e medidas relacionadas para qualquer tipo de
marcador genético polimórfico (Capítulo 4). Análises mais poderosas
e informativas são possíveis com o uso de árvores gênicas. A estrutura
populacional pode ser identificada através do mapeamento das seqü-
ências de diferentes alelos sobre as localidades geográficas. A causa da
diferenciação genética (fluxo gênico restrito, fragmentação histórica
ou expansão da distribuição) pode ser determinada. Populações de
búfalos e impalas do leste da África mostram valores similares de FST
de 0,08 e 0,10. No entanto, a distribuição de haplótipos de DNAmt ao
186 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

longo das localidades geográficas é completamente diferente nas duas


espécies, como mostrado nas redes de haplótipos da Fig. 9.7. A distri-
buição dos haplótipos de Chobe (Chobe é a localidade mais isolada) é
randômica nos búfalos, mas fortemente agrupada nos impalas. Conse-
qüentemente, os búfalos exibem um fluxo gênico materno recorrente
entre Chobe e populações localizadas mais ao norte. Em contraste,
as fêmeas de impalas têm um fluxo gênico restrito que pode refletir
isolamento pela distância ou isolamento da população de Chobe em
relação às populações do norte.
Componentes diferenciados do genoma herdados maternalmente
podem ser revelados com DNAmt ou DNA de cloroplastos (Plantas).
Uma análise de DNA mitocondrial revelou que as populações do vul-
nerável morcego fantasma da Austrália, exibiam uma marcante dife-
renciação entre as colônias, e que nenhum haplótipo de DNAmt era
compartilhado entre as colônias (Fig. 9.8). Além disso, análises de mi-
crossatélites revelaram uma diferenciação substancial entre as popula-
ções, indicando pouco, ou nenhum, fluxo gênico. Conseqüentemente,
colônias extintas são improváveis de serem recolonizadas por migra-
ção natural. Moritz e seus colaboradores recomendaram que cada colô-
nia fosse manejada como sendo uma unidade de manejo distinta para
propósitos conservacionistas.

(a) Búfalo

27 0 20 16 19

4 0 16 26 0 28 0 1
3
2 9 14 0 13 10 0 16 0 15

12 0 5 21 6 7 0
17 18 25 0 0 0 0 11
0
22 0 0 0 0 0 0 0 0 23 0 0 24

(b) Impala

16
14 13 15 12 21 0 21
11 0 5 10 0 0

8 1 6 0 0 4 3 2 0 0 25 17 18 23 0 19

9 7 20 24

Haplótipo encontrado
somente em Chobe

Fig. 9.7 Redes de haplótipos de DNAmt para o búfalo e para o impala (Templeton
1998). Cada linha da rede representa uma única mudança mutacional. 0 indica um
nó na rede que foi ausente na amostragem. Esses nós são inferidos como sendo os
intermediários entre os dois haplótipos visinhos mais próximos que diferem por duas
ou mais mutações. Os números dos haplótipos são aqueles apresentados na referência
original. Os haplótipos de Chobe, a população mais isolada e localizada mais ao sul, são
altamente agrupados para os impala, mas dispersos na rede dos búfalos.
FLUXO GÊNICO E ESTRUTURAÇÃO POPULACIONAL 187

Fig. 9.8 Estrutura populacional


das populações do morcego
fantasma revelada por DNAmt
(Moritz et al. 1996). Esta espécie
vive em cavernas e minas
abandonadas. Embora já tenha
sido amplamente distribuída, hoje
se concentra mais na região norte.
Existe uma clara diferenciação entre
as populações. Nenhum haplótipo
de DNAmt é compartilhado entre as
populações.

Colônias

Provável centro populacional

Numa outra aplicação, estudos na baleia piloto de peitorais lon-


gas revelaram um comportamento de agrupamento que consistia de
uma única linhagem familiar estendida de fêmeas, freqüentemente
contendo mais de 100 indivíduos. Os filhotes de nenhum dos sexos se
dispersam. No entanto, não havia endocruzamento significativo, como
verificado por marcadores genéticos nucleares. Esta aparente contradi-
ção foi resolvida quando membros de diferentes agrupamentos foram
observados se acasalando quando se encontraram uns com os outros,
minimizando assim a diferenciação nos locos nucleares.

Dispersão e fluxo gênico


As taxas de dispersão são difíceis de serem estudadas através de obser-
As taxas de dispersão podem
vação direta, dado que muitas vezes são baixas e as dispersões de longa
ser inferidas a partir da
distância são raramente medidas com precisão. Um número crescente diferenciação genética existente
de estudos tem utilizado marcadores genéticos para fazer inferências entre as populações
sobre os padrões de dispersão. Sem dispersão os acasalamentos não
são randômicos, e há déficit de heterozigotos quando os dados de vá-
rias amostras são reunidos (Capítulo 4). Por exemplo, os ratos mantêm
territórios dentro dos celeiros e não se acasalam randomicamente, re-
sultando em déficit médio de heterozigotos quando comparado com o
esperado de acordo com o equilíbrio de Hardy-Weinberg.
Estudos genéticos freqüentemente revelam uma imagem da disper-
são diferente da sugerida por observação direta. Por exemplo, observa-
ções dos pequenos mamíferos territoriais pikas da América do Norte
188 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

indicaram que eles raramente se dispersavam e nenhuma migração de


longa distância foi observada. Conseqüentemente, acreditava-se que
eles se acasalavam regularmente com parentes próximos. Entretanto,
estudos de fingerprinting de DNA revelaram que o endocruzamento não
era comum e que a dispersão ocorria em distâncias curtas, médias e
longas.
O padrão de dispersão de fêmeas de tartarugas tem sido seguido
através do uso de marcadores de DNAmt. As fêmeas freqüentemente
retornam à praia onde nasceram para botar seus ovos. Os genótipos
das populações das tartarugas cabeçudas Caretta caretta que nidificam
em diferentes praias do Japão (B e C) e Austrália (A) são distintos, de
modo que a dispersão pode, portanto, ser seguida (Fig. 9.9). Observou-
se que as populações do norte do Pacífico e das áreas de alimentação
próximas de Baja Califórnia eram predominantemente estoques japo-
neses, com uma minoria australiana. Conseqüentemente, as fêmeas
demonstram fidelidade aos locais de nidificação, mas não aos locais de
alimentação. Estudos similares traçaram os movimentos das ameaça-
das baleias jubarte.
Marcadores de DNA específicos do cromossomo Y permitem ava-
liar, em paralelo, a diferenciação e a dispersão específica dos machos.
Em humanos, o uso de DNAmt e de marcadores de DNA específicos do
Y para estimar a dispersão de fêmeas e de machos, respectivamente,
revelaram que as fêmeas dispersam com maior eficiência do que os
machos. Isto contrasta com a visão predominante de que os machos

Fig. 9.9 Dispersão da tartaruga


Caretta caretta baseada em
genótipos de DNAmt (Bowen et
al. 1995). A, B e C são diferentes
haplótipos de DNAmt.

Pesca casual com redes derivantes


ABBBBBBBBBBBBBB
BBBBBBBBBBCCC

Praias de desova
BBBBBBBBBBBBB
BBBBBBBBBBCCC Área de alimentação
AABBBBBBBBBBB
BBBBBBBCCCCCC

Praias de desova
AAAAAAAAAAAAA
AAAAAAAAAAAAA
REINTRODUÇÃO E TRANSLOCAÇÃO 189

dispersam seus genes mais eficientemente devido aos movimentos as-


sociados com as guerras.

A detecção de imigrantes
A dispersão dos indivíduos pode ser identificada através de seus ge- Indivíduos imigrantes podem
nótipos de múltiplos locos de microssatélites (teste de atribuição). ser identificados a partir de seus
Baseado em seu genótipo, um indivíduo é atribuído à população com genótipos multiloco através dos
a qual ele tem maior similaridade. Se ele é atribuído a uma população testes de atribuição
que não seja aquela onde foi coletado, presume-se que seja um imi-
grante. Por exemplo, se todos os indivíduos nas áreas geográficas A e B
apresentam os genótipos A1A1B1B1C1C1D1D1 e A2A2B2B2C2C2D2D2, respec-
tivamente, um indivíduo na região B com o primeiro genótipo deve ser
um migrante. Um princípio idêntico se aplica quando as populações
diferem em vários locos quanto às freqüências alélicas ou genotípicas.
No entanto, os cálculos computacionais são mais complexos. Os testes
de atribuição também podem ser utilizados para detectar hibridações
e relações taxonômicas, como tem sido feito com os lobos vermelhos e
os lobos Algonquin.

Padrões filogeográficos
Em um número surpreendente de espécies, os padrões de divergência
Eventos climáticos ou geológicos
das seqüências de DNA são concordantes com as regiões geográficas passados devem afetar diversas
(filogeografia). Por exemplo, o peixe Centropristis striata, a ave Ammo- espécies de maneira similar
dramus maritimus, o caranguejo ferradura Limmulus polyphemus, a ostra
americana e os besouros tigre que se encontram ao longo da costa
atlântica dos EUA apresentam haplótipos de DNAmt diferentes daque-
les encontrados nas mesmas espécies no Golfo do México, áreas estas
que são separadas pela península da Flórida. Estas distribuições não
eram reconhecidas anteriormente, e não foram causadas pela geogra-
fia atual. Estes padrões aparentemente refletem a separação das po-
pulações por eventos geológicos maiores, eventos climáticos passados
ou alterações nos habitats causadas por mudanças climáticas. Muitos
outros casos de padrões filogeográficos concordantes em táxons distin-
tos têm sido encontrados nos EUA, incluindo peixes de água doce em
rios que correm para o leste vs. oeste, na região sudeste. Similarmente,
quatro espécies de aves e uma de réptil apresentam grandes diferenças
genéticas entre as regiões de florestas chuvosas do norte e do sul de
Cairns, no noroeste da Austrália. Embora esta região tenha atualmente
habitats contínuos de floresta chuvosa, presume-se que a diferenciação
reflita contrações e expansões passadas da floresta que levaram a lon-
gos períodos de isolamento entre as duas áreas. Padrões concordantes
entre espécies pouco relacionadas reforçam as inferências, as quais
teriam pouco suporte com dados de espécies individuais.

Locais para potenciais


Reintrodução e translocação reintroduções podem ser
identificados por análises de
Locais para reintroduções e translocações PCR de espécimes de museu
A reintrodução é uma tarefa difícil e cara, cuja probabilidade de suces- coletados em localidades onde
hoje a espécie é extinta
so pode ser aumentada através da seleção de locais que façam parte da
190 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

distribuição histórica da espécie (Capítulo 8). A caracterização de uma


população extinta como sendo pertencente à espécie ameaçada que
requer reintrodução ou translocação pode sugerir locais adequados
(Quadro 9.2). O DNA de ossos sub-fósseis revelaram que os patos-de-
Laysan (Anas laysanensis) existiram recentemente numa ilha do Havaí
onde hoje eles são extintos. Esta ilha deve, portanto, ser um local ade-
quado para reintrodução.

Populações para reintrodução


A avaliação de populações Um programa de reintrodução do arbusto em perigo Zieria prostata,
candidatas à reintrodução pode de uma área restrita da costa leste da Austrália, foi abandonado após
ser feita através de análises a realização de análises genéticas. Uma planta aparentemente única,
genéticas que acreditava-se ter originado de uma população extinta de uma loca-
lidade distante das áreas onde a espécie ainda ocorre, foi utilizada no
programa de restabelecimento. Entretanto, foi verificado que este indi-
víduo era proximamente relacionado a outros indivíduos de uma das
populações remanescentes e o plano de reintrodução foi cancelado.

Sistemas reprodutivos, testes de paternidade,


análises de parentesco dos fundadores e sexagem
Espécies com diferentes sistemas reprodutivos (assexuado vs. sexuado,
As análises genéticas podem
gerar informações importantes autofecundação vs. fecundação biparental, etc.) requerem manejo di-
sobre o sistema reprodutivo, ferenciado, sendo vital a identificação destes sistemas (Capítulo 7). O
paternidade, sexo e relações de conhecimento sobre a paternidade é crucial para a detecção do en-
parentesco entre os indivíduos docruzamento e para se verificar a acurácia de genealogias utilizadas
fundadores no manejo genético. A sexagem correta, por sua vez, é essencial para
que indivíduos do mesmo sexo não sejam pareados e para que razões
sexuais distorcidas possam ser identificadas. Relações de parentesco
dos indivíduos fundadores são importantes para o manejo de popula-
ções de cativeiro, de maneira que a perda de diversidade genética e o
endocruzamento possam ser minimizados. As análises de marcadores
genéticos podem gerar muitas dessas importantes informações.

Sistemas reprodutivos
As plantas apresentam diversos tipos de sistemas reprodutivos, que
Sistemas reprodutivos e
padrões de acasalamento vão desde a fecundação biparental até a autofecundação e a reprodu-
podem ser identificados através ção clonal. Algumas pequenas populações de plantas podem mudar
da genotipagem de múltiplos de fecundação biparental para autofecundação. Além disso, algumas
locos das mães e dos seus espécies de peixes, lagartos e insetos são partenogenéticas ou autofe-
descendentes cundantes. Dado que espécies com diferentes sistemas reprodutivos
geralmente requerem diferentes estratégias de manejo, é crucial que o
sistema reprodutivo de cada espécie ameaçada seja definido.
Os sistemas reprodutivos podem ser determinados através da
genotipagem das mães e de seus descendentes (Tabela 9.2). Se todos
os descendentes contêm o mesmo genótipo da mãe a reprodução é
assexuada (incluindo a partenogênese ameiótica). Por outro lado, se
a prole contém apenas alelos presentes na mãe, mas existe uma di-
versidade de genótipos, eles são resultantes de autofecundação. Proles
SISTEMAS REPRODUTIVOS, TESTES DE PATERNIDADE, ANÁLISES DE PARENTESCO DOS FUNDADORES E SEXAGEM 191

Tabela 9.2 | Determinação do sistema reprodutivo usando marcadores


genéticos
Sistema reprodutivo Genótipos parentais Genótipos da prole
Assexuado AB → AB
Autofecundação AB × AB → AA, AB, BB
Fecundação biparental AB × CD → AC, AD, BC, BD
Mistura entre
autofecundação e AB × AB → AA, AB, BB

fecundação biparental AB × CD → AC, AD, BC, BD


(déficit de heterozigotos comparado com fecundação cruzada)

Fig. 9.10 Reprodução clonal no arbusto em perigo Malacothamnus fasciculatus (Fritsch &
Rieseberg 1996). Análises de RAPD de 18 plantas diferentes da população NS(II) (linhas
2-19) e um indivíduo da população NS(I) (seta). Linha I é um marcador de tamanho de
DNA (M). Todos os arbustos da população NS(II) são idênticos (clones) e diferem da planta da
população NS(I).

contendo alelos não encontrados na mãe são resultantes de fecunda-


ção biparental.
Todos os indivíduos de uma população do arbusto em perigo Mala-
cothamnus fasciculatus, da ilha Santa Cruz, Califórnia, foram idênticos
(indicando reprodução clonal) e diferentes dos indivíduos de uma se-
gunda população (Fig. 9.10). O arbusto em perigo Haloragodendron luca-
sii apresenta uma distribuição bastante restrita em Sydney, Austrália,
e possui apenas sete clones em 53 plantas, baseados em genótipos de
Nas plantas com sistema
aloenzimas e RAPD. misto de autofecundação e
A freqüência de autofecundação nas plantas com sistema reprodu- reprodução biparental, as taxas
tivo misto (autofecundação e fecundação biparental) pode ser estima- de autofecundação podem
da diretamente através da genotipagem das plantas maternais e suas ser determinadas diretamente
proles. A autofecundação de plantas maternais homozigotas resulta através da genotipagem
apenas em progênie homozigota, enquanto a fecundação biparental dos parentais maternos e
produz heterozigotos (H) numa taxa dependente da freqüência combi- da progênie, utilizando-se
marcadores moleculares
nada dos alelos não encontrados no homozigoto (q) (Tabela 9.3). Daí, a
192 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

freqüência de autofecundação (S) é:


H
S = 1– (9.3)
q

Plantas maternais heterozigotas também podem ser utilizadas para a


obtenção de estimativas das taxas de autofecundação.
As taxas de autofecundação O nível de endocruzamento pode ser determinado indiretamente
podem ser determinadas a partir dos desvios do equilíbrio de Hardy-Weinberg (Capítulo 4). Por
indiretamente a partir da exemplo, a proporção de heterozigose observada em relação à esperada
redução da heterozigose Ho/He é 0,68 na planta em perigo Lambertia orbifolia, do oeste da Austrá-
comparada com o que seria lia. Utilizando-se da equação 4.3, o coeficiente de endocruzamento é
esperado de acordo com o
equilíbrio de Hardy-Weinberg Ho
F = 1– = 1 – 0,68 = 0,32.
He

A taxa de autofecundação pode ser determinada a partir do coeficiente


de endocruzamento, como segue:
2F
S= (9.4)
(1 + F )

Portanto, para L. orbifolia, a taxa de autofecundação é


S = 2 × 0,32/(1 + 0,32) = 0,48
Marcadores genéticos como as aloenzimas têm sido amplamente
utilizados para estimar F e S. O modelo mais comumente utilizado
para se estimar a autofecundação e a fecundação biparental é o mo-
delo de acasalamento misto. Ele assume a existência de apenas dois
tipos de acasalamentos, a autofecundação e o acasalamento ao acaso.
Entretanto, acasalamentos entre indivíduos relacionados, como pais
e filhos, irmãos e primos, também ocorrem (endocruzamento bipa-
rental). Conseqüentemente, o cálculo de S é uma medida da taxa de
autofecundação que haveria se todo o endocruzamento fosse devido à
autofecundação.
Análises multiloco garantem estimativas mais acuradas das verda-
deiras taxas de endogamia. Além disso, em plantas autocompatíveis, a
diferença entre a média das estimativas de locos únicos e o valor obtido

Tabela 9.3 | Proporção de genótipos esperados na progênie de um


genótipo maternal homozigoto (A1A1) e de um genótipo maternal
heterozigoto (A1A2) como o resultado de autofecundação (S) e da
fecundação biparental (T). p e q são as freqüências dos alelos A1 e A2 na
população
Genótipos da progênie
Genótipo materno Freqüência de acasalamentos A1A1 A1A2 A2A2
A1A1 S S
T Tp Tq
A1A2 S ¼S ½S ¼S
T ½ Tp ½T ½ Tq
Fonte: Hedrick (2000).
SISTEMAS REPRODUTIVOS, TESTES DE PATERNIDADE, ANÁLISES DE PARENTESCO DOS FUNDADORES E SEXAGEM 193

através do multiloco garante uma estimativa do endocruzamento bi-


parental. Por exemplo, indivíduos machos estéreis de sete populações
de Bidens spp. no Havaí, apresentaram taxas médias de autofecundação
de 15%, e tudo deve ser devido ao endocruzamento biparental. Simi-
larmente, a conífera do Pacífico Taxus brevifolia, a fonte do composto
anti-câncer taxol, é dióica (sexos separados), mas tem um F de 47%.
Mais uma vez, a causa deve ser o endocruzamento biparental.

Paternidade
As informações sobre as paternidades são essenciais para o estudo do
Múltiplos marcadores de DNA
impacto do endocruzamento, para a verificação das genealogias utili-
podem ser utilizados para
zadas no manejo genético de espécies ameaçadas e para a determina- se identificar paternidades e
ção o tamanho efetivo das populações (Capítulo 4). Apenas raramente a maternidades
paternidade pode ser determinada por observações comportamentais
diretas. Por exemplo, as fêmeas de chimpanzés copulam com muitos
machos durante seus períodos férteis. As informações de marcadores
genéticos da mãe, filhote e potenciais pais podem ser utilizadas para
resolver essas incertezas.
Se um alelo derivado paternalmente na prole não está presente
no pai suspeito, este macho pode ser excluído como potencial pai (a
menos que uma nova mutação tenha ocorrido). Se muitos locos são
utilizados, as atribuições positivas da paternidade podem ser feitas
com altas probabilidades. Fingerprints de DNA e análises de múltiplos
locos microssatélites são os marcadores mais adequados. A Fig. 9.11
ilustra a determinação da paternidade em gansos da neve, baseadas
em 14 locos nucleares de RFLP. Em vários locos, o genótipo do filhote 4
não pode ser derivado do genótipo dos potenciais (candidatos) pais por
herança mendeliana. A presença do alelo 3 no loco A excluiu um ou
outro potencial parental, dado que ambos são homozigotos (22) para o
alelo 2. Similarmente, o filhote 4 possui o alelo 2 no loco G, e este alelo
é ausente em ambos os potenciais parentais. Os locos M e N excluíram
o potencial pai, dado que ele não tem o alelo 1. C exclui ambos os pa-
rentais, uma vez que o filhote 4 carrega alelos não presentes em ambos
os potenciais parentais.
As determinações da paternidade utilizando-se locos de microssa-
télites em chimpanzés de cativeiro revelaram que o macho dominante
da colônia foi responsável pela produção da maioria, mas não de todos
os filhotes. Conseqüentemente, a necessidade de se trocar animais en-
tre zoológicos para minimizar o endocruzamento e a perda de diver-
sidade genética é maior do que em situações em que muitos machos
contribuem com a paternidade, mas é menor do que em situações em
que um único macho dominante é o pai de todos os filhotes. Dado
que as tartarugas se acasalam no mar e indivíduos nadando são mui-
to difíceis de serem identificados, seus padrões de acasalamento são
impossíveis de serem observados diretamente. Análises de aloenzimas
e de microssatélites das ninhadas da tartaruga Caretta caretta demons-
traram que as fêmeas se acasalaram com vários machos.
Mesmo nas espécies em que extensas observações comportamentais
foram feitas, as análises de marcadores genéticos têm freqüentemente
revelado padrões inesperados de acasalamento. Por exemplo, acredi-
tava-se que a ave Malurus splendens, do oeste da Austrália, apresentava
194 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

Loco de RFLP
A B C D E F G H I J K L M N
Pai potencial 22 22 23 12 11 11 14 22 12 12 12 12 22 22
Mãe potencial 22 22 22 11 11 11 13 12 22 11 11 12 12 12
Filhote 1 22 22 22 12 11 11 11 12 12 11 12 11 12 12
Filhote 2 22 22 22 11 11 11 34 22 22 12 12 12 22 22
Filhote 3 22 22 22 12 11 11 13 22 12 11 11 22 22 22
Filhote 4 23 22 11 11 11 11 12 12 12 11 11 11 11 11

Fig. 9.11 Determinação da paternidade nos gansos da neve. Os genótipos de 14 locos


nucleares de RFLP são apresentados para os potenciais pais e para os filhotes de uma
família de gansos (Avise 1994). O filhote 4 não pode ser filho dos pais potenciais. Os
alelos que não podem ter sido herdados dos pais potenciais são mostrados em negrito, e
os genótipos que não podem ter derivado dos pais potenciais estão sublinhados.

altas taxas de endocruzamento e nenhuma depressão por endocru-


zamento. Análises subseqüentes de paternidade usando aloenzimas
revelaram que 65% ou mais das progênies eram de machos pais de
fora do grupo. Muitas espécies de aves com sistemas de acasalamento
presumivelmente monogâmicos têm demonstrado participação em
cópulas extra-par. Mesmo em humanos, marcadores genéticos têm
revelado que 10% ou mais das crianças não são filhas dos pais que as
registraram.
As genealogias são utilizadas extensivamente no manejo genético
de populações de cativeiro e é importante que a confiabilidade de suas
informações seja verificada. Análises de fingerprinting de DNA no íbis
criticamente em perigo Geronticus eremita identificaram cinco, de um
total de 33 filhotes, cuja paternidade estava incorreta, além de um fun-
dador adicional sem relação de parentesco próxima com os demais.
Aparentemente também há erros nos studbooks do estorninho de Bali,
do órix da Arábia e do cavalo-de-Przewalski.
Os casos acima podem refletir um problema mais amplo com ine-
xatidões em genealogias nas quais os erros podem ter sérias implica-
ções no manejo de espécies em perigo.

Determinação do grau de parentesco dos fundadores


Um pequeno número de fundadores é o que freqüentemente sobra
Marcadores de DNA multiloco
podem ser utilizados para para se iniciar os programas de reprodução de espécies em perigo. Co-
delinear as relações entre os mumente, o grau de parentesco entre os fundadores é desconhecido.
fundadores Entretanto, a identificação de indivíduos relacionados é importante
para se manejar o endocruzamento e a diversidade genética na popula-
ção. Nestes casos, as análises genéticas que fazem uso de diversos locos
(por exemplo, fingerprinting de DNA ou múltiplos locos de microssatéli-
tes) podem identificar as relações de parentesco. Estudos no condor da
Califórnia revelaram três grupos relacionados de indivíduos entre os
14 fundadores. Estudos similares têm sido conduzidos para o estorni-
nho de Bali, para as aves Gallirallus owstoni, Todiramphus cinnamominus,
Nesoenas mayeri, Geronticus eremita e para o órix da Arábia.
SISTEMAS REPRODUTIVOS, TESTES DE PATERNIDADE, ANÁLISES DE PARENTESCO DOS FUNDADORES E SEXAGEM 195

Fontes de novos fundadores


Quando os números são pequenos, todos os fundadores disponíveis
Quando o número de
devem ser utilizados para estabelecer as colônias reprodutivas de cati-
fundadores é pequeno, outras
veiro. Entretanto, pode haver incertezas quanto à identidade de alguns fontes de potenciais fundadores
potenciais fundadores. Estas questões podem ser resolvidas utilizando- podem ser examinadas
se análises genéticas. Por exemplo, o lobo mexicano está extinto na utilizando-se marcadores
natureza e a única população certificada foi fundada por apenas três genéticos, para se certificar
ou quatro animais. Duas outras populações existiam, mas não esta- de que pertencem à espécie
va claro se estes animais haviam sofrido introgressões de cachorros, correta e para verificar se não
lobos cinzentos ou coiotes. Análises de genética molecular (baseadas são afetados por introgressão
em aloenzimas, DNAmt, fingerprinting de DNA e, particularmente, mi-
crossatélites) revelaram que todas as três populações do lobo mexicano
eram similares e sem introgressão detectável (Fig. 9.12). Agora, as três
populações estão sendo combinadas. O estudo também revelou que a
população certificada tinha três, e não quatro fundadores. De maneira
parecida, dois novos potenciais fundadores para a população de cati-
veiro dos EUA da gazela-de-Speke foram identificados como não sendo
aparentados aos animais encontrados neste país, tendo sido adiciona-
dos à população de cativeiro.

Sexagem de animais
Machos e fêmeas de muitas espécies de aves e répteis são morfologica-
Aves e mamíferos podem
mente indistinguíveis. Estes devem ser sexados antes do pareamento, ser sexados utilizando-
dado que vários casos de casais de aves inférteis presentes em zoológi- se marcadores genéticos
cos revelaram ser aves do mesmo sexo. dos cromossomos sexuais
heterogaméticos

cão
1,0
Coiotes Lobos mexicanos
Dimensão 1

Kenai Minnesota Aragon


Ghost
Washington
0,0 Certificada
California NWT Vancouver

N. Quebec
Denali
Alberta Lobos cinza
–1,0
–2 –1 0 1 2
Dimensão 2 lobo

Fig. 9.12 As populações não certificadas são lobos mexicanos puros? Uma escala
multidimensional dos dados de freqüência de alelos de 20 locos de microssatélites
genotipados em populações de lobos mexicanos, coiotes, cães domésticos e lobos
cinzentos (Hedrick et al. 1997). A população certificada é uma população de lobos
mexicanos previamente reconhecida como sendo pura, enquanto as populações de
Aragon e Ghost Ranch apresentam status questionável. Diferentes populações de coiotes
e de lobos cinzentos são indicadas por estado ou província. As populações de Aragon e
de Ghost Ranch se agruparam com a certificada compondo um grupo distinto em relação
aos outros canídeos, indicando que são lobos mexicanos puros.
196 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

Alguns mamíferos também são difíceis de sexar, especialmen-


te os cetáceos (baleias e golfinhos) e algumas espécies bastante
reservadas.
As aves podem ser sexadas
Nas aves, os machos apresentam os cromossomos sexuais do tipo
utilizando-se marcadores ZZ e as fêmeas ZW. Conseqüentemente, primers de PCR para seqüências
genéticos do cromossomo específicas do cromossomo W têm sido desenvolvidos para distinguir
sexual W os machos das fêmeas. Fragmentos W-específicos amplificam o DNA de
uma fêmea ZW, mas não o de um macho ZZ (Fig. 9.13).
A sexagem molecular é um importante componente do programa
de recuperação da coruja Ninox novaeseelandia da Ilha Norfolk (Capí-
tulo 6). Embora o programa tenha produzido 12-13 indivíduos, sete
dos quais sendo F2, apenas dois casais estavam se reproduzindo. Não
estava claro se isto acontecia devido à esterilidade de híbridos, razão
sexual desproporcional ou devido ao fato dos indivíduos de um dos
sexos serem imaturos. Dado que as fêmeas e os machos não podiam
ser identificados através da morfologia externa, as aves foram sexadas
utilizando-se de uma técnica baseada em PCR. A população consistia
de números aproximadamente iguais de machos e fêmeas. A escassez
de machos maturos foi identificada como sendo o principal fator que
tornava lentos os esforços de recuperação. O criticamente em perigo
Himantopus novaezelandiae, da Nova Zelândia, declinou para aproxima-
damente 70 aves, com apenas 12 casais se reproduzindo. A sexagem
molecular foi utilizada para evitar pareamentos de um único sexo no
programa de recuperação. A sexagem molecular no criticamente em
perigo Turdus helerii, do Quênia (Fig. 9.13), revelou uma razão sexual
altamente distorcida em uma das três populações (apenas 10% de fê-
meas). Além disso, este estudo levou à identificação de uma caracte-
rística morfológica que pode ser utilizada para sexar visualmente os
indivíduos.
Controle

Fig. 9.13 Sexagem da ave criticamente em perigo Turdus helerii utilizando-se um


marcador de DNA específico do cromossomo W (Lens et al. 1998). O PCR foi utilizado
para amplificar dois locos, um do cromossomo W e um autossômico, utilizando-se
primers específicos. O DNA amplificado para as 11 aves mostra que as reações de PCR
funcionaram. Os resultados obtidos após a digestão com a enzima Hae III são mostrados;
ela digere o fragmento autossômico mas não o fragmento do cromossomo W, de maneira
que um fragmento é observado para as fêmeas, que são ZW, e nenhum aparece para os
machos, que são ZZ.
DOENÇAS 197

Uma vez que as fêmeas dos mamíferos tipicamente apresentam Os mamíferos podem ser
os cromossomos XX e os machos XY, o sexo pode ser determinado sexados utilizando-se os
utilizando-se métodos moleculares que detectam locos específicos do marcadores genéticos do
cromossomo Y. Por exemplo, os ursos pardos dos Pirineus livres foram cromossomo Y
sexados a partir de amostras de fezes e pêlos encontradas no campo,
utilizando-se da amplificação por PCR de um loco Y-específico. De ma-
neira similar, métodos moleculares têm sido desenvolvidos para sexar
cetáceos a partir de amostras de biópsia de pele.

Doenças
A presença de infecções nos animais é algo crítico para a identificação Os métodos moleculares
de causas de declínio populacional e para a escolha de candidatos para oferecem maneiras para se
translocação ou reintrodução. Métodos baseados em PCR propiciam detectar e investigar a biologia
uma maneira rápida, confiável e altamente sensível para a detecção de organismos patogênicos
de agentes infecciosos. Por exemplo, o PCR tem sido usado no estudo e delinear as fontes de novas
da Malária nas aves do Havaí, uma das duas doenças que acredita-se doenças
ser o principal fator que contribui com o declínio das aves havaia-
nas. Habitats de grandes altitudes, considerados livres dos mosquitos
transmissores de Malária, têm sido preservados para a conservação de
espécies em perigo de aves florestais. No entanto, a Malária tem sido
identificada no sangue de aves de habitats de grandes elevações em
Maui e Hawaii, indicando que estas áreas não são tão seguras quanto
se acreditava ser. Reservatórios da doença também foram encontrados
em espécies de aves introduzidas em habitats de baixa elevação.
Árvores gênicas baseadas em seqüências de DNA têm sido aplicadas
na determinação da fonte de novas doenças. Foi verificado que o HIV-1,
um dos vírus que causam AIDS nos humanos, é o vírus mais proxi-
mamente aparentado do vírus SIV, dos chimpanzés, enquanto o HIV-2
se originou de um vírus presente nos macacos Cercocebus atys. Simi-
larmente, verificou-se que um vírus que causou uma epidemia e alta
mortalidade nos leões africanos do Serengueti em 1994 era a cinomose
canina, que provavelmente saltou dos cães locais para o novo hospe-
deiro. A recomendação feita foi a vacinação dos cães locais contra a
cinomose para minimizar os riscos da epidemia se repetir nos leões e,
especialmente, em outros carnívoros raros. Análises de genética mole-
cular também têm sido usadas na identificação da fonte de doenças de
plantas introduzidas na Austrália e em outras localidades.

Dieta
É difícil se determinar a dieta de espécies noturnas ou arredias através
de observação direta. Itens alimentares podem ser identificados nas
fezes através do uso de PCR com primers específicos de itens alimenta-
res potenciais. Isso foi aplicado em ursos, quando a planta Photinia foi
identificada como um item alimentar.
O papel dos predadores no declínio de espécies ameaçadas também
tem sido avaliado através de amplificações baseadas em PCR e genoti-
pagem. A genotipagem de microssatélites de conteúdos estomacais da Urso
198 A GENÉTICA MOLECULAR NA ANÁLISE FORENSE E NO ESTUDO DA BIOLOGIA DAS ESPÉCIES

Reações de PCR com primers gaivota Larus hyperboreus, no Alasca, revelaram que elas estavam pre-
específicos de potenciais dando os gansos imperadores, Chen canagica, mas não o pato ameaçado
itens alimentares podem ser Somateria fischeri.
utilizados para se determinar
a dieta a partir de conteúdos LEITURAS SUGERIDAS
estomacais ou de fezes Frankham, R., J. D. Ballou & D. A. Briscoe. 2002. Introduction to Conservation
Genetics. Cambridge University Press, Cambridge, UK. Capítulo 19
oferece um tratamento um pouco mais extenso sobre estes tópicos,
mais referências.
Avise, J. C. 1994. Molecular Markers, Natural History and Evolution. Chapman
& Hall, New York. Trata do uso de técnicas de genética molecular para
o entendimento da biologia das espécies.
Avise, J. C. 2000. Phylogeography: The History and Formation of Species.
Harvard University Press, Cambridge, MA. É um excelente livro
texto sobre coalescência e filogeografia, do fundador desta linha de
pesquisa.
Avise, J. C. & J. L. Hamrick. (eds.) 1996. Conservation Genetics: Case Histories
from Nature. Chapman & Hall, New York. Revisões científicas contendo
exemplos do uso de marcadores genéticos para o entendimento da
biologia das espécies.
Hoelzel, A. R. (ed.) 1998. Molecular Genetic Analysis: A Practical Approach,
2nd edn. Oxford University Press, Oxford, UK. Um livro editado
com detalhes técnicos e estudos de caso sobre o uso dos métodos de
genética molecular para esclarecer aspectos da biologia das espécies.
Smith, T. B. & R. K. Wayne. (eds.) 1996. Molecular Genetic Approaches in
Conservation. Oxford University Press, New York. Este livro contém
muitos detalhes técnicos e muitos exemplos do uso de análises de
genética molecular no entendimento da biologia das espécies.
Sunnucks, P. 2000. Efficient markers for population biology. Trends in
Ecology and Evolution 15, 199-203. Uma revisão recente sobre o uso
de métodos de genética molecular na biologia de populações e na
conservação.

Você também pode gostar